IMPEACHMENT E REPRESENTATIVIDADE DEMOCRÁTICA: A...

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO SUZANE SCANDELARI RAUPP IMPEACHMENT E REPRESENTATIVIDADE DEMOCRÁTICA: A ATUAÇÃO DOS SUPLENTES DE SENADOR NO JULGAMENTO POLÍTICO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA BRASÍLIA 2015

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE DIREITO

SUZANE SCANDELARI RAUPP

IMPEACHMENT E REPRESENTATIVIDADE DEMOCRÁTICA:

A ATUAÇÃO DOS SUPLENTES DE SENADOR NO JULGAMENTO

POLÍTICO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

BRASÍLIA

2015

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE DIREITO

IMPEACHMENT E REPRESENTATIVIDADE DEMOCRÁTICA:

A ATUAÇÃO DOS SUPLENTES DE SENADOR NO JULGAMENTO

POLÍTICO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade de Brasília

como requisito parcial à obtenção de grau de

Bacharela em Direito, sob orientação do Professor

Mestre Thiago Luís Santos Sombra.

BRASÍLIA

2015

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE DIREITO

IMPEACHMENT E REPRESENTATIVIDADE DEMOCRÁTICA:

A ATUAÇÃO DOS SUPLENTES DE SENADOR NO JULGAMENTO

POLÍTICO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Apresentada em 3 de dezembro de 2015.

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________

Professor Mestre Thiago Luís Santos Sombra (UnB)

___________________________________________

Professor Doutor Marcelo da Costa Pinto Neves (UnB)

___________________________________________

Professor Doutor Guilherme Scotti Rodrigues (UnB)

A meus pais, Flávio e Irene,

pelo amor e confiança;

A minhas irmãs, Carol e Anne,

pelo apoio em todas as horas;

A João por permanecer ao meu lado,

E ao meu querido amigo Frank

pela cobrança, sempre construtiva.

(Quino)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo verificar em que medida a existência do cargo de

suplente de senador é consentânea com os conceitos de soberania, democracia e

representatividade, haja vista não ser investido no cargo mediante eleições periódicas, e como

sua atuação no julgamento político do Presidente da República deve ser interpretada face

àqueles conceitos. O primeiro capítulo traz as noções iniciais sobre o processo de

impeachment, desde suas origens históricas até a forma atual do instituto no ordenamento

jurídico brasileiro, delineando a atuação do Senado Federal no julgamento do processo. O

segundo capítulo traça os conceitos de soberania, representatividade e democracia e a relação

existente entre eles, especialmente mediante a análise das obras de Nadia Urbinati, buscando

esclarecer de que forma se dá a escolha e a responsabilização dos representantes políticos

eleitos. O terceiro capítulo aborda as características do cargo do suplente, mediante a análise

da legislação pátria e do Direito Comparado, com vistas a entender seu papel no processo de

impeachment, especialmente diante dos conceitos trabalhados nos capítulos anteriores.

Palavras-chave: Processo de impeachment; Suplência senatorial; Democracia representativa;

Accountability.

ABSTRACT

This article aims at establishing an analysis in order to identify how the role of the Senator‟s

substitute relates with the concepts of sovereignty, democracy and representativeness,

considering they are not invested in the position by popular and direct vote. Therefore, if they

are not elected, how can be understood their participation in the political judgment of the

President. Firstly, we will draw a historical approach of the impeachment process in

accordance with Brazilian law, outlining the Senator‟s substitute role in the procedure.

Subsequently, it will be pointed out the relation between sovereignty, representation and

democracy from Nadia Urbinati's overview, seeking to clarify how can be comprehended the

representatives accountability. The third topic addresses the main characteristics of the

Senator's substitute from an analysis of the Brazilian legislation and comparative law as well,

aiming to improve the democratic continent of impeachment process.

Key words: Impeachment; Senators‟ substitute; Representative democracy; Accountability.

RESUMEN

El presente trabajo tiene por objetivo verificar como la existencia del suplente de senador es

coherente con los conceptos de soberanía, democracia y representatividad, dado que no es

investido en el cargo mediante elecciones periódicas, y como su actuación en el juicio político

del Presidente de la República debe ser interpretada en su relación con aquellos conceptos. El

primer capítulo trae las nociones iniciales sobre el proceso de impeachment, desde sus

orígenes históricos hasta la forma actual del instituto en la ley brasilera, delineando la

actuación del Senado Federal en la sentencia del proceso. El segundo capítulo expone los

conceptos de soberanía, representatividad y democracia y la relación existente entre ellos,

especialmente mediante el análisis de las obras de Nadia Urbinati, buscando esclarecer de qué

forma ocurre la elección y la responsabilidad de los representantes políticos elegidos. El tercer

capítulo trata de las características del cargo del suplente, mediante el análisis de la

legislación brasilera y del Derecho Comparado, a fin de comprender su importancia en el

proceso de impeachment, especialmente en vista de los conceptos explorados en los capítulos

anteriores.

Palabras-clave: Proceso de impeachment; Suplencia senatorial; Democracia representativa;

Accountability.

SUMÁRIO

Introdução 9

Capítulo 1 – Evolução histórica do impeachment 12

1.1 Origem histórica 12

1.2 O impeachment nas Constituições brasileiras 15

1.3 Legislação infraconstitucional 18

1.3.1 Lei nº 1.079/1950 18

1.3.2 Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal 20

1.4 O impeachment hoje: a Constituição de 1988 21

1.5 A legitimidade do Senado Federal para julgar o processo de impeachment 22

Capítulo 2 – Soberania, democracia, representação e responsabilidade 24

2.1 Conceitos de representação e projeto democrático 24

2.2 Representantes e representados 32

2.3 Constitucionalismo, separação de poderes e responsabilidade do Poder

Executivo 35

Capítulo 3 – Os suplentes no Senado Federal 39

3.1 Suplência no Direito Comparado 40

3.2 Suplência sob o enfoque da democracia representativa 41

3.3 Suplência e o processo de impeachment 43

Conclusão 47

Referências 50

9

INTRODUÇÃO

Em 1º de setembro de 1992, Barbosa Lima Sobrinho, presidente da Associação

Brasileira de Imprensa, e Marcello Lavenère Machado, então presidente da Ordem dos

Advogados do Brasil, entregam ao presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro, o

pedido de impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello pela suposta prática de

crimes de responsabilidade. Vinte e nove dias depois, por 441 votos a favor, a Câmara dos

Deputados autoriza a abertura do processo. Em 2 de outubro daquele ano, o Presidente é

afastado do cargo, e, em 29 de dezembro, renuncia para evitar o impeachment. No dia

seguinte, o Senado aprova a Resolução nº 101, considerando prejudicado o pedido de

aplicação da sanção de perda do cargo, mas condenando o ex-Presidente à inabilitação para o

exercício de função pública pelo período de oito anos. Vinte e três anos depois, o

impeachment volta a ser manchete de jornais e revistas e a intrigar a população.

O interesse pelo assunto é proporcional à falta de trabalhos a respeito no Brasil. A

obra de Paulo Brossard, “O impeachment”, escrita em 1965 e reeditada em 1992, continua a

ser o estudo mais completo sobre o assunto. Isto se deve, em parte, à sua pouca aplicação no

direito brasileiro. Em mais de 120 anos de República, o instituto foi efetivamente usado

contra o Presidente uma única vez, em 1992.

O impeachment é o processo voltado a apurar atos do Presidente da República que

atentem contra a Constituição Federal e que, de modo geral, comprometam a existência e o

bom funcionamento do Estado. Trata-se de procedimento de difícil instauração: somente pelo

voto favorável de 342 deputados (dois terços dos membros da Câmara) pode ser autorizado o

processo e, depois disso, são necessários 54 votos favoráveis (dois terços) no Senado Federal

para que haja condenação.

Atualmente, dos 81 senadores em exercício, 14 são suplentes. Isso corresponde a,

aproximadamente, um quinto da Casa. Destes, nenhum foi eleito. Isso significa que pouco

mais de 15% dos senadores tomam decisões sem ter recebido um único voto para isso.

Esta questão tem sido objeto de discussão e de propostas de alteração. É o caso de

seis propostas de emenda à Constituição atualmente em tramitação na Câmara e no Senado,

todas voltadas à alteração da forma de provimento do cargo de suplente1. Em 2 de julho de

2013, a Presidenta Dilma Rousseff enviou uma mensagem ao Congresso Nacional propondo a

1 PEC nº 376/2009, nº 141/2012, nº 379/2014, nº 39/2014, nº 48/2014 e nº 18/2015.

10

realização de um plebiscito sobre a reforma política. Um dos pontos sugeridos era em relação

à continuidade ou não da suplência no Senado (QUERO, 2013).

Diferentemente da Câmara dos Deputados2, os senadores são eleitos por voto

majoritário, e não proporcional, e a nomeação dos suplentes fica a critério do partido, sem que

haja qualquer relação com o resultado eleitoral.

Diante disso, o presente trabalho visa questionar a legitimidade do suplente de

senador para participar do julgamento político do Presidente da República, tendo em vista não

ter sido eleito para assumir o cargo de senador. Dessa forma, buscaremos estudar as teorias de

representação existentes e relacioná-las à questão do suplente, a fim de verificar se a

existência do cargo se harmoniza, de fato, com o conceito de representação e democracia.

Constitui-se numa pesquisa de natureza bibliográfica, a partir da análise da literatura

especializada, incluídos livros e artigos acadêmicos, bem como da legislação nacional, tanto

histórica como vigente, e internacional sobre o tema, estando estruturada em três capítulos.

O primeiro capítulo tratará do processo de impeachment, partindo de suas origens

históricas. Para isso, analisaremos a literatura relacionada, especialmente os estudos sobre o

procedimento na Inglaterra e nos Estados Unidos. Serão abordadas as modificações ocorridas

ao longo das Constituições brasileiras, desde a origem do instituto, na Constituição do

Império, até sua forma atual, recorrendo também ao estudo das normas que se lhe aplicam.

Alfim, analisaremos o papel desempenhado pelo Senado Federal no julgamento do

impeachment.

O segundo capítulo compreenderá a análise bibliográfica dos conceitos de soberania,

democracia e representação, especialmente as obras de Nadia Urbinati sobre democracia

procedimental e democracia representativa, buscando traçar um paralelo entre aqueles

conceitos, a fim de possibilitar sua aplicação à resolução do problema objeto deste estudo.

Também será abordado o conceito de responsabilidade política, partindo das noções estudadas

na primeira parte do capítulo. Por fim, analisar-se-á a responsabilidade no Poder Executivo a

partir da perspectiva da separação dos poderes e do conceito de representatividade.

2 “(...) O quociente partidário para o preenchimento de cargos vagos é definido em função da coligação,

contemplando seus candidatos mais votados, independentemente dos partidos aos quais são filiados. Regra que

deve ser mantida para a convocação dos suplentes, pois eles, como os eleitos, formam lista única de votações

nominais que, em ordem decrescente, representa a vontade do eleitorado. A sistemática estabelecida no

ordenamento jurídico eleitoral para o preenchimento dos cargos disputados no sistema de eleições proporcionais

é declarada no momento da diplomação, quando são ordenados os candidatos eleitos e a ordem de sucessão pelos

candidatos suplentes. ” (BRASIL, 2011).

11

O terceiro capítulo abordará o instituto da suplência senatorial, sua presença no

ordenamento jurídico brasileiro e em outros países com sistema governamental semelhante,

usando como base a consulta à legislação estrangeira pertinente. Será também tratada a

relação da suplência com o conceito de democracia representativa trabalhado no capítulo

anterior, a fim de responder à questão relativa à representatividade do suplente.

Por último, será analisada a atuação do suplente no processo de impeachment,

utilizando, para isso, os critérios abordados nos capítulos anteriores, tratando de solucionar a

questão relativa à sua legitimidade ou ilegitimidade para participar do julgamento político.

12

CAPÍTULO 1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO IMPEACHMENT

1.1 Origem histórica

Originariamente um instituto monárquico, o impeachment adquiriu características

próprias quando incorporado à forma republicana de governo. Na Inglaterra, os primeiros

casos remontam ao século XIII, no reinado de Edward III, muito embora o instituto ainda não

tivesse a forma por que se tornaria conhecido posteriormente. Naquela época, o impeachment

foi a maneira encontrada pelo Parlamento3 para responsabilizar os homens do rei por atos

considerados lesivos ao interesse comum, uma vez que o monarca não podia ser pessoalmente

penalizado (“the king can do no wrong”).4 Era, no fim das contas, uma forma de coagir o

próprio rei a respeitar as leis e adotar políticas aprovadas pelo Parlamento (ADAMS, 1915, p.

746-747).

A Câmara dos Comuns podia, por meio do impeachment, acusar qualquer súdito

inglês por atos ilegais – criminais ou políticos – que constituíssem ofensa às normas vigentes.

Por ser uma categoria relativamente ampla, praticamente qualquer conduta poderia configurar

um “ato ilegal”, o que permitia que o Parlamento usasse o impeachment para perseguir

adversários políticos, mais para enfraquecer suas reputações diante do rei e da nação do que

para levar o processo até o fim e julgar os acusados.5

3 Além do impeachment, o Parlamento recorreu à bill of attainder para responsabilizar ministros de Estado.

Tratava-se de uma condenação decretada por lei, sujeita à aprovação do rei. Ela foi usada especialmente durante

a dinastia dos Tudor, quando Coroa e Parlamento adotaram uma política de cooperação, aliando autoridade real e

consenso popular (BROSSARD, 1992, p. 26; SEIDMAN, 2005, p. 8). 4 “When the Eliots and Pyms of early Stuart England set out to enforce ministerial responsibility anew, they

seized two chief weapons from the medieval arsenal: the doctrine that the king can do no wrong and the right of

impeachment. The doctrine that the king can do no wrong had become the law of the land in the fourteenth

century, when successive parliaments sought to make ministers, who could be punished, responsible for criminal

acts ordered by a king, who could not be touched. The parliament of 1376 devised the power of impeachment in

order to prosecute ministers of state whom the king refused to prosecute.” (ROBERTS, 1956, p. 215). 5 “The charges, which after 1642 were treasons or "high crimes and misdemeanors," were "high" in the old sense

of being committed in high places, and "crimes" in the sense of being "illegal acts" violating known law.

Political contests motivated many of these cases. The Commons found in impeachment a means, exclusively

theirs by precedent, to chastise, weaken, and – if the Lords would consent – penalize the king's ministers for

corruption, infringement on parliamentary rights, misuse of power, and other abuses of public trust.” (HOFFER;

HULL, 1978, p. 654).

Ainda, “(...) The first impulse of the leaders of the house of commons was to turn to impeachments. The right of

impeachment was incontestable; any other interference in the executive was suspect. The commons therefore

made prodigal use of impeachments. Members of the house introduced twenty-five impeachments against

servants of the crown between 1660 and 1715. The house voted to prosecute twenty of these, but pursued only

three of them as far as a trial before the house of lords and then refused to appear in order to prosecute them.

That the commons prosecuted not one impeachment of the many which they voted is significant. It proves what

contemporaries suspected: that the commons never intended to prosecute them or, at best, desired to prosecute

them only if they could abuse the law in doing so. In truth, the commons voted impeachments in later Stuart

England only to blast the reputations of ministers whom they hated, to drive them from office by the noise of

13

O julgamento cabia à Câmara dos Lordes, que, como Câmara Alta, podia aplicar

quaisquer penas, desde o confisco de bens, prisão, desonra, exílio, até a pena de morte. O fato

de alguns dos principais ministros do rei ocuparem cadeiras na Câmara Alta do Parlamento

inglês, contudo, os impulsionava a impedir abusos na aplicação do impeachment pelos

Comuns, e incentivava a criação de limites ao poder da Câmara Baixa, exigindo, por exemplo,

que a acusação fosse específica e indicasse os crimes praticados, e cobrando um prazo

razoável para a duração do processo (ROBERTS, 1956, p. 226).

Segundo Roberts (1956, p. 226-231), embora posteriormente viesse a ser substituído

pela moção de confiança, o impeachment teve forte influência na tradição constitucional

inglesa. Com o fortalecimento do Parlamento em 1689, ficou estabelecido que o rei não podia

governar sozinho, sua soberania derivava do Legislativo, e seus ministros, portanto,

dependiam da aprovação do Parlamento para atuar, ainda que em nome do rei. Assim sendo,

os ministros passaram a buscar o apoio dos Comuns e aconselhavam o rei segundo a vontade

do Parlamento. O próprio rei afastava os ministros acusados a fim de manter uma relação

pacífica com o legislativo, a qual o permitisse governar sem sobressaltos. Aos poucos o

impeachment caiu em desuso e foi substituído pela moção de confiança, pois nesta última

bastava a manifestação do Parlamento em desfavor de algum dos homens do rei para que ele

fosse afastado.

Importado pelas colônias americanas no século XVII, o impeachment sofreu

mudanças significativas. O conhecimento dos colonos sobre o procedimento era baseado

principalmente em experiências pessoais e relatos trazidos da Inglaterra, e ainda em

publicações britânicas dos casos debatidos no Parlamento, tais como os livros de John

Rushworth e John Selden, que forneciam compilações dos casos e traziam noções sobre o

funcionamento do instituto (HOFFER; HULL, 1978, p. 655).

Hoffer e Hull (1978, p. 656) definem os primeiros impeachments americanos como

experimentos. Com uma vaga ideia de como o procedimento funcionava e acreditando na sua

eficácia, as câmaras baixas das assembleias coloniais acusavam e as câmaras altas julgavam

indivíduos por atos ilegais, fossem eles praticados com abuso de poder, em violação à

confiança pública ou cometidos por alguém em posição de autoridade, assim como na

Inglaterra. No entanto, o instituto apresentava algumas diferenças marcantes, como o fato de

their opposition, and to prevent their return by discrediting them with king and nation.” (ROBERTS, 1956, p.

225-226).

14

todos os acusados serem indivíduos ocupantes de funções do Estado e as penalidades não

terem natureza criminal nem irem além da perda do cargo.

De acordo com os autores, o primeiro impeachment nas colônias inglesas ocorreu em

1635, no Estado da Virgínia, contra o Governador John Harvey, embora ainda não recebesse

essa nomenclatura: o termo impeachment só seria usado em 1669, em Maryland. Informado

de que a House of Burgesses (a primeira assembleia legislativa dos Estados Unidos formada

por representantes eleitos) estava insatisfeita com suas políticas comerciais e de concessão de

terras, John Harvey deixou a colônia. A assembleia tomara para si, por volta de 1630, o poder

parlamentar de investigar transgressões políticas, e Harvey fora acusado de atentar contra o

interesse público. Conforme relatos da época, seus crimes incluíam: interceptar cartas de

plantadores da Virgínia endereçadas a Charles I, pleiteando a renegociação dos contratos de

tabaco; tramar com comerciantes do Estado de Maryland contra o de Virgínia; e ainda

planejar um arriscado tratado de paz com os índios. John Harvey foi acusado pela Câmara

Baixa e condenado por abuso de poder público. Contudo, a assembleia, receosa da reação da

Coroa, resolveu não lhe aplicar punição criminal, limitando-se a destituí-lo do cargo e enviá-

lo, sob custódia, para ser sentenciado pelo rei (HOFFER; HULL, 1978, p. 657-658).

Diferente do Parlamento, que tinha o direito de impeachment contra ministros de

Estado e podia aplicar-lhes punições severas – atribuições conquistadas ao longo de anos de

luta contra o poder do soberano –, as assembleias das colônias não tinham escolha: eram

domínio da Coroa, governadas pelo rei e estabelecidas em terras concedidas por ele. As

assembleias, inclusive a House of Burgesses, tinham a mesma natureza dos conselhos comuns

das vilas britânicas, e a própria presunção de um poder semelhante ao de impeachment era um

ato de lesa majestade, punido pelo Conselho privado do rei com a manutenção de Harvey no

cargo (HOFFER; HULL, 1978, p. 658).

Em 1787, quando da promulgação da Constituição dos Estados Unidos, o processo

de impeachment já estava plenamente desenvolvido, de modo que restava apenas incluí-lo no

texto constitucional, como parte da tradição política norte-americana. Tanto é assim que a

Constituição norte-americana apenas se refere ao procedimento sem defini-lo, e remete aos

casos ingleses como precedentes (DWIGHT, 1867, passim).

Lawrence (1867, 643-644) faz algumas distinções entre o instituto republicano e o

monárquico:

15

i) No modelo inglês, havendo maioria simples, os lordes poderiam condenar o

acusado (BROSSARD, 1992, p. 173); no modelo americano, exige-se a concordância de dois

terços dos membros presentes do Senado para a condenação.

ii) No modelo inglês, a natureza e extensão da pena ficavam a critério dos lordes; no

modelo americano, a pena não pode ir além do afastamento do cargo e do impedimento para

exercer funções públicas.

iii) No modelo inglês, o processo de impeachment podia ser usado para julgar

inclusive infrações penais; já no modelo americano, esse instituto se destina a remover o

acusado do cargo e impedi-lo de exercer outra atividade pública, normalmente por tempo

determinado, limitando-se sua aplicação aos crimes de responsabilidade.

iv) No modelo inglês, qualquer súdito do rei estava sujeito ao impeachment pelo

Parlamento, não podendo o próprio rei ser acusado, enquanto, no modelo americano, só estão

sujeitos ao processo os detentores de cargos públicos do governo, incluindo o próprio

Presidente.

Por outro lado, as competências para acusar e julgar os réus são similares nos dois

modelos: no modelo britânico, a acusação cabe à Câmara dos Comuns, a Câmara Baixa do

Parlamento, enquanto o julgamento é feito pela Câmara dos Lordes, a Câmara Alta; nos

Estados Unidos quem acusa é a Câmara dos Deputados, a Câmara Baixa do Congresso

americano, cabendo ao Senado, a Câmara Alta, proceder ao julgamento.

1.2 O impeachment nas Constituições brasileiras

A primeira constituição brasileira, a Constituição do Império de 1824, já admitia o

processo de impeachment, embora sua forma se assemelhasse à forma monárquica de

responsabilidade dos ministros de Estado existente na Inglaterra. Em linhas gerais, a pessoa

do imperador era, nos termos do artigo 99 da Constituição do Império, “inviolavel, e Sagrada:

Elle não está sujeito a responsabilidade alguma” (BRASIL, 1824), mas seus secretários,

ministros e conselheiros respondiam pelos crimes cometidos.

Assim sendo, os secretários e ministros podiam ser acusados de traição, peita,

suborno, concussão, abuso de poder, falta de observância da lei, por obrarem contra a

liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos, e por qualquer dissipação dos bens

públicos, segundo os artigos 1º ao 6º da Lei de 15 de outubro de 1827 (BRASIL, 1827), e os

conselheiros por conselhos opostos à lei ou contra os interesses do Estado, em caso de dolo

(artigo 7º daquela lei).

16

As denúncias poderiam ser feitas por qualquer cidadão, e este direito prescrevia em

três anos; aos parlamentares era facultado apresentar a denúncia em até oito anos, período de

duas legislaturas, conforme estabelecia o artigo 8º da lei de 1827. O imperador, por sua vez,

tinha o poder de indultar ou comutar as penas aplicadas pelo Senado (BROSSARD, 1992, p.

38).

Várias tentativas foram feitas no sentido de aplicar a lei, tendo sido apresentadas

denúncias contra ministros de 1827 a 1857, embora só um tenha sido acusado e,

posteriormente, absolvido pelo Senado. Com o tempo, assim como na Inglaterra, o

impeachment perdeu força sob a constituição do império e a responsabilidade política passou

a ser aplicada em termos de confiança parlamentar (BROSSARD, 1992, p. 40).

Com a proclamação da República, a revogação da constituição de 1824 e a

implantação do sistema presidencialista de governo, o modelo monárquico de

responsabilização política perdeu espaço, uma vez que a pessoa do Presidente, diferente do

imperador, era legalmente responsável por seus atos. O modelo de responsabilização adotado

pela constituição de 1891 inspirou-se claramente no modelo norte-americano, mantendo,

contudo, as características processuais da constituição de 1824 e da lei de 1827.

A mudança mais substancial foi em relação à natureza do instituto, que deixou de ser

criminal. Isso porque, no modelo republicano, o processo de impeachment tem natureza

política, embora as faltas possam ter “colorido e repercussões penais” (BROSSARD, 1992, p.

44). Assim diz o artigo 2º do Decreto nº 30, de 8 de janeiro de 1892:

Art. 2º Esses crimes serão punidos com a perda do cargo sómente ou com esta pena

e a incapacidade para exercer qualquer outro, impostas por sentença do Senado, sem

prejuizo da acção da justiça ordinaria, que julgará o delinquente segundo o direito

processual e criminal commum. (sic)

O artigo 54 da primeira constituição republicana apresenta rol taxativo de crimes

passíveis de impeachment, e seu §1º impõe a definição desses crimes por lei especial,

retirando, em parte, a discricionariedade do Congresso e limitando a aplicação do instituto

(BRASIL, 1891; BROSSARD, 1992, p. 44-52). Cabia à Câmara dos Deputados declarar a

procedência ou improcedência da acusação contra o Presidente da República; o julgamento

era de competência privativa do Senado Federal.

O Presidente poderia ser responsabilizado por “crimes contra a existencia politica da

União, contra a constituição e a fórma do Governo Federal, contra o livre exercicio dos

poderes politicos, contra o goso e exercicio legal dos direitos politicos ou individuaes, contra

a segurança interna do paiz, contra a probidade da administração, contra a guarda e emprego

17

constitucional dos dinheiros publicos e contra as leis orçamentarias” (sic), todos definidos no

Decreto nº 30/1892.

A Constituição de 1934 repetiu os preceitos da carta anterior, especialmente quanto à

natureza e aos tipos de crimes de responsabilidade, inovando, contudo, em relação ao

procedimento de impedimento. O julgamento do Presidente da República, nos crimes comuns,

cabia ao Supremo Tribunal Federal e, nos crimes de responsabilidade, a um Tribunal Especial,

reunido para este fim, composto de nove juízes, escolhidos por sorteio após decretada a

acusação: três ministros do Supremo Tribunal Federal, três membros do Senado Federal e três

membros da Câmara dos Deputados, sendo presidida pelo presidente do Supremo (BRASIL,

1934).

Oferecida a denúncia ao presidente do STF, este convocaria uma Junta Especial de

Investigação, composta de um ministro daquele tribunal, um deputado e um senador.

Investigados os fatos e ouvido o Presidente, enviava-se um relatório à Câmara dos Deputados,

que, dentro de 30 dias, decretaria, ou não, a acusação. Em caso positivo, encaminharia as

peças necessárias ao presidente do Tribunal Especial para que este procedesse ao processo de

julgamento, ficando o Presidente, desde aquele momento, afastado do cargo. Como na

constituição anterior, o Tribunal só poderia aplicar a pena de perda do cargo e inabilitação por

até cinco anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das ações civis e

penais cabíveis (BRASIL, 1934).

A Constituição de 1937 reduziu ligeiramente o rol de crimes de responsabilidade,

mantendo os que atentassem contra: a existência da União, a Constituição, o livre exercício

dos Poderes políticos, a probidade administrativa e a guarda e emprego dos dinheiros público

e a execução das decisões judiciárias.

A competência para declarar, por dois terços dos votos de seus membros, a

procedência da acusação cabia à Câmara dos Deputados, cabendo o processo e o julgamento

ao Conselho Federal. As penas, assim como na Carta de 1934, podiam variar apenas entre a

perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo máximo de

cinco anos, sem prejuízo das ações civis e penais cabíveis (BRASIL, 1937).

As mudanças trazidas pela Constituição seguinte, de 1946, diziam respeito à

ampliação do rol de crimes, voltando a equiparar-se ao de 1934, e ao quórum para declaração

da acusação pela Câmara: enquanto o texto constitucional de 1937 exigia o voto favorável de

dois terços dos membros, o de 1946 exigia apenas a anuência da maioria absoluta na Câmara.

18

Para que o Senado condenasse o acusado, o requisito necessário era o voto favorável

de dois terços dos seus membros, não podendo impor outras penas que não a perda do cargo e

a inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo máximo de cinco anos, como nas

constituições anteriores. Declarada a procedência da denúncia, o Presidente ficaria suspenso

de suas funções. O presidente do Supremo Tribunal Federal era encarregado de presidir o

julgamento no Senado (BRASIL, 1946).

Poucas alterações sofreu a Constituição seguinte: a de 1967 voltava a exigir o voto

favorável de dois terços dos membros da Câmara dos Deputados para declarar a procedência

da acusação, e dois terços dos votos favoráveis dos membros do Senado para proferir sentença

condenatória. A alteração mais significativa foi em relação à duração do processo: o artigo 85,

§2º, estabelecia que “decorrido o prazo de sessenta dias, se o julgamento não estiver

concluído, o processo será arquivado”. Foram mantidos os dispositivos da Constituição

anterior, relativos aos tipos de crime, às penas aplicáveis e à suspensão do acusado de suas

funções BRASIL, 1967).

1.3 Legislação infraconstitucional

1.3.1 Lei nº 1.079/1950

Em 10 de abril de 1950, sob a vigência da Constituição de 1946, foi sancionada a Lei

nº 1.079, que definiu os crimes de responsabilidade e o processo mediante o qual seriam

julgados. Alguns pontos importantes merecem destaque.

Qualquer cidadão poderia apresentar, perante a Câmara dos Deputados, denúncia

contra o Presidente da República ou seus Ministros de Estado por crime de responsabilidade,

que só seria recebida se o denunciado não tivesse deixado definitivamente o cargo. A

denúncia, assinada pelo denunciante e com firma reconhecida, deveria estar acompanhada dos

documentos que a comprovassem ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los,

indicando, neste caso, o local onde poderiam ser encontrados. Nos crimes com prova

testemunhal, deveria ser apresentado também o rol, com no mínimo cinco testemunhas.

A denúncia seria então encaminhada à Câmara, sendo lida na sessão seguinte e

despachada a uma Comissão Especial eleita, composta por representantes de todos os

partidos, que se reuniria no prazo de até quarenta e oito horas e, após eleger presidente e

relator, emitiria parecer sobre se a denúncia deveria ou não objeto de deliberação. A Comissão

poderia, ainda, promover as diligências necessárias ao cumprimento da tarefa. O parecer seria,

então, lido na sessão seguinte e publicado no Diário do Congresso Nacional, e, após quarenta

19

e oito horas, seria incluído em primeiro lugar na ordem do dia para uma discussão única, na

qual cinco representantes de cada partido poderiam manifestar-se.

Encerrada a discussão, o parecer seria submetido a votação nominal: se a denúncia

não fosse considerada objeto de deliberação, seria arquivada. Caso contrário, uma cópia seria

enviada ao denunciado, que teria o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de

prova. Decorrido o prazo, apresentada ou não a contestação, a Comissão Especial

determinaria as diligências que considerasse convenientes e realizaria as sessões necessárias

para oitiva das testemunhas, do denunciante e do denunciado, que poderia assistir

pessoalmente, ou fazer-se representar por seu procurador, a todas as audiências, inclusive

interrogando ou contestando as testemunhas.

Concluídas as diligências, a Comissão Especial apresentaria parecer sobre a

procedência ou improcedência da denúncia. Publicado e distribuído o parecer, seria incluído

na ordem do dia da sessão seguinte para ser submetido a duas discussões, com intervalo

mínimo de quarenta e oito horas entre elas. Encerrada a discussão do parecer, durante a qual

cada representante de partido poderia falar uma única vez, seria o mesmo submetido a votação

nominal, não sendo permitidas questões de ordem.

Caso se decidisse pela procedência da denúncia, seria considerada decretada a

acusação pela Câmara dos Deputados e o processo seria enviado ao Senado Federal, estando o

acusado, desde aquele momento, suspenso de suas funções.

Ao receber o decreto de acusação, o presidente do Senado Federal enviaria cópia de

todo o processo ao acusado, que, na mesma ocasião, seria notificado para comparecer à Casa,

em dia previamente fixado, sendo-lhe facultado assistir pessoalmente ou fazer-se representar

por advogados. O processo original seria enviado ao presidente do Supremo Tribunal Federal,

comunicando-lhe o dia designado para julgamento. Em caso de revelia, o presidente do

Senado determinaria nova data e nomearia um defensor, permitindo-lhe o exame das peças da

acusação.

No dia do julgamento, presentes o acusado, ou seus defensores, e a comissão

acusadora, aberta a sessão pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, seriam lidos o

processo preparatório e os artigos de defesa, ouvidas, em seguida, as testemunhas. Concluída

esta fase, proceder-se-ia ao debate verbal entre a comissão acusadora e o acusado pelo prazo

fixado pelo presidente da sessão, não superior a duas horas. Encerrados os debates, e tendo as

partes se retirado, se passaria à discussão sobre o objeto da acusação, após a qual o presidente

20

faria o relatório da denúncia e das provas e submeteria o julgamento a votação nominal dos

senadores. Se absolutório o veredicto, o acusado retornaria ao seu cargo e o processo seria

arquivado; se condenatório, o Senado, por iniciativa do presidente do julgamento, fixaria o

prazo para inabilitação para o exercício de qualquer função pública, estando o acusado, desde

então, destituído do cargo.

A lei foi recepcionada parcialmente pela Constituição de 1988. Adiante trataremos

dos pontos que sofreram modificações.

1.3.2 Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, aprovado pela Resolução nº 17, de

1989, dedica um capítulo próprio ao processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da

República e os Ministros de Estado por crimes de responsabilidade, sob o Título VI, “das

matérias sujeitas a disposições especiais”, Capítulo VII.

O procedimento previsto pelo Regimento Interno se assemelha, em alguns aspectos,

àquele da Lei nº 1.079/50, mas sua forma é mais simplificada. O artigo 218, cabeça, e seu §

1º, reproduzem os artigos 14 e 16 da lei, mas seu § 2º estabelece a forma de recebimento da

denúncia: compete ao presidente da Câmara dos Deputados recebê-la e verificar se estão

presentes os requisitos exigidos pelo artigo 16. Em caso afirmativo, o denunciado será então

notificado, consoante disposto no § 4º do artigo 218, e lhe será concedido o prazo de dez

sessões para manifestar-se. Do despacho do presidente que implicar o indeferimento do

recebimento da denúncia caberá recurso ao Plenário, como estabelecido no § 3º.

Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma

Comissão Especial eleita, que, em cinco sessões, contadas do oferecimento da manifestação

do acusado ou do término do prazo previsto no §4º, emitirá parecer concluindo pelo

deferimento ou indeferimento da denúncia.

O parecer será lido na sessão seguinte e publicado na íntegra, junto com a denúncia,

no Diário da Câmara dos Deputados e avulsos, conforme determina o § 6º do Regimento

Interno. Decorridas quarenta e oito horas da sua publicação, será incluído na ordem do dia da

sessão seguinte e, encerrada a discussão, será submetido a votação nominal, nos termos dos

§§ 7º e 8º. Admitida a instauração do processo contra o denunciado pelo voto favorável de

dois terços dos membros da Câmara, será comunicada a decisão ao presidente do Senado.

O Regimento Interno do Senado Federal, aprovado pela Resolução nº 93, de 1970, e

alterado pelas Resoluções nº 7, de 25 de junho de 2015 e 12, de 1º de setembro de 2015,

21

também dedica um capítulo próprio ao processo de julgamento do Presidente e Vice-

Presidente da República e Ministros de Estado por crimes de responsabilidade.

O Título X, “das atribuições privativas”, Capítulo I, “do funcionamento como órgão

judiciário”, artigo 377, repete o disposto no artigo 52, incisos I e II, e primeira parte do

parágrafo único, da Constituição de 1988, definindo a competência do Senado para julgar os

crimes de responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, seu vice, e seus Ministros de

Estado, e designa o presidente do Supremo para presidir o julgamento. O artigo 378 adota a

mesma redação da parte final do parágrafo único do artigo 52 do Texto Maior, estabelecendo

o quórum mínimo para condenação e as penas a serem aplicadas, e os artigos 379 e 382

remetem à Lei nº 1.079/50 como norma a ser observada durante todo o procedimento.

De acordo com o Regimento Interno, recebida a autorização para instauração do

processo pela Mesa da Casa, será lido o documento no expediente da sessão seguinte, na qual

se elegerá uma comissão, composta por um quarto dos membros do Senado, observada a

proporcionalidade das representações partidárias ou blocos parlamentares, que ficará

responsável pelo processo. Preparado o libelo acusatório e entregue ao presidente do Senado,

encerra-se o trabalho da comissão.

O processo original, instruído com o libelo, será então enviado ao presidente do

Supremo Tribunal Federal, com a comunicação do dia designado para julgamento, e o

Primeiro Secretário enviará ao acusado cópia autenticada de todas as peças do processo,

informando-o sobre o dia e a hora em que deverá comparecer para o julgamento. Caso o

acusado esteja ausente do Distrito Federal, será solicitada sua intimação ao Tribunal de Justiça

do Estado em que se encontre. Instaurado o processo, ficará o Presidente suspenso de suas

funções, conforme dito anteriormente. Se o julgamento não for concluído dentro de cento e

oitenta dias, cessará o afastamento do acusado, sem prejuízo do regular prosseguimento do

processo.

1.4 O processo de impeachment hoje: a Constituição de 1988

O texto constitucional vigente observou, de modo geral, o modelo instituído pela

Constituição de 1891, exceto pelo seguinte: a Câmara não mais declara procedente ou

improcedente a acusação, limitando-se a autorizar a instauração do processo pelo Senado.

Instaurado o processo, o Presidente fica afastado do cargo e o Vice-Presidente o substitui.

Decorridos cento e oitenta dias, caso não seja proferida sentença definitiva, o acusado retorna

22

ao exercício, mas o processo continua. Caso condenado, perde o cargo e torna-se inelegível

pelo prazo de oito anos, e não cinco, como nas Constituições anteriores.

Além disso, o artigo 23, §§ 1º e 2º, da Lei nº 1.079/50, que dispõe sobre a aprovação

do parecer e a decretação da acusação, deve ser lido à luz do artigo 51, inciso I, da

Constituição de 1988, que exige o voto de dois terços dos membros da Câmara para autorizar

a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros

de Estado, uma vez que o artigo 81 daquela lei, que exigia apenas o voto da maioria absoluta

dos membros da Câmara para “decretar a acusação”, não foi recepcionado.

O § 5º do artigo 23 tampouco foi recepcionado pela Constituição de 1988: autorizada

a instauração do processo pela Câmara, não fica o acusado suspenso do exercício de suas

funções. O artigo 86, § 1º, inciso II, sujeita a suspensão do Presidente, nos crimes de

responsabilidade, à instauração do processo pelo Senado Federal, não antes disso.

1.5 A legitimidade do Senado Federal para julgar o processo de impeachment

O processo de impeachment tem natureza política: os crimes são políticos, tutelam

bens políticos, suas sanções são políticas. De modo que parece lógico que o tribunal

responsável por seu julgamento também o seja (BROSSARD, 1992, p. 75).

O processo de impeachment não atinge o sujeito ocupante do cargo, apenas a

autoridade de que está investido. Isso porque o objetivo do julgamento não é castigar o

malfeitor, mas proteger os interesses públicos contra o abuso do poder oficial, negligência ou

conduta incompatível com o exercício do cargo (BROSSARD, 1992, p. 77-78).

Esta distinção fica mais evidente quando se analisa como o Constituinte diferenciou

os crimes comuns dos crimes de responsabilidade: nos comuns, o acusado é julgado pelo

Supremo Tribunal Federal, conforme determina o artigo 102, inciso I, alínea “b”, da

Constituição Federal; nos de responsabilidade (políticos), será julgado pelo Senado Federal.

Ademais, a natureza das penas também permite concluir que há diferença entre a

natureza dos ritos e dos julgamentos: o § 3º do artigo 86 prevê a aplicação de pena privativa

de liberdade ao Presidente da República nos crimes comuns, desde que haja condenação

prévia, atingindo, portanto, a pessoa do acusado (pena privativa de liberdade). Já o parágrafo

único do artigo 52, nos crimes de responsabilidade, limita as penas à perda do cargo e

inabilitação por oito anos, atingindo somente a autoridade (BRASIL, 1988).

23

O Presidente da República é eleito pela maioria absoluta dos votos, em eleições

diretas, por sufrágio universal e secreto. É o cargo mais alto do Poder Executivo. Ao Senado

cabe julgá-lo, primeiramente, por determinação Constitucional. Assim ocorre em outros

países, assim originou-se o instituto na Inglaterra, assim é feito nos Estados Unidos, em cujo

modelo inspirou-se o brasileiro. As Constituições brasileiras, desde a imperial, atribuíram às

duas Casas do Congresso Nacional a acusação e julgamento do impeachment, ainda que o

procedimento tenha sofrido modificações ao longo do tempo.

Por último, cabe ao Senado o julgamento porque é representativo. Seguindo a

explicação de Paulo Brossard (1992, p. 130-132), em uma redução exemplificativa, a Câmara

representaria a totalidade da nação6, enquanto o Presidente representaria a parte – na melhor

das hipóteses, a maior parte – do eleitorado (BROSSARD, 1992, p. 131). Desta forma,

caberia à Câmara, como instituição representativa do povo, acusar o Presidente por condutas

incompatíveis com o bom desempenho de suas funções, e ao Senado processá-lo e julgá-lo.

6 “Quando acusa e afasta, transitoriamente, o Presidente da República, titular do Poder Executivo, a Câmara, que

é apenas um ramo do Poder Legislativo, exercita autoridade única, que nenhum outro Poder pode exercer por

ela, substituindo-a ou dispensando-a. Só ela, unicamente ela, pode decretar o impeachment do Presidente da

República. A Câmara, que é apenas parte do Poder Legislativo, imobiliza e domina, embora de modo provisório,

a autoridade que encarna a totalidade do Poder Executivo./O Senado, que é apenas um segmento do Poder

Legislativo, quando julga o Presidente da República, é, para esse fim, o mais alto tribunal da nação, a mais alta

corte do país, porque não reparte com nenhuma o seu poder, e pela Constituição é dotado de superioridade

decisiva, definitiva e irrecorrível sobre o Poder Executivo./É a Câmara, isto é, a nação, que num júri de

proporções nacionais, acusa o Presidente perante o Senado, órgão em que se representam os Estados federados.

E somente pela maioria altamente qualificada de dois terços da Câmara dos Estados é que a sanção política pode

ser imposta.” (BROSSARD, 1992, p. 130-131). Ainda: “O Presidente da República é eleito pela maioria do

eleitorado, maioria que entre nós pode ser relativa. Levando em conta que o regime é representativo, como se lê

no pórtico da Constituição, se fosse lícito, através de uma análise anatômica, reduzir em termos quantitativos os

Poderes políticos, dir-se-ia que a Câmara representa o todo, enquanto o Presidente representa a parte – na melhor

das hipóteses, a maior parte do eleitorado. Mas apenas uma parte.” (BROSSARD, 1992, p. 131).

24

CAPÍTULO 2 – SOBERANIA, DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO E

RESPONSABILIDADE

2.1 Conceitos de representação e projeto democrático

Os conceitos de soberania, democracia e representação estão intrinsecamente ligados.

A noção de representação decorre da própria ideia de soberania. Segundo Fioravanti (2001, p.

72), as doutrinas de soberania desenvolveram-se principalmente em um momento em que o

caos político, especialmente na França e na Inglaterra, demandava uma definição a respeito de

a quem pertencia a titularidade do poder político.

Jean Bodin (1579, p. 85), ao esboçar uma das mais influentes definições de

soberania, a classifica como “um poder absoluto e perpétuo de uma República”. Absoluto

porque é indivisível, e perpétuo porque é originário, porque não deriva de outro poder. Para

Bodin, a titularidade do poder soberano pode manifestar-se de três formas, ou seja,

enquadrando-se em um dos seguintes regimes políticos: (i) monárquico, quando o titular do

poder é o rei; (ii) aristocrático, quando o titular é um estamento reduzido reunido em

assembleia; e (iii) democrático quando o titular é a maioria dos cidadãos.

Independente do regime político assumido por determinada comunidade, este

precisará de um governo para dar-lhe suporte. O núcleo deste regime político é rígido, não

pode ser alterado pelo governo, e isto porque é neste centro que se manifesta a soberania,

onde estão presentes as características fundamentais de uma comunidade política. Desta

necessidade de se definir um núcleo inalterável e incorruptível do poder político começa a

nascer a concepção moderna de constituição (FIORAVANTI, 2001, 72-77).

Quem definiu com mais precisão o conceito de soberania foi Thomas Hobbes. Sua

teoria foi desenvolvida em meio a guerras religiosas na França e conflitos entre monarquia e

Parlamento na Inglaterra, disputas que o autor atribuía à constituição mista vigente, que se

caracterizava pela divisão do poder para além do monarca em favor de outros sujeitos, como a

nobreza e o povo. Hobbes acreditava que essa descentralização do poder provocaria o

enfraquecimento do Estado e criaria incertezas quanto à questão da obediência. Neste

contexto, a solução proposta por ele seria a concentração do poder nas mãos de um único

soberano (LYNCH, 2010, p. 55-56).

Enquanto para Bodin a perpetuidade do poder soberano situa-se no seu caráter

originário, não derivado de qualquer outra vontade, e concentrado na pessoa do soberano,

seja ele o rei ou uma assembleia de homens, Hobbes segue um raciocínio que seria

25

inimaginável para aquele autor: elabora uma teoria segundo a qual os indivíduos, em seu

estado de natureza, transferem seu direito de autogoverno a um único soberano, sob a

condição de que os demais homens também o façam, vale dizer, o poder do soberano decorre

da transferência de poder dos indivíduos. Esta transferência se dá por meio da autorização.

Uma vez constituído esse poder soberano comum, manifesta-se o conceito da

representação na teoria hobbesiana: os indivíduos, saindo da condição precária em que se

encontravam inicialmente, e unidos em torno do poder soberano constituído, deixam de ser

uma “multidão” e tornam-se um povo. É o fato de serem representados pelo soberano que os

transforma em uma unidade reconhecida, em um corpo político (FIORAVANTI, 2001, p. 79-

81).

A partir de então, em lugar de uma pluralidade de leis fundamentais destinadas a

definir os diversos poderes presentes na sociedade e que se encontravam dispersos entre

múltiplos segmentos sociais, há uma única lei fundamental, cuja principal função é proteger a

integralidade dos poderes soberanos, a fim de manter a ordem pública. Fioravanti conclui, a

partir destas premissas, que, se sem soberania não há ordem política, e se a constituição é a

condição necessária para um projeto de convivência política pacífica, então sem soberania não

há constituição possível (FIORAVANTI, 2001, p. 78-79).

Em Rousseau, a titularidade da soberania deixa de ser do soberano, a quem os

indivíduos autorizaram representá-los, e passa a ser dos cidadãos, reunidos em um corpo

moral e coletivo, que, por meio do contrato social, “se alienam totalmente com todos os seus

direitos a toda a humanidade”. Assim, “cada um põe sua pessoa e todo o seu poder sob a

suprema direção da vontade geral, e todos recebem cada membro como parte indivisível do

todo” (ROUSSEAU, 2003, p. 48, tradução da autora).

Nesta formulação, o soberano é formado por todos os indivíduos contratantes,

comprometidos reciprocamente, que se encontram em uma dupla relação: “como membros do

soberano, com relação aos particulares, e como membros do Estado, com relação ao

soberano” (ROUSSEAU, 2003, p. 50). Desta diferenciação surge a seguinte premissa: os

particulares, como parte do todo, devem submissão às leis coletivamente deliberadas, mas o

soberano, do qual derivam as leis, não pode criar uma lei que não possa infringir, ou seja, não

se submete às próprias leis; não há lei fundamental que vincule o soberano, nem mesmo o

próprio contrato social (ROUSSEAU, 2003, p. 50).

26

O soberano, formado pelos particulares que o compõem, não tem nem pode ter

interesses contrários a si próprio; o soberano é formado justamente pelo interesse comum. O

mesmo não ocorre com os cidadãos, individualmente considerados. Nesta condição, podem

ter interesses particulares que conflitem com a vontade geral (ROUSSEAU, 2003, p. 51). Daí

concluir-se que, para Rousseau, a representação não é possível (PITKIN, 1979, p. 14-15;

FIORAVANTI, 2001, p. 84-85): o que constitui o poder soberano é a vontade geral dos

cidadãos, e esta é inalienável e indivisível; a soberania não pode ser representada, a não ser

por si mesma (ROUSSEAU, 2003, p. 57).

Rousseau temia que, caso o poder escapasse das mãos do povo soberano, a sociedade

estaria novamente à mercê dos interesses parciais e das ambições particulares que o contrato

social se destinara a regular. Desta forma, não podia conceber a existência de representantes

que decidissem em nome dos cidadãos. O autor diferencia, neste caso, a atuação do poder

executivo (“a força”) daquela do poder legislativo (“a vontade”). O poder legislativo cabe ao

povo, e somente a ele, e corresponde à manifestação de vontade do poder soberano; já o poder

executivo é “um corpo intermediário estabelecido entre os súditos e o soberano para sua

mútua correspondência, encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto

civil como política” (ROUSSEAU, 2003, p. 88).

Nem Hobbes nem Rousseau relacionam representação com democracia, liberdade,

autogoverno ou interesse público: o soberano de Hobbes é um representante, sim, em favor do

qual os cidadãos alienam seu poder e força para a constituição de um Estado e que atua em

defesa do interesse de todos, mantendo assim a paz social. Não obstante, não responde pelos

interesses dos súditos, age segundo o que considera ser bom. Já para Rousseau, a ideia de

representação é incompatível com a ideia de um poder soberano; enquanto a vontade geral

produz soberania, as vontades particulares só podem trazer a tirania (PITKIN, 1979, p. 14).

No entanto, para além destas formas de representar, Pitkin propõe definições

alternativas. Para a autora, o sentido básico de representação está na ideia de “tornar presente

alguma coisa que, apesar de tudo, não está literalmente presente” (PITKIN, 1979, p. 20). Uma

coisa ou pessoa pode substituir outra desde que haja semelhança entre representante e

representado. Segundo esta concepção, uma legislatura seria representativa, portanto, se

houvesse uma correspondência entre ela e os membros da população representada.

Uma concepção que se baseie, por exemplo, na arte de representação, exigirá que

haja semelhança descritiva entre o representado e seu responsável, de modo que uma

legislatura representativa deverá ser um retrato fiel das características daquela comunidade,

27

deverá respeitar proporcionalmente as peculiaridades do grupo pelo qual é responsável.

Assim, o que qualificaria o representante seria sua representatividade, o que ele é ou parece

ser, e não o que faz. Segundo esta definição, o importante é definir a composição da

legislatura, e não a função dos representantes (PITKIN, 1979, p. 15).

Outra forma de se representar algo ausente, consoante expõe a autora, é através de

um símbolo, que, embora substitua aquilo que representa, não se assemelha àquilo que

substitui. Não é uma fonte de informação sobre o que representa, é “o receptáculo de ações ou

o objeto de sentimentos que, na verdade, não lhe são destinados, mas àquilo que ele

simboliza” (PITKIN, 1979, p. 17). No campo da representação política, esta teoria se verifica

na atividade de líderes carismáticos, por exemplo, ou naqueles que despertam reações

irracionais ou afetivas nas pessoas; o representante agrada os representados, e é da lealdade ou

da crença que surge o vínculo entre ambos. Esta teoria pode facilmente transformar-se de um

modelo democrático em um modelo fascista de representação quando o líder usa a influência

sobre os cidadãos para convencê-los a querer o que ele quer, a apoiar sua vontade como se

fosse deles (PITKIN, 1979, p. 17-18).

Ainda outra forma de representar leva em conta não a substituição de algo ausente,

mas uma forma de agir, ou ainda, um agir por outros (PITKIN, 1979, p. 18). A questão

central é definir qual, exatamente, é o papel do representante, e os teóricos usam uma

variedade de expressões e analogias para explicá-lo: o representante age em favor, em lugar

ou em nome de outros, em seu benefício ou interesse, segundo suas reivindicações ou

vontades, buscando atender suas necessidades, agradá-los ou satisfazê-los, fazendo o que os

próprios representados teriam feito (PITKIN, 1979, p. 19). O representante seria, então, como

um ator, um agente, um embaixador, um comissário ou delegado, um deputado, um emissário,

um tutor, um fideicomissário, um substituto, um servidor, um solicitador, um guardião, um

lugar-tenente.

Pitkin sustenta haver uma polarização entre esses termos, ao que chama de

controvérsia “mandato-independência”, que pode ser resumida pelo enunciado “deve o

representante fazer o que os eleitores querem ou o que ele acha que é melhor? ”. Os adeptos

da representação como mandato defendem que as ações do representante devem ter relação

real com as necessidades dos representados. Por outro lado, os adeptos da representação como

independência argumentam que, a menos que o representante tenha autonomia suficiente para

agir por si próprio, não se pode falar em representação (PITKIN, 1979, p. 20).

28

A teoria sustentada por Nadia Urbinati (2006, p. 193), que servirá de marco teórico

para o desenvolvimento do capítulo 3, retoma os fundamentos defendidos por teóricos da

democracia representativa no século dezoito, Paine e Condorcet, que viam a representação

não como delegação de soberania, mas como processo político conectando sociedade e

instituições, e que envolvia tanto representantes quanto cidadãos.

Renegando a concepção moderna de soberania, segundo a qual liberdade política

pressupõe monopólio da vontade, Urbinati propõe uma definição de política entendida como

“arena de opiniões contestáveis e decisões sujeitas a revisão a qualquer tempo” (URBINATI,

2006, p. 193), na qual a presença política, mais do que o simples ato de votar, acontece

também pela manifestação dos cidadãos a respeito das decisões políticas tomadas pelos

representantes, e também pelo juízo a respeito da justiça ou injustiça das leis formuladas por

eles.

A representação, assim, não é entendida como o simples ato de eleger representantes,

embora esta seja uma etapa importante do processo de determinação dos limites e

responsabilidades do poder político, mas também como participação política constante. Os

cidadãos são chamados a participar do processo democrático, e o fazem ciclicamente, pelo

processo eleitoral, ratificando ou recapitulando os atos e promessas dos representantes,

marcando o vínculo “entre o lado de dentro e o lado de fora das instituições legislativas”, de

forma circular (URBINATI, 2006, p. 194 e 201).

Desta forma, a representação, para Urbinati, é uma práxis política que não se resume

“à realização arbitrária de escolhas, nem meramente [ao] resultado da barganha entre

ambições privadas” (URBINATI, 2006, p. 216). Ela envolve a compreensão, por parte dos

participantes, do seu papel na tomada de decisões, na definição do rumo político que

pretendem dar ao país (URBINATI, 2006, p. 217; URBINATI, 2013, p. 450). Neste contexto,

o aspecto mais importante de um governo representativo é sua capacidade de encontrar

soluções para as demandas conflitantes das partes, tendo em vista seu interesse comum no

bem-estar geral.

É em torno destas demandas conflitantes que se formam os partidos (URBINATI,

2006, p. 218). A partir da convergência ou divergência de interesses e crenças, cidadãos e

representantes podem se reconhecer reciprocamente e identificar adversários, formar alianças

e situar-se ideologicamente, a fim de estabelecer estratégias para influenciar as decisões

políticas. E para ter influência, é necessário conquistar uma maioridade numérica. Para isso,

29

as opiniões e interesses precisam ser traduzidos em uma linguagem política que seja inclusiva

o bastante para absorver uma gama maior de opiniões e interesses (URBINATI, 2006, p. 219).

John Rawls descreve essa estratégia como um “consenso sobreposto”, a que ele

chama de “éthos constitucional”, que é a necessidade de os grupos políticos afastarem-se de

seu círculo mais restrito de opiniões e encontrarem meios de justificá-las para um público

mais amplo, a fim de reunir ao seu redor uma maioria (URBINATI, 2006, p. 217). Este é,

afinal, o objetivo principal de um partido político: “integração da multidão”.

A representação se dá exatamente pela reunião de opiniões e interesses particulares

em torno de um espectro mais amplo de opiniões e interesses, representado pelos partidos

políticos. Como se vê, representação e participação não são excludentes. Ao eleger

representantes, os cidadãos não estão abrindo mão da participação política ou de sua

soberania. Se as eleições fossem voltadas à seleção de candidatos individuais e não de grupos

políticos,

o arranjo legislativo seria uma agregação de vontades individuais, mais ou menos

como a assembléia na democracia direta – incapaz de tomar decisões por meio de

um processo deliberativo estendido – e, ao final, não-representativo, já que apenas

as idéias e opiniões (ou seja, o juízo em um sentido amplo) podem ser

politicamente representáveis, não os indivíduos (URBINATI, 2006, p. 223; grifos

da autora).

Por isso a representação política depende não apenas de procedimentos eleitorais que

permitam aos cidadãos eleger representantes, mas também de autonomia local e liberdade de

associação e expressão para que possam influenciar o processo deliberativo, e de igualdade

básica de condições para que todos os cidadãos tenham a oportunidade de participar do

processo político e ver suas opiniões e interesses representados (URBINATI, 2006, p. 224).

Essa noção de representação vai ao encontro da concepção de democracia

procedimental adotada por Saffon e Urbinati (2013, p. 442). As autoras sustentam que a

liberdade política igual (ou igual participação democrática) é o bem mais importante a ser

perseguido pela democracia, e a melhor forma de alcançá-lo é seguindo um procedimento

democrático moderno, segundo o qual todo indivíduo deve poder participar em eleições justas

e competitivas pela escolha de representantes políticos, contribuindo assim para a produção de

leis democráticas (SAFFON; URBINATI, 2013, p. 442).

A democracia procedimental, consoante defendido pelas autoras, consiste no respeito

à liberdade política; é uma concepção minimalista, pois não exige nada além disso (SAFFON;

URBINATI, 2013, p. 445). Igual participação democrática implica não apenas no direito de

participar na política por meio das eleições e livre expressão de pensamento, mas iguais

30

condições e oportunidades para fazê-lo de forma significativa, o que requer a proteção de

direitos sociais, civis e políticos (SAFFON; URBINATI, 2013, p. 442). Neste mesmo sentido,

uma democracia só é capaz de proteger a liberdade política igual se os procedimentos pelos

quais ela é regulada forem obedecidos.

O objetivo primordial da democracia é e sempre foi garantir a participação de todos

no processo político, independente de competência ou posição social, permitindo que os

cidadãos criem as leis às quais se submeterão. Não se trata de tomar decisões corretas. Se

assim fosse, a participação deveria ser limitada aos sábios e aos especialistas, algo que

contradiz a própria ideia de democracia.

A democracia é um processo permanente de emenda, de tomada de novas decisões e

revisão de decisões anteriores, e essas decisões só serão democráticas se respeitarem as regras

de procedimento, ou seja, se garantirem a igual participação política. Na acepção de Saffon e

Urbinati, “essas regras protegem a liberdade de produzir decisões moralmente erradas” (2013,

p. 448).

A democracia, assim, é melhor do que qualquer outra forma de governo não porque

produza boas decisões, mas porque permite que os cidadãos se sintam responsáveis pelas

decisões que tomam (SAFFON; URBINATI, 2013, p. 450), que as decisões tomadas pelos

representantes reflitam, de fato, os interesses e opiniões dos representados.

Isto, contudo, não significa que qualquer decisão tomada pela maioria seja

democrática. Conforme exposto pelas autoras, a democracia procedimental não é ilimitada,

sujeita-se a balizas constitucionais. O constitucionalismo, afinal, impede que a democracia

viole direitos garantidos, prevenindo a produção de leis e decisões “incorretas”. O

constitucionalismo corresponde, enfim, ao único parâmetro ao qual a democracia se sujeita

(SAFFON; URBINATI, 2013, p. 448-449).

Além disso, Urbinati destaca a necessidade de se estabelecer um sistema democrático

proporcional, e não majoritário. Isto porque o primeiro salvaguarda com mais eficiência os

princípios democráticos de igual oportunidade política e controle porque evita a associação

enganosa entre “direito de representação” e “direito de decisão” a que o sistema majoritário

induz. Embora a maioria detenha o direito ao segundo, não se pode privar a minoria do

primeiro (URBINATI, 2000, p. 761).

A democracia é um “„conflito delimitado‟ ou um „conflito sem assassinato‟: não é

consenso”. O único consenso exigido é em relação às regras e princípios que garantem que,

31

independente do resultado das eleições, os adversários políticos não pegarão em armas, que o

resultado será aceito pacificamente por todos (URBINATI, 2006, p. 215-216), e que o conflito

se dará apenas mediante o embate de ideias e opiniões.

Retomando a ideia de circularidade abordada anteriormente, os cidadãos participam

do processo político não apenas elegendo representantes, mas recapitulando seus atos

mediante prestação de contas, reunindo-se em partidos políticos e também por meio do

processo eleitoral.

A circularidade da democracia ocorre também em relação às ideias e interesses dos

cidadãos: a alternância no poder permite que aqueles que compuseram uma minoria nas

eleições anteriores tenham a chance de ser maioria nas seguintes (URBINATI, 2004, p. 69;

URBINATI, 2005, 197-198; SAFFON; URBINATI, 2013, p. 459-460).

Para Urbinati, representação e participação são formas relacionadas de ação política

que produzem um processo contínuo de tomada de decisões e formação de opiniões

(URBINATI, 2004, p. 53). Em uma democracia, embora se permita certa distinção entre

representantes e representados, o princípio da igualdade e da identidade do corpo político não

podem ser violados; o povo é livre e igual enquanto não existirem instituições intermediárias

separando suas vontades e suas decisões (URBINATI, 2004, p. 53-54).

Em suma, a democracia representativa, associada à ideia de democracia

procedimental, oferece uma resposta ao problema da soberania: ao possibilitar a participação

política dos cidadãos no processo de tomada de decisões e de revisão política, não reduzindo a

ação política individual apenas ao momento do voto, é possível conceber uma noção de

soberania que não se dissolve pela representação, como acreditava Rousseau, nem é

transferida para outro soberano, mas é exercida continuamente e influencia concretamente o

resultado do processo político.

Neste sentido, o processo eleitoral significa não apenas um modo de comunicar

preferências a um representante, mas é um modo de participar ativamente na esfera pública de

deliberação política. Organizando-se em torno de interesses e opiniões comuns, embora nem

sempre idênticos ou semelhantes, representados principalmente por partidos políticos, os

indivíduos podem definir projetos e acompanhar a atividade legislativa, posteriormente

avaliando o desempenho e a representatividade dos eleitos e reiniciando o ciclo. Em suma, um

projeto democrático representativo é possível, desde que se garanta igual liberdade política e

se obedeça às regras do jogo democrático.

32

2.2 Representantes e representados

É indispensável, agora, analisar as formas como os representados elegem e avaliam a

atuação dos representantes, uma vez que é neste momento que se verifica se existe ou não

representatividade.

Se adotarmos o conceito de Urbinati sobre representação, temos uma prática política

de participação na tomada de decisões. Embora constitua uma forma indireta de participação,

nem por isso deixa de ser desejável e positiva (URBINATI, 2000, 760). Indireta porque se dá

principalmente por meio de grupos políticos e representantes, mas participativa porque

permite que os cidadãos influenciem o processo deliberativo e legislativo.

O processo de influência política ocorre basicamente pela eleição de grupos políticos

e representantes que prometam defender melhor os interesses de determinado grupo de

indivíduos e que então passarão a estar do lado de dentro das instituições legislativas. A partir

deste momento, as ações realizadas pelos representantes, suas escolhas e sua atividade

legislativa serão avaliadas pelos representados, bem como pela oposição política e pela

minoria derrotada no processo eleitoral, e, conforme se decida se foi ou não representativo, o

resultado dessa avaliação se refletirá nas próximas eleições.

Mas como se avalia a representatividade de um representante?

Urbinati argumenta que o povo soberano conserva dois poderes: um poder positivo e

um poder negativo. O poder positivo consiste, principalmente, no sufrágio. O poder negativo,

por outro lado, compreende a capacidade de investigação, julgamento, influência e reprovação

que seu titular exerce sobre seus legisladores, e é negativo por duas razões: (i) tem a

finalidade de deter ou mudar determinado curso de ação tomado pelos representantes eleitos e

(ii) pode manifestar-se tanto por canais diretos de participação autorizada, como eleições

antecipadas, referendos, recall, quanto por canais indiretos ou informais de participação

influente, como fóruns, movimentos sociais, associações civis, mídia, manifestações

populares (URBINATI, 2006, p. 208-209).

Segundo Young, um importante indício de que há representação é a autorização:

“[u]ma pessoa que representa outras de forma oficialmente institucionalizada precisa estar

autorizada a falar por elas e, talvez, a uni-las”, o que costuma acontecer mediante eleições

regulares (YOUNG, 2006, p. 152).

A autora destaca ainda a vantagem de democracias representativas face às

democracias diretas: nestas, do universo de pessoas presentes a uma determinada assembleia,

33

somente algumas se manifestarão e tomarão uma postura ativa no processo deliberativo; as

demais permanecerão passivas, aguardando que os demais falem, e depois ponderarão e

votarão. Já nas democracias representativas, tendo em vista a presença de institutos de

representação formal, é mais provável que haja regras públicas quanto a quem está autorizado

a falar por quem, além de normas de responsabilização (accountability) (YOUNG, 2006, 145;

URBINATI, 2000, p. 762).

Retomando o raciocínio iniciado anteriormente, é importante lembrar que a

democracia representativa conta com grupos e partidos políticos que “integram multidões”,

reunindo em torno de um “interesse universal” (URBINATI, 2006, p. 218) vários interesses

periféricos semelhantes ou próximos. Assim, não se pode esperar que os representantes falem

como os eleitos falariam, mas apenas que falem por eles. É necessário reconhecer que há uma

diferença entre representante e representado (YOUNG, 2006, p. 149).

A dicotomia “mandato-independência” abordado anteriormente pode ser solucionado

entendendo o representante não apenas como um “delegado”, que age somente conforme

ordenado pelos eleitores, nem como um “fiduciário”, que toma decisões independentes sobre

a melhor postura a ser adotada, mas alguém cuja função específica “consiste em fazer

avaliações independentes, sabendo e antecipando o que os eleitores desejam” (YOUNG, 2006,

p. 150). Esta relação entre eleitores e representantes está sujeita a separações, sempre que as

avaliações do representante sobre os desejos dos eleitores forem incorretas, ou a conexões,

mantidas ao longo do tempo mediante antecipações e retomadas em momentos de autorização

(eleições) e prestação de contas (YOUNG, 2006, p. 153).

Assim, Young continua, o representante deve, ao longo do seu mandato e das

deliberações que realiza em conjunto com os demais representantes, retomar as discussões

realizadas no momento de sua autorização (onde se estabeleceram as estratégias e objetivos

do seu mandato, os interesses a serem defendidos, posições políticas, etc.) e antecipar o

momento da prestação de contas a fim de ponderar os prováveis desejos dos seus

representados diante de determinada matéria posta em discussão e sobre a qual deva se

posicionar (YOUNG, 2006, p. 154). Mas a avaliação sobre a conformidade ou não de suas

escolhas diante da autorização que lhe foi dada só acontecerá posteriormente, e é este

momento que o representante deve antecipar.

No momento de prestação de contas, os representados, constituindo uma base

eleitoral, debaterão sobre a adequação ou não das decisões do representante, processo este

semelhante ao processo de autorização, mas enriquecido com novas informações adquiridas

34

ao longo do mandato e das quais não dispunham antes, no momento da autorização (YOUNG,

2006, p. 154-155). Neste momento, o representante buscará não apenas provar que seu

mandato correspondeu às expectativas depositadas sobre ele, mas também que as suas

avaliações foram adequadas.

Como afirma Young, este momento de prestação de contas costuma ser mais fraco

que o de autorização, e a reautorização costuma resumir-se à reeleição, o que não se coaduna

com a noção de uma democracia comunicativa. Para isso, seria necessário que houvesse

outros instrumentos de convocação dos representantes e de prestação de contas para além do

momento de reautorização, como, por exemplo, associações civis, fóruns, conselhos de

supervisão, comissões de estudos de implementação, e audiências participativas periódicas,

etc. Estas alternativas permitem aprofundar o processo de responsabilização, possibilitando

críticas, elogios, questionamentos, ou seja, uma comunicação mais eficiente entre os atores

políticos (YOUNG, 2006, p. 155).

Este processo de avaliação tem uma perspectiva antecipatória e outra retrospectiva:

no momento da autorização, os eleitores fazem uma avaliação antecipatória, criando

expectativas quanto às decisões que serão tomadas pelo representante, com base nas

promessas feitas e das discussões prévias. No momento da reautorização, a avaliação é tanto

retrospectiva, mediante análise das decisões tomadas no mandato anterior e comparação delas

com as expectativas criadas quando da autorização, quanto antecipatórias, na medida em que

novas previsões e expectativas serão criadas, e novos acordos e promessas serão feitos.

Em suma, em uma democracia representativa, a participação ativa dos cidadãos é

necessária em todas as etapas, tanto no momento prévio à autorização – o momento

deliberativo em que os eleitores e candidatos definem interesses a serem defendidos –, quanto

no momento de autorização – ao eleger os representantes com as melhores propostas ou que

prometem defender determinados interesses –, e finalmente durante a prestação de contas, ao

avaliar o desempenho e as decisões tomadas pelos representantes.

Este processo, quando segue as regras do jogo e respeita os princípios pelos quais se

pauta o processo democrático, garante que a representação seja, de fato, uma ferramenta de

exercício de soberania e de tomada democrática de decisões, e não um instrumento de defesa

de interesses particulares ou tirânicos, alvo das primeiras teorias democráticas e de soberania

popular.

35

2.3 Constitucionalismo, separação de poderes e responsabilidade do Poder

Executivo

Voltemos à discussão anterior, a respeito das concepções de soberania. O contexto

em que se desenvolvem as teorias de Hobbes e Rousseau, consoante sustentado

anteriormente, justificavam, ou mais bem exigiam, um poder soberano indivisível e absoluto,

derivado da vontade dos próprios indivíduos. Era um conceito necessário em um contexto de

instabilidade política no qual ainda não haviam tomado forma os direitos individuais, e que

permitiu o surgimento de uma ideia de constituição moderna, mas era incompatível com duas

características inerentes ao constitucionalismo moderno: a separação do poder soberano e sua

limitação por uma norma fundamental (FIORAVANTI, 2001, p. 85-86).

Com a queda da monarquia, da constituição mista medieval e com o nascimento da

República, em 1649, na Inglaterra, têm origem outras teorias sobre o constitucionalismo

moderno, fundamentadas na ideia de uma ordem constitucional equilibrada e contrapesada

que tornasse possível uma relação estável entre os cidadãos e os poderes públicos

(FIORAVANTI, 2001, p. 86-90). Distingue-se, assim, constituição mista, ultrapassada pelos

acontecimentos, de governo misto, limitado por direitos individuais e pelo contrapeso dos

poderes.

John Locke é o primeiro a idealizar uma forma de governo equilibrada e moderada,

dividido entre o legislador e uma lei comum que estabelecesse uma “medida comum” para a

solução das controvérsias, um juiz imparcial para aplicar a lei, e um outro poder, o executivo,

com a força necessária para fazer cumprir as decisões do judiciário (FIORAVANTI, p. 91-92).

Desta concepção decorre que o Poder Legislativo, ainda que considerado “supremo”

em várias ocasiões pelo próprio autor, é um poder limitado, que não surge para criar direitos,

mas para aperfeiçoar sua tutela, pressupondo-se sua preexistência. Assim, não poderá dispor

arbitrariamente sobre a vida e os bens dos cidadãos, devendo agir segundo leis promulgadas e

juízes autorizados e reconhecidos (FIORAVANTI, p. 91-92). Em suma, e daí deriva o

primeiro pressuposto do constitucionalismo, quem detém o poder de fazer as leis não pode

dispor também dos meios e recursos para governar, nem deter os meios de coação dos

indivíduos.

Montesquieu segue a mesma linha de Locke, propondo limites entre os poderes,

atribuindo ao Executivo um poder de veto sobre as leis elaboradas pelo Legislativo, de modo

a evitar a absorção daquele por este, em um sistema de freios que tem a finalidade de

36

limitação recíproca, e não de coparticipação, o que configuraria usurpação da competência de

um poder por outro (FIORAVANTI, 1992, p. 97-98).

No século XVIII, as teorias constitucionalistas começaram a ser contrapostas à ideia

de soberania popular e vontade direta do povo, principalmente depois das críticas de Jeremy

Bentham e da publicação do Contrato Social, por Rousseau. Para Bentham, a verdadeira

diferença entre um governo livre e uma tirania não estava no limite entre os poderes, mas no

modo de participação do poder legislativo pelas diferentes classes, pela responsabilidade dos

governantes diante dos governados, e pelo modo de organização das liberdades políticas,

como imprensa e associação. Em resumo, quando o poder fosse autenticamente legitimado

pelo consenso popular, quando fosse controlado pelo povo e responsável diante dele, não seria

necessário insistir na imposição de limites e na existência de uma constituição

(FIORAVANTI, 2001, p. 101-102).

A incompatibilidade entre constitucionalismo e soberania só seria resolvida no final

do século XVIII, com as revoluções americana e francesa, que inauguraram a ideia de poder

constituinte. No exercício deste poder estava contida a expressão da soberania, pela qual um

sujeito coletivo tomava para si o poder soberano e construía uma nova forma política, o que o

constitucionalismo sempre temeu. Mas, ao mesmo tempo, a vontade soberana revolucionária

transformava-se em vontade geradora de ordem e de estabilidade política ao organizar-se em

uma constituição à qual se submetia (FIORAVANTI, 2001, p. 103-104).

A Constituição inaugurada pelos americanos se pretendia democrática em seu

fundamento e republicana em sua forma de limitação dos poderes, em oposição à tradicional

constituição mista inglesa, que consideravam uma nova forma de absolutismo. Para isso,

recuperaram da tradição inglesa as técnicas de equilíbrio e limitação dos poderes a fim de

constituir um governo limitado, de poderes limitados porque derivados do poder constituinte

originário (FIORAVANTI, 2001, p. 106-107).

Este aspecto republicano estava presente nos mecanismos utilizados para limitar os

poderes: bicameralismo, poder de veto do Presidente, necessário consenso do Senado para o

exercício de certos poderes presidenciais (FIORAVANTI, 2001, p. 108).

Neste cenário, Kant negava a existência de uma ação legítima de resistência por parte

do povo em relação ao poder de coação do Poder Executivo. Para ele, havia uma afronta ao

princípio fundamental da separação dos poderes, pois o povo – que no modelo ideal de

constituição republicana era chamado apenas para eleger seus representantes, aí entendidos os

37

legisladores –, desta forma, pretenderia coagir o Executivo a agir de determinado modo, o que

resultaria em um poder despótico, concentrado (FIORAVANTI, 2001, p. 126). Daí a

necessidade de negar ao povo a oposição direta ao Poder Executivo, para afirmar-se outro

aspecto da constituição republicana, a saber, seu caráter representativo: somente o

Legislativo, nunca o povo diretamente, pode vigiar a atuação do governo e sua observância às

leis, a fim de se respeitar a separação entre os poderes (FIORAVANTI, 2001, p. 126).

Se analisarmos a postura de Kant sob o enfoque das teorias representativas vistas

anteriormente, será possível entender melhor a organização política do Estado e as formas

como se dá a responsabilização dos representantes e governantes.

Conforme visto anteriormente, a democracia representativa pressupõe a participação

direta dos cidadãos soberanos na escolha de seus representantes e na definição das posições

políticas adotadas pelos grupos e partidos políticos. Mas devemos analisar a democracia

representativa sem perder de vista os demais princípios pelos quais se pauta a Constituição,

neste caso, o princípio da separação dos poderes.

O Poder Legislativo é composto de representantes do povo e dos Estados federados,

eleitos por voto direto. Suas funções incluem tanto a edição de atos normativos quanto a

fiscalização das atividades da Administração Pública (MENDES, p. 2012, p. 911-933).

Quando exerce aquela função, atua no interesse dos seus representados, pautando-se pelas

normas constitucionais de edição de leis e pelos princípios que regem o processo democrático

de participação política, prestando conta de suas escolhas políticas perante os eleitores, de

acordo com o que foi demonstrado anteriormente. Por outro lado, quando exerce função

fiscalizatória, também age no interesse dos seus representados, no entanto, quem presta contas

neste caso é o Poder Executivo.

O Poder Executivo centra-se na figura do Presidente da República, e contempla

atividades típicas da Chefia do Estado e do governo, como relações diplomáticas com países

estrangeiros, fixação de diretrizes políticas da administração, iniciativa de projetos de lei,

planejamento e controle orçamentário, direção das Forças Armadas, dentre outros. A

realização de eleições diretas para a escolha do Presidente garante ao Executivo a

legitimidade democrática necessária ao exercício de suas funções (MENDES, 2012, p. 968-

969).

Enquanto o Poder Legislativo presta conta aos eleitores, em respeito ao

procedimento da democracia representativa, o Poder Executivo presta contas perante o

38

Legislativo. A separação dos poderes atribui ao Poder Legislativo a representatividade

democrática, enquanto atribui ao Executivo o dever de administrar os assuntos de Estado,

pautado por leis aprovadas no Congresso.

Este processo de prestação de contas e responsabilidade se dá por meio do poder de

fiscalização do Poder Legislativo, mas também pelo processo de responsabilidade, nos casos

mais graves de má conduta no exercício das funções inerentes ao cargo e pela prática de atos

que importem ofensa à Constituição. Quanto a isso, muito se disse no primeiro capítulo,

perpassando tanto os crimes considerados políticos quanto a forma como se dá o julgamento.

Em suma, o processo de responsabilidade do Chefe do Executivo é competência do

Poder Legislativo exatamente por seu caráter representativo e democrático. Mas como

conceber, então, a existência, na própria Constituição Federal, de “representantes” não

representativos, que praticam todos os atos inerentes à atividade parlamentar, mas não se

submetem ao processo democrático de representação?

39

CAPÍTULO 3 – OS SUPLENTES NO SENADO FEDERAL

A Constituição do Império de 1824, embora já estabelecesse a organização do

Senado Federal, não fazia alusão ao cargo de suplente parlamentar. Os cargos deixados pelos

Senadores titulares eram preenchidos mediante novas eleições nas respectivas províncias, uma

vez que as eleições para senador eram provinciais.

Enquanto na Constituição do Império (BRASIL, 1824) era permitido que o senador

fosse nomeado para o cargo de Ministro de Estado ou Conselheiro de Estado e mantivesse o

assento no Senado, a Constituição de 1891 impunha a perda do mandato em tais casos e

previa a convocação de novas eleições, nas quais o senador afastado não podia concorrer

(artigos 31, parágrafo único, e 50, parágrafo único).

O cargo de suplente só teve previsão constitucional em 1934, embora a Lei Maior da

época nada diga sobre a suplência senatorial, referindo-se somente ao cargo de suplente de

deputado federal, nos artigos 35 e 62 (BRASIL, 1934). A Constituição seguinte, de 1937,

voltou a abolir a suplência e estabeleceu a convocação de eleições suplementares para o

preenchimento das posições vagas (artigo 39, § 3º).

A Carta de 1946, nos artigos 52 e 60, § 4º, voltou a permitir a existência dos

suplentes, que seriam eleitos com o senador, e ocupariam a vaga em caso de nomeação do

titular para cargos de Estado ou em caso de licença (BRASIL, 1946).

A Constituição de 1967 repetiu os preceitos da anterior, e a Emenda Constitucional

nº 8, de 1977, aumentou para dois o número de suplentes por senador, bem como incluiu os

“cargos biônicos”, aos quais se ascendia, não mediante submissão ao sufrágio popular, mas

“pelo sufrágio do colégio eleitoral” constituído nos mesmos termos daquele destinado à

eleição dos governadores na época (artigos 13, § 2º, e 41, § 2º, da EC nº 8/77).

Atualmente, a Constituição Federal adota o mesmo número de suplentes da Carta

anterior: “cada senador será eleito com dois suplentes” (BRASIL, 1988, artigo 46 § 3º), que

ocuparão o cargo nas hipóteses de nomeação do titular para outras funções de Estado, licença

médica, renúncia, perda do mandato ou falecimento, nos termos dos artigos 4º, §6º, 28 e 45 do

Regimento Interno do Senado Federal e 56, § 1º, da Constituição de 1988. Ao suplente em

exercício é devida a remuneração de senador a partir da posse, conforme o artigo 12 do

Regimento Interno do Senado.

O Relatório da Presidência do Senado Federal, referente à 4ª Sessão Legislativa da

54ª Legislatura (BRASIL, 2014), informa que, ao longo de todo o ano de 2014, 27 (vinte e

40

sete) suplentes foram convocados a assumir o mandato do titular, sendo que 11 (onze) deles

permaneceram no cargo por mais de um ano. No ano anterior, 23 (vinte e três) suplentes

haviam sido convocados, dos quais 15 (quinze) ocuparam o cargo por um período superior a

um ano (BRASIL, 2013).

Neiva e Izumi trazem alguns dados sobre a suplência no Senado: no período

posterior à Constituição de 1988, os suplentes responderam por mais de 16% dos votos dados

no plenário, sendo que, em alguns casos, sua participação aproximou-se de um quarto da

composição da Casa (NEIVA; IZUMI, 2012, p. 2). Isto pode ser particularmente preocupante

quando consideramos que, apesar de não serem eleitos, os suplentes assumem o cargo do

titular com todas as suas funções e prerrogativas, e votam em todas as deliberações como se

titulares fossem.

Em relação aos critérios adotados para a nomeação dos suplentes, Neiva e Izumi

apontam quatro motivos principais: “ (…) a acomodação dos partidos que fazem parte da

aliança eleitoral; (...) o [vínculo] afetivo (escolha de parentes); a retribuição aos financiadores

de campanha; a mera casualidade; e até mesmo acordo para divisão do mandato" (MORAES,

2006; OLIVEIRA, 2005; PESSANHA & BACKES, 2007; RUDY, 2004; WEFFORT, 2009

apud NEIVA; IZUMI, 2012, p. 6).

Algumas propostas de emendas constitucionais já foram apresentadas, visando a

extinção do cargo de suplente ou a definição de critérios para a indicação dos seus ocupantes.

É o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 287 de 2013, de autoria do Senado

Federal, que propõe a redução do número de suplentes para um e a proibição de que sejam

indicados cônjuges, parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau. Esta PEC originou-

se da PEC nº 11, de 2003, de iniciativa do Senador Sibá Machado, que propunha a

convocação do suplente somente até a realização de novas eleições para o preenchimento do

cargo. No mesmo sentido, a PEC nº 379/2014 propõe a redução do tempo de duração do

mandato de senador de oito para quatro anos e acaba com a figura do suplente. Ambas

tramitam atualmente na Câmara dos Deputados.

3.1 Suplência no Direito Comparado

Na maioria dos países com sistemas presidencialistas ou semipresidencialista de

governo, os senadores e seus substitutos são eleitos por voto direto, seja mediante convocação

de eleições especiais, seja por meio de eleição conjunta para os cargos.

41

Na Argentina, a título de exemplo, o artigo 62 da Constituição dispõe que, quando

surge uma vaga de senador por morte, renúncia ou outra causa, o governo ao qual corresponda

a posição deve proceder imediatamente à eleição de um novo membro (ARGENTINA, 1994).

A Constituição bolivariana, em seu artigo 152, estabelece que “a Assembleia

Legislativa Plurinacional não contará com membros suplentes. A lei determinará a forma de

substituição de seus integrantes” e, no inciso II, que “a renúncia ao cargo será definitiva, sem

que possam ocorrer suplências temporárias” (BOLÍVIA, 2009, tradução da autora).

No Paraguai, senadores e suplentes são eleitos por voto direto, e em caso de vacância

temporária ou definitiva, ocupam o cargo pelo restante do mandato ou pelo tempo que durar o

afastamento do titular, conforme disposto no artigo 182 (PARAGUAI, 1992).

A Constituição francesa, no artigo 25, determina que uma lei orgânica definirá as

condições mediante as quais serão eleitos os substitutos, em caso de vacância dos cargos de

deputados e senadores, até a renovação geral ou parcial da assembleia, ou sua substituição

temporária nos casos de afastamento para exercício de outros cargos públicos (FRANÇA7,

1958).

Nos Estados Unidos, depois da aprovação da 17ª Emenda, no caso de vacância, a

autoridade executiva de cada Estado pode indicar temporariamente substitutos para a vaga

enquanto não ocorrerem eleições especiais para preenchê-la (ESTADOS UNIDOS DA

AMÉRICA, 1913).

3.2 Suplência sob o enfoque da democracia representativa

Embora previsto constitucionalmente, o instituto da suplência levanta algumas

questões quanto à sua representatividade. Consoante abordado anteriormente, não se pode

conceber uma democracia representativa sem a participação dos cidadãos soberanos no

processo político de autorização dos representantes.

O momento de autorização pressupõe o conhecimento prévio dos cidadãos sobre os

candidatos concorrentes, haja vista a necessidade de identificação entre os representantes e

representados, o que se dá pela informação que aqueles recebem sobre as promessas destes e

suas propostas de campanha, conforme elaborado no capítulo anterior. Este é um momento

essencial do procedimento democrático. É por meio do processo de autorização que os

7 Na França vigora o sistema semipresidencialista de governo.

42

cidadãos reconhecem seus representantes como tal e concordam com que ele ocupe um cargo

na estrutura legislativa e tome decisões em seu nome.

O suplente, contudo, não se submete ao processo de autorização. Primeiramente, sua

nomeação não decorre de suas posições políticas, ou dos interesses que defenda, e muitas

vezes, sequer depende de filiação ao partido: muitos suplentes são empresários que

financiaram as campanhas de seus titulares (NEIVA; IZUMI, 2012, p. 7-8). Em suma, o

suplente não tem nenhuma relação com os eleitores.

Somado ao fato de que poucas vezes é conhecido dos eleitores e de que raramente

aparece junto ao titular ao longo da campanha eleitoral, o suplente não presta contas de suas

ações. Por não se submeter a eleições periódicas, não está sujeito à sanção política, que

consiste, principalmente, na recusa dos cidadãos em reeleger o político faltoso. Ademais,

como a maioria dos suplentes não conta com experiência política anterior, raramente se

candidatam na eleição seguinte. Além não terem representatividade, não se sentem obrigados

a conquistar a confiança e a simpatia do eleitor (NEIVA; IZUMI, 2012, p. 3).

Embora se possa tentar argumentar que o cargo do suplente se assemelha àquele do

vice de prefeito, governador e Presidente da República, que ingressam nas instituições

representativas sem receber votos diretos, o argumento não prospera. Diferente destes, os

candidatos a vice costumam participar ativamente das campanhas junto com os titulares,

sendo dado aos eleitores conhecê-los, tomam posse e exercem o mandato simultaneamente

com o titular, têm atribuições e responsabilidades específicas e recebem salários e vantagens

próprias do cargo (NEIVA; IZUMI, 2012, p. 5).

Ainda que os suplentes estejam vinculados aos titulares, estes, sim, eleitos

diretamente pelo voto popular, não se pode presumir que sejam igualmente legitimados a

ocupar um cargo eletivo. A representação divide-se em fases voltadas a conferir-lhe

legitimidade: é necessário que haja, primeiramente, a etapa de autorização, mediante a qual os

eleitores votam diretamente nos candidatos com os quais se identificam, e que,

posteriormente, os representantes eleitos prestem contas, submetendo-se a novas eleições, ou

participando de fóruns, reuniões partidárias com a base eleitoral, dentre inúmeras formas de

accountability apontadas anteriormente.

Destaque-se que o suplente, quando assume o cargo do titular, o faz mediante rito de

posse, no qual elege um nome parlamentar e é investido no cargo de senador. A partir deste

momento, sua atuação no Senado é feita em seu próprio nome: ele não age “em nome” do

43

titular, votando em nome dele, de maneira a permitir que o eleitor responsabilize o titular

pelas ações e escolhas do suplente. Vota como se titular fosse. Como dito anteriormente, o

eleitor raramente sabe quem são os suplentes dos senadores no qual votou8, de modo que

dificilmente avaliará o mandato deles na hora de eleger seus senadores.

O suplente, assim, ingressa no sistema político, em um dos cargos mais prestigiados

e influentes do país, “de carona”, sem receber um único voto para isso, sem submeter-se aos

mecanismos democráticos de representação e sem prestar contas de seus atos. Exerce todos os

atos inerentes à função de senador, recebe os vencimentos próprios do cargo, está sujeito às

mesmas imunidades e prerrogativas do titular quando está em exercício, sem, contudo,

responder perante o cidadão soberano pelas decisões que toma. Seu voto, em sessão, tem o

mesmo peso que o voto dos senadores eleitos, inclusive em matérias de grande impacto

político, social ou econômico, é considerado para fins de quórum, e pode ser a diferença entre

a aprovação ou reprovação de uma proposta de emenda constitucional, ou então entre a

condenação ou a absolvição do Presidente da República.

3.3 Suplência e o processo de impeachment

Conforme tratado no capítulo primeiro, cabe ao Senado Federal julgar o Presidente

da República e seu vice pelos crimes de responsabilidade sempre que a Câmara dos

Deputados autorizar a instauração do processo e, por dois terços dos votos, condená-los à

perda do cargo, podendo também decretar a sua inelegibilidade pelo prazo de oito anos.

Sendo o Senado composto por oitenta e um senadores, três por Estado da federação e

pelo Distrito Federal (artigo 46, § 1º, da Constituição Federal), serão necessários, no mínimo,

cinquenta e quatro votos favoráveis à condenação para que o acusado seja destituído do cargo.

Dada a natureza do processo e a relevância da matéria, estabeleceu-se o quórum qualificado

de dois terços – o maior quórum exigido no Congresso – tanto para a autorização pela Câmara

quanto para a condenação pelo Senado.

Durante o ano de 2014, como dito anteriormente9, um terço da Casa foi substituído

por suplentes. Onze deles permaneceram no cargo por mais de um ano. Diante destes dados,

percebe-se quão preocupante é o índice de suplência verificado no Senado ao longo de cada

legislatura. Embora já seja questionável sua representatividade em qualquer deliberação, quer

8 A Resolução nº 23.399, de 17 de dezembro de 2013, tornou obrigatória a exibição de foto e nome dos

respectivos suplentes no painel da urna eletrônica, junto ao nome do senador, conforme dispõe o artigo92, § 2º,

da referida resolução. Esta norma passou a valer nas eleições de 2014. 9 Cf. Relatório Anual da Presidência, do ano de 2014.

44

votando em projetos de lei, quer atuando em comissões permanentes, quer deliberando sobre

assuntos meramente regimentais, o problema fica mais evidente diante de questões delicadas,

que receberam atenção especial do legislador originário.

É evidente o papel ilegítimo ocupado pelo suplente na democracia representativa, e

os obstáculos que ele representa no processo democrático. Nesse sentido, merece destaque

este trecho da obra de Urbinati:

Em uma democracia, embora se permita certa distinção entre representantes e

representados, o princípio da igualdade e da identidade do corpo político não podem

ser violados; o povo é livre e igual enquanto não existirem instituições

intermediárias separando suas vontades e suas decisões (URBINATI, 2004, p.

53-54; grifos da autora).

A própria existência do instituto da suplência na Constituição brasileira é um

contrassenso. Que o constituinte autorize a existência concomitante de legisladores eleitos

democraticamente e legisladores nomeados por critérios escusos viola a própria ideia de

soberania e representatividade protegidos pela mesma Constituição. Como observado

anteriormente, o Brasil já adotou sistemas mais democráticos de substituição parlamentar,

como o modelo das Cartas de 1824, 1891 e 1937, que exigiam a convocação de novas

eleições para o preenchimento das vagas.

Embora o Tribunal Superior Eleitoral tenha aprovado a Resolução nº 23.399/201310

,

isso pouco contribuiu para a democratização do instituto. Ainda persistem questões quanto

aos critérios de provimento dos cargos de suplente e a extensão dos poderes, dado que não são

eleitos diretamente nem têm suas funções e prerrogativas previstos legalmente, como ocorre

com os candidatos a vice.

O suplente é um obstáculo ao processo democrático porque ele se interpõe entre o

cidadão soberano e a tomada de decisões, cortando o ciclo de representatividade que se dá

pelo processo eleitoral; ele usurpa a posição do representante eleito, ainda que o faça

mediante previsão legal, e passa participar do processo político sem que tenha sido autorizado

a isso, sem representar os interesses políticos dos eleitores, e sem responder pelas ações que

realiza. Quando levamos essas considerações para o processo de impeachment, o problema

torna-se mais grave.

Consoante observado no primeiro capítulo, o Presidente, Chefe do Poder Executivo,

é o mais alto posto político de uma República presidencialista. Eleito por maioria de votos em

eleições democráticas, ele representa os interesses do país, quer internamente, quer

10

Ver nota nº 1.

45

internacionalmente. Exigir a sua responsabilização por atos nocivos à Constituição e às

instituições do país é medida não apenas necessárias, mas desejada, afinal “governo

irresponsável, embora originário de eleição popular, pode ser tudo, menos governo

democrático” (PILLA apud BROSSARD, 1992, p. 3).

Não obstante, o cargo de Chefe do Executivo nacional é uma das instituições

republicanas que garantem a existência de uma democracia fundada em ideais de soberania,

separação de poderes, representatividade, de modo que sua destituição deve obedecer estes

mesmos princípios se se pretende legítima.

A existência do instituto do impeachment, como demonstrado à exaustão

anteriormente, é uma ferramenta democrática que permite aos cidadãos, representados pelo

Poder Legislativo, imputar ao Presidente (ou outros agentes políticos infratores) a

responsabilidade por condutas tidas como inapropriadas ou prejudiciais aos negócios do

Estado e aos interesses do país, ou que atentam contra a Constituição Federal.

Deste pressuposto decorre a necessidade de que o processo de impeachment respeite

as regras do procedimento democrático: que seja iniciado na Câmara dos Deputados,

representativa dos interesses de todos os cidadãos, e se encerre no Senado Federal, alçado

pelo constituinte originário à posição de órgão julgador, respeitando as normas

procedimentais impostas pela lei reguladora do instituto e pelas regras constitucionais

aplicáveis.

Estes requisitos visam garantir um julgamento político justo, democrático e

representativo, que submeta o Presidente da República ao julgamento de representantes

democraticamente eleitos, que são, afinal, os únicos legitimados a destituí-lo do cargo, por

expressa previsão constitucional e construção interpretativa decorrente da própria história do

desenvolvimento do impeachment.

Neste contexto, como interpretar a participação de “representantes” não eleitos no

processo de julgamento?

Pelo voto de dois terços dos senadores, o Presidente é condenado ou absolvido. A

diferença pode ser decidida por um único voto, ou seja, a decisão pode caber a um senador

que não recebeu um único voto popular para exercer o cargo, e que, terminado o mandato, não

prestará conta das decisões tomadas.

46

O quadro se agrava quando consideramos que as decisões do Senado não estão

sujeitas a recurso ou revisão por outras esferas públicas11

: seus veredictos são absolutos e

irreversíveis (BROSSARD, 1992, p. 149-152).

O impeachment, como processo político, tem como objetivo resguardar o Estado dos

efeitos nocivos de um governo negligente e prejudicial aos interesses da nação, e, como as

considerações deverão ser igualmente políticas, seu julgamento é submetido ao crivo de um

tribunal político, a saber, o Senado Federal.

Brossard reconhece a probabilidade de ocorrer abusos e violências quando se

submete um julgamento desta monta a um tribunal composto por representantes políticos com

interesses muitas vezes conflitantes, mas destaca a prudência do constituinte em atribuir a

acusação à Câmara e o julgamento ao Senado, exigindo o voto de no mínimo dois terços dos

membros de cada Casa, tanto para autorizar para instaurar o processo quanto para condenar o

acusado (1992, p. 144-148).

Continuando, a própria natureza política do processo indica a necessidade de se

resguardar a representatividade política dos julgadores, para que todos sejam verdadeiramente

legitimados a analisar, ponderar e votar, segundo os interesses que representam, de modo que

o resultado reflita a vontade popular compreendida na postura e nas escolhas dos

representantes que compõem o Congresso Nacional.

Desta forma, quando o constituinte repetiu o preceito das Constituições anteriores e

permitiu a atuação de um legislador não eleito e irresponsável, no sentido político do termo,

terminou por comprometer a própria idoneidade do Senado Federal para proceder a

deliberações e julgamentos cujas consequências alcançam toda a sociedade.

Feitas todas estas considerações, verifica-se quão prejudicial à democracia

representativa é o instituto do suplente, especialmente quando analisamos a questão à luz do

processo de impeachment, provavelmente um dos mais incisivos instrumentos democráticos

de responsabilização política.

A deposição do ocupante do mais alto cargo Executivo da República pelo voto de

legisladores sem nenhuma representatividade seria um grave retrocesso em termos de

democracia.

11

O mérito de suas decisões políticas não podem ser objeto de recurso a instâncias judiciais, mas isto não

significa que não haja possibilidade de recurso contra vícios no procedimento: como processo democrático, deve

respeitar os princípios e regras constitucionais e garantir o contraditório e a ampla defesa. Qualquer violação de

direito é suscetível a revisão pelo Judiciário, a quem compete zelar pelo cumprimento da Constituição.

47

CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo verificar em que medida o suplente de senador é

legitimado a participar do julgamento político do Presidente da República, tendo em vista as

muitas questões relativas à representatividade dos suplentes, a harmonia do instituto da

suplência com os ideais de democracia e soberania popular, especialmente diante da

relevância e gravidade de um processo de impeachment, no qual estão em jogo não apenas a

permanência no cargo do Chefe do executivo, mas também as consequências que um

julgamento destas proporções traz para a imagem do país, não apenas para os seus cidadãos,

mas internacionalmente.

Tendo em vista as teorias de democracia, representatividade e soberania abordadas

no capítulo 2, percebemos a importância do processo eleitoral na concretização de um projeto

de democracia. A eleição não se encerra no momento do voto, mas prolonga-se,

ininterruptamente, compreendendo tanto o momento prévio à votação quanto o período do

mandato concedido ao representante eleito.

A representação é um processo político que, para que seja democrático, requer a

participação dos eleitores em cada uma de suas fases, desde o momento da autorização até a

prestação de contas, que ocorre ao fim de cada mandato.

O momento anterior ao de autorização permite que os cidadãos se organizem em

grupos e partidos políticos, levando para a arena política suas opiniões e interesses, que, uma

vez traduzidos em uma linguagem política, possibilitarão o reconhecimento entre aliados e a

identificação de adversários. A partir dessa identificação, serão traçadas estratégias, a fim de

reunir, em torno de interesses comuns, o maior número possível de participantes.

No momento da autorização, os cidadãos confiarão seus votos aos candidatos que

tiverem as propostas mais condizentes com seus interesses, cujas escolhas políticas melhor

reflitam suas vontades. Uma vez autorizados, os representantes passam a integrar o “lado de

dentro” do sistema legislativo, onde as decisões políticas serão efetivamente transformadas

em atos normativos, enquanto seus eleitores permanecem “do lado de fora”, avaliando seus

representantes. Esta relação pode ser mais ou menos dinâmica, a depender da existência (ou

não) de mecanismos de comunicação dos eleitores com seus representantes (assembleias,

reuniões, ouvidorias).

Uma vez daquele lado, os representantes tomarão decisões e participarão de

deliberações, constantemente avaliando como seus eleitores interpretarão cada atitude sua e

48

decidindo a melhor maneira de representar seus interesses (ou não). É com base nestas

escolhas que os representados avaliarão a qualidade do mandato de seus representantes

eleitos. Na fase posterior, de prestação de contas (que pode coincidir, ou não, com as

eleições), os eleitores julgarão quão representativos foram seus candidatos, e a partir daí

decidirá se renova a autorização concedida (reeleição) ou se a revoga, negando-lhe o voto nas

eleições seguintes.

Percebe-se, neste momento, a existência de alguns requisitos para que a

representação seja de fato “representativa” e democrática, a saber, a autorização e a prestação

de contas. Sem estes dois elementos, não se pode falar em representação, menos ainda em

democracia representativa. As eleições, neste caso, são um indicativo da presença ou não

destes elementos.

Desta forma, pode-se concluir pela inexistência de representatividade do suplente de

senador. Nomeado mediante critérios questionáveis (que incluem relação de parentesco com

os titulares, financiamento da campanha, dentre outros, conforme explorados no capítulo 3), o

suplente chega ao Senado sem, para isso, receber um único voto. Não há sequer a exigência

de que conste da lista dos senadores mais votados e que sua indicação se dê por ordem

decrescente de votos recebidos, o que, embora possa ser questionável, ainda seria uma forma

mais democrática de investidura. E, após o fim do seu “mandato”, não presta contas à

sociedade pelos atos praticados.

Neste sentido, sua atuação no processo de julgamento político do Presidente da

República é altamente questionável. Por tratar-se de um processo político, com vistas a

proteger o Estado de um mau governante, sua realização é de competência das duas Casas do

Congresso Nacional, mediante o recebimento da denúncia pela Câmara dos Deputados e a

instauração e julgamento pelo Senado Federal. Para que se autorize a instauração do processo

e, posteriormente, se condene o acusado, são necessários os votos favoráveis de dois terços

dos membros da Câmara e do Senado, respectivamente.

Este cuidado excessivo do constituinte em regulamentar o procedimento e impor um

quórum tão elevado decorre da própria natureza política do impeachment: surge de causas

políticas, instaura-se sob considerações políticas, seu julgamento é político e tem por objetivo

resultados políticos (BROSSARD, 1992, p. 75). Na Inglaterra, como observado no capítulo

primeiro, o instituto era usado para perseguir adversários políticos e enfraquecer suas

reputações diante do rei e da nação. Mas não se poderia conceber algo parecido em uma

49

República democrática. Para isso foram estabelecidos limites claros ao procedimento, para

que represente os interesses políticos da nação, e isso só pode ser feito pelo Legislativo.

Em respeito à separação dos poderes, a acusação e julgamento do Presidente cabe à

Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. Embora também seja eleito por voto direto, em

eleições periódicas, seu processo de responsabilização é diferente daquele ao qual se

submetem os membros do Legislativo. Como Chefe do Poder Executivo, sua função é zelar

pelo bom cumprimento das leis e decisões tomadas pelo Congresso Nacional, na medida em

que representam a vontade dos cidadãos. Mas a fiscalização dos seus atos cabe ao Legislativo.

A este compete verificar a vinculação ou não dos atos presidenciais à “vontade popular”

refletida nas leis. Por esta razão, somente a ele pode caber a destituição do Presidente da

República.

Diante disso, a presença de senadores não eleitos no julgamento do processo de

impeachment é uma grave afronta à soberania popular e à democracia. Se não foram

autorizados a atuar na esfera legislativa, se não defendem os interesses de eleitores e sequer

prestam contas de suas escolhas políticas, seu voto em um processo como o impeachment

somente poderá representar seus próprios interesses individuais. E isto não é admissível em

uma democracia.

50

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