Impedimento e Neoliberalismo

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    Impedimento e neoliberalismo

    Eleutrio F. S. Prado1

    Impedimento

    O impedimento (impeachment) de um presidente da repblica do Brasil est,desde o dia 3 de dezembro de 2015, novamente na pauta das preocupaes dosbrasileiros. importante tentar saber o porqu.

    certo que Dilma Rousseff foi eleita para esse cargo, em fins de 2014, numprocesso eleitoral muito acirrado, o qual foi movido por muito dinheiro, legal e ilegal, epor muita mentira, flagrante e oculta. No h dvida, portanto, que a corrupo e o

    marketing poltico safado permearam todo esse processo, deixando marcas indelveisque poderiam ensejar denncias de estelionato eleitoral e mesmo amplas investigaessobre a origem dos recursos empregados nas campanhas. Porm, ter participado econtribudo de alguma forma em tal degradao do processo poltico uma acusaoda qual no se pode isentar, em princpio, nenhum dos grandes partidos que disputaramesse e outros cargos no ltimo certame eleitoral.

    A corrupo e a mentira, entretanto, por si mesmos, no parecem explicar opedido de impedimento mesmo se afloram como indignao em importantes parcelasda opinio pblica. As acusaes que se valem desses vcios so armas evidentes na lutapoltica desmoralizada e deteriorada, mas elas no apontam para os reais motivos datentativa de reverter os resultados de uma eleio muito recente. Ao contrrio, taisvcios so constituintes intrnsecos do modo pelo qual se mantm a dominao de classena sociedade brasileira.

    certo, por outro lado, que a presidente recm-eleita assume o segundomandato num quadro de grave crise econmica, a qual se anuncia pela queda daatividade produtiva, pela elevao da inflao dos preos e pelo aumento dodesemprego. E o bom ou mau estado do sistema de produo, assim como asperspectivas quanto ao seu funcionamento no futuro, encontram-seno parece existirqualquer dvida sobre essa relao de causalidadeno fundamento da estabilidade ou

    da instabilidade poltica nas sociedades contemporneas. Ora, mesmo se a quedapronunciada na atividade econmica observada em 2015 encontra uma explicao nastendncias histricas da economia brasileira, assim como na conjuntura internacionaldesfavorvel, ela foi fortemente agravada pelo modo como foi conduzida a polticaeconmica no primeiro mandato da atual presidente.

    Aqui, porm, no se quer discutir extensivamente as caractersticas da polticaeconmica no primeiro governo de Dilma Rousseff, transcorrido entre 2010 e 2014.Trata-se certamente de uma discusso importante, a qual, alis, pode ser ampliada parainclui-la na considerao da poltica econmica dos governos anteriores. Aqui se quer

    1Professor snior do Departamento de Economia da FEA/USP. Correio eletrnico: [email protected]. Blogna Internet: http://eleuterioprado.wordpress.com

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    fazer, diferentemente, uma outra investigao, talvez mais crucial. E ela parte de umapergunta: sabendo que o processo de impedimento bem traumtico tanto do pontode vista econmico quanto do ponto de vista social mais amplo, que projeto polticomove, em ltima anlise, o esforo para derrubar a presidente recm-eleita?

    De incio, preciso ver o seguinte: o impedimento de presidente da repblica um instituto legal consta da Constituio de 1988 do Brasil , mas no se constituicomo um evento autenticamente democrtico, mesmo da perspectiva restrita dademocracia representativa. Conforme argumenta um bom jurista, de forma simples ecom boa lgica, a interrupo do mandato de algum eleito pelo povo deveria ser feitapor meio de referendo revogatrio, em que o prprio povo e no a elite poltica dosrepresentantes cuja vontade pode estar eventualmente corrompida por interessesprprios quem pode tomarou noessa deciso que culmina uma crise polticade grandes propores.

    Portanto, mantendo a anlise no plano formal, isto , sem considerar a questo

    da dominao de classe que est na base do capitalismo, mas se encontra devidamentedisfarada em sua superfcie mercantil, seria preciso reconhecer que o processo deimpedimento deveria ser decidido de modo poltico pelo povo de quem, supostamente,emana o poder de deciso ltimo num sistema que se pretende democrtico. Maspovo, bem se sabe, um termo elusivo e enganador j que apresenta como unido o

    que est verdadeiramente separado em classes sociais (uma separao estrutural quese transfigura na superfcie da sociedade e que aparece, por exemplo, como meraseparao do povo em classes de renda).

    De qualquer modo, segundo as leis em vigor no pas, o impedimento podeocorrer por crime de responsabilidade devido ocorrncia manifesta e provada de

    improbidade administrativa no exerccio da funo de presidente da repblica. Ora,como a coleta de evidncias, a comprovao e o julgamento do suposto crime umprocesso jurdico no caso atualmente em curso, o fato gerador do pedido deimpedimento a existncia de supostas irregularidades fiscais , ele apenas pode serdecidido, em ltima instncia, pelo poder judicirio. Entretanto, como o processo deimpedimento transcorre principalmente no mbito do poder legislativoe se apresentacomo manifestao de um conflito de poder, ele tem um carter poltico. Por isso, osprprios juristas em geral concordam com a afirmao do carter poltico do processodo impedimento, mesmo se ele se apresenta como formalmente jurdico.

    Em consequncia, como se trata de um processo dessa natureza, cabe aindagao sobre a natureza da orientao poltica que est na base do pedido deimpedimento da atual presidente da Repblica do Brasil? Aqui se supe que a luta emcurso de culminao se d sob a gide do neoliberalismo, pois se admite que essa formade atuao amplamente hegemnica no Brasil (tal como no mundo contemporneo,em geral). Eis que ela tem guiado a prtica poltica, imprimindo a sua marca noscomportamentos, nas instituies e nas organizaes em geral, mesmo se no a nicaforma existente e aparece misturada com outras formas. Mesmo sendo assim, mesmoinfluindo de modo profundo no meio social, atua de um modo difuso, pois no acolhidacomo iderio explcito por nenhum dos partidos polticos que atuam no CongressoNacional. Eis que o pedido de impedimento se d essa a tese aqui sustentada

    porque, em ltima anlise, acusa-se o governo de planto de violar as normas que regem

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    a governana neoliberal. Por isso, em primeiro lugar, preciso esclarecer de formasinttica o que se entende aqui por neoliberalismo.

    Neoliberalismo

    Ao contrrio do que sustenta a compreenso vulgar, o neoliberalismo no umretorno ao liberalismo clssico; ele no propugna por uma volta ao estado mnimo ou

    mesmo por uma reduo da atuao do Estado no sistema econmico. Por outro lado,a ascenso do neoliberalismo como pensamento poltico dominante no pode ser vistacomo uma mera consequncia da expanso e da lgica autnoma do capital comopretende o marxismo vulgar. Mesmo se est inerentemente associado globalizao, financeirizao e s privatizaes, ele no pode ser compreendido como mera expressoideolgica de processos reais que ocorrem na estrutura da sociedade.

    De modo diferente, junto com Pierre Dardot e Christian Laval, compreende-seaqui o neoliberalismo como produto de uma construo poltica que procurouresponder historicamente s necessidades objetivas da acumulao do capital a partirde 1980. Como se sabe, ele sobreveio aps o esgotamento do modo de acumulao quepredominou por dcadas e que se pode chamar grosso modo de social-democrtico oukeynesiano. Este ltimo se tornou predominante no ps-guerra, mas entrou em declnionos anos 1970, quando, ento, depois de um perodo em que aflorou a estagflao,passou a ser substitudo por um novo modo de acumulao, o qual pode ser tambmdenominado hiperconcorrencial ou neoliberal. Esse modo veio para tentar salvar ocapitalismo de uma nova estagnao secular uma perspectiva sombria que japarecera no horizonte do capitalismo na dcada dos anos 30. Ao final dos anos 1970ficara claro para as lideranas capitalistas que o keynesianismo no era mais capaz de

    fornecer uma perspectiva de crescimento sustentvel para este modo de produo queno pode parar. A soluoneoliberal imps ento com a fora da necessidade dereativar o sistema, custe o que custar.

    Segundo esses dois autores, se o keynesianismo implicou numa tendncia administrao burocrtica e estatizante do evolver das relaes sociais, oneoliberalismo consistiu precisamente no rompimento com esse padro por meio daimposio das normas da concorrncia mercantil em muitas esferas da atividadehumana, privadas ou estatais, mercantis ou no-mercantis. Em sua perspectiva, omodelo do mercado deve prevalecer na organizao de todos os sistemas de relaessociais da esfera no-familiar. Ademais, todas as pessoas que atuam nesses sistemasdevem se comportar como empresrias de si mesmas, devem atuar como indivduosque buscam valorizar o seu capital humano. Ao pr a responsabilidade do fracasso e dosucesso nos prprios indivduose no no sistema como no keynesianismo tornava-se possvel flexibilizar as regras de funcionamento do prprio sistema, favorecendo oscapitalistas em detrimento dos trabalhadores assalariados. Assim, a lgica do capital quemove os primeiros podia passar a correr mais solta...

    O neoliberalismo no veio para mudar o modo de administrao das interaessociais apenas nas organizaes privadas, mas na sociedade como um todo, inclusive nointerior do prprio Estado. Segundo eles, por isso, preciso admitir que uma forma de

    racionalidade e que essa racionalidadea racionalidade neoliberalcaracteriza-se pela

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    expanso e fortalecimento da lgica da concorrncia mercantil para alm dos mercados,isto , para todas as formas de organizao privadas ou estatais.

    Assim, o Estado deixou de ser aquela instncia da sociedade que pe certasrestries lgica mercantiluma caracterstica central do Estado social-democrtico

    , para se tornar o veculo primordial da expanso da norma concorrencial que anima ocapitalismo. E isto o que caracteriza o neoliberalismo. Longe de ser (...) um obstculo extenso da lgica do mercado dizem Dardot e Laval, o Estado tornou-se um deseus principais agentes, seno o seu principal vetor. Sob o seu controle, os instrumentosde poltica pblica herdados da gesto social-democrtica e keynesiana tornaram-se,paradoxalmente, alavancas para transformar, de dentro, a lgica de funcionamento daao pblica em funo de uma mudana profunda na sociedade. Nessa perspectiva, oEstado deve ser economicamente ativo, e mesmo muito ativo, deixando de ser, porm,intervencionista e empreendedor. Eis que tem de manejar as polticas monetria e fiscal,industrial, salarial, cambial etc. com a finalidade de criar as melhores condies possveispara a acumulao privada de capital.

    Ora, aqui surge um problema. evidente que esse tipo de orientao poltica queprivilegia os interesses do capital est em contradio estrutural e, assim, pode entrarem conflito manifesto, como os interesses majoritrios das camadas de menores rendaque compem o povo e, em particular, com os interesses dos trabalhadoresassalariados. Porm, para que tenha legitimidade junto a esse mesmo povo, oimperativo pr-mercado, condicionante agora de toda a atuao do Estado, tem deser aparentemente conciliado com a democracia liberal em que os governantes soformalmente escolhidos por meio de processos eleitorais.

    No caso do Brasil, essa conciliao tem sido mediada por meio do marketing

    poltico e da corrupo sistmica. Esta ltima atravessa e, cumprindo normalmente oseu papel sujo, nutre os processos eleitorais e o funcionamento contnuo do sistemapoltico como um todo. Nada escapa do vrtice da apropriao poltica dos recursospblicos. Ela alimenta a obteno e a manuteno dos cargos legislativos e dos cargosexecutivos em geral, irriga da base at o topo da pirmide de governana que abrangeas esferas municipal, estadual e federal. Se os governantes so assim eleitos pelopovo, eles governam de fato, em ltima anlise, para os capitalistas que os financiam.Contudo, justamente por defenderem de fato interesses outros que no aqueles de suabase eleitoral, eles no podem abdicar do clientelismo, da demagogia e de certahipocrisia que apresenta o anti-popular como pr-popular.

    Ora, se o crescimento econmico se mostra robusto, o tumulto pode ficarlatente; mas se o sistema econmico entra em crise e se sobrevm uma forte recesso,o conflito torna-se patente, de tal modo que passa a se manifestar como luta polticainflamada e crispada. O neoliberalismo apareceu historicamente para reativar edinamizar o capitalismo, mas passou a se sustentar com base numa forma de hegemoniapoltica que muito mais instvel do que aquela produzida pelo keynesianismo. , pois,nesse quadro que se deve pensar o lanamento do processo de impedimento da atualpresidente do Brasil.

    Conforme foi emperrando o processo de acumulao a partir de 2010, o governo

    Dilma Rousseff passou a contrariar a perspectiva da recesso e da crise sustentando ademanda efetiva por meio de poltica econmicas que incentivaram principalmente o

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    consumo. Ora, essas polticas acabaram elevando o salrio real em relao ao nvelprevalecente da produtividade do trabalho e, por isso mesmo, no obtiveram grandesucesso na reativao dos investimentos. Como comprometeram as perspectivas delucratividade dos negcios na economia capitalista e como, ademais, a taxa de cmbiopermaneceu valorizada desestimulando as exportaes, a taxa de crescimento do

    produto se desacelerou fortemente. Em contrapartida, elas acabaram comprometendoo equilbrio fiscal do governo, ao mesmo tempo em que favoreceram a acelerao dainflao. Formou-se, em consequncia, uma conjuntura propcia para o lanamento doprocesso de impedimento que veio tambm para mostrar o carter antidemocrticosub-reptcio do neoliberalismo, mesmo quando enxergado por meio do visor restrito dademocracia representativa.

    Comprovao

    A alegao final contida no pargrafo anterior requer uma justificao. Ora, o

    pedido de impedimento ora em tramitao no Congresso Nacional uma pea jurdicaque se fundamenta no cometimento por parte do Presidente da Repblica de umsuposto crime contra a ordem econmica, as tais pedaladas fiscais. Em queconsistem? Trata-se do diferimento de pagamentos por falta temporria de dinheiro emcaixa, uma operao monetria por meio da qual um devedor fora um emprstimo,tambm temporrio, por parte do credor, o qual se mantm existindo at o momentoem que o credor se torna apto para fazer o pagamento devido.

    Ora, essa operao quase-normal numa economia baseada no dinheiro, poisse trata de um procedimento que usado e abusado por indivduos, empresas egovernos para enfrentar as dificuldades do momento. Conforme o texto do pedido,pedalada fiscal consiste em cometer atraso, por parte da Unio, nos repasses de valoresdestinados ao pagamento de benefcios de programas sociais, subsdios e subvenesde sua responsabilidade, os quais foram bancados pelos agentes financeiros daUnio, tais como a Caixa Econmica Federal, o Banco do Brasil e o BNDES.

    Mesmo sendo uma operao largamente praticada por todas as instncias degoverno, no passado e no presente, no Brasil e fora do Brasil, ela utilizada comoargumento cabal para pedir o impedimento da atual presidente que foi eleita numprocesso que respeitou as regras da democracia liberal vigente no Pas. Segundo a peaque se esmera em disfarar um cinismo latente por meio de argumentos caros ao

    formalismo jurdico, ela atentou contra a probidade na administrao e contra a leioramentriae, por isso, cometeu um crime de responsabilidade. evidente que ocrime cometido uma fico e que a razo do pedido de impedimento mora em outrolugar. Qual? importante descobrir o que a pea jurdica esconde e, para tanto, preciso investigar os argumentos dos economistas neoliberais na crtica que fazem administrao econmica de Dilma Rousseff como Presidente da Repblica.

    Por exemplo, um importante economista do PSDB, que senta e viaja no banco doneoliberalismo, sintetizou muito bem qual seria o crime praticado pela ltimaadministrao do PT. Ele lamentou a destruio do que considera ser um dos principais

    fundamentos da estabilidade alcanados pelo Plano Real: o divrcio entre a

    administrao monetria e a administrao das contas pblicas: tudo isso foidestrudo a partir de 2010. A crise mundial propiciou a oportunidade a quem no

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    acreditava em responsabilidade fiscal. Ficou tudo com o nome de pedaladas, mas vomuito alm de pedaladas. Toda a construo institucional feita entre o Plano Real e aLei de Responsabilidade Fiscal foi desmanchada.

    Um outro economista, que tambm trafega no trem maluco do neoliberalismo,

    foi mais incisivo no ataque poltica econmica do perodo 2010 a 2014. Segundo ele,a inovao sob Rousseff foi uma tendncia ao hiperativismo, em parte resultante docontexto global, em parte de um certo estilo gerencial. Com isso, aspectos da polticamacroeconmica foram sendo alterados com alta frequncia (...) sem que asautoridades tenham exibido muita preocupao sobre os efeitos que tais mudanaspoderiam ter sobre o grau de incerteza e o ambiente de negcios prevalecente naeconomia. Alm dessa tendncia ao ativismo excessivo, uma linha dominante da polticaeconmica sob Rousseff foi um certo ceticismo em relao ao mercado e a prefernciapela interveno estatal, cujo exemplo maior, no mbito da macroeconomia, foiprovavelmente o tratamento dado taxa de cmbio.

    Os exemplos poderiam ser largamente multiplicados. Em conjunto, eles nomostrariam muito mais do que os dois j citados. Pois, todos eles, de uma perspectivaneoliberal, acusam a administrao de Dilma Rousseff de gerir mal o sistema econmicoem prol da acumulao. Todos eles acusam-na de ter se desviado do padro competitivoe pr-mercado que comeou a ser implantado pelas administraes precedentes, nosgovernos de Fernando Collor e Fernando H. Cardoso. Tratam-se, evidentemente, dedivergncias no campo da poltica econmica, as quais, em si mesmas, no poderiam

    justificar a tentativa de promover, por caminhos tortuosos, uma ruptura institucional.Mas esse tipo de demanda e somente esse que est subjacente ao pedido deimpedimento ora em tramitao no Congresso Nacional. Deseja-se afastar Dilma

    Rousseff para retomar um padro de administrao que foi interrompido em parte eapenas em partepelos governos do PT. E o foram, como se sabe, porque esse partidoforou, sem fazer reformas estruturais, apenas incentivando o consumismo popular,uma melhor repartio da renda.

    Nada melhor indica o que se pretende com o impedimento do que o documentodo PMDB intitulado Uma ponte para o futuro. Pois, na verdade, ele sim uma ponte,mas para o Vice, Michael Temer, tentar caminhar para o cargo de Presidente daRepblica, carregando um projeto de mudana ultraliberalizante. Eis que essa ponteque existe, por enquanto, apenas na forma de projetoser supostamente construdapor meio do golpe parlamentar que ora ainda sendo viabilizado.

    Este documento comea enunciando com o usual topete os grandes fins a quese destina: preservar a economia brasileira e tornar vivel o seu desenvolvimento (...)

    executar polticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidadespara todos. Para tanto, preciso um Estado forte: as modernas economias demercado precisam de um Estado ativo (...) [capaz de] distribuir os incentivos corretospara a iniciativa privada e administrar (...) os conflitos distributivos. Porm, como se fazisso? Ora, por meio da austeridade e, para tanto, preciso blindar a poltica econmicadas influncias das demandas populares por meio da criao de instncias tecnocrticasde controle. Alm de acolher a tese de um banco central independente que acaba pondoa poltica monetria no controle do capital financeiro, o documento prope a criao de

    uma autoridade oramentria que acabar pondo a poltica do gasto pblico no controledo capital funcionante. O controle da poltica econmicae isto se afigura como bvio

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    assim traduzido em regras puramente tcnicas, passando a ser exercido porprepostos engravatados que atuam como tecnocratas.

    Se o documento comea falando em nome do interesse popular, terminaponderando com base no interesse capitalista. A questo central viabilizar um

    crescimento sustentado da economia brasileira. Para tanto, preciso um ajuste fiscalde longo prazo: ser necessrio um grande esforo legislativo porque as leis existentes

    so, em grande parte, incompatveis com ele. Pois, como mostrou o relatrio doFrum Econmico Mundial, nosso ambiente de negcios no favorvel e vem sedeteriorando. O objetivo de elevar a lucratividade das empresas capitalistas no mencionado explicitamente; o documento diz, entretanto, que preciso recriar umambiente de negcios estimulante para o setor privado por meio da ao do Estado.

    O amor incontido pela concorrncia mercantil no mencionado explicitamente, masrevelado por meio dos propsitos liberalizantes: devemos nos preparar rapidamentepara uma abertura comercial que torne o setor produtivo mais competitivo. Ademais,

    afirma peremptoriamente que preciso executar uma poltica de desenvolvimentocentrada na iniciativa privada, por meio da transferncia de ativos, concesses amplasem todas as reas de logstica e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta deservios pblicos.

    J basta! preciso parar por aqui citando a frase final desse folheto neoliberal.Eis que ela expressa a vontade de completa hegemonia de um projeto poltico que pregatendo na mo a cartilha do mercado. E essa cartilha existe para promover a luta de todoscontra todos por meio da competio mercantil, reativando assim o capitalismo etentando escapar da estagnao. Eis, por isso, que Uma ponte para o futuro termina deum modo que no pode deixar de ser bem farsesco: convidamos a nao a integrar-se

    a esse sonho de unidade.Ora, sob a gide das polticas dessa seita de fanticos domercado, a unidade impossvel. E eles no perdem por esperar...

    Em suma, o que a proposta atual de impedimento da presidente da repblicaquer no combater a corrupo, a mentira e o estelionato na esfera da poltica, massim tornar ainda mais rasa e frgil a democracia no Brasil.