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Império romano: Conquista e soberania através da força e do terror ABHR 2016 Juarez Pedro do Nascimento 1 Problemática Como o Império romano conseguiu ter um Estado forte e praticamente imbatível em seus tempos áureos? E que relação este império poderoso tem com a questão da violência nos tempos bíblicos, especialmente em relação à nossa era e o povo judeu? Objetivos O objetivo deste artigo é lançar luz sobre o Império Romano, como se tornou poderoso e como se sobrepunha aos outros povos, sobretudo sobre os povos já conquistados. E em se tratando de povos conquistados, estará em foco o suplício do povo judeu que estava sob jugo romano. O Império – Imperialismo – Romano tinha um exército muito poderoso e com a força militar é que se obtinha êxito nas conquistas de novas terras, alargando ainda mais seus domínios. E sobre os povos já dominados seu modo de agir não era diferente. A violência e o terror eram meios para que o Império permanecesse soberano e sobrepujante sobre seus escravos. Duras penas, inclusive pena de morte, eram impostas aos insurgentes. E nesta pesquisa será abordado sobre uma pena de máxima que era de muito comum aplicação dentro do Imperialismo romano, a crucificação, sobre qual Jesus padeceu. Metodologia 1 Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Psicanalista em Formação pela Sociedade Psicanalítica do Paraná (SPP). Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP). Bolsista CAPES.

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Império romano:

Conquista e soberania através da força e do terror

ABHR 2016

Juarez Pedro do Nascimento1

Problemática

Como o Império romano conseguiu ter um Estado forte e praticamente imbatível em

seus tempos áureos? E que relação este império poderoso tem com a questão da violência

nos tempos bíblicos, especialmente em relação à nossa era e o povo judeu?

Objetivos

O objetivo deste artigo é lançar luz sobre o Império Romano, como se tornou

poderoso e como se sobrepunha aos outros povos, sobretudo sobre os povos já

conquistados. E em se tratando de povos conquistados, estará em foco o suplício do povo

judeu que estava sob jugo romano.

O Império – Imperialismo – Romano tinha um exército muito poderoso e com a força

militar é que se obtinha êxito nas conquistas de novas terras, alargando ainda mais seus

domínios.

E sobre os povos já dominados seu modo de agir não era diferente. A violência e o

terror eram meios para que o Império permanecesse soberano e sobrepujante sobre seus

escravos. Duras penas, inclusive pena de morte, eram impostas aos insurgentes. E nesta

pesquisa será abordado sobre uma pena de máxima que era de muito comum aplicação

dentro do Imperialismo romano, a crucificação, sobre qual Jesus padeceu.

Metodologia

1 Mestrando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Psicanalista em Formação pela Sociedade Psicanalítica do Paraná (SPP). Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP). Bolsista CAPES.

Na busca de responder às questões do presente artigo será usado o método

bibliográfico e exegético de pesquisa.

O exame de várias obras e autores Esses instrumentos de investigação auxiliam a

compreensão da relação entre Império Romano e violência dentro da Bíblia.

Resultados e Discussões

O Roma foi uma das maiores potências imperiais que a história da humanidade já viu.

O Império Romano obteve inúmeras conquistas devido ao seu poderio militar. O Império

tinha soldados bem preparados, boas armas e excelente estratégia de guerra. Suas ações

eram baseadas na força, brutalidade, crueldade e terror aos oponentes, tantos o para com

os adversários que seriam conquistados como para os povos que já eram seus escravos.

É muito comum ouvir a expressão Império quando se refere a Roma, mas outro

adjetivo se pode dar aos romanos, Imperialismo. Seria um estilo de vida, por assim dizer,

pois a diligência romana era a de conquista e a de subjugação de outros povos à sua

soberania, nesse sentido, o que cabe melhor a se referir a Roma é Imperialismo Romano.

Com relação a seus escravos, não se admitia rebelião em espécie alguma, o rebeldes

eram torturados e mortos. O instrumento mais comum de execução utilizado pelo Império

era a crucificação, outros meios também eram de uso romano, mas o mais cruel era a de

erguer o insurgente no madeiro. Jesus foi submetido á cruz romana e toda a tortura moral e

física que é peculiar a este tipo de execução.

INTRODUÇÃO

O Governo Romano tem relação estreita com o povo judeu, pois estes foram seus

escravos e nota-se isto em alusões históricas e também nos relatos dos evangelhos, que

embora não tenham por prerrogativa os fatos históricos, mas sim a apologética. Há citações

bíblicas do Novo Testamento falando sobre imperadores, césares, soldados, centurião,

crucificação entre outras peculiaridades pertencentes ao Império de Roma.

O Império tinha um exército muito forte que ia á sua frente, que segundo Rossi

(2011, p. 62) o SM das botas dos soldados chegavam antes do próprio Império Romano

objetivava chegar, e que esta força militar fazia parte do Estado e que seria seu grande

trunfo.

As conquistas romanas se devem essencialmente aos militares que através da força,

terror, estratégia de guerra e militares bem preparados para o combate, conseguiram

ampliar as fronteiras do Império, escravizar muitos povos, e a ser praticamente imbatível na

batalha.

O império era extremamente violento em suas batalhas e também já com os povos

escravizados. E em relação ao povo cativo, a pessoa sofreria duras penas se infringisse

alguma lei imposta pelo imperador, indo desde tortura, membros amputados e até a mais

cruel e dolorosa morte, a crucificação.

O império chegou ao cúmulo de matar milhares de judeus num único dia. E em outro

episódio, durante vários dias foram crucificados tantos judeus que as cruzes em estoques se

acabaram. A força, brutalidade, crueldade era meio de causar pânico e medo aos que um dia

pensassem rebelar-se contra o Império.

Não foi exclusividade de Jesus passar pela cruz romana, era comum ao governo

Romano aplicar a pena de morte por crucificação. E para falar sobre crucificação Jesus será

tomado como modelo. De forma breve será tomado todo o processo de crucificação, desde

levar o réu ao imperador até a sua morte.

1. O terrorismo imposto pelo Império Romano

Schelesinger (1979, p. 26) diz que evangelho de Lucas tem todo o cuidado em situar

seus leitores, tanto no espaço como no tempo. Assim sendo, traça um sincronismo perfeito

entre a história profana e história sagrada. Assim escreve o evangelista:

No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador

da Judéia; Herodes, tetrarca da Galiléia; seu irmão Filipe, tetrarca da Ituréia e Traconites; e

Lisânias, tetrarca de Abilene; Anás e Caifás exerciam o sumo sacerdócio. Foi nesse ano que

veio a palavra do Senhor a João, filho de Zacarias, no deserto (Lc 3:1-2 - NVI2).

Winter (1998, p. 120) diz que o relato de Lucas 3:1-2 não é suficiente para permitir

afirmar o espaço e o tempo da crucificação de Jesus. Mas Schelesinger (1979, p. 26) rebate

dizendo que o ano décimo quinto do reinado de Tibério César é uma dado seguro.

As expressões César Augusto e César Tibério remetem que a Palestina não era um

Estado soberano, mas que estava sob domínio do Império Romano, cujos imperadores são

citados no evangelho de Lucas. Em Lucas 2:1 aparece César Augusto (de 31 a. C. até 14 d. C.)

e em Lucas 3:1 surge César Tibério (14 d. C. até 37 d. C.), e foi acerca deste César, Tibério,

que Jesus afirmou: “Portanto, dêem a César o que é de César...” (Lucas 20:24) (RIENECKER

2005, p. 51). Em todo o Novo Testamento, exceto em Lucas 2:1, todo título César é

referência a Tibério, que em seu tempo, a Judéia não foi governada por reis, mas sim por

procuradores (CHAMPLIN 2008 p. 40).

Cabe nesse momento distinguir e conceituar duas expressões: Império e

Imperialismo

2 NVI é a sigla para a Nova Versão Internacional, uma tradução bíblica. Todas as vezes que algum texto bíblico for citado será nessa versão bíblica.

1. Impérium (Império): autoridade soberana confiada pelo povo romano aos

magistrados escolhidos, abrangendo toda forma de poder executivo, inclusive religioso,

militar e judicial (WILLIAMS 2000, p. 164).

2. Imperialismo: caracteriza-se por certo momento dentro da construção do Império

Romano, é mais precisamente o árduo trabalho da conquista que leva uma nação a impor

seu poderio sobre as outras, com finalidade de exploração (MIGUEZ 2012, p. 190).

Os romanos tinham seus amigos e aliados, sua ideologia era defendê-los, e levar ao

restante do mundo civilização e paz (pax romana). Mas suas conquistas eram feitas á base

da força e da violência militar, e populações inteiras eram massacradas ou postas sob o julgo

da escravidão (HORSLEY 2010, p. 27).

Obviamente que o povo conquistado ficaria com dolorosa lembrança de ter perdido

território, bens e quiçá a liberdade. Mas como costumeiramente, o Império demonstrava

força e poder através de seu exército. À frente do Imperium marcha um intolerante exército.

Onde pode-se dizer que o som das botas dos soldados sempre chegava antes do Império

(ROSSI 2011, p. 62).

Para o povo derrotado o efeito psicológico, fora a perda de vidas e material, lhe

restava um terrível trauma no consciente coletivo: um dia era um povo soberano, dono do

seu destino; no outro dia subjugado e sem terra. Mas para o Imperialismo romano causar

um trauma psíquico não era suficiente. Pagola (2010) entre em mais detalhes de como o

Império impunha seu poder:

A glória destas conquistas ficava perpetuada depois nas inscrições dos edifícios, nas

moedas, na literatura, nos monumentos e, sobretudo, nos arcos de triunfo erguido por

todo o Império. Os povos subjugados não deviam esquecer que estavam sob o Império de

Roma. A estátua do imperador, erigida junto às estátuas dos deuses tradicionais,

recordava-o a todos (PAGOLA 2010, p. 32).

Rossi (2011, p. 63) complementa que o poderio militar, através da força e do terror,

era quem controlava o Império Romano, e que há possibilidade do exército ter sido a base e

a grande arma secreta do Estado Romano.

O Novo testamento ilustra claramente três das principais responsabilidades do

Império: manutenção militar (Jo 11:48s) e ordem pública (At 21;31s); cobrança de impostos,

exigida por César base equitativa de acordo com o recenseamento (Lc 2:1; 20:22; 13:6s); e a

jurisdição, tanto por envio de casos pelas autoridades locais aos governadores (At 19;38),

como por apelo contra elas (At 25:9) (WILLIAMS 2000, p. 164).

Não satisfeitos com a dominação política, os círculos dirigentes romanos envolviam-se

agora deliberadamente com a exploração econômica dos frutos da conquista para

proporcionar paz e prosperidade à população da metrópole imperial (HORSLEY 2004, p.

25).

A exploração afeta diretamente a todos, principalmente os camponeses na Galiléia,

que são responsáveis pela produção de alimento de toda a Palestina, incluindo toda Judéia e

Jerusalém. O campo era fértil para a exploração de recursos naturais e humanos e para

enriquecimento via tributos e impostos. Pixley nos fala melhor sobre o plano de exploração

imperialista romano sobre os palestinos:

Um dos propósitos do Império em seu controle sobre o território e a população da

Palestina era obter riquezas através de um complexo sistema de tributos e impostos.

Havia imposto sobre a terra, sobre a população, e direitos de alfândega para uso de

pontes e vias. Cobrar os impostos era um negocio que se outorgava por contratos a

grandes empresários, que por sua vez empreitavam os coletores locais de impostos

(PIXLEY 2008, p. 123).

O Império não tinha preocupações com as questões religiosas dos povos

subordinados a eles, isso inclui os judeus, então se abstinham de legislar nessa área (WINTER

1998, p. 43). Mas, em se tratando de terra, querendo ou não, faz referência à religião

judaica, pois toda a terra pertence a Iavé (Sl 95:4s) e ele deu uma parte específica ao povo

de Israel (Dt 26:5s), mas não para usá-la como quisesse, pois a terra ainda continuava a ser

dele. Por esse motivo o profeta Jeremias acusou o povo de profanação da terra de Iavé (Jr

2:7) (WILLIAMS 2000, p. 43).

Para os judeus, a terra é sinônima de promessa e benção de Iavé, pois remete á

história antiga do povo hebreu. Quando saíram do Egito, lhes foi prometida uma terra para

sobrevivência e desenvolvimento de relação sócio-cultural de paz harmonia. A terra tem

extrema importância na existência e no autoconhecimento do povo como nação. É “em

torno dela, forja sua identidade como povo irmanado na igualdade de um direito

compartilhado sobre uma terra comum dada por Iahweh a todos por igual” (GALLARDO

1997, p. 44).

Com o intuito de evitar guerra contra os romanos, pois era sabido de sua capacidade

militar (armas, estratégia de guerra, grandes tropas com soldados bem preparados), Agripa,

rei da Judéia (41 a 44 d. C.) fez um longo discurso aos judeus, que foi registrado por Flávio

Josefo, e Rossi (2011, p. 63-64) faz citação desta preleção em sua obra. E aqui serão

mencionados alguns trechos do discurso do Rei Agripa revelando o quão era temido,

poderoso, violento e cruel o Imperialismo Romano:

“Quando Pompeu (63 a.C.) invadiu nossa terra era o momento de ter feito todo o

possível para evitar a entrada dos romanos” (ROSSI 2011, p. 63);

Mas nossos antepassados e seus reis, ainda que tivessem tido muito mais riquezas, mais

força física e mais valor que vocês, no entanto, não resistiram nem a uma pequena parte

do poder romano. E vocês que herdaram de seus ancestrais a escravidão, de uma vez que

são inferiores a estas primeiras gerações que foram submetidas, querem se levantar

contra a força dos romanos? (ROSSI 2011, p. 63);

“Estes atenienses que em torno da pequena Salamina aniquilaram a imensa Ásia,

agora são escravos dos romanos” (ROSSI 2011, p. 63);

“Não é certo que temos sido vencidos muitas vezes pelos povos vizinhos, enquanto o

exército romano nunca foi derrotado em todo o mundo habitado?” (ROSSI 2011, p. 63);

Os romanos levaram seus exércitos além das colunas de Hércules, passaram pelas

montanhas dos Pirineus e através das nuvens e, assim, submeteram aos iberos. Uma só

legião teria sido suficiente para custodiar a um povo tão difícil de combater e tão afastado

(ROSSI 2001, p. 63);

“E agora, quase todos os que vivem sob o sol estão submetidos ao domínio romano,

vocês serão os únicos que vão lutar contra eles?” (ROSSI 2001, p. 64);

“Somente nos sobra refugiar-nos na aliança divina. Mas Deus também está com os

romanos, pois que sem ele teria sido impossível criar um poder tão grande” (ROSSI 2001, p.

64).

Contemplem também as fortificações dos britânicos, vocês que confiam nas muralhas de

Jerusalém. Pois estes também, apesar de estarem rodeados pelo oceano e de viver numa

ilha tão grande como a terra habitada por nós, foram subjugados pelos romanos depois de

navegarem até ele. Quatro legiões guardam esta ilha tão extensa (ROSSI 2001, p. 64);

É sob esse contexto de escravidão, medo, opressão e de conquista através do terror

que o Imperialismo Romano aplicava, onde o poderio militar age com truculência para

ampliar seus domínios, que todo o novo Testamente se desenrola. Nesse momento o poder

do Império estava nas mãos dos césares romanos (RIENECKER 2005, p. 51).

2. Crucificação; um dos atos de terror do Imperialismo Romano

Para esta etapa da pesquisa será tomado, como modelo, a crucificação de Jesus. Sua

morte, para alguns judeus e posteriormente para os cristãos, tem sua mensagem redentiva.

João, em referência a um dos ritos do culto judaico do Antigo Testamente, exclamou em seu

evangelho: “Vejam! É o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1:29). Este

paralelo entre rito cultual judaico e Jesus, coloca o nazareno como sendo Messias prometido

através das profecias do Antigo Testamento, que análogo ao cordeiro sacrificado no culto

judeu, Jesus é o próprio sacrifício para remir o pecado da humanidade. Então, pela tradição

cristã Jesus é o Cristo enviado por Deus para remir os pecados de todos os que nele crêem,

possibilitando assim, através de seu sacrifício gozar da Vida Eterna (Jo 3:16; Rm 5:8).

Exegeticamente falando, não se tem exatidão histórica acerca de datas do

julgamento, prisão e crucificação de Jesus. Os evangelhos não têm esta preocupação

histórica, mas sim apologética de mostrar que o Sofredor justo, que morreu injustamente, é

o Messias esperado pelos homens (BOOF 1977, p. 51).

2.1 O julgamento

Há fatos comuns aos quatro evangelhos: Jesus foi julgado no tribunal de Pôncio

Pilatos, o governador romano; este mesmo Pilatos condenou Jesus à morte e morte de cruz;

Jesus foi entregue ao tribunal romano pelos judeus e depois o receberam novamente em

custódia. A questão divergente entre os evangelhos recai sobre quais judeus levaram Jesus

ao governador? Conforme Marcos (15:1), foram os chefes dos sacerdotes, os lideres

religiosos, os mestres da Lei e todo o Sinédrio que o entregaram a Pilatos. Em Lucas (23:1,

22, 66) foram todos, possivelmente uma referência aos sacerdotes, escribas e anciãos.

Mateus (27:2) e João (18:28) referem-se a eles. Sendo assim, Marcos e Mateus convergem

em seus escritos (COHN 1990, p. 141).

Schelesinger (1979, p. 165-166) diz que “o julgamento de Jesus por Pôncio Pilatos foi

levado a termo com a tradicional regularidade e solenidade de um tribunal romano”, não

tendo assim todo aquele tumulto descrito nos evangelhos. Mas conclui que os textos

bíblicos focalizam as questões apologéticas dos evangelhos “e assegura ter sido concepção

teológica da universalidade e da gratuidade da salvação no Reino de Deus que, em última

análise, levou Cristo à morte”. No sentido histórico, somente um pequeno grupo de homens

é responsável pela crucificação e consequente morte de Jesus.

Esse pequeno grupo de homens que seriam os responsáveis históricos pela morte de

Jesus, pode ser um ajuntado de manifestantes fossem incitados pelos que faziam oposição

ao Nazareno. Possivelmente estes opositores eram os dirigentes sacerdotais. Essa massa de

manobra transparece que o todo o povo era contra o filho de Maria e por consequência leais

ao Império Romano (WINER 1998, p.130).

O Império Romano raramente intervinha com seu poder e autoridade sem que

houvesse necessidade para tal. Nesse sentido, “ele não crucificava professores ou filósofos

[...] se Jesus tivesse sido apenas uma questão de palavras ou idéias, os romanos

provavelmente o teriam ignorado” (CROSSAN, 2008, p. 15). “Muito mais do que as palavras,

eram as ações de Jesus que incomodavam o projeto da disseminação da pax Romana” (Paz

Romana) (ROSSI 2011, p. 72).

2.2 Condenação

No antigo testamento já se tem alusão do uso da crucificação como pena de morte

aos condenados. No livro de Esdras, o rei da Pérsia, Dário I, ao dar parecer favorável aos

judeus, ameaçou a esta condenação que fosse contra ao seu decreto. Outra alusão é no livro

de Ester, onde os medos, antecessores dos persas, puniam com crucificação ofensas graves

(SCHELESINGER 1979, p. 170).

No judaísmo não se tem a crucificação prevista como pena de morte, mas sim outros

quatro tipos de pena máxima constada no tratado de Sanhedrin da Mishá: apedrejamento,

queima, decapitação e estrangulamento, porém este último não consta no Antigo

Testamento. Os judeus, por não terem instituído a crucificação em sua lei e tampouco terem

uma expressão para ela, usam o vocábulo suspender homens vivos, termo encontrado

também na língua grega no Novo Testamento: um dos que foram suspensos (Lc 23:39);

suspenderam Jesus ao madeiro (At 5:30; 10:39) (WINTER 1998 p. 153, 143).

A crucificação de Jesus na cruz revela a brutalidade, sadismo, arrogância, escárnio

entre tantos outros adjetivos que se poderia dar à cena de crucificação dos condenados pelo

Imperialismo Romano.

Os legionários romanos submetiam a torturas terríveis os pobres condenados: eram

desnudados, flagelados, ofendidos em sua dignidade, feitos objetos de troça aviltante [...]

o suplício da cruz era aplicado quase exclusivamente para rebeldes políticos ou escravos

(BOFF, 1977, p. 56).

Em Roma o verdadeiro clamor pela crucificação se deu durante as guerras. Essa

sentença era aplica a os desertores, ladrões e, sobretudo, aos revoltosos vencidos. Os judeus

foram o povo que mais sofreram esse tipo de sentença de morte pelos romanos. Com a

morte de Herodes, os judeus se rebelaram contra a dinastia do Império. Públio Quintílio

Varo, militar romano, legado de Roma na província da Síria nos anos 6 a 4 a. C., desceu com

quatro legiões [que segundo Crossan (1995, p. 147)] à Judéia com a missão de pacificá-la,

dominando os focos de revolta e punindo os insurgentes. Nesta ocasião, aconteceu que

2.000 judeus sediciosos de Herodes, foram crucificados (SCHELESINGER 1979, p. 172). E no

cerco de Jerusalém, os Romanos chegaram a crucificar 500 judeus por dia (BARBET 1966, p.

56), “faltava espaço para s cruzes, e faltavam cruzes para os condenados” (WINTER 1998, p.

146).

Em certa ocasião, judeus mais pobres que estavam fugindo de Jerusalém para buscar

comida fora da cidade, foram capturados pelas tropas de Tito. Em um caso, os judeus

apanhados pelos soldados tiveram suas mãos decepadas, e foram obrigados a voltar à

cidade, sendo este um meio de coagir os habitantes à rendição (ROSSI 2011, p. 72). Foi um

meio de causar um terror psicológico coletivo aos moradores de Jerusalém.

A crucificação era e permaneceu uma punição política e militar do Império Romano.

De acordo com Crossan (2008, p. 138-139), a crucificação romana era terrorismo de Estado e

sua função era impedir a resistência ou a revolta, especialmente entre as classes inferiores.

2.3 O flagelo

Não é exclusividade de o Império Romano punir com açoites um escravo, e por

crimes de desumana monstruosidade, também no meio judeu havia esta prática, porém com

restrição de 40 açoites, sob risco de pena gravíssima para quem ultrapassasse a conta, então

por segurança se dava 39 golpes. Já no Imperialismo não se tem este limite, contudo, não se

poderia condenar alguém à morte por flagelo (ROHDEN 1982, p. 201-202). O açoite trata-se

de uma punição preliminar, é um ato que antecede a sentença de morte e que perdura por

todo parte do processo (BARBET 1966 p. 73).

“O madeiro sobre o qual colocavam o condenado para receber os açoites era

denominado madeiro miserável – Infelix Legnum – (COHN 1990, p. 228-229). Neste madeiro

era onde atava-se as mãos do condenado, era uma coluna um pouco mais baixa, de modo

que o criminoso ficasse curvando, deixando-lhes as costas expostas para os açoites (ROHDEN

1982, p. 203)

Rohden (1982) relata alguns detalhes dos objetos que eram utilizados para açoitas os

condenados e qual o estado físico que estes presos ficavam depois da surra.

Flagelava-se com vergas flexíveis, ou correias de couro, com cordas entretecidas de

fragmento de ossos, ou correntes de ferro guarnecidas de ganchinhos, rodízios de bolas

de chumbo. Refere-se a testemunha ocular, Flávio Josefo, que esses instrumentos

rasgavam as carnes da vítima a ponto de porem à mostra os ossos. Quem escapava vivo,

[...], ficava reduzido a um aleijão para o resto da existência. [...] Terminada a flagelação,

estava o corpo de Jesus reduzido àquilo que Isaías divisou em profética visão: Da planta

até o vértice não havia um ponto inato – era o varão das dores (ROHDEN 1982, p. 202-

203).

2.4 A cruz

O madeiro que era usado para crucificar os condenados era denominado

madeira da infâmia – Infamis Stipes. Este nome dado ao instrumento de execução,

por si só, já revela a crueldade e humilhação que o criminoso passaria antes da

morte.

2.4.1 a altura da cruz: Rohden diz que a cruz de Cristo tinha cerca de 3 metros de

altura, de maneira que, depois de posta na vertical, os pés do condenado ficariam em boa

distância do nível do chão (ROHDEN 1982, p. 213). O “hysos, isto é, pilum romano tinha três

pés de comprimento, isto é, cerca de 90 cm, inclusive o ferro que tinha cerca de um pé.

Desta forma a esponja poderia se facilmente erguida a 2,5 metros” (BARBET 1966 p. 75-76).

Uma terceira opinião destoa das duas anteriores. Nesta diz a cruz de Jesus ficava entre 2 e 3

metros acima do chão (BOFF1977, p. 57).

2.4.2 o formato da cruz: dentro do Imperialismo Romano estava em voga o uso de

quatro tipos de cruz: a cruz simples, que era um tronco vertical [...]; a cruz commissa, em

forma de T; a cruz immissa, a mais popular; e a cruz espada, chamada vulgarmente cruz de

Santo André (ROHDEN 1982, p. 213).

Não se tem na literatura patrística informação clara referente ao formato da cruz de

Jesus. Mas têm-se três textos, do Pseudo-Barnabé, de Orígenes e de Tertuliano, nos quais o

formato da cruz não tez dúvida, tem o formato em T. Os primeiros crucifixos surgem no

século V, ou seja, muito tempo depois da abolição da crucificação em Roma pelo Imperador

Constantino no ano 315, mais tardar no ano 330. De modo que os artistas dessa época

nunca viram uma crucificação, e a escolha pelo formato varia na questão de confecção,

facilidade se colocar visivelmente o título, estética entre outros (BARBET 1966 p. 78).

2.4.3 transporte da cruz: entre o Pretório e o Gólgota distava entre 600 e 700 metros,

esse trajeto é a célebre via crucis, via sacra, ou Rua da Amargura (ROHDEN 1982, p. 214).

O caminho, partindo da fortaleza romana, desce por um ligeiro declive para o vale de

Tyropaionn torna a subir por uma rampa não muito suave, passando pela Porta Judiciária,

até chegar, já fora dos muros da cidade, ao Calvário. Era costume romano executar os

criminosos perto das portas da cidade, para escarnamento dos transeuntes (ROHDEN

1982, p. 214).

Ela, a cruz, não era transportada inteira pelo prisioneiro, pois ela toda, ou seja, as

madeiras vertical e a horizontal pesaria cerca de 125 quilos. O condenado transportava em

seu ombro direito, ou esquerdo se canhoto, somente a travessa horizontal, com massa de

aproximadamente 50 quilos (BARBET 1966, p. 118, 66). E diante dos sentenciados ia um

pregoeiro com uma placa que dizia qual delito fora cometido criminoso. À frente de Jesus

tinha um soldado ostentando uma placa com uma inscrição em latim, grego e hebraico:

JESUS NAZARENO. REI DOS JUDEUS. (ROHDEN 1982, p. 215).

2.4.4 fixação da cruz: a cruz completa fica deitada no chão. Depois, para erguer a

cruz, se fazia necessário colocar a madeira vertical em um buraco previamente preparado

(BARBET 1966, p. 87).

2.4.5 fixação na cruz: com a cruz deitada no chão se fixavam à cruz os pés e mãos

(BARBET 1966, p. 87). A roupa do sentenciado era retirada e logo iniciava o procedimento de

pregá-lo ao madeiro (ROHDEN 1982, p. 215). Não fica claro nos evangelhos como Jesus foi

fixo na cruz, se com pregos ou amarrado com cordas. A tradição romana diz que o preso era

atado com grossas cordas, mas a tradição cristã diz que Jesus foi pregado à cruz com cravos

(COHN 1990, p. 227).

3. Morte, e morte de cruz

Em “fontes romanas encontramos que os crucificados permaneciam pendurados na

cruz durante longas horas, e às vezes durante dias inteiros, até expirar” (CONH 1990, p. 225).

Conforme Orígenes, era de certa forma comum ver os crucificados passarem a noite

toda e o dia seguinte agonizando até a morte. Segundo um texto árabe, em 1247, em

Damasco, um sentenciado à cruz durou até o 3º dia de sua crucificação. Têm-se notícias de

que um réu de morte sobreviveu à cruz. Flávio José diz que no ano 70, durante o cerco de

Jerusalém, três de seus amigos foram crucificados e no fim da tarde eles foram retirados da

cruz, dois deles vieram a óbito, mas o terceiro sobreviveu. Isso se deu ao modo como foram

presos às cruzes. Os que morreram foram pregados com pregos e o sobrevivente foi apenas

amarrado com cordas. (BARBET 1966, p. 92). Nesse sentido o tipo de crucificação influencia

diretamente o tempo em que o réu de morte permanecerá pendurado com vida.

Conh (1990, p. 223) usa-se da tradição dos evangelhos para estipular o tempo que

demorou todo o processo da Jesus. Após cruzar os dados bíblicos ele conclui que na hora

sexta, ou seja, Jesus jaz três horas pendurado na cruz, e três horas mais tarde, na hora nona,

Jesus “clamou em alta voz: Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mt 27:46) e

pouco depois expirou.

3.1 Por que Jesus expirou dentro de pouco tempo?

No dia anterior à crucificação Jesus sofrera, no Jardim das Oliveiras, uma agonia

moral espantosa, “A minha alma está cheia de tristeza até a morte” (Mt 26:38), expressão

judaica que significa tristeza mortal. Este sentimento que Jesus teve é raro, porém

conhecido pela medicina, e o médico Lucas descreve o desejo de Jesus não passar por tal

sofrimento: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha

vontade, mas a tua” (22:42), e marcos acrescenta “e começou a ficar aflito e angustiado”

(14:33). A aflição e angústia de Jesus foram tamanhas chegou ao ponto de transpirar gotas

de sangue, esse fenômeno fisiológico é chamado hematidrose, “que consiste em intensa

vasodilatação dos capilares subcutâneos” (BARBET1966, p. 92-93).

Sendo assim, a agonia moral, a tristeza de morte foi um dos motivos pelo qual o

Nazareno resistiu com vida menos tempo que o esperado. Esta agonia, segundo a medicina,

debilita fisicamente a pessoa que passa por tal situação.

Outro motivo pelo qual levou Jesus a padecer menos tempo com vida sobre o

madeiro, foi o fato dele ter sido pregado com cravos, segundo a tradição cristã, como visto

anteriormente. E nesta modalidade de crucificação, onde o criminoso tem seus pés e mãos

pregados com cravos, obviamente, ocorre sangramento, e então, pode-se concluir que Jesus

resistiu menos tempo com vida na cruz, devido à perda excessiva de sangue devido às

chagas ocasionado pelos cravos.

José de Ramataim, em grego Arimatéia, homem bom, rico e honrado, membro do

Sinédrio, juntamente com Nicodemos, obteve de Pilatos o corpo de Jesus para que o

pudessem sepultar (SCHLESINGER 1979, p. 185). Porém, cabe levantar uma questão

interessante sobre este fato, ou no caso, uma exceção à regra romana.

Existia uma lei em Roma proibindo enterrar uma pessoa que foi executada. E quem era

executado por crucificação permanecia sobre a cruz até que as feras e as aves ou o sol e

os ventos acabassem com os seus últimos restos. [...] E quem tentasse sepultá-lo cometia

uma grave delito penal. Mas isso só ocorria quando o imperador ou os seus funcionários

não autorizavam os familiares do morto a sepultarem o crucificado (COHN 1990, p. 249).

E segundo as leis judaicas respeitadas pelo governo romano, os corpos dos

sentenciados não poderiam ficar pendurados durante a Festa da Páscoa, que iniciara no por

do sol da sexta-feira (ROHDEN 1982, p. 226)

Considerações finais

Pode se inicialmente considerar o Império Romano como um Governo violentíssimo,

que conquistou e manteve sua soberania através de brutalidade e crueldade. A época, sem

duvida alguma, tinha o melhor e mais bem preparado exército, que, bem provavelmente,

tinha voz ativa no Governo e que era a grande arma do Imperialismo de Roma.

Era um Governo que não se importava com a questão religiosa de seus povos

escravos, desde que as suas leis fossem cumpridas à risca. Então os povos poderiam

continuar normalmente com seus ritos cultuais e adoração a seus deuses que as autoridades

não lhes proibiriam.

Por outro lado a intolerância contra os insurgentes era zero! As penas partiam desde

flagelos em praças públicas e amputações até a pena máxima, a pena de morte. Embora

tivessem outros meios de se executar os criminosos o mais comum era a crucificação.

Para muitos era o meio mais cruel para se executar alguém, todo o processo de

crucificação, desde o julgamento até a morte propriamente dita, foi planejado para causar

dor física e humilhação, e também para causar terror aos espectadores deste show de

horrores, com a finalidade de coação a quem se quer pensasse em rebelião.

Tomando, por exemplo, a morte de Jesus na cruz, pode-se notar toda a crueldade

pregada pelo Império Romano, se trata de fato de uma execução com requinte de

crueldade, onde o sentenciado sofre para que os soldados possam se divertir.

Bibliografia

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