Implantação de um sistema de avaliação...

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Implantação de um sistema de avaliação de desempenho: métodos e estratégias Gardênia Abbad de Otlvelre-Cestro Geny Bárbara do Carmo Lima Maria Raimunda Mendes da Veiga Neste trabalho descreve-se as diversas etapas de construção e im- plantação de um modelo de avaliação de desempenho em um órgão da Administração Pública Federal e discute-se sua aplicabilidade a outras organizações. Implantar sistemas de avaliação de desempenho em ambientes organizacionais tem sido um grande desafio para os profissionais da área de recursos humanos, mesmo nos países em que há farta produção científica e tecnológica disponível (conforme Abbad-OC, 1994). No Brasil, considerando a escassez de publicações sobre o tema, o desafio torna- se maior, especialmente quando se examina o artigo de Grillo (1982), uma das poucas edições existentes, que analisa criteriosamente a expe- riência brasileira com avaliação de desempenho na administração públi- ca e observa que as duas últimas estudadas por ele fracassaram total- mente. Tal situação deveu-se, segundo o autor, a inúmeros fatores, como a associação direta entre avaliação e promoção funcional, a padroniza- ção e a centralização dos procedimentos, a falta de participação do avaliado no processo avaliativo, o despreparo das chefias para lidar com avaliação e transitoriedade das chefias, entre outros. Ao implantarem sistemas de avaliação de desempenho, confronta- dos pela constatação do fracasso como regra e do sucesso como exce- ção, os profissionais de recursos humanos do órgão que sedia a experi- ência relatada neste artigo procuraram construir um sistema que con- templasse as recomendações da literatura, desde o respeito à cultura da organização, passando pela escolha das técnicas de desenvolvimento dos instrumentos, de preparação dos avaliadores e de adequada utiliza- ção dos resultados, até as estratégias de implementação e as ações de manutenção. Um modelo de avaliação de desempenho, para ser bem-sucedido, deve respeitar as características culturais da organização que o adota. Infelizmente, no Brasil é corrente a reprodução de modelos, talvez devi- do à anunciada escassez de produção científica e tecnológica na área. "- Mesmo os modelos mais avançados podem fracassar se as práticas . informais de avaliação forem inadequadas. Os sentimentos de injus- tiça e iniqüidade, por exemplo, são muito freqüentes nas culturas de Este trabalho foi apresentado no 11Fórum de Debates sobre Avaliação de Desempenho, organizado pela Associação Brasileira de Recursos Humanos - Seccional DF, realizado em setembro de 1995. Recebido em março/96 Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Doutoranda em Psicologia na Universidade de Brasília, é Professora Assistente no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Fax: (061) 273-8259 E·mail: [email protected] Geny Bárbara do Carmo Lima, Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Goiás, é Diretora da Secretaria de Recursos Humanos do Superior Tribunal de Justiça. Fax: (061) 225-2564 Maria Raimunda Mendes da Veiga, Licenciada em Pedagogia pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal com especialização em Administração de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas, é Diretora da Subsecretaria de Desenvolvimento de Recursos Humanos do Superior Tribunal de Justiça. Fax: (061) 225-2564 38 Revista de Administração, São Paulo v.31, n.3, p.38-52, Julho/setembro 1996

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Implantação de um sistema de avaliação dedesempenho: métodos e estratégias

Gardênia Abbad de Otlvelre-CestroGeny Bárbara do Carmo Lima

Maria Raimunda Mendes da Veiga

Neste trabalho descreve-se as diversas etapas de construção e im-plantação de um modelo de avaliação de desempenho em um órgão daAdministração Pública Federal e discute-se sua aplicabilidade a outrasorganizações.

Implantar sistemas de avaliação de desempenho em ambientesorganizacionais tem sido um grande desafio para os profissionais daárea de recursos humanos, mesmo nos países em que há farta produçãocientífica e tecnológica disponível (conforme Abbad-OC, 1994). No Brasil,considerando a escassez de publicações sobre o tema, o desafio torna-se maior, especialmente quando se examina o artigo de Grillo (1982),uma das poucas edições existentes, que analisa criteriosamente a expe-riência brasileira com avaliação de desempenho na administração públi-ca e observa que as duas últimas estudadas por ele fracassaram total-mente. Tal situação deveu-se, segundo o autor, a inúmeros fatores, comoa associação direta entre avaliação e promoção funcional, a padroniza-ção e a centralização dos procedimentos, a falta de participação doavaliado no processo avaliativo, o despreparo das chefias para lidar comavaliação e transitoriedade das chefias, entre outros.

Ao implantarem sistemas de avaliação de desempenho, confronta-dos pela constatação do fracasso como regra e do sucesso como exce-ção, os profissionais de recursos humanos do órgão que sedia a experi-ência relatada neste artigo procuraram construir um sistema que con-templasse as recomendações da literatura, desde o respeito à cultura daorganização, passando pela escolha das técnicas de desenvolvimentodos instrumentos, de preparação dos avaliadores e de adequada utiliza-ção dos resultados, até as estratégias de implementação e as ações demanutenção.

Um modelo de avaliação de desempenho, para ser bem-sucedido,deve respeitar as características culturais da organização que o adota.Infelizmente, no Brasil é corrente a reprodução de modelos, talvez devi-do à anunciada escassez de produção científica e tecnológica na área. "-Mesmo os modelos mais avançados podem fracassar se as práticas .informais de avaliação forem inadequadas. Os sentimentos de injus-tiça e iniqüidade, por exemplo, são muito freqüentes nas culturas de

Este trabalho foi apresentado no 11Fórum deDebates sobre Avaliação de Desempenho,

organizado pela Associação Brasileira de RecursosHumanos - Seccional DF, realizado em setembro

de 1995.

Recebido em março/96

Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Doutoranda emPsicologia na Universidade de Brasília, éProfessora Assistente no Departamento dePsicologia Social e do Trabalho do Instituto dePsicologia da Universidade de Brasília.Fax: (061) 273-8259E·mail: [email protected]

Geny Bárbara do Carmo Lima, Licenciada emLetras pela Universidade Federal de Goiás, éDiretora da Secretaria de Recursos Humanos doSuperior Tribunal de Justiça.Fax: (061) 225-2564

Maria Raimunda Mendes da Veiga, Licenciada emPedagogia pela Associação de Ensino Unificado doDistrito Federal com especialização emAdministração de Recursos Humanos pelaFundação Getúlio Vargas, é Diretora daSubsecretaria de Desenvolvimento de RecursosHumanos do Superior Tribunal de Justiça.Fax: (061) 225-2564

38 Revista de Administração, São Paulo v.31, n.3, p.38-52, Julho/setembro 1996

IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS E ESTRATÉGIAS

leniência. Nesses casos, o competente, o indiferente, odescomprometido e o incompetente, todos, sem distin-ção, recebem avaliações máximas. Tais aspectos podemresultar em desmotivação e redução da produtividade,principalmente dos trabalhadores mais efiõientes e maiscomprometidos com a organização. A prática da leniênciaou superavaliação,' bastante comum no serviço público,pode ser muito danosa e prejudicial à organização comoum todo, devendo-se, portanto, eliminá-la ou minimizara influência que exerce sobre as avaliações de desem-penho.

Um modelo, para ser justo, deve se preocupar emidentificar e eliminar os fatores geradores das práticas deleniência. As chefias, sob a influência das pressões cultu-rais, praticam a superavaliação, contribuindo dessa for-ma para a sua perpetuação. Nesses casos, é preciso eli-minar o problema mediante a sensibilização das chefiasda organização para os efeitos danosos de tais práticas,principalmente sobre o comportamento de trabalhadoresmais empenhados e competentes.

Os sistemas de avaliação devem ser justos e impar-ciais, baseados em padrões de desempenho atingíveis,objetivos e claros, apoiados na realidade dos cárgos oupostos de trabalho. Para tal, é necessário pesquisar ospadrões desejáveis de desempenho junto aos ocupantesdos cargos e às respectivas chefias.

É preciso evitar o risco de construir instrumentos ba-seados unicamente em traços de personalidade (iniciati-va, urbanidade etc.), mais suscetíveis a erros de avaliaçãodo que fatores relativos à produtividade ou à qualidade dotrabalho. Os fatores de avaliação devem ser claramentedefinidos e os instrumentos exemplificarem açõesobserváveis, de maneira que possam servir como indica-dores de desempenho e referenciais seguros para atribui-ção de escores.

Idealmente, um modelo de avaliação deve também tra-zer benefícios para todos os seus usuários. Às chefias,deve fornecer informações técnicas e procedimentosfacilitadores de planejamento, coordenação e avaliaçãodas atividades sob sua responsabilidade; aos demais, deveoportunizar condições propícias à identificação de pon-tos fortes e fracos do seu próprio desempenho e à melhoriados seus níveis de eficácia e qualidade de vida no traba-lho, durante todo o processo de acompanhamento e auto-avaliação. À área de recursos humanos do órgão, a ava-liação deve oferecer informações sistemáticas que subsi-diem o planejamento de programas de desenvolvimentode recursos humanos e a validação dos procedimentos deseleção de pessoal.

O sucesso de sistemas de avaliação de desempenhodepende ainda de múltiplos fatores, entre os quais a qua-lidade das estratégias de implantação utilizadas. ParaCocheau (1986), por exemplo, o sucesso de sistemas desse

tipo depende fundamentalmente da forma como são im-plantados. Sugere que os técnicos em recursos humanos,como procedimento inicial, analisem as práticas de ava-liação utilizadas em outras organizações e conheçam aopinião das chefias sobre o sistema em vigor e as expec-tativas dos trabalhadores com relação ao novo sistema.Essa investigação empírica fornece importantes informa-ções sobre a cultura da organização estudada, facilitandoo planejamento de ações de sensibilização para mudan-ças de atitude relacionadas à avaliação de desempenho.

Nesse sentido, a implantação de um sistema de ava-liação requer também o comprometimento de chefias edemais trabalhadores com as novas práticas de avaliação,a divulgação do novo modelo, o treinamento cuidadosodos avaliadores e o aumento da participação dos atores(avaliadores e avaliados) em todas as fases de implanta-ção e em todas as etapas do processo avaliativo. Taisrecomendações técnicas, no entanto, nem sempre. são se-guidas por profissionais de recursos humanos que desejamimplantar sistemas de avaliação às pressas, em curtíssimoespaço de tempo. A implantação de sistemas de avaliação,ao contrário do que possa parecer, é processo lento e en-volve mudança gradual de hábitos culturais.

Outro requisito a ser observado para a eficácia do sis-tema, de cunho eminentemente ético, relaciona-se à atri-buição de responsabilidades pelo mau desempenho. Umtrabalhador não deveria, apribristicamente, ser o únicoresponsável por problemas de desempenho, os quaispodem não se dever a características pessoais do avalia-do (habilidades, atitudes, personalidade, escolaridade,sexo, idade, aparência física), mas a deficiências do su-porte organizacional. No último caso, responsabilizar otrabalhador pelo problema é plantar nele sentimento deinjustiça e semente da qual poderá brotar indiferença ouboicote à avaliação de desempenho.

Deve-se evitar, por outro lado, a subutilização dos re-sultados das avaliações de desempenho. Muitas organi-zações ignoram esses resultados: falta programação oumesmo execução de quaisquer ações para dar conse-qüência às valiosas informações obtidas. O bom desem-penho não é recompensado, reconhecido ou valorizado.O mau desempenho não é identificado ou inexistem da-dos disponíveis sobre suas possíveis causas. Para o ava-liador, além de pouco útil, freqüentemente a avaliaçãoatrapalha o andamento normal do seu trabalho ou trans-forma-se em enfadonho preenchimento de formulários,os quais provavelmente serão arquivados e esquecidos. Ofracasso, nesses casos, é quase certo.

Dessa forma, para guardar coerência com o exposto,torna-se necessário transmutar os sistemas avaliativos eminstrumentos úteis para todos os seus usuários, com oobjetivo de transformá-los em ferramentas de prevenção,identificação e resolução de problemas.

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Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes aa Veiga--------------------------------------------------,---

Com base nos princípios de objetividade, justiça eutilidade encontrados nas recomendações técnicas cons-tantes da literatura especializada em avaliação de desem-penho e nos resultados de pesquisas de campo, definiu-se a metodologia de desenvolvimento do sistema de ava-liação de desempenho objeto desta apresentação.

Assim, relata-se as diversas etapas de construção evalidação desses procedimentos avaliativos. Para facilitara descrição da experiência, dividiu-se o texto em quatropartes: antecedentes, o modelo de avaliação, etapas dodesenvolvimento do sistema de avaliação de desempe-nho e considerações finais. Na primeira seção são apre-sentados antecedentes históricos e principais resultadosde pesquisas que subsidiaram a escolha do modelo deavaliação. Na segunda, apresenta-se o modelo de avalia-ção com seus pressupostos teóricos e metodológicos,objetivos, principais características e componentes. Naterceira parte relata-se sucintamente a experiência deconstrução e de implantação dos procedimentos de ava-liação de desempenho no referido órgão. Finalizando,são apresentados vários comentários sobre limites,potencialidades da sistemática de avaliação adotada e suainserção na organização como subsistema de atividadesde desenvolvimento de recursos humanos, bem comorecomendações para aprimorar as estratégias de constru-ção e implantação de modelos avaliativos similares aoproposto por este estudo.

ANTECEDENTES

A organização pesquisada instituiu a prática da avalia-ção de desempenho em 1979, com o escopo de subsi-diar a promoção. A avaliação era realizada por meio deinstrumento que se compunha de escala ancorada,centrada em fatores com definição pouco objetiva, e itensnão-relacionados com desempenho, como escolaridade,forma de ingresso no serviço público e tempo de serviço.A sistemática então implantada foi revista três anos de-pois, tornando a ficha de avaliação mais precisa, emboraainda centrada em fatores de personalidade.

Com a criação da área de recursos humanos, no anode 1991, promoveu-se ampla análise e discussão sobre asistemática de avaliação então em vigor, concluindo-sepela necessidade de mudança. O modelo vigente nãopossibilitava sua utilização como instrumento gerencial,os resultados eram sigilosos e predominava a leniênciano processo de avaliação.

A partir dessas informações, passou-se a uma pesqui-sa de campo, visando confrontar a prática interna com aexperiência de outras organizações. Foram pesquisadosdois órgãos da administração direta, uma fundação e duasorganizações bancárias. Constatou-se ampla utilização deescalas gráficas, com registro de apenas uma experiência

na qual a avaliação se voltava predominantemente para aaferição do desempenho de tarefas. Identificaram-se tam-bém algumas práticas de auto-avaliação e, em todos oscasos, o uso dos resultados da avaliação de desempenhopara subsidiar programas de desenvolvimento de recur-sos humanos.

Paralelamente à pesquisa de campo verificou-se, emâmbito interno, quando da realização de treinamento parachefias, alta motivação para vivenciar novas experiênciasem avaliação de desempenho, observando-se inclusive aexistência de práticas informais de comunicação de resul-tados e de auto-avaliação.

A partir desse diagnóstico, decidiu-se construir novosistema de avaliação de desempenho para a instituição,apoiado no tripé objetividade, justiça e utilidade.

o MODELO DE AVALIAÇÃO

O sistema de avaliação de desempenho apresentadoneste texto foi criado com o intuito de:• valorizar o desempenho eficaz e identificar os proble-

mas e as discrepâncias no desempenho;• identificar as necessidades de treinamento de pessoal;• identificar e remover os obstáculos e as restrições organi-

zacionais ao desempenho eficaz;• validar os procedimentos de seleção, acompanhamen-

to, movimentação e colocação de pessoal;• promover e aperfeiçoar programas e políticas de de-

senvolvimento de recursos humanos;• aprimorar as condições de trabalho e melhorar a quali-

dade de vida no trabalho;• subsidiar a aferição de mérito.

O modelo foi construído com base no pressuposto deque, para fazer-se avaliações objetivas, livres de erros,justas e válidas, se deve analisar e emitir julgamentos,principalmente com relação à qualidade e à produtivida-de demonstradas pelo avaliado no desempenho das tare-fas inere~es ao seu cargo ou posto de trabalho. Nessesentido, seria preciso que os instrumentos de avaliaçãocontivessem descrições objetivas de comportamentosreferentes às tarefas mais relevantes executadas peloservidor.

A utilização de um modelo baseado principalmenteno julgamento da proficiência do trabalhador na execu-ção das tarefas que lhe são atribuídas levaria a avaliaçõesde desempenho mais precisas e de maior valor diagnósti-co. Esta postura é apresentada como alternativa aosmodelos baseados em fatores ligados a característicaspessoais ~u traços de personalidade do avaliado,visto que a literatura especializada demonstra tais crité-rios como nem sempre adequados para se aferir a com-petência de um trabalhador. O uso de modelos desse tipo

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pode, inclusive, aumentar a ocorrência de erros de ava-liaçãe, causar a insatisfação dos servidores e acarretar ofracasso do sistema de avaliação, reduzindo como conse-qüência os níveis de produtividade organizacional.

Sob essa parspectiva, o desempenho das atividadesinerentes a um cargo é constituído por diversos níveis oudimensões e não deve ser avaliado de acordo com fatoresglobalizantes, ou seja, por meio de dimensões ou cons-tructos teóricos relativos apenas a padrões gerais de com-portamento.

Para que os resultados da avaliação de desempenhosejam úteis para avaliador, avaliado e organização comoum todo, devem possibilitar a identificação de habilidadesespecíficas a serem aprimoradas ou adquiridas pelo ava-liado e a promoção de melhoria da qualidade -de vida notrabalho. Desse modo, parece desejável identificar quantose quais são os servidores que apresentam dificuldades paraexecutar atividades típicas do seu cargo. Tal diagnósticopermite a eliminação do problema por meio de progra-mas de desenvolvimento de pessoal disponíveis na orga-nização, dentre os quais treinamento formal ou treinoinformal em serviço. Já a identificação de problemas re-lacionados a características de personalidade do avaliadona maioria das vezes não tem sido útil para aumentar aeficiência e a eficácia organizacionais. De mais a mais, aliteratura especializada em avaliação de desempenho temdemonstrado que, além de dificultar a identificação deproblemas de desempenho das tarefas, esse tipo de ava-liação baseada em traços de personalidade aumenta aprobabilidade da ocorrência de erros de avaliação, comosuperavaliação ou leniência, tendência central e halo (paramaiores detalhes, ver Borman & Dunnette, 1975;lvancevich, 1980; Kingstrom & Bass, 1981; Latham &Wexley, 1981).

No modelo ora apresentado os servidores são avalia-dos por meio de formulários específicos preenchidos paracada cargo ou posto de trabalho. Quanto a este ponto, aliteratura especializada indica que instrumentos de avalia-ção desenvolvidos para grupos ou famílias de cargos sãoimprecisos, pouco válidos e pouco úteis no diagnósticode problemas e no planejamento de ações de desenvolvi-mento de recursos humanos. A escolha de formuláriosespecíficos para cada cargo deveu-se também ao pressu-posto segundo o qual cada conjunto de atividades com-ponentes de um cargo apresenta características específi-cas, tornando-o distinto de qualquer outro, seja em ter-mos da natureza, do grau de complexidade e/ou respon-sabilidade ou do contexto em que esse desempenho ocor-re. Além disso, há fortes evidências empíricas indicandoque padrões de desempenho eficaz diferem de acordocom a natureza e o grau de complexidade das atividadescomponentes do cargo ou posto de trabalho. Assim, tor-na-se necessário desenvolver instrumentos de medida

específicos para os diversos tipos de trabalho executadosem uma organização. Alewine (1982), Barrett & Kerman(1937) e Oliver (1985), por exemplo, são defensores des-sa postura técnica.

Acresça-se ainda o fato de os padrões científicos re-guladores da qualidade dos instrumentos de avaliaçãopressuporem que, antes de aplicados, sejam submetidosa processo de validação, o qual garantirá a inclusão deamostras representativas dos fatores ou das dimensõesde desempenho para cada cargo ou posto de trabalhoem seu conteúdo e possibilitará a realização de distinçõesclaras entre desempenho adequado e inadequado. Portais motivos, os instrumentos de avaliação foram desen-volvidos através de exaustiva pesquisa empírica, na qualforam coletados dados referentes aos incidentes críticosrepresentativos de desempenho eficaz e ineficaz para to-dos os cargos do órgão (para maiores detalhes sobre cons-trução de escalas de avaliação, consultar, entre outros,Bernardin, 1977; Bernardin & Smith, 1981; Borman &Dunnette, 1975; Hom et alH, 1982; Dickinson &Zellinger, 1980; Campbellet alii, 1973; Ivancevich, 1980;Kingstrom & Bass, 1981; Latham Fay & Saari, 1979;Latham & Wexley, 1981; Pasquali & Raiser, 1985;Rosinger et alii, 1982).

Os formulários já referidos contêm, além dos direta-mente relacionados às atividades típicas dos cargos, ou-tros itens concernentes a padrões gerais de desempe-nho, os quais revelam critérios organizacionais queextrapolam os limites da avaliação de desempenho noscargos. Tais padrões de desempenho representam fato-res como relacionamento interpessoal, comprometimen-to com o trabalho e com o órgão e zelo com materiais eequipamentos, configurando o denominado por algunsautores de desempenho contextual e relacional (Borman,White & Dorsey, 1995). Os fatores gerais e seus itenscomponentes foram definidos de forma objetiva e muitoclara, a exemplo do realizado com fatores especificos. Atécnica de construção dos instrumentos de avaliação esua forma final assemelham-se às de Escalas de Observa-ção Comportamental e Escalas de Expectativas Comporta-mentais, também denominadas Escalas Ancoradas emComportamento, internacionalmente conhecidas por BOS,BES ou BARS (para maiores detalhes, ver Abbad-OC,1994).

O modelo ora apresentado envolve dois tipos de ava-liação: a hetero e a auto-avaliação. Na auto-avaliação, opróprio servidor afere seus níveis de desempenho, regis-trando-os para subsidiar as entrevistas com a chefia. Nahetero-avaliação, a chefia imediata do avaliado é respon-sável pela atri~uição de escores em cada item ou inciden-te constante do instrumento de avaliação. Para tanto, oavaliador escolhe, em uma escala de cinco pontos, qual apontuação que melhor caracteriza o desempenho apre-

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Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga

sentado pelo servidor durante o período de avaliação. Ochefe imediato, por estar na maioria das vezes mais pró-ximo do servidor avaliado, detém melhores condições,pelo menos teoricamente, de observar os produtos, osresultados e os passos seguidos pelo servidor na execu-ção das tarefas.

A literatura especializada demonstra evidências queindicam ser, o chefe, quando bem-treinado, o avaliadormais eficiente ao utilizar escalas baseadas em comporta-mento e se tiver oportunidade de, com freqüência, obser-var o desempenho do avaliado. Borman, White & Dorsey(1995), por exemplo, relatam que avaliações feitas porpares ou colegas sofrem maior impacto do temperamen-to do avaliado do que de fatores relativos à proficiênciado mesmo na execução das tarefas, se comparadas comas avaliações feitas pelas chefias.

Observar o desempenho, portanto, parece condiçãonecessária, embora não-suficiente, à formulação de jul-gamentos válidos e precisos. Quando há pouca interaçãoentre avaliador e avaliado, é mais provável que avaliaçõestendenciosas baseadas em impressões gerais, simpatias eantipatias pessoais ocorram, afetando negativamente osresultados das avaliações de desempenho. Quanto à im-portância da familiaridade do avaliador com as tarefasexecutadas pelo avaliado, Koslowski & Kirsch (1987),por exemplo, observam que avaliações procedidas poravaliadores que conhecem bem as tarefas do avaliadosão mais precisas, apresentando pouco erro de halo (paramaiores detalhes sobre erro de halo, consultar Abbad-OC, 1994). Pelas razões apontadas, o chefe imediato,que tem oportunidade de observar com freqüência o de-sempenho do avaliado e conhece bem as tarefas e ospadrões de qualidade e produtividade a elas associados,é considerado o avaliador mais adequado para ambien-tes organizacionais.

Segundo Miner (1988), um dos maiores problemasenfrentados pelas organizações com relação a sistemasde avaliação refere-se à falta de comunicação entre ava-liadores e avaliados. O sucesso de procedimentosavaliativos depende, segundo o autor, da qualidade e daquantidade dos contatos mantidos entre avaliador e ava-liado durante o interstício de avaliação.

O modelo prescreve a realização de entrevistas entrechefia e servidor avaliado com o intuito de garantir espa-ço organizacional para discussão franca e aberta de pro-blemas de desempenho e tornar os encontros entre ava-liador e avaliado mais freqüentes, sistemáticos, rotineirose eficazes. Tais entrevistas são vitais para o sucesso doprocesso avaliativo, urna vez que os escores finais de ava-liação são obtidos mediante consenso entre chefia e ser-vidor avaliado.

Para garantir que o processo avaliativo ocorressedurante todo o interstício de avaliação e não se tor-

nasse mero preenchimento de formulários, criou-se umprocesso de acompanhamento de desempenho, pormeio de entrevistas periódicas entre avaliadores e ava-liados. Nessas entrevistas a dupla poderia discutir even-tuais problemas de desempenho ocorridos durante operíodo observado e, conjuntamente, ações para eli-minar ou minimizar o impacto negativo de fatores orga-nizacionais sobre os níveis de desempenho do avalia-do. A discussão de resultados parciais de avaliaçãoobtidos nas entrevistas é documentada e devidamenteassinada por ambos, chefe imediato e servidor avalia-do. Com base nesses registros de acompanhamento,no final de cada interstício de seis meses, são produzi-das as avaliações finais. Os resultados das hetero eauto-avaliações são encaminhados à área de recursoshumanos semestralmente.

Tais procedimentos visam, entre outros objetivos, ga-rantir que as avaliações não sejam feitas apenas com baseem dados provenientes da memória, os quais muitas ve-zes ocasionam distorções nos resultados. O objetivo prin-cipal, no entanto, é garantir que o processo avaliativoproduza melhoria no desempenho e na qualidade de vidano trabalho, meta difícilde ser alcançada sem o auxílio deprocedimentos sistemáticos e longitudinais de discussãode problemas de desempenho e busca intencional, objeti-va e viável para solucioná-los.

Dessa forma, o modelo de avaliação deve tambémincluir uma ficha para levantamento e resolução de pro-blemas de desempenho.

Ao final de cada interstício de avaliação, ambos -chefe e -servidor avaliado - devem aferir o desempe-nho e apor seu julgamento nas escalas de observaçãocomportamental constantes dos instrumentos de ava-liação de desempenho, encaminhando-os à área derecursos humanos juntamente com a Ficha de Levan-tamento e Resolução de Problemas (FILE), conformecalendário previamente estabelecido. Essa ficha foidesenvolvida objetivando sistematizar o diagnóstico eo planejamento de ações para eliminar discrepânciasde desempenho durante o transcurso do interstício deavaliação.

Cabe à dupla - superior imediato e avaliado - iden-tificar discrepâncias de desempenho apresentadas peloservidor avaliado, bem como localizar e tentar transporobstáculos ou eliminar dificuldades enfrentadas para exe-cutar as tarefas inerentes ao seu cargo. Tais obstáculospodem estar relacionados, por exemplo, à falta de mate-riais e/ou equipamentos, à inadequação do ambiente físi-co ou do local de trabalho, à falta de informações sobreobjetivos, a~ padrões e/ou normas de desempenho, àsobrecarga e/ou à sobreposição de tarefas, aos prazosirrealísticos para execução das tarefas, às contingênciasaversivas ao desempenho satisfatório, entre outros fato-

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res característicos do contexto específico do suporteambiental (físico, social e gerencial).

Uma vez analisados esses fatores, chefia e servidoravaliado terão melhores condições de verificar se umproblema de desempenho pode ser eliminado comações gerenciais diretas sobre o repertório de habili-dades do servidor e/ou mediante a exclusão de obstá-culos organizacionais.

Prática ainda muito difundida constitui se atribuir oproblema de desempenho à falta de habilidade ou moti-vação do trabalhador, indicando-se treinamentos para eli-minar quaisquer tipos de discrepâncias. No entanto, trei-namento nem sempre é a solução; não é indicado, porexemplo, se o problema é causado por fatores organiza-cionais. Treinamento é um instrumento eficiente e eficazapenas quando o problema é gerado por falta 'ou defici-ência de habilidades e, em alguns casos, desmotivaçãodo servidor. Assim, para que discrepâncias sejam adequa-damente diagnosticadas, é importante verificar quais asrestrições impostas pelo ambiente de trabalho ao desem-penho satisfatório.

Falta de habilidade para executar tarefas pode seridentificada com maior precisão se eliminadas 'as restri-ções ambientais intervenientes ao desempenho do traba-lhador. Tais fatores podem pertencer a vários níveis deanálise, desde os mais abrangentes, como o extra-organi-zacional (situação econômica do país, oferta de mão-de-obra, oferta de empregos, legislação trabalhista e si-milares) e o organizacional (clima e cultura organiza-cionais, políticas e práticas de administração, desenvolvi-mento de recursos humanos, políticas e práticas de bene-fícios, imagem da organização na sociedade, sistema depromoções funcionais e similares), até os mais específi-cos, como os níveis representados pelo ambiente detarefas (características e escopo do trabalho, tipo de re-lacionamento interpessoal do grupo funcional, qualidadeda comunicação com as chefias, adequação do ambientefísico e similares) e pelas características do trabalha-dor (personalidade, habilidades, conhecimentos, atitude,idade, sexo, escolaridade, motivações, estilo CE:Jgnitivo,aparência pessoal e similares).

Deve-se, pois, analisar a influência exercida pelo con-texto organizacional (estímulos e fenômenos que circun-dam indivíduos e grupos funcionais) sobre o comporta-mento dos trabalhadores, com base nos níveis de análiseaos quais pertençam os componentes e os fatores estu-dados. Para Mowday & Sutton (1993), por exemplo, acompreensão sobre comportamento humano em ambi-entes organizacionais aumentará à medida que pesquisa-dores e profissionais da área devotarem maior atenção àsinterações recíprocas existentes entre indivíduos, grupose contextos organizacionais. Pesquisadores das áreas decomprometimento do trabalhador com a organização

(Borges-Andrade, 1994; Bastos, 1994; Dias & Moraes,1994) e levantamento de necessidades e avaliação de trei-namento (Alves& Tamayo, 1993; Borges-Andrade, 1982)vêm investigando cada vez mais intensamente o impactode variáveis contextuais sobre o comportamento dos in-divíduos em ambientes organizacionais. Essa posturametodológica predomina nas diferentes linhas de pesqui-sa que caracterizam disciplinas que estudam o comporta-mento organizacional. Na produção de tecnologias deavaliação de desempenho, portanto, não deve ser dife-rente.

Na figura 1 apresenta-se, de forma esquemática, par-te do modelo teórico que embasou a construção dos pro-cedimentos de diagnóstico e resolução de problemas dedesempenho.

Segundo esse modelo, desempenho é função de múl-tiplas variáveis, o que torna necessária a ampliação dabusca de fontes de problemas de desempenho. Avaliadore avaliado devem investigar a influência de cada fatorinterveniente, identificando sua natureza e em que nívelse encontra.

A avaliação de desempenho, dentro desse contex-to teórico, requer que o avaliador esteja preparado paraobservar comportamentos do avaliado, extrair amos-tras representativas de desempenho, identificar discre-pâncias e buscar suas possíveis causas, levando emconta diferentes tipos de variáveis e níveis de análise,assim como para equacionar problemas, solucionan-do-os ou encaminhando-os às áreas competentes. Poresse motivo, as chefias receberam treinamento, no qualforam sensibilizadas e estimuladas a mudar de atitudeem face da avaliação de desempenho, aprendendo eexercitando comportamentos e posturas gerenciaisnecessários à condução das diferentes fases do pro-cesso avaliativo.

O treinamento não se limitou a ensinar o avaliador aevitar erros psicométricos (como o halo e a leniência) oua manusear instrumentos e aplicar normas de avaliação.Segundo Borman (1979), esse tipo de treinamento temfracassado na redução de erros avaliativos, podendo mes-mo exacerbá-los em alguns casos, ocasionando inclusivediminuição na precisão das avaliações. O treinamentoconsistiu de vários conteúdos selecionados especialmen-te para atender ao novo e importante papel a ser exerci-do pelo avaliador no processo avaliativo, os quais serãomencionados adiante.

Resultados parciais e finais das avaliações são utiliza-dos pela organização para melhorar seus níveis de de-sempenho. A. área de recursos humanos exerce, nessecontexto, o importante papel de acompanhar e assistiravaliadores e avaliados na resolução dos problemas dedesempenho, tentando garantir a implementação dasações necessárias para tanto.

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Os escores finais obtidos pelos avaliados são calcula-dos pela área de recursos humanos, por meio de progra-ma de computador, e os resultados finais apresentadosem forma de relatórios descritivos, contendo escoresavaliativos, fatores organizacionais intervenientes ao de-sempenho e resultados das ações implementadas paraeliminá-los.

O sucesso de um sistema de avaliação de desempe-nho não depende apenas do esforço feito pelos profissio-nais de recursos humanos para desenvolver procedimen-tos avaliativos de alta qualidade técnica. Muitas variáveisdo ambiente organizacional podem afetar negativamenteos resultados das avaliações, entre as quais o nível deresistência à mudança presente na cultura e as estraté-gias de definição dos padrões de desempenho. A seguirserão apresentadas as principais etapas de construção domodelo de avaliação e as medidas tomadas pelos profis-sionais de recursos humanos para perceber e mudar ati-tudes e práticas culturais consideradas prejudiciais à im-plantação dos novos procedimentos de avaliação.

ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA DEAVALIAÇÃO DO DESEMPENHO

A construção do sistema de avaliação aqui relatadopartiu de ,estudo minucioso dos padrões de desempenhoassociados a todos os cargos do órgão pesquisado e foirealizada em diversas etapas, envolvendo desde pesquisade opinião sobre o sistema de avaliação existente na or-ganização por ocasião do início dos trabalhos, até pesqui-sa de campo para identificar modelos utilizados por ou-tras organizações sediadas no Distrito Federal. A seguirapresenta-se de forma sucinta as principais etapas de im-plantação do modelo de avaliação de desempenho.

Pesquisa de opinião

A primeira etapa consistiu na realização de pesquisainterna, abrangendo amostra de cerca de 10% dos servi-dores, escolhidos semi-aleatoriamente, observado o re-quisito de representatividade de todas as categorias funcio-

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IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS E ESTRATÉGIAS

nais e unidades organizacionais. Por meio de um instru-mento composto por 16 questões - 11 objetivas (fecha-das) e 5 subjetivas (abertas) - procurou-se obter infor-mações acerca de: nível de conhecimento do sistema emvigor; comunicação de resultados; utilidade da avaliação;justiça; nível de receptividade com relação ao processoavaliativo; expectativas quanto às mudanças no sistemade avaliação; sugestões para o novo sistema.

No gráfico abaixo são apresentados alguns resultadosdessa pesquisa. Cerca de 40% dos pesquisados afirma-ram haver sido informados sobre os resultados de suaavaliação e, entre estes, somente 30% que a avaliaçãopropiciou melhoria nas suas condições de trabalho. Ou-tro dado revelado pela pesquisa refere-se à prática daleniência, tomada como injustiça por quase todos os en-trevistados (acima de 90%). Registre-se, como dado rele-vante, que a quase totalidade da amostra respondeu gos-tar de ter seu desempenho avaliado por sentir, dessa for-ma, que pode melhorar sua atuação profissional. Tal re-sultado corrobora o obtido por Lima, Guimarães & Hanna(1986), contradizendo a crença de Bergamini (1983) deque as pessoas, de forma geral, têm aversão natural àtarefa de julgar o desempenho de outros.

Sensibilização das chefias

Com o objetivo de conscientizar os gerentes sobre aimportância da avaliação de desempenho como instru-mento gerencial e de crescimento do servidor e de garan-tir a cooperação de todos os envolvidos, a área de recur-

sos humanos promoveu palestras em que foram apre-sentadas as fases do desenvolvimento do sistema eexplicitado o papel a ser desempenhado por chefias edemais funcionários. Foram também relatados os resulta-dos da pesquisa de opinião realizada na etapa anterior.

Construção e validação dos instrumentos deavaliação

Nessa etapa foi realizado o levantamento dos indica-dores ou incidentes de desempenho junto a amostra com-posta por 350 pessoas (22% do total de servidores doórgão), subdividida em 30 turmas. A referida amostra foiselecionada com o escopo de envolver representantes detodos os postos de trabalho, além das chefias das diver-sas áreas da instituição. Outro requisito observado foi queo funcionário tivesse experiência de pelo menos seis me-ses nas atividades inerentes a cada posto de trabalho e, achefia, supervisão de tais atividades pelo mesmo período,superior a seis meses. Selecionada a amostra, chefes efuncionários foram organizados em grupos, observando-se critérios de similaridade e interdependência de ativida-des (por exemplo: orçamento e finanças e auditoria inter-na) e buscando-se, ainda, assegurar a homogeneidadedos grupos quanto ao grau de utilização de padrões dedesempenho de forma explícita.

O levantamento dos indicadores de desempenho foirealizado empregando-se uma variante da técnica dos in-cidentes críticos, adaptada às características da amostra.A técnica de coleta de dados inspirou-se principalmente

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TGardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Barbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga

nos procedimentos propostos por Campbellet alii (1973),Latham, Fay & Saari (1979) e Pasquali & Raiser (1985).Nas reuniões para coleta de dados, solicitou-se que osintegrantes dos grupos descrevessem incidentes (ocorrên-cias, eventos, fatos ou episódios) vivenciados e/ou obser-vados em determinado posto de trabalho nos últimos seismeses. Para cada incidente lembrado, o participante de-veria descrever objetivamente: o comportamento obser-vado, evitando se referir à intenção do servidor envolvidono incidente ou mencionar suas impressões pessoais so-bre ele; as circunstâncias (situações ou condições) nas quaiso incidente ocorreu; as conseqüências do incidente rela-tado, ou seja, qual o impacto do comportamento desseservidor no seu próprio desempenho e no da unidade.

Cada participante relatou dez incidentes, a metadedeles versando sobre comportamentos eficazes, pro-dutivos, competentes e desejáveis; a outra metade,sobre comportamentos ineficazes e indesejáveis. Apósa coleta, passou-se à organização dos dados relativosa cada posto de trabalho, de acordo com os seguintespassos:• análise do conteúdo dos indicadores, buscando elimi-

nar redundâncias e aprimorar a redação da descrição;• identificação e conceituação dos fatores de desempe-

nho subjacentes aos incidentes coletados;• agrupamento dos incidentes por fatores identificados

de forma que cada conjunto de descrições comporta-mentais fosse ilustrativo de apenas um fator;

• definição operacional dos fatores.

Após a organização de incidentes e fatores especifi-cos de cada posto de trabalho, procedeu-se à identifica-ção dos fatores comuns a todos os cargos da instituiçãocomo, por exemplo, zelo com material e equipamento;comprometimento com o trabalho e relacionamentointerpessoal.

A seguir foram produzidas minutas de fichas de ava-liação, contendo apenas descrições de comportamentoseficazes e ineficazes, distribuídas aleatoriamente no ins-trumento.

Foram realizados, então, os procedimentos de valida-ção semântica e de conteúdo em reuniões com funcioná-rios e chefias para a apresentação das minutas dos instru-mentos de avaliação anteriormente produzidas. Foi-lhessolicitado que analisassem os incidentes dé desempenhoa fim de incluir novos ou excluir aqueles irrelevantes everificassem a fidedignidade e a representatividade parao posto de trabalho, bem como a clareza da redação,corrigindo-a quando necessário.

A partir das informações obtidas, realizaram-se as in-clusões e/ou exclusões consideradas necessárias, proce-dendo-se também às adequações semânticas propostaspelos grupos de validação.

Com o objetivo de verificar se os incidentes coletadoseram ilustrativos ou não do fator ou da dimensão em queoriginariamente foram categorizados, realizaram-se dezreuniões com grupos mistos de chefias (gerentes esupervisores) e funcionários, com número de participan-tes que variava de acordo com a área ou o cargo (de trêsa dez servidores para um gerente).

O método de validação de conteúdo utilizado consis-tiu em os participantes correlacionarem incidentes de de-sempenho, aleatoriamente listados, com fatores previa-mente conceituados. Um incidente só foi incluído comocomponente de um fator se alcançado o mínimo de 80%de concordância entre os avaliadores ao consideraremque era representativo daquele fator. Para ilustrar tal as-pecto, no quadro a seguir apresenta-se como exemploparte de um fator denominado Qualidade dos Servi-ços para o cargo de Analista de Sistemas e algunsincidentes comportamentais positivos e negativos a eleassociados, resultantes do processo de validação de con-teúdo. É importante ressaltar que a terminologia adotadapara descrever os incidentes comportamentais relaciona-dos conserva as características da linguagem técnica ado-tada pelos ocupantes da categoria funcional para a qual oinstrumento foi desenvolvido.

De posse desses resultados, procedeu-se à elaboraçãodas fichas de avaliação de desempenho funcional em suaforma final. Foram produzidas, ao todo, aproximadamente70 fichas de avaliação contendo em média 40 incidentesde desempenho cada uma, de modo que para cada postode trabalho-houvesse uma ficha específica, com amostrasrepresentativas de indicadores de desempenho a servi-rem de roteiro para a avaliação do servidor.

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I Na figura 2 é visualizada a ficha de avaliação, que in-clui quatro campos principais: identificação do avaliado,incidentes de desempenho, escala, valor. O campo 2 con-tém os indicadores de desempenho específicos para cadacargo ou posto de trabalho e os gerais ou comuns a to-dos os cargos. Esses indicadores, apresentados sob a for-ma de descrições de comportamentos, estão aleatoria-mente distribuídos no instrumento, não sendo possívelidentificar com facilidade a que fatores pertencem os itens.O campo 3 corresponde a uma escala de freqüência dotipo Likert, contendo 5 pontos, utilizada para a aferiçãodos níveis de desempenho obtidos pelo avaliado, confor-me a freqüência com que ele foi visto apresentando com-portamentos tal como descritos nos incidentes de desem-penho durante o interstício de avaliação. No. campo 4encontra-se o espaço utilizado para identificar pontos for-tes e fracos do desempenho do servidor em cada tarefa.

Figura 2: Visão Parcial do Modelo da Ficha deA vaJiação de Desempenho

Construção da ficha de levantamento e resoluçãode problemas de desempenho

Ficha desenvolvida para sistematizar a identifica-ção das possíveis causas de problemas de desempe-nho e viabilizar a eliminação de obstáculos organiza-

IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS EESTRATÉGIAS

cionais que limitam o atingimento de níveis desejáveisde produtividade e de qualidade dos serviços. O ins-trumento, denominado Ficha de Levantamento eResolução de Problemas, é um roteiro de observa-ção e avaliação de condições de trabalho e contingên-cias organizacionais que interferem no bom desempe-nho dos servidores.

O desenvolvimento do instrumento baseou-se, prin-cipalmente, no modelo de análise de problemas de de-sempenho de Mager & Pipe (1983) e no de desempe-nho apresentado no tópico O modelo de avaliação.Também deu suporte à elaboração da ficha o resulta-do de um levantamento realizado no órgão sobre osfatores intervenientes mais citados por avaliadores eavaliados no período de dois anos (1993 e 1994),quan-do a avaliação de desempenho se encontrava em está-gio probatório. Nesse trabalho, que envolveu a análisede 248 casos, observou-se alta incidência de cinco fato-res, os quais passaram a compor a ficha: habilidades doservidor, ambiente das tarefas, relacionamento interpes-soaI, recursos materiais e condições físicas do ambientede trabalho.

Na figura 3 apresenta-se parte da Ficha de Levanta-mento e Resolução de Problemas. Cada um dos fatores écomposto por itens traduzindo situações ou condiçõesque possam estar prejudicando o desempenho eficaz doservidor. O objetivo é identificar e planejar ações paraeliminá-los ou minimizar sua influência sobre o desempe-nho. Há, ainda, o campo denominado Outros Fatores,no qual devem ser registrados eventuais problemas queestejam interferindo no desempenho do servidor e nãose encontrem entre os elencados na ficha como, por exem-plo, problemas de saúde.

De forma geral, a FILE inclui duas colunas denomi-nadas Problema e Solução, nas quais o avaliador deveassinalar, respectivamente, os fatores que têm produzidoefeitos prejudiciais sobre os níveis de desempenho doavaliado e as ações que devem ser implementadas paraeliminá-los. Veja-se um exemplo de utilização da ficha:determinado servidor obteve escore 2, registrado na Fi-cha de Avaliação de Desempenho, no item "Realiza tra-balhos dentro dos prazos previstos, respeitando a perio-dicidade estipulada". Seu desempenho insatisfatório, noentanto, não se devia à falta de habilidade ou compe-tência técnica, mas à insuficiência de computadoresem sua unidade. Freqüentemente atrasava seu traba-lho por não encontrar equipamentos disponíveis paraexecutá-lo dentro dos prazos exigidos. Na coluna So-lução devem ser registradas as ações que estão sendoou serão implementadas para solucionar o problemaou reduzir a influência dos fatores ou condições quetêm prejudicado o desempenho do servidor avaliado.À área de recursos humanos do órgão cabe acompa-

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Ficha de Levantamento e Resolução de Problemas - FILE

Habilidades do ServidorHoje, por falta de prática ou treino, o servidor desempenha com dificuldade tarefasque já executou bem no passado,O servidor enfrenta dificuldades no desempenho porque, apenas recentemente,novas habilidades são exigida? pelas tarefas ..O servidor possui escolaridade superior ouínferior à exigida para o cargo.

Problema

Ambiente das TarefasO servidor realiza freqüentemente, ~o mesmo tempo, duas ou mais tarefasincompatíveis. . .O servidor executa a mesmantecedência, sobre os pad

[ Como conseqüência por deem excesso, afetandosl,J .

Figura 3: Visão Parcial da Ficha de Levantamento e Resotuçêe de Problemas

nhar a implementação dessas ações e assessorar aschefias na busca de soluções para os problemas iden-tificados. Caso persista o mau desempenho após to-madas todas as providências necessárias, outras cau-sas são pesquisadas e outras soluções buscadas até quese obtenha êxito.

Padronização dos procedimentos

Visando 'Padronizar os procedimentos de avaliaçãoforam elaboradas normas e um manual contendo todasas orientações e rotinas da avaliação de desempenho. Omanual traz informações referentes à periodicidade e às

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IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS E ESTRATÉGIAS

fases do processo de avaliação, bem como explicaçõesdetalhadas quanto ao uso dos formulários e aos tiposmais comuns de erros avaliativos. Possui linguagem aces-sível e ilustrações, a fim de que chefias e servidores dosdiversos níveis hierárquicos possam compreender a im-portância da avaliação de desempenho, as vantagens quetraz para o crescimento profissional dos particieantes, oaprimoramento do trabalho e o desenvolvimento organi-zacional.

Treinamento das chefias e divulgação do modelode avaliação aos servidores

o sucesso do novo sistema estaria garantido à medidaque chefias e servidores percebessem sua importânciacomo instrumento gerencial eficaz, isto é, que propicias-se crescimento profissional e desenvolvimento organi-zacional.

Dessa forma, o treinamento das chefias enfocou pre-dominantemente a mudança de atitude, mediante abor-dagem voltada para aspectos afetivo-relacionais. Partiu-se do pressuposto de que não basta o domínio cognitivodos procedimentos avaliativos. Esses poderiam ser facil-mente obtidos pela simples leitura do manual e das nor-mas pertinentes. Foram, então, trabalhadas noções teó-ricas e práticas sobre condução de entrevistas de avalia-ção, feedback e uso de estratégias de identificação e re-solução de problemas de desempenho. Além disso, fo-ram apresentados conteúdos tradicionais, como tipos deerros de avaliação e rotinas de preenchimento dos instru-mentos.

Tais conteúdos foram desenvolvidos em abordagemvivencial, mediante discussões em grupo, estudos de caso,jogos organizacionais, dramatizações e aulas expositivas.Os métodos e recursos didáticos foram escolhidos de modoa ensejar reflexão sobre as práticas de avaliação em vigore assimilação de nova postura, diagnóstica e proativa.

O treinamento inicial das chefias, ministrado por ser-vidores do próprio órgão, teve carga horária de 15 horase turmas de até 20 participantes. O treinamento é opor-tunizado a todos os novos ocupantes de postos de chefia,como estratégia para manter 100% dos avaliadores trei-nados.

O alcance dos objetivos propostos para o treinamen-to ficou evidenciado na avaliação de reação aplicada aosparticipantes das 18 primeiras turmas, da qual se desta-cam os altos escores obtidos nos itens "Aplicabilidade dosconteúdos aprendidos" e "Segurança do participante paracolocar em prática os contéudos aprendidos". Além daavaliação de reação, foram proferidas palestras abertas atodos os servidores do órgão, visando divulgar ampla-mente a forma final dos procedimentos e as normas deavaliação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A seguir apresenta-se aspectos positivos da experiên-cia de desenvolvimento e implantação do sistema, açõesde suporte organizacional necessárias para a sua manu-tenção e algumas considerações quanto à sua aplicabi-lidade em outros contextos organizacionais, além de dificul-dades encontradas.

A estratégia de construção e implantação, por garan-tir a participação efetiva dos segmentos envolvidos, cons-tituiu um processo que muito enriqueceu a dinâmicaorganizacional, uma vez que proporcionou espaço parareflexão e discussão sobre as práticas de gestão de recur-sos humanos do órgão e, conseqüentemente, seu apri-moramento.

O treinamento teve boa aceitação, conforme dadosprovenientes das avaliações de reação. Houve aprendiza-gem de atitudes, conhecimentos e habilidades ensinadasdurante os cursos para avaliadores, uma vez que o atin-gimento dos objetivos instrucionais foi avaliado durante otranscorrer das aulas. Além disso, alguns dados assiste-máticos, ainda preliminares, demonstram que houve trans-ferência positiva de aprendizagem para o ambiente detrabalho. Os procedimentos avaliativos definidos pelo sis-tema oportunizam aos gerentes melhores condições parao gerenciamento eficaz de desempenho por contribuirempara aumentar a precisão dos 'diagnósticos e, em conse-qüência, a eficácia das soluções propostas para eliminaros problemas identificados.

Para garantir a manutenção e o aprimoramento dasnovas práticas de avaliação, uma equipe de profissionaisda área de recursos humanos propicia assistência aosgerentes, dirimindo eventuais dúvidas sobre os procedi-mentos, orientando na resolução de problemas e auxi-liando na viabilização de ações para melhorar o desem-penho e a motivação do trabalhador avaliado.

A transformação do modelo teórico de avaliaçãode desempenho em sistema de avaliação integrado àorganização, às demais atividades e aos subsistemasde desenvolvimento de recursos humanos envolve aadoção de extensa gama de ações organizacionais, entreas quais:• aprimoramento contínuo e articulado dos processos

seletivos e de colocação de pessoal, assim como dastécnicas de diagnóstico de necessidades de capacitação,programação, execução e avaliação de treinamento;

• agilização dos procedimentos de aconselhamento psico-funcional;

• criação e/ouaprimoramento de mecanismos de incen-tivo e valorizaçêo ao bom desempenho;

• adoção de estratégias de comunicação entre as unida-des organizacionais para a resolução e a prevenção deproblemas de desempenho.

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Dessa forma, a avaliação de desempenho passa a cons-tituir um sistema de atividades imprescindível para a or-ganização, porque ao se integrar às demais atividades dedesenvolvimento de recursos humanos modifica-as e é porelas modificada.

Ressalte-se, por outro lado, que à processo de cons-trução de um sistema de avaliação envolve resolução deproblemas e 'eliminação de obstáculos à sua implantação,sem o que não se deve avançar. Na experiência relatada,por exemplo, antes de serem discutidos padrões de de-sempenho com os servidores foi necessário resolver pro-blemas que os afligiam, entre eles o desvio de função. Emdeterminadas áreas, nas quais se verificava considerávelnúmero de servidores em desvio de função, o projetoinicialmente foi visto como ameaça às situações de fato.Tal percepção deveu-se ao modelo de avaliação propos-to, segundo o qual o servidor seria avaliado no posto detrabalho vinculado a sua categoria funcional. Essa situa-ção foi superada com amplos esclarecimentos a servido-res e suas chefias, inclusive com a realização de palestras.sobre a evolução histórica das avaliações de desempenhono serviço público nos últimos 20 anos, ressaltando osefeitos de desvios de função sobre os procedimentos delotação e de identificação de necessidades de pessoal,assim como o impacto negativo que tal situação podeexercer sobre a motivação. Assim, foi possível obter umacordo organizacional, no qual os desvios seriam monito-rados pela área de recursos humanos e solucionados aoensejo de vacâncias e movimentações internas.

Conhecer a cultura organizacional, em especial as prá-ticas informais de avaliação existentes na organização, éde fundamental importância na implementação de açõesvisando modificar as práticas avaliativas disfuncionais eaprimorar as saudáveis e eficazes. Na organização aquienfocada, por exemplo, a sensibilização das chefias paraa necessidade da auto-avaliação foi facilitada por ela jáser informalmente adotada por parte dos avaliadores. Poroutro lado, os gerentes não tinham informações sobre osefeitos danosos causados pela prática da leniência, as-pecto suprido durante treinamentos e palestras de sensi-bilização, os quais oportunizaram ampla discussão sobreesse e outros assuntos de igual importância, todos levan-tados na pesquisa de opinião feita junto à amostra repre-sentativa de servidores do órgão.

Entre as condições necessárias à sustentação do siste-ma podem ser citadas aprimorar os mecanismos de in-centivo ao bom desempenho de chefias e demais servi-dores; acompanhar o impacto da implantação do novosistema e do treinamento de avaliadores no dia a dia;aperfeiçoar a implementação das ações de gerenciamentode desempenho; aprimorar os instrumentos de acordocom as mudanças ocorridas nos postos de trabalho e aseventuais mudanças de padrões de desempenho; criar

mecanismos de avaliação das chefias, além de desenvol-ver meios para articular a avaliação de desempenho indi-vidual com a institucional.

No tocante às dificuldades, mencionam-se as ineren-tes ao desenvolvimento de qualquer sistema de avaliaçãoque pretenda assegurar a participação dos segmentosenvolvidos (chefias e servidores), ao lado de outras extrín-secas ao processo: longo tempo demandado na defini-ção do modelo a ser utilizado, na identificação dos inci-dentes de desempenho e em sua redação; ausência deoutros incentivos funcionais, além da promoção; falta desistema de encarreiramento capaz de garantir o progres-so funcional e a profissionalização dos servidores.

Quanto a métodos, técnicas e modelos utilizados, pa-rece possível sua aplicabilidade a outras organizações noque se refere às estratégias de sensibilização, à pesquisade opinião, aos procedimentos básicos de levantamentodos incidentes críticos, à forma dos instrumentos (não aoseu conteúdo) e do modelo de diagnóstico e resolução deproblemas, ao tipo de treinamento de avaliadores e àsestratégias de resolução simultânea de obstáculos à im-plantação.

Há, porém, aspectos do sistema não-aplicáveis direta-mente a outras realidades, dentre eles a técnica de coletade dados. Esta deve se adaptar às características da amos-tra, como escolaridade (até segundo grau incompleto,entrevistas individuais; superior a segundo grau comple-to, aplicação coletiva de 'formulário padronizado) e tiposde cargos envolvidos (cargos administrativos podem re-querer técnicas para facilitar a explicitação dos padrões,muitas-vezes desnecessárias para cargos de nível técnicoligados à área-fim da organização).

Destacam-se ainda o conteúdo dos instrumentos, quedeve retratar as demandas e exigências de cada posto detrabalho; o manual de instruções, com linguagem adap-tada às características dos usuários; as normas, cujas dis-posições devem estar de acordo com a política insti-tucional, atendendo inclusive, se for o caso, a questõeslegais. ',

Por fim, registra-se que o modelo aqui apresentado .pode ser considerado como alternativa à avaliação porresultados ou objetivos, bastante difundida nas organiza-ções à época da realização da pesquisa de campo; maisrecentemente a experiência tem demonstrado sua inade-quação como procedimento de avaliação de desempe-nho de indivíduos em casos nos quais sua contribuiçãonão exerça influência decisiva na consecução dos objeti-vos da equipe ou da organização.

Corroborando essa afirmação, indaga-se: até que pon-to é possível avaliar o impacto do desempenho de umdatilógrafo: por exemplo, sobre o atingimento de resulta-dos esperados de sua área, com base no número e naqualidade de documentos que datilografou durante a rea-

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lização de um projeto? Ao avaliar seus resultados indivi-duais a partir do alcance de resultados organizacionaisnão se correria o risco.de superestimar ou banalizar a suacontribuição no que se refere ao atingimento ou não dasmetas do projeto? •

Além disso, a avaliação por resultados não deveria serindicada para casos em que o diagnóstico de problemasde desempenho é o objetivo principal. Tal tipo de avalia-ção, em geral, não propicia informações sobre os pro-cessos comportamentais envolvidos no alcance das me-tas de trabalho, uma vez que focaliza apenas o comporta-mento final ou os produtos do desempenho.

Avaliação de desempenho funcional (de indivíduos)responde a questões relativas a um nível de análisedistinto daquele que deve ser respondido pela avalia-ção institucional. Ela pode ser usada principalmentepara gerenciamento de desempenho de indivíduos e écontra-indicada para se fazer inferências diretas sobreo desempenho organizacional. Entretanto, a avaliaçãopor resultados pode ser muito útil para avaliar o de-sempenho de indivíduos que ocupam posições estra-tégicas na organização, por sua competência afetar

diretamente o atingimento de objetivos de órgãos eunidades inteiras e seu desempenho ter ampla influên-cia sobre a organização.

Ademais, a prática de avaliação de resultados pressu-põe forte cultura de planejamento com metas, indicado-res e critérios organizacionais bem-definidos. Apesar dealtamente desejável, esse aspecto não é ainda muito ca-racterístico das organizações públicas brasileiras, dada aprópria natureza de suas funções, mais voltadas à presta-ção de serviços. Sua excelência requer ênfase no acorn-panhamento dos processos ou rotinas de trabalho, osquais exigem avaliação não apenas de resultados, mas decomportamentos disfuncionais a serem corrigidos e decomportamentos exemplares a serem reconhecidos e re-compensados pela organização.

Ressalte-se ainda que modelos de avaliação semelhan-tes ao aqui exposto vêm sendo utilizados com sucessoem empresas privadas. Os dados apresentados por Latham& Wexley (1981), por exemplo, demonstram experiênciabem-sucedida de desenvolvimento e validação de escalasde observação comportamental nesse tipo de ambienteorganizacional. •

Neste artigo relata-se a experiência de implantação de um sistema de avaliação de desempenho em umórgão do Serviço Público Federal. O modelo de avaliação foi concebido objetivando dotar a organização deum instrumento gerencial eficaz, por meio do qual avaliador e avaliado possam identificar, discutir e resolvereventuais problemas de desempenho com base em roteiros de observação comportamental e ambiental. Osprocedimentos de avaliação foram desenvolvidos e validados a partir de técnicas que garantiram ampla eefetiva participação dos atores (avaliadores, avaliados) na identificação dos padrões de desempenho relativosa cada cargo ou posto de trabalho. As chefias receberam treinamento, o que as habilitou a fazer observaçãoe diagnóstico de problemas de desempenho, realizar entrevistas de feedback e de devolução de resultados,assim como planejar ações para melhorar os níveis de qualidade dos serviços. Informações preliminares enão-conclusivas indicam boa aceitação do modelo, maior compromisso das chefias com a avaliação dedesempenho e maior facilidade no processo de identificação e resolução de problemas de desempenho naorganização. O modelo propicia alternativa aos modelos baseados em resultados, os quais parecem não seadequar à realidade dos órgãos públicos. São ainda discutidas limitações e potencialidades associadas aouso do modelo aqui proposto.

Palavras-chave: avaliação de desempenho, escalas de observação comportamental, padrões de desempenho,roteiro de observação ambiental, diagnóstico de problemas de desempenho,treinamento de avaliadores.

In this paper the experience of implementing a performance evaluation system in a federal public serviceinstitution is reported. The evaluation model was elaborated with the purpose of creating an efficaciousinstrument of performance management, through which one could identify , discuss and solve eventualperformance problems based upon behavioral and environmental observation guides. The evaluationprocedures were developed and validated from techniques that s..arantee wide and effective participation ofthe actors (raters and ratees) in the identiíication of the expected behavioral patterns for each job positionor placement. Supervisors received an evaluation training that enabled them to carry out observation anddiagnosis of performance problems, feedback interviews and results disclosure, as well as to plan actions toimprove the leveis of service quality. Preliminary, non-conclusive information has indicated good acceptance

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Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga

of the model, stronger manager commitment with performance evaluation and more facilitate of the processof identifying and solving performance problems in the organization. The model propiciates an alternativeto the models based upon results evaluation, which do not seem adequate to the reality of public institutions.Limitations and potencialities associated to the usage of the model proposed here are aIso discussed.

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