Implementação de um Rádio Definido por Software para ...

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1 Resumo A banda VHF é a primeira escolha para a maioria das comunicações junto a costa por permitir comunicações a baixo custo e fiáveis, com alcance adequado às operações marítimas (na ordem das 30 milhas náuticas). No entanto, e independentemente da distância a costa, as comunicações de dados são geralmente feitas através de ligações satélite, o que se torna muito dispendioso. Por outro lado, o surgimento de novas necessidades, como por exemplo, novos sistemas de navegação integrados e vigilância através de veículos autónomos, requerem a utilização de sistemas de comunicações de banda larga, mas que ainda assim sejam economicamente acessíveis. Este trabalho descreve a implementação de um protótipo de um rádio cognitivo, baseado na tecnologia de rádio definido por software, para utilização oportunista de bandas VHF que não se encontrem ocupadas num determinado Instante / local. A implementação foca três áreas essenciais: monitorização do espectro (através de um detector de energia multicanal), transreceptor rádio (o qual utiliza modulação por Multiplexagem Ortogonal por Divisão em Frequência) e uma unidade de processamento cognitivo. A implementação utiliza as ferramentas de processamento digital de sinal GNU Radio e Universal Software Radio Peripheral (USRP). O protótipo é validado através de simulações e testes laboratoriais, nos quais é demonstrada a capacidade de detecção de utilizadores incumbentes e de utilização não disruptiva das bandas não ocupadas. Palavras Chave Rádio Cognitivo, GNU Radio, NC-OFDM, Rádio Definido por Software, Banda Larga em VHF I. INTRODUÇÃO As comunicações de dados marítimas encontram-se reduzidas a um pequeno leque de opções. Nas bandas MF e HF prevalecem alguns sistemas militares e radioamadores, bem como o serviço NAVTEX (Navigation Telex). Na banda do VHF, para além da telefonia analógica, existem os sistemas AIS (Automatic Identification System) e DSC (Digital Selective Calling), sendo o primeiro dedicado a relatos automáticos do posicionamento de navios e o segundo para o envio de mensagens curtas e alertas de seguraça. No entanto, a generalidade destes sistemas apresenta ritmos de transmissão reduzidos (banda estreita) e encontra-se dedicado a um serviço específico. No que respeita aos sistemas terrestres (GSM, UMTS e LTE), não constituem uma opção para as comunicações marítimas, uma vez que não oferecem uma cobertura adequada para estas áreas. Por outro lado, os serviços SATCOM (Satellite Communications) proporcionam comunicações genéricas em banda larga. Com uma cobertura quase global, os sistemas SATCOM são muito fiáveis e eficazes, mas os seus custos de instalação, manutenção e utilização são geralmente elevados (o que se torna mais proeminente em aplicações de pequena escala). Por outro lado, não é expectável que o custo por Mbyte dos serviços SATCOM venha a decrescer, dado o custo de lançamento e operação de satélites e estações de controlo terrestres. Além disso, as ligações satélite ainda se encontram limitadas a algumas dezenas de kbits por segundo (na melhor das hipóteses, alguns Mbits por segundo), o que também pode constituir um factor limitativo para algumas aplicações. Nos últimos anos, a Organização Marítima Internacional (OMI) tem vindo a desenvolver e a promover um conceito denominado e-navigation (navegação electrónica). Segundo este, a informação proveniente dos vários sistemas de navegação (novos e legados) poderá ser harmonizada, melhorando a interacção e troca de informação entre navios e estações costeiras, melhorando assim vários aspectos na segurança da navegação [1]. Por outro lado, verifica-se uma forte tendência no investimento em infra-estruturas e sistemas autónomos e não tripulados, tais como os unmanned aerial vehicles (UAV), sendo estes determinantes em acções de vigilância e monitorização dos espaços marítimos [2], mas ao mesmo tempo criando novos desafios em termos de infra- estruturas de comunicação e necessidades de espectro. Desta forma, e dada dificuldade em disponibilizar bandas de espectro radioeléctrico para novas aplicações, torna-se um desafio criar as condições necessárias para suprir estas novas necessidades, dado que actualmente tal não é possível, pelo menos a um preço praticável. Os rádios cognitivos têm sido propostos como uma possível solução para resolver o congestionamento do espectro radioeléctrico (como resultado dos esquemas estáticos de alocação de frequências), levando ao aparecimento de um novo paradigma de utilização do espectro [3, 4], em que é possível uma utilização oportunista de bandas cuja ocupação por parte dos utilizadores incumbentes seja baixa (o caso das bandas do VHF marítimo). Um dos casos que tem merecido especial atenção acontece no seguimento do switch-off da televisão analógica e reorganização do espectro [5]às bandas de frequências deixadas pela televisão analógica, não ocupadas ainda pela televisão digital denominam-se TV white spaces (TVWS). Por este facto, algumas entidades reguladoras, como é o caso da Federal Communications Commission (FCC), têm vindo a desenvolver acções de regulamentação no sentido de promover e facilitar o uso do espectro radioeléctrico, permitindo inclusive a operação de sistemas oportunistas no espectro dedicado ao serviço de televisão, em locais onde este não esteja a ser utilizado [6, 7]. Assim, verifica-se que este paradigma de utilização do espectro poderá constituir a solução para um sistema de banda larga em VHF (B-VHF). Os rádios cognitivos são hoje uma área relevante junto da comunidade científica, apesar de existirem poucas implementações que o demonstrem de uma forma integrada. A maior parte deste esforço dedica-se a áreas e aspectos sectoriais dos rádios cognitivos, como por exemplo, técnicas de Implementação de um Rádio Definido por Software para Comunicações Marítimas Cognitivas Germano Capela, CINAV/IST, António Rodrigues, IT/IST, José Sanguino IT/IST e Eduardo Bolas, CINAV

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Resumo — A banda VHF é a primeira escolha para a maioria das comunicações junto a costa por permitir comunicações a baixo custo e fiáveis, com alcance adequado às operações marítimas (na ordem das 30 milhas náuticas). No entanto, e independentemente da distância a costa, as comunicações de dados são geralmente feitas através de ligações satélite, o que se torna muito dispendioso. Por outro lado, o surgimento de novas necessidades, como por exemplo, novos sistemas de navegação integrados e vigilância através de veículos autónomos, requerem a utilização de sistemas de comunicações de banda larga, mas que ainda assim sejam economicamente acessíveis. Este trabalho descreve a implementação de um protótipo de um rádio cognitivo, baseado na tecnologia de rádio definido por software, para utilização oportunista de bandas VHF que não se encontrem ocupadas num determinado Instante / local. A implementação foca três áreas essenciais: monitorização do espectro (através de um detector de energia multicanal), transreceptor rádio (o qual utiliza modulação por Multiplexagem Ortogonal por Divisão em Frequência) e uma unidade de processamento cognitivo. A implementação utiliza as ferramentas de processamento digital de sinal GNU Radio e Universal Software Radio Peripheral (USRP). O protótipo é validado através de simulações e testes laboratoriais, nos quais é demonstrada a capacidade de detecção de utilizadores incumbentes e de utilização não disruptiva das bandas não ocupadas.

Palavras Chave — Rádio Cognitivo, GNU Radio, NC-OFDM,

Rádio Definido por Software, Banda Larga em VHF 2. Heading3

I. INTRODUÇÃO

As comunicações de dados marítimas encontram-se reduzidas a um pequeno leque de opções. Nas bandas MF e HF prevalecem alguns sistemas militares e radioamadores, bem como o serviço NAVTEX (Navigation Telex). Na banda do VHF, para além da telefonia analógica, existem os sistemas AIS (Automatic Identification System) e DSC (Digital Selective Calling), sendo o primeiro dedicado a relatos automáticos do posicionamento de navios e o segundo para o envio de mensagens curtas e alertas de seguraça. No entanto, a generalidade destes sistemas apresenta ritmos de transmissão reduzidos (banda estreita) e encontra-se dedicado a um serviço específico. No que respeita aos sistemas terrestres (GSM, UMTS e LTE), não constituem uma opção para as comunicações marítimas, uma vez que não oferecem uma cobertura adequada para estas áreas.

Por outro lado, os serviços SATCOM (Satellite Communications) proporcionam comunicações genéricas em banda larga. Com uma cobertura quase global, os sistemas SATCOM são muito fiáveis e eficazes, mas os seus custos de instalação, manutenção e utilização são geralmente elevados (o que se torna mais proeminente em aplicações de pequena escala). Por outro lado, não é expectável que o custo por Mbyte dos serviços SATCOM venha a decrescer, dado o custo de

lançamento e operação de satélites e estações de controlo terrestres. Além disso, as ligações satélite ainda se encontram limitadas a algumas dezenas de kbits por segundo (na melhor das hipóteses, alguns Mbits por segundo), o que também pode constituir um factor limitativo para algumas aplicações.

Nos últimos anos, a Organização Marítima Internacional (OMI) tem vindo a desenvolver e a promover um conceito denominado e-navigation (navegação electrónica). Segundo este, a informação proveniente dos vários sistemas de navegação (novos e legados) poderá ser harmonizada, melhorando a interacção e troca de informação entre navios e estações costeiras, melhorando assim vários aspectos na segurança da navegação [1]. Por outro lado, verifica-se uma forte tendência no investimento em infra-estruturas e sistemas autónomos e não tripulados, tais como os unmanned aerial vehicles (UAV), sendo estes determinantes em acções de vigilância e monitorização dos espaços marítimos [2], mas ao mesmo tempo criando novos desafios em termos de infra-estruturas de comunicação e necessidades de espectro. Desta forma, e dada dificuldade em disponibilizar bandas de espectro radioeléctrico para novas aplicações, torna-se um desafio criar as condições necessárias para suprir estas novas necessidades, dado que actualmente tal não é possível, pelo menos a um preço praticável.

Os rádios cognitivos têm sido propostos como uma possível solução para resolver o congestionamento do espectro radioeléctrico (como resultado dos esquemas estáticos de alocação de frequências), levando ao aparecimento de um novo paradigma de utilização do espectro [3, 4], em que é possível uma utilização oportunista de bandas cuja ocupação por parte dos utilizadores incumbentes seja baixa (o caso das bandas do VHF marítimo). Um dos casos que tem merecido especial atenção acontece no seguimento do switch-off da televisão analógica e reorganização do espectro [5]– às bandas de frequências deixadas pela televisão analógica, não ocupadas ainda pela televisão digital denominam-se TV white spaces (TVWS). Por este facto, algumas entidades reguladoras, como é o caso da Federal Communications Commission (FCC), têm vindo a desenvolver acções de regulamentação no sentido de promover e facilitar o uso do espectro radioeléctrico, permitindo inclusive a operação de sistemas oportunistas no espectro dedicado ao serviço de televisão, em locais onde este não esteja a ser utilizado [6, 7]. Assim, verifica-se que este paradigma de utilização do espectro poderá constituir a solução para um sistema de banda larga em VHF (B-VHF).

Os rádios cognitivos são hoje uma área relevante junto da comunidade científica, apesar de existirem poucas implementações que o demonstrem de uma forma integrada. A maior parte deste esforço dedica-se a áreas e aspectos sectoriais dos rádios cognitivos, como por exemplo, técnicas de

Implementação de um Rádio Definido por Software

para Comunicações Marítimas Cognitivas

Germano Capela, CINAV/IST, António Rodrigues, IT/IST, José Sanguino IT/IST e Eduardo Bolas, CINAV

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monitorização de espectro [8] ou técnicas para o transreceptor rádio [9, 10]. O padrão IEEE 802.22, em desenvolvimento desde 2004, é provavelmente o esforço de standardização mais completo existente, mas tem apenas em vista a utilização de rádios cognitivos para operação nos TVWS [11]. Sendo o seu âmbito de aplicação reduzido (TVWS), muitos dos pressupostos admitidos não são aplicáveis noutros contextos. Em [12], é apresentada uma implementação protótipo de um rádio cognitivo que tem por base o padrão IEEE 802.11 (redes LAN sem fios). Apesar de considerar vários dos aspectos essências de um rádio cognitivo, o paradigma de utilização dos canais rádio e a tecnologia utilizada apenas são aplicáveis às bandas ISM, o que inibe a sua escalabilidade e adaptabilidade a outros cenários e faixas de frequências, como por exemplo, para o ambiente marítimo.

Assim, este trabalho propõe uma solução cognitiva a aplicar no contexto das comunicações marítimas, com capacidade de utilizar de forma oportunista bandas do VHF que se encontrem vagas. A detecção de utilizadores incumbentes será feita com recurso a técnicas de monitorização de espectro e uma adequada configuração do transreceptor rádio é utilizada para aceder às oportunidades de espectro existentes, sem interferir com os utilizadores incumbentes. Sendo uma tecnologia com provas dadas no campo das comunicações sem fios [13, 14], e face à necessidade de desenvolver uma implementação flexível e de fácil prototipagem, utilizou-se a tecnologia de rádio definido por software.

Neste contexto, não faz parte do âmbito deste trabalho desenvolver ou implementar o estado da arte das tecnologias cognitivas, mas sim implementar uma solução integrada e funcional, adaptada ao meio marítimo. Por outro lado, também não é objectivo deste trabalho abordar questões legais relacionadas com a utilização secundária de espectro radioeléctrico licenciado.

Este trabalho encontra-se organizado da seguinte forma. Na secção II é dada uma visão geral sobre a tecnologia de rádios cognitivos e como estes podem aproveitar oportunidades de espectro. Na secção III é descrita a solução proposta e as principais decisões na implementação do rádio cognitivo com recurso à tecnologia de rádio definido por software. A secção IV descreve e apresenta os principais resultados dos testes e demonstrações. A secção V é dedicada a conclusões finais e breve visão sobre o trabalho a desenvolver no futuro.

II. TECNOLOGIA DE RÁDIOS COGNITIVOS

O conceito de rádio cognitivo foi pela primeira vez apresentado por Mitola [4], e desde essa altura tem sido apontado como uma possível solução para melhorar a eficiência na utilização do espectro radioeléctrico [3, 4, 15]. Mitola sugeriu o conceito de rádio cognitivo consciente de que as características de agilidade, reconfigurabilidade e adaptabilidade poderiam eventualmente ser implementadas através de rádios definidos por software. Num contexto de acesso dinâmico ao espectro (outro conceito frequentemente associado aos rádios cognitivos), um rádio cognitivo deverá utilizar as suas capacidades de observação e aprendizagem para determinar em que condições o espectro rádio pode ser acedido [3]. O ciclo cognitivo tipicamente começa com uma actividade de observação e detecção, na qual as faixas vagas de espectro são detectadas. Posteriormente, uma análise sobre as medidas

efectuadas permite parametrizar o transreceptor rádio e desenvolver um processo de aprendizagem. Os parâmetros para configuração do rádio consideram os constrangimentos do espectro (canais ocupados) mas também a política de utilização do espectro em vigor e outras fontes de informação, tais como estatísticas de ocupação do canal.

Dado que a parametrização do transreceptor intrinsecamente é actualizada de forma dinâmica ao longo do tempo, num contexto de rede, todos os nós cognitivos deverão possuir esta informação na sua versão mais actualizada. Neste trabalho, este processo é descrito como sendo a sincronização da rede, no qual o nó que gere os recursos (master) informa os restantes nós (slaves) que configurações de transreceptor devem utilizar. Em cada nó, a coordenação dos vários componentes do rádio é efectuada por um módulo gestor cognitivo (cognitive engine).

A. Acesso Dinâmico ao Espectro

O acesso dinâmico ao espectro radioeléctrico compreende uma série de áreas de conhecimento e técnicas que compõem os rádios espectralmente ágeis. Estes rádios têm assim a capacidade de utilizar o espectro numa abordagem dinâmica.

Tipicamente quando se fala em rádio cognitivo, este tem capacidade de acesso dinâmica ao espectro. Já ao contrário, um rádio com capacidade de acesso dinâmico ao espectro pode não ter processamento cognitivo. Este tipo de rádios é exemplificado pelo padrão associado aos telefones sem fios DECT™ (Digital Enhanced Cordless Telecommunications). Os telefones DECT™ têm a capacidade de encontrar e escolher canais que se encontrem vagos através de uma técnica de detecção [16], conferindo-lhe assim dinamismo no acesso ao espectro. Segundo o trabalho de Mitola [4], o rádio cognitivo utiliza as suas capacidades percepcionais e de aprendizagem para se adaptar ao meio em que se encontra inserido, o que o torna mais do que um simples aparelho com agilidade espectral.

Num contexto de utilização de espectro licenciado, utilização oportunista é o acto de aceder a bandas que se encontram localmente / temporalmente livres, mas legalmente alocadas a um grupo de utilizadores - os utilizadores primários (UP) – por utilizadores que não possuem o direito usual à sua utilização – utilizadores secundários (US).

Neste trabalho, o estudo e implementação do acesso dinâmico ao espectro inclui a avaliação espectral e detecção, modelação da resposta espectral (através de esquemas de modulação e formas de onda) e, existindo um contexto de rede, o sincronismo entre os vários nós da rede.

B. Monitorização do Espectro

A primeira acção a executar pelo rádio cognitivo tem como objectivo criar uma imagem do ambiente rádio em que se encontra inserido. Por esta razão, a monitorização do espectro é um componente fundamental e eventualmente o mais importante numa aplicação cognitiva. Através da monitorização do espectro espera-se detectar a actividade dos UP e consequentemente as bandas que se encontram livres.

A eficácia do detector depende de vários aspectos, tais como o algoritmo de detecção utilizado, a duração e periodicidade das medições, a relação sinal ruído (SNR) do sinal a detectar, conhecimento prévio sobre as características

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dos UP e o conhecimento sobre o perfil de utilização do canal de comunicação. Em termos da escolha da técnica de detecção, tipicamente existe um compromisso entre a precisão e o tempo de execução, o que varia consoante os requisitos da aplicação [8]. Num contexto de rede, os nós poderão contribuir para uma colecta de informação mais abrangente, a qual deverá ser auditada por uma entidade de controlo, constituindo assim uma forma cooperativa, mas centralizada de monitorização do espectro.

Num contexto em que podem existir vários UP a ocupar a banda de interesse (caso da banda VHF marítima), o algoritmo de detecção deve ser capaz de detectar simultaneamente a sua presença (dentro da banda de interesse podem existir vários UP distribuídos por vários canais). O detector de energia (energy detector) é uma técnica de detecção que não requer conhecimento prévio sobre os sinais a detectar e que compara a energia medida num determinado canal com uma métrica que depende do nível do ruído (daí ser classificada como técnica dependente do ruído) para decidir se o canal se encontra ocupado ou não. Esta técnica constitui uma abordagem muito comum ao problema da detecção por ser computacionalmente pouco dispendiosa [5] e por poder ser implementada quer no domínio do tempo quer no da frequência (esta última com vantagens na detecção de múltiplos canais apenas numa só medição). Por outro lado, as técnicas baseadas nas características dos sinais (feature detection) requerem o conhecimento prévio sobre os sinais a detectar e sobre o ruído do canal. Estas técnicas têm a capacidade de distinguir entre vários tipos de sinais e apresentam bom desempenho em ambientes ruidosos [5], mas para tal, os sinais deverão ser desmodulados e analisados individualmente (canal a canal). Por fim, tal como na detecção de características, as técnicas de detecção cegas apresentam um bom desempenho quando a relação sinal ruído é muito baixa [17], mas também requerem a análise individual dos sinais a detectar.

C. Modelação da Resposta Espectral

A forma mais simples de acesso oportunista ao espectro consiste em utilizar um serviço secundário que ocupe a mesma largura de banda que o serviço primário (no caso dos TVWS, o serviço secundário tipicamente tem a mesma largura de banda que um canal de televisão). No entanto, para a aplicação na banda do VHF marítimo, dado que os UP utilizam maioritariamente serviços de banda estreita (na ordem dos 25 kHz), esta não é a abordagem mais indicada para implementar um sistema de banda larga. No exemplo da Fig. 2.1, verifica-se a existência de cinco buracos entre as transmissões dos UP, mas o maior deles não excede os 120 kHz (o que não é muito para uma aplicação banda larga).

Fig. 2.1 - Espectrograma (tempo - frequência) da actividade de vários UP e

respectivas oportunidades de espectro.

Agregando os cinco buracos, obtém-se um total de 310 kHz de banda utilizável, facto indicativo de que, no caso do VHF marítimo, a agregação de espectro não contíguo poderá ser uma solução para se obter espectro suficiente para aplicações banda larga. A modulação por Multiplexagem Ortogonal por Divisão em Frequência (OFDM) tem sido proposta como solução possível para a agregação de bandas não contíguas [9, 10]. Dado que as sub-portadoras OFDM podem ser individualmente escolhidas e moduladas, as que se sobrepõem aos sinais dos UP podem ser desligadas, obtendo-se assim uma modelação do espectro transmitido. Este conceito de modelação e repartição do espectro denomina-se OFDM não-contíguo (NC-OFDM) (Fig. 2.2).

Fig. 2.2 – Modelação simples do espectro através de selecção de sub-

portadoras OFDM.

No entanto, os sistemas baseados em OFDM apresentam algumas limitações, nomeadamente uma razão pico - valor médio (PAPR) relativamente elevado (na ordem dos 12 dB) e, quando não mitigada, elevada radiação fora da banda (OOB) [18, 19]. Pelo mesmo motivo, NC-OFDM também apresenta radiação não desejada na zona não-contígua [18, 20].

A modulação OFDM (e NC-OFDM) é facilmente implementada em software, e a ferramenta GNU Radio já contém um conjunto de instrumentos para a sua implementação, as quais podem ser adaptados para esta aplicação.

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III. SOLUÇÃO PROPOSTA

A ferramenta de software GNU Radio é adequada para aplicações rádio em tempo real, dado ser capaz de efectuar processamento digital de sinal de uma foram muito eficiente e rápida. Assim, e em conjunto com o periférico rádio USRP, é possível implementar um sistema rádio flexível, com capacidade de se adaptar rapidamente às condições ao longo do tempo.

O Serviço Móvel Marítimo (SMM) na banda VHF é um serviço rádio licenciado para a faixa de frequências compreendida entre os 156 MHz e os 174 MHz, no qual os canais encontram-se estaticamente alocados, podendo ser acedidos pelos UP de forma equitativa. Neste caso, a banda encontra-se alocada ao serviço, sendo acedida por equipamentos homologados, no contexto da sua utilização (comunicações marítimas). Uma vez que a maioria das comunicações costeiras é feita nesta banda, pode-se adoptar uma arquitectura em células, onde as estações costeiras desempenham funções de interface entre a rede VHF e as redes terrestres fixas, bem como funções de estação de base (gestão de recursos rádio, gestão de actividades de monitorização e de sincronismo da rede). Este tipo de arquitectura em que a gestão é centralizada resulta numa implementação geralmente simples.

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A. Utilização Oportunista da Banda do VHF Marítimo

Os equipamentos de UP compatíveis com o SMM seguem as recomendações da International Telecommunication Union (ITU), mas a alocação das frequências do serviço é determinada ao nível das autoridades locais. As aplicações mais frequentemente utilizadas no SSM são a telefonia analógica (Fig. 3.1), o DSC (Fig. 3.2) e o AIS (Fig. 3.3).

Fig. 3.1 – Densidade Espectral de Potência (PSD) de um sinal de telefona

analógica em VHF (voz em tom normal).

Os transreceptores rádio dos equipamentos de telefonia utilizam um espaçamento de 25 kHz entre canais, e a banda efectivamente ocupada não deverá exceder os 16 kHz, sendo utilizada modulação de ângulo (fase ou frequência).

Fig. 3.2 – PSD de um sinal de DSC.

O sistema DSC utiliza uma modulação digital de dois níveis de frequência (2FSK) utilizando o mesmo espaçamento entre canais que os sinais de telefonia (25 kHz). O DSC em VHF opera numa frequência fixa: 156,525 MHz (canal 70 do SMM).

Fig. 3.3 – PSD dos canais A e B do sistema AIS (verde – máximo da

envolvente, azul – pico detectado).

Os transponders AIS operam em duas frequências fixas espaçadas 50 kHz entre si (161.975 MHz e 162.025 MHz), sendo utilizada a modulação Gaussian Minimum Shift Keying (GMSK) para a transmissão de dados por pacotes. Cada canal do sistema AIS ocupa cerca de 12 kHz de largura de banda.

Tal como referido anteriormente, no contexto do SMM, é expectável que vários UP estejam activos nesta banda ao mesmo tempo, e como tal, o algoritmo de detecção deverá ser capaz de detectar essas emissões simultaneamente (Fig. 3.4).

Fig. 3.4 – PSD típica da banda VHF do SMM com a presença de vários UP.

Apesar do potencial desempenho de alguns dos algoritmos de detecção descritos na secção II, uma vez que requerem a análise canal a canal, tornam-se inadequados para a rápida detecção de vários UP. Por outro lado, a implementação do detector de energia no domínio da frequência, a qual tem por base o cálculo da PSD da banda de interesse, permite a detecção de forma expedita de todos os UP presentes nessa banda (apenas com uma amostra da banda de interesse). Além de ser pouco complexo sob o ponto de vista computacional, o detector de energia é um algoritmo amplamente estudado e implementado.

B. Arquitectura do Transreceptor Rádio

Tal como referido anteriormente, esta implementação tem como base uma arquitectura semelhante às redes móveis terrestres – estação de base (estação costeira) – utilizador móvel (navios). Uma vez que a estação base desempenha funções de sincronismo da rede (disseminação das configurações dos transreceptores), estabeleceu-se um mecanismo de sincronização baseado num canal dedicado. Este canal de banda estreita opera numa frequência conhecida por todos os elementos da rede cognitiva, a qual poderá ou não fazer parte do espectro para as comunicações cognitivas, mas que deverá estar sempre disponível para o processo de sincronização (Fig. 3.5). Cada vez que um novo nó pretenda entrar na rede cognitiva ou quando um dos nós já inserido na rede perde o sincronismo, o canal de sincronismo serve como ponto de encontro em ambas as situações.

Fig. 3.5 – Proposta de organização dos canais para sincronismo e

comunicação de dados (sinais sintetizados com o GNU Radio).

Em termos de acesso e partilha do espectro cognitivo (entre utilizadores cognitivos), implementou-se o protocolo Carrier Sense Multiple Access (CSMA) with Collision Avoidance (CA). Este protocolo além de ser facilmente implementado em software, é uma solução que requer muito poucas operações de sinalização na rede e dispensa a utilização de relógios bem disciplinados para sincronismo entre os nós.

Tal como apontado nas secções anteriores, o rádio cognitivo desempenhará mais funções de que um rádio comum, algumas delas a ocorrer em paralelo. A operação do rádio é caracterizada em dois estados fundamentais: o modo de transmissão de dados (modo B-VHF) e o modo de sincronismo. O gestor cognitivo (cognitive engine), unidade que opera ao nível da camada MAC, coordena quer a operação e reconfiguração do transreceptor rádio, quer as actividades de detecção e sincronização entre nós da rede. A Fig. 3.6 ilustra as ligações lógicas entre os componentes que constituem o rádio cognitivo.

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Fig. 3.6 – Representação em camadas de um nó cognitivo para operação em

CSMA/CA.

No lado direito da Fig. 3.6, o bloco spectrum watcher monitoriza a actividade dos UP na banda de interesse e gera os parâmetros de configuração do transreceptor B-VHF em função dos buracos de espectro detectados. No caso das estações de base, estes parâmetros são enviados para o gestor de sincronismo (synchronization manager), o qual utiliza o transreceptor de sincronismo (synchronization transceiver) para disseminar esta informação pelos restantes nós da rede.

C. Bloco de Detecção e Monitorização do Espectro

Pelas razões descritas na secção anterior, implementou-se um detector de energia simples e eficaz com capacidade de detectar vários UP numa só obeservação espectral. O detector de energia no domínio da frequência tem como base uma estima da PSD, a qual pode ser obtida através de diversos métodos. Neste trabalho, implementaram-se duas técnicas de estimação da PSD, uma baseada no método de Welch [21], e outra baseada no cálculo de FFT’s (Fast Fourier Transform), para comparação.

Após obter uma estima da PSD, considerando a parametrização para a medição (taxa de amostragem, espaçamento entre canais, etc.), o detector efectua um varrimento da PSD, procurando por níveis de energia acima do limiar de decisão (Fig. 3.7).

Fig. 3.7 – Diagrama de fluxo do detector de energia no domínio da frequência.

D. Transreceptor Rádio

Do lado da transmissão, ao nível da camada MAC (que também alberga o processamento cognitivo), os pacotes da camada superior (camada IP) são aceites, sendo-lhes adicionado um cabeçalho cognitivo e um CRC (cyclic

redundancy check). A trama produzida é depois inserida numa fila de espera da cadeia de transmissão, a qual efectua as operações típicas de camada física, como por exemplo, mapeamento dos símbolos (M-PSK ou M-QAM), atribuição das sub-portadoras OFDM (onde o padrão não-contíguo é estabelecido), modulação OFDM e filtragem (Fig. 3.8).

Fig. 3.8 – Diagrama de fluxo to transmissor B-VHF.

A implementação OFDM do GNU Radio aplica um método de sincronização baseado em palavras de sincronismo e sub-portadoras piloto para que os receptores possam detectar e delimitar as tramas OFDM recebidas, bem como efectuar correcções de desvio de frequência e igualização de canal. Os parâmetros de reconfiguração são passados através do cognitive engine, sendo os blocos do transreceptor actualizados sempre que ocorre o processo de sincronismo. O transmissor tem a possibilidade de limitar os picos de sinal (clipping) e aplica também um filtro digital de resposta impulsiva infinita (RII) para reduzir a radiação OOB. Em comparação com os filtros de resposta impulsiva finita (RIF), os filtros RII apresentam menor complexidade (menor número de coeficientes e operações) para um desempenho espectral equivalente.

Do lado do receptor, o processo de modulação é revertido, após sincronização, delimitação das tramas e igualização. A Fig. 3.9 ilustra o diagrama de blocos correspondente à implementação do receptor, incluindo a integração dos parâmetros de reconfiguração do receptor.

Fig. 3.9 – Diagrama de fluxo do receptor B-VHF.

E. Gestor Cognitivo e Sincronismo de Rede

No caso das estações de base, o gestor cognitivo reconfigura localmente o seu transreceptor rádio mas também controla e reconfigura remotamente os transreceptores rádio dos restantes nós da rede através do processo de sincronização. Apesar de os modos B-VHF e sincronismo operarem sobre diferentes transreceptores rádio, que operam em diferentes frequências, o gestor cognitivo da estação base deve ter a capacidade de alcançar todos os nós da rede independentemente do modo que de operação, a fim de controlar os nós móveis. Por este motivo, aos pacotes de dados no modo B-VHF é adicionado o cabeçalho cognitivo. Este cabeçalho implementa uma ligação lógica que interliga os gestores cognitivos de todos os nós esmo quando estes se encontram no modo B-VHF (Fig. 3.10).

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Fig. 3.10 – Canais lógicos e físicos ao dispor do gestor cognitivo.

Através deste recurso, as estações base comandam as estações móveis, dando a ordem, por exemplo, para as estações comutarem do modo B-VHF para o modo de sincronismo. A partir do momento em que as estações móveis comutam para o modo de sincronismo, as estações de base difundem os parâmetros para configuração do transreceptor. Estes parâmetros são obtidos considerando as medições espectrais efectuadas e impondo a política de utilização do espectro. Os dados que são difundidos no processo de sincronismo são baseados numa lista denominada constrangimentos do espectro (lista de canais ocupados por UP), a qual posteriormente é convertida em constrangimento de sub-portadoras OFDM, palavras de sincronismo e símbolos piloto (Fig. 3.11).

Fig. 3.11 – Processo de sintetização dos dados para sincronização (sync data).

As estações de base efectuam o procedimento acima descrito a cada ciclo de detecção, cuja periodicidade é definida na política de espectro. No entanto, caso o constrangimento do espectro se mantenha inalterado entre medições sucessivas, o processo de sincronização pode ser dispensado, poupando-se assim tempo para comunicação. A comutação entre os dois modos de comunicação (B-VHF e sincronismo) é um processo que pode levar ao aparecimento de problemas de confirmação, tal como ilustrado na Fig. 3.12.

Fig. 3.12 – Problemas na comutação entre o modo B-VHF (a azul) e o modo

de sincronismo (a amarelo) quando são utilizadas mensagens de confirmação.

a) Móvel confirma apenas; b) Estação de base e móvel confirmam.

Uma vez que existe sempre a hipótese de uma das estações não receber a última mensagem de confirmação (levando a que uma das estações comute de canal sem ter a confirmação), nesta implementação optou-se por não utilizar mensagens de confirmação. Apesar de esta opção ter desvantagens (alguns dos nós podem perder a chamada para o processo de sincronismo), reduz significativamente as operações de sinalização. Os casos de falha são facilmente regularizados através de um mecanismo de protecção que não permite que as estações móveis estejam demasiado tempo no modo B-VHF sem passar pelo modo de sincronismo (o que acontece quando perdem a ordem para passar ao modo de sincronismo).

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IV. TESTES E DEMONSTRAÇÃO

As simulações e ensaios laboratoriais têm como objectivo analisar o desempenho do rádio cognitivo e avaliar a sua coexistência com sinais de UP. Nas simulações utilizou-se um modelo de canal que replica as condições expectáveis de propagação no meio marítimo (ruído branco gaussiano e desvanecimento com linha de vista). Na análise de desempenho verificou-se o funcionamento do detector / monitorizador de espectro e o desempenho espectral do transreceptor rádio. Uma demonstração em ambiente laboratorial valida o funcionamento do rádio cognitivo como meio de transporte para tráfego IP (Fig. 4.1).

Fig. 4.1 – Aparato laboratorial para testes e demonstração.

A. Bloco Detector

Para se estabelecer uma referência para o bloco detector, realizaram-se testes com dados sintetizados e dados reais. Na Tabela 4.1 apresentam-se os parâmetros de configuração do bloco detector, os quais podem ser alterados consoante as necessidades.

TABELA 4.1 – CONFIGURAÇÕES PARA O BLOCO DETECTOR.

Parâmetro Valor

Duração da medição 2048 Amostras = 2.048 ms @ 1MS/s

Tamanho da FFT 4096 bins 244,1 Hz/bin

Espaçamento entre canais 25 kHz

Largura de banda de pesquisa 12,5 kHz

Na Fig. 4.2 apresentam-se graficamente os resultados obtidos pelo bloco detector, onde é possível verificar a relação entre a PSD da banda de interesse, a energia detectada por canal e o resultado da detecção.

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Fig. 4.2 – Resultados da monitorização de espectro. PSD, energia por canal

(power by channel) e decisão quanto ao estado de ocupação (decision).

Os resultados demonstram que o bloco é capaz de detectar múltiplos UP que se encontram simultaneamente em actividade, o que valida para a sua aplicação no contexto do SMM.

B. Análise do Transreceptor Rádio

Neste teste verificaram-se vários parâmetros que caracterizam o desempenho em radiofrequência do rádio cognitivo, incluindo a forma do espectro transmitido, PAPR e coexistência entre sinais de US e UP. A Tabela 4.2 sumariza os parâmetros utilizados na configuração do transreceptor.

TABELA 4.2 - >PARÂMETROS DE CONFIGURAÇÃO DO TRANSRECPTOR RÁDIO.

Parâmetro Valor

Largura de banda total 1MHz (1MS/s)

Nr. portadoras OFDM 128

Tamanho do PC OFDM 32 bins (1/4)

Modulação dos símbolos QPSK

Tamanho trama OFDM 512 bytes

Banda a cancelar (por UP) 50 kHz - 7 OFDM bins

O desempenho do transreceptor rádio na presença do modelo de canal proposto foi avaliado através do controlo de erros no CRC das tramas. A Fig. 4.3 apresenta os resultados obtidos, sendo possível comparar a percentagem de tramas recebidas (% rcvd) e a percentagem de tramas recebidas sem erros (% ok) em diferentes condições do canal de propagação.

Fig. 4.3 – Percentagem de tramas recebidas (% rcvd) e de tramas recebidas

sem erros (% ok) em função da SNR e factor de Rice (k).

Os resultados mostram que o sistema apresenta um ponto viragem no desempenho entre os 5 dB e os 8 dB de SNR,

valores a partir dos quais o receptor melhora na capacidade de detecção e descodificação correcta das tramas. Os resultados também demonstram que o desvanecimento tem pouco impacto no desempenho do receptor, mesmo para os valores mais elevados (k=2 ou k=1). Para valores de SNR acima dos 7 dB verifica-se que a percentagem de tramas recebidas correctamente encontra-se acima dos 90% (taxa de perda abaixo dos 10%), o que se pode considerar um valor de desempenho aceitável.

C. Desempenho Espectral

O efeito do filtro de RII na cadeia de transmissão é bem visível na Fig. 4.4, onde o nível de radiação OOB é muito mais baixo que o nível de radiação na banda NC (onde apenas foram desligadas sub-portadoras OFDM).

Fig. 4.4 - PSD do sinal à saída do transmissor.

Na Fig. 4.5 pode-se verificar em mais detalhe os níveis de radiação nas bandas OOB e NC do sinal recebido, onde se pode verificar que, na presença de ruído, o nível de potência do sinal nas duas bandas é muito semelhante (no teste anterior verificou-se que com SNR = 7 dB o sistema apresentava um desempenho aceitável).

Fig. 4.5 – Pormenor da PSD nas bandas OOB e NC do sinal recebido em

simulação (SNR = 7 dB e k = 2).

Uma vez que o nível de radiação na banda OOB deve-se essencialemente ao ruído do canal (dado que o filtro de transmissão reduz eficazmente a radiação espúria nesta banda), estes resultados sugerem que, desde que a potência do sinal transmitido seja reduzida ao mínimo possível (neste esse valor corresponde a SNR = 7 dB), o nível de sinal na banda NC aproxima-se ao valor do ruído do canal.

A Fig. 4.6 apresenta os resultados para uma transmissão feita através do aparato laboratorial (USRP’s), onde se pode verificar que o nível de sinal na banda NC encontra-se apenas 5 dB acima do nível da banda OOB, confirmando assim os resultados em simulação.

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Fig. 4.6 - Pormenor da PSD nas bandas OOB e NC do sinal recebido pela

USRP.

D. Análise da Relação Pico-Valor Médio de Potência

As medições de PAPR efectuaram-se nas mesmas condições que os testes anteriores. Para isso, efectuou-se a gravação de uma série de transmissões e posteriormente analisou-se a amostra recolhida, obtendo-se a curva de distribuição complementar cumulativa (DCC) característica para o sinal transmitido. A Fig. 4.7 apresenta uma comparação de várias curvas de DCC para vários níveis de clipping forçado do sinal transmitido (a baseline corresponde ao sinal sem clipping).

Fig. 4.7 – Comparação entre curvas de DCC e taxa de perda de tramas (PER)

para vários níveis de clipping.

O nível de PAPR obtido para a baseline encontra-se dentro da gama expectável para sistemas OFDM (11.7 dB). Os resultados também demonstram uma redução efectiva de 1 dB de PAPR quando aplicado um clipping de 50% no valor de referência do sinal, mas com penalidade na perda de tramas, que aumenta 2,7 % em relação à baseline. Tal como esperado, os resultados mostram que a PER degrada-se com o aumento do nível de clipping. Verifica-se também que a partir de determinado valor de clipping, este deixa de ter impacto na redução do PAPR. Este efeito acontece porque o clipping ocorre antes do filtro de transmissão, o qual contraria o efeito do clipping.

E. Análise de coexistência com UP

Para se avaliar o nível de interferência provocado pelos sinais transmitidos, avaliou-se subjectivamente o seu impacto no serviço de telefonia (aplicação com maior número de canais alocados no SMM). Para isso, misturaram-se os sinais NC-OFDM com sinais de telefonia de UP em diversas posições da banda do sinal NC-OFDM e verificou-se em que medida a percepção auditiva do sinal de telefonia era afectado (Fig. 4.8).

Fig. 4.8 – PSD dos sinais de UP e NC-OFDM sujeitos a teste.

Banda de Transmissão: nestas circunstâncias, o sinal de UP é imerso na interferência provada pelo sinal NC-OFDM, não senso sequer possível distingui-lo do ruído (Fig. 4.9).

Fig. 4.9 – Avaliação da interferência na banda de transmissão.

Este cenário constitui uma situação em que o serviço incumbente será severamente afectado, sendo a probabilidade de disrupção do serviço muito elevada.

Banda OOB: uma vez que o filtro de transmissão reduz drasticamente a radiação não desejada nesta zona, não é expectável a percepção de interferência (Fig. 4.10).

Fig. 4.10 - Avaliação da interferência na banda OOB.

Neste caso verifica-se não existir impacto do sinal secundário no sinal de telefonia, sendo a percepção de existência de interferência muito baixa e a qualidade da voz inalterada.

Banda NC: para o caso ilustrado na Fig. 4.11, dado que o nível de sinal na banda NC é ligeiramente superior ao ruído de canal, espera-se um pequeno impacto no sinal de telefonia.

Fig. 4.11 - Avaliação da interferência na banda NC.

A avaliação subjectiva demonstra um impacto reduzido do sinal interferente na qualidade da chamada de telefonia. Apesar de a presença de uma pequena interferência ser perceptível, não afecta de todo a qualidade da voz. Nesta condição, não é expectável que haja disrupção do serviço devido ao sinal interferente, o que se verifica mesmo quando o sinal incumbente apresenta um nível de potência mais baixo.

F. Demonstração com Tráfego IP

Neste teste é demonstrada a forma como o rádio cognitivo (mais propriamente, as camadas MAC e PHY) é transparente

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no transporte de tráfego IP. Para esse fim, efectuou-se uma série de transmissões, utilizando a ferramenta ping do protocolo ICMP (permite efectuar uma sequência de pedidos e respostas com controlo de atraso e perda de pacotes). Esta demonstração emula dois nós cognitivos com recurso a dois computadores e duas USRP’s (sendo um dos conjuntos a estação de base o outro a estação móvel). O método de monitorização desta demonstração encontra-se ilustrado na Fig. 4.12.

Fig. 4.12 – Análise dos pacotes do protocolo ICMP com recurso ao software

Wireshark e consolas de controlo das estações.

Os resultados obtidos permitem verificar uma ligeira penalidade no atraso entre os pacotes de pedido e resposta (vertido no round trip time), resultado do processamento tipicamente efectuado em camada física por hardware, mas neste caso efectuado inteiramente em software. Num dos testes efectuados verificaram-se 644 pedidos, os quais receberam 533 respostas, o que resulta numa taxa de perda de cerca de 17%. Recorde-se que durante a sessão de demonstração do protocolo ICMP ocorreram períodos em que os nós estiveram no modo de sincronismo, o que explica a perda de algumas das respostas. O round trip time dos pedidos variou entre os 10 ms e os 50 ms, um valor ligeiramente elevado, mas aceitável para sistemas sem fios.

V. CONCLUSÕES

O trabalho apresentado descreve a implementação de uma solução cognitiva para comunicações marítimas em VHF, com capacidade de utilização oportunista de espectro vago e com potencial para constituir uma alternativa aos sistemas SATCOM na cobertura costeira e em linha de vista. Neste contexto, várias aplicações, como por exemplo a navegação electrónica, as comunicações pessoais a bordo dos navios e os dispositivos autónomos podem tirar partido deste sistema de banda larga.

Existem vários aspectos inovadores nesta implementação, dos quais se destaca o processo de sincronização entre os nós cognitivos e a consequente adaptabilidade dos transreceptores ao espectro radioeléctrico disponível em cada momento. Para isso, um gestor cognitivo coordena as actividades de detecção, impõem a politica de espectro em vigor, sendo as configurações dos transreceptores geradas dinamicamente em função das bandas disponíveis.

Apesar de ser um protótipo, o sistema implementado é completamente funcional e poderá ser facilmente implementado numa aplicação real, com pequenas adaptações. No entanto, existem questões do foro legal que não foram abordadas e mitigadas, tais como a possibilidade de utilização secundária de espectro licenciado, níveis aceitáveis para disrupção de serviço e tolerância à coexistência entre incumbentes e oportunistas [22]. Por este motivo, alguns dos

aspectos técnicos, tais como a forma espectral emitida pelos transmissores (i.e. radiação indesejada) e a detecção de utilizadores incumbentes (i.e. periodicidade e duração óptimas de detecção) requerem investigação adicional.

Contudo, os resultados demonstram um desempenho aceitável para as condições espectáveis para o meio marítimo (ruído gaussiano e desvanecimento em linha de vista), com taxas de perda de pacotes abaixo dos 10% para SNR na ordem dos 7 dB. A análise de coexistência também apresentou resultados promissores, verificando-se baixos níveis de interferência nas bandas OOB e NC, aspecto fundamental num sistema cuja utilização oportunista e agregação de sub-bandas tem por base a modulação NC-OFDM. Finalmente, verificou-se que o rádio cognitivo tem a capacidade de transportar tráfego IP de forma transparente, condição decisiva para aplicação em redes de dados baseadas em pacotes.

Ainda assim, existem vários aspectos que podem ser melhorados, dos quais se destacam o sincronismo de rede, o transreceptor rádio, o sincronismo na cadeia de recepção e a análise de coexistência. Existem técnicas para cancelamento da radiação indesejada que podem ser estudadas e implementadas, bem como técnicas que permitem o sincronismo da cadeia de recepção com recurso a muito pouca informação (sincronismo cego). A coexistência entre utilizadores e questões legais associadas, aspectos determinantes para a viabilidade deste modelo, deverão também ser mitigados e testados de forma mais abrangente e profunda.

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