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Castelo Branco Científi ca - Ano V - Nº 10 - julho/dezembro de 2016 - www.castelobrancocientifi ca.com.br 1
Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255
EUTANÁSIA E DIREITO À VIDA: ENTRE A AUTONOMIA DA VONTADE E AS
IMPLICAÇÕES MÉDICAS, RELIGIOSAS E JURÍDICAS
Alexandre Jacob�
RESUMO
Aborda a eutanásia, mostrando sua evolução no decorrer dos tempos e como é tratada na legislação
brasileira, focando nos princípios da dignidade da pessoa humana e no princípio da autonomia da
vontade. A Constituição Federal declara o direito à vida, à liberdade e à dignidade da pessoa humana,
como esteios do Estado, assim, proporcionar bem-estar ao ser humano é a sua razão de ser. Questiona-
se, na iminência da morte, em especial nos casos de doenças terminais, invalidez irreversível ou
quando constatada a inviabilidade de vida futura, apesar da possibilidade de manutenção artificial, a
proteção conferida à dignidade da pessoa se mostra ou não como alegação suficiente para permitir
àqueles que desejarem a opção pela morte. Conclui que além da proteção contra atos degradantes, a
dignidade da pessoa humana dá a garantia a um bem mais valioso que a simples existência biológica,
ou seja, a vida digna.
Palavras-chave: Eutanásia. Direito à vida. Morte digna.
ABSTRACT
Discusses Euthanasia, showing its evolution throughout the ages and it is treated by Brazilian law,
focusing on the principles of human dignity and the principle of autonomy of the will. The Federal
Constitution states the right to life, liberty and human dignity, as pillars of the state, thus providing
well-being to human being is its reason for being. Questions whether, on the verge of death, especially
�Mestre em Ciências das Religiões. Professor universitário. E-mail: [email protected].
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in cases of terminal illness, disability irreversible or when found the impracticability of future life,
despite the possibility of artificially maintaining the dignity of the person granted protection shown or
not as a claim sufficient to allow those who wish to opt for death. It concludes that in addition to
protection from degrading acts, the dignity of the human person gives a guarantee to a more valuable
asset than the mere biological existence, that is, the good life.
Keywords: Euthanasia. Right to life.Dignifieddeath.
1 INTRODUÇÃO
A eutanásia é um tema que sempre causou polêmica no Brasil, pois existem aqueles que a defendem e
outros que a condenam. Considera-se um tema complexo por envolver questões de ordem moral, legal
e religiosa e sendo assim seus aspectos não dão lugar a uma solução pacífica.
O procedimento da eutanásia é sustentado por princípios básicos que defendem o direito do doente
incurável de por limite à vida quando sujeito a insuportáveis sofrimentos físicos ou psíquicos (SILVA,
2000).
Observa-se que a eutanásia é uma conduta em que um indivíduo, deliberadamente levado por fortes
razões de ordem moral, causa a morte de outra pessoa, vítima de uma doença que não tem cura, muitas
vezes em fase terminal e que parece estar com intenso sofrimento e dores. Para muitos a eutanásia seria
fundamentada como uma maneira de libertação do sofrimento que ocorre por um longo período de
doença.
De acordo com a legislação no Brasil atualmente a eutanásia é crime podendo caracterizar o ilícito
penal de várias formas, caso um terceiro, médico ou familiar do doente terminal lhe dê a morte, será
confirmado um homicídio, que, eventualmente, teria tratamento penal privilegiado, atenuando-se a
pena, pelo relevante valor moral que motivou o agente, assim o juiz poderia reduzir a pena de um sexto
a um terço.
Esse homicídio, mesmo privilegiado, não leva em conta, se houve ou não consentimento da vítima para
descaracterizar o crime, aliás, mesmo em havendo tal consentimento, se haveria de desconfiar sobre
sua lucidez e independência para decidir sobre a própria vida.
Segundo Campos e Medeiros (2011, p. 05) “a vida é o direito fundamental mais importante da pessoa
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humana e por isso é tutelado em todas as esferas jurídicas. A pessoa humana não pode renunciar ao seu
direito à vida, tão pouco negociá-la.”
Justifica-se a escolha deste tema por perceber que ao se falar em eutanásia é imprescindível imaginar
conceitos estreitamente ligados à mesma. Tais conceitos, como os de vida, morte, caridade, piedade
são por si só incertos, variando de acordo com o ponto de vista de cada pessoa. Logo, para se chegar a
um estudo que satisfaz torna-se necessário examinar cada um deles, objetivando alguns subsídios que
conduzirão à análise da eutanásia.
Oprimir o exercício da autonomia dos doentes infama a imagem do princípio da Dignidade Humana. É
inacreditável comparar a situação de pessoas acometidas por doenças irreversíveis, sem cura, estados
vegetativos, situação esta que causa dependência total, a pessoas sãs que gozam de extrema saúde.
A eutanásia faz parte da discussão ético-jurídico contemporânea. Vários são os debates sobre a
questão. Diversos setores da sociedade participam dessa disputa, alguns confrontando ainda mais com
um discurso intolerante. O tema envolve um dos mais incompletos e impressionantes problemas que
atormenta o homem desde que ele tomou consciência de si: a sua própria vida.
Diante disto levantou-se uma questão-problema que direcionará este estudo: será lícito alguém dispor
da vida de outrem, pondo fim à existência deste?
Teve como objetivo abordar sobre a eutanásia, mostrando sua evolução no decorrer dos tempos e como
esta é tratada frente à legislação brasileira, focando nos princípios da dignidade da pessoa humana e no
princípio da autonomia da vontade.
2EUTANÁSIA
2.1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Eutanásia é uma palavra de origem grega (eu + thanatos) que quer dizer boa morte ou morte sem dor.
De acordo com Luis Jiménez de Asúa, eutanásia é:
A boa morte da pessoa que sofre de uma enfermidade incurável ou bastante
penosa, que tende a truncar uma agonia demasiadamente cruel e prolongada. A
eutanásia é vista como ato de bondade e humanismo, pois com compaixão se
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proporciona ao doente incurável a morte tranquila, tirando-o de uma vida de
sofrimentos e desesperos (ASÚA, 2003).
Na atualidade a eutanásia não se aplica somente aos enfermos, pois compreende também os recém-
nascidos com certas anormalidades, pessoas em estado vegetativo que não tenham cura, pessoas
inválidas, etc., razão pela qual a doutrina deu existência a algumas classificações da eutanásia.
Silva (2000) define eutanásia como “a morte que alguém dá a uma pessoa que sofre de uma
enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar a agonia demasiado longa ou
dolorosa”.
Existem duas formas de prática da eutanásia, ou seja, ativa e passiva que de acordo com Guimarães
(2012, p. 01):
A eutanásia ativa acontece quando se apela a recursos que podem findar com a
vida do doente (injeção letal, medicamentos em dose excessiva, etc.). Na
eutanásia passiva, a morte do doente ocorre por falta de recursos necessários
para manutenção das suas funções vitais (falta de água, alimentos, fármacos ou
cuidados médicos).
Os argumentos dos que defendem a eutanásia é que cada pessoa tem o direito à escolha entre existir ou
morrer com dignidade quando se tem consciência de que o estado da sua doença é de tal forma grave,
que não compensa viver em sofrimento até que a morte chegue naturalmente. Já aqueles que condenam
a eutanásia, usam sempre o argumento religioso de que somente Deus tem o direito de dar ou tirar a vida
e, portanto, o médico não deve intervir na vida das pessoas.
2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EUTANÁSIA
A eutanásia não é uma prática nova, nem aparece na Idade Moderna, mas pode-se perceber no início da
civilização, mais precisamente na Grécia e em Roma. Não existem provas concretas, nem vestígios
suficientes que comprovem a prática da eutanásia, no sentido que hoje se entende legítimo e
verdadeiro, entre aquelas civilizações antigas. Porém, deduz-se que, sem dúvida alguma, a eutanásia,
mesmo em seu verdadeiro sentido de morte piedosa, não foi de todo estranha para os gregos, tendo sido
estes a lhe darem o nome (SILVA, 2000).
De acordo com Silva (2000) apud Batista (2009, p. 01):
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Em Atenas, 400 anos a.C., Platão pregava no terceiro livro de sua República o
sacrifício de velhos, fracos e inválidos, sob o argumento de interesse do
fortalecimento do bem-estar e da economia coletiva. E muito antes, Licurgo
fazia matar as crianças aleijadas ou débeis que, impiedosamente, eram
imoladas em nome de um programa de salvação pública de uma sociedade sem
comércio, sem letras e sem artes e trabalhada apenas pelo desígnio único de
produzir homens robustos e aptos para a guerra.
Os romanos também colocavam em prática a falsa eutanásia, mas existem comentários de que
conheciam a morte piedosa. Segundo Bittencourt, os romanos chamavam tal fato de homicídio
benigno ou tolerável, e a lei consagrava a este tipo de homicídio tratamento especial e mais brando,
tendo em vista os móveis generosos e nobres que o inspiravam. Os magistrados julgadores e os
tribunais do povo tinham como consideração a diferença entre o homicídio e a eutanásia não apenas
para as decisões de culpabilidade, como também para regular a pena.
Sabe-se também que os germanos matavam os enfermos que não tinham cura; estes, na Birmânia, eram
enterrados vivos juntamente com os velhos. Os eslavos e os escandinavos também apressavam a morte
de seus pais quando estes sofriam de mal incurável, irreversível.
Silva (2000, p. 03) evidencia que:
A prática de um hábito chamado "despenar" (privar de pena, de sofrimento),
conferido à população rural de algumas colônias sul-americanas. Esse costume
resumia na morte dada a alguém que sofria muito, por um amigo que atuava
piedosamente. Não se tratava apenas de costume, era dever do bom amigo e
quem se recusasse a fazê-lo era julgado impiedoso e covarde.
Na Idade Média o que se tem de informações das práticas de eutanásias são débeis. Durante as guerras,
era utilizado entre os soldados um punhal pequeno e afiado, denominado misericórdia, com o qual se
livravam dos sofrimentos os mortalmente feridos. Foi durante a Idade Média que aconteceram várias
epidemias e pestes, devido a estas doenças era comum a prática da eutanásia, uma vez que as
enfermidades disseminavam com maior facilidade, devido ao grande estado de miséria em que se
encontrava a população durante o período de decadência do feudalismo.
De acordo com Silva (2000, p. 03):
Nos tempos modernos convém lembrar o pedido feito por Napoleão, na
campanha do Egito, ao cirurgião Degenettes, de matar com ópio soldados
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atacados de peste, respondendo este que a isso se negava porque a função do
médico não era matar e sim curar. Ensina a história que o objetivo de Napoleão
era matar os enfermos irremediavelmente perdidos e já moribundos, a fim de
que não caíssem vivos em poder dos turcos, uma vez que não mais podiam
seguir a campanha.
No século XX e na atualidade, a eutanásia, sempre que surge, vem seguida de repercussão social e da
discussão doutrinária que se trava. Vários livros e artigos surgem, envolvendo a discussão, contrária ou
favorável, homens dos mais diversos campos da ciência, como médicos, filósofos, juristas, psicólogos
e teólogos.
O Brasil, nos seus primitivos tempos, também conheceu a eutanásia. Segundo Bittencourt (1977) apud
Silva (2000, p. 03):
Algumas tribos deixavam à morte seus idosos índios, principalmente aqueles
que já não mais participavam das festas, caças, etc. Acreditavam esses
indígenas que viver era poder participar de festas, caças e pescas, logo, aqueles
privados de tais ações não teriam mais nenhum estímulo para a vida. Assim, a
morte viria como benção, uma vez que a vida sem aquelas atividades perdera
todo seu significado.
A eutanásia no Brasil aconteceu também na época colonial como consequência da tuberculose,
moléstia até então sem cura e que conduzia a um definhamento crescente até a morte.
Nos dias atuais, ainda existem práticas de eutanásia, só que não são divulgadas. E isso faz sentido, pois
a Lei penal vale-se da eutanásia apenas para fins de diminuir a pena, de acordo com o caso concreto, não
desfigurando, entretanto, o crime de homicídio (homicídio privilegiado) (SILVA, 2000).
Assim, muitos indivíduos oferecem a morte boa a amigos e familiares, sem que tal fato seja divulgado;
sabe-se até de médicos que a praticam a pedido e suplicação de pacientes com doenças irreversíveis.
Observa-se que as maiores razões da eutanásia nos hospitais são o câncer e a AIDS, seguidos da raiva.
Os dois primeiros fundamentam sua posição pelo fato de que não trazem a morte instantânea. A fase
terminal de um paciente com Câncer ou com AIDS vai, em média, de seis meses a dois anos, período
este em que o paciente fica sujeito a desumanos tratamentos de combate à dor (SILVA, 2000).
3 DIREITO À VIDA: PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O ser humano possui direitos fundamentais e que podem ser entendidos como um conjunto de direitos e
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garantias que tem por objetivo o respeito à dignidade, por intermédio de proteção contra o arbítrio do
poder estatal e a determinação de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade
humana.
Apesar de existirem leis, declarações e tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, sabe-
se que constantemente são violados.
O direito à vida é o mais importante de todos os direitos, já que se forma como pré-requisito à existência
e exercício de todos os demais direitos.
Segundo Diniz (2013), “a Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado
assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a
segunda de se ter vida digna quanto à subsistência”.
De acordo com Pereira e Alarcón (2013, p.01):
O direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana deveriam coexistir
em harmonia, sendo, dessa forma, um direito à vida digna. Não se trata de um
ideal utópico, mas de uma finalidade asseverada na Carta Nacional que busca
sua constante efetividade na realidade do país.
A dignidade da pessoa humana sempre foi documentada pelo homem na relação Estado-Indivíduo, tal
pretensão, como mostra o constitucionalismo, serviu de base para a formação de Estados com uma
Constituição escrita a fim de se assegurar os direitos do homem, o que culminou com o
estabelecimento dos direitos fundamentais.
Um dos princípios fundamentais que regem o ordenamento jurídico no Brasil é a dignidade da pessoa
humana, que de acordo com Sampedro (2005):
A partir do momento em que adquire uma consciência ética. Primeiro, porque está capacitada para
formar um juízo de valor sobre o sentido da vida como um todo genérico e de seus direitos pessoais e
coletivos entrelaçados. E segundo, porque está capacitada para compreender o valor de sua vida
individual e as consequências de renunciar a ela conscientemente. Assim, a morte como um ato de
liberdade é uma reflexão exclusivamente pessoal.
A faculdade de aceitar, compreender e ter tolerância social, embora possam servir como pontos de
referência, não devem ser complementos no momento de exercer um direito que é exclusivamente
pessoal. Na realidade que se vive, marcados pelos importantes avanços científicos, os problemas
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relacionados às firmes tentativas de alongamento da vida e o adiamento do processo de morte, o que,
por vezes, prejudica diretamente a dignidade da pessoa, sua autonomia e a concepção que se tem da
própria vida se acentuam. Daí a necessidade da discussão do direito à morte digna.
Silva (2003, p. 105) conceitua o princípio da dignidade humana como:
Um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do
homem, desde o direito à vida. Concebido como referência constitucional
unificadora de todos os direitos fundamentais, obriga a pessoa a uma
densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não qualquer ideia apriorística do homem, não podendo
reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais
tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para
construir a teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se
trata de garantir as bases da existência humana.
Diante disso, procede que a ordem econômica há de assegurar a todos, ou seja, a existência digna, a
ordem social visando à realização da justiça social, à educação, ao desenvolvimento da pessoa e seu
preparo para o exercício da cidadania entre outros, não como simples enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana (MARTINS JUNIOR,
2010).
Alexandre de Moraes (2003, p. 50) afirma que:
A dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente
às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções
transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor
espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que,
somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas
sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
A condição humana é uma exigência única e exclusiva para a nobreza de direitos, pois, todo indivíduo
tem uma dignidade que lhe é inseparável, sendo absoluta, não dependendo de qualquer outro critério,
senão ser humano. O valor da dignidade humana se lança, assim, por todo o sistema internacional de
proteção. Todos os tratados internacionais, ainda que assumam a roupagem do positivismo jurídico,
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incorporam o valor da dignidade humana.
Sendo assim, a dignidade deve unir duas proporções ao seu conceito,a proporção biológica, relativa ao
aspecto físico-corporal, e a proporção biográfica, que se direciona ao campo dos valores, crenças e
opções. E o Direito não pode recear-se somente com a primeira questão, mas, ao contrário, buscar a
unidade do ser humano.
4 O TRATAMENTO DA LEI
O direito à vida não pode ser compreendido como absoluto, assim como nenhum direito é. Tal
entendimento, junto às mais variadas razões de direito, torna possível o fortalecimento dos princípios
elevados, tais como o da dignidade da pessoa humana, sendo o sujeito o fim em si mesmo.
Segundo Marins (2013, p.01):
Eutanásia, etimologicamente falando, é a morte boa. Se analisada frente ao
direito penal, nada mais é que o aperfeiçoamento de excludente,
consubstanciada no estado de necessidade exculpante ou na inexigibilidade de
conduta diversa. O agente que pratica a eutanásia, a pedido do paciente, por
sentimento de piedade, não pratica injusto em sua acepção de real desvalor de
conduta, sem necessidade de interferência do direito penal ao fato, não só pelo
princípio da intervenção mínima, mas também pela lógica de adequação de
Welzel. Apesar de lege ferenda, no projeto de novo código, estar a eutanásia
prevista em tipo próprio, como preceito secundário penalizador, mas com pena
reduzida (e isto já se revela ingente avanço do diploma repressor), ainda se
considera de melhor grado o entendimento da eutanásia como fato não
merecedor de incriminação. E, se não for pela inexigibilidade de conduta
diversa, ou pelo estado de necessidade exculpante, que se considere como
sendo materialmente atípico o fato.
A prática da eutanásia já é legal na Holanda, e é regulamentada, vale dizer, por vários países como
Estados Unidos, Luxemburgo e Bélgica. Na Suécia é autorizada a assistência médica ao suicídio. Na
Suíça o médico ministra dose de medicamento letal e o próprio paciente ingere. Na Alemanha e Áustria
considera-se legal a eutanásia passiva. No Uruguai, segundo seu Código Penal de 1933, o agente com
antecedentes honráveis, depois de reiteradas súplicas da vítima, que comete o fato por piedade, é livre
de penalização (MARINS, 2013).
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Além da capacidade de autodeterminação da vítima, calcado no princípio da razoabilidade, ainda
diminuindo o custo em saúde do Estado e, inclusive, o sofrimento da família, parece ser a solução mais
lógica aquela que permite a morte digna, sem qualquer responsabilização do agente que, por piedade,
auxilia neste fim. (MARINS, 2013).
Os desejos de cada um formam, aliás, o foco do testemunho vital Espanhol, pela lei das vontades
antecipadas. À religião, não cabe a discussão penal da tutela, sobretudo com a atual concepção de
estado laico.
Atualmente, não existe regulação no diploma que reprime os casos em que é efetivada a eutanásia.
Aliás, eutanásia nada mais é que homicídio. Para os casos em que o réu é denunciado como incurso nas
sanções do artigo 121 do Código Penal, todavia, Marins (2013) ressalta que “é comum que se aplique a
excludente da ilicitude do estado de necessidade de terceiro, a privilegiadora do parágrafo primeiro ou
a exculpante da culpabilidade, que se coaduna com a inexigibilidade de conduta diversa”.
Quanto a esta última exculpante, não se pode esperar de um parente que, ao ver seu familiar padecendo,
nada faça para atenuar o sofrimento do ente querido, nem que para isso (como medida última) tenha
que cometer atos extremos quando não mais restam opções razoáveis ou atiladas.
Remeter ao estado de necessidade de terceiro, por ilicitude (tendo em vista que esta excludente é fator
de exclusão desse elemento do tipo) entende-se a relação de contrariedade entre o fato típico e o
ordenamento jurídico como um todo, inexistindo qualquer norma permitindo, fomentando ou
determinando a conduta típica. Não se lista aqui o consentimento do ofendido como uma das causas
aptas a justificar a eutanásia, vez que, apesar de causa supralegal justificante, trata dos bens jurídicos
disponíveis.
O Estado de Necessidade vem legislado no artigo 24 do Código Penal brasileiro de 1940:
Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de
perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir-se (BRASIL, 1940).
É, porém, a subsunção que mais se adequa ao fato concreto, e que se alterna mais adequadamente ao
caso, aquela da utilização do parágrafo primeiro do artigo 121 do atual Código Penal. Tal
privilegiadora vem assim definida:
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Art. 121 (...)
§1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço
(BRASIL, 1940).
Aqui o relevante valor moral que se opõe ao relevante valor social, atreladoa um interesse da
comunidade, que é de índole individual, remetendo ao sentimento de piedade, misericórdia e
compaixão, goza de privilégio na prática do injusto, que se consubstancia na eutanásia.
Cunha (2012), em seus apontamentos, relembra que:
O §1º traz circunstâncias, isto é, dados eventuais, interferindo apenas na
quantidade de pena e não na qualidade do crime, que permanece o mesmo
(homicídio). Por esta razão, na hipótese de concurso de pessoas, tais
circunstâncias minorantes subjetivas são incomunicáveis entre os concorrentes
(art. 30 CP).
Marins (2013, p. 01) evidencia que:
Nesse sentido, é possível na atualidade a existência conjunta de privilegiadora e
qualificadora no homicídio (desde que a qualificadora que concorre com o
privilégio seja objetiva. Quando assim o for, o crime privilegiado-qualificado
não é hediondo, segundo corrente amplamente majoritária da doutrina. Isto
significa que, em caso de homicídio privilegiado, praticado por eutanásia (pelo
sentimento de piedade), ainda que consumado mediante o uso de veneno, por
exemplo, não será o crime dotado de hediondez.
Apesar de minoritária, existem correntes afirmando a obrigatoriedade do reconhecimento, pelo juiz, de
eventual privilegiadora.
Sobre o parágrafo primeiro do artigo 121 Mirabete (2010, p.51) afirma:
O Código Penal Brasileiro não reconhece a impunibilidade do homicídio
eutanásico, haja ou não o consentimento do ofendido, mas, em consideração ao
motivo, de relevante valor moral, permite a minoração da pena. É punível a
eutanásia propriamente dita (ação ou omissão do sujeito ativo que, por sua
natureza ou intenção, causa a morte, por ação ou omissão, com a finalidade de
evitar a dor) e mesmo aortotanásia (emprego de remédios paliativos,
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acompanhamento médico sem procedimento de cura etc.), mas discute-se
a possibilidade de não se falar em homicídio quando se interrompe
uma vida mantida artificialmente por meio de aparelhos. Já no
anteprojeto da parte especial do Código, de 1984, no §3º do art.
121, pela primeira vez no país se previa a isenção de pena à
conduta eutanásica do 'médico que, com o consentimento da
vítima, ou, na impossibilidade, de ascendente, descendente,
cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte
iminente e inevitável, atestada por outro médico'. O projeto foi
abandonado e, em comissões posteriores, formadas para reformar
a Parte Especial, não se chegou a um consenso a respeito do
assunto. Em muitos países, aliás, discute-se a legalização da
eutanásia, tendo ela sido aprovada na Holanda.
O Conselho Federal de Medicina (2013) decidindo sobre pacientes em fase terminal de doenças graves
e incuráveis menciona que:
É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para
aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência
integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.
Nesse sentido, o mesmo Conselho publicou a Resolução nº 1.805/2006, que dispõe:
Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade
grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante
legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no
prontuário.
§ 3º É assegurado ao doente ou ao seu representante legal o direito de solicitar
uma segunda opinião médica.
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar
os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o
conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito
da alta hospitalar.
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Assim, se busca uma atualização legislativa, principalmente no que diz respeito ao direito
constitucionalizado e que tem a primazia da dignidade da pessoa humana e um apelo dos direitos
fundamentais. Sendo assim, é que se planeja um novo Código Penal, mais bem apropriado aos desejos
veementes de uma sociedade desenvolvida, aberta a ideais sociais e liberais.
Desse modo, traduz-se aqui extraído do projeto de lei número 236/2012, anteprojeto do novo Código
Penal do Senado Federal, que trata da eutanásia e da ortotanásia, em seu §2º:
Eutanásia
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal,
imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico
insuportável em razão de doença grave:
Pena – prisão, de dois a quatro anos.
§ 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem
como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a
vítima.
Exclusão de ilicitude
§ 2º Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para
manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que
essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja
consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente,
descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.
E é importante que aconteça de forma gradativa essa mudança, que melhor adapta à necessidade ou não
de tutela de um bem jurídico, principalmente quando em comparação com outro bem fundamental, em
uma hierarquização de valores, empenhando o caráter deontológico que se mostra na criminalização de
condutas; é exprimir que a eutanásia, que envolve a vida e a dignidade da pessoa humana, também
comporta, frente ao caso concreto, um balanceamento de mandamentos legais, frente a um
mandamento de abstenção constitucional (MARINS, 2013).
Ainda, a eutanásia passiva, ou ortotanásia, hoje em dia é, em verdade, tratada como apta a tipificar o
artigo 135 do Código Penal, que é a omissão de socorro. Refere o artigo de acordo com Brasil (2013):
Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco, à
criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao
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desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro
da autoridade pública:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se da omissão resultar lesão
corporal de natureza grave, e triplica, se resulta a morte.
Observa-se no segundo parágrafo, de acordo com o anteprojeto do novo Código Penal, que tal prática
poderá ser entendida como capaz de isentar o agente de pena.
Célebre é a solução que implica o direito penal na discussão da eutanásia. Não se trata de desprezo aos
princípios fragmentados, última ratio, direito penal mínimo, para que seja simplesmente preterido e em
seu lugar adotado um direito penal absolutista e do autor, que em nada reflete um estado democrático e
social de direito (MARINS, 2013).
Salienta-se que nem todo medicamento usado pode retirar por completo a dor e o sofrimento de um
paciente que, muitas vezes, detém enfermidade, o que reforça o argumento favorável incurável;
doenças em estágio terminal, que não comportam possibilidade de cura.
De acordo com Marins (2013, p. 01):
Deve ser levada em conta, ainda, a vontade do paciente que solicita a morte,
baseada em uma autodeterminação e talante próprios. O ônus econômico
sustentado por vítimas de doenças incuráveis e graves enfermidades, no carpir
de seus tormentos, que retiram (em uma visão utilitarista) o espaço e a
oportunidade daqueles que têm possibilidade de cura é esforço em vão. Uma
das razões invocadas por aqueles que são contrários à eutanásia é a moral
religiosa. Tirar a vida de outro ser é ato que atenta contra o homem e que, por
isso, é pecado; seria uma intromissão nas leis de Deus. Preliminarmente, é de se
referir que o Estado é laico e, portanto, não deve sofrer ingerências
gnosiológicas que não estritamente racionais. Não pode a religião, portanto,
influenciar decisões jurídicas. Ademais, quem diz o que são as leis de Deus?
Deus confiou-a diretamente a quem? É a bíblia que diz o que é a lei de Deus?
Ora, talvez a bíblia proclame a superioridade da dignidade da pessoa humana.
Talvez o homem interprete Deus a seu bel prazer, como melhor o aprouver.
Argumento dos mais falhos é aquele que invoca a crença.
No ano de 1996, com o projeto de lei nº 125/96, de autoria na época do Ministro Gilvam Borges,
tramitava no Congresso a possível legalidade da eutanásia. A ideia era autorizar a eutanásia, que
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segundo Marins (2013) “autorizar, desde que uma junta de cinco médicos atestasse a inutilidade do
sofrimento físico e psíquico do doente”. O próprio paciente ou, na impossibilidade, os parentes
próximos, teriam que requisitar a eutanásia.
O anteprojeto de Código Penal de 1998 teve uma evolução nessa questão, mas não saiu do papel. A
proposta, que incluía a eutanásia e a ortotanásia no artigo 121 do Código Penal, se dava da seguinte
forma segundo Brasil (2013):
Eutanásia
§ 3º - Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e
maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença
grave:
Pena – Reclusão, de três a seis anos.
Exclusão de ilicitude
§ 4º - Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial,
se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável,
e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de
ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.
Em relação à eutanásia seria punido com pena de reclusão de três a seis anos e tornava a ortotanásia
lícita, isenta de penalidade. Como já demonstrado, é ao que se propõe o anteprojeto do novo Código
Penal, que, apesar de prever tipo próprio à eutanásia (e não incluí-la na estrutura do homicídio), busca
um abrandamento da pena. Além disso, isenta o agente de pena quando praticada a ortotanásia, desde
que nos moldes da lei (MARINS, 2013).
5 ASPECTO RELIGIOSO DA EUTANÁSIA
Sobre o ponto de visto religioso pode-se dizer que este tema sempre inspirou grandes inquietações e
controvérsias, desta forma, vale ressaltar de modo sintético a opinião das grandes religiões a respeito
da eutanásia.
De acordo com Nogueira (1995):
A perspectiva budista em relação à eutanásia é que no budismo, apesar da vida
ser um bem precioso, não é considerada divina, pelo fato de não crerem na
existência de um ser supremo ou Deus criador. No capítulo que dispõe sobre os
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valores básicos do budismo, além da sabedoria e preocupação moral, existe o
valor básico da vida, que não diz respeito somente ao ser humano,
mas também inclui a vida animal e até mesmo os insetos.
Grande destaque é dado ao estado de consciência e paz no momento da morte. Não existe uma
contradição à eutanásia ativa e passiva, que podem ser aplicadas em determinadas circunstâncias.
No islamismo, Nogueira (1995) evidencia que a posição islâmica no que diz respeito à eutanásia é que
sendo a concepção da vida humana examinada como sagrada, combinada à limitação radical da
autonomia da ação humana, opõe-se à eutanásia, bem como o suicídio, pois para seus seguidores o
médico é um soldado da vida, e não deve tomar medidas para compendiar a vida do indivíduo que sofre
de alguma doença. No entanto, se a vida não pode ser restabelecida é inútil manter uma pessoa em
estado vegetativo usando-se de medidas heroicas.
Segundo Oliveira e Japaulo (2005, p.01):
O pensamento judaico em relação à eutanásia assinala que a tradição legal
hebraica é contra, pelo fato do médico servir como um meio de Deus para
preservar a vida humana, sendo-lhe proibido arrogar-se à prerrogativa divina de
decisão entre a vida e a morte de seus pacientes. O conceito de santidade da vida
humana significa que a vida não pode ser terminada ou abreviada, tendo como
motivações a conveniência do paciente, utilidade ou empatia com o sofrimento
do mesmo.
O primeiro relato da história sobre Eutanásia foi no cristianismo. O documento mais completo dessa
religião, conforme Pessini (2005), a Declaração Sobre a Eutanásia da Sagrada Congregação para a
Doutrina da Fé, define eutanásia como “uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções,
provoca a morte a fim de eliminar toda a dor. A eutanásia situa-se, portanto, no nível das intenções e no
nível dos métodos empregados.”
Nogueira (1995) ressalta que o II Concílio do Vaticano, de 26 de julho de 1980, por intermédio do Papa
João Paulo II, condenou a eutanásia, reafirmando que:
Nada nem ninguém pode autorizar a morte de um ser humano inocente, porém,
diante de uma morte inevitável, apesar dos meios empregados, é lícito em
consciência tomar a decisão de renunciar a alguns tratamentos que procurariam
unicamente uma prolongação precária e penosa da existência, sem interromper,
entretanto, as curas normais devidas ao enfermo em casos similares. Por isso, o
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médico não tem motivo de angústia, como se não houvesse prestado assistência
a uma pessoa em perigo.
O Vaticano voltou a condenar a eutanásia frente à decisão do Parlamento holandês tê-la aprovado em
fevereiro de 1993.
Observa-se que na visão da Igreja Católica, considera-se que a posição de outras denominações cristãs
mais significativas em sua maioria é a favor da eutanásia passiva, a fim de evitar o prolongamento do
sofrimento do paciente, mas são contra a eutanásia ativa, por esta se considerar uma ação de matar o
outro ser humano.
6 A VISÃO MÉDICA
O Conselho Federal de Medicina em 1984 redigiu a Resolução nº 1.154, chamada de Código Brasileiro
de Deontologia Médica, que dispõe em seu art. 29: “é vedado ao médico no exercício de sua profissão
contribuir para apressar a morte do paciente ou usar meios artificiais quando comprovada a morte
cerebral”. Moraes (1987) diz que teria sido mais apropriado se o legislador usasse a expressão “morte
encefálica”, ao invés de “morte cerebral”, pois a primeira é mais abrangente e envolve, além do cérebro,
os centros de respiração.
Alguns procedimentos alternativos devem ser levados em conta pelos médicos no caso em que o
paciente esteja em condições de morte imediata, coma irreversível ou em estado terminal; porém o
sentido de ter a capacidade de exercer ou não exercer, e a faculdade de mostrar certas possibilidades que
segundo Nogueira (1995) são:
1 – Apressar a morte, que é considerada eutanásia ativa, portanto, trata-se de
crime;
2 – A não utilização de meios artificiais e adoção de medidas que propiciem o
alívio da dor e minimizem o sofrimento. É o que podemos chamar de eutanásia
passiva, tratando-se de procedimento ético;
3- Fazer o “desmame”, ou seja, desligar progressivamente todos os aparelhos de
respiração artificial, também é considerado um procedimento ético;
4 – Usar meios artificiais logo após a morte encefálica para a manutenção de
determinados órgãos vivos a fim de serem aproveitados em transplantes,
também se constitui como procedimento ético.
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Oliveira e Japaulo (2005, p 01) dizem que o Doutor Christian Barnard, o cirurgião sul- africano que fez
o primeiro transplante de coração, constatou que “o principal objetivo da medicina é o de aliviar o
sofrimento, não o de prolongar a vida”, e acrescenta: “Meu conceito de medicina é de que os médicos
deem aos seus pacientes uma vida boa. E a morte é parte da vida. Se não podemos dar-lhes vida, que lhes
demos uma boa morte”.
No Brasil, conforme D'urso (1998), o médico que de alguma maneira contribuir para dar a morte a
alguém, estará cometendo homicídio, devendo o julgador indagar para a verificação do motivo desse
profissional e em razão dessa motivação escolher-se tal conduta, embora criminosa, fora considerada
como forma mais benigna de tratamento penal, reconhecendo-se o homicídio privilegiado ou, ao
contrário, se revelado motivo que justifique tratamento mais severo, qualificando o homicídio,
desencadeando uma pena ainda mais severa.
Observa-se que o assunto sobre a eutanásia é complexo e vem sendo analisada por todos os setores da
sociedade. O que se espera da classe médica não é uma definição sobre o que é indubitável ou
transviado, se serão ou não semideuses, mas a abertura para uma discussão objetiva e clara sobre um
tema que interessa a todos e os afeta diretamente.
Segundo Leite (2005, p. 01), “médicos e especialistas em bioética defendem, na verdade, um tipo
específico de eutanásia, a ortotanásia, que seria o ato de retirar equipamentos ou medicações que
servem para prolongar a vida de um doente terminal”. Ao retirar esses dispositivos de vida, mantendo
apenas a analgesia e tranquilizantes, espera-se que a pessoa morra naturalmente.
Sendo assim, isso se diferencia da eutanásia ativa, em que há ação direcionada para matar, como a
aplicação de um veneno.
Leite (2005) diz que é hipocrisia negar que a eutanásia seja praticada em UTI's brasileiras, onde o uso
de um coquetel de sedativos é frequente. Quando o paciente está em fase terminal e não se favorece
mais com a analgesia, o médico aumenta a dose de sedação. Isso tem um efeito tóxico e vai levar o
paciente à morte.
Para Almeida (2004) a palavra eutanásia ficou estigmatizada, e os indivíduos têm medo de utilizá-la. O
referido autor acha necessário que uma legislação estabeleça critérios e condutas éticas para uma morte
sem sofrimento. Segundo Almeida (2004), "a morte é um preço que merece ser pago para o alívio da
dor".
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível entender com este estudo a implementação da eutanásia no ordenamento jurídico
brasileiro para padronizar sua prática e não incluir as penalidades previstas em lei, adequando assim a
legislação brasileira à necessidade de indivíduos que dela precisam para acabar com sua difícil luta
contra o sofrimento e as limitações.
O assunto, rapidamente abordado na presente reflexão, o direito de morrer, com destaque à eutanásia,
apresentou-se com ênfase para a necessidade de compreensão das dificuldades enfrentadas pelo grande
número de pessoas gravemente doentes que, diante de dores físicas e psíquicas, anseiam pela morte, e
por outro lado, as limitações colocadas pelo Estado ao consolidar o princípio da indisponibilidade da
vida.
Com a intenção de embasar o pensamento exposto, foram apresentadas algumas lições relativas à
construção da norma através do estudo das regras, dos princípios e valores, que possibilitaram chegar à
conclusão de que as decisões devem garantir o direito como integridade, devendo ser observado o
conjunto aberto de regras e princípios.
Assistiu-se à necessidade de se expor a interpretação e efetiva aplicação do princípio da dignidade da
pessoa humana, dando liberdade e autonomia aos indivíduos que, encontrando-se em casos extremos,
possam viver ou morrer com dignidade.
Ficou evidente que é preciso debater de forma retumbante sobre a eutanásia. A possível execução da
eutanásia no ordenamento jurídico brasileiro é questão complexa que deve ser verificada em suas
consequências jurídicas e sociais. Deve destacar o sofrimento que muitos indivíduos enfrentam de
forma desnecessária, pois não encontram amparo legal para tomar a decisão que lhes eximem da
atribulação.
Questões morais e éticas devem ser analisadas, porém, a autonomia da pessoa, o princípio
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constitucional da autodeterminação e o fim do sofrimento inútil são temas hierarquicamente superiores
no interesse inseparável do ser humano. A proposta apresentada deve ser vista de maneira prática, para
que a situação em que muitos indivíduos se encontram, seja definida com dignidade.
Percebeu-se que no Brasil a eutanásia não é permitida, sendo qualificada inclusive como crime. De
acordo com os avanços da medicina, surgiram questionamentos que anteriormente não existiam, a
exemplo do dever moral do médico manter vivo indefinidamente um paciente que se encontra em
estado vegetativo, sem a menor condição de recuperação.
A conclusão a que se pode chegar com este trabalho é bem evidente. Podem ser determinadas várias
circunstâncias em relação à eutanásia, à influência da Religião, da ética e da Lei. Este tema polêmico
será sempre contestado por aqueles que recorrem ao “direito à Vida”, em contraposição existem aqueles
que questionam o “Valor da vida” e a sua dignidade.
Conclui-se que ninguém pode resolver por outrem o que fazer com seu bem maior, e é de cada um o
direito de optar viver ou anular sua vida com a argumentação de que não suporta mais o sofrimento e as
limitações acrescidas de eventual doença terminal.
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