___________________________________Entomologia

Essentia, Sobral, v. 11,nº 2, p. 57-64, dez. 2009/maio 2010 57

IMPORTÂNCIA, COMPORTAMENTO ESUGESTÕES DE MANEJO DA

LAGARTA-SAIA-JUSTA EM CULTIVO ORGÂNICODE CAJUEIRO-ANÃO

Antônio Lindemberg Martins Mesquita1

Marilene Fancelli2

Raimundo Braga Sobrinho1

RESUMO - Entre os lepidópteros desfolhadores associados ao cajueiro(Anacardium occidentale L.), no Brasil, a lagarta-saia-justa, Cicinnus callipius Sch.(Lep.: Mimallonidae), é uma uma praga que além de reduzir a área foliar daplanta, também se alimenta de inflorescências e brotações novas do cajueiro,comprometendo seriamente a produção. Os produtos listados na literaturacomo eficientes no controle dessa praga são todos produtos sintéticos, deuso proibido nos sistemas de cultivo orgânico. Este trabalho apresentasugestões de controle alternativo aos inseticidas químicos, sobretudo paramódulos de produção orgânica de cajueiro-anão-precoce e de agriculturafamiliar. As recomendações estão fundamentadas no comportamento ebioecologia da praga, num sistema de monitoramento de fácil visualizaçãodas posturas, larvas e pupas e na estreita relação do inseto com a plantahospedeira nas condições de campo, buscando preservar a ação dos seusinimigos naturais no agroecossitema.Palavras-chave: Anacardium occidentale. Lagarta desfolhadora. Cicinnus callipius.Manejo. Cultivo orgânico.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil existe atualmente o registro de cerca de uma centenade espécies de insetos e ácaros associados ao cajueiro (Anacardium

1 Engenheiro-agrônomo, D.Sc. Embrapa Agroindústria Tropical, C.P. 3761, CEP60511-110, Fortaleza-CE.

²Engenheiro-agrônomo, D.Sc. Embrapa Mandioca e Fruticultura, C.P. 007, CEP44380-000, Cruz das Almas-BA.

Entomologia

58 Essentia, Sobral, v. 11,nº 2, p. 57-64, dez. 2009/maio 2010

occidentale L.), das quais vinte espécies são consideradas de importânciaeconômica. Entre elas, figuram alguns lepidópteros desfolhadores, aexemplo da lagarta-saia-justa, Cicinnus callipius Sch. (Lep.: Mima-llonidae) que, além de reduzir a área foliar da planta, também se ali-menta de inflorescências e brotações novas do cajueiro, compro-metendo seriamente a produção (MESQUITA et al., 2005). Os pro-dutos citados na literatura como eficientes no controle dessa praga sãotodos produtos sintéticos (BASTOS, 1975; MELO; BLEICHER,2002), de uso proibido nos sistemas de cultivo orgânico. Este trabalhoapresenta sugestões de controle alternativo aos inseticidas químicos,sobretudo para módulos de produção orgânica de cajueiro-anão-precoce e de agricultura familiar. As recomendações estão funda-mentadas no comportamento e bioecologia da praga e sua estreitarelação com a planta hospedeira nas condições de campo, as quais sãodescritas a seguir.

2 DESCRIÇÃO DA PRAGA E COMPORTAMENTO

2.1 Postura

As posturas de C. callipius são bem características e, por isso,bastante diferentes dos demais lepidópteros que atacam o cajueiro. Asposturas são feitas em galhos ou ramos, em vez de nas folhas, e secaracterizam por apresentar ovos de formato alongado (ovoide), maislongos do que largos, colados e sobrepostos uns aos outros, formandouma espécie de fita longa, com várias voltas (Figura 1). Inicialmente,os ovos têm coloração amarelada, e com o passar do tempo deincubação vão escurecendo, ficando pretos quando próximos daeclosão das larvas. Essa coloração se deve à cor geral enegrecida dasformas jovens. Após a eclosão das larvas, as cascas dos ovos ficamcompletamente brancas. O número de ovos observados em váriasposturas coletadas em campo variou de 270 a 522 unidades, com umamédia por postura de 361 ovos. Com maior freqüência, encontra-seapenas uma postura por planta; contudo, pode-se observar mais deuma em um mesmo cajueiro. O elevado número de ovos por postura,

Entomologia

Essentia, Sobral, v. 11,nº 2, p. 57-64, dez. 2009/maio 2010 59

por si só, já expressa o potencial de dano dessa espécie como pragadesfolh3adora de cajueiro.

2.2 Larva

Após a eclosão as lagartas se mantêm agregadas entre duasfolhas, unidas por fios de seda produzidos por elas mesmas (Figura 2).Nessa fase, as larvas se alimentam raspando o parênquima das folhas,deixando-as completamente rendilhadas e secas (Figura 3). Apósdestruírem completamente o parênquima, as lagartas se transferempara duas novas folhas, mantendo-se sempre entre elas, conservando ocomportamento gregário. A presença de folhas secas e rendilhadas naplanta indica o início de ataque da praga. Nos últimos instares, aslagartas se separam e cada uma se enrola em uma folha que lhe serviráde abrigo até a sua transformação em adulto (Figura 4). A parte centraldo invólucro apresenta um diâmetro maior, assemelhando-se a umasaia justa, razão do nome vulgar dessa lagarta, conhecida tambémcomo minissaia. A partir dessa fase, as lagartas, agora individualizadas,alimentam-se destruindo as folhas completamente. Ao se locomover, alagarta arrasta o abrigo protetor, ficando com a metade do corpo forae metade dentro do invólucro.

O sintoma característico do ataque da praga é a desfolha. Osdanos à planta são por causa da redução da área foliar e da destruiçãoparcial ou total das inflorescências e brotações novas, o que prejudicadiretamente a produção. Normalmente, associado ao ataque dessaslagartas, encontra-se um emaranhado de teias que prejudicam odesenvolvimento normal das brotações (Figura 5). No solo, naprojeção da copa, encontra-se uma grande quantidade de dejetos emforma de grânulos, o que denuncia também a presença da praga naplanta (Figura 6). De acordo com Melo et al. (1995), o período larvaldura cerca de 51 dias e passa por cinco instares.

2.3 Pupa

Após a construção do abrigo, como descrito, a lagartapermanece dentro do mesmo invólucro até se transformar em adulto.

Entomologia

60 Essentia, Sobral, v. 11,nº 2, p. 57-64, dez. 2009/maio 2010

Porém, antes de empupar, a lagarta fixa o abrigo em um galho ouramo e permanece no seu interior até a emergência do adulto (Figura7). Muitas vezes, a larva migra do cajueiro hospedeiro e empupa emplantas ou em fios de arame de cercas próximas ao aceiro do cajueiral(Figura 8). Segundo Melo et al. (1995), o período pupal de C. callipiusdura cerca de 15 dias.

3 RECOMENDAÇÕES DE MANEJO CONFORME OCOMPORTAMENTO E BIOECOLOGIA DA PRAGA

O monitoramento ou inspeção de uma plantação deve ser umaprática rotineira por parte de produtores ou técnicos encarregados daprodução. A adoção dessa simples prática permite detectar e iden-tificar os focos das pragas tão logo apareçam na área, além de auxiliarna tomada de decisão para estabelecer o momento apropriado paraintervenção e escolhas dos meios mais adequados, eficientes e segurosde controle. A ocorrência das pragas de cajueiro, na maioria das vezes,está intimamente associada com a fenologia ou fases de desenvol-vimento da planta. A lagarta-saia-justa ocorre principalmente no inícioda fase de lançamento de brotações novas e inflorescências.

Para inspeção dessa praga na plantação, leva-se em conside-ração o comportamento e sua estreita relação com a planta hospedeira.O hábito de C. callipius, de depositar uma grande quantidade de ovosem uma única postura, dá uma indicação de que esta praga ocorre emfocos isolados ou em reboleiras dentro do pomar. Outras infor-mações, como postura em forma de fita, hábito gregário das lagartasnos primeiros instares, o fato de elas construírem abrigos com folhasnos instares finais e se empuparem nesses mesmos invólucros, tudoisso de fácil visualização, facilita o manejo da praga em campo. Comoprocedimento em campo, recomendam-se os seguintes passos paradetectar e retirar a praga da área:

a) Monitorar regularmente o pomar, observando a presençade postura em forma de fitas nos ramos ou galhos;

b) retirar as posturas de coloração amarronzada ou preta. Asposturas brancas não precisam ser retiradas porque as

Entomologia

Essentia, Sobral, v. 11,nº 2, p. 57-64, dez. 2009/maio 2010 61

lagartas já emergiram; porém dão a indicação de que aplanta está infestada;

c) procurar folhas unidas, rendilhadas ou com presença deteias, principalmente no final dos ramos ponteiros;

d) retirar a massa de lagartas e destruí-las;e) procurar e retirar folhas enroladas, formando invólucros

ou abrigos com lagartas ou pupas no seu interior, as quaisdevem ser eliminadas.

Sabe-se que agroecossistemas equilibrados apresentam meno-res problemas sanitários. Desta forma, devem-se considerar atenta-mente as possibilidades do uso de medidas mecânicas e culturais decontrole, que podem ser eficientes em determinados casos e contribuirpara a manutenção do equilíbrio ambiental. Entre as medidas mecâ-nicas, a catação e a destruição manual de insetos pode ser utilizadacomo medida de controle da lagarta-saia-justa, como também podefuncionar como técnica preventiva, evitando o aparecimento de altasinfestações da praga. Segundo Mesquita e Braga Sobrinho (1988), emcondições de campo, as lagartas-saia-justa são bastante parasitadas porvespas do gênero Bracon e outros parasitóides (Figura 9), e tambémcontroladas naturalmente por percevejos predadores (Figura 10). Taisinimigos naturais devem ser preservados, evitando o uso de inseticidasquímicos.

IMPORTANCE, BEHAVIOUR AND SUGGESTIONS OFMANAGEMENT OF THE CASHEW TIGHT-SKIRTCATERPILLAR ON DWARF CASHEW ORGANIC

PLANTATIONS

ABSTRACT – Among the leaf-eaters insects associated with cashew plants(Anacardium occidentale L.) in Brazil the tight-skirt caterpillar, Cicinnuscallipius Sch, (Lep.: Mimallonidae) is one of the most destructive as this insect canfeed upon inflorescences and young shoots, seriously affecting the production. Alpesticides registered for conventional cashew crop are forbidden for organicplantations. The present work aimed to recommend alternative ways for the

Entomologia

62 Essentia, Sobral, v. 11,nº 2, p. 57-64, dez. 2009/maio 2010

management of this pest for organic farmers and small holders. A monitoringsystem based on the insect biological cycle and behaviour, through the easyvisualization of eggs, larvae and pupae and the relationship insect-plant, besidestrying to preserve the natural enemies, is warranted.Key-words: Anacardium occidentale. Caterpillar. Cicinnus callipius. Management.Organic plantation.

REFERÊNCIAS

BASTOS, J.A.M. Caracterização de algumas lagartas pragas do estadodo Ceará, Brasil. Fitossanidade, Fortaleza, v.1, n.2, p.35-37, 1975.

MELO, Q.M.S.; BLEICHER, E. Identificação e manejo das principaispragas do cajueiro. In: MELO, Q.M.S. (ed.) Caju fitosanidade.Brasília: Embrapa Informação Tecnológica; Fortaleza: EmbrapaAgroindústria Tropical, 2002. p. 9-34. (Frutas do Brasil, 26).

MELO, Q.M.S.; BLEICHER, E.; SOUZA, M. do S.C.;RODRIGUES, S.M.M. aspectos biológicos de Cicinnus callipius (Sch.,1928) em folhas de cajueiro. In: CONGRESSO BRASILEIRO DEENTOMOLOGIA, 15., 1995, Caxambu, Resumos... Caxambu: SEB,1995. p.38.

MESQUITA, A.L.M.; BRAGA SOBRINHO, R. Entomofauna eentomopatógenos associados a pragas do cajueiro. In: SIMPÓSIO DECONTROLE BIOLÓGICO, 6., 1998, Rio de janeiro. Anais... Rio deJaneiro: Instituto Oswaldo Cruz: Embrapa,1988, p.148.

MESQUITA, A.L.M.; OLIVEIRA, V.H. de; CAVALCANTE, R.R.R.Manejo integrado de pragas. In: OLIVEIRA, V.H. de; COSTA, V.S.deO. (ed.). Manual de produção integrada de caju. Fortaleza:Embrapa Agroindústria Tropical, 2005. Cap. 12,p.197-225.

Entomologia

Essentia, Sobral, v. 11,nº 2, p. 57-64, dez. 2009/maio 2010 63

Figura 1. Postura em forma de fita, comlagartas já eclodidas

Figura 3 Folhas rendilhadas e secas queserviram de abrigo e alimentação de lagar-tas jovens

Figura 5. Lagartas protegidas por um ema-ranhado de teias

Figura 2. Folhas unidas por fios de sedaagregando as larvas no interior

Figura 4. Início da formação do abrigopara proteção da lagarta

Figura 6. Dejetos em forma de grânulosna projeção da copa indicando plantaatacada.

Entomologia

64 Essentia, Sobral, v. 11,nº 2, p. 57-64, dez. 2009/maio 2010

Figura 7. Detalhe do abrigo fixado aoramo com a pupa no seu interior.

Figura 9. Lagarta-saia-justa morta porinimigos naturais em campo.

Créditos da fotos:Fotos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9 e 10:A. L. M. MesquitaFoto 8:J. E. Cardoso

Figura 8. Pupas em fios de arame de cercano aceiro do cajueiral.

Figura 10. Lagarta-saia-justa sendo sugadapor percevejo predador.

Foto J. E. CardosoFoto A. L. M. Mesquita