Imprensa, crônicas e reclames: Lima Barreto e Olavo Bilac sobre o império dos anúncios- Radamés...

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    Imprensa, crnicas e reclames: Lima Barreto eOlavo Bilac sobre o imprio dos anncios

    Temporalidades Revista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG Vol. 4, n. 2, Ago/Dez 2012. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 299

    Imprensa, crnicas e reclames: Lima Barreto eOlavo Bilac sobre o imprio dos anncios

    Radams Vieira Nunes Professor do curso de histria da UFT/Campus Porto Nacional

    Doutorando em Histria Social da [email protected]

    RESUMO: No incio do sculo XX, Lima Barreto e Olavo Bilac, em suas crnicas, perceberamo processo de expanso e transformao da imprensa, um dos aspectos em si das modificaesda cidade carioca. As crnicas pesquisadas nos jornais e revistas nos apontaram para a atuao dimprensa como agente modernizador, que incorporou as novas tecnologias e buscou ditar novos valores, hbitos e comportamentos na direo de uma mentalidade dita moderna. Nesse sentidorefletimos sobre a postura que Lima Barreto e Olavo Bilac assumiram no interior desse modelojornalstico, cada vez mais predominante, e o espao que suas crnicas ocuparam nele,exprimindo suas concepes acerca do universo em questo. Para isso investigamos a produodos cronistas no seu espao de origem, os peridicos, percebendo sua relao e concorrnciacom os reclames.

    PALAVRAS-CHAVE: Reclame, Crnica, Cidade.

    ABSTRACT: In the beginning of the twentieth century, Lima Barreto and Olavo Bilac, in theirchronicles, realized the process of expansion and transformation of the press, one aspect of thechanges of the city of Rio de Janeiro. The chronicles researched in newspapers and magazinespointed to the role of the press as an agent of modernization, which incorporated newtechnologies and looked for new values, habits and behaviors toward a modern mindset. In thissense, we reflect on the stance that Lima Barreto and Olavo Bilac assumed within thisjournalisms model, increasingly prevalent, and the space that their chronicles occupied in iexpressing their views about the universe in question. For this we investigated the production ofthe chroniclers in their area of origin, the journals, realizing their relationship and competition with advertisements.

    KEYWORDS: Advertisements, Chronicles, City.

    No incio do sculo XX, a publicidade tornou-se a principal fonte de recursos da

    imprensa. Consolidou-se como ponto decisivo para permanncia ou decadncia dos jornais erevistas. interessante notar que isso ocorreu de forma articulada com as transformaes na vidaurbana, de maneira que as propagandas comearam a ocupar tambm outros espaos para almdos jornais e revistas, como os muros e locais pblicos da cidade. Ceder espao nos jornais erevistas para os reclames era quase uma obrigao. Grandes ou pequenas, conservadoras ouno, a maioria das folhas impressas se sujeitavam ao imprio da publicidade1.

    1 SUSSEKIND, Flora.Cinematgrafo de Letras:literatura, tcnica e modernizao no Brasil. So Paulo: Companhia dasLetras, 1987, p. 59-70.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    Os jornais em que Lima Barreto e Olavo Bilac trabalharam no fugiram regra; algunscom mais anncios, outros com menos. No entanto, a relao da imprensa com os annciospossibilitou-nos perceber o potencial dos peridicos, pois, quanto mais reclames tivessem,

    maiores ou melhores deviam ser a capacidade de circulao, a visibilidade, a estrutura e o podede atuao na poltica e na cultura do Rio de Janeiro. Jornais grandes e prsperos viviam dapublicidade, carregados de anncios dos mais variados. O alvo da imprensa, entendida comoempresa, era ampliar o ciclo de leitores para aumentar a publicidade e, consequentemente, osrecursos financeiros. Segundo Heloisa de Faria Cruz,

    Com a virada do sculo, a propaganda deixa progressivamente o espaoexclusivo das publicaes comerciais e articula-se imprensa peridica de umaforma mais ampla. Nesse processo, o reclame transforma-se numa das formascentrais de financiamento das publicaes. O sucesso de um peridico, suamanuteno como uma publicao competitiva e estvel, passa a depender cada vez mais de sua capacidade de atrair recursos via propaganda. As publicaes vm a pblico repletas de apelos ao mercado.2

    A juno da publicidade com o jornalismo foi uma relao de sucesso: ambos erambeneficiados, mas tal juno resistia apenas ante a troca recproca de vantagens, pois se o jornano fosse capaz de proporcionar retorno s empresas anunciantes, a unio se esfacelava. Ouainda, se os anunciantes no remunerassem o veculo jornalstico, o espao nas folhas era vedadoNo havia preocupao alguma dos anunciantes com a inteno do jornal, no havia problemacom a tendncia do mesmo, pouco importava saber se ele era anarquista, positivista ourepublicano. Tanto que publicidades se repetem em jornais absolutamente distintos comoODiabo, A Lanternae a Gazeta de Notcias 3. A preocupao era com o poder de alcance que o jornalexercia na sociedade, se ele era muito lido ou no. Ainda de acordo com Cruz, fabricantes ecomerciantes, agentes de um mercado em acelerado desenvolvimento, encontram nos reclames oespao de visibilidade para seus produtos e servios4. Em contrapartida, o veculo decomunicao jornalstico abria espao nas folhas a qualquer anunciante fiel com as tarifa

    cobradas sem fazer distino quanto qualidade do produto ou do servio anunciado e, menosainda, quanto ndole das empresas ou indivduos que compravam o direito de divulgao nojornal. O Correio da manh, entre as notcias do dia, oferece espao para anuncio 200 ris ANNUNCIOS DE ALUGA-SE, VENDE-SE, PRECISA-SE no CORREIO DA MANH

    2 CRUZ, Heloisa de Faria.So Paulo em papel e tinta:periodismo e vida urbana 1890-1915. So Paulo:EDUC/FAPESP, 2000, p. 156.3 O Diabo, Rio de Janeiro, 1903. A Lanterna , Rio de Janeiro, 20 nov. 1902.Gazeta de Notcias , Rio de Janeiro, 06 set. 1903.4 CRUZ, Heloisa de Faria.So Paulo em papel e tinta : periodismo e vida urbana 1890-1915, p. 153.

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    RUA DO OUVIDOR N. 117 200 RIS5.

    No entanto, preciso reconhecer que alguns grandes jornais e revistas, como Jornal da Exposio, Kosmos , Gazeta de Notcias , Correio Paulistano, entre outros de maior circulao, podiamselecionar os anncios que melhor se encaixavam perspectiva do peridico. Mesmo assim, oferta monetria de indivduo, de empresa ou de outro seguimento sempre prevalecia como oprincipal critrio da seleo. Normalmente, as empresas que podiam pagar pelo espao cobiadoeram aquelas que ofereciam produtos prprios da cultura dos principais leitores dos grandesperidicos. Os responsveis pelos jornais tambm disputavam a preferncia das empresascomerciais e industriais mais cobiadas.

    Havia tambm jornais de pequena circulao e fora dos parmetros dos grandesperidicos que dedicavam seus anncios ao pblico ao qual serviam. O JornalCorreio da Noite ,dirigido por Victor Silveira, em que Lima Barreto colaborou, um bom exemplo. Ele se dedicava defender a populao pobre do Rio de Janeiro, principalmente em relao s questes polticasNo Correio da Noite , o critrio de escolha da publicidade no era o fator financeiro, mas sim asempresas mais acessveis gente pobre. Na verdade, eram as duas coisas, pois a populaosuburbana representava grande parte dos consumidores do Rio de Janeiro, tendo em vista que aalta sociedade era extremamente reduzida. Era bom para a maioria das empresas receber a

    credibilidade de um jornal to dedicado s causas populares.

    Os reclames so anunciados da seguinte forma noCorreio da Noite : INDICADORCOMMERCIAL No um simples reclame, pois, nessa seco, s indicamos algumas casascommerciaes [ sic ] que, de facto, esto em melhores condies de servir a populao6. Nasequncia aparecem os primeiros reclames:

    A VITORIA UNIVERSAL a fabrica de roupas brancas, rua da Cariocan.21, em frente ao Mercado de Flores, que contina [ sic ] a vender todos osartigos por preos mais baratos do que em qualquer outra casa. Este mez [ sic ],a titulo de bonificao, ao povo, alguns artigos por preo quase [ sic ] de graa!!.. CASA S. FELICIANO RUA DE CATUMBY, 2 TELEP, N. 846 VILLA Em catumby e suas adjacncias o mais barateiro, em comestveis em grossoe a varejo.7

    Nesse mesmo jornal, ao lado doIndicador Comercial , h tambm a propaganda de casascomerciais dos subrbios, o que no era comum na imprensa da poca, que era ocupada apenaspor reclames voltados para a regio central. Mas note-se que os anncios feitos pelas casas

    5 Correio da Manh , Rio de Janeiro, 29 abr. 1905.6 Correio da Noite , Rio de Janeiro, 13 jan. 1915, p. 1.7 ______, 13 jan. 1915, p. 1.

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    comerciais dos subrbios so menores e mais discretos que os outros, indicando que o fatorfinanceiro teve predominncia mesmo nos jornais mais alternativos. Outro fator observvel quea fronteira de contato entre subrbios e regio central se deu tambm na seo de reclames do

    peridico, expressa na disposio dos anncios:

    NOS SUBURBIOS As casas commerciaes, pharmacias, gabinetes dentrios,cinemas, etc., que mais vantagens offerecem a populao suburbana, so asseguintes, CASA AYMOR - HOTEL E RESTAURANT BRAZIL -FABRICA PARAISO -HERVAN RIO S COMI E S. DAMIO. [ sic ]8

    A pgina de anncios completa do jornalCorreio da Noite nos aponta que a vidacomercial do Rio de Janeiro se concentrava em torno do espao reformado, onde as maioresempresas se aglomeravam9.

    No entanto, este jornal era uma exceo, a regra geral no campo jornalstico era outra.Olavo Bilac, numa crnica que escreveu para oCorreio Paulistano, sobre o modelo do jornalismomoderno no Brasil, definiu a relao de dependncia da imprensa moderna com os anncios. Elediz que

    A imprensa no poderia deixar de ser industrializada, num sculo de toespalhado e profundo industrialismo. Ainda possvel, graas a todos osdeuses, a existncia de jornalistas apstolos e sacerdotes, pregando as boasidias, e batalhando as boas batalhas, em favor da verdade e da justia; mas ojornal no pode ser feito, sustentado, e imposto ao pblico, somente pelosjornalistas. preciso distinguir. Um jornal um organismo extraordinrio e atabsurdo, formado de vrios rgos diferentes, que se conjugam, mas secontradizem. Na primeira coluna de um jornal moderno, h o artigo de fundo,em que o diretor sustenta as suas idias, ou as idias do seu partido. Masadiante, h o terreno neutro da colaborao literria, crtica ou poltica. Maisadiante ainda, h o noticirio, em que impera o reprter, cuja principalobrigao manter sempre acordada e excitada, com escndalo ou sem ele, acuriosidade do pblico. E, enfim, h o vasto domnio do anncio, que independente e soberano, e onde o dinheiro rei. Todos esses rgosfuncionam juntos, uma aliana em que no preciso que haja coerncia [...] Masonde a incoerncia e a contradio, num bom jornal moderno, se mostram maisclaramente, na comparao do domnio da redao com o domnio dosanncios. [...] Sem esse industrialismo, o jornal no poderia viver. Pode existirainda hoje o tipo antigo e clssico do jornalista-apstulo. Pode existir, eexiste. Mas a imprensa no um apostolado. No meio do noticirio deescndalo e dos anncios, o artigo do doutrinador como um plpito sacro,plantado no meio de uma feira [...]. 10

    Na reflexo sobre a imprensa de seu tempo, Olavo Bilac chama a ateno para anecessidade de no ignorar sua caracterstica industrial e de massa. Ele reivindicava uma ticflexvel, que no recusasse determinados tipos de noticirio ou de publicidade, como a dos

    8 Correio da Noite , 13 jan. 1915, p. 1.9 ______, 13 jan. 1915, p. 1.10 BILAC, Olavo. Crnica. In:Correio Paulistano, So Paulo, 24 nov. 1907, p.1.

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    curandeiros, feiticeiros, videntes, cartomantes etc. Para ele, o jornalismo seguia apenas umtendncia inevitvel de acompanhar o processo de industrializao que ocorria no Rio de Janeiro A distino, feita na crnica entre jornalismo apostolado e jornalismo moderno, revela a

    diferenciao entre as folhas que acompanharam e protagonizaram as mudanas na imprensa e oque, por um motivo ou outro, resistiram s inovaes.

    O jornalismo apostolado, antigo e clssico nunca foi extinto na histria dojornalismo brasileiro, ele sempre permaneceu, pois sempre houve bandeiras a serem defendidasno entanto, um jornal pautado nesse modelo no durava muito, ou porque no conseguia semanter ou porque sua existncia deixava de ter sentido. O jornalismo apostolado, representadopor pequenos jornais, pequeno no no sentido de ser pouco lido, mas no sentido de ter poucos

    recursos materiais e tcnicos, por muito tempo contrastou com o jornalismo moderno. ParaBilac, jornalismo no pode ser feito apenas com boa vontade, ideias e sonhos. Para sobreviver necessrio assumir o carter de indstria e no se envergonhar de agir como tal, a ideia de purezno jornalismo uma ingenuidade. Segundo Juarez Bahia era fcil criar folhas, o difcil era mantlas, por isso no incio do sculo XX surgiram vrios jornais, a maioria de vida efmera11.

    Lima Barreto, por exemplo, teve uma experincia nesse sentido. Em meados de 1907, elecriou aRevista Floreal , uma revista literria cujo objetivo era ser um contraponto a outras revistas

    que contavam com a colaborao de escritores j consagrados do perodo, chamados por ele demandarins da literatura. Mas seu objetivo principal era se tornar um escritor consagrado. Ocaminho para isso era a imprensa, como a grande imprensa no se abria a novos escritores ou eleno se adaptavam a ela, o escritor, juntamente com colegas do Caf Papagaio, como AlcidesMaia, Antonio Noronha Santos, Domingos Filho, Fabio Luz e outros, criou a revista parapublicar seus escritos e posteriormente facilitar o acesso a um editor12.

    A Revista Floreal era mantida apenas com a contribuio dos seus prprios redatores; no

    estavam sintonizados ao esprito da poca, no se abriram ou no conseguiram se adequar sexigncias que orientavam a imprensa moderna e industrializada. A revista sucumbiu no quartnmero diante da incapacidade de se manter, j que a mesma no tinha publicidade comercialnem inovaes tcnicas, nem variedades13. Ou seja, era muito pouco atraente aos leitores dapoca, portanto no era um peridico vendvel. Olavo Bilac parecia ter razo: apenas boas

    11 BAHIA, Juarez. Jornal, histria e tcnica . So Paulo: IBRASA, 1972, p. 57.12 BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. Belo horizonte: Itatiaia; So Paulo: Editora da Universidadede So Paulo, 1988, p. 133-134.13 ______. _______ , p. 136.

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    batalhas e idias no eram suficientes para mover um peridico.

    A imprensa moderna e industrializada, na opinio de Bilac, nunca teria coerncia,pois mesmo que esta mantivesse caractersticas do modelo antigo e clssico, como o poder dedoutrinar, de formar a opinio pblica, tambm precisaria abrir espao aos escndalos para atraileitores, e tambm aos anncios a fim de garantir recursos. Para o cronista, a falta de coernciano manter esses diferentes espaos nas folhas, mas sim em relao hipocrisia de algunsjornais, jornalistas e at leitores em no aceitarem os contrastes necessrios do modelo modernode jornalismo. Eles exigiam uma tica impossvel de ser seguida para os jornais-indstria ququisessem permanecer ativos e atuantes. A imprensa deveria ceder espao para qualquer annciou propagandas de carter poltico, independente das convices dos dirigentes do jornal, pois s

    assim ele sobreviveria, j que o mesmo seria resultado da juno desses elementos contrastantes.

    No incio do sculo XX, por exemplo, era comum encontrar crticas de jornalistas sobre aproliferao de prticas msticas na cidade do Rio de Janeiro; eles atacavam e denunciavam videntes, cartomantes, curandeiros, considerados charlates que nada mais faziam do queextorquir pessoas de bem. No entanto, nos mesmos jornais em que se fazia o ataque a essascrendices e se noticiava alegremente a priso dos feiticeiros, tambm circulavam diversoanncios de curandeiros, cartomantes, videntes, mdiuns e profetas. Veja o que Lima Barreto

    escreveu em uma de suas crnicas, confirmando esta afirmativa:Outra coisa que me surpreende, na leitura de seo de anncios dos jornais, quantidade de cartomantes, feiticeiros, adivinhos, charlates de toda a sorte queproclamam, sem nenhuma cerimnia, sem incmodos com a polcia, as suas virtudes sobre-humanas, os seus poderes ocultos, sua capacidade milagrosa.Neste jornal, hoje, h mais de dez neste sentido.14

    Em outra crnica ele comentou sobre os anncios, e com ironia detalhou como elesapareciam nas pginas dos peridicos e a eficincia dos curandeiros ocultistas:

    Pelino [...] resolveu consultar um curandeiro. Procurou os jornais, leo osanncios e visitou ento muitos que se anunciavam com grandes gabos. Leu odo professor Im-Ra, sacerdote de magia natural ou ortolgica, capaz de darsade, beleza, amor, por um processo psicolgico ainda desconhecido, etc, etc.Leu outros, mas aquele que mais agradou foi o Ergonte Ribeiro, ocultistaexplcito, curador de doenas da virtude, por meio [...] de instrumentosmecnicos esotricos, cuja eficcia estava comprovada com 1452 atestados quepossua.15

    Observe alguns desses anncios de ocultismo, que circulavam nos peridicos em forma

    14 BARRETO, Lima. Crnica: Anncios... Anncios... In: RESENDE, Beatriz; VALENA, Rachel (Orgs.).Lima Barreto: Toda crnica. Rio de Janeiro: Agir, 2004, p.244.

    15 ______.Correio da Noite . Rio de Janeiro, 17 dez. 1914.

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    de reclames:

    GABINETE DE SCIENCIAS OCCULTAS DO PROF. GEORGE BAU RUA VICTORIA, 129 TELEP ENT., 2371 BRAGANTINA 171, S.PAULO BRAZIL Attende a todos os que o procuram das 15 s 18 horas rua victoria, 129, telep2371 curas importantes tem realizado pelo ocultismo, conforme temcomprovado a imprensa paulista. Attestados photographicas e dedicatorios dascurados desta capital acham-se no gabinete do professor BAU. [...] NOTA O professor avisa aos seus clientes que no tem gabinete no Rio, nemrepresentao em parte alguma.[ sic ]16 O FUTURO REVELADO: Prof. Dr. de Viremont se achar em seuescriptorio, Senador Dantas 44, sala de entrada. De 16 do corrente em diante,de 9 s 11 e de 1 s 5 horas. - Preos das consultas 10$000, de 7 s 9 da noite5$000, h consultas nos domingos. Aceita chamados no domicilio, Preos 15$,por dous 20$, por um grupo 30$000.17

    A imprensa era o principal caminho para que essas prticas viessem a pblico,aumentando a clientela daquele que tivesse o anncio melhor elaborado e convincente no Jornalou revista mais renomado. O peridico tinha o poder de atribuir veracidade aos servios eprodutos anunciados, levando pessoas a acreditarem nesses profissionais do ocultismo ouprofissionais polticos. Outro exemplo o jogo do bicho, tido, por muitos, como uma dasmaiores molstias da sociedade, um vcio que deveria ser extirpado. Entretanto, todos os jornaisempresa publicavam anncios do jogo do bicho e at davam palpites18. O cronista estavaconvicto de que a crescente indstria publicitria e os polticos dependiam dos jornais, bem comoos jornais dependiam deles.

    O purismo de valores e princpios, na imprensa, esfacelava-se gradualmente medidaque o modelo empresarial/industrial se consolidava. Isso no quer dizer que os profissionais dojornalismo, especialmente a redao dos jornais e revistas, no tinham suas convices e faziamda imprensa um meio de propag-las. Mas tais convices e concepes de mundo concorriamcom o interesse comercial, que muitas vezes foi priorizado em detrimento dos interesses das

    outras convices. Porm esses interesses no eram excludentes, como poderiam aparentar ser,pois quanto maior fosse o potencial econmico e comercial do jornal-empresa, to maior seriasua influncia e poder de alcance para imprimir seus ideais de cultura, poltica, cidade, e demaprojetos.

    Esse novo modelo de jornalismo faria, forosamente, concesses ideolgicas. Acaracterstica de apostolado deixou de ser predominante, o apostolado da direo, redao e

    16 Careta , Rio de Janeiro, 07 ago. 1915.17 Gazeta de Notcias , Rio de Janeiro, 16 fev. 1906, p. 8.18 BILAC, Olavo. Crnica. In:Correio Paulistano, So Paulo, 24 nov. 1907, p.1.

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    colaboradores passou a conviver, sem muita coerncia, com a expectativa e gosto dos leitores com o apostolado dos patrocinadores, fosse do comrcio ou da poltica. A partir de ento, aimprensa passou a ter esse trip de sustentao, alguns jornais dariam maior importncia a um ou

    outro desses fatores, e essa deciso dependia em grande parte do sucesso ou insucesso doperidico em questo19.

    Na Revista da poca , um dos peridicos em que Lima Barreto colaborou, revista depequena tiragem e de restrita colaborao, nota-se a preocupao e a importncia desse trip para sobrevivncia do impresso. Numa nota de abertura, a redao comunica aos leitores: [...] trsannos de existncia trabalhosa certo, porm sempre assegurado pelo apoio dos novosassignantes e do commercio, assim como do pblico em geral20.

    Sendo assim, podemos notar que a maioria dos jornais em que Barreto e Bilac escreveramno se fechou aos anncios comerciais e polticos. No haveria de ser diferente, Nelson WerneckSodr percebeu que no perodo em que esses cronistas atuaram na imprensa carioca, jornaisclssicos como o Jornal do Brasil , tinham 85% das pginas ocupadas por pequenos anncios21.

    Havia propagandas com finalidades comerciais, culturais, polticas e outras mais, com ofim de promover algo ou algum para a sociedade. Em praticamente todos os jornais quepesquisamos, seja de grande ou de pequena circulao, os reclames comerciais se repetem, so omesmos, salvo algumas excees22. O que altera de um jornal para outro a quantidade deanncios, sua elaborao e a posio que ocupa. Alm das propagandas polticas, do jogo dobicho, videntes e cartomantes, havia publicidades, principalmente de seguros de vida, licorescervejas, xaropes, elixires, cigarros, charutos, hotis, restaurantes, dentistas, oficinas tipogrficaroupas, perfumes, gramofones, oficinas de servios de diversos tipos, fsforos, velas, paquetes23.

    A propaganda nos peridicos, especialmente nos de grande circulao, comoCareta ,Kosmos , Jornal da Exposio, Gazeta de Notcias, Correio da Manh, Fon-Fon, expressam a sintonia compases estrangeiros nos hbitos e costumes brasileiros. Nos produtos, marcas ou na apresentao

    19 BILAC, Olavo. Crnica. In.Correio Paulistano, So Paulo, 24 nov. 1907, p.1.20 Revista da poca , Rio de Janeiro, 03/1904.21 SODR, Nelson Werneck.Historia da imprensa no Brasil . 4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 346.22 Por exemplo, a propaganda de aplice de seguro terrestre ou martimo da A Equitativa, se repetia naCareta ,Kosmos , Correio da Manh , Correio Paulistano, entre outros.23 Os principais jornais pesquisados foram: A.B.C . (1916); Almanak do Tagarela (07/1903); A Lanterna (11/1902);Careta (1915 1920);Correio da Manh (04/1905 06/1906);Correio da Noite (14 dez. 1914 31 dez. 1914);CorreioPaulistano (10 set. 1907 18 jun. 1908);Diabo (1903);Fon Fon (04-12/1907);Gazeta da Tarde (1911);Gazeta de Notcias (07 jan. 1900 25 out. 1908); Jornal da Exposio (09/1908 11/1908);Kosmos(03/1904 05/1908); Quinzena Alegre (1903);Revista da poca (10/1903 1904);Revista Floreal (05/1908);Revista Contempornea (1918).

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    do anncio, era comum encontrar essa sintonia principalmente com os Estados Unidos, aInglaterra e a Frana. Na revistaCareta , por exemplo, h o seguinte anncio de perfume: um jour viendra -perfume darys o mais luxuoso, adoptado pelas pessoas elegantes, o mais cativante

    e penetrante24. Na revistaKosmos, a sintonia com hbitos ingleses era expressa no anncio de umchapu: os smarts s usam chapus que tm esta marca25.

    Alm disso, a publicidade na imprensa colocava em evidncia a regio central do Rio de Janeiro na poca. Os jornais, comrcios, obras pblicas, reas de passeio pblico, tudo seconcentrava no espao principal da cidade, o centro do Rio de Janeiro nas primeiras dcadas dosculo XX. As ruas mais destacadas nos jornais pesquisados foram: rua Ouvidor, rua DosOurives, rua Da Quitanda, rua Gonalves Dias, rua 7 de Setembro. Parecia que toda a vida

    comercial do Rio se concentrava nessas ruas prximas Avenida Rio Branco, espao onde o ideade modernidade tinha sua maior expresso. O jornalismo era o espao dos anncios das ruas,prdios e construes, tambm arautos da modernizao a que se submetia a cidade.

    Peridicos de maior circulao, com mais recursos tecnolgicos e constitudos comoempresa, como o Jornal da Exposio e RevistaKosmos , alm das propagandas comerciais, tambmfaziam propaganda da Avenida Central e da prefeitura do Rio de Janeiro. A RevistaKosmos , almdos anncios que fazia principalmente de produtos especficos para mulheres e crianas, que

    preenchiam as primeiras e as ltimas pginas da revista, possua, por exemplo, publicidadreferente s obras da Avenida Central. Na revista havia propagandas da Prefeitura do Rio de Janeiro enaltecendo obras, atos e personalidades26.

    O Jornal da Exposio27 era praticamente todo constitudo por publicidade da Prefeiturado Rio de Janeiro. Os anncios comerciais dividiam espao com os anncios que propagavam olugares atraentes da cidade. Em todos os nmeros sempre estava estampada, na primeira pginaa fotografia de uma personalidade poltica ou de algum lugar notvel ou de um grande nome da

    literatura. Nas ltimas pginas do jornal da exposio, o destaque era para propagandas derestaurantes, teatro, cinema e bailes, ou seja, atraes do lugar modelo" da cidade carioca28. Oreclame havia invadido a imprensa no apenas para aumentar o mercado consumidor, mas para

    24 Revista Careta , Rio de Janeiro, 08 mai. 1920.25 Kosmos , Rio de Janeiro, 1905.26 ______,Rio de Janeiro, 06/1905. A revista era um dos principais instrumentos de publicidade da prefeitura e suasobras, ela mesma se definia como o veculo responsvel pela:descripo completa da Capital da Republica histricadministrao, monumentos, bellezas naturaes, dados estatsticos, ilustraes primorosas, trabalho lypographico . Alm de anunciar na revista, a impresso de obras editadas pela prefeitura do Rio de Janeiro, escritas por FerreiRosa, eram feitas pela oficina da Kosmos, sob a responsabilidade do editor Jorge Schmidt.27 O Jornal da Exposio circulou apenas durante a Exposio Nacional, entre setembro a novembro de 1908.28 Jornal da Exposio, Rio de Janeiro, 09-11/1908.

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    reforar valores, determinar hbitos e influenciar prticas.

    O jornalCorreio da Manh , nos primeiros anos do sculo XX, dedicava toda a ltimapgina publicidade, mas nas outras pginas tambm havia alguns anncios dividindo coluncom outras linguagens do dirio29. O JornalLanterna - Revista de Sciencias, Letras e Arte,mesmosendo dirigido por um grupo de acadmicos, com uma pequena tiragem, fez uso significante depublicidade, quase sempre no meio ou nas ltimas pginas, dividindo espao com a sesso decrtica literria do peridico. Sobre a publicidade desse jornal, interessante notar que osanncios presentes eram de produtos comumente utilizados no universo intelectual. Para citaralguns exemplos: pianos Ronisch, editoras como a Laemert e C. Livreiros e Editores, propagandde licor, cigarros e outros produtos ligados aos espaos de sociabilidade, como os Cafs,

    frequentados por grande parte dos intelectuais da poca, especialmente acadmicos e literriosque constituam o pblico alvo do peridico30.

    No Correio Paulistano, jornal em que Olavo Bilac escreveu a crnica sobre os anncios, apublicidade estava presente em quase todas as pginas31. O jornal dirio era publicado com quatroou seis pginas. Destas, sempre a segunda, a terceira e a quarta eram ocupadas por propagandaque dividiam espao com informativos, crnicas e folhetim.

    A Gazeta de Notcias 32 era repleta de anncios espalhados por todas as pginas, mas quese concentravam principalmente na ltima, reservada exclusivamente para tal fim. NoCorreio da Manh 33, a quarta pgina era toda reservada aos reclames. A revistaFon -Fon 34 abria e fechava seusnmeros com propagandas, normalmente as cinco primeiras e as cinco ltimas pginas eramdedicadas aos reclames. A pequena revista humorstica e de crtica em que Lima Barretoescreveu,O Diabo35, teve tambm forte presena publicitria. Na revistaCareta 36, as propagandasocupavam normalmente as dez primeiras pginas e as duas ou trs ltimas.

    Com o desenvolvimento da indstria de reclames e o surgimento de profissionais dapropaganda que transformaram os anncios, surgem vrios jornais e revistas como A Bruxa 37, porexemplo, criada por Olavo Bilac juntamente com Julio Machado, com a finalidade de veicula

    29 Correio da Manh , Rio de Janeiro, 04/1905-06/1906.30 A Lanterna , Rio de Janeiro, 11/1902.31 Correio Paulistano, So Paulo, 09/1907.32 Gazeta de Notcias , Rio de Janeiro, 08 jan. 1905-24 dez. 1905.33 Correio da Manh , Rio de Janeiro, 04/1905-06/1906.34 Fon Fon , Rio de Janeiro. 04-12/1907.35 Diabo, Rio de Janeiro, 1903.36 Careta , Rio de Janeiro, 27 mar. 1915 18 dez. 1915.37 A Bruxa , Rio de Janeiro. 05 fev. 1897.

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    propaganda comercial. Surgem tambm outros pequenos peridicos que se mantiveram emfuncionamento em razo dos anncios. O tempo de existncia do peridico dependia, em parte,da quantidade de anunciantes que possua e da fidelidade desses para com o veculo em que seu

    estabelecimento se fazia conhecido. Mas isso no era suficiente; caso o peridico no tivessoutras linguagens que atrassem leitores, o mesmo no teria grande aceitao do pblico,consequentemente, deixava de ser interessante para a indstria de reclames38.

    Havia peridicos, como aRevista Tagarela , em que Barreto colaborou, que eram criadosexclusivamente para a propaganda comercial. Grande parte dela era dedicada a anunciarprodutos, servios e marcas. Os redatores da revista a definiam comoSemanrio crtico, humorstico,ilustrado e de propaganda commercial . Essa revista fazia anncio dela mesma a patrocinadores em

    potencial, no intuito de atrair comerciantes dispostos a investir no projeto. Observe o anncioque circulava em seus nmeros: Chamamos a ateno do commercio para o systemainteiramente novo dos anncios que por preos reduzidos publicamos na Tagarela39.

    Com as mudanas na imprensa e na sociedade, os jornais e revistas transformaram-seem produtos de consumo. Nesse sentido, a redao dos peridicos parecia fazer propaganda dosprprios peridicos. Era essa uma das estratgias para aumentar o nmero de vendas e manter afidelidade dos assinantes e investidores. As qualidades e novidades eram sempre anunciadas n

    prprio jornal como uma espcie de propaganda para chamar a ateno dos leitores, ampliando a visibilidade e a credibilidade do mesmo.

    A brilhante defesa que o valente Correio da manh tem feito em prol daconstruo de casas nas zonas fabris, um servio de tanta magnitude quenenhum operrio pode, sem incorrer numa clamorosa injustia, deixar desentir-se satisfeito e agradecido por to grande obsequio. sem duvida algumaresultado dessa defesa, a iniciativa do Dr. Pereira Passos, adquirindo os terrenosprecisos e mandando nelles construir os primeiros grupos de habitaesoperarias...40

    Outro exemplo o daRevista da poca :

    Devamos principiar pedindo alvssaras aos nossos leitores pela excelentenotcia que hoje temos a fortuna de lhes dar. Realmente o caso no paramenos, visto que no empenho que temos sempre mostrado de melhor quandopossvel a Revista da poca, tornando-a cada vez mais digna de sympathia quelhe dispensada...41

    Os jornais e revistas assumiam esse aspecto de mercadoria, que poderia ser tanto

    38 SUSSEKIND, Flora.Cinematgrafo de Letras , p. 62.39 Revista Tagarela , Rio de Janeiro, 07/1903.40 Correio da Manh , Rio de Janeiro, 04 abr. 1906.41 Revista da poca , Rio de Janeiro, 03/1904.

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    vendida como comprada. Vendida aos leitores e comprada pelos comerciantes, masprincipalmente pelas faces oligrquicas, caractersticas dos primeiros anos da Repblica, que valeram das folhas impressas como instrumento indispensvel para manuteno do seu poder no

    cenrio poltico. Os peridicos se esforavam para manter o equilbrio do trip de sustentao dojornalismo.

    No era to comum, mas havia tambm peridicos que no davam tanta importncia publicidade e praticamente se fechavam a ela. Era o caso da revista Quinzena Alegre , que tinhapouqussimos reclames e parecia no fazer questo de aument-los. A postura que a revistaassumia de crticas esnobes no era de quem estava interessada em atrair pessoas dispostas acomprar um espao em suas pginas. Quinzena Alegre fazia crticas aos burgueses, homens de

    negcio, magistrados austeros e outros homens aliados a uma literatura e ao jornalismo ligado agoverno e ao mercado. A revista, crtica e humorstica, assumia o papel de oposio grandeimprensa carioca. Na nota de abertura perceptvel o descaso da revista em se enquadrar aopadro do momento:

    Hs de notar que no te chamamos ainda de leitor amvel nem dissemos que vnhamos preencher uma lacuna... e agora j tarde para emendarmos a mo,numa phrase chilra de lisonja improducente. E v, para que no te amofines,um cumprimento a garroche, desrespeitoso e grotesco, no piparote que teatirarmos pana com a familiaridade de um amigo velho. Ora viva, seu coisa!42

    O trip de sustentao da revista tinha uma das escoras maior que as outras. A escoracorrespondente opinio dos idealizadores da revista, com maior expresso, se sobreps soutras, no permitindo o equilbrio que o contexto exigia dos impressos que almejassem vidalonga; equilbrio este definido por Olavo Bilaccomo incoerncia e contradio43.

    Nem Lima Barreto nem Olavo Bilac se importavam com o domnio dos anncios;ambos entendiam a necessidade deste para o novo modelo de jornalismo. Tanto que

    escreveram pouco sobre isso e, nas poucas vezes que escreveram, trataram os anncios comoalgo prprio da imprensa, ou como uma necessidade da qual no se poderia abrir mo. MesmoLima Barreto, um dos principais crticos da grande imprensa, no utilizou a crnica para criticaalgum peridico em relao aos anncios comerciais. Barreto era contra o domnio poltico naimprensa, era contra jornais e revistas que dedicavam pginas inteiras apologia de algum nomilustre da poltica, no concordava com a idia de que a imprensa, alm de fazer propagandacomercial, fizesse propagandas polticas. Barreto no tolerava a subordinao da imprensa e do

    42 Quinzena Alegre , Rio de Janeiro, 1903, p. 1.43 BILAC, Olavo. Crnica. In.Correio Paulistano, So Paulo, 24 nov. 1907, p.1.

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    intelectuais que nela trabalhavam s demandas polticas44. J Olavo Bilac aceitava isso comfacilidade, pois entendia que o peridico maior do que qualquer propaganda poltica e que issfazia parte da incoerncia da imprensa que a mantinha viva.

    A publicidade no era questo de sobrevivncia apenas para o jornal, era tambm paratodo aquele que se dispunha a viver da pena. Fossem poetas, reprteres, cronistas, desenhistas ouredatores, todos transitavam, alm da sua rea especfica, pelo universo da publicidade. OlavBilac, como bom conhecedor do mundo das folhas, apesar de sempre demonstrar a separao dacrnica, sonetos e folhetins como o campo da literatura na imprensa distinto de outraslinguagens, deu toques literrios ao estilo jornalstico, emprestando seu talento a outros gnerosBilac no poupava esforos para agradar a clientela, estava sempre pronto a escrever qualque

    outra linguagem que constitusse o universo do jornalismo, sem fazer caso do contedo ou daforma. Para ele, se bem pago, tudo era vlido na imprensa. Para o cronista,

    Ningum escreve unicamente pela satisfao de escrever. Quem assina estaslinhas j uma vez disse, num soneto, que no fazia versos ambicionando dasnscias turbas os aplausos fteis mas isso foi uma descaradssima mentirarimada. Quem escreve, quer os aplausos fteis das turbas nscias, e quer ainda ver pago o seu trabalho, no s em louvores, mas tambm em dinheiro.Escrever por escrever platonismo, que, como todos os platonismos, ineptoe ridculo.45

    Atravs da trajetria de Bilac e Barreto, podemos notar que a publicidade passou a seruma das possibilidades para a profissionalizao, inclusive para os homens de letras. De acordocom Flora Sussekind,

    Muitos dos homens de letras mais conhecidos no Brasil de incios de sculo XXno hesitaram de aceitar o papel de homens-sanduche tambm. Bilac, Emliode Meneses, Hermes Fontes, Bastos Tigre so alguns dos que mergulham decabea na redao de quadrinhos e sonetos de propaganda.46

    Havia a ideia de enobrecer o produto e, se ele fosse descrito com a arte potica de umescritor renomado, certamente faria mais sucesso. Quanto mais ornato e burilamento daspalavras, mais atrativo se tornava o produto. A arte da escrita, a literatura artstica estava a servida indstria de reclames como uma forma de enobrecer os anncios, poetizando-os. Veja um verso-reclame escrito por Olavo Bilac: Aviso a quem fumante/ tanto o prncipe de Gales/comoo Campos Sales/ usam fsforos brilhante. J Lima Barreto no se enveredou por esse

    44 BARRETO, Lima. Crnica. In: RESENDE, Beatriz; VALENA, Rachel. (Orgs.).Lima Barreto: Toda crnica, p.303-304; BARRETO, Lima. Histrio ou Literato?. In.Revista Contempornea . Rio de Janeiro. 15 fev. 1918; BARRETO,Lima. At que afinal! In. A.B.C., Rio de Janeiro, 02 fev. 1918.45 BILAC, Olavo. Crnica In: DIMAS, Antonio. (Org.). Bilac, o jornalista : crnicas: volume 2. So Paulo: Edusp,Unicamp, Imprensa Oficial, 2006, p. 47.

    46 SUSSEKIND, Flora.Cinematgrafo de Letras , p. 63.

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    universo da publicidade, preferindo se omitir a esse respeito. Cremos que nenhuma empresagostaria de deixar seus reclames aos cuidados de um escritor mulato, feio, pobre e opositor virulento ao consumismo e vida elegante. Definitivamente Lima Barreto no era vendvel.

    A indstria do reclame se relacionava at mesmo com a literatura brasileira, pois elacontribuiu para a transformao do livro em mercadoria a ser divulgada em anncios. Os jornaise cartazes anunciavam obras literrias incentivando a compra das mesmas. O reclame era um dorecursos que tornava a obra uma mercadoria vendvel. Lima Barreto, criticando os grandesescritores-jornalistas de seu tempo, na pessoa de Coelho Neto, que se omitia frente aosproblemas sociais para tratar de pilherias, identificava a importncia da propaganda para venda dlivros: [...]a fraqueza dos seus livros, a insuficincia da sua comunicao afetuosa, de forma qu

    os seus livros no vivem por si, mas pela reclame que lhes feita47. O jornal era o melhor veculo para divulgao de um livro ou do autor do mesmo. No apenas pelas notas publicitriasmas tambm pelos livros publicados em forma de folhetins, onde os autores se consagravamatravs dos jornais e revistas, para depois publicarem seus livros, que a partir de ento teriammaior aceitao por se tratar de um nome j conhecido. Como observou Padre Severiano, noestado atual de nossa cultura, o jornal que se l mais, e no o livro. O poeta ou o prosador quequiser ver a sua obra passar de coisa escrita coisa impressa tem que se submeter ao jornal. el

    que abrir caminho ao livro, ou melhor, ele que tem aberto caminho ao livro48

    .Em muitos momentos, os homens das letras se tornaram homens-sanduche, mesmo

    nas crnicas, anunciando o ideal poltico mais conveniente ou o modelo de cidade mais atraente A profissionalizao do intelectual pode ser associada ao trabalho de um anunciante. De certaforma, os escritores de crnicas eram anunciantes de idias ou projetos especficos; se ointelectual anunciante fosse bom, a idia era comprada, ou, ao menos, o pblico do veculo noqual ele escrevia aumentava.

    O reclame invadiu no s as ruas da cidade carioca, mas tambm a imprensa. E nelaaparecia como expresso da realidade do Rio de Janeiro. A indstria publicitria no Brasirevelava que a imprensa e a sociedade estavam em vias de transformao. Como demonstra LimBarreto em uma de suas crnicas, e com ela encerramos esta breve reflexo:

    Quando bati porta do gabinete de trabalho do meu amigo, ele estava estiradonum div improvisado com tbuas [...] lendo um jornal. No levantou os olhosdo cotidiano, e disse-me, naturalmente:

    47 BARRETO, Lima. Crnica. In.Revista Contempornea , Rio de Janeiro, 15 fev. 1918.48 RESENDE, Padre Severiano de.; RIO, Joo do. (Org.). Momento Literrio. Rio de Janeiro: Editora Criar, 2006, p.103.

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    - Entra.Entrei e sentei-me [...] Ele, porm, no tirava os olhos do jornal que lia, com aateno de quem est estudando coisas transcendentes.- Que diabo tu ls a, que no me ds nenhuma ateno?- anncios, meu caro; anncios...- o recurso dos humoristas cata de assuntos, ler anncios.- No sou humorista e, se leio os anncios, para estudar a vida e a sociedade.Os anncios so uma manifestao delas; e, s vezes, to brutalmente asmanifestam que a gente fica pasmo com a brutalidade deles.49

    Recebido em: 14/05/2012 Aprovado em: 06/06/2012

    49 BARRETO, Lima. Crnica: Anncios... Anncios... RESENDE, Beatriz; VALENA, Rachel. (Orgs.).Lima

    Barreto: Toda crnica , p.243.