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VERA CEC˝LIA ACHATKIN O TEATRO-ESPORTE DE KEITH JOHNSTONE E O ATOR: DA IDIA A˙ˆO A IMPROVISA˙ˆO COMO INTRUMENTO DE TRANSFORMA˙ˆO PARA ALM DO PALCO Dissertaªo apresentada ao Departamento de Artes CŒnicas da Escola de Comunicaıes e Artes da Universidade de Sªo Paulo, como exigŒncia parcial para a obtenªo do Ttulo de Mestre em Artes, sob a orientaªo do Prof. Dr. JosØ Eduardo Vendramini. 2005 Sªo Paulo/Brasil

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VERA CECÍLIA ACHATKIN

O TEATRO-ESPORTE DE KEITH JOHNSTONE E O ATOR:

DA IDÉIA À AÇÃO � A IMPROVISAÇÃO COMO INTRUMENTO DE

TRANSFORMAÇÃO PARA ALÉM DO PALCO

Dissertação apresentada ao Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Artes, sob a orientação do Prof. Dr. José Eduardo Vendramini.

2005 São Paulo/Brasil

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VERA CECÍLIA ACHATKIN

O TEATRO-ESPORTE DE KEITH JOHNSTONE E O ATOR:

DA IDÉIA À AÇÃO � A IMPROVISAÇÃO COMO INTRUMENTO DE

TRANSFORMAÇÃO PARA ALÉM DO PALCO

Dissertação apresentada ao Departamento de Artes Cências da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Artes, sob a orientação do Prof. Dr. José Eduardo Vendramini.

2005 São Paulo/Brasil

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BANCA EXAMINADORA:

________________________________________

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ABSTRACT

The matter discussed in this dissertation is the improvisation method

created by Keith Johnstone and applied at the Theatresports and its contribution to

the understanding of theatrical creation process.

This work intents to present the method and its author through a description

of the historical path and the environment in which experiments, ideas and primitive

Theatresports - called then Theatre Machine - were created.

From the analysis of the foundation of the method it is possible to glimpse

the potentialities of using Keith Johnstone's ideas as a work tool for the actor in

constructing scenes, characters and narratives, and also of the spectacle as an

alive theatrical experience that estabilishes a direct communication between the

audience and the actors, in a piece in which spontaneity occupies a distinct place.

Keywords: improvisation, game, spontaneity, audience, actor, performance.

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RESUMO

A matéria de que trata esta dissertação é o método de improvisação criado

por Keith Johnstone, aplicado no espetáculo Teatro-Esporte, e suas contribuições

para o entendimento do processo de criação teatral.

O trabalho tem por meta apresentar o método e seu autor, através de uma

descrição da trajetória histórica e do ambiente no qual os experimentos, as idéias

e o primitivo Teatro-Esporte, chamado então de Theatre Machine, foram criados.

A partir da análise dos fundamentos do método torna-se possível vislumbrar

as potencialidades de utilização das idéias de Keith Johnstone como ferramenta

de trabalho para o ator na construção de cenas, personagens e narrativas, e do

espetáculo como uma experiência teatral viva, que estabelece uma comunicação

direta entre público e atores, num trabalho no qual a espontaneidade ocupa lugar

de destaque.

Palavras-chave: improvisação, jogo, espontaneidade, público, ator, performance.

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AGRADECIMENTOS

Aos atores do Teatro-Esporte que estiveram comigo, acreditando e

correndo o risco de vencer os desafios que se apresentaram em nosso caminho,

para dar vida ao espetáculo. Em especial a Fabiana Ol Kondor, Rodolfo Vilela e

Tadeu Araújo, pelo imenso amor e dedicação ao método e ao espetáculo.

A Pedro Paulo Bogossian, pela parceria, conhecimentos, criatividade e

alegria, que ajudaram a consolidar o Teatro-Esporte em São Paulo.

Aos meus alunos, pelas horas divertidas e pelas cenas que criaram e que

me ajudaram a melhor compreender as idéias contidas neste método.

A todos os parceiros que acreditaram e abriram espaço para a divulgação

das idéias de Keith Johnstone e para o espetáculo. Em especial, a Francisco

Ferron, Ricardo Fernandes e Antônio Carlos de Moares Sartini.

À equipe do International Theatresports Institute, que comigo compartilha

alegrias, aflições e dúvidas.

À minha irmã Sonia Achatkin, meu braço direito, pela paciência e empenho

dedicados, fundamentais para a realização deste e de tantos outros sonhos.

Ao meu orientador, Prof. Dr. José Eduardo Vendramini, pela sincera

amizade, confiança e por todas as oportunidades que ajudaram a construir o meu

caminho.

A Keith Johnstone, por suas idéias, razão de ser deste trabalho, cuja

aplicação me possibilitou construir uma ponte de ligação entre as minhas duas

formações, Psicologia e Teatro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 2

DEFINIÇÃO ............................................................................................. 6

O IMPROVISO ............................................................................................. 8 BREVE HISTÓRICO ............................................................ 12 KEITH JOHNSTONE E A CRIAÇÃO DO MÉTODO ................................ 22 O ROYAL COURT THEATRE ................................................ 25 O MÉTODO ............................................................................................. 39 PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS ........................................... 40 ACEITAÇÃO E BLOQUEIO ........................................... 44 ACEITAÇÃO ............................................................................ 49 BLOQUEIO .............................................................................. 55 STATUS � O PRINCÍPIO DA GANGORRA ................................ 61 ESPONTANEIDADE E CRIATIVIDADE ...................�.......... 72 FAST FOOD STANISLAVSKI ............................................................... 83 AS INFLUÊNCIAS DE BRECHT ............................................................... 90 A CENA ............................................................................................. 94 O TEATRO E O ESPORTE ............................................................... 102 O ESPETÁCULO .............................................................................. 105 DA SALA DE AULA NO ROYAL COURT AO INTERNATIONAL THEATRESPORTS INSTITUTE ............................................ 108

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CRONOLOGIA DO TEATRO-ESPORTE ................................ 113 AS VERSÕES OFICIAIS DO TEATRO-ESPORTE ................ 126 AS REGRAS DO TEATRO-ESPORTE ............................... 127 O FRACASSO E O SUCESSO NO TEATRO-ESPORTE ........ 130 CONCLUSÂO BIBLIOGRAFIA

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�Em um momento eu soube que a avaliação dos homens por suas inteligências é loucura, que os camponeses fitando o céu noturno podiam sentir mais do que eu sentia, que o homem que dança podia ser superior a mim � preso à palavra e incapaz de dançar.�

Keith Johnstone

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INTRODUÇÃO

Holbæk, dezembro de 1986. Início do inverno dinamarquês.

Sentados na sala de estar da casa da atriz Dorrit Lillesøe1, uma espécie de

república de estudantes, bem comum na Europa, principalmente nos países do

norte, os membros da equipe brasileira2 do espetáculo ... E morrem as florestas3,

uma co-produção entre Brasil e Dinamarca, que tratava do tema Ecologia sob a

ótica das mitologias nórdica e indígena4, desfrutavam uma das folgas da turnê

dinamarquesa.

Não me recordo se era à tarde ou à noite. Talvez fosse um final de tarde

cinzento e chuvoso.

Reunidos ali naquela sala, cuja mobília faria a alegria de qualquer

antiquário e já decorada com os artefatos indígenas que a atriz comprara no

Brasil, durante o período de montagem do espetáculo, conversávamos e nos

divertíamos. A certa altura, um dos moradores da casa ligou a televisão e

sintonizou-a em um canal sueco. No vídeo, um programa de teatro.

Havia um apresentador baixinho (pelo menos em comparação às outras

pessoas integrantes do programa), meio gordo e careca, que se esforçava para se

manter sério. Havia também um sofá com dois grupos de atores que se

diferenciavam pela cor de suas camisetas e que, a cada intervenção do

apresentador, se atiravam alternadamente no palco para criar cenas. Os 1 Membro da equipe dinamarquesa do espetáculo ... E morrem as florestas. 2 Formada por Genézio de Barros, Cacá Amaral, Ana Maria de Souza , Sílvia Mazzeu, o músico Solano de Carvalho e eu. 3 De Luís Alberto de Abreu e Kaj Nissen. 4 A temporada brasileira havia sido um retumbante fracasso e a turnê por 28 cidades da Dinamarca um enorme sucesso. Coisas do Teatro.

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dinamarqueses presentes na sala se divertiam e teciam comentários. Nós não

entendíamos uma só palavra, mas pelas ações físicas que os atores do programa

realizavam e a maneira como se expressavam e se relacionavam, conseguíamos

captar o sentido geral das cenas que criavam. A cada duas cenas, uma de cada

grupo, havia uma espécie de julgamento. Um grupo ficava feliz e o outro nem

tanto.

Achei o programa estranho, a maneira como as cenas eram criadas,

esquisita e, mais do que isso, como, na época, não gostasse de improvisação e

minha relação com ela não fosse das melhores, sentenciei que esse tipo de

trabalho teria vida curta, pois em pouco tempo a criatividade se esgotaria porque

não é possível que um ator produza idéias novas todo o tempo e porque também

os atores seriam levados à repetição de boas fórmulas encontradas. Era, para

mim, impensável, naquele momento, acreditar na criação contínua de cenas e

tipos. Achava bastante pertinente o uso da improvisação na pesquisa de uma

personagem; mas cenas, situações ou personagens improvisados me

constrangiam. Não me sentia de fato criando algo, nem à vontade para isso.

O programa terminou e não posso negar que, apesar de todas as

considerações racionais e viciadas que havia feito, aliás, típicas de pessoas

preconceituosas diante do novo e do diferente, tenha ficado espantada com a

rapidez dos atores, com a fluidez das cenas e com a nítida satisfação que

aparentavam ter por estar improvisando. Isso me intrigou.

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Meu primeiro contato com o Teatro-Esporte foi assim. Não no palco, não

em um curso ou oficina, mas através de um programa de televisão5.

Levei algum tempo para compreender que o fato de eu ter sérias ressalvas

em relação à improvisação não era bem um problema meu ou da improvisação

propriamente dita, mas sim dos métodos ou da forma como eles me foram sempre

apresentados e trabalhados. Talvez eu tenha tido azar. Talvez tenha sido

simplesmente uma questão de enquadramento. Você se sente bem trabalhando

em uma determinada linha e não em outra. Seja como for, essas descobertas

foram acontecendo lentamente, à medida em que fui me aproximando e

conhecendo as idéias por trás daquele intrigante jeito de improvisar.

Em 1988, quando eu estava morando na Dinamarca, aconteceu em

Copenhaguem um campeonato escandinavo de Teatro-Esporte. Fui a todas as

apresentações e aquela sensação de estranhamento que o primeiro contato com o

espetáculo havia me causado foi se dissolvendo. A platéia dava idéias, gritava, ria,

vaiava, enfim, participava ativamente de tudo que estava sendo criado pelos

atores. O meu olhar se dividia entre o que acontecia no palco e o que acontecia na

platéia. Ver a satisfação estampada nos olhos vivos do público, seus corpos se

movendo numa quase coreografia, tentando acompanhar cada mínimo gesto,

cada pequeno enriquecimento da idéia principal da cena, na expectativa do que os

atores fariam a seguir, ou seja, de como iriam aproveitá-la, era fascinante de

observar. E como naquele momento já conseguisse entender um pouco o idioma,

5 Talvez hoje muitos atores, inclusive no Brasil, estejam entrando em contato com esse jeito de improvisar da mesma forma que eu. O canal da Sony apresenta um programa semanal chamado Whose line is it anyway?, que trabalha também com princípios e jogos do Teatro-Esporte.

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compreendi a função das intervenções do apresentador, que a um só tempo

acolhia as idéias do público, determinava qual jogo seria realizado na próxima

rodada e explicava quais as regras para realizá-lo.

A palavra regra realmente me encantou. Ali estava a chave da minha

dificuldade com a improvisação. Como poderia apreciá-la se, quando improvisava,

desconhecia o seu funcionamento? Talvez para muitas pessoas isso pareça óbvio,

mas para mim não era. Saber que tudo tem regras é uma coisa. Mas, conhecê-las

e compreender as suas implicações é outra. Foi uma grande descoberta ter

compreendido, de fato, que não se pode apreciar o que se desconhece. Foi uma

grande felicidade ter descoberto o óbvio. E mais excitante ainda foi ter descoberto

que o óbvio, o simples e o banal eram temas de um método que haveria de

provocar em mim uma mudança de opinião tão radical, em relação à

improvisação, a ponto de ter ela se transformado em principal fonte de pesquisa e

trabalho.

Desde 1988, venho trabalhando com o método de improvisação teatral que

fundamenta o Teatro-Esporte, tanto em sua aplicação artística na forma do

espetáculo, como enquanto ferramenta de trabalho para atores e diretores, em

cursos e oficinas. O método, que não tem nome e às vezes se confunde com o

próprio espetáculo, ou, simplesmente, é chamado de Impro, nome decorrente do

primeiro livro do autor, foi criado entre as décadas de cinqüenta e sessenta pelo

artista plástico e dramaturgo inglês Keith Johnstone (1933), radicado há mais de

trinta anos no Canadá, de onde ele licencia e coordena, através do International

Theatresports Institute, as companhias de teatro que aplicam a sua metodologia e

usam as estruturas de espetáculos de improviso criadas por ele.

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DEFINIÇÃO

Theatresports ou Teatro-Esporte6 é uma partida de teatro, de pura

improvisação, em que dois times de atores se enfrentam no palco, na arte de

improvisar, mediados por pelo menos um juiz. O público participa tanto torcendo

como lançando desafios para os times; sugerindo temas, títulos, épocas, estilos ou

o que quer que seja que os times desejem ou necessitem para criar as suas

cenas. As cenas podem ser livres ou criadas a partir de algum dos jogos que

compõem o Teatro-Esporte (atualmente, mais de trezentos). A platéia conta, junto

com o apresentador ou mestre de cerimônias, de cinco até um e os atores se

lançam no campo, na arena, no ringue (dependendo do esporte escolhido para dar

forma à partida), para realizar os desafios. Ao final de cada rodada, as cenas são

julgadas (ora pela platéia, ora pelo juiz ou juízes convidados, de acordo com o tipo

de Teatro-Esporte que está sendo jogado7) e os times recebem a pontuação.

Cada gol vale cinco pontos e os times poderão receber bônus por suas atuações,

ou perder pontos por infrações cometidas durante a construção das cenas. O

clima geral do espetáculo é o mesmo encontrado nos esportes: alegria, suspense,

cumplicidade e bom humor.

Keith Johnstone diz, em uma entrevista concedida à revista de teatro alemã

Die Deutsche Bühne, que sempre ficou admirado com o público dos estádios e

que esse público está perdido para o teatro.

6 Embora o Theatresports seja uma marca registrada, prefiro a versão traduzida, pois a mim parece estranho usar o nome em inglês, no Brasil, e num espetáculo tão popular. 7 A partida convencional conta com o julgamento do juiz ou juízes desde o primeiro jogo, enquanto na partida dinamarquesa o público julga as cenas no primeiro tempo de jogo e o juiz ou juízes no segundo tempo. Detalhes sobre as diferentes versões oficiais encontram-se descritas no capítulo correspondente.

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�No teatro as pessoas não podem simplesmente sair pulando ou gritando. O público senta-se em suas cadeiras como cães acuados. Se, pelo menos uma vez por semana, pudessem deixar suas mentes fluir livremente, seria como uma terapia. É por isso que as pessoas vão aos estádios. Mas não foi sempre assim. Tenho certeza de que Shakespeare tinha um público bem barulhento.� 8

Fazer um teatro que fosse desafiador para o ator e tirasse o público do

papel de mero espectador é o que Keith Johnstone buscou com o Teatro-Esporte.

Criticado por alguns, por fazer um teatro não intelectual, e amado por

outros, por seu teatro atingir o público de forma tão direta, o fato é que ano a ano

o Teatro-Esporte e o método que o sustenta conquistam mais e mais companhias

de teatro mundo afora e um público que normalmente não se interessa por teatro

ou deixou de ver o teatro como opção de lazer.

8 Publicação de novembro de 1990, pp. 54 e 55.

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O IMPROVISO

Se, no senso comum, quando se fala em improvisação, tem-se, em geral,

uma tendência a considerá-la como algo norteado apenas pelo imediato, feito sem

muitos critérios e sem preocupação com o acabamento, do ponto de vista do

Teatro essa tendência não é menos verdadeira. Em geral, a improvisação é vista

como algo ligado aos primeiros passos no mundo do Teatro, ou como fase

preparatória da montagem de uma obra teatral. No melhor dos casos, a palavra

improvisação é associada à Commedia dell�Arte.

É comum ouvirmos: Se você não tiver tal coisa (o objeto desejado), você

pode improvisar com isso (o objeto substituto). Em primeiro lugar, a frase contém

um erro, pois esse �improvisar com isso� é uma alternativa já pensada, prevista e

conhecida, portanto não improvisada. Mas, o mais triste nesse pensamento é o

conceito embutido de menos valia daquilo que temos de fato em disponibilidade,

em comparação com o desejado ou o ideal.

No Teatro, é comum ouvir de atores que procuram cursos de improvisação

que o estão fazendo para poderem ter idéias e se safarem de situações

desconfortáveis, como, por exemplo, esquecer o texto no meio de uma

apresentação, como se um curso de improvisação fosse oferecer ou desenvolver

um cardápio de receitas para serem aplicadas nessa ou naquela situação.

A improvisação, todavia, não é �tapa-buraco�. Não é algo que antecede ou

substitui, pelo menos temporariamente, algo maior e mais valioso. Seja esse algo,

no caso do Teatro, o texto ou a interpretação.

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A improvisação é algo em si. Improvisar é um ato humano que revela um

modo de se relacionar com o mundo ou com as coisas do mundo. Entende-se por

improvisação �uma execução e criação espontânea, realizada sem preparação

prévia e dispondo apenas dos meios que estão à mão.�9 Se é uma criação, então

estamos falando de algo que traz em si o caráter de originalidade, de

transformação e de transcendência. A criação não existe por si só, ela implica

necessariamente a presença de um criador, de um demiurgo, seja ele Deus

criador do Mundo, seja ele homem, criador de mundos. Se é espontânea, então

estamos falando de algo que acontece por si, no tempo presente, e não se repete.

Ao longo da História, diversos filósofos procuraram compreender a natureza

da espontaneidade e da criação. Aristóteles diz que �uma ação é espontânea

quando seu princípio está no agente.�10 Distingue-a e, ao mesmo tempo,

relaciona-a ao conceito de liberdade, dizendo que liberdade é a espontaneidade

de quem é inteligente; ou seja, dotado de intelecto. Kant também relaciona a

espontaneidade ao intelecto, dizendo que �intelecto é a espontaneidade do

conhecimento enquanto faculdade de produzir por si representações.�11 Heidegger

entende a espontaneidade como liberdade, identificando-a com a transcendência.

Então, poderíamos considerar, a partir deste ponto de vista, que improvisar é ser

livre.

Do ponto de vista teatral, o ancestral direto da moderna improvisação é

provavelmente a Commedia dell� Arte, que reinou na Europa do século XVI até

meados do século XVIII, quando o texto dramatúrgico ressurgiu no cenário teatral

9 Vários Autores. Grande Dicionário Larousse Cultural. São Paulo: Ed Nova Cultural, 1999, p. 513. 10 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 357. 11 Idem, p. 357

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de forma predominante, ocupando o espaço do teatro de improviso, que caiu na

obscuridade até que, separadamente e espontaneamente, foi, por assim dizer, �re-

inventado�, em meados do século XX, por Viola Spolin (1906-1994) e Keith

Johnstone.

Considerados como os pais da improvisação moderna, os dois dividem a

honra e a responsabilidade de terem influenciado, direta ou indiretamente, quase

tudo o que existe no campo da improvisação atualmente.

Em relação a Viola Spolin, um conjunto considerável de trabalhos existe no

Brasil12, mas não é sobre ela que versa esta dissertação. Todavia, ao falar da

metodologia criada por Keith Johnstone, paralelos entre as duas correntes serão

naturalmente estabelecidos. O próprio Keith Johnstone declara que, tivesse ele

tomado conhecimento das idéias da teatróloga norte-americana, seu trabalho

talvez tivesse sido influenciado por suas idéias.

Keith Johnstone, por outro lado, ainda é, infelizmente, quase inédito no

Brasil. Alguns poucos artistas conhecem a sua obra e um número menor ainda

aplica seus conceitos. Desconheço qualquer trabalho ou publicação feita a seu

respeito no Brasil.

Do ponto de vista oficial, de meados de 1994 até outubro de 2004, eu era a

única pessoa licenciada pelo International Theatresports Institute para apresentar

o espetáculo Teatro-Esporte e ensinar o método em nosso país. Atualmente, duas

outras companhias brasileiras passaram a integrar a família: O Teatro do Nada, no

Rio de Janeiro, e a Companhia Curitibana de Comédia, em Curitiba.

12 Dos trabalhos existentes, o de Ingrid Dormien Koudela é, na minha opinião, o mais importante, por ela ter introduzido o sistema criado por Viola Spolin no Brasil, traduzido sua obra e contribuído de forma significativa para a implantação do Teatro-Educação em nosso país, segundo aquele sistema.

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O surgimento no Brasil das duas novas companhias de Teatro-Esporte foi

motivo de muita alegria, depois de tantos anos trabalhando sozinha. A partir de

agora será possível compartilhar experiências, e esse novo panorama aponta para

a possibilidade de criação, num futuro próximo, de uma verdadeira liga nacional,

com a realização de campeonatos de Teatro-Esporte, a exemplo do que ocorre em

outros países.

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BREVE HISTÓRICO

Este capítulo não tem a pretensão de se constituir em uma história da

improvisação, mas um panorama geral faz-se necessário para que se possa

compreender minimamente a sua evolução.

Se considerarmos as primeiras manifestações dramáticas humanas como

tentativas de compreensão da natureza, do mundo e dos ciclos da vida,

encontraremos suas ações marcadas fortemente pela improvisação.

Certo é que, do homem primitivo, muito do que acreditamos ter sido sua

vida não passa de conjectura; porém, através de achados, pesquisas e

comparações com alguns grupos humanos que ainda sobrevivem em nossos dias,

em condições que julgamos apresentarem fortes semelhanças com nossos

longínquos ancestrais, torna-se possível estabelecer relações e delas extrair

elementos comuns que nos permitem vislumbrar como teriam sido esses primeiros

tempos.

Diante da tarefa de carregar um tronco de árvore, por exemplo, o homem

primitivo naturalmente faria uso da voz. E o faria não porque isso fosse belo, mas

porque fisicamente a tarefa seria facilitada pela emissão do som. A mimese desta

ação o conduziria ao conhecimento de uma intrincada rede de informações, que

lhe permitiria treinar as habilidades necessárias para a repetição desta ação com

alguma margem de sucesso. Observamos assim o nascimento da arte como fruto

da íntima relação do homem com a natureza, num ambiente em que o improviso

ocupa lugar de destaque.

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Do ponto de vista histórico, porém, das primeiras manifestações dramáticas

do homem primitivo à civilização grega, reconhecida como berço do teatro

ocidental, decorrem milênios dos quais poucos registros existem. Por essa razão,

torna-se bastante difícil traçar uma trajetória da história da improvisação,

sobretudo em sua origem.

Sabemos que o drama surge dos ritos gregos de morte e renascimento e

que estes eram permeados de improvisação.

As representações dionisíacas eram formadas em parte pelo ritual e em

parte por mimos-dramáticos improvisados e pelo ditirambo. Este último, côro

cantado por cerca de 50 homens ou crianças e dirigido por um Corifeu, possuía

uma forma mais lírica do que dramática e, no início, era improvisado.

Acredita-se que o Corifeu Téspis, em 534 a.C., tenha introduzido o

hipokrités (ator), dando vida à personagem descrita no ditirambo e que, como

elemento distinto do côro, podia dialogar com o Corifeu e dizer monólogos.

De acordo com a História, Ésquilo teria organizado os elementos

dramáticos que existiam de forma improvisada no ditirambo e dado forma à

tragédia, enquanto Aristófanes, cinqüenta anos mais tarde, teria feito o mesmo

com os cantos fálicos, dando forma à Comédia.

�Nascida, pois, de improvisações a princípio � tanto a tragédia como a comédia, uma por obra dos que regiam o ditirambo, a outra por obra dos que regiam os cantos fálicos, costume ainda hoje conservado em muitas cidades � a pouco e pouco a tragédia cresceu desenvolvendo os elementos que se revelavam próprios dela e, após muitas mudanças, estabilizou-se quando atingiu a natureza própria.�13

13 BRUNA, Jaime. A Poética Clássica. São Paulo: Cultrix, 1981, p. 23.

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Durante o século V a.C., assistimos ao nascimento de um tipo de drama,

que se afasta da religião e cujo foco está no texto dramatúrgico, apresentado nos

festivais para um júri de dez pessoas e realizado num espaço especial: o edifício

teatral.

Historiadores apontam, porém, que o teatro apresentado nos festivais (as

tragédias) não era o verdadeiro teatro do povo, que este estaria nas vilas e no

campo e seria marcado pela improvisação.

O teatro do povo existia nas festas populares, realizadas nos vilarejos, nos

cortejos dionisíacos da fertilidade, que ocorriam por ocasião da vindima por um

côro de foliões embriagados, vestindo máscaras exageradas, barrigas e nádegas

aumentadas por almofadas, e portando um grande falo. Esses alegres cortejos

tinham forte apelo sexual e faziam críticas à política e personalidades locais.

Dentre as primeiras tentativas de organização desses cortejos,

encontramos:

Comédia megária: improviso grosseiro e altamente popular, criado talvez

por Susarión, um dório da cidade de Megara, que apresenta em 750 a.C. as

primeiras obras cômicas, chamadas de farsas megárias.

Flíacos: precursores da farsa dórica, caracterizam-se por apresentar uma

farsa popular improvisada que imitava tipos, personalidades locais e fazia a

paródia das grandes tragédias.

Farsa dórica: surge no século V a.C. e utiliza-se de mimos baseados na

improvisação para atrair a atenção do público. Com o tempo, ela teria se

transformado em paródia.

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A comédia, enquanto gênero teatral, data de 486 a.C., portanto, como já

apontado anteriormente, surge 50 anos mais tarde do que a tragédia e é formada

pelo ágon (embate), luta (debate) e revista (sketches).

É com Aristófanes que a comédia vai encontrar uma organização que a

eleva à condição de arte. O que o público tem diante de si não é o herói da lenda

e a época dos mitos, mas a caricatura de si mesmo e do tempo presente.

O fim da Guerra do Peloponeso, em 338 a.C., com a derrota sofrida pelos

gregos, traz conseqüências que se farão sentir também no Teatro. A crise

financeira, por exemplo, leva à suspensão da Coregia, imposto cobrado dos ricos

para remuneração do côro, o que, por conseguinte, conduz ao desaparecimento

do mesmo. Do ponto de vista temático, o povo deseja a paz. Não há mais

interesse por debates políticos ou lutas partidárias, como encontramos nos textos

de Aristófanes. As peças do século IV são marcadas pelos temas da família e do

amor.

A comédia nova, também chamada de Néa14 trata essencialmente da

paixão. As peças discutem o amor, os prazeres e as intrigas sentimentais e

Menandro é seu principal representante. O teatro que faz é um retrato dos

costumes gregos e suas personagens são soldados, sogras, mercadores,

avarentos, etc.

Enquanto na cultura grega o teatro nasce da religião e é por ela fortemente

influenciado, na cultura romana o teatro vai surgir das competições. Ele, para o

romano, é ludus (jogo). O romano aprecia a comédia, especialmente a farsa e a

paródia. 14 BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro grego: tragédia e comédia. Rio de Janeiro: Vozes, 1984, 2ª ed., p. 71.

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Ambos, porém, têm em comum a improvisação como início.

Dentre as manifestações teatrais romanas de improviso, encontramos:

Fescenino � era uma improvisação livre, original da cidade de Fescennia,

acompanhada de dança e música, com elementos recitativos e de forte caráter

obsceno.

Satura � precursora da sátira, era uma representação também improvisada

de números �costurados�, daí o nome, com danças, cantos e bufonarias. De início,

eram representações executadas nas ruas e, posteriormente, passaram a ser

realizadas em tabernas e estalagens.

Atelana � Original da cidade de Atela, cidade grega sob domínio romano, é

a mais conhecida, por ser considerada como a manifestação teatral que teria dado

origem à Commedia dell�Arte. Nela, atores mascarados fazem sátiras de costumes

e pessoas, acontecimentos do dia e intrigas políticas. Acabaram por representar

papéis fixos que representavam determinados tipos: Maccus, Pappus, Bucco e

Dossennus. Com o tempo, as peças passam a ser escritas, permanecendo a

improvisação no trabalho do ator.

Mimo � No início, fazia uso da fala e da pantomima, mas com o tempo

evoluiu para pura mímica, fazendo do ator o elemento-chave de todo o

espetáculo.

A queda do Império Romano e a ascensão do Cristianismo, sob o domínio

da Igreja Católica, acarretaram significativa interrupção no desenvolvimento do

Teatro. Porém, esta não foi total, já que com relação ao teatro de improviso o

mesmo não ocorreu.

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O fato é que sem apoio, reconhecimento e espaço para suas

apresentações, atores e egressos do circo romano vêem-se obrigados a vagar de

vila em vila, apresentando seus números em troca de comida e abrigo.

Paralelamente a esse teatro itinerante, assistimos dentro do seio da Igreja

novamente ao renascimento do Teatro, inicialmente voltado à catequização, mas

que com o passar do tempo sucumbe à sua força profana e acaba por retornar às

suas origens: o povo.

O encontro do Teatro itinerante e do teatro religioso vai impulsionar o

ressurgimento do teatro com todas as estruturas e necessidades que ele

pressupõe.

Em meados do século XVI, com a retomada da antiguidade clássica, surge

na Itália uma forma de expressão teatral, cuja força se faria sentir por toda a

Europa e reinaria soberana por dois séculos e, embora sem o mesmo prestígio,

sua influência permanece, em maior ou menor grau, até os nossos dias.

A Commedia dell�Arte eleva a improvisação ao patamar de arte.

Fortemente influenciada pelas atelanas, ou como uma evolução destas, ela vai

especializar-se na representação de tipos e, para isso, faz uso da máscara e de

forte trabalho corporal.

Não havia texto, apenas um roteiro, e seus intérpretes afirmavam ser o

texto obra do ator. No início, chamava-se alguém para escrever um esboço, mas

com o tempo os próprios atores assumiram essa função.

Page 26: Improvisação K. Johnson.pdf

26

A partir de um canovaccio ou soggetto15, os atores improvisavam e as

companhias acabaram também por se especializar em determinados roteiros. Tal

especialização pode até ser questionada, já que, sem dúvida, limitou a liberdade

do improviso, mas do ponto de vista do ator a necessidade de especialização

técnica para a realização dos tipos trouxe uma importante e fundamental

contribuição para o teatro em geral: sua profissionalização e, por questões óbvias,

um enriquecimento para o teatro de improviso.

Em meados do século XVIII esse teatro entra em declínio e, dentre as

causas importantes, encontra-se a perda da vitalidade do improviso, já que a

profunda especialização fez com que os textos, mesmo não sendo escritos,

acabassem por dominar o ator, tornando-o um repetidor de algo memorizado. A

espontaneidade, elemento importante da improvisação, estaria a partir daí

comprometida. Outro fato importante e estreitamente relacionado ao primeiro é o

ressurgimento do texto dramatúrgico no cenário teatral.

O teatro de improviso continuaria existindo durante todo o século XIX nos

teatros de variedades, nos cabarés e nos circos, ou seja, mais uma vez, junto do

povo.

Mas, é no século XX que a improvisação ressurgirá de forma marcante,

seja como fonte de pesquisa de novas linguagens teatrais, seja como estudo

particular e espetáculo.

Como parte integrante do processo de criação de personagens, a

improvisação irá aparecer em métodos de interpretação, como o de Stanislavski,

15 Canovaccio ou soggetto eram roteiros ou esquemas usados pelos atores, a partir do qual criavam o espetáculo. A Commedia dell�arte era também chamada de Commedia a soggetto.

Page 27: Improvisação K. Johnson.pdf

27

mas também vamos encontrá-la, em parte, integrada no trabalho de Meyerhold,

que gostaria, aliás, de ter levado o seu teatro a um jogo livre em que os

trabalhadores pudessem usá-lo como relaxamento em seu próprio local de

trabalho. Ou no trabalho de Jacques Copeau, que irá empenhar-se em fazer um

teatro livre de tudo o que desvia a atenção daquilo que é essencial: o ator. Para

tal, recorre à simplicidade dos canovacci da Commedia dell�arte como forma de

despertar a imaginação e de desenvolver a capacidade de jogar e de inventar do

ator, valorizando a palavra, o gesto, o movimento e o silêncio. Ou no teatro de

Brecht, que queria um público curioso, que pensasse e tomasse partido.

Mas é com Viola Spolin e Keith Johnstone que o teatro de improviso

renasce de forma autônoma em meados do século XX.

Apesar de não ser objetivo desta dissertação falar do método de Viola

Spolin, alguns pontos devem ser destacados, dada a importância e a influência da

teatróloga americana no universo da improvisação.

Viola Spolin inicia o seu trabalho no final dos anos 30, em oficinas para

crianças de 7 a 14 anos com o objetivo de fazê-las entrar em contato com o

mundo do Teatro. Para tal, cria um sistema cuja aplicação contribuiu de forma

significativa para o desenvolvimento do que se convencionou chamar de Teatro-

Educação. Formado por jogos, que, aplicados em ordem de dificuldade

progressiva, promovem o entendimento do fazer teatral, o sistema criado por Viola

Spolin parte do conhecimento e da determinação do onde, quem e o quê para a

criação de cenas.

Page 28: Improvisação K. Johnson.pdf

28

�Enquanto Chicago se divertia com o renascimento da improvisação nos anos 60, um inglês estava fazendo o seu próprio barulho no Canadá. Um professor da Universidade de Calgary, K.J., notou que o teatro não atingia as massas. Ele queria criar um espetáculo que chamasse a atenção de pessoas que gostavam de outras atividades, como eventos esportivos.

Não diferente de Shakespeare em seus dias, Johnstone queria alcançar as pessoas comuns com a arte. Sua criação, o Teatro-Esporte, combina jogos de improvisação com sistema de pontuação adicionando uma mistura de competição no palco.�16

Embora o trabalho de Viola Spolin tenha se iniciado bem antes do de Keith

Johnstone, é nos anos 60 que a transposição para o palco ganha impulso e suas

idéias começam a ser difundidas com a publicação do livro Improvisation for the

Theatre17, em1963. De 1960 a 1965, Viola Spolin ministrou workshops na

companhia de improviso Second City, de Chicago, fundada nos anos 50 por Paul

Sills, e depois em 1965, também com seu filho, funda o Game Theatre, em

Chicago. Esse movimento precede em muito pouco o aparecimento do Theatre

Machine, de Keith Johnstone, em Londres.

Viola Spolin e Keith Johnstone criam modos diferentes de se abordar a

improvisação que tem como ponto de partida o método de Stanislavski e que, por

essa razão, vez por outra, inevitavelmente, também se encontram.

O avanço (ou renascimento) do teatro de improviso, como consideram

alguns estudiosos, ocorrido nos anos 60, simultaneamente nos dois continentes, e

traduzido, principalmente, no trabalho dos dois teatrólogos, talvez seja reflexo das

mudanças significativas de pensamento e comportamento, em várias áreas,

ocorridas no período, mas sinaliza também a força desse tipo de teatro, que não

16 BEDORE, Bob. Improv Games for children and adults. Alameda: Hunter House, 2004, p. 101. 17 Improvisação para o teatro foi traduzido para o português por Ingrid Dormien Koudela e Eduardo José de Almeida Amos.

Page 29: Improvisação K. Johnson.pdf

29

consegue se render por muito tempo a padrões estéticos que não levam em

consideração a liberdade de criação do ator e um envolvimento maior e direto do

público na condução do espetáculo e das idéias a serem nele discutidas.18

Keith Johnstone declara ter sido o trabalho sobre as motivações de

Stanislavski o que deu o impulso que lhe faltava para colocar em prática suas

idéias. Como algumas idéias de Brecht também estão presentes de forma

bastante acentuada em seu método de improvisação, seja do ponto de vista de

princípios, como de jogos do Teatro-Esporte que traduzem estratégias do

teatrólogo alemão, deixarei para comentar as influências de ambos, ao falar do

método de Keith Johnstone.

18 Em termos de Brasil, Augusto Boal e o seu Teatro do Oprimido também representam essa tendência. Com respeito ao teatrólogo brasileiro, a título de curiosidade, nota-se nos últimos anos um interesse crescente e significativo de algumas companhias de improviso, no exterior, incluindo as de Teatro-Esporte, por seu trabalho.

Page 30: Improvisação K. Johnson.pdf

30

KEITH JOHNSTONE E A CRIAÇÃO DO MÉTODO

No início da década de 50, Keith Johnstone percebeu que a sua criatividade

encontrava-se estagnada. Por mais que olhasse ao seu redor, não conseguia

buscar inspiração para suas pinturas, que considerava medíocres, embora

dominasse as técnicas de execução. Também percebia que sua capacidade para

manter contato com outras pessoas estava bastante prejudicada. Não conseguia

expor suas idéias nem manter vínculos afetivos. Nada lhe parecia suficientemente

forte para motivá-lo a tomar iniciativas ou levar a cabo alguma empreitada. O

mundo, segundo suas próprias palavras, era cinza.

Um forte sentimento de fracasso o perseguia e ele se questionava sobre o

que lhe teria acontecido. Como podia ser possível que alguém, depois de tantos

anos de estudo, não fosse capaz de devolver ao mundo alguma coisa que

prestasse?

�Eu me sentia aleijado e incapacitado para a vida, então decidi me tornar professor.� 19

Para tentar vencer a sua insegurança, Keith Johnstone inscreveu-se num

curso de magistério. Acreditava que tendo um professor de enfrentar uma classe,

inevitavelmente receberia treinamento para tal. E, isso, claro, o tornaria uma

pessoa mais forte.

O curso, no entanto, não trouxe o que ele esperava. Porém, foi justamente

na aula de desenho que ele começou a entender um pouco o que se passava. De

saída, achou que �daria um banho� nessa disciplina. O �banho� que levou foi tão 19 JOHNSTONE, Keith. Impro � Improvisation and the theatre. Londres: Methuen. 1983, 3ª ed., p. 18.

Page 31: Improvisação K. Johnson.pdf

31

grande, que acabou por ser um dos pontos de partida para o método que ele viria

a criar anos mais tarde. A Anthony Stirling, esse professor a quem chama de

mestre, ele diz dedicar a sua obra.

O professor, no primeiro dia de aula, distribuiu folhas de papel e tinta para

os alunos. Keith Johnstone sorriu, ansioso por demonstrar suas habilidades em

pintura. Então, o professor pediu para que os alunos imaginassem um palhaço em

cima de um monociclo. A seguir, pediu para que pintassem com tinta preta as

marcas deixadas pelo pneu do monociclo na folha de papel. Os alunos se

entreolharam. A quem poderiam interessar marcas de pneus, se a Arte está no

palhaço?, pensava Keith Johnstone. Não! Ele precisava mostrar que era criativo.

Que era um artista. Decidiu misturar um pouco de tinta azul ao preto. O professor

dirigiu-se a ele, perguntando-lhe se possuía alguma inabilidade em trabalhar com

a cor preta. Isso o irritou. Terminada a primeira parte do exercício, o professor

instruiu os alunos para preencherem com tinta colorida os espaços criados pelas

marcas do pneu. Esse homem deve ser um maluco!, a classe começou a provocá-

lo. Impassível, ele respondia a cada uma das indagações.

Quando o exercício terminou, as folhas de todos eram perfeitos borrões.

Que idiota, pensava Keith Johnstone. Que perda de tempo.

O professor, então, foi até o armário e de dentro tirou um maço de folhas

com o mesmo exercício e espalhou-as pelo chão. Eram lindas. As cores eram

vibrantes. As folhas deviam pertencer a uma turma mais adiantada. Bem, afinal,

esse homem devia ter algo para nos ensinar, pensou. Mas, foi aí que Keith

Johnstone se deparou com algo que chamou a sua atenção. As assinaturas eram

feitas com uma caligrafia muito instável. Aqueles desenhos pertenciam a crianças.

Page 32: Improvisação K. Johnson.pdf

32

Isto foi um choque e o primeiro passo para a criação do método: o

questionamento da educação. Como pode um processo que se pressupõe

desenvolver o indivíduo, embotar e destruir a sua criatividade? Posteriormente,

sua curta carreira, como professor de ensino fundamental numa escola da periferia

de Londres, só viria a corroborar suas desconfianças.

�Eu comecei a pensar nas crianças não como adultos imaturos, mas nos adultos como crianças atrofiadas.� 20

O passo decisivo, porém, aconteceu em 1956, quando Keith Johnstone já

trabalhava no Royal Court Theatre.

20 Idem, p. 25.

Page 33: Improvisação K. Johnson.pdf

33

O ROYAL COURT THEATRE

Dificilmente uma obra é forjada como fruto exclusivo de uma única fonte. O

Teatro-Esporte não é exceção. Mas, existem algumas fontes cujas fortes

influências são inegáveis, seja pela força das convicções que abraçam, seja pelo

espaço de reflexão e experimentação que proporcionam.

O Royal Court Theatre, sem dúvida, ocupa lugar de destaque, sem o qual,

talvez, Keith Johnstone jamais tivesse enveredado pelo caminho da improvisação

nem pensado na criação do Teatro-Esporte.

Contar a história do nascimento do Teatro-Esporte é também falar da

história dos primeiros tempos do Royal Court Theatre e da figura de George

Devine.

�Não temos tempo para memórias, só para experiências.�21

Esta frase de George Devine, proferida em uma entrevista por ocasião do

segundo aniversário do teatro, encontra-se na base do trabalho do Royal Court

Theatre, mas também aponta semelhanças com o mecanismo de trabalho do

próprio Teatro-Esporte.

Para Devine, talvez a frase significasse uma tentativa de apagar a

lembrança da longa jornada de tentativas e experiências fracassadas do passado.

21 DEVINE, George Apud ROBERTS, Philip. The Royal Court Theatre and the modern stage. Cambridge: University Press, 1999, p. 45

Page 34: Improvisação K. Johnson.pdf

34

Para o Teatro-Esporte, a lembrança de que o que importa é a experiência

presente da cena.

Em 1935, George Devine, já um diretor e produtor de renome, juntamente

com Michel Saint-Denis, de quem fôra aluno e que considerava como mentor e

amigo, fundam o London Theatre Studio. Saint-Denis era sobrinho de Jacques

Copeau e fôra para a Inglaterra, inspirado pelo trabalho do tio, em busca de um

novo espaço onde pudesse desenvolver suas idéias.

Durante quatro anos George Devine empreendeu todos os esforços

possíveis para manter o Studio aberto, mas, com a eclosão da 2ª Guerra Mundial,

ele foi fechado e Devine enviado para servir o país.

Logo se tornaria claro para Saint-Denis que não havia mercado para suas

idéias em Londres, mas ele tampouco queria voltar para a França. Assim, junto

com dois colaboradores, pôs-se a gastar boa parte do tempo organizando

intermináveis listas com nomes de possíveis patrocinadores para o Studio. Visitou

instituições e diversas universidades, sempre sem sucesso. Uma recusa ao seu

projeto veio até da Aliança Francesa.

Enquanto isso, Devine, servindo em Burma (atual Myanmar), na Indochina,

fazia planos e trocava correspondência com Saint-Denis, que, estimulado pelos

sonhos do amigo, não desistiu e acabou por criar os esboços para o que mais

tarde viria a se tornar o Old Vic Theatre Center, o centro de pesquisa teatral do

Old Vic Theatre.

Com o final da guerra, em 1945, Devine volta para casa, arregaça as

mangas e se torna efetivamente responsável pela criação dessa versão pós-

guerra do London Theatre Studio.

Page 35: Improvisação K. Johnson.pdf

35

Devine, Saint-Denis e Byan Shaw, também parceiro fundamental nessa

empreitada, desenvolvem aquilo que é considerado como o maior experimento em

teatro no pós-guerra, na Inglaterra, e passam a ser chamados de �os três

rapazes�.

No entanto, o que parecia ser um animado recomeço duraria pouco e os

três rapazes logo se veriam sob forte pressão. O teatro que faziam estava na mira

dos agentes do governo responsáveis pela cultura. A Câmara dos Lordes queria a

criação de um Teatro Nacional, tendo o Old Vic Theatre como centro. O pouco

entendimento e a falta de sensibilidade de Lorde Esher, então responsável pela

cadeira de Teatro na Câmara, levou-o, numa raivosa demonstração de poder, a

se recusar a renovar o contrato de Lawrence Olivier, um dos três diretores da Old

Vic Company. Ao mesmo tempo, fez questão de deixar claro que a situação do

Old Vic Theatre Center era instável. Esher não concordava com a linha

experimental adotada, vivia em constante atrito e não disfarçava sua hostilidade

às teorias e ao que considerava �estrangeirismos� de Saint-Denis. Acabou por

nomear, pessoalmente, um quarto diretor para o centro.

Esse foi o marco para o início do fim do projeto criado por Devine e Saint-

Denis.

No início de 1951, Lorde Esher anunciou que só haveria verba para três

diretores e imediatamente prorrogou o contrato do diretor nomeado por ele até

1955. Não havia mais atmosfera para continuar o trabalho e, em maio do mesmo

ano, Saint-Denis, Devine e Byan Shaw pediram demissão, que foi prontamente

aceita. Nos meses seguintes, com a chegada dos dois novos diretores, o

fechamento do centro foi imediatamente recomendado.

Page 36: Improvisação K. Johnson.pdf

36

Em protesto, quinze professores pediram demissão e os noventa alunos

fizeram um abaixo-assinado, que foi publicado no The Times em 25/05/1951.

Um ano mais tarde não havia o menor vestígio do pensamento nem da

estrutura criada pelos três rapazes no Old Vic.

Sem outra alternativa, os três se separaram. Byan foi para o Stratford

Memorial Theatre, Saint-Denis voltou para a França como diretor do Centro

Dramático Nacional do Leste, em Strasbourg, e Devine virou independente.

Apesar de ter trabalhado muito, num curto período, Devine não aceitava a

derrota e fazia planos. Seu desejo de tornar as idéias do Old Vic novamente uma

realidade e de reunir os três rapazes ocupava a maior parte do seu tempo.

Chegou a recusar um convite para administrar a companhia de Lawrence Olivier,

por lealdade a Saint-Denis.

A oportunidade veio por acaso. Tony Richardson, um jovem produtor da

BBC, telefonou para Devine convidando-o para dirigir o piloto de um programa.

Devine recusou, mas como o produtor insistisse muito, acabou aceitando.

Devine encontrava um novo parceiro. Richardson era jovem e Devine tinha

nome, conhecimento e experiência. Os dois traçaram planos e essa aliança

possibilitou o lançamento das bases para a fundação do moderno palco britânico.

Segundo relatos, Devine parecia mudado. Não mais estava interessado

em re-agrupar os três rapazes e parecia não estar mais empenhado na criação de

um novo trabalho em teatro para os atores; ele estava agora empolgado com a

idéia de ter um teatro que encorajasse novos autores.

Richardson e Devine se puseram a procurar um teatro. Nessa mesma

época, o The Times informava o arrendamento do Royal Court Theatre, por Alfred

Page 37: Improvisação K. Johnson.pdf

37

Esdaile, por um período de quarenta anos e meio. O Royal Court Theatre estava

associado a nomes e eventos legendários da história do teatro inglês e Devine

achou que esse era o teatro perfeito para desenvolver o seu projeto. Durante dois

anos, lutou junto com Richardson para comprar de Alfred Esdaile o direito de uso

do teatro. A resistência era imensa e extremamente dificultada pelo fato da

decisão final envolver agentes do governo.

Quatro projetos de ocupação do espaço foram elaborados, entre março e

agosto de 1953. Vários colaboradores trabalharam no aprimoramento dos

esboços.

Devine propunha uma ocupação inicial de três anos, com Richardson

como seu assistente. O repertório deveria ser composto, em sua grande maioria,

por textos novos; seria criado um clube e projetos de treinamento de ator deveriam

ser desenvolvidos. Seria igualmente importante que os trabalhos a serem

realizados permitissem conexões com outras artes.

Na verdade, essa proposta não era de todo inovadora. Muitas das idéias

de Saint-Denis, que por sua vez derivavam das de Jacques Copeau, estavam

presentes; o que diferia era o fato de Devine priorizar a montagem de textos

novos.

�A política do Royal Court Theatre será encorajar uma dramaturgia não ficcional oferecendo um teatro onde os autores contemporâneos possam se expressar mais livremente e com maior freqüência do que é possível sob condições comerciais.�22

22 Idem, p. 9

Page 38: Improvisação K. Johnson.pdf

38

Richardson e Devine procuravam de todos os modos levantar fundos

através dos contatos que possuíam, ao mesmo tempo em que tentavam

convencer Esdaile a se desfazer do teatro que ele transformara em um clube de

teatro só para associados. Esdaile, por sua vez, como a insistência fosse grande e

antevendo possibilidades de lucro, numa jogada comercial, abriu o teatro ao

público em geral, em junho de 1953, colocando o Royal Court novamente no

roteiro teatral de Londres. O sucesso da temporada reforçou ainda mais a recusa

de Esdaile em se desfazer do teatro.

O Conselho de Arte, por sua vez, achava que o projeto de Devine deveria

ser alocado no Westminster Theatre, onde funcionava o London Mask Theatre.

Devine concluiu que o problema não estava no projeto, mas na maneira

como estava sendo encaminhado.

Na ocasião, por uma confusa sucessão de acontecimentos e, talvez, feliz

coincidência, nascia em Londres um movimento coordenado por Ronald Duncan e

Oscar Lewestein para a produção de textos não comerciais de autores

desconhecidos, que resultou no Torridge Festival, com enorme sucesso de

público.

Embalado pelo impacto causado pelo festival, Duncan começou a manter

contato com Esdaile, em 1954, e a montar a sua própria companhia. Dos sete

nomes presentes no estatuto, quatro pertenciam ao Conselho do Royal Court

Theatre, mas problemas legais em torno do nome da companhia fizeram com que

o negócio não pudesse ser fechado de imediato.

Esdaile, a essa altura, já se mostrava mais permeável e disposto a permitir

que uma companhia de teatro usasse o Royal Court como sede administrativa.

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39

Em julho de 1954, a companhia de Duncan, aproveitando em seu projeto a

estrutura do Torridge Festival, torna-se The English Stage Society Ltd.

Esdaile acabou concordando em arrendar o teatro para Duncan, mas exigiu

um diretor artístico de peso. E, por uma guinada de sorte, em toda essa confusa

negociação, o diretor indicado por Esdaile não foi ninguém menos do que George

Devine.

Duncan e Lewestein terminaram por reconhecer que Devine era a parte

central de um pequeno grupo de artistas com reconhecimento, coisa que lhes

faltava.

Assim, o ultra-profissionalismo de Devine e o amadorismo de Duncan se

associaram, em fevereiro de 1955, e Devine tornou-se o primeiro diretor artístico

da - agora - English Stage Company, tendo Richardson como seu assistente.

Aqui começa, de fato, a realização do sonho de Devine e a moderna

história do Royal Court Theatre. Uma história que se mistura à história do teatro

contemporâneo inglês.

Lá foram encenadas algumas das peças que mais influenciaram a história

do teatro moderno, por uma companhia forjada no pós-guerra, cuja criação reflete

não só o difícil momento de reconstrução da vida cultural inglesa, mas exemplifica

a feroz batalha travada contra uma tradição teatral secular e contra a censura.

�O papel do produtor como condutor de interpretações é encontrar o coração da peça, para representar o autor, para relacionar a peça ao público de forma que o impacto seja real e não teatral. (...) As produções devem se atualizar � métodos precisam mudar. O produtor deve estar afinado com o seu tempo

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� deve fazer uma arte popular � não para poucos intelectuais especiais.�23

Esta fala de Devine, proferida diante dos membros do Conselho Britânico,

em 1948, havia provocado sua demissão do Old Vic e, ironicamente, abrira-lhe as

portas para o Royal Court Theatre. Nem por isso os primeiros tempos no teatro

deixaram de ser conturbados, a exemplo das fracassadas experiências anteriores.

Devine e Richardson queriam organizar o teatro segundo o modelo que haviam

planejado durante anos. Para isso, Devine reuniu parte de suas antigas equipes, e

a impressão causada foi a de que a um só tempo haviam ressurgido o London

Theatre Studio e o Old Vic Theatre Center, mas com diferenças. Os trabalhos não

eram tão meticulosos como o método de Saint-Denis exigia, e Devine dava mais

liberdade a seus atores do que este último teria permitido.

O fato é que Devine estava tentando não repetir o passado, e sua maior

preocupação residia na qualidade do texto e não no aspecto visual do espetáculo.

A exigência com relação à excelência da dramaturgia deixou Duncan e

Lewenstein insatisfeitos, porque durante meses nem um texto novo sequer havia

sido lido, alguns haviam mesmo sido rejeitados, e isso contrariava a base da

parceria. Ambos acusavam Devine e Richardson de conduzirem sozinhos a

política do teatro.

Textos de Lorca, Wedekind e Pirandello estavam sendo montados, mas

onde estavam os novos autores?

Em meados de 1956, Devine e Richardson acataram as críticas e

arriscaram contratar um desconhecido para ler textos: Keith Johnstone. 23 Ibidem, p. 9.

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41

Keith Johnstone tinha pouca ou quase nenhuma experiência em teatro e,

por essa razão, relutou em aceitar de imediato. Mas, como era um emprego e na

ocasião estivesse sem dinheiro, mesmo sabendo de suas limitações, acabou por

aceitar a oferta.

Seu trabalho consistia em fazer a primeira triagem dos textos enviados por

novos autores. Os textos selecionados deveriam conter marcas pessoais, ou seja,

deveriam revelar experiências pessoais do autor mais do que sua experiência

teatral ou domínio técnico em sua construção.

Keith Johnstone saiu-se muito bem na tarefa, afinal ele próprio gostava

muito de escrever e já havia feito algumas pequenas incursões como autor de

roteiros para cinema. Logo se tornou chefe do departamento de textos, que, aliás,

possuía apenas dois funcionários, dos quais ele era um. Isso exemplifica a

estrutura burocrática imposta e estimulada por Devine, na firme administração do

teatro. Nada e nenhum dos textos selecionados poderia chegar às suas mãos nem

às de Richardson sem que fosse acompanhado por um memorando datado e

assinado. Caso contrário, ele devolvia o material com um bilhete.

Apesar da burocracia imposta por Devine, Keith Johnstone considerava que

o trabalho em si era muito fácil porque a maioria dos textos eram cópias ou

pseudo-obras originais cunhadas a partir de autores já consagrados. Segundo ele,

Beckett era o mais copiado.

Mesmo assim, em pouco tempo o Royal Court Theatre abrigaria um número

considerável de novos autores.

Devine alardeava que a cultura dominante excluía uma quantidade

expressiva de pessoas talentosas, que não tinham tido acesso a uma boa

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educação. Não se tratava de uma idéia original, mas o fato de Devine, com seu

profissionalismo exagerado, estar realmente praticando essa idéia, tornava-a

original.

�Ele acolheu os �marginais� em sua �casa� sob a assunção de que eles poderiam saber o que era bom para o teatro.�24

Isso criou uma espécie de mito, em torno do qual dizia-se que uma �horda

selvagem de autores proletários estava sendo contrabandeada para o palco�25.

Os autores dos primeiros tempos, embora tivessem tido alguma experiência

anterior e algum reconhecimento, dificilmente teriam tido oportunidade real não

fosse o Royal Court, e muito menos poderiam reclamar para si o título de autores.

Eram amadores que vinham das mais diversas profissões. Havia um padeiro, um

aprendiz de alfaiate, dois estudantes universitários, um professor de escola

particular, uma ex-professora de escola pública, duas novelistas, um poeta, um

arquiteto e Keith Johnstone.

�O que o Court lhes deu foi um palanque aberto onde eles podiam dizer exatamente o que queriam, e o resultado foi uma vivência dramática de uma espécie sem precedentes na história do teatro inglês. Nunca antes um teatro havia tratado sem reservas os autores, e subordinado todas as outras prioridades para fazer justiça aos novos textos.�26

A atmosfera existente no teatro acabou alcançando o público e gerando

grandes expectativas quanto aos próximos trabalhos. Não havia como prever o

24 WARDLE, Irving. The Theatres of George Devine. Londres: Johnathan Cape, 1978, p.194. 25 Idem, p. 195. 26 Ibidem, p. 198.

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43

que aconteceria, nem classificar o que faziam. Tudo era sempre novo e diferente.

O que todos, no entanto, percebiam é que ali estava sendo criada uma

dramaturgia fruto da experiência e não a partir de modelos.

Devine instituiu algumas novidades. Os autores tinham passe livre nos

ensaios e cadeira cativa nos espetáculos. As peças deveriam ser conhecidas pelo

nome de seus autores e não por seus títulos. Assim, se ocorresse de um mesmo

autor ter duas peças encenadas ao mesmo tempo, todos deveriam referir-se a

elas como sendo Fulano I e Fulano II.

�A única forma de ensinar a um dramaturgo o seu ofício, disse Devine, é colocar a sua peça no palco.�27

E, embora, em geral, gostasse de mostrar-se uma figura paternal para os

seus autores, e admirasse pessoas com habilidade verbal, porque sentia que essa

qualidade lhe faltava, tinha suas preferências e não as escondia.

O descompasso que havia entre o que o público achava do teatro e o que

de fato ocorria internamente aumentou a tensão entre a administração e os

autores. Em 1958, Devine, para contornar a situação, cria o Grupo de Autores.

�George Devine anunciava aos quatro cantos que o Royal Court era um �teatro de autores�, mas os autores não tinham muita voz na política do teatro. George pensou, então, que um grupo de discussão corrigiria isso e, ele mesmo, presidiu três encontros que foram tão tediosos que ele passou o trabalho para William Gaskill, um de seus mais jovens diretores. Bill havia dirigido a minha peça Brixham Regatta, e me perguntou como eu coordenaria o grupo. Eu disse que se ele continuasse a funcionar como um grupo de conversa de bar todo mundo o abandonaria, e que nós

27 Ibidem, p.192.

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deveríamos estar de acordo em não discutir nada que não pudesse ser representado. Bill concordou e o grupo começou a funcionar como um grupo de improvisação.� 28

Esta fala de Keith Johnstone é corroborada por uma de Irwing Wardle, ao

referir-se aos primeiros encontros do grupo como �restritos a inócuas discussões

sobre a situação do teatro�29. Alguns meses mais tarde, porém, o grupo

encontraria um propósito em torno do qual se reunir. O resultado do que lá eles

desenvolveram fez-se sentir por todo o teatro e uma nova área da dramaturgia

parecia estar prestes a surgir.

�Isso deu ao grupo uma causa comum, e as reuniões comandadas por Gaskill e Keith Johnstone deram aos autores um caminho para a experimentação. Ninguém sofria de bloqueio de escrita e todo material trazido para o grupo era imediatamente transposto para a improvisação. Todas as quartas-feiras, durante dois anos, escritores como Jellicoe, Wesker, Soyinka, Edward Bond e David Cregan participaram desses encontros e trabalharam passagens de suas peças. Do grupo surgiram muitas peças e foi lá que K.J., influenciado pelas aulas de máscaras de Devine, com sua trupe de Máscaras, criou o Theatre Machine.�30

O grupo inovava, experimentava, e o Royal Court Theatre foi, de fato, se

firmando como um teatro de autores.

George Devine, por sua vez, segundo relatos, não nutria sentimentos muito

positivos em relação ao grupo. Não chegava a ser hostil, mas para ele tratava-se

de autores que simplesmente estavam lá.

28 JONHSTONE, Keith. Impro,Op. cit., p. 26. 29 WARDLE, Irving. The Theatres of George Devine. Op. cit., p. 195 30 Idem, p. 199-200.

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45

�Ele se referiu uma vez ao grupo como sendo um grupo de autores de segunda linha. Ele incluía (Arnold) Wesker. E, certamente, incluía Edward Bond e Keith Johnstone, os quais ele julgava não estarem à altura.� 31

Em 1961, Devine produziu uma série de memorandos que anunciavam

mudanças na política do teatro. A partir daquele momento as peças seriam

classificadas como: Star Shows, Normal Shows e Experimental Shows. A primeira

categoria poderia pautar o teatro por um período mínimo de oito semanas. A

segunda categoria, por seis semanas, e a terceira, por apenas três semanas.

Os ânimos mais uma vez se acirraram, pois as produções internas do

teatro não se enquadravam nem na primeira nem na segunda categoria. Duncan e

Lewenstein protestaram e o Conselho Britânico passou o comando do teatro para

um triunvirato formado por Gaskill, Dexter e Anderson.

Com Gaskill no comando, Keith Johnstone torna-se Diretor Associado do

teatro.

Em 1963, um memorando de Devine solicitava a criação de um Studio para

o desenvolvimento de todos os tipos de artistas de teatro e de um núcleo para a

companhia de atores. A idéia do Studio vinha do trabalho que desenvolvera com

Saint-Denis e que, por sua vez, era inspirado em Jacques Copeau.

O objetivo era atingir um novo público, especialmente o público jovem.

O Conselho aprovou as mudanças e, em 17 de fevereiro, em caráter

experimental, por um período de dez semanas, começava a funcionar o Court�s

Actors� Studio, tendo Gaskill como diretor.

31 ROBERTS, Philip. The Royal Court Theatre and the Modern Stage. Op. cit., p. 72.

Page 46: Improvisação K. Johnson.pdf

46

Keith Johnstone passou a dar aulas no recém criado Studio e como,

naquele momento, ainda pouco entendesse a respeito de treinamento de ator, ele

decidiu ensinar Habilidade Narrativa.

Nos três anos que se seguiram, até a morte de Devine, em 1966, Keith

Johnstone desenvolveu as suas idéias com os alunos do Studio, e criou o Theatre

Machine, a estrutura de espetáculo de improviso que deu origem ao Teatro-

Esporte.

Page 47: Improvisação K. Johnson.pdf

47

O MÉTODO

O método de improvisação criado por Keith Johnstone, que é considerado,

por alguns críticos e estudiosos, como primo da Commedia dell' Arte, por outros,

como a realização do sonho de Brecht e, por outros ainda, como um extrato do

método de Stanislavski (aliás, estilos teatrais opostos e bastante conflitantes),

trata, na verdade, de princípios básicos do teatro. Aquilo que acreditamos ter sido

a relação do público e dos atores na origem do próprio teatro. Ou, ainda, talvez, o

comportamento do povo e dos sacerdotes na celebração dos ritos ancestrais.

Brecht dizia que o teatro deveria ser como o futebol, capaz de mobilizar o

público como num estádio.

Stanislavski dizia que era necessário buscar os motivos das ações, gestos

e falas das personagens.

A Commedia dell� Arte, através de situações improvisadas, desnudou e

explorou os vícios e as virtudes de tipos representativos da natureza humana, nas

suas personagens.

Os ritos, por sua vez, ou expurgavam o mal, ou apaziguavam os mortos, ou

exortavam a natureza para que a vida florescesse e fosse boa para todos.

Page 48: Improvisação K. Johnson.pdf

48

PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS

O método que ele criou tem por objetivo devolver a espontaneidade ao ator,

cujo passo inicial seria a aceitação de suas próprias idéias. Para isso, ele lança

mão do jogo, que na visão aristotélica é uma atividade que se executa por si

mesma, escolhida por si só e não pela finalidade ou resultado que produz.

Para J. Huizinga, o jogo �se insinua como atividade temporária, que tem

uma finalidade autônoma e se realiza tendo em vista uma satisfação que consiste

nessa própria realização.�32

Sendo o homem dotado de inteligência, é de sua natureza criar. Criamos a

partir de idéias. Locke e Descartes dizem que a idéia é o objeto imediato do

pensamento. Idéia, para Descartes, é aquilo que o homem encontra em seu

espírito quando pensa. E por pensamento entende, segundo suas palavras, �tudo

o que acontece em nós, de tal modo que o percebamos imediatamente por nós

mesmos; por isso não só entender, querer e imaginar, mas, também, sentir é o

mesmo que pensar.�33

John Dewey acredita que a idéia é acima de tudo uma antecipação de

alguma coisa que pode acontecer. A idéia marca a existência de uma

possibilidade. A essa visão junta-se a de Heidegger, que coloca a idéia como um

projeto cuja existência só se dará se presentificada pelo ser-aí (dasein), que para

ele é o modo constitutivo do Homem. É sendo-aí que o homem existe, porque a

partir dessa condição de abertura para a experiência ele pode captar o mundo e

32 HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2004, 5ª ed, p. 12 . 33 ABBAGNANO Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 751.

Page 49: Improvisação K. Johnson.pdf

49

responder àquilo que se apresenta. O ser-aí é sempre a sua possibilidade, e é

sendo-aí que o homem constrói o seu modo de ser, a sua existência, a sua

história.

Se a idéia é o objeto imediato do pensamento ou uma possibilidade de ser,

por que ter idéias, às vezes, nos parece tão custoso?

Keith Johnstone afirma que a questão não está em ter ou não idéias, mas

sim em aceitar as idéias que temos.

Platão nos ensinou que, além do mundo de objetos mutáveis e destrutíveis,

há um outro mundo de Formas eternas e imutáveis: o das Idéias. Um mundo ao

qual ele acreditava só ter a mente humana possibilidade de acesso, através de um

processo de educação. É justamente aí que Keith Johnstone acredita estar o

problema, pois, embora do ponto de vista metafísico a perfeição não seja jamais

alcançada, a Educação, mais especificamente a Escola (o lugar destinado e

reservado para esse fim, de forma organizada), em geral, nos leva a acreditar que

é possível tocar a perfeição, na medida em que nos apresenta modelos como

totalidade e não como possibilidades de fazer ou pensar.

�Eu tentava resistir à minha educação escolar, mas eu admitia o fato de que a minha inteligência era a minha parte mais importante. Eu tentava ser �inteligente� em tudo o que fazia. O prejuízo foi maior nas áreas em que os meus interesses e os da escola pareciam coincidir: escrever, por exemplo (eu escrevia e re-escrevia e perdia toda a minha fluência). Eu esquecia que a inspiração não é intelectual, que a gente não tem que ser perfeito. Por fim, eu estava relutante em prestar atenção em qualquer coisa, por medo do fracasso; e os meus primeiros pensamentos nunca pareciam bons o bastante. Tudo tinha de ser corrigido e devidamente ordenado.�34

34 JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 17.

Page 50: Improvisação K. Johnson.pdf

50

Talvez porque imaginamos ser possível alcançar o mundo das Idéias,

acabamos por nos lançar numa busca desenfreada pela perfeição. Porém, quanto

mais perseguimos esse objetivo, mais nos distanciamos do que efetivamente

temos nas mãos. Vamos, sem que percebamos, deteriorando nossa capacidade

de ver e escutar os apelos que nos são feitos a cada momento. Vamos destruindo

nossas idéias, antes mesmo de elaborá-las. Criticamos antes mesmo de termos

algo concreto a criticar. E, como conseqüências inevitáveis, temos, com o passar

do tempo, a imobilidade e o forte sentimento de impotência e fracasso, que

acabam nos trazendo resultados bastante desastrosos (os psicólogos que o

digam!). Ter idéias, para nós, passa a ser considerado como uma tarefa que

demanda muito esforço.

E no Teatro?

O que ocorre com um ator no momento em que se pede para que dê uma

idéia, para que crie algo no palco?

Quanto tempo decorre desde a solicitação até a efetiva ação?

Que grau de satisfação ele obtém com sua obra?

É provável que seu olhar se dirija, imediatamente, para o alto e para a

frente, como se existisse um local definido para o mundo das idéias. Então, alguns

infindáveis milésimos de segundo terão transcorrido até que ele responda,

provavelmente com um sorriso embaraçado nos lábios, que não teve nenhuma

idéia. A cabeça penderá para baixo e ele terá muita dificuldade em manter o

contato visual com você. Para o observador, a percepção que se tem é a de

alguém que diminui fisicamente, numa tentativa mágica de desaparecer.

Page 51: Improvisação K. Johnson.pdf

51

Lidar com as idéias, tanto com as que buscamos, como com as que

aparecem em nossa mente sem serem chamadas, é uma tarefa muito difícil. Difícil

porque tentamos exercer controle sobre elas. Para Keith Johnstone, o que ocorre

é que as primeiras idéias que vêm à mente são, em geral, obscenas, psicóticas e

não originais. Por isso, vamos jogando fora essas idéias, esperando por aquela

que nos tornará, aos olhos do interlocutor (do mundo), alguém digno de ser

ouvido. O problema é que nenhuma idéia será boa o bastante. Então, de fato,

dizemos que não temos idéia nenhuma.

Freud, ao descrever a luta infinda entre as três estruturas mentais (id, ego e

superego) e o quadro de patologias decorrentes da prevalência do id ou do

superego sobre o ego, serve de fundamento a esse pensamento de Keith

Johnstone.

Mas, se um ator correr o risco de dizer a primeira coisa que lhe vier à

mente, muito provavelmente, se surpreenderá. Poderá, até, levar as mãos à boca,

como que tentando evitar que mais alguma coisa escape. Cairá na risada, seu

peito se abrirá, ele crescerá em tamanho. O prosseguir ou não dependerá da

atitude do interlocutor. Cenas de improviso são criadas a partir daí.

Keith Johnstone defende o anormal, os nossos sentimentos proibidos e os

impulsos inconscientes, e nos desafia a confiar em nossos primeiros

pensamentos.

Seu método lida basicamente com três princípios:

a) Aceitação versus bloqueio.

b) Status alto e baixo (princípio da gangorra).

c) Espontaneidade e criatividade.

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52

ACEITAÇÃO E BLOQUEIO

Se, de acordo com o pensamento de Keith Johnstone, o ponto de partida

para a improvisação é a aceitação da primeira idéia, uma questão a ser avaliada,

ao se iniciar o trabalho, é a observação do processo mental que possibilita a

criação de cenas. O ator deve ser capaz, em primeiro lugar, de reconhecer o modo

como ele cria ou como chega à ação. Talvez a melhor maneira de dar início a esse

processo de análise seja propor ao ator que observe o seu modo habitual de se

relacionar na vida com as tarefas que tem para executar, ou os problemas que

surgem em seu dia-a-dia. O que ele faz e como faz. Como funciona o seu

pensamento. Uma pergunta que ele poderia se fazer é: Como procedo

normalmente: penso antes de agir ou ajo por impulso? Longe de ser uma questão

do âmbito do teatro, e até soar estranha, já que caberia melhor à Psicologia ou à

Filosofia, a resposta a essa questão dará ao ator a dimensão do trabalho que tem

à sua frente, para que possa se lançar na improvisação sem receio do resultado e

com certo grau de sucesso.

Reconhecendo que o ator e a sua pessoa são indissociáveis, há que se

considerar o fato de que o que ele é e o que possui como atributos em seu

instrumento de trabalho, o seu corpo, contribuirão diretamente para uma melhor ou

pior performance no palco. Teorias e técnicas de treinamento de ator, das mais

diversas correntes, buscam o aprimoramento de seu instrumento de trabalho. Aqui

não é diferente. Porém, o que estará em foco e será objeto de exaustivo trabalho

será a maneira como o ator lida com suas idéias.

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53

Caso 1

Se o ator detecta como comportamento habitual a necessidade do

planejamento a priori, ou seja, se ele se considera alguém que pensa muito antes

de tomar qualquer atitude, muito provavelmente terá grande dificuldade inicial em

lidar com a primeira idéia, uma vez que a sua tendência será a de considerar as

idéias que vêm à sua mente não como idéias, mas como cenas acabadas, já

apresentadas e julgadas pelo observador, o que exige dele muito esforço, pois

precisará ter executado uma operação mental que envolve grande planejamento;

e planejar significa, entre outras coisas, tentar prever possíveis ocorrências e

modos de melhorá-las, superá-las ou resolvê-las. Dito de outra forma, planejar

significa, também, controlar. Controlar a situação, a si mesmo, as outras pessoas

que possam estar envolvidas na construção da cena junto com ele, além dos

possíveis julgamentos feitos pelo público. Planejar implica também a existência de

um certo e de um errado. Ninguém, em sã consciência, planeja algo para dar

errado. Em geral, o planejamento busca a perfeição e esta o aplauso do

observador. O problema é que, quando exagerado, o desejo de perfeição pode

levar o ator à imobilidade e à frustração. Mas, além de tudo isso, o planejamento

implica existência de tempo, tempo esse que não existe quando trabalhamos com

este método de improvisação.

Um ator acostumado ao planejamento tenderá a ter mais facilidade em

trabalhar com um texto dramatúrgico pré-existente ou com uma situação dramática

já delineada e sob a orientação de um diretor, porque este atuará como

consciência crítica de seu trabalho, aprovando ou desaprovando as suas idéias.

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54

No trabalho com o método de improvisação de Keith Johnstone não há na

cena nem texto nem a figura de um diretor, o que deixa o ator à mercê de suas

idéias. Quanto mais disposto ao planejamento ele for, maior será o seu temor em

aceitar a primeira idéia e maior será a sua prontidão para bloquear as idéias,

sejam elas suas ou de seus companheiros de cena.

A grande tarefa desse ator será a de relativizar a influência da vida real no

palco. O palco é o lugar da fantasia, o lugar da possibilidade. O palco não é a vida

real, portanto, o que fizer nele não lhe trará as mesmas conseqüências que atos

realizados na vida real. Mas, por mais curioso que pareça, embora esse ator saiba

de tudo isso e que é de sua profissão criar, inventar, se expor, quando se trata de

improvisar a sensação que se tem é de que houve um esquecimento temporário

das premissas de sua profissão, como se no espaço de tempo da improvisação

ele não fosse o ator e sim a pessoa da vida real, sujeita às regras e convenções

sociais e não às teatrais.

Digamos que seja proposta a criação de uma cena cujo título é O terremoto.

Um ator se lança no palco e daí pára por poucos segundos, olha em volta e

começa a falar sobre o chão que está tremendo, sobre as casas que estão caindo,

etc. Seu corpo não tem vitalidade. A cena do relato do terremoto termina e o ator

vai se sentar. Se indagarmos a respeito do pensamento que o levou ao primeiro

movimento de se lançar no palco, muito provavelmente ele dirá que pensou em

algo completamente diferente do que realizou efetivamente quando o movimento

cessou e ele se viu no palco com a responsabilidade de criar a cena. Talvez sua

primeira idéia tenha sido gritar, mas ele não a aceitou porque poderia parecer

maluco. Seu corpo queria tremer, mas ele não sabia como um corpo treme num

Page 55: Improvisação K. Johnson.pdf

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terremoto e não queria provocar riso. Então ficou buscando algo que o tirasse da

desconfortável situação de estar no palco. Daí a parada. Falar sobre o terremoto o

protegeu, mas a cena, que é o que queríamos ver, não aconteceu. A opção pelo

relato ainda assim poderia tê-lo colocado dentro da situação do terremoto, como

um repórter, por exemplo, mas isso o obrigaria a expressar emoções e, segundo

sua análise, talvez, a parecer ridículo. O curioso é que se essa fosse a cena de

uma peça, esse mesmo ator não teria tido todas essas preocupações. Haveria

uma personagem, um autor que colocou a personagem nessa situação, uma

concepção de direção, um figurino, talvez um adereço, outros atores, os ensaios,

enfim vários suportes e garantias e, em último caso, algo ou alguém para culpar

caso fracassasse. E, se nada disso fosse suficiente para desculpar uma possível

falha, ele ainda poderia argumentar não estar nos seus melhores dias.

Porque esses atores desconfiam da qualidade de suas idéias, também não

confiam nas de seus companheiros de cena e, por esta razão, por medo de um

possível fracasso, acabam por se sentir responsáveis pela realização da cena,

jogando sobre si a tarefa de criá-las de cabo a rabo sozinhos.

Caso 2

Se a resposta à pergunta sobre o modo como o ator procede normalmente

diante do inesperado for a da ação imediata ou por impulso, estaremos diante de

alguém que já possui prontidão para a improvisação, o que não significa que esta

prontidão conduza necessariamente à realização de uma cena acabada.

Há atores que possuem grande facilidade em iniciar uma cena, mas não

conseguem desenvolvê-la e concluí-la. Existem atores que se jogam no palco

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56

antes mesmo que um enunciado seja concluído. A impressão que se tem é a de

se estar diante de alguém cuja caixa craniana é pequena demais para conter as

idéias que fervilham dentro dela. As idéias transbordam na cena e o ator se deleita

com a quantidade de idéias que é capaz de produzir, mas não presta atenção a

elas e nem se fixa de fato em nenhuma. Suas cenas são confusas, sem eixo. O

tema pode mudar a qualquer momento, sem razão aparente, só porque surgiu

uma idéia que ele considerou mais interessante e não queria desperdiçar.

A grande tarefa deste ator será concentrar-se em sua primeira idéia, o que

consiste em árdua tarefa, já que terá de despedir-se, pelo menos

temporariamente, das demais que não param de surgir em sua cabeça. No palco,

assim como na vida, estamos sujeitos a fazer escolhas a cada momento, e para

um número considerável de pessoas a dificuldade está no abandono de todas as

outras possibilidades no momento em que uma opção é feita. Daí a dificuldade da

escolha.

Além disso, atores que produzem idéias com muita facilidade possuem a

tendência de se sentirem menos criativos quando obrigados a manter a atenção

apenas em sua primeira idéia. Com freqüência argumentam que a cena se tornará

pobre e o assunto logo se esgotará se não acrescentarem novas idéias.

Tanto num caso como no outro estaremos diante de atores que têm

dificuldade em aceitar a primeira idéia. O primeiro porque não acredita nela, e o

segundo porque não lhe presta a devida atenção. Se avançarmos um pouco mais

na análise, poderíamos falar que, no primeiro caso, o ator prioriza a qualidade

mantendo a atenção voltada para o possível julgamento que um outro possa fazer

Page 57: Improvisação K. Johnson.pdf

57

de sua produção e, no segundo caso, o ator prioriza a quantidade, mantendo a

atenção voltada para sua própria capacidade de produção.

Quando improvisamos, estamos em relação. Em relação com o objeto da

improvisação, com o público mas, principalmente com o(s) outro(s) ator(es).

Keith Johnstone nos desafia a jogar o foco de nossa atenção em nosso

companheiro de cena, valorizando e aproveitando as ofertas que ele faz. Isso

equivale a dizer que a grande tarefa do ator será aceitar idéias e dar forma a elas.

�Há pessoas que preferem dizer �sim� e há pessoas que preferem dizer �não�. Aquelas que preferem dizer �sim� foram recompensadas por suas aventuras, e aquelas que dizem �não� foram gratificadas pela segurança que obtiveram. Há muito mais pessoas que dizem �não� do que �sim�, mas a gente pode treinar um tipo a se comportar como o outro.�35

ACEITAÇÃO

Dizer �sim�.

Essa é a primeira condição para que algo seja criado no palco. Aceitar a

primeira idéia que venha à cabeça, por mais simples, óbvia, banal, absurda ou

desconexa que aparentemente possa parecer. Aceitar as ofertas de um

companheiro de cena e acrescentar um �E�, enriquecendo-a, valorizando-a.

Se um ator cobrir a cabeça, cubra a sua também. Os dois podem não saber

porque fizeram isso, mas a disposição para descobrir a razão está lá, presente.

Quem sabe desenvolvam uma cena de tempestade, ou uma cena na qual o

mundo desaba sobre suas cabeças, ou uma cena sobre uma nova dança, moda

35 JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 92.

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58

ou terapia. As possibilidades são inúmeras. Mas, o mais importante é que

disseram �sim�. Aceitaram a idéia. Caso contrário, nenhum desses exemplos teria

sido sequer pensado.

Quanto a aceitar a primeira idéia, embora pareça um conceito banal e de

fácil entendimento, a prática mostra que sua realização é bem difícil.

Para Keith Johnstone, um dos problemas decorrentes da dificuldade de

aceitação da primeira idéia está vinculado à alfabetização e à escola. Aceitar a

primeira idéia como material importante a ser considerado no processo de criação

significa valorizar a espontaneidade. E a estrutura do ensino escolar, em geral,

não se mostra muito receptiva nem à idéia de criação, nem à de espontaneidade.

Keith Johnstone nos lembra que a criança, ao iniciar o processo de

alfabetização, inicia também o ingresso num novo mundo no qual a competição

está presente e ela terá de disputar o afeto do professor não mais pelas eventuais

gracinhas que possa fazer, mas pelo raciocínio e inteligência. O que diz, pensa e

faz será avaliado e, em nossa sociedade, comparado. O aspecto ressaltado pelo

autor, a relação professor-aluno e aluno-aluno, perpassa questões de ordem

afetivo-emocionais que vão muito além da alfabetização.

Todos reconhecemos de imediato a situação de sala de aula em que o

professor, ao propor a leitura de um texto, aponta o aluno da primeira carteira na

primeira fila e lhe pede para ler o primeiro parágrafo. Depois, aponta o seguinte e

pede que leia o segundo parágrafo. Aponta o seguinte e pede que leia o terceiro

parágrafo, e assim por diante. Para nós, sentados na última carteira da terceira

fila, uma espécie de tranqüilidade nos invade. Detectamos um método na escolha

das pessoas e dos parágrafos: o professor propôs a leitura dos parágrafos

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59

seguindo a ordem de carteiras e filas. Então, ávidos para mostrar ao professor

quão bem sabemos ler e, quem sabe, receber algum elogio, rapidamente fazemos

uma contagem da quantidade de pessoas que nos antecede, contamos os

parágrafos e nos detemos naquele que nos caberá. Treinamos mentalmente a

leitura e nos desligamos momentaneamente do que acontece na sala. Não raro,

acontece de, ao chegar a nossa vez, o professor nos pedir outra coisa e, aí,

chamados novamente à realidade da situação, nos damos conta de que não

sabemos responder à solicitação, nos perdemos e, ao invés do almejado elogio,

recebemos uma áspera crítica.

A prontidão para dar respostas, sejam elas espontâneas ou decorrentes e

necessárias a uma ação já iniciada, só é possível se nossa atenção estiver no

objeto em questão. Se, ao invés de nos preocuparmos com o efeito que nossa

leitura pudesse causar no professor ou na classe, nossa atenção estivesse voltada

para o texto que estava sendo lido, teríamos tido menos dificuldade em procurar

uma solução para a tarefa que nos foi proposta.

Uma outra dificuldade na aceitação de idéias é decorrente do fato de que

nem sempre elas surgem de nós. Ou seja, alguém foi mais rápido e propôs

primeiro.

Essa situação, aliás, bastante comum é, em geral, muito perturbadora

para quem se inicia na improvisação. É freqüente ocorrer a situação de um ator de

Teatro-Esporte se lançar no palco, ao final da contagem que dá início à cena, e

não oferecer indícios claros do porquê o fez; seja do ponto de vista gestual, seja

do ponto de vista verbal. Essa situação não seria grave e não comprometeria a

cena, se o autor da situação tivesse consciência de que fez uma oferta cega, que

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60

poderá ser entendida de múltiplas maneiras por um segundo ator que entre em

cena para contracenar com ele. Ofertas cegas, termo usado por Keith Johnstone,

ocorrem com freqüência e são um importante estímulo para a construção de uma

cena, porque obrigam os atores a se envolverem de fato no que estão fazendo e a

manterem atenção redobrada no outro. Mas, nem sempre é isso o que ocorre. Ao

invés da satisfação por ter conquistado uma parceria e poder jogar com alguém,

muitos atores se irritam com o que o segundo ator propõe, argumentando não ter

este ator entendido o que ele estava fazendo e, em decorrência disso, ter

estragado a cena. Pensamentos não são visíveis. Nós os trazemos ao mundo

exterior através de ações: verbais ou gestuais. Se um ator não comunica a sua

idéia, se o que ele quer está em sua cabeça, não há como o outro descobrir. Esse

é um dado que, apesar de óbvio, geralmente acaba sendo fonte de muito trabalho.

Um ator entra em cena e pára no meio do palco. Depois de um curto

espaço de tempo, suspira. Um segundo ator entra, pára ao seu lado e, depois de

um curto espaço de tempo, também suspira.

Ao repetir a ação do primeiro ator, o segundo ator realiza uma dupla

operação: informa ao primeiro que aceitou a idéia da parada e do suspiro e que

aguarda maiores informações para prosseguir, porque o que ele fez não foi claro o

suficiente.

As possibilidades são múltiplas. Qualquer coisa que o primeiro ator diga ou

faça, por mínima que seja, irá conduzir a cena para frente. Mas, se ele repetir o

suspiro, estará informando para o segundo ator que as possibilidades estão

abertas porque ele não sabe, naquele momento, como prosseguir e, portanto,

precisa de ajuda. Caberá ao segundo ator, a partir deste dado, dar um norte para

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61

a cena. O primeiro ator deixou para o segundo a tarefa de resolver o problema.

Portanto, o que quer que tenha pensado, ao se lançar no palco, deixou de ter

importância porque ele não revelou nem deu indícios de que havia alguma idéia

além ou por detrás do suspiro. Todas as portas estão abertas para o segundo ator.

Se este repetir o suspiro, estará informando ao primeiro ator que também ainda

não sabe como prosseguir, mas que suspirar é uma boa idéia. Os dois poderão se

envolver na tarefa de descobrir aonde o suspiro os levará, talvez experimentando

diferentes formas de suspirar até encontrarem uma solução. Ou, o segundo ator

poderia dizer, por exemplo, �hoje faz dois anos que ele/ela se foi, sinto sua falta�,

trazendo a um só tempo o tema da cena e a motivação para o suspiro do primeiro

ator. Essa ou qualquer outra oferta resolveria o problema da cena e tiraria o

primeiro ator da dificuldade inicial, dando sentido à sua ação. Porém, por mais

curioso que possa parecer, ao invés de alívio, é freqüente o primeiro ator

manifestar irritação com o segundo ator, bloqueando, às vezes sutilmente, às

vezes de forma explícita e até agressiva, as idéias que ele traz para a cena. Se

perguntado, não raro, o primeiro ator poderia argumentar dizendo não ter o

segundo ator compreendido o que ele estava fazendo. Por exemplo:

- Ele deveria entrar e me pedir desculpas pelo atraso. Nós havíamos

combinado de nos encontrar às três. Eu havia feito planos, mas como ele

não chegou, fiquei triste.

Toda uma história foi construída, mas nenhum indício foi dado. Como

poderia o segundo ator supor qualquer uma dessas informações?

O primeiro ator, ainda insistindo na pertinência de sua conduta, poderia

argumentar:

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62

- Eu olhei para ele.

Fazer os atores compreenderem a importância de não sonegar informações

na improvisação leva um tempo considerável porque, em geral, eles têm como

modelo o texto dramatúrgico, que, além de já existir e ser de conhecimento de

todos, nele as revelações são feitas ao longo da peça. Não que o elemento

surpresa não esteja presente na improvisação, mas os participantes de uma

cena de improviso têm o direito de saber que surpresas acontecerão. Quem

terá de se surpreender serão as personagens e não os atores. Ao contrário,

estes terão de trabalhar em conjunto, para que a surpresa realmente ocorra e

seja entendida como tal.

Além de sonegar informações, há atores que tentam, apesar de não caber

na cena, forçar a inclusão da sua idéia. Tomemos o exemplo anterior: se o

primeiro ator tivesse tentado encaixar a idéia (que não revelou) depois da fala

do segundo ator, deixaria o segundo ator desconcertado e com sua tarefa em

muito aumentada, já que teria de encontrar uma ligação entre as duas idéias,

se quisesse salvar a cena, e o público bastante confuso com respeito à

temática.

O primeiro ator entra em cena, pára e suspira. O segundo ator entra, pára

ao lado do primeiro e também suspira. O primeiro ator olha para o segundo e

suspira de novo. O segundo ator diz:

- Hoje faz dois anos que ele/ela se foi, sinto a sua falta.

- Você devia me pedir desculpas.

Agora o segundo ator, ao invés de desenvolver o tema que propôs, é

envolvido na tarefa de descobrir a razão para o pedido de desculpas e de

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63

achar uma ligação entre a sua idéia e a de seu companheiro de cena. Ele não

tem certeza se o primeiro ator bloqueou a sua idéia ou se fez uma oferta. A

única certeza que tem é a de que a cena precisa continuar. Ele tenta:

- Eu sei que havia prometido não falar mais dele/dela, mas não pude evitar.

O dia de hoje me fez lembrar.

- Três horas. Você disse que estaria aqui às três.

A situação só tenderá a piorar e a cena correrá sérios riscos de naufragar, se o

primeiro ator não se dispuser a deixar de lado a sua idéia inicial, que não foi

comunicada no momento devido e abriu espaço para que uma outra ocupasse a

lacuna criada por ele.

Aceitar uma idéia colocada na cena significa, entre outras coisas, aprender a

nos despedir de outras idéias que não cabem ou não foram apresentadas no

momento oportuno, por mais maravilhosas que pudessem ser.

BLOQUEIO

Muitas pessoas parecem ter a palavra �não� na ponta da língua. O que

quer que se diga a elas, e mesmo numa conversa banal do cotidiano, utilizam este

advérbio quase como parte constitutiva de si mesmas. Com freqüência, iniciam

suas falas pelo vocábulo �não� mesmo que no decorrer da conversa raciocinem e

acabem expressando, ao final, concordância com o assunto.

Embora nem todo �não� configure um bloqueio genuíno, ele aponta

fortemente para ele e na cena deve ser evitado.

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Entende-se por bloqueio tudo o que impede o desenvolvimento ou a

continuidade da cena. Tudo o que impede o fluxo natural das idéias e ações.

O �não� fecha portas, enquanto o �sim� abre portas.

Possibilidades de ocorrência de bloqueio estão presentes tanto

internamente, quando tentamos desviar o curso de nosso pensamento jogando

idéias fora por não as aceitarmos, como externamente, quando as idéias

colocadas numa cena, nossas ou dos outros, não são aceitas.

Quando os atores começam a trabalhar com este método de

improvisação, usam em demasia o �não�, acreditando que com isso estão gerando

conflito dramático. E, uma vez que a existência de conflito é fundamental para o

Teatro, a introdução do advérbio de negação parece dar-lhes certeza de que

estarão no caminho certo.

Se Romeu e Julieta tivessem dito �não� um para o outro, não haveria

conflito. Cada um seguiria o seu caminho. Portanto, não haveria história a ser

contada. Foi porque disseram sim, aceitaram um ao outro, que o conflito se

estabeleceu. Como viver esse amor, se recai sobre eles o peso do ódio que divide

e separa Montecchios e Capuletos?

O entendimento de que o conflito dramático estabelece-se por oposição de

forças e pela existência de obstáculos e não simplesmente pela ocorrência de

quereres de natureza diversa, e de que ao protagonista da ação dramática caberá

a tarefa de vencer os obstáculos colocados em seu caminho, para que alcance

seu objetivo, aponta para a necessidade de considerarmos aqui a existência de

um aceite que é ponto de partida fundamental para que um conflito possa emergir.

Page 65: Improvisação K. Johnson.pdf

65

Se eu convidar alguém para ir ao cinema e essa pessoa recusar o convite,

essa experiência não acontecerá. Só haverá a possibilidade de que essa cena

ocorra se a pessoa concordar. O conflito se estabelecerá na escolha do filme, do

horário, do cinema, do meio de transporte, etc. Para Keith Johnstone, o conflito

será tanto maior quanto maior for a capacidade de aceitação das próprias idéias,

das do outro e da situação em si, porque elas estabelecerão os parâmetros para a

ação dos envolvidos. Haverá sempre um �e agora?�, que impulsionará a cena para

frente.

Uma outra razão para o uso freqüente do �não� é decorrente do medo da

exposição. O palco é um lugar de exposição e, no improviso, além daquela natural

e esperada pela própria natureza do trabalho, ela será sentida muito aumentada

por este tipo de ator porque ele não quer se ver envolvido em situações que

considera desagradáveis ou que denigram a sua imagem, e porque se julga

responsável por tudo o que se faz ou se diz em cena. Então, temendo correr

riscos, para controlar a situação, acaba por recorrer ao bloqueio como forma de

proteção.

Pessoas que têm tendência a bloquear idéias e ações, em geral, também

possuem tendência a se esquivar de relacionamentos. E como, no palco,

estabelecer relação com o companheiro de cena é determinante para que algo

possa acontecer, e a qualidade de um ator é medida em grande parte pela

capacidade que tem de contracenar, Keith Johnstone recorreu à Psicologia, mais

Page 66: Improvisação K. Johnson.pdf

66

precisamente a um trabalho de Joseph Wolpe36 sobre fobias, para tentar

compreender e ajudar atores a vencer o medo do palco e a tendência ao bloqueio.

A pesquisa à qual Keith Johnstone se refere, em seu primeiro livro, foi

desenvolvida nos anos 60, mas diferentes tratamentos clínicos nessa área, até

hoje, envolvem, em geral, a utilização de técnicas de dessensibilização e de

aproximação gradativa daquilo que teria originado a fobia.

Para treinar atores acostumados ao �não� a dizerem �sim� e levá-los a

perceber que sem a concordância não conseguirão realizar nada juntos, Keith

Johnstone propõe exercícios que utilizam o bloqueio. Um exemplo é o exercício

que combina o advérbio de afirmação com a conjunção adversativa �mas�.

Ao criar uma situação intermediária entre o �sim� e o �não�, o exercício traz

alívio aos participantes que fazem muito uso do �não� porque, embora obrigados

pelas regras do jogo ao �sim�, sentem-se confortáveis, ao realizá-lo, uma vez que

estarão também obrigados, pelas mesmas regras, a encontrar razões que

impeçam que algo aconteça. E nisso eles são especialistas.

A - Vamos ao cinema?

B - Sim, mas está chovendo.

A - Sim, mas eu tenho um guarda-chuva.

B - Sim, mas ele é pequeno.

A - Sim, mas o cinema é perto.

B - Sim, mas eu estou gripado.

36 Psiquiatra por formação é considerado um dos pioneiros no tratamento da ansiedade e da fobia. Desenvolveu uma terapia comportamental que parte do princípio de que ansiedade é incompatível com relaxamento. Wolpe estabelece uma hierarquia dos estímulos causadores da ansiedade e os apresenta ao paciente de forma progressiva, em situação de relaxamento, visando a dessensibilização dos mesmos.

Page 67: Improvisação K. Johnson.pdf

67

A - Sim, mas o filme é justamente sobre uma família que se curou de gripe.

Esse diálogo, mantido por uns minutos, acaba levando o especialista em

bloqueio a quebrar a regra do jogo (é o que ele acredita) e a aceitar a idéia

inicial, porque percebe nitidamente uma sensação de sufoco que o �não�,

embora amenizado, no jogo, pelo �mas�, lhe causa. É bastante comum atores

relatarem, ao final do exercício, haver uma disposição para expressar um �sim�

conclusivo muito antes de terem tido a coragem de verbalizá-lo, por medo de

estragar o exercício, e que o diálogo sustentado por razões negativas acaba

tornando-se insuportável porque, embora do ponto de vista verbal possam até

mantê-lo por um tempo considerável, sentem tensões físicas e uma disposição

corpórea para a concordância.

Chegar à aceitação através do uso do bloqueio, além de fazer os atores

perceberem, de forma rápida, quão nocivo ele é para a improvisação, também

está ligado a uma conduta adotada pelo autor em seu trabalho. Para Keith

Johnstone é muito importante que os atores não fracassem em suas tentativas,

porque o fracasso os conduziria a fechamentos maiores, gerando bloqueios

ainda mais poderosos. Por esta razão, se o ator, por algum motivo, tem medo

da exposição, não há porque não se permitir que se aproxime do palco e de

suas idéias a partir daquilo que lhe traz segurança. Ao invés de criticar a

temporária incapacidade do ator em criar uma cena de qualidade, Keith

Johnstone tem os olhos voltados para as pequenas conquistas realizadas

Page 68: Improvisação K. Johnson.pdf

68

durante a construção da cena. As idéias de Anthony Stirling37, aliadas ao

trabalho de Joseph Wolpe, aparecem como suporte dessa atitude.

�Quando (em 1964) eu li um trabalho de Wolpe sobre tratamento de fobias, eu vi uma clara relação com as idéias que eu havia adquirido de Stirling, e com o modo como eu as desenvolvia ... Para mim, todos nós temos uma fobia universal de sermos olhados num palco, e isso responde muito bem à �progressiva dessensibilização� que Wolpe advogava. Muitos professores parecem tentar fazer seus alunos esconderem o medo, o qual sempre deixa traços � uma opressão, uma tensão extra, uma falta de espontaneidade. Eu tento dissipar o medo por um método análogo ao de Wolpe, mas que eu realmente tirei de Anthony Stirling. (...) Um achado de Wolpe que eu incorporei ao meu trabalho foi a descoberta de que se o processo de cura é interrompido pela re-ocorrência do medo total (...) então o tratamento deve ser reiniciado pela base da hierarquia.

Devido a isso, eu constantemente retorno aos estágios bem iniciais para tentar puxar aqueles alunos que permanecem num estado de pavor, e que devido a isso dificilmente fazem quaisquer progressos. Ao invés de ver as pessoas como não talentosas, nós podemos vê-las como fóbicas, e isso muda completamente a relação do professor para com elas.�38

Haverá tempo para que o ator compreenda que fracassos ocorrerão em

suas criações, mas os sentimentos deles derivados não podem nem devem

impedi-lo de continuar o trabalho, ou seja, a criação de cenas.

37 ver Keith Johnstone a a criação do método, p. 21. 38 JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 30.

Page 69: Improvisação K. Johnson.pdf

69

STATUS

Princípio da gangorra

A escolha da gangorra como objeto imagético para elucidar o conceito de

status alto e baixo é bastante pertinente e traz no próprio objeto escolhido a

explicação do conceito: se alguém subiu é porque alguém desceu.

O princípio da gangorra chama a nossa atenção para as relações de poder,

contidas em todos os níveis de relacionamento humano. A gangorra é algo que

pressupõe movimento. Portanto, o status, na concepção descrita por Keith

Johnstone, é algo móvel. Ele não diz respeito à condição social de alguém, como

normalmente entendemos e usamos o termo.

O status, para Keith Johnstone, diz respeito ao poder que alguém tem num

determinado momento. Dessa forma, uma personagem pode ganhar poder, pode

perder poder, pode lutar por poder. Entre um extremo e o outro da gangorra, Keith

Johnstone cria três níveis intermediários, em que o número um seria o mais baixo

e o cinco o mais alto.

Uma personagem cuja trajetória não apresente nenhuma alteração de

status, dramaturgicamente falando, não seria uma personagem bem construída,

porque teria mantido a gangorra parada.

Identificar e saber jogar39 com o status, além de estimulante e muito

divertido, obriga o ator a olhar e escutar tanto a si mesmo como ao outro, com

extrema atenção, pois mínimos movimentos, inflexões de voz, postura, ocupação

do espaço, etc., alterarão o status de um e de outro.

39 É o verbo utilizado para indicar a ação a ser realizada com o status.

Page 70: Improvisação K. Johnson.pdf

70

Status é algo basicamente definido pelo território, pela postura e pelo

contato visual. Pessoas de status alto tendem a ocupar mais espaço no ambiente

porque estabelecem para si amplas fronteiras e tendem a considerar esse território

demarcado e tudo o que nele exista como sendo seu, mesmo que legalmente não

lhes pertença. São pessoas que interagem com intimidade com as coisas do

ambiente. Com relação à postura, possuem a coluna ereta, os ombros bem

colocados, andam com passos firmes e seus pés tocam de fato o chão. Possuem,

também, facilidade para manter o contato visual.

Ao contrário, pessoas de status baixo procuram ocupar pouco espaço no

mundo e tratam as coisas que nele existem com cuidado, às vezes extremo, e,

mesmo sendo de fato suas, relacionam-se com elas como se não lhes

pertencessem. Têm dificuldade de manter o contato visual, desviando o olhar com

freqüência e, em relação à postura, curvam ligeiramente a coluna e encolhem os

ombros, numa tentativa de diminuir de tamanho.

Duas foram as fontes que geraram a conceituação de status: o trabalho

sobre motivações, de Stanislavski, e a pesquisa sobre o comportamento de grupos

de animais, em especial os lobos.

Keith Johnstone chama a nossa atenção para o fato de só percebermos a

existência de territórios em situação de conflito, quando nos vemos, de alguma

forma, ameaçados de perdê-los, e de que em nosso dia-a-dia não nos damos

conta do que fazemos para ajustar nossos stati, para cima ou para baixo, segundo

a necessidade, na convivência com os outros. O que não significa que a gangorra

não esteja em movimento todo o tempo.

Page 71: Improvisação K. Johnson.pdf

71

O trabalho com status chama a atenção dos atores porque expõe as

manobras que eles fazem na vida para conseguir o que desejam, porque torna

consciente o tipo de jogador de status que são, e porque o trabalho com o status é

uma rica fonte de pesquisa de suas personagens. Pesquisa essa que os ajuda a

perceber no texto, por exemplo, as subidas e descidas da gangorra que a

personagem realiza, facilitando a criação da movimentação no espaço da cena e a

construção de ações físicas, dando-lhes qualidades diferentes de acordo com a

posição que a personagem ocupa naquela determinada cena ou trecho de cena. O

trabalho com o status lhes proporciona consciência da adequação de seu status

pessoal com o status da personagem.

Um ator que costume jogar status alto na vida terá, provavelmente,

dificuldade em fazer um personagem de status baixo, se não se dispuser a

exercitar o lado oposto da gangorra primeiro. Da mesma forma, um jogador de

status baixo poderá se sentir desconfortável em criar personagens de status alto.

As razões pelas quais isso ocorre são, em geral, de natureza psicológica,

mais especificamente relacionadas à afetividade. Jogadores de status alto temem

perder seu poder se se mostrarem fracos, enquanto que jogadores de status baixo

se sentem, em geral, usurpando o lugar de alguém. Quando o assunto é

personagem, há atores que chegam a tecer variadas considerações acerca das

qualidades, virtudes e defeitos das personagens como forma de fundamentarem a

não possibilidade de assumir um determinado papel. Costumam associar também

alto e baixo a determinadas categorias de sentimentos como sendo propriedades

intrínsecas de um ou de outro tipo de status. Tem-se assim, no princípio do

trabalho, a idéia de que uma pessoa de status alto seria alguém necessariamente

Page 72: Improvisação K. Johnson.pdf

72

arrogante, insensível e malcriado, enquanto que uma pessoa de status baixo seria

meiga, delicada e solícita.

Mas, uma vez que se dissociem sentimentos particulares de um e de outro

extremo da gangorra, fazendo os atores experimentarem os dois lados com

diferentes sentimentos, eles ficarão mais abertos para compreender que, embora

os sentimentos possam sim influenciar a subida ou o rebaixamento de status de

alguém, os sentimentos não estão atrelados unicamente a um determinado tipo de

status. Percebem também que, pelo fato de decidirem iniciar uma cena tendo

como único elemento conhecido um status determinado, isso os fará encontrar

rapidamente maneiras de se movimentar no ambiente, criar ações físicas com

tônus, peso e amplitude adequadas, além de nuances de voz, o que de outra

forma levaria um tempo razoável de pesquisa e preparo.

Várias são as formas de se iniciar o trabalho com status. Todas elas

apontam em maior ou menor grau para a observação das relações que

estabelecemos com as pessoas e com as coisas. Status é algo que só acontece

na relação. Sozinho não dá para �brincar� na gangorra. Daí ser fundamental o

contato visual. Sem ele não podemos jogar. É como se não tivéssemos ninguém

sentado no outro extremo da gangorra.

Diante de um cão Rottweil é natural que abaixemos nosso status, mas

perceberemos uma elevação, mesmo que pequena, se o dono nos assegurar que

ele não morde e, principalmente, se ele vier nos agradar.

Só não jogaremos, ou, pelo menos, tentaremos evitar jogar status com

pessoas que consideramos não serem contendores à altura ou capazes de

empreender uma luta. Ao vermos um velhinho andando com dificuldade na rua,

Page 73: Improvisação K. Johnson.pdf

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procuraremos de saída ceder parte de nosso território porque ele não é uma

ameaça. Mas, se esse mesmo velhinho ultrapassar os limites cedidos e avançar

sobre nós e nos desafiar, é bem provável que tenhamos dificuldade em manter a

decisão inicial.

Um bebê recém-nascido é alguém de status alto porque ainda não conhece

fronteiras. Não distingue o outro como tendo uma existência independente da

dele. Tudo que existe é seu ou um prolongamento dele. Problemas existirão no

futuro se os pais não conseguirem mover a gangorra, estabelecendo os limites

necessários à convivência social.

Quando entramos em um vagão vazio do metrô, podemos escolher onde

nos sentar e, curiosamente, a decisão pode levar algum tempo. Podemos ainda

testar alguns lugares diferentes. Mesmo pessoas com status muito baixo

procederiam dessa forma, porque a amplidão do espaço e a não-presença do

outro contribuem, geralmente, para a elevação do status. Se, numa próxima

estação, uma única pessoa entrar nesse mesmo vagão, é bem provável que

procure sentar-se o mais distante possível de mim, garantindo para ambas um

bom território. À medida que o vagão for se enchendo de gente, vamos cedendo

cada vez mais espaço e permitindo que pessoas estranhas invadam nosso

espaço, porque sabemos ser esta uma condição temporária e porque, de alguma

forma, compreendemos que de fato o vagão não nos pertence e que só alugamos

temporariamente uma vaga nele. E, também, porque existe uma motivação maior,

que é chegar rapidamente a um lugar determinado, talvez nossa casa, nosso

território, em que só entram pessoas e coisas que passarem por nossa aprovação.

Por essas razões, torna-se possível suportar a invasão. Numa situação

Page 74: Improvisação K. Johnson.pdf

74

carcerária, ao contrário, por ser a perda de espaço uma condição de longa

duração, a lotação das celas torna impossível a convivência pacífica e, mais cedo

ou mais tarde, os territórios serão reclamados, fazendo com que lutas ocorram.

Elas não serão mais sutis, como as que travamos em nosso dia-a-dia, mas reais e

violentas, e os primeiros a entrarem em confronto serão os de status mais alto, por

necessitarem e reclamarem para si um território maior.

Todos nós experimentamos os dois extremos da gangorra e os três níveis

intermediários, se somos minimamente saudáveis. Gangorra parada, para Keith

Johnstone, seria um sinal de patologia ou um bom caminho para se chegar nela.

Ele também nos fala das formas através das quais podemos tentar elevar

ou abaixar nosso status. Se eu quero aumentar o meu status, o caminho correto

seria fazer alguma coisa que justificasse a subida, mas, em geral, não nos

esforçamos para subir; tentamos, ao invés disso, rebaixar o status do outro, tendo

por conseqüência a falsa impressão de subida.

Quando se começa a falar em status, em geral, todo mundo quer ter status

alto e muitos ficam frustrados ao se perceberem como jogadores de status baixo.

Mas, quando começam a fazer cenas de status, os atores começam também a

perceber quanto o alto é, na verdade, controlado pelo baixo. Se o alto é quem

manda, quem cumpre é o baixo e, ao cumprir, pode atrapalhar ou literalmente

destruir a vida do alto.

Se alguém vier falar comigo com um status muito alto e eu abaixar muito o

meu, será difícil para a pessoa sustentar o seu, se quiser continuar mantendo

contato comigo, porque os extremos têm dificuldade de se comunicar. A relação

Page 75: Improvisação K. Johnson.pdf

75

só ocorre se os stati estiverem relativamente próximos. Inevitavelmente, a pessoa

abaixará o seu status e automaticamente eu elevarei um pouco o meu.

Assim é que, ao criar os níveis intermediários, Keith Johnstone cria uma

rede de comunicação entre o alto e o baixo.

Observando a escala, alguém que jogue o status número um naturalmente

irá se comunicar com o jogador de status dois. Assim como alguém que jogue o

cinco terá como parceiro direto o jogador de status quatro. Os extremos possuem

apenas uma possibilidade de comunicação direta. Eventualmente saltam um e se

comunicam com o de número três. Mas, ao fazerem isso, procurarão de alguma

forma ajustar os seus stati para cima ou para baixo, conforme for a sua condição

particular, para que a comunicação ocorra sem maiores problemas. Já os níveis

intermediários (dois, três e quatro) possuem diretamente duas possibilidades: ou o

imediatamente superior ou o imediatamente inferior. Isso de saída lhes dá uma

vantagem sobre os extremos. A essa vantagem soma-se o fato de que, não sendo

eles os autores de uma ordem, nem quem irá cumpri-la, cabendo-lhes apenas a

responsabilidade de transmissão da mesma, sentem-se mais livres para articular

ou complicar a tarefa e seu resultado. As teorias da comunicação entram aqui

como importantes coadjuvantes, apontando problemas passíveis de ocorrer como

resultado dos ruídos ocorridos na transmissão ou recepção das informações.

Uma outra questão a ser ressaltada e de importância extrema é que a

dificuldade e também a maior riqueza do trabalho com status reside na

combinação entre o status social e o status pessoal.

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Um rei ocupa o topo na pirâmide social, mas poderá ter um status baixo e

ser dominado por um serviçal de status alto que não deixará, no entanto, de servi-

lo, pois essa é sua função.

A literatura, o cinema e o teatro estão repletos de exemplos da situação

descrita acima. O filme Rebeca40, por exemplo, tem como personagem de status

mais alto da história (o cinco) a própria Rebeca, que já morreu, mas cuja

lembrança se faz presente através do quadro com seu retrato e, principalmente,

através da figura da governanta (status quatro), que atormenta a vida do dono da

casa (status dois) e de sua jovem esposa (status um). Em nenhum momento a

governanta sai do seu papel de servir os donos da casa, mas ela é quem define o

que ambos podem ou devem fazer. A virada só ocorre quando os segredos de

Rebeca começam a ser revelados. Diversos personagens de status três

concorrem para isso, e note-se que não aparecem ao mesmo tempo na história. A

possibilidade de subida de status do casal só ocorre com a destruição da mansão

de Mandelain, do retrato de Rebeca e da governanta, que morre queimada no

incêndio que ela mesma provocou como tentativa de impedir o rebaixamento

ainda maior do status de Rebeca e, por conseguinte, do seu.

Um bom texto dramatúrgico trabalha com alterações de status das

personagens, o que contribui para a construção ou percepção da curva

dramatúrgica do texto como um todo.

Analisando a peça Édipo Rei, se na cena do encontro entre Édipo e Laios

algum deles tivesse cedido a passagem na estrada, o que equivale a dizer,

40 Rodado em 1940, é o primeiro filme de Alfred Hitchcock feito nos Estados Unidos. Rebecca ou Rebeca, a mulher inesquecível, ganhou o Oscar da Academia para melhor filme.

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rebaixado o seu status, a peça não seria uma tragédia e talvez tivesse tido até um

final feliz. Mas essa cena propõe nitidamente uma luta por território. Nenhum dos

dois admite a hipótese de temporariamente ser menor do que o outro. A tragédia

grega lida com personagens de status alto. E, neste caso específico, temos uma

duplicidade, porque a tragédia Édipo Rei trata de figuras com elevado status social

e também pessoal.

Hamlet é um exímio jogador de status, abaixando-o ou elevando-o segundo

a necessidade do momento. A loucura, por exemplo, tira-o de uma possível

contenda direta com o tio e abre-lhe espaço para agir. Tanto a tragédia de

Shakespeare quanto a crônica de Saxo Grammaticus tratam a personagem dessa

maneira. Embora os enredos apresentem diferenças importantes e o texto de

Shakespeare refira-se apenas a uma pequena parte da história descrita por Saxo

Grammaticus, os dois textos destacam a habilidade de Hamlet em jogar com as

situações e com as pessoas, movido por um objetivo maior.

Aqui temos o motor do movimento da gangorra: a motivação.

Alguém quer algo e, para conseguir o que quer, precisará avaliar bem a

situação e as pessoas nela envolvidas, para saber que status jogar. Esse algo

poderá ser proteger seu território, realizar um desejo, ou outra coisa qualquer. O

que importa é que há sempre uma razão para jogar. Pode-se não percebê-la, logo

no início do jogo, mas essa será uma tarefa dos atores: descobrir porque se

lançaram na cena.

Há pessoas que querem ganhar sempre e se tornam aborrecidas porque

não conseguem enxergar que isso não é possível sempre. E há aquelas que

parecem fadadas ao fracasso. Por mais que se lhes mostre que estão vencendo,

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arranjam uma forma de perder, o que as torna igualmente aborrecidas. Há que se

pensar, em um outro caso, na forte influência de componentes psicológicos que

sustentam esses comportamentos e que podem impedir a gangorra de se

movimentar.

Cenas de status são muito interessantes porque revelam manobras, de

uma maneira quase palpável, e nos fazem olhar para nós mesmos e para o nosso

modo habitual de agir; por exemplo:

Um ator entra em cena e diz:

- Bom dia.

O outro responde:

- Quisera eu ter o seu bom humor, para achar que hoje é um bom dia.

Nada aconteceu de fato na cena, mas importantes ofertas sobre as

características das pessoas nela envolvidas e para a sua continuidade já foram

dadas. O �bom dia�, que pode ter sido de início praticamente neutro, ganhou a

qualidade de �bom humor�, elevando automaticamente o status do primeiro ator. O

�quisera� informa a condição de status mais baixo do segundo ator, confirmando

assim o status mais alto do primeiro. E �o dia de hoje� traz o tema a ser

desenvolvido. Os atores têm agora diante de si a possibilidade de seguirem

adiante, tendo como fio condutor apenas a questão do status. Poderão manter o

primeiro ator com um status mais alto do que o segundo, ou se envolverem em

uma luta por status baixo, em que o um apresente razões para abaixar o seu

status e se tornar mais desgraçado do que o dois, ou uma inversão de status,

encontrando no decorrer da cena algum motivo que os faça trocar de lugar. Seja

qual for a opção, estaremos diante de uma cena com atores envolvidos e

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79

interessados um no outro. O foco da cena foi deslocado do aspecto verbal, ou

seja, da necessidade de se pensar em como desenvolver o tema, para a escuta

do outro. Torna-se, assim, a construção da cena dependente da relação entre as

personagens, e obviamente da disposição dos atores em construírem e

alimentarem essa relação.

Keith Johnstone diz que Beckett uma vez lhe escreveu e disse que o palco

é o lugar de máxima presença verbal e máxima presença corporal, e que a palavra

corporal o deleitou.

O palco, por definição, é o lugar do drama, ou seja, da ação. É o lugar onde

coisas acontecem. O público não vai ao teatro para ouvir, e sim para ver palavras

transformadas em ação.

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80

ESPONTANEIDADE E CRIATIVIDADE

Para Keith Johnstone, atores inspirados não são aqueles que buscam a

melhor idéia, mas sim aqueles que aceitam humildemente as que vêm à mente e

delas tiram proveito.

Dessa forma, poderíamos dizer de maneira grosseira que espontaneidade

seria aceitar a primeira idéia e criatividade a disposição para trabalhar com ela,

atribuindo sentido à sua existência.

Quando Keith Johnstone faz esta proposta, ele acaba por chamar a nossa

atenção para o óbvio, o simples e o banal. Material de trabalho pouco valorizado

e, geralmente, bastante criticado.

Creditar ao óbvio, ao simples e ao banal um caráter de importância para a

improvisação significa fazer com que os atores se envolvam com a cena e não

com o pensamento sobre o que dizer ou fazer. Partir de algo conhecido, algo

sobre o que se tem certo domínio, diminui a possibilidade de resistência ou de

bloqueios às ações e idéias do outro, ou da armadilha de se envolver em uma

disputa de status desnecessária, já que esta não diria respeito à cena, mas sim ao

intelecto dos atores.

Ao contrário do que a princípio se imagina, trabalhar com o óbvio, o simples

e o banal coloca os atores em condição de prestarem maior atenção às

contribuições de seus companheiros de cena, já que não terão a necessidade de

realizar um árduo trabalho mental para dar prosseguimento às idéias, o que

desviaria temporariamente sua atenção do desenvolvimento da cena.

Por exemplo, um ator entra em cena e pergunta:

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- O que temos para o jantar?

Uma resposta simples, óbvia e banal poderia ser:

- Arroz, feijão e ovo.

Ao dar essa resposta, o ator agrega a ela valiosas informações que

poderão, com facilidade, ser aproveitadas e enriquecidas em favor da cena.

�Arroz, feijão e ovo� localizam esses atores dentro de uma cultura e,

possivelmente, dentro de um estrato social. O ator, ao dar essa resposta, não

pensou em fazer uma cena de caráter sociológico, mas, ao ser óbvio, simples e

banal, abriu espaço para que uma construção dessa natureza pudesse surgir, e

sem esforço mental. A partir daí, os atores sentem-se mais à vontade porque o

aspecto verbal da cena fluirá sem maiores dificuldades e eles usarão o tempo para

desenvolver a ação, mostrar sentimentos, criar e explorar as personagens e a

relação existente entre elas.

O primeiro ator poderia responder:

- Que bom! Minha comida predileta.

Ou

- De novo?

Qualquer uma das alternativas contém informações que dizem respeito à

relação entre as personagens e, mais do que isso, aponta para a continuidade da

cena.

Mas se, ao invés da situação acima, o ator decidisse responder, por

exemplo, �filé venusiano�, ele estaria criando uma dificuldade para o

desenvolvimento da cena, na medida em que sua resposta exigiria um esforço

mental de seu companheiro de cena para tentar decifrar o que seria um filé

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82

venusiano, para que só depois pudesse se dedicar à tarefa de responder à

proposta. Isso, em termos de cena, se traduziria em uma interrupção no fluxo das

idéias, mesmo que de fração de segundos. Mas, o mais importante é que essa

proposta acabaria por levar os atores a se envolverem em disputa. Não de

personagens, mas de caráter pessoal. De uma maneira até inconsciente, o filé

venusiano obrigaria o primeiro ator a pensar em uma resposta à altura. Resposta

esta que poderia criar uma grande dificuldade para o autor da idéia do filé e, em

conseqüência, para a continuidade da cena. O prejuízo poderia ser irreparável se

os atores se deixassem enredar na armadilha. Porém, o mais triste é que o público

ficaria excluído da cena. Primeiro, porque ele próprio também estaria envolvido

com a tarefa de traduzir o filé venusiano, e segundo porque, ao invés de uma

cena, assistiria ao confronto de dois atores que reclamam para si superioridade

intelectual.

É preciso treinamento e experiência para saber detectar essas armadilhas,

que são comuns e causam grandes estragos se não forem consertadas a tempo.

As mesmas respostas da situação anterior poderiam ser utilizadas neste

caso, como possibilidades de convidar o autor da proposta a se preocupar mais

com o seu companheiro de cena do que com o caráter inusitado de suas idéias.

Ao responder �Que bom! Minha comida predileta� ou �De novo?�, por

exemplo, o ator estaria aceitando o filé venusiano como uma realidade da cena,

mas, mais do que isso, colocando-o num patamar de algo já bastante conhecido e

retirando da proposta qualquer possibilidade de estranheza ou de possível motivo

para uma disputa de caráter intelectual. Na verdade, é como se ele dissesse:

- É óbvio que eu sei o que é um filé venusiano.

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83

Caberia ao autor da idéia do filé aceitar o convite para se envolver e

envolver o parceiro na construção da cena.

Pode ser que jamais alguém saiba o que é um filé venusiano, nem quem o

propôs, mas a cena não seria interrompida e o público respiraria aliviado porque

essa deixaria de ser uma informação fundamental para a continuidade da cena.

A armadilha da criatividade pautada pelo caráter do ineditismo, tomado

como uma forma equivocada de originalidade, atinge não só os atores, mas

também o público, que, ao ser convidado a dar sugestões para as cenas, às vezes

busca formas de colocar os atores em dificuldades. São pessoas na platéia que

agem como se a tarefa fosse testar o conhecimento ou a capacidade do ator de

resolver este ou aquele problema.

Uma vez, em uma apresentação de Teatro-Esporte na Alemanha, foi pedida

a sugestão de um estilo de interpretação para uma determinada cena. Alguém da

platéia gritou: �neoclássico� (neoklassische). Um dos atores do time responsável

pela realização da cena dirigiu-se, então, à platéia e pediu que a pessoa

explicasse o que queria dizer exatamente com uma interpretação �neoclássica�. A

pessoa não sabia. Sua sugestão havia sido uma nítida provocação para deixar os

atores constrangidos, mas tratou de corrigir o pedido imediatamente:

- Não disse neoclássico. Eu disse: néon clássico (Neon klassische).

O que não quer dizer absolutamente nada.

A platéia caiu na gargalhada, menos porque a resposta tenha sido absurda,

mas mais porque ela também foi retirada do mal estar de não ter entendido o que

havia sido proposto.

Situações como essa são bastante comuns.

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84

O �neoclássico� certamente foi pensado pela pessoa que o sugeriu, mas o

�néon clássico� muito provavelmente não.

Comportamentos e atitudes espontâneas ocorrem em nosso dia-a-dia sem

que notemos, mas basta fixarmos nossa atenção para que percam essa

qualidade. Um bom exemplo disso é o esforço que fazemos diante de um

fotógrafo para parecermos naturais.

O ambiente sócio-cultural desempenha aqui papel de importância capital, à

medida que estabelece padrões de comportamento aceitáveis para os membros

de uma determinada sociedade, entendida aqui tanto do ponto de vista total ou

geográfico quanto dos diferentes grupos sociais que nela possam existir. A

depender da rigidez das regras existentes numa sociedade (ou grupo),

comportamentos ou atitudes espontâneas e criativas receberão melhor ou pior

acolhidas.

Não se espera, por exemplo, que a rainha da Inglaterra se porte de maneira

espontânea. As rígidas regras protocolares impedem manifestações desse tipo.

Mas se ela, em algum momento, infringir a regra, sua atitude, com certeza,

provocará espanto e virará notícia.

Pode-se dizer que uma criança está sendo criativa ao fazer de um sapato

um carro, em suas brincadeiras. A um adulto que faça o mesmo, consideraremos

como mentalmente perturbado, porque sapato é sapato e carro é carro. A salvo

dessa conceituação ficam os artistas. Pelo menos, em princípio. Como o próprio

Keith Johnstone aponta, muitos artistas, ao buscar a aprovação da crítica ou a

venda de suas obras, acabam por destruir exatamente aquilo que os teria feito

serem considerados como artistas.

Page 85: Improvisação K. Johnson.pdf

85

Ser espontâneo, original e criativo não significa fazer qualquer coisa ou

voltar a um momento anterior da vida, reviver um comportamento infantil, mesmo

porque isso seria impossível, mas tentar olhar para as coisas do mundo com olhos

bem abertos, curiosos, como a criança o faz; deixando que as coisas nos

surpreendam com outras possibilidades de ser.

�Se tentarmos esquecer tudo o que ouvimos a respeito de grama verde e céu azul, e olharmos o mundo como se tivéssemos acabado de chegar de outro planeta numa viagem de descoberta, vendo-o pela primeira vez, talvez concluíssemos que as coisas são suscetíveis de apresentar as cores mais surpreendentes.�41

Isso é difícil? Sim e não. Sim, porque do ponto de vista social esperam de

nós o contrário, e o peso dessa expectativa nos faz recuar e bloquear nossos

impulsos e vontades. Da mesma forma, é difícil do ponto de vista pessoal porque

construímos hábitos dos quais temos dificuldade de nos livrar. E não, porque

apesar de todas as exigências, normas e comodismos é da natureza do homem

ser espontâneo, original e criativo.

Freud diz que a criatividade é fruto da agressividade, entendida aqui como

pulsão ou potencial energético que prepara e coloca o organismo em estado de

tensão. Para ele, a criatividade seria inata e faria com que o homem dispusesse

de uma energia dirigida para fora, a fim de poder reagir ao meio ambiente.

Essa energia, quando canalizada através de processos de sublimação

resultaria no potencial criador, enquanto que, se frustrada, seria convertida em

violência e destruição.

41 GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999, 16ª ed., p.29.

Page 86: Improvisação K. Johnson.pdf

86

Para Fayga Ostrower, a natureza criativa do homem se elabora no contexto

cultural, e todo ato criador implica a capacidade de compreender, ordenar,

configurar e significar.

Tanto num caso como no outro, estamos diante de uma situação em que há

um ser humano em relação com o outro ou com o ambiente, e essa relação só é

possível através dos sentidos que nos permitem chegar à percepção ou à tomada

de conhecimento do outro, do mundo, da própria relação e de nós mesmos.

Segundo David Hume, existem dois gêneros de percepções: as impressões

e as idéias. As impressões seriam fruto de fortes percepções e vinculadas de

maneira muito próxima às emoções e paixões, enquanto que as idéias seriam

pálidas imagens dessas impressões (ou reflexos) e se vinculariam ao pensamento

e raciocínio.

Assim, para ele, toda percepção seria dupla, ou seja, ao mesmo tempo

impressão e idéia, e partindo desta afirmação Hume consideraria a possibilidade

de existência de impressões e idéias fortes e fracas, simples e complexas.

Analisando do ponto de vista puramente fisiológico, todas as impressões e

idéias têm sua origem em estímulos que nos chegam através dos receptores, ou

seja, nossos órgãos dos sentidos, e dali são transmitidos até o cérebro através

dos neurônios, numa cadeia sináptica onde serão interpretados e re-transmitidos

em uma nova cadeia sináptica, agora não só para o órgão ou os órgãos

receptores originais, mas para todas as partes do corpo que serão necessárias

para a resposta àquele estímulo. É no final de todo este processo que a

percepção do estímulo original se dá e tomamos consciência dele. Ou seja, só

então formamos uma idéia e uma impressão.

Page 87: Improvisação K. Johnson.pdf

87

A partir deste ponto, reiniciaremos o processo em um novo patamar, no

qual a idéia e a impressão poderão ser trabalhadas por nós em dois níveis:

mnemônico e imaginativo; o primeiro estará relacionado à evocação de

experiências passadas e o segundo à criação de novas idéias e impressões.

Diante de um fragmento de informação, nossos neurônios trabalham no

sentido de estabelecer conexões capazes de classificá-lo de modo a formar um

todo inteligível. As diferentes áreas cerebrais são responsáveis por funções

específicas, de tal forma que um mesmo fragmento pode ser classificado em

múltiplas categorias, todas devidamente organizadas e inteligíveis e, portanto,

válidas. Um caco que meu cérebro reconhece como tal é identificado, por

exemplo, como pertencente a uma xícara, e a xícara poderá ser associada a uma

avó, a momentos felizes da infância, e poderá despertar a vontade de tomar chá,

provocar a lembrança da dor de um dedo cortado ou ainda remeter a questões de

natureza social, cultural, moral e artística. Nenhuma dessas conexões é

intencionalmente pensada, porque é da natureza do cérebro fazer esse trabalho.

Se, em nosso cotidiano, fôssemos pensar em cada mínima ação ou palavra, as

horas do dia talvez não fossem suficientes para executar uma ação completa.

Geralmente, só nos damos conta de que nosso corpo sabe mais do que

nossa consciência pode suportar, em termos de informação, quando em situações

de perigo. Se um carro vier correndo na minha direção e eu só perceber a sua

existência a poucos metros do confronto, por interferência de mecanismos que o

organismo possui e que visam preservar a minha vida, muito provavelmente só

terei consciência do ocorrido depois que já estiver a salvo. Muitas vezes dizemos

que não sabemos como fomos capazes de realizar esta ou aquela ação, ou de

Page 88: Improvisação K. Johnson.pdf

88

dizer isso ou aquilo em uma determinada situação. São milhões de neurônios

trabalhando numa rede ininterrupta de organização e reorganização de

informações que nos chegam através dos sentidos. Para nós, a percepção que

temos é a de que as coisas simplesmente ocorrem, simplesmente estão lá. Eu não

me esforço e elas aparecem. O problema ocorre quando nos recusamos a

considerar as múltiplas possibilidades envolvidas e nos fixamos em alguma das

leituras como sendo um único todo que encerra em si uma única verdade.

Ser espontâneo, original e criativo exige de nós subordinar

temporariamente a racionalidade aos sentidos, permitindo que estes se

expandam, aceitando e aproveitando o que deles surge. Significa deixar que as

coisas se mostrem, sem impor a priori o que achamos que elas deveriam ser.

Significa também aceitar a lógica da cena, ou seja, aquilo que é óbvio para uma

determinada situação.

É bastante comum acontecer o fato de um ator se recusar a colocar uma

idéia em uma cena, mesmo que ela esteja gritando em sua cabeça para sair, e

todos em volta estejam torcendo para que ela apareça, só porque a mesma idéia

surgiu em uma cena imediatamente anterior à sua e ele acredita que se o fizer

será considerado não original, não criativo. Em decorrência, perde a

espontaneidade, fica irritado e frustrado consigo mesmo, por não ter conseguido

contribuir para a construção da cena.

Para treinar respostas não pensadas ou espontâneas, Keith Johnstone faz

uso de alguns jogos que obrigam um ator a ser sempre �escada� para o outro. Ao

fazer isso, ele retira dos atores a possibilidade de se sentirem responsáveis pela

apresentação de grandes idéias, levando-os simplesmente a observar o que está

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89

posto na cena e a contribuir com a pequena, necessária e indispensável

informação que estaria faltando naquele momento, para que a cena possa seguir

naturalmente o seu curso.

Um exemplo seria a técnica da história de uma palavra por vez, cujos

objetivos principais são fazer os atores prestarem atenção nos parceiros de cena e

perceberem que esta é resultado de um ato coletivo. Com os atores dispostos em

círculo e a partir de um título, o primeiro ator começa a construção da história com

uma palavra que dê início a uma frase. O ator seguinte coloca a próxima palavra,

e assim por diante. Não se trata de palavras aleatórias, mas de frases construídas

com sujeito, verbo, predicado, artigos, adjetivos, advérbios e tudo mais que a

gramática oferecer e permitir para o caso.

É inevitável que surjam idéias à medida que as frases vão sendo

construídas e que os atores se sintam ansiosos para colocá-las na roda. Mas,

quando chegar a vez de cada um dos jogadores, talvez aquela idéia maravilhosa

não se encaixe, e a lógica da frase e da história serão quebradas se eles tentarem

persistir. Talvez lhes caiba apenas um simples, óbvio e banal artigo, mas sem ele

a frase perderia sua coerência. Acrescentar o artigo não exigiu do ator qualquer

esforço mental. Cabia a ele simplesmente ouvir. Um ouvido atento sabe como dar

continuidade a uma história.

Para os iniciantes, esse é um exercício que causa muita frustração porque

percebem que estão impedidos, pelas regras do jogo, de demonstrar suas

qualidades individuais. Só muito mais tarde perceberão que original e criativo será

o resultado do trabalho coletivo, ou seja, a história que construíram.

Page 90: Improvisação K. Johnson.pdf

90

Keith Johnstone nos convida a participar da difícil tarefa de re-aprender a

valorizar as pequenas coisas do dia-a-dia, de aceitar as ofertas que nos são feitas,

de partirmos daquilo que está à mão, ao invés de perseguirmos o inusitado, no

processo de criação e na vida.

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91

FAST FOOD STANISLAVSKI

Sentimentos atuam como cores, colorindo as falas e os gestos. Eles nos

levam a realizar algo de uma maneira específica. Eles nos indicam como dizer ou

fazer algo. Uma mesma fala dita com diferentes sentimentos poderá ter seu

sentido alterado. Um eu te amo dito com ódio, indiferença, alegria ou paixão, terá

significados diversos e provocará reações igualmente diversas.

O termo fast-food Stanislavski foi criado por Keith Johnstone, quando ele

dirigia um espetáculo, em Copenhaguem, na Dinamarca, na Danish State Theatre

School42, nos anos 70, e constatou que os alunos pouco conheciam e menos

ainda dominavam as idéias de Stanislavski, embora acreditassem o contrário.

O fast-food foi uma maneira que encontrou de fazer os alunos

experimentarem de uma maneira rápida as idéias do teatrólogo russo. O termo,

porém, acabou incorporando-se ao vocabulário do Teatro-Esporte para designar

jogos que tratam diretamente de conceitos de Stanislavski e, mais precisamente,

aqueles que tratam de emoções e sentimentos.

Quando falamos deste método de improvisação, a primeira coisa que há de

faltar é tempo para pensar. Se não há tempo para pensar, menos ainda haverá

para uma profunda pesquisa de personagem. Estamos no âmbito da improvisação

e falar em personagem seria mais pertinente à interpretação. Aliás, o uso desta

palavra no improviso é exagerado, e talvez fosse mais adequado nomeá-la como

figura ou esboço. Seja como for, há que se reconhecer a importância da existência

de certas especificidades na construção de uma cena. Uma delas seria a 42 Statens Teater Skole Københvan.

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descoberta e a exploração de características das pessoas, objetos, animais,

presentes numa cena, a que damos o nome de personagem. Não se trata de algo

pensado ou decidido a priori, mas de um construir à medida que a cena vai

tomando forma. Aliás, como tudo neste método de improvisação.

Esta construção feita diante dos olhos do público é admirável porque

implica despojamento do ator, em deixar-se estar �vazio� para, num curto espaço

de tempo, transformar-se em algo ou alguém, com características tais e tais,

necessárias e a serviço da cena.

Para o ator, mais importante do que descobrir quem é aquela pessoa da

cena será descobrir (construir) que tipo específico de pessoa ela é. Que

qualidades físicas e emocionais a tornarão única, ou seja, diferente de tantas

outras da mesma categoria e, ao mesmo tempo, quais qualidades farão com que

ela seja considerada como pertencente àquela categoria específica. Se um ator

entrar em cena e descobrir que o melhor para a cena será ele assumir o papel de

pai, ou, ao contrário, se alguém entrar em cena e lhe atribuir esse papel, sua

tarefa será construir a um só tempo o pai específico daquela cena e os

comportamentos verbais e gestuais que permitam que todos nós o encaixemos

dentro da categoria �pai�. Ou seja, o que quer que o ator faça em cena terá de

conter elementos críveis para seus companheiros de cena, para a realidade da

cena e para nós espectadores.

Essa é uma operação dificílima a princípio.

As idéias de Stanislavski aparecem então como indicadores de aspectos

relevantes e que precisam ser levados em consideração no trabalho do ator:

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93

�O que quer que aconteça no palco, deve ser com um propósito determinado. Mesmo ficar sentado deve ter um propósito, um propósito especificado e não apenas o propósito geral de ficar visível para o público. Temos de ganhar o nosso direito de estar ali sentados.�43

Haverá sempre um motivo, uma razão para a personagem ter feito ou dito

algo em cena. Esse foi o ponto de partida do método de improvisação de Keith

Johnstone. E esse é o desafio que o ator terá de enfrentar: descobrir a motivação.

Keith Johnstone, porém, chama a atenção para o fato de que saber qual é a

motivação não é suficiente para que a cena aconteça. É necessário que o ator dê

a conhecer e trabalhe objetivamente na concretização de seu objetivo. Não há

necessidade de saber de antemão qual será a motivação, mas, ao entrar em cena,

deve o ator ter consciência de que terá de descobrir porque está em cena, porque

entra ou sai e o que quer na cena. Há um jogo do Teatro-Esporte que explora

clara e objetivamente este aspecto, apontado por Stanislavski, e que é chamado

Entra e sai.

Há um outro, chamado O banco, que envolve todos os integrantes de um

time e cujo objetivo é abandonar o banco, todos ao mesmo tempo e pelo mesmo

motivo. Trata-se de um jogo não-verbal, em que nenhuma forma de comunicação

entre os participantes é permitida. A única informação dada aos atores (no

espetáculo, sugerida pelo público) é o local onde esse banco está. O jogo pode

ser bem demorado, mas é extremamente prazeroso de ser assistido. Cada um dos

atores terá por tarefa desenvolver uma pequena ação física, coerente com aquele

espaço onde o banco está e simplesmente observar o que seus companheiros de

43 STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 182, 5ª ed., p. 63.

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94

cena estão criando. Com o tempo, alguma das ações propostas será aceita pelo

conjunto de atores. Essa será a razão coletiva que levará o time a abandonar o

banco. A partir daí, a tarefa do grupo será explorar essa idéia num crescente

envolvimento com ela, de tal forma que o clímax o expulse naturalmente do banco.

O jogo reúne todos os fundamentos do método de Keith Johnstone e responde

muito bem às idéias de Stanislavski.

Como é possível observar a maneira como os atores criam e as manobras

que executam aceitando ou bloqueando idéias, é freqüente, em apresentações,

ouvirmos um �ah� em uníssono da platéia, indicando desapontamento, quando a

cena está se encaminhando para o desfecho e algum dos atores retarda a

conclusão, seja pelo acréscimo de alguma nova idéia, seja pelo mero abandono

daquela que ali está posta.

�Os atores, como os viajantes, acham muitos meios diversos para chegarem ao seu destino: há os que experimentam realmente, fisicamente, os seus papéis, os que lhes reproduzem de forma exterior, os que se adornam com os truques do ofício e atuam como se atuar fosse uma profissão qualquer. Outros transformam o papel numa conferência seca e literária e há os que se servem dele para se exibirem vantajosamente aos seus admiradores.

Que pode o ator fazer para impedir-se de tomar a direção errada? Em cada entrocamento da estrada, deve contar com um sinaleiro bem treinado, atento, disciplinado. Esse sinaleiro é o seu senso da verdade, que colabora com o seu senso-de-fé-no-que-está-fazendo, para mantê-lo na trilha certa. Que material usamos para construir nossa trilha? A princípio poderia parecer impossível usar material melhor do que as emoções reais. Mas as coisas do espírito não são suficientemente substanciais. É por isso que recorremos à ação física.

No entanto, mais importante do que as ações, propriamente ditas, é a sua veracidade e a nossa crença nelas. Eis o motivo: sempre que se tem verdade e fé, tem-se sentimento e experiência. Pode-se pô-los à prova, executando até mesmo o ato mais ínfimo

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em que deveras acreditem. Verão que, instantaneamente, intuitivamente e naturalmente, despertar-se-á uma emoção.�44

Alguns atores encontram, porém, muita dificuldade em desenvolver as

ações e, por conseguinte, em expressar emoções e sentimentos. Suas ações são

pautadas por uma falta de vitalidade tal que nos dá a sensação de estarmos

diante de alguém aprisionado dentro de um corpo que não lhe permite se

manifestar verdadeiramente.

Para tentar ajudar esses atores a saírem desse estado de torpor ou de uma

rigidez extrema, Keith Johnstone criou o artifício de se deslocar os sentimentos e

as emoções para o ambiente, para os objetos ou para determinadas partes do

corpo, eximindo assim o ator de qualquer responsabilidade pelo que venha a

mostrar.

Voltamos assim às idéias de Wolpe no que se refere à aproximação gradual

e paulatina de situações que possam causar ansiedade e/ou constrangimento. E,

também, às de Stirling, ao promover situações que levem ao sucesso das ações.

É sabido que, ao entrar em cena, a única coisa de que o ator precisa é

aceitar a sua primeira idéia. Mas, digamos, porém, que aconteça (por um lapso ou

desvio qualquer da atenção) que uma idéia escape e o ator, ao se ver no palco,

não tenha nenhuma idéia. Um ator treinado transformaria imediatamente esse fato

no tema da cena ou numa característica da personagem. Um ator inexperiente

ficaria paralisado. De qualquer forma, algo terá de acontecer. Não é possível que

ele lá permaneça sem fazer nada. Para Keith Johnstone, qualquer ação, por

mínima que seja, já será o suficiente para que a cena se inicie. Assobiar, 44 Idem, p. 169.

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cantarolar, olhar o próprio corpo, olhar alguém da platéia, se coçar, etc. Qualquer

coisa serve. Pouco importa o que o ator faz, mas sim, como ele aproveita o que

faz. Quando o ator se envolve, de fato, com a ação, quando ele acredita na

realidade daquela ação, naturalmente surgem qualidades para esse fazer e, com

elas, sentimentos, emoções ou estados de espírito são expressos.

Mas, se o ator tem dificuldade em desenvolver uma ação, o que poderá

tornar sua atuação débil e a cena pobre, o artifício de dotar o ambiente, objetos ou

apenas uma parte do seu corpo, com um sentimento específico obriga o ator a

deixar que a ação seja contaminada por esse sentimento, o que o conduzirá de

uma maneira sutil a um envolvimento com essa ação. É curioso, mas pessoas

muito bloqueadas são capazes de demonstrações afetivas poderosas e

verdadeiras quando acreditam estarem simplesmente cumprindo a regra do jogo.

Suas ações se enriquecem, tornam-se críveis e a cena ganha como um todo.

Observa-se nitidamente, no trabalho de Keith Johnstone, a criação de

estratégias que facilitam o trabalho do ator, ou chamam a sua atenção para

aspectos relevantes dessa profissão, baseados em conceitos de Stanislavski,

embora, no princípio de seu trabalho, ele acreditasse estar reagindo contra as

idéias do mestre russo, muitas delas já citadas ao longo desta dissertação. Há,

porém, discordâncias.

Keith Johnstone não pretende tornar real a ilusão do teatro. Ao contrário, o

que pretende é ativar a espontaneidade e a criatividade do público e do ator em

um tipo de teatro em que não há qualquer suporte material para este último. Tudo

o que vier a acontecer em cena será pautado unicamente no seu trabalho. O palco

é despojado, não existem figurinos nem adereços. Algumas poucas companhias

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de Teatro-Esporte mantêm, muito mais por mero costume, uma arara com

algumas poucas peças de roupas e alguns adereços, mas isso é totalmente

dispensável e, no espetáculo, concorre para a perda de tempo e para a fixação do

ator em alguma peça de roupa em especial, que acaba atuando como muleta para

seu trabalho.

Não é objetivo do trabalho buscar uma verdade interior. A verdade é a da

cena, construída no tempo presente. O resultado do trabalho de um ator será

verdadeiro se ele aceitar idéias, se ele se deixar envolver por elas e se ele

envolver o seu companheiro de cena no seu desenvolvimento.

Ao invés de lançar mão da memória emotiva para provocar a emoção

necessária à realização de uma cena, Keith Johnstone preferirá o trabalho com as

ações físicas, de Stanislavski.

Para ambos, é importante que os atores tenham consciência de que na

atuação todos fazem parte de algo maior, seja esse algo o espetáculo ou a cena,

e cada atuação, por mínima que seja, será fundamental para que o todo funcione.

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AS INFLUÊNCIAS DE BRECHT Brecht queria tirar o público da condição de mero espectador,

identificado e mergulhado na ilusão do teatro. Todo o seu trabalho foi dedicado a

criar um teatro não alienante, que despertasse a consciência (crítica e política) da

platéia e a fizesse tomar partido. Não que com isso o espetáculo fosse se

transformar em simples tribuna para o debate de idéias e, em decorrência, viesse

a ser menos interessante. Ao contrário, Brecht acreditava que o público merecia

ter prazer e o espetáculo deveria lhe proporcionar a mesma alegria encontrada em

um divertimento lúdico. Apaixonado pelo boxe, queria que o espetáculo se

parecesse com uma luta.

�No palácio dos esportes, no momento em que as pessoas compram os ingressos, sabem exatamente o que vai ocorrer: homens treinados exibem seus dotes específicos dando a impressão de agir por prazer. (...) Não sei por que o teatro não teria também seu bom esporte (...).� 45

A referência de Brecht a um teatro que deveria voltar os olhos para o

público do esporte não está na simples transposição do espetáculo teatral para os

estádios, mas na forma do espetáculo que, assemelhada ao esporte, fosse capaz

de mobilizar o público de teatro tal qual ocorre no evento esportivo.

A própria estrutura do espetáculo Teatro-Esporte parece responder de

forma clara aos intentos de Brecht, embora não haja aqui nenhuma afirmação de

que Keith Johnstone tenha concebido essa estrutura de espetáculo como uma

45 BRECHT, Bertold. Apud FREITAS, Eduardo Luiz Viveiros de. Dossiê Brecht � Teatro, estética e política. Revista cultura crítica (01), São Paulo, Apropuc, 2005.

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concretização de objetivos ou interesses do teatrólogo alemão. Há, ao que me

parece, uma grande coincidência de objetivos, embora os pontos de partida

tenham sido diferentes.

�Nossa esperança está no público do esporte.�46

Esta fala de Brecht poderia bem ser de autoria de Keith Johnstone. Brecht

queria acordar a platéia. Keith Johnstone queria que as pessoas que se

interessam por outras atividades, em especial o esporte, também se

interessassem por teatro.

Curiosamente, a luta os une na realização de seus projetos de trabalho, que

têm a vida como a maior fonte de pesquisa para o ator.

Como forma de quebrar a ilusão do Teatro, Brecht irá utilizar-se de

estratégias, muitas das quais se encontram no Teatro-Esporte, seja como parte

constituinte do próprio espetáculo, seja através de sua tradução em jogos.

Brecht não queria um ator envolvido emocionalmente com a personagem,

nem que o público se identificasse por esse viés com ela. A interrupção da ação

através de versos, canções e comentários resultaria num conjunto maior de

artifícios criados por ele com o objetivo de gerar distanciamento e assim evitar a

identificação. Esses artifícios também podem ser encontrados em jogos

específicos do Teatro-Esporte.

Por exemplo, Brecht dava títulos para as cenas. No Teatro-Esporte, uma

das formas possíveis, aliás, a principal, para se iniciar uma cena, é a partir de um 46 BRECHT, Bertold. Apud BORHEIN, Gerd. Brecht � A estética do teatro. São Paulo: Graal, 1992, p. 71.

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título. As cenas não irão se constituir em episódios de algo maior, o texto, como

em Brecht, porque no Teatro-Esporte não há uma história única a ser contada.

Porém, se olharmos mais detidamente o conjunto de cenas de um espetáculo de

Teatro-Esporte, veremos que elas, apesar de suas especificidades e de nenhuma

ligação aparente, ajudam a compor o todo maior que é o próprio Teatro.

O que o público assiste, em um espetáculo de Teatro-Esporte, poderia bem

ser nomeado de aula pública de teatro, ou uma experiência teatral total. Durante o

tempo da apresentação, o público terá a chance de ver diferentes facetas do fazer

teatral, além de visitar os mais variados estilos (não só teatrais) e épocas. Terá

também a oportunidade de discutir temas de seu interesse e de vislumbrar, pela

criação dos atores, possibilidades de resolução de problemas ou vieses de

interpretação diferentes das que possui. Fazer o público pensar se divertindo é um

aspecto inerente ao próprio espetáculo e talvez seja por isso que muitos

estudiosos e críticos considerem o Teatro-Esporte como uma realização do sonho

de Brecht.

Uma das formas do ator construir sua personagem, para Brecht, era fazê-lo

referir-se a ela em terceira pessoa, citando-a e acrescentando após cada uma de

suas frases: ele disse, ela disse. O uso dessa técnica tinha por objetivo impedir

que o ator revivesse emoções e sentimentos. Keith Johnstone cria um jogo

chamado Ela disse, ele disse, que, embora não seja exatamente igual à proposta

de Brecht, tem o distanciamento como elemento-chave a ser explorado,

separando palavra e gesto. Imaginemos dois atores. Os dois podem falar, mas a

ação é dada pelo companheiro, numa seqüência lógica e com um detalhe por vez.

Por exemplo:

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A � Bom dia.

B � Ele/ela disse e estendeu a mão. (O ator A estende a mão) Bom dia.

A � Ele/ela disse e segurou a mão. (O ator B segura a mão de A) Nossa,

sua mão está quente.

B � Ele/ela disse e sorriu maliciosamente. (O ator A sorri com malícia) É

que está fazendo calor.

A - Ele/ela disse e soltou a mão. (O ator B solta a mão de A) É tão bom

segurar uma mão quentinha.

B � Ele/ela disse e pegou novamente a mão (O ator A pega a mão de B) É,

meu/minha marido/mulher também gosta.

A � Ele/ela disse e soltou a mão. (O ator B solta a mão de A) Ele/ela sabe o

que é bom.

B � Ele/ela disse e agarrou a mão com força. (O ator A agarra a mão de B

com força) Por favor, as pessoas estão olhando.

A � Ele/ela disse e tentou soltar a mão. (O ator B tenta soltar a mão) Deixe

que olhem. Aqui está alguém que só precisa de um pouco de calor.

E assim por diante. O jogo irá obrigar os atores a manterem a atenção em

dois focos: a fala e o gesto. O envolvimento de ambos será enorme, mas não será

de caráter emocional e sim racional.

Brecht queria um ator consciente e um público curioso, que aprenda com o

Teatro a transpor as barreiras presentes em sua própria vida. Esse pode nem ter

sido, no início, um objetivo para Keith Johnstone, mas apareceu como

conseqüência do seu trabalho, tanto com o método como com o espetáculo.

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A CENA

�Keith Jonhstone é conhecido por iniciar seus workshops com uma simulação de cabo-de-guerra. Nenhuma corda, apenas dois times e alguma mímica. Inevitavelmente os grupos lutam ferozmente, puxando e se esforçando, nenhum lado querendo ceder um milímetro. Então, ele interrompe e pergunta aos participantes o que estão fazendo. �Tentando vencer�, eles geralmente dizem. �Mas não há nenhuma corda. Como vocês poderão vencer?� Este é um artifício para realçar a diferença entre conflito cênico e real. Certamente os jogadores de cabo-de-guerra estão em conflito, mas por que os atores deveriam estar? Por que não pode um time estar preparado para perder? Se nenhum grupo de atores estiver preparado para perder, talvez tenham entendido mal a natureza do conflito ficcional.�47

Para Keith Johnstone, a cena só acontecerá de fato se os atores

compreenderem que não estão lutando uns contra os outros, mas que os dois

lados fazem parte de um único time que tem por tarefa realizar o jogo cabo-de-

guerra. Para isso, o foco da atenção deverá ser mantido no companheiro de cena

que segura a outra extremidade da corda. É junto com o outro que, por exemplo,

será possível estabelecer a grossura, o peso e o comprimento da corda

imaginária. Ao manter a atenção no outro, os atores estarão em estado de

prontidão para responderem imediatamente às pequenas nuances de

movimentos, gestos e tensões musculares, que lhes darão claras indicações de

qual deles terá mais condições de vencer ou perder, já que esse é o objetivo final

do jogo real, que está representado neste jogo teatral. A tarefa de ambos é a

cena, portanto, estarão trabalhando juntos para torná-la crível, o que implica

47 JOHNSTON, Chris. House of Games : Making Theatre from Everyday Life. Londres: Nick Hern Books limited, 1998, p. 132.

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103

valorizar os detalhes que contribuem para a construção da vitória de um e da

derrota do outro.

Para Keith Johnstone, a cena é sempre uma construção feita a várias

mãos. Mesmo uma cena que seja realizada por apenas um ator, terá partido de

uma sugestão do público, ou do outro time ou de um juiz convidado, para ter

início. Portanto, ela já nasce, de certa forma, compartilhada.

Quando um grupo de atores começa a trabalhar com este método de

improvisação, nota-se uma tendência a desconsiderar a cena como sendo o

objetivo final do trabalho. Em geral, os atores querem construir uma peça inteira.

Desconfiam da importância da cena e acreditam necessitarem de tempo para

mostrar o que têm em mente.

Se um assunto específico for solicitado não há porque os atores darem

voltas, criando histórias ou ações paralelas, até chegarem aonde precisam. Eles

só perderão tempo e correrão o risco de se desviar tanto daquilo que lhes foi

pedido, que, talvez, nem consigam realizá-lo; o que poderá fazer a cena

naufragar. Se, por exemplo, o título de uma cena for Bolinhas amarelas, em

princípio, de pouco interesse serão as bolinhas azuis, as verdes, etc., assim como

de pouca serventia serão, também, as bolas e os balões. O que todos querem ver

é o que o ator faz com este título. O que causará admiração de quem assiste é ver

o ator correndo o risco de criar a cena das bolinhas amarelas e de permanecer

nessa sugestão explorando as diferentes facetas que ela possa conter.

Uma cena nada mais é do que um instante com começo, meio e fim.

Quanto mais rapidamente o ator entrar no assunto da cena, mais tempo ele terá

para o seu desenvolvimento.

Page 104: Improvisação K. Johnson.pdf

104

Se, por exemplo, uma ação começar na cozinha, lá deverá permanecer, e

se a ação for lavar pratos, essa será a ação física da cena. Observa-se assim que

a construção das cenas, neste método de improvisação, leva em consideração as

unidades (propostas inicialmente e parcialmente por Aristóteles) de ação, lugar e

tempo. Esta última unidade só será quebrada nos chamados jogos temporais.

Ao permanecer num mesmo espaço, realizando uma única ação, o ator se

verá obrigado a explorar as possibilidades dessa condição. Analisando o exemplo

acima, uma conseqüência inevitável será a repetição da ação de lavar pratos, já

que esta é a ação proposta na cena. Quando se faz algo repetidas vezes, cria-se

uma rotina.

Se o estabelecimento da rotina libera o ator de pensar no que fazer, ela

também é um convite para que o ator dê vida e crie nuances para este fazer. Isso

exige dele uma observação fina de sua ação, pois é aí que ele encontrará as

respostas de que precisa para enriquecer e concluir a cena. Todavia, se o ator

permanecer na mera repetição da ação, sem lhe acrescentar nenhum elemento, a

cena se tornará monótona. Lavar pratos sempre do mesmo jeito e no mesmo ritmo

é chato de se ver, assim como é chato de se fazer. Keith Johnstone chama a

atenção para a necessidade de se quebrar a rotina sem, no entanto, fugir do

assunto. Um prato, por exemplo, poderá ser lavado rapidamente, enquanto outro

mais cuidadosamente. Um resto de comida grudado e difícil de sair poderá ser

encontrado em algum dos pratos ou um outro poderá escorregar da mão, e assim

por diante.

A quebra de rotina traz qualidade à cena e quanto mais detalhes o ator

puder trabalhar em cada uma das quebras, mais rica a cena se tornará.

Page 105: Improvisação K. Johnson.pdf

105

Quebrar a rotina torna-se tão importante para a criação de cenas a ponto de

Keith Johnstone ser conhecido como o diretor que insiste, em seus workshops

com seus alunos, para criarem improvisações chatas. Obviamente, não é seu

objetivo criar um teatro chato de ser visto ou feito, mas essa é uma forma de

chamar a atenção para a importância do assunto.

Quando realizamos uma ação mecanicamente e não prestamos atenção ao

que estamos fazendo, e não corremos o risco de experimentar diferentes formas

de realizá-la porque achamos que ela é simples demais ou insuficiente para se

constituir em uma cena inteira, e nos prendemos à tarefa de torná-la inteligente e

interessante pelo acréscimo de novas idéias, acabamos por nos desviar do tema

da cena e, como ele mesmo diz, chegamos às velhas e aborrecidas respostas de

sempre.

Ao pedir para exagerarem na chatice, se necessário, Keith Johnstone faz

com que os atores olhem exatamente para aquilo que consideram chato - a ação -

e ao fazerem isso acabam por torná-la interessante, meramente porque

descobrem detalhes e nuances que enriquecem o fazer. É curioso, mas é

verdade, basta pedir para um ator apresentar uma cena chata, para ela se tornar

interessante.

Rotina causa monotonia e essa é uma das características, se não a

principal, de uma situação chata. E, por acreditarem ser uma única ação algo

chato de ser feito, muitos atores não imaginam, a princípio, que o que torna uma

cena interessante é justamente a permanência na ação proposta e as descobertas

que poderão fazer por terem tomado essa decisão. Cena chata acabou virando

um dos jogos de Teatro-Esporte, e dos mais difíceis de serem executados.

Page 106: Improvisação K. Johnson.pdf

106

Uma boa cena de Teatro-Esporte prima pela simplicidade, o que para

Brâncusi48 seria a complexidade resolvida.

Charles Chaplin era um mestre em estabelecer e quebrar rotinas. Inúmeros

são os exemplos que poderiam ser dados. A cena em que come o sapato, em A

corrida do ouro, é um deles. No documentário Unkown Chaplin49, há uma parte

sobre cenas raras que ele não aproveitou em seus filmes. Uma delas é uma cena

magnífica, uma verdadeira aula de rotina e quebra de rotina, de sete minutos de

duração, chamada por ele de invenção contínua, cujo objetivo era chamar a

atenção para a simplicidade dos objetos, e que ele pretendia usar na abertura do

filme Luzes da Cidade.

O Vagabundo, seu personagem mais famoso, caminha distraidamente por

uma calçada movimentada, no centro da cidade. De repente, vê uma pequena ripa

de madeira presa na grade de ventilação de uma loja de roupas femininas, na

calçada. Observa, curioso, e decide fazer a ripa passar pela grade. Empreende

várias tentativas de empurrar a ripa com sua bengala, mas a única coisa que

consegue é fazer com que um extremo ou outro da ripa fique em posição vertical.

Chaplin estabelece uma rotina para essa ação. Pára, disfarça e recomeça. Depois

quebra a rotina do uso da bengala, alternando essa ação com pisadas fortes sobre

a ripa, o que lhe rende uma nova rotina, a de se desequilibrar. Pessoas se

aglomeram para observar. Ele percebe, pára e disfarça. As pessoas se vão. Ele

recomeça a ação. Surge um mensageiro, com cara de abobalhado, comendo uma

fruta. O mensageiro cospe as sementes da fruta no respiradouro. Respingos das

48 Artista plástico romeno de grande influência para a escultura moderna do século XX, tinha a simplicidade como traço fundamental de sua obra. 49 Produzido pela Thames Televison, em 1983.

Page 107: Improvisação K. Johnson.pdf

107

cuspidas caem na roupa do Vagabundo, que decide ir embora. O mensageiro

interessa-se pela ripa, que está em posição vertical, e o Vagabundo volta e o

expulsa. Quando ele se prepara para dar continuidade à ação, duas senhoras se

aproximam da vitrine e uma delas, ao parar, fica com a ripa entre seus pés. O

Vagabundo se aflige com a iminente possibilidade de a senhora tropeçar e decide

evitar que um acidente ocorra. Coloca seu pé entre as pernas da senhora e abaixa

a ponta que estava levantada. As mulheres, que não sabem da existência da ripa,

ficam indignadas com a atitude dele e se vão. O Vagabundo prossegue em sua

empreitada. Um funcionário da loja aparece para mudar o preço dos vestidos

expostos e observa o Vagabundo. Percebe que ele está usando um método

errado. Bate no vidro para chamar a sua atenção e lhe diz o que deve fazer. O

Vagabundo não consegue ouvir. O homem grita as instruções. Dois outros

funcionários aparecem e repreendem o primeiro. O Vagabundo bate na vitrine e

pede para que ele repita o que disse, mas este não quer mais lhe dar atenção. O

Vagabundo volta a tentar fazer a ripa passar pela grade. O funcionário pega um

alfinete e prepara-se para prender o preço em um vestido, mas se irrita ao ver o

Vagabundo agindo do modo errado e bate na vitrine. O Vagabundo se vira e o

funcionário se põe a falar sem parar. Pessoas vão se aglomerando para assistir ao

insólito diálogo. O funcionário pega uma régua e demonstra que se ele continuar

insistindo em bater com a bengala nas extremidades da ripa, ela apenas se

moverá como uma gangorra. Para livrar-se da ripa, o Vagabundo deverá bater no

meio. Demonstra e a régua cai. Neste instante, uma funcionária da loja move de

lugar o manequim com o vestido de que o funcionário ia trocar o preço, ficando ela

própria de costas em seu lugar. O funcionário, terminada a demonstração, vira-se

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108

sem perceber a mulher e espeta o alfinete em seu traseiro. Ela grita com ele e se

vai. Ele vai atrás. O público ri e mais pessoas correm para ver o que está

acontecendo. O Vagabundo até então não havia percebido a aglomeração.

Constrange-se. Fixa o olhar nelas, mas, disfarçadamente, procura com a bengala

continuar a ação. Um policial aparece, pedindo explicações pelo tumulto. O

Vagabundo aponta a ripa e sem querer bate no lugar certo e ela finalmente passa

pela grade, desaparecendo. Percebe e abandona elegantemente o local, como se

nada tivesse acontecido. O guarda dispersa as pessoas e a cena termina.

O primor da cena reside naquilo que Keith Johnstone chama de correr o

risco de ver aonde uma idéia pode nos levar. As personagens que surgiram na

cena e suas pequenas ações serviram a um só tempo para quebrar a rotina da

ação principal e para enriquecê-la. Note-se que nada nem ninguém desviou a

atenção daquilo que movia a cena: a simples e banal ripa. As mínimas

interrupções (se é que posso assim denominá-las) serviram apenas para melhor

compor essas personagens e dar sentido às suas motivações particulares.

Um detalhe que poderia passar desapercebido é a maneira como Chaplin

finaliza a cena. Logo no início, ele propõe uma aglomeração de pessoas, mas

abandona a idéia, quando as dispersa. A re-incorporação dos curiosos, no final, é

um arremate precioso porque não só traz de volta essa idéia, mas é através dela

que somos reconduzidos ao cenário maior da cena, que é a rua, lugar onde

pessoas transitam.

�Um improvisador é alguém tal qual um homem que anda de costas. Ele vê onde esteve, mas ele não presta atenção ao futuro. Sua história pode levá-lo a qualquer lugar, mas ele deve

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109

ainda assim balanceá-la, e dar-lhe forma, rememorando incidentes que ficaram para trás e re-incorporando-os. Muito freqüentemente o público aplaudirá quando um material que apareceu no início é trazido de volta à história. Eles poderiam não saber porque aplaudiram, mas a re-incorporação causa-lhes prazer. Algumas vezes eles até gritam �Bravo!� Eles admiram a força do improvisador, uma vez que ele não só gera novo material, mas rememora e faz uso dos acontecimentos anteriores que o público mesmo pode ter temporariamente esquecido.�50

Uma boa cena de improviso, neste método de improvisação, é aquela em

que o ator aceita a primeira idéia, corre o risco de explorá-la, desenvolve uma

ação, envolve seu companheiro de cena na realização desta ação, estabelece

com ele uma relação, joga status, quebra rotinas estabelecidas, mostra

sentimentos e cria uma narrativa com começo, meio e fim, aproveitando todos os

elementos e informações que nela surgirem.

50 JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 116.

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110

O TEATRO E O ESPORTE

Muito mais do que a princípio se imagina, o teatro e o esporte estiveram

desde o seu nascimento bastante ligados.

Se voltarmos novamente os olhos para os primórdios da Humanidade,

veremos o homem primitivo adquirindo conhecimentos através do teste de

habilidades e da observação. Enfim, acumulando experiências para sua

sobrevivência. Ou, em outros termos, como dizemos ainda hoje, lutando para

(sobre) viver.

A luta pela sobrevivência, comportamento fundamental, está presente em

todos os animais, mas no homem ganha o diferencial da consciência, levando-o,

entre outras habilidades dela decorrentes, a criar diferentes funções para um

mesmo ato. Assim é que da mimese da captura de um animal ou do combate com

um grupo rival, o homem primitivo prepara o terreno para o nascimento do Teatro

e do Esporte. O primeiro, envolvendo componentes mágicos, fossem eles para dar

coragem ao caçador ou ao guerreiro, fossem para dominar o alvo, retirando-lhe as

forças antes do enfrentamento. No segundo caso, para treinar o corpo, dando-lhe

a força necessária ou permitindo-lhe a criação de estratégias para vencer.

Não há uma data certa para a criação da luta enquanto esporte. Mas há

documentos que indicam terem sido os egípcios os seus criadores, em 5000 a.C..

A luta teria sido introduzida na Grécia pela influência egípcia e de outros

povos da Ásia. Quando fizeram parte dos primeiros Jogos Olímpicos, em 776 a.C.

(considerado como o ano zero das Olimpíadas), as lutas já eram disputadas em

competições há pelo menos 2.000 anos.

Page 111: Improvisação K. Johnson.pdf

111

Assim como aconteceu com o Teatro, o esporte também ocupou lugar de

suma importância na civilização grega e também teve, em sua origem, caráter

religioso. Se para o Teatro havia as Grandes Dionisíacas, em honra a Dioniso,

para o Esporte havia as Olimpíadas, em honra a Zeus.

Se a importância das Grandes Dionisíacas era tal a ponto de os prisioneiros

serem libertados para assisti-las, conta a tradição grega que a realização dos

jogos olímpicos era marcada pela passagem de um emissário, portando um

grande bastão, que percorria as regiões e anunciava nas cidades a trégua,

marcada pelo aperto de mãos (ekcheiria), momento sagrado em que todos os

gregos deveriam cessar qualquer contenda ou guerra para irem competir

pacificamente nos combates esportivos. Acreditava-se que o mensageiro era um

porta-voz de Zeus, que, por seu intermédio, pedia a paz.

Gregos vindos de todas as regiões apresentavam-se na pequena vila de

Olímpia, na Élida, para o grande ágon51 , na esperança de poder subir no pódio

como vencedor, diante de um público estimado em quarenta mil pessoas, e

receber dos juízes a coroa de ramos de oliveira, ao final de cada prova realizada.

Lendas cercam o nascimento das Olimpíadas. Numa, teriam sido

decorrentes de uma luta entre Cronos e Zeus. Em outra, Héracles teria realizado

competições para incitar seus irmãos, os Cureutas, à guerra. Mas, o mais provável

é que elas sejam uma evolução natural do costume de organizar disputas nos ritos

fúnebres, quando um grande herói era sepultado.

51 Segundo os dicionários Larousse Cultural e Aurélio o ágon é definido como embate, disputa, visão competitiva que a nobreza tinha da existência. Também entendida como a assembléia do povo que vigiava os Jogos Olímpicos.

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112

Homero, na Ilíada52, narra o funeral de Pátroclo como tendo sido pomposo

e acompanhado de competições realizadas em sua homenagem. Aquiles mandara

trazer dos seus barcos prêmios para os vencedores: touros, bois, mulas, armas,

ferro, baixelas de prata, escravas e ouro.

No relato feito por Homero, além da corrida, da luta de gládio e do

lançamento de peso, Aquiles realizara a luta de murros, que foi vencida por Epeio,

e a luta-livre (hoje chamada de luta greco-romana), empatada entre Ulisses e Ájax.

A relação entre o Teatro e o esporte não se esgota em sua origem comum,

mas também está presente no que os move: o ágon. Todo esporte, seja qual for a

modalidade, é de certa forma uma luta e implica a possibilidade de um perdedor e

de um vencedor. Todo Teatro necessita de conflito para existir, seja da

personagem consigo mesma, seja entre personagens distintas. O embate, a luta

de idéias ou física, é componente fundamental de ambos. A própria palavra

protagonista (protagonistés) serve ao Teatro e ao Esporte indicando aquele que

combate em primeira linha.

Se, de todos os Esportes, a luta é o seu representante mais antigo, de

todas as formas de Teatro o improviso é também o seu representante mais antigo.

Talvez tenha sido mera coincidência, mas é justamente da combinação desses

dois representantes ancestrais que surge o Teatro-Esporte.

52 Canto XXIII

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113

O ESPETÁCULO

�Nos anos 60, na Inglaterra, nos perdíamos em infindáveis discussões sobre como educar melhor o público. Ninguém considerava a possibilidade de que o público pudesse nos educar. Isso é pura arrogância. Afinal, para quem fazemos teatro?�53

O Teatro-Esporte foi inspirado inicialmente nas pro-wrestlings54, que por

sua vez são um tipo de luta greco-romana para entretenimento familiar.

John Dexter e William Gaskill dividiam o interesse por luta-livre com Keith

Johnstone e ficavam imaginando como seria se os lutadores fossem substituídos

por improvisadores. Uma idéia que, aliás, consideravam impossível na Inglaterra

dos anos 60, já que cada palavra ou gesto, para serem apresentados

publicamente, deveriam receber a aprovação do Lord Chamberlain, oficial do

Palácio de Buckingham que cuidava para que nenhuma idéia expressa pudesse

perturbar a família real. Todos os comediantes ficavam sob forte vigilância e seus

trabalhos precisavam de aprovação. Um importante teatro londrino havia sido

punido porque um ator imitara a voz de Churchill e um outro atravessara o palco

carregando uma foice.

Para Keith Johnstone, se a luta-livre tivesse sido considerada como teatro

pelas autoridades, cada salto, gesto ou exclamação teria necessariamente de

passar pelo censor antes da apresentação.

53 JOHNSTONE, Keith. Theatresports. Die Deutsche Bühne, novembro de 1989, p. 55. 54 A palavra pro-wrestling significa prender, imobilizar, segurar. Enquanto estilo de luta, é conhecida como luta olímpica, mas foi popularizada como luta greco-romana.

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114

�Foi muito embaraçoso receber a visita dos russos e vê-los lamentarem nossa falta de liberdade.�55

Em 1963, Keith Johnstone estava trabalhando, com os atores do Studio, na

criação de diálogos que se estabelecem entre estranhos, a partir dos conceitos de

Stanislavski, quando o Teatro de Arte de Moscou passou por Londres com uma

montagem de O Jardim das Cerejeiras, de Tchekov.

Keith Johnstone saiu da apresentação frustrado e com a estranha sensação

de que todas as personagens tinham sempre os mais fortes motivos para fazer o

que faziam e dizer o que diziam. Então, perguntou-se acerca dos motivos mais

fracos. O que seriam eles e como funcionariam numa cena? No dia seguinte a

essa apresentação, com os alunos do Royal Court Studio, começou a desenvolver

os primeiros exercícios de status.

Os exercícios exploravam a gradação das motivações. O resultado foi uma

explosão tal de alegria e prazer que ele acreditou estar fazendo algo muito errado.

Em seu pensamento, uma aula não podia provocar tanta felicidade. A fim de

verificar se aqueles sentimentos e reações não eram algo particular do grupo,

como expressão talvez de uma espécie de narcisismo, tornou as aulas públicas,

obtendo, para sua surpresa, exatamente os mesmos resultados.

�Eu escrevi para seis colegas londrinos e ofereci aulas gratuitas de demonstração, depois do que recebemos convites para nos apresentar em diversos lugares. Eu cortei o número de atores para 4 ou 5 e, com forte apoio do Ministério da Educação, começamos a fazer uma turnê pelas escolas e universidades. Assim, toda vez que nos encontrávamos em cima de um palco, éramos impelidos a dar shows mais do que em fazer

55 JOHNSTONE, Keith. Impro for storytellers, Op. cit., p. 1.

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115

demonstrações. Nós nos denominamos �The Theatre Machine�, e o Conselho Britânico nos enviou em turnê pela Europa. Logo nos tornamos um grupo de muita influência, e o único grupo de pura improvisação que eu conhecia, em que nada era preparado e tudo acontecia ao vivo como uma aula aberta de teatro.� 56

Esses primeiros experimentos, feitos a partir das observações acerca da

montagem de O Jardim das Cerejeiras, e o trabalho realizado no grupo de autores

do Royal Court Theatre foram se organizando. Com os anos, resultaram não só

na criação deste método de improvisação, mas também em diversas estruturas de

espetáculos de pura improvisação, cujo carro chefe, sem dúvida é o Teatro-

Esporte.

A combinação definitiva entre o Teatro e o Esporte, porém, com as regras,

os jogos e a estrutura final, só viria a acontecer mais tarde, quando Keith

Johnstone já morava no Canadá.

56 JOHNSTONE, Keith. Impro, Op. cit., p. 27.

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116

DA SALA DE AULA DO ROYAL COURT PARA O INTERNATIONAL

THEATRESPORTS INSTITUTE

A saída de Keith Johnstone do Royal Court Theatre, em 1966, acabou por

impulsionar a difusão de suas idéias para além das fronteiras da Inglaterra.

Num primeiro momento, ainda vivendo em Londres, Keith Johnstone foi

lecionar na Royal Academy of Arts. Mas os convites começaram a chegar e o

afastamento da Inglaterra foi se configurando como algo concreto. O primeiro

afastamento ocorreu quando ele aceitou o convite da Vic University e foi para

Vancouver, no Canadá. Lá, Keith Johnstone disse sentir-se livre novamente.

Pela primeira vez, em anos, sentia de novo vontade de estudar direção e

de expressar seus pensamentos, sem o peso da rígida censura inglesa que o

havia acompanhado de perto durante tantos anos.

Em 1971, fez seu primeiro trabalho na Universidade de Calgary, como

professor convidado para a área de interpretação. Em 1972, saiu da Universidade

para responder a convites recebidos e a ela retornou, em 1975, como professor

assistente. Os contactos com a Vic University iriam se manter ainda por algum

tempo.

Durante quinze anos, Keith Johnstone lecionou todos os verões em

Copenhaguem, na Dinamarca, na Danish State School of Arts. Ministrou

workshops em diversos países europeus, a convite de importantes companhias de

pesquisa, como o Odin Teatret, em 1970, e a companhia sueca Unga Klara,

também nos anos 70, além de dirigir espetáculos, alguns escritos por ele mesmo,

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117

como quatro realizados no Teatro de Salvatore Poddini, em Tübingen, Alemanha,

escritos e encenados (todos) em oito semanas.

O contato com a Escandinávia seria um importante marco, não só porque a

primeira companhia de Teatro-Esporte, fora do Canadá, surgiu lá, como

importantes contribuições para a constituição do próprio espetáculo foram então

feitas.

Além disso, suas idéias foram logo reconhecidas e incorporadas aos

programas das escolas de teatro e as primeiras traduções de seu livro Impro foram

feitas para o dinamarquês e o sueco, ampliando ainda mais, nesses países, a

disseminação de suas idéias.

Mas é no Canadá que o nome Teatro-Esporte aparecerá e lá o espetáculo

ganhará sua forma atual. Para Keith Johnstone, a receptividade do público

canadense é a grande responsável pela criação do espetáculo como o

conhecemos hoje. Chega mesmo a comparar o Theatre Machine a uma partida de

cricket palaciana, morna e sem graça, perto do efusivo Teatro-Esporte.

Ao criar o Theatre Machine, sua única preocupação era ensinar Teatro de

uma forma que os alunos permanecessem interessados na aula e em seus temas.

Não havia uma pretensão maior.

Quando Keith Johnstone vai lecionar na Universidade de Calgary, cidade do

oeste canadense em que acabou por fixar moradia, é essa idéia que traz na

bagagem. Suas aulas eram extremamente divertidas e, por isso mesmo, bastante

concorridas.

Lá decide formar sua própria companhia e, para isso, convidou um grupo de

alunos. Os ensaios aconteciam no porão de sua casa, regados a chá e biscoito.

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118

Relatos dos membros dessa primeira equipe, alguns dos quais permanecem até

hoje na companhia, indicam que a sensação era a de que estavam fazendo uma

revolução no Teatro. Sentiam-se altamente estimulados e o fato de estarem em

plenos anos 70, época em que tudo o que era diferente causava excitação,

aumentava ainda mais o envolvimento deles no projeto. Keith Johsntone queria

unir o Teatro ao esporte. A idéia por si só era revolucionária, e no grupo havia um

dos membros que era fanático por esportes, de tal forma que a cada reunião ele

comparecia com listas de idéias e regras de modalidades esportivas que

pudessem ser aproveitadas no espetáculo.

O grupo, por vezes, não conseguia enxergar a transposição daquilo para o

palco e se afligia. Mas, as razões de Keith Johnstone, ao empreender essa busca,

eram pautadas no fato de considerar que o teatro convencional estava morto e se

dedicava prioritariamente a encenar mortos. Então, achava que as pessoas de

teatro lamentavam sem razão a falta de público. O teatro não atingia o público. Por

outro lado, ele nunca havia visto um evento esportivo vazio, nem alguma pessoa

ligada ao esporte reclamar da falta de público. Além disso, ao comparar as

platéias de teatro e as de esporte, essas últimas possuíam qualidades invejáveis.

Participavam, tomavam partido, enfim, estavam de corpo e alma envolvidas com

aquilo a que estavam assistindo, o que não ocorria com o público de Teatro, muito

silencioso e formal.

Keith Johnstone testava diferentes possibilidades. O futebol e a luta-livre

eram seus prediletos porque também eram os esportes de que mais gostava, pelo

menos na época.

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119

A aparente simplicidade presente nos filmes de Buster Keaton e Charles

Chaplin era uma espécie de meta a ser alcançada.

O grupo fazia listas de necessidades. Levantava questões tais como: Que

tipo de pontuação? O que será considerado penalidade? Quem julgará? O que

julgará?

Assim, semana a semana, novas regras eram testadas, para desespero do

grupo, que tinha de aprender e desaprender continuamente, até que o espetáculo

acabou tomando a forma original.

Contribuía ainda para essas alterações contínuas o fato de Keith Johnstone

estar também trabalhando com um grupo de alunos da Vic University e com um

grupo na Dinamarca.

Por fim, eles começaram a realizar apresentações do Secret Impro Show

no porão da universidade. O espetáculo estava envolto numa aura de mistério,

pois era tido, por muitos, como perigoso, já que não se podia saber o que

aconteceria nas apresentações. Daí esse tom meio secreto, transposto para o

nome. No entanto, o espetáculo chamou a atenção do púbico, em especial dos

jovens, e Keith Johnstone decidiu fundar o Loose Moose Theatre57, a primeira

companhia de Teatro-Esporte.

Com o tempo, eles saíram do porão da casa e do da Universidade.

Alugaram um teatro na cidade para a primeira temporada oficial e depois uma

garagem, num bairro industrial, onde abriram seu próprio teatro.

57 O caribu, espécie de alce, é um animal muito comum no Canadá e tomá-lo como símbolo de uma companhia que pretendia realizar um espetáculo que atingisse o público pareceu-lhes bastante pertinente. O �Grande Caribu� deve ser reverenciado pelo público e a ele se agradece por uma boa apresentação.

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120

Aliás, garagens, quintais, porões e galpões parecem ser as incubadoras

prediletas das companhias de Teatro-Esporte.

As idéias de Keith Johnstone atravessaram fronteiras e ganharam o mundo.

Reconhecido por seu trabalho, ele recebeu, em 2000, o título de Professor Emérito

da Universidade de Calgary.

Um pouco antes, em 1998, o pequeno grupo do Loose Moose Theatre criou

o International Theatresports Institute. Não era mais possível combinar a atividade

artística do grupo com as funções administrativas, agora de âmbito mundial.

Do grupo original, poucos abandonaram o Teatro-Esporte. A grande maioria

ou fundou suas próprias companhias nas cidades para onde os atores se

mudaram ou permaneceu no Loose Moose Theatre, como Dennis Cahill (braço

direito de Keith Johnstone e Diretor Artístico do teatro) e Tony Tontino.

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121

CRONOLOGIA DO TEATRO-ESPORTE

Os dados que se seguem são em parte compilação de informações

contidas no livro Something like a drug � An Unauthorized History of

Theatresports58, em parte dos meus registros pessoais e em parte dos e-mails

recebidos do International Theatresports Institute nos últimos anos. Não se trata

de uma cronologia completa e minuciosa, porque nem mesmo o Instituto a possui.

Mas é possível, através dela, traçar-se um panorama do crescimento do Teatro-

Esporte no mundo.

1977

O Loose Moose Theatre realiza o primeiro show de improviso na Universidade de

Calgary.

1978

O Loose Moose Theatre realiza as primeiras partidas de Teatro-Esporte, torna-se

uma sociedade e adquire personalidade jurídica.

Na Dinamarca, é criada a primeira companhia de Teatro-Esporte pelo Turnus

Teater, e os dinamarqueses instituem o mês de junho como o mês do

Teatro- Esporte.

1979

O Loose Moose Theatre realiza a sua primeira grande temporada, em Calgary.

58 Escrito pelos colegas da Universidade de Calgary, Clem Martine e Kathleen Foreman, testemunhas dos primeiros tempos do Loose Moose Theatre, o livro é uma coletânea de depoimentos dos atores da primeira equipe e de membros de diversas companhias, registrados em 1992, durante o campeonato de Halifax, Canadá.

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122

Na Suécia, a companhia Ungla Klara estréia o Teatro-Esporte.

Ocorre o primeiro torneio municipal, em Calgary.

1980

O Loose Moose Theatre realiza o primeiro torneio anual com convidados.

Em Vancouver, a liga de Teatro-Esporte realiza seus primeiros jogos.

Acontece em Vancouver o primeiro torneio entre províncias.

1981

Calgary sedia o primeiro torneio entre cidades. O Loose Moose cria seu próprio

espaço de representação, o Simplex, e o Teatro-Esporte entra na agenda

cultural oficial do Estado de Alberta.

Vancouver cria um campeonato para o Dia dos Namorados.

Acontece o torneio canadense de Teatro-Esporte.

A cidade de Edmonton cria sua companhia e realiza a primeira temporada do

espetáculo.

A companhia de Teatro-Esporte de Toronto realiza workshops com Keith

Johnstone.

1982

O Loose Moose Theatre, de Calgary, e a liga de Teatro-Esporte, de Vancouver,

promovem torneios.

A companhia de Toronto abre seu próprio teatro e começa a ministrar oficinas.

Seattle cria a primeira companhia americana e realiza a primeira apresentação

pública de Teatro-Esporte.

Nova York realiza workshops introdutórios no Ensemble Studio.

Page 123: Improvisação K. Johnson.pdf

123

1983

O Loose Moose Theatre cria a Associação de Jogadores de Teatro-Esporte.

Vancouver realiza o primeiro torneio da Costa do Sol.

Seattle realiza um torneio entre cidades e participa do Bumbershoot Fall Festival of

the Arts.

1984

O Loose Moose participa do International Festival of Fools, em Nova York, e do

Quinzaine Festival, em Québec.

Acontece o primeiro campeonato nacional de Teatro-Esporte, no Canadá.

Vancouver realiza o segundo torneio da Costa do Sol.

Edmonton faz um torneio entre cidades e Toronto o seu primeiro Campeonato

Nacional.

Seattle começa a ministrar workshops em escolas de segundo grau.

Nova York inicia carreira normal do espetáculo.

1985

Edmonton cria o evento Jogos de Inverno de Alberta e o Theatresports Classic

Movies Nights.

Toronto participa do Toronto Children�s Festival.

Seattle realiza o New City Director�s Festival.

Nova York realiza o primeiro torneio Stanislavski Open.

A Austrália cria sua primeira companhia em Sidney e no mesmo ano já realiza o

primeiro campeonato nacional.

A Tasmânia cria sua companhia de Teatro-Esporte.

Page 124: Improvisação K. Johnson.pdf

124

1986

Vancouver organiza a EXPO 86, com um torneio canadense, em maio, e um

torneio internacional, em agosto, reunindo companhias da Austrália,

Inglaterra, Suécia, Estados Unidos e Canadá.

Edmonton realiza os Jogos de Inverno e o torneio Golden Nose Theatresports.

Em Toronto é criado o primeiro Theatresports Comedy Summit.

Seattle realiza uma maratona de 24 horas de Teatro-Esporte, o Ever Improvathon.

Nova York cria um programa de apresentações para instituições de caridade.

Em São Francisco surge o grupo Bay Area Theatresports (uma das mais

importantes companhias).

Em Oslo é criada a primeira companhia norueguesa.

O canal de televisão australiano ABC-TV grava, em Sidney, uma série especial de

Teatro-Esporte.

1987

Keith Johnstone publica em Calgary a primeira Newsletter.

Edmonton realiza o torneio Golden Nose.

Toronto faz o Campeonato Nacional.

Nova York cria uma organização sem fins lucrativos e promove o Improv Festival.

A companhia de São Francisco entra em temporada e realiza um torneio

intermunicipal com troca de jogadores. Participam Los Angeles e São

Francisco.

Roterdã treina a primeira equipe holandesa.

Na Inglaterra, companhias informais de Teatro-Esporte participam do Festival de

Edinburgo.

Page 125: Improvisação K. Johnson.pdf

125

Em Melbourne realiza-se o New Wave Festival, com diversas companhias de

Teatro-Esporte.

Na Nova Zelândia são realizados torneios nas cidades de Auckland, Christchurch

e Takapuna. O canal de televisão neozelandês TVOne faz a cobertura dos

eventos.

1988

O Loose Moose Theatre realiza a primeira Olimpíada de Teatro-Esporte, reunindo

companhias dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Suécia, da Dinamarca

e da Austrália.

O Loose Moose Theatre cria o All-Star Impro Show.

Em Edmonton surge a companhia Rapid Fire. Campeonatos são realizados em

escolas e acontece o Golden Nose Theatresports.

Toronto promove o International Comedy Improv Festival.

A companhia Bay Area de São Francisco participa do International Vaudeville

Festival, abre um escritório e uma sala para ministrar cursos.

A companhia de Nova York também se estabelece em espaço próprio, o Westside

Arts Theatre .

A companhia dinamarquesa Turnus Teater cria o Impro Café.

A companhia holandesa de Roterdã estréia e Keith Johnstone ministra curso para

professores de teatro.

Em Londres tem início uma disputa pelos direitos do espetáculo entre as

companhias inglesas de Teatro- Esporte e Keith Johnstone é

chamado para resolver a contenda. Ele cria o Teatro-Esporte do Reino

Unido.

Page 126: Improvisação K. Johnson.pdf

126

Na Austrália acontece um verdadeiro boom de Teatro-Esporte e o espetáculo

pode ser encontrado em todos os Estados.

Na Nova Zelândia surge o United Theatresports, patrocinado por três anos pela

United Building Society. Campeonatos nacionais são realizados e os jogos

nacionais ganham transmissão pela televisão neozelandesa.

1989

O Loose Moose cria a International Improvisational School, que reúne em sua

primeira turma alunos da Holanda, Nova Zelândia, Austrália, Itália,

Estados Unidos e Canadá.

Edmonton realiza o primeiro torneio internacional.

Em Toronto são realizados dois eventos: o torneio The Coors Light International

Theatresports e o Shakespeare in the Pond.

A companhia de Seattle consegue seu próprio teatro.

São Francisco inicia a série Late Night, com um formato de improvisação mais

longo.

Nova York realiza o segundo Stanislavski Open, que dura cinco semanas e reúne

vinte equipes de Teatro-Esporte. É criada a liga municipal Junior Varsity,

para crianças. Apresentações para jovens são realizadas em escolas e

surgem diversos motes para apresentações do espetáculo, como o

Freestyle Monday, Play by Play, Real Life, etc.

Em Copenhaguem acontece o campeonato escandinavo de Teatro-Esporte.

Keith Johnstone retorna a Roterdã para um segundo curso e surgem novas

companhias de Teatro-Esporte, agora em Amsterdã e Utrecht. A Holanda

realiza seu primeiro torneio intermunicipal.

Page 127: Improvisação K. Johnson.pdf

127

Em Tübingen é formada a primeira companhia alemã de Teatro-Esporte, no

Landestheater Wurtemberg-Hohenzollern (LTT). O espetáculo é

introduzido neste país via Dinamarca. (E é aqui que começa efetivamente

o meu trabalho prático com o Teatro-Esporte.)

Em Sidney, cursos de Teatro-Esporte são ministrados nas escolas, sob a direção

da companhia de teatro de rua Belvoir.

Na Nova Zelândia a United Theatresports realiza um programa em quarenta e

nove escolas secundárias por todo o país, criando a liga de segunda

divisão. Um Festival de Teatro-Esporte das Escolas Secundárias é

realizado em Wellington e um campeonato nacional da primeira divisão

é realizado na cidade de Auckland. Nessa ocasião existiam cerca de

cinqüenta e três grupos de Teatro-Esporte na Nova Zelândia.

A companhia Ventura Area, da Califórnia, é licenciada.

1990

Toronto realiza a terceira edição do International Comedy Summit.

Seattle cria o torneio Cream of Wit .

Nova York realiza o American Improv Festival.

Roterdã realiza o primeiro campeonato flamengo e reúne oito equipes, incluindo

as de Bruxelas e Londres.

Em Londres, o Teatro-Esporte do Reino Unido realiza o primeiro torneio e formula

seu estatuto.

Em Radebeul, na Alemanha, o Landesbühne Sachsen estréia o Teatro-Esporte.

O campeonato escandinavo de Teatro-Esporte é realizado em Oslo.

Page 128: Improvisação K. Johnson.pdf

128

Na Nova Zelândia, a cidade de Auckland recebe o Desafio Internacional, parte

dos Jogos Comunitários, e o Príncipe Edward participa de uma das cenas.

Acontece o segundo Festival promovido pela United Theatresports, com

transmissão dos melhores momentos pela televisão neozelandesa.

1991

Edmonton realiza um torneio no Fringe Festival, do qual participam equipes de Los

Angeles, Orlando, Portland, Roterdã, Chattanooga, Auckland, São

Francisco, Calgary e Edmonton.

Em Toronto acontece a quarta edição do International Comedy Summit.

Seattle inaugura o próprio teatro: Market Theatre.

São Francisco realiza seu primeiro torneio internacional.

Em Nova York é realizado mais um Stanislavski Open, além do Festival

Internacional de Teatro-Esporte.

Em Roterdã, grupos de Amsterdã, Nijmegen, Zwolle, Utrecht e Alkmaar intitulam-

se Theatresports Lawine. É realizada a primeira partida internacional entre

Lawine e BIL (liga belga de improvisação), de Bruxelas.

Na Alemanha acontece, em Tübingen, a primeira partida intermunicipal entre

Tübingen e Dresden.

Oslo volta a sediar o campeonato escandinavo e uma equipe da Finlândia

participa pela primeira vez.

Na Austrália, nasce em Sidney a Theatresports Inc.

O Loose Moose Theatre move processo contra um grupo francês que estava

vendendo direitos do espetáculo para companhias de teatro amador da

Europa.

Page 129: Improvisação K. Johnson.pdf

129

A equipe de Dortmund, Alemanha, se licencia.

1992

Tony Tontino torna-se diretor artístico da companhia de Oslo.

Experimentos com outros formatos, criados por Keith Johnstone, para espetáculos

de improviso, têm início.

Em Tübingen é criado o Harlekin Theater, do qual sou co-fundadora. Cursos são

ministrados em diversas cidades e o espetáculo, agora independente do

LTT, segue sua carreira na cidade.

A companhia de Los Angeles, LATS, realiza o Teatro-Esporte Bowl, com a

participação de oito times.

A Companhia ImproVision, da Cidade do Cabo, África do Sul, estréia o espetáculo.

O Teatro-Esporte é visto pela primeira vez no Japão.

1993

Surge em Tóquio a primeira companhia japonesa, Theatresports Japan, da United

Performers� Studio.

1994

Acontece uma conferência internacional, em San Diego, Estados Unidos.

Por ocasião da Copa do Mundo, o LATS realiza em Los Angeles o World Mug,

com a participação de vinte e dois países.

1995

A Sociedade Pró-Projeto Teatral Dano-Brasileiro, de São Paulo, da qual sou

presidente, é licenciada.

1996

Tem início o treinamento da primeira equipe brasileira, em São Paulo.

Page 130: Improvisação K. Johnson.pdf

130

Na cidade de Kessel-Lo, Bélgica, nasce a companhia Inspinazie.

Em Melbourne, na Austrália, surge mais uma companhia de Teatro-Esporte.

1997

O Teatro-Esporte estréia em São Paulo, em 04 de abril.

A companhia de Vancouver ganha o prêmio de excelência em teatro interativo do

Ministério da Educação.

1998

É criado, em Calgary, o International Theatresports Institute.

Em Roterdã acontece o Master of Impro e a equipe de São Paulo é convidada a

participar, mas não pode atender ao convite por falta de recursos.

1999

A equipe paulista apresenta-se no interior do estado.

A equipe norueguesa, Improoperators, faz sua primeira temporada.

2000

Em S.Paulo, a companhia paulista cria o Impro show Hallo aus Berlin, em parceria

com o Instituto Goethe e o Passaporte cultural de teatro, no Centro

Cultural.

São realizadas em Sidney as Olimpíadas de Teatro-Esporte.

Nuremberg e Erlangen realizam a Copa de Improvisação.

O Yokohama Theatre Group cria um grupo de Teatro-Esporte: Impro-hama.

2001

É realizada em Sidney a Cranston Cup.

Roterdã promove mais uma edição do Festival Internacional de Improvisação.

O LATS vence o NY Impro Festival.

Page 131: Improvisação K. Johnson.pdf

131

Em Luzern, na Suíça, surge a companhia Theater IMPROphil.

2002

É realizado em São Paulo o primeiro show internacional de Teatro-Esporte

reunindo atores da companhia paulista e do Fast Food Theatre, de

Munique. No mesmo ano, a companhia comemora os cinco anos do

espetáculo com o projeto O homem é o caos.

O LATS vence o Chicago Impro Festival.

2003

A companhia paulista, através do Fomento ao Teatro, realiza o projeto Teatro-

Esporte, um olhar sobre a cidade e sua gente, apresentando-se em 25

bairros da cidade.

Na Itália, a companhia ProgettoRatto, de Monte Urano, estréia o espetáculo.

É criada a Liga Portorriquenha de Improvisação Teatral, em San Juan, Porto Rico.

O ZACK Improtheater-Schweiz, de Zurique, forma sua primeira equipe.

Na Nova Zelândia surge a Wellington Improv Troupe.

2004

Em Israel surge a companhia Shi Fun Goo.

Taipei, em Taiwan, cria o Flinchless Improv Theatre.

Em Zurique, Die METZger estréiam o espetáculo.

Em Macau, na China, surgem duas companhais: a Jacky Li Chun Kit e o Theatre

Farmers.

Em Londres nasce mais grupo: os Naked Apes.

Em New Castle, Inglaterra, surge a Improvisation Foundation.

Page 132: Improvisação K. Johnson.pdf

132

Keith Johnstone promove o curso nas Montanhas Rochosas, Canadá, para os

afiliados do International Theatresports Institute.

Nasce a Atlas Improv Co., localizada em Madison, Wisconsin, nos Estados

Unidos.

Em Oak Park, Illinois, USA, surge a companhia Son Of A Goon.

Em Johannesburg, África do Sul, a Haylo Productions estréia o espetáculo.

No Oregon, USA, a Green Room Improv Theater School realiza cursos e se

licencia.

A Delaware Comedy Theatre, de Rehoboth Beach Delaware, inicia temporada.

Em setembro, a Companhia Curitibana de Comédia torna-se a segunda equipe

brasileira de Teatro-Esporte.

Em Porto Rico surge a companhia IOCUS.

O International Theatresports Institute abre processo contra a Impro Australia, por

comercialização não autorizada de direitos autorais.

2005

Em janeiro, o Teatro do Nada, do Rio de Janeiro, é licenciado e estréia o

espetáculo. Desde então tem realizado apresentações e oficinas sobre o

método.

Em Leuven, na Bélgica, a companhia Preparee começa a apresentar o Teatro-

Esporte.

O Ketó Impro Teatro, localizado em Lima, Peru, obtém a licença.

Na Bélgica, a companhia Inspinazie joga com a companhia norueguesa e na

seqüência promove um Festival de Improvisação.

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133

Surge no Estado de Alberta, na cidade de High River, mais uma companhia

canadense, o Club Improv @ Highwood.

Nova York ganha mais uma companhia, a Wide Net Improv Theatre.

2006

A Fifa já incorporou à programação cultural da Copa do Mundo, a ser realizada na

Alemanha, a Copa de Teatro-Esporte.

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134

VERSÕES OFICIAIS DO TEATRO-ESPORTE

Teatro-Esporte Regular � A partida consiste de cenas livres, jogos

específicos e desafios, estes últimos em número de três. O juiz alerta para cena

chata (cartão amarelo).

Partida Revisada � criada por sugestão de Jim Curry59, na qual o time

vencedor de um dos desafios fica impossibilitado de jogar os outros dois, de forma

a fazer com que o time perdedor tenha chance de conseguir alguns pontos.

Partida de Desafios � Os times se desafiam mutuamente. Não há cena

livre nem contagem de tempo.

Partida de Desafios dos Juízes - Normalmente usada para iniciantes. Só

os juízes lançam desafios para as cenas.

Partida Dinamarquesa � O público decide quem é o vencedor, através de

gritos, palmas ou placas indicativas das cores dos times. Há um apresentador que

coordena a partida, ouvindo a platéia, explicando as regras dos jogos e

distribuindo as penalidades. Durante os jogos, faz anotações que serão utilizadas

para lembrar a platéia das faltas cometidas ou de contribuições dignas de bônus.

A partida dinamarquesa não é recomendada para campeonatos porque o público,

além de torcer, normalmente dá os gols para o time da casa.

59 Foi aluno de Keith Johnstone na Universidade de Calgary e durante algum tempo atuou no Loose Moose Theatre.

Page 135: Improvisação K. Johnson.pdf

135

REGRAS DO TEATRO-ESPORTE

Introdução � É feita pelo apresentador, que recebe a platéia, apresenta os

times e os juízes.

Início da partida � O apresentador chama os capitães dos times e os

juízes no centro do palco. Os juízes supervisionam o jogo cara ou coroa ou par ou

ímpar, que decidirá qual time dará início à partida. O vencedor decide qual time

criará a primeira cena: o dele ou o do oponente. A partir daí, as cenas serão

realizadas alternadamente pelos times.

Duração da Partida � Em geral, a partida dura de cinqüenta minutos a uma

hora. A partida dinamarquesa é dividida em dois tempos de trinta a quarenta e

cinco minutos. No primeiro tempo, são realizados os desafios e, no segundo, os

jogos.

Duração do jogo � A duração de cada jogo é decidida e anunciada antes

do início da cena.

Controle do Jogo � Cabe ao juiz ou juízes (ou ao apresentador, na partida

dinamarquesa).

Coach � É opcional. Seu papel é dar assistência ao time naquilo que este

necessitar. Embora o coach possa entrar em algum jogo que necessite de mais

pessoas na cena, não é considerada uma boa idéia, já que isso o faria sair de seu

papel original.

Contagem � Conta-se de cinco até um e a cena começa. A contagem

poderá ser feita pelo juiz ou pelo apresentador, ou ainda pelo público. Porém, a

palavra final quanto à validade da contagem caberá ao juiz ou ao apresentador.

Page 136: Improvisação K. Johnson.pdf

136

Alerta para cena chata � O juiz ou apresentador poderá alertar o time

verbalmente ou através de cartão amarelo, para indicar que a cena está ficando

chata ou perdendo o rumo. Se o time não conseguir resolver o problema, o

apresentador ou o juiz encerrará a cena através de corneta, cartão vermelho,

dizendo �muito obrigado� ou, simplesmente, apagando a luz.

Pênalti � É considerada pênalti a obstrução da cena ou o seu

prolongamento exagerado, assim como desrespeito, obscenidade e o uso de

palavrões. A penalidade consiste em fazer o ator permanecer dois minutos

sentado ao lado do juiz ou na platéia (é opcional a colocação de um saco sobre a

sua cabeça).

Final da Cena � Deverá ser determinado pelo time em cena. Se este não

conseguir concluir a cena, o juiz ou o apresentador poderá intervir, apagando a luz

ou anunciando �faltam dez segundos� (ou qualquer outra coisa), ou ainda fazendo

uso do alerta para cena chata.

Final da Rodada - Se os times não conseguirem completar seus desafios,

o apresentador ou o juiz, a seu critério, poderá lançar outros dois desafios curtos.

Do julgamento � A realização dos desafios e dos jogos será analisada pelo

juiz ou juízes a partir de três critérios: a narrativa, o conteúdo e a cena

propriamente dita. Cada critério receberá uma nota de zero a cinco. Na partida

dinamarquesa, no primeiro tempo de jogo, o gol é dado pela platéia e vale cinco

pontos. No segundo tempo, segue a regra geral.

Da Pontuação � os resultados são registrados numa lousa ou painel pelo

gandula. A este caberá também a tarefa de marcar o tempo das cenas, as

Page 137: Improvisação K. Johnson.pdf

137

interrupções ou demais ocorrências. Todos os registros serão passados para o

apresentador ou para o juiz.

Substituição � Atores poderão ser substituídos no decorrer da cena,

através do sinal característico com as mãos em forma de �T�.

Explicar os jogos � As regras de cada jogo deverão ser bem explicadas,

para que o público possa acompanhar a construção e o desenrolar das cenas.

Explicar os desafios � Se o time não for capaz de explicar clara e

sucintamente o desafio, o juiz ou o time oponente poderá rejeitá-lo.

Sugestões � podem ser dadas pelo juiz ou pelo público (na partida

dinamarquesa). As sugestões poderão ser recusadas pelo time. Recusas

insistentes poderão gerar perda de pontos.

Page 138: Improvisação K. Johnson.pdf

138

O FRACASSO E O SUCESSO NO TEATRO-ESPORTE

Se o crescimento mundial do Teatro-Esporte é uma realidade e motivo de

satisfação para o seu criador, é também fonte de preocupação quanto a sua

orientação.

Keith Johnstone utiliza-se da diferença entre o show-business e o esporte

para exemplificar as conseqüências do mau entendimento do sucesso e do

fracasso no Teatro-Esporte.

No show-business, tudo é programado e meticulosamente estudado. As

eventuais falhas são cobertas ou disfarçadas, para que o espetáculo pareça

perfeito e faça sucesso. No esporte, por outro lado, apesar do treino e do domínio

das regras do jogo, não há nenhuma garantia de que o sucesso seja alcançado,

porque qualquer passe, seja ele certo ou errado, é parte constitutiva do jogo. E é

por sua ocorrência e pelo aproveitamento que os jogadores farão desses passes

que o resultado final poderá apontar para a vitória ou derrota da equipe.

Keith Johnstone critica os grupos que fazem do Teatro-Esporte um

espetáculo moldado nas características do show-business, tentando evitar que

erros ocorram e burlando aquilo que caracteriza o esporte: a surpresa.

Quando os riscos são minimizados ou até suprimidos, os atores, na

verdade, estão tentando se proteger e evitar críticas ao seu trabalho. Usam, em

geral, a desculpa de que estão priorizando a qualidade porque o público tem

direito a um bom espetáculo. Ora, o que é uma boa partida esportiva? Não seria

exatamente aquela talhada no total envolvimento das equipes no jogo que estão

executando? Não seria aquela em que os jogadores mantêm absoluta atenção

Page 139: Improvisação K. Johnson.pdf

139

aos passes e aproveitam os mínimos deslizes dos adversários em seu favor e

salvam seus companheiros de equipe de passes mal dados? Não é exatamente

isso que mantém a excitação da torcida e provoca a admiração pelos jogadores?

Um bom espetáculo de Teatro-Esporte é aquele em que vemos os atores

aceitando os riscos do mergulho no desconhecido da cena. Aquele em que os

atores realmente estão jogando uns com os outros para construir as cenas, e não

aquele em que os atores optam pela facilidade e o conforto de um esquema

combinado. No esporte, aliás, isso geraria um enfurecimento da torcida e a

avaliação da partida como �jogo comprado� e, portanto, sem valor.

Há, no entanto, equipes de Teatro-Esporte que chegam a combinar os

desafios antes do início da partida. Tal procedimento não só ludibria o público, que

não assistirá ao que de fato pagou para ver, como, ao optar por ter tempo para

combinar um possível roteiro de cena, essas equipes acabam por contribuir para a

perda do caráter de genuíno improviso, pelo menos no que respeita ao uso deste

método de improvisação.

�Um show roteirizado poderia sucumbir se o cenário quebrasse, enquanto que isso poderia ser o ponto alto de um show de improviso.�60

Aqui, não se combina. Aqui, aceita-se a primeira idéia e corre-se o risco que

tal decisão acarreta.

Outro modo de tentar evitar o fracasso é o ator aproveitar toda a sorte de

habilidades que possui, na crença de que isso distrairá a atenção do público, em

60 JOHNSTONE, Keith. Impro for Storytellers. Nova York: Routledge, 1999, p. 67.

Page 140: Improvisação K. Johnson.pdf

140

momentos de dificuldade na cena. Atores que se iniciam no trabalho com o Teatro-

Esporte com freqüência lançam mão desse expediente como tábua de salvação,

acreditando que estão tornando as cenas mais interessantes, mas perpetuar esse

comportamento, transformando-o em hábito é um erro, porque o distancia da

tarefa principal, que é a de jogar com o outro.

A exemplo de um ator de Commedia dell�Arte, é importante para um ator de

Teatro-Esporte que ele tenha preparação técnica de mímica, de voz, de luta, de

coreografia, de acrobacia, além de cultura geral e, principalmente, teatral. Um ator

bem treinado e que possua habilidades extras em relação às qualidades

necessárias ao improviso, poderá enriquecer uma cena se essa habilidade for

usada em momento oportuno e de forma adequada à natureza do jogo. Mas, fazer

uso de habilidades como estratégia para burlar o público é desonesto. A exibição

pura e simples de habilidades ou a procura obstinada de brechas na construção

das cenas para que o ator possa exibi-las, no vocabulário dos comentaristas

esportivos, resultariam na avaliação desse ator como �mascarado�, termo, aliás,

bastante apropriado.

�Comprar� o juiz antes da apresentação (através de conversas ou

presentes) também é um artifício usado por algumas companhias para evitar

críticas severas às cenas e ao trabalho dos atores na hora do julgamento, o que

resulta em análises e pontuações comprometidas e bastante prejudicadas pela

atuação de juízes que se vêem às voltas com a tarefa de serem bonzinhos.

Bastante influenciados pela atuação dos apresentadores de shows e dentro

da moldura do show-business, encontram-se ainda alguns condutores,

apresentadores ou mestres-de-cerimônias de partidas de Teatro-Esporte que

Page 141: Improvisação K. Johnson.pdf

141

chamam para si a atenção do público e, literalmente, sobrepõem-se aos atores ao

utilizarem figurinos exagerados, piadinhas e demonstrações de habilidades

pessoais, como forma de marcar sua presença no espetáculo. Keith Johnstone

dedica várias páginas em algumas de suas News Letters à discussão do papel do

apresentador no espetáculo. Uma crítica feroz recai sobre esse tipo de

apresentador. A ele cabe tão somente ser uma figura neutra, objetiva na

explicação dos jogos e atenta ao bom andamento da partida.

Atores e grupos que não entendem que o fracasso está presente em

qualquer jogo e dele não tiram proveito porque o encaram do ponto de vista

pessoal, tenderão a se sentirem estressados diante de uma iminente ocorrência e

farão de tudo para controlar e anular toda e qualquer variável que permita que ele

apareça, acreditando falsamente que isso garantirá o sucesso da apresentação e,

principalmente, da sua performance. Iludidos, iludem o público e não

experimentam o prazer de superar obstáculos - seus e da cena - e alcançar a tão

pretendida qualidade.

Page 142: Improvisação K. Johnson.pdf

142

CONCLUSÃO

Um espetáculo de improviso é uma forma de encontro muito especial entre

palco e platéia. Tudo pode acontecer. Uma cena pode ser genial ou digna de vaia.

Mas, seja qual for o seu resultado, o que realmente importa é a disponibilidade

para fazer algo, o prazer de correr o risco, de encontrar uma solução para um

problema proposto. E, mais do que isso, a certeza de que os eventuais erros não

são sinal de fracasso, mas sim da reafirmação de que, como humanos, não somos

perfeitos; ao contrário, somos seres falíveis e em constante aprendizagem. O

improviso é uma forma de teatro em que, de fato, atores e público "suam a

camisa": os atores no palco, tentando dar vida às solicitações do público, e este,

por sua vez, pensando em possíveis soluções (porque não há como não pensar),

torcendo para que tudo dê certo e se surpreendendo com os resultados. Nesse

sentido, ambos - palco e platéia - são co-autores e co-realizadores do espetáculo.

Ora, o que se busca quando se vai ao teatro? Fundamentalmente, prazer.

O que se percebe, no entanto, muitas vezes na prática, é que muitos

atores, diretores e até autores, talvez imbuídos do desejo de compreender a

natureza humana, desejosos de mostrar e discutir a sua essência ou de

surpreender a platéia, acabam se envolvendo muito mais com questões estéticas

do que simplesmente com marcar um mundano �gol� (para usar a linguagem do

Teatro-Esporte), tornando morna não só a resposta do público, mas talvez, e

principalmente, a paixão do ator.

Qual ator se sente confortável, no palco, diante de uma platéia gélida, de

braços cruzados, pronta para analisar seus gestos e palavras?

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143

Qual platéia se sente satisfeita diante um ator autômato, que repete

mecanicamente gestos e palavras?

Keith Johnstone quer que o teatro seja tão excitante quanto o esporte.

Ao unir o teatro e o esporte, mais do que trabalhar com o jogo, com o

lúdico, o objetivo de Keith Johnstone é envolver o público. E isso ele conseguiu.

Ao trazer a improvisação de volta ao palco como espetáculo, e não somente como

parte integrante de um processo de montagem, ele resgata o frescor da relação

ator e público.

Fazer teatro deveria ser como poder trabalhar sempre com o genuíno, com

as nossas idéias e emoções puras, que nos seduzem e nos apavoram. O estar no

palco, a cada apresentação, deveria conter em si sempre o caráter do inusitado,

em que todos - atores e público - comungassem um sentimento parecido ao de um

final de campeonato, no qual cada passada de bola fosse tão fundamental e

despertasse tanta admiração quanto a própria taça, e não meramente o

sentimento de se estar vendo ou fazendo o replay dos melhores lances.

O que se percebe, como resultado da aplicação das idéias de Keith

Johnstone, é o surgimento de um ator que é a um só tempo diretor, intérprete e

dramaturgo; atento e com fluência e destreza narrativa muito grandes, capaz de

criar instantaneamente, a partir de pequenos estímulos, ações físicas, situações

dramáticas críveis, personagens com motivação e sentimentos, cenas inteiras com

começo, meio e fim, que aos olhos do público podem até parecer terem sido

previamente escritas, discutidas e ensaiadas.

Nesses 17 anos de trabalho com este método de improvisação e com o

Teatro-Esporte, primeiro durante um ano na Dinamarca, onde entrei em contato

Page 144: Improvisação K. Johnson.pdf

144

com eles, e depois sucessivamente na Alemanha, país em que morei durante

quatro anos e onde sou uma das pessoas responsáveis por sua introdução, e no

Brasil desde 1996, pude observar que, independente da localidade onde está

sendo feito e do público que o está assistindo, o Teatro-Esporte é um tipo de

teatro que promove felicidade. Aristóteles, na Ética a Nicômaco, aproxima o jogo

da felicidade e da virtude. O Teatro-Esporte é uma brincadeira saudável que, ao

realizar desejos através do jogo, traz para o público o universo do Teatro e, para

os atores, uma instigante forma de criação que ultrapassa os limites do palco.

Page 145: Improvisação K. Johnson.pdf

145

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