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    UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICASCURSO DE DIREITO

    A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHERPERANTE A LEI 11.340/06

    LUCIANA SPÖRRER VIEIRA

    Biguaçu (SC), outubro de 2008

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    UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICASCURSO DE DIREITO

    A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHERPERANTE A LEI 11.340/06

    LUCIANA SPÖRRER VIEIRA

    Monografia apresentada como requisito parcialpara a obtenção do título de Bacharel emDireito pela Universidade do Vale de Itajaí –UNIVALI.

    Orientador: Prof. Msc. Luiz Cesar Silva Ferreira

    Biguaçu (SC), outubro de 2008.

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    TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

    Declaro para todos os fins de Direito, que assumo total responsabilidade pelo aporteideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale doItajaí, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador detoda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

    Biguaçu, outubro de 2008.

    Luciana Spörrer VieiraGraduanda

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    PÁGINA DE APROVAÇÃO

    A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade do Vale doItajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduandoLuciana Spörrer Vieira, sob o título deA Violência doméstica e Familiar contra a mulher perante a Lei nº 11.340/06 , foisubmetida em 13 de novembro de 2008 à banca examinadora composta pelosseguintes professores: Luiz César Silva Ferreira (Orientador e Presidente); HelenaN. P. Pítsica (Membro); Celso Wiggers (Membro), e aprovada com a nota ____, ___________________________.

    Área de Concentração: Direito Penal

    Biguaçu/SC, 13 de novembro de 2008

    Luiz César Silva FerreiraOrientador e Presidente da Banca

    Helena Nastassya Paschoal PitsícaResponsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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    AGRADECIMENTO

    Á meus pais,Hilton VieiraWalquíria Spörrer Vieira;

    Á minha irmã,Alexandra Catarina Spörrer Vieira;

    À minha filhinha,Luana Vieira Demaria

    À todos aqueles que foram meus professores;

    E ao meu orientador, Prof. Msc Luiz César

    Silva Ferreira.

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    DEDICATÓRIA

    Dedico esta monografia a todas as Marias daPenha.

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    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO.............................................................................................................01

    1 CONSIDERAÇ ES A RESPEITO DA FAM LIA E DA VIOL NCIA DOM STICAE FAMILIAR SOFRIDA PELA MULHER....................................................................061.1 UNIDADE FAMÍLIAR: NOVO CONCEITO............................................................ 01.2 UNIDADE DOMÉSTICA....................................................................................... 151.3 AS FORMAS DE VIOLÊNCIA FAMILIAR E DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

    2 O TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA AMULHER PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO ..........262.1 A JUSTIÇA PENAL EM FACE DA VIOL NCIA CONTRA MULHER ANTES DACRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA........................................................................ 22.2. A JUSTIÇA PENAL EM FACE DA VIOL NCIA CONTRA A MULHER AP S ACRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA 37

    2.3. DADOS ESTAT STICOS DA VIOL NCIA CONTRA A MULHER NO MBITODOMÉSTICO E FAMILIAR......................................................................................... 49

    3 OS MECANISMOS CRIADOS PELA LEI 11.340/06 PARA COIBIR AVIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.................................603.1. DA ASSIST NCIA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOL NCIA DOM STICAE FAMILIAR................................................................................................................ 60

    3.1.1. Das medidas integradas de prevenção............................................................. 603.1.2. Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar........... 633.1.3. Do atendimento pela autoridade policial............................................................ 653.2. DO PROCEDIMENTO EM CASO DE VIOL NCIA FAMILIAR E DOM STICACONTRA A MULHER.................................................................................................. 733.2.1 Das medidas protetivas de urgência.................................................................. 793.2.2 Da atuação do Ministério Público....................................................................... 90

    3.2.3 Da assistência judiciária..................................................................................... 923.3 A EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR.......................................... 9

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    CONCLUSÃO..............................................................................................................95REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS....................................................................98

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    RESUMO

    A presente monografia tem como objeto a verificação da Lei nº 11. 340, de 07 deagosto de 2006 (Lei Maria da Penha) em face da violência doméstica e familiarcontra a mulher. Para que isso se esclarecesse, esta pesquisa serviu-se do métododedutivo de pesquisa utilizando a doutrina e a jurisprudência. O presente texto seencontra dividido em três capítulos. O primeiro capítulo expôs considerações arespeito da família, do ambiente doméstico e da violência doméstica e familiar contraa mulher, abordando assim a evolução do conceito de família, o significado deunidade doméstica e as formas de violência contra a mulher no âmbito doméstico e

    familiar. Este primeiro capítulo tem como objetivo descobrir qual o alcance da Lei nº11340/2006 aos casos de violência contra a mulher. O segundo capítulo explanasobre o tratamento da violência doméstica e familiar contra a mulher perante oordenamento jurídico penal brasileiro antes da Lei Maria da Penha e as alteraçõestrazidas pela Lei em estudo. Mostra também dados estatísticos da violênciadoméstica e familiar contra a mulher antes da aplicação da Lei nº11340/2006. Oterceiro capítulo tratou dos mecanismos criados pela Lei Maria da Penha para coibir

    a violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, analisando as medidasprotetivas de urgência; as medidas integradas de prevenção; a assistência à mulherem situação de violência doméstica e familiar; o atendimento pela autoridadepolicial. Neste capítulo tratou-se também das medidas protetivas de urgência; daatuação do Ministério Público; da assistência judiciária à ofendida e da equipe deatendimento multidisciplinar.

    Palavras chave: violência doméstica e familiar, mulher, Lei 11.340/2006, prevenção,combate.

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    ABSTRACT

    This monograph aims at checking the Law No. 11. 340, of 07 August 2006 (Maria da

    Penha Law) in the face of domestic and family violence against women. For this toclarify, this research used is the method of deductive search using the doctrine and jurisprudence. This text is divided into three chapters. The first chapter explainedconsiderations regarding the family, the home environment and the domestic andfamily violence against women, thereby addressing the evolution of the concept offamily, the significance of unity and the forms of domestic violence against women indomestic and family . This first chapter aims to find out what the scope of Law No.

    11340/2006 to cases of violence against women. The second chapter outlines on thetreatment of domestic and family violence against women before the law before thecriminal Brazilian Maria da Penha Law and the amendments brought by Law understudy. It also shows statistical data of domestic and family violence against womenbefore the implementation of Law No. 11340/2006. The third chapter dealt with themechanisms created by Maria da Penha Law to curb violence against women withinthe household and family, examining the emergency protective measures, the

    integrated measures of prevention, assistance to women in situations of domesticviolence and family; the attendance by the police. In this chapter this was also theemergency protective measures, the role of prosecutors, legal aid to the offense andthe team of multidisciplinary care.

    Key word: Domestic and Familiar Violence, woman, law nº 11.340/06, prevention,combat

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    Abandonou-se o modelo patriarcal e hierarquizado da família romana e firmou-se ummodelo da atuação participativa, igualitária e solidária daqueles que compõe aentidade famíliar. Esta nova realidade surgiu por causa de uma série de motivos,entre eles: a liberação sexual, o impacto dos meios de comunicação, odesenvolvimento científico, a emancipação feminina, a longevidade, a diminuiçãodas famílias com o aperfeiçoamento e difusão dos meios contraceptivos, asdescobertas no campo da biogenética, etc.

    A lei nº11.340/2006, no art. 5º, II, traz um conceito que se enquadra na novaconcepção de família: “comunidade formada por indivíduos que são ou seconsideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade

    expressa”. Portanto diante deste novo conceito de família não como restringir oalcance da Lei Maria da Penha.

    A mulher agredida no âmbito doméstico também será protegida pela lei Mariada Penha. O inciso I do art. 5 deste diploma legal em estudo, traz o conceito deunidade doméstica, ou seja é todo espaço de convívio permanente de pessoas, comou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.

    A Lei Maria da Penha, conforme art. 5, III, também ampara a mulher que, em

    qualquer relação íntima de afeto, tenha sido agredida por aquele com quem convivaou tenha convivido, independente de coabitação.

    O primeiro capítulo trata também das formas de violência doméstica efamiliar contra a mulher. A Lei nº11.340/2006 traz no art. 7º, incisos I a V asseguintes formas de violência doméstica e familiar: física; psicológica; sexual;patrimonial e moral. Mas a lei não é taxativa, pois no caput do art. 7º o legisladorusa a expressão “entre outras” antes de elencar as formas de violência doméstica e

    familiar contra a mulher.De acordo com a lei em exame, violência física é qualquer conduta queofenda a integridade ou a saúde corporal de alguém. A violência psicológica é aconduta que resulta em dano emocional e diminuição da auto-estima, que prejudiquee perturbe o pleno desenvolvimento ou com intenção de degradar ou controlar asações, comportamentos, crenças e decisões de alguém, através de ameaça,constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,perturbação contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, limitação dodireito de locomoção ou outra maneira qualquer que prejudique à saúde psicológicae à autodeterminação. Violência sexual se configura quando ocorrer qualquer

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    conduta que a constranja a ver, a manter ou a fazer parte de relação sexual que nãotenha desejado, por meio de intimidação, ameaça, coação ou usando força; que ainduza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que aimpeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, àgravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno oumanipulação; ou que viole seus direitos sexuais e reprodutivos. A violênciapatrimonial é a retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos,instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursoseconômicos da vítima incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.Entende-se por violência moral: calúnia, difamação ou injúria. Portanto a Lei nº

    11.340/2006 protege a mulher de toda forma de violência doméstica e familiar.O segundo capítulo da presente pesquisa está assim intitulado: “O

    TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHEPERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO” que trata da justiça penal em face da violência contra a mulher antes da criação da Lei Maria daPenha, em seguida mostra dados estatísticos da violência contra a mulher no âmbitodoméstico e familiar e termina tratando da justiça penal em face da violência contra

    a mulher após a criação da Lei em estudo, ou seja as alterações trazidas pela lei emexame

    Antes da Lei nº 11.340/2006 entrar em vigor a autoridade policial ao tomarconhecimento de um caso de violência doméstica e familiar contra a mulher,encaminhava imediatamente a vítima ao Juizado Especial Criminal junto com o autordo fato. Portanto aos casos de violência contra mulher no âmbito familiar edoméstico era aplicável a transação penal, a suspensão condicional do processo, a

    composição dos danos extintiva de punibilidade, Lavrava-se termo circunstanciado(TCOs), pelos quais o acusado era geralmente condenado a pagar uma cesta básicaou prestar serviços comunitários (em caso de prisão em flagrante era lavrado autode prisão em flagrante e se fosse o caso, arbitrada fiança).

    Em 2002 a Lei 10.455 criou uma medida cautelar na qual o juiz podia decretaro afastamento do agressor do lar conjugal no caso de violência doméstica. Em 2004a Lei 10.886 adicionou ao crime de lesão previsto no Código Penal um subtítulo queafirma que se a lesão corporal leve for decorrente de violência doméstica, a penadeverá ser aumentada de três para seis meses de detenção.

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    Entretanto apesar destas mudanças a violência doméstica e familiarcontinuava alcançando altos índices : segundo a OMS, quase metade das mulheresassassinadas foram mortas pelo marido ou namorado, atual ou ex. De acordo comdados colhidos no site da Fundação Perseu Abramo mostram que do universoinvestigado (61,5 milhões) a projeção da taxa de espancamento (11%) indica quepelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas pelomenos uma vez. No Brasil uma mulher é espancada a cada 15 segundos. Dentre asformas de violência a mesma pesquisa mostra que 20% das mulheres já sofreramagressão física leve; 18% foram ofendidas moralmente; 15% sofreram ameaçaindireta de agressão ; 12% afirmaram ter sido ameaçadas de espancamento a si

    própria e a seus filhos; 12% declararam que já sofreram violência referente ao seutrabalho; 11% das mulheres já foram espancadas com cortes, marcas ou fraturas;11% dizem já ter sido vítima de estupro conjugal, de assédio sexual e críticas à suaatuação como mãe; 9% das mulheres declaram que foram trancadas em casa; 8%foram ameaçadas com arma de fogo e 6% sofreram abuso.

    Diante desta realidade surge, então Lei n º 11340/2006 (Lei Maria da Penha)que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

    Esta lei específica para as mulheres veda no art. 41 a aplicação da Lei 9.099/95 aoscasos de agressão à mulher no âmbito familiar e doméstico. Com a Lei Maria daPenha, são hoje instaurados inquéritos policiais que demandam investigação,reunião de provas e coleta de depoimentos, sendo que o agressor poderá ser preso.A Lei também altera a pena para lesão corporal, que antes era de seis meses a umano e agora é de três meses a três anos. As mulheres que sofrerem violênciadoméstica e familiar poderão recorrer às medidas protetivas que visam proteger a

    sua integridade física, psicológica e patrimonial. Ou seja, contra qualquer ação ouomissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexualou psicológico e dano moral e patrimonial, conforme diz o art. 5º do diploma legal emestudo.

    O terceiro e último capítulo desta pesquisa tem como título: “OS MECANISMOSCRIADOS PELA LEI 11.340/06 PARA COIBIR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EFAMILIAR CONTRA A MULHER” e se subdivide em duas partes. O primeirosubtítulo é: “Assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar”,abordando então as medidas integradas de prevenção, assistência à mulher emsituação de violência doméstica e familiar, o atendimento pela autoridade policial. O

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    segundo subtítulo está intitulado: “ Do procedimento em caso de violência domésticae familiar contra a mulher”, e abrange as medidas protetivas de urgência, a atuaçãodo Ministério Público, a assistência judiciária à ofendida. O terceiro subtítulo serefere a : “Equipe de atendimento Multidisciplinar”.

    No art. 8º da Lei nº 11.340/2006 o legislador, visando coibir a violênciadoméstica e familiar contra a mulher, traz um leque de medidas de prevenção, taiscomo a integração operacional de órgão preventivos e repressores; a proibição aosmeios de comunicação de criarem figuras e situações em que a mulher seja vistacomo objeto de violência; o aparelhamento e implementação das delegacias paraatendimento qualificado à mulher vítima de violência doméstica e familiar;

    disseminação do conhecimento da Lei Maria da Penha para a sociedade em geralatravés dos meios e comunicação principalmente, criação de um aparato desegurança unificado e capacitação da máquina policial etc. Mas este rol é apenasexemplificativo pois poderão ser adotadas outras medidas.

    De acordo com o diploma legal em estudo, constatada a prática de agressãocontra mulher na esfera familiar e doméstica poderão ser aplicadas as medidasprotetivas de urgência ao agressor e à vítima. Essas medidas poderão ser

    concedidas de imediato e serão aplicadas isolada ou cumulativamente. Poderãotambém ser substituídas por outras de maior eficácia. O juiz poderá conceder novasmedidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas.

    De acordo com a legislação em estudo nos casos de violência doméstica efamiliar contra a mulher o Ministério Público dispõe de legitimidade para agir comoparte na condição de substituto processual (arts. 19, § 3º, e 37 ) e como fiscal da lei(art. 22, § 1º), podendo requerer outras providências (art. 19) ou a substituição por

    medidas diversas (art. 19, § 3º).A toda mulher em situação de violência doméstica e familiar é garantido oacesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita,segundo a Lei Maria da Penha, no art. 28.

    A equipe de atendimento multidisciplinar é composta de profissionaisespecializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde que fornecem subsídiosao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ouverbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento,prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares,com especial atenção as crianças e aos adolescentes.

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    1. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA FAMÍLIA E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICAE FAMILIAR SOFRIDA PELA MULHER BRASILEIRA

    1.1 UNIDADE FAMILIAR: NOVO CONCEITO

    De acordo o princípio da proteção, reza o art. 226, § 8º da Constituição daRepublica Federativa do Brasil de 1988:

    “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos quea integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”

    Diniz ensina que a família tem como base o princípio da dignidade da pessoahumana

    g) Princípio do respeito da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III),que constitui a base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva),garantindo, tendo por parâmetro a efetividade, o pleno desenvolvimento e arealização de todos os seus membros, principalmente da criança e doadolescente (CF, art. 227). (2007, pg.22).

    Gama leciona:

    Do princípio da dignidade da pessoa humana decorreram adespatrimonialização e a despersonalização das relações de famíliasubstituindo-se a ênfase no tratamento das relações patrimoniais entrecônjuges, companheiros e parentes pela valorização de aspectosexistenciais procurando-se garantir acima de tudo, os direitos dapersonalidade de cada membro do grupamento familiar. A dignidade dapessoa humana alçada ao topo da pirâmide normativa do ordenamento jurídico brasileiro encontra na família o solo apropriado para seuemaizamento e desenvolvimento, o que justifica a ordem constitucional no

    sentido de que o Estado dê especial e efetiva proteção as famíliasindependente de sua espécie. Busca desenvolver o que é mais relevanteentre os familiares, o projeto familiar fulcrado no afeto, solidariedade,confiança, respeito, colaboração, união, de modo a propiciar o pleno emelhor desenvolvimento da pessoa de cada integrante inclusive sob oprisma dos valores morais, éticos e sociais. (2007, pg. 157- 158).

    Portanto de acordo com o princípio da proteção deve-se resguardar aintegridade dos membros da família. Entretanto é importante saber o que é a famílianos moldes atuais, identificando assim os seus membros. Souza conclui sobre o

    conceito de família:

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    Etimologicamente, a palavra família deriva da palavrafamel , que por suavez fez surgir a palavrafamulus, culminando na palavrafamulia . Nessesentido, significa um vínculo de pessoas subordinadas entre si. Algunsentendem que a palavra deriva de domus e significa casa ou umaconstrução comum. Unindo todos esses pensamentos, podemos concluirque família é uma reunião de pessoas vinculadas e que vivem muitopróximas entre si. (2007, pg.22)

    Portanto, conforme Souza, família é um conjunto de pessoas que vivempróximas e que possuem vínculos entre si, sendo que até certo tempo atrás, ocasamento era o único vínculo aceito pela legislação brasileira, repudiando assim oconcubinato, como era denominado na época.

    As relações de família . Além do parentesco, pode a pessoa estarrelacionada a uma família pelo vínculo conjugal (marido e mulher) ou pelaafinidade. A afinidade é a relação que liga uma pessoa aos parentes de seucônjuge. Entre os afins na linha reta estão o sogro, o genro, o padrasto, oenteado etc., e na linha colateral, o cunhado. A afinidade na linha reta nãose extingue com a dissolução do casamento que a originou (CC, art. 1.595,§ 2º). (MAX, 2007, pg. 295).

    Diniz ensina sobre as três acepções do vocábulo família:

    Na seara jurídica encontrem-se três acepções fundamentais do vocábulofamília : a) amplíssima; b) a lata e c) a restrita. a) Nosentido amplíssimo otermo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo daconsangüinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como nocaso do art. 1.412, § 2º, do Código Civil em que as necessidades da famíliado usuário compreendem também as das pessoas de seu serviçodoméstico. [...] b) Naacepção “lata”, além dos cônjuges ou companheiros,e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem comoos fins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro), como a concebemos art. 1.591 e s . do Código Civil, o Decreto-lei n . 3.200/41 e a Lei n .883/49. c) Nasignificação restrita é a família (CF, art. 226, § § 1º e 2º) oconjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja,unicamente os cônjuges e a prole (CC, arts. 1.567 e 1.716) , eentidadefamiliar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável, oupor qualquer dos pais e descendentes. (2007, pg. 9-10). (grifo meu).

    O doutrinador, então, mostra um conceito de casamento :

    É o vínculo jurídico que se estabelece entre um homem e uma mulher, decaráter temporário e litúrgico quanto à sua constituição, e que gera comoefeito, além de direitos e obrigações regulados em lei, concessão recíprocade direito da personalidade.(SOUZA, 2007, pg.23).

    Diniz leciona sobre a evolução do conceito de família

    Lévy-Bruhl chega até a dizer que o traço dominante da evolução da famíliaé a sua tendência em tornar o grupo familiar cada vez menos organizado ehierarquizado, fundando-se cada vez mais na afeição mútua, que

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    estabelece plena comunhão de vida. [...] Deveras, a família está passandopor profundas modificações, mas como organismo natural ela não se acabae como organismo jurídico está sofrendo uma nova organização; logo nãohá desagregação ou crise. Nenhuma dessas mudanças legislativas abalaráa estrutura essencial da família e do matrimônio, que é sua pedra angular.(2007, pg. 22- 24)

    Ou seja: ocorreram profundas modificações no conceito de família, pois aolado do casamento passaram a coexistir outros núcleos familiares. Atualmenteconsidera-se como vínculo familiar: o casamento; a união estável; a famíliamonoparental e a família homoafetiva. Existem ainda união eventual de pessoas quenão desejam estabelecer vínculo permanente e também há o namoro.

    Diniz ensina o que é família

    Deve-se, portanto, vislumbrar nafamília uma possibilidade de convivência,marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mastambém no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É ela onúcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para arealização integral do ser humano. (2007, pg. 13)

    Dias esclarece:

    Assim, as famílias anaparentais (formadas entre irmãos), as homoafetivas eas famílias paralelas (quando o homem mantém duas famílias), igualmenteestão albergadas no conceito constitucional de entidade familiar comomerecedoras da especial tutela do Estado. (2007, pg. 43).

    A união estável está amparada pelo art. 226, § 3º da Constituição daRepública Federativa de 1988:

    “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre ohomem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão emcasamento.”

    Souza diz o que é união estável :A união estável é um vínculo jurídico informal estabelecido entre um homeme uma mulher, de caráter duradouro, público e contínuo, em que ambosdesejam constituir uma entidade familiar, produzindo efeitos jurídicos não sópara as partes, mas também para terceiros.(2007, pg.23-24).

    Max ensina:

    “União estável é a convivência pública, contínua e duradoura entre o homeme a mulher, com o objetivo de constituição de família. Considera-se a união estávelcomo sendo uma entidade familiar (CC, art. 1.723).” (2007, pg.293-294).

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    A união estável apresenta como pressupostos:

    a) honor matrimonii – o casal apresenta-se à vista de todos como se fossemcasados, de forma que terceiros os confundem com pessoas efetivamentecasadas, na medida em que só a certidão de casamento é que conseguepromover a distinção. b)affectio maritalis – o casal entende estar em uniãoestável. Ambos acreditam que estão sob o estado de casado, sendoimportante frisar que nenhum dos companheiros crê estar apenasnamorando, até porque a linha divisória entre as duas situações jurídicas ébastante tênue.(SOUZA, 2007, pg.24)

    O doutrinador diz quais os deveres que ambos os cônjuges tem na uniãoestável

    “Deveres na união estável : lealdade, respeito e assistência e guarda dosfilhos (CC, art. 1.724).”(MAX, 2007, pg.293-294).

    A família homoafetiva não está amparada pela Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil de1988, pois no seu artigo 226, § 3º menciona apenas a uniãoestável entre um homem e uma mulher. Entretanto a doutrina e, aos poucos, a

    jurisprudência vêm dando contornos familiares à união do casal homossexual.A doutrinadora Maria Berenice Dias afirma que a Lei Maria da Penha traz um

    conceito de família que corresponde ao formato atual dos vínculos afetivos:

    Para o efeito de assegurar sua aplicação, a Lei Maria da Penha tenta definirfamília (art. 5º, II): “comunidade formada por indivíduos que são ou seconsideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ouvontade expressa” (2007, pg.43).

    Segundo o conceito da Lei em estudo família é uma comunidade formada porpessoas unidas por vínculo jurídico familiar, podendo ser conjugal, parentesco (emlinha e por afinidade), ou por vontade expressa (adoção).

    O conceito trazido pela lei Maria da Penha, fala em comunidade formada porindivíduos, não se refere especificamente a um homem e uma mulher, portanto olegislador aceita também como família, o relacionamento homoafetivo. Ensina adoutrinadora:

    O reconhecimento da união homoafetiva como família é expresso, pois a LeiMaria da Penha incide independentemente da orientação sexual (art. 2.º e5.º, parágrafo único). Assim, lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros,que tem identidade feminina, estão ao seu abrigo quando a violência ocorre

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    entre pessoas que possuem relação afetiva no âmbito da violênciadoméstica e familiar. (DIAS, 2007, pg.44).

    Em outras palavras: a Lei n º 11.340/2006 no seu art. 2º, afirma que toda amulher independente de orientação sexual goza dos direitos fundamentais dapessoa humana, portanto esta lei assegura a proteção de lésbicas, travestis,transexuais e os transgêneros do sexo feminino que mantêm relação íntima de afetona família ou de convívio. Ou seja, a Lei em estudo protege situações de violênciacontra o gênero feminino.

    Uma corrente mais moderna de doutrinadores afirmam o transexual está

    amparado pelo diploma legal em exame. No entanto este não pode ser confundidocom o homossexual, bissexual, intersexual ou travesti que não são protegidos pelaLei Maria da Penha. O doutrinador ensina o que vem a ser o transexual:

    O transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico psíquica, possuindoum sexo físico, distinto de sua conformação sexual psicológica. Nessequadro, a cirurgia de mudança de sexo pode se apresentar como um modonecessário para a conformação do seu estado físico e psíquico.(CUNHA,2007, pg.21).

    É importante salientar que o amparo da Lei Maria da Penha ao transexualgera opiniões contrárias:

    Em eventual resposta à indagação inicial podem ser observadas duasposições: uma primeira, conservadora, entendendo que o transexual,geneticamente não é mulher (apenas passa a ter órgão genital deconformidade feminina), e que, portanto, descarta, para a hipótese, aproteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoaportadora de transexualismo transmute suas características sexuais (porcirurgia de modo irreversível), deve ser encarada de acordo com a novarealidade morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificaçãode registro civil. Hoje, inclusive, há doutrinadores admitindo transexualvítima, em abstrato, do crime de estupro (mesmo a lei falando somente demulher). (CUNHA, 2007, pg.21).

    Portanto, os conservadores acreditam que a Lei não deva amparar otransexual pois este, mesmo mudando suas características sexuais emconformidade feminina, continua sendo homem geneticamente, não havendo sentidoreceber portanto a proteção de uma lei específica para as mulheres. Entretanto,conforme aqueles que tem uma opinião mais moderna: se o transexual pode serregistrado como mulher e é aceito como vítima de estupro apesar deste tipo de

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    crime só mencionar a mulher como vítima, não há porque não ser tambémamparado pela Lei 11. 340/2006 (Lei Maria da Penha). Ensina o doutrinador :

    Diante do amplo espectro da lei até relações protegidas pelo biodireitopassam a estar tuteladas, de maneira que, se o transexual fizer cirurgiamodificativa de sexo e passar a ser considerado mulher no registro civil, teráefetiva proteção.(SOUZA, 2007, pg. 70-71).

    Mesmo entendimento tem outro doutrinador:

    Rogério Greco explica:”Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de olegislador transformar um homem em uma mulher, isso não acontecequando estamos diante de uma decisão transitada em julgado. Se o PoderJudicial, depois de cumprido o devido processo legal, determinar amodificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutir emtodos os âmbitos de sua vida, inclusive o penal.”(CUNHA, 2007, pg. 21)

    A Lei Maria da Penha também é aplicada às uniões homossexuais entre asmulheres:

    A lei em estudo, portanto, de forma inédita em nosso arcabouço normativo,prevê que as medidas nela previstas, de caráter penal e civil aplicam-se,também, as uniões homossexuais entre mulheres, permitindo inclusive, emnosso entendimento, que se determine, por exemplo, o afastamento do larda agressora, [...]. (art. 22,II).(CUNHA, 2007, pg.33)

    Ou seja, não importa que a vítima tenha sido agredida por outra mulher, o queimporta para a lei é que a vítima seja do sexo feminino e que tenha vínculo afetivocom agressor ou agressora.

    Ainda que a Lei tenha por finalidade proteger a mulher, acabou por cunharum novo conceito de família, independente do sexo dos parceiros. Assim,se família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entredois homens. Ainda que não se encontrem ao abrigo da Lei Maria daPenha, para todos os fins impõe-se este reconhecimento.(DIAS, 2007, pg.37-38).

    Concluindo: A Lei Maria da Penha protege a mulher, não interessando suaopção sexual e protege todos aqueles que tem identidade feminina, como travestis etransexuais. Entretanto, mesmo que esta Lei não ampare a relação íntima de afetoentre dois homens, para todos os outros fins, impõe-se o seu reconhecimento comofamília:

    As uniões homoafetivas já galgaram ostatus de unidade familiar. Alegislação apenas acompanha essa evolução, para permitir que, naausência de sustentação própria, o Estado intervenha para garantir aintegridade física e psíquica dos membros de qualquer forma de família.(DIAS, 2007, pg.38).

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    As relações paralelas também são consideradas como entidade familiar.Ocorre quando um homem mantém relacionamento afetivo com mais de umamulher, ou seja as relações adulterinas também são consideradas família e tambémsão amparadas pela lei Maria da Penha:

    Outra realidade social que agora vem recebendo reconhecimento jurídicosão as uniões paralelas, ou seja, as relações concomitantes, que de ummodo geral são mantidas por homens. Cada um dos vínculos constitui umaunidade familiar. Assim, agredindo o varão qualquer das companheiras, ofato de a união ser rotulada de adulterina, não exclui do âmbito da proteçãoda Lei. (DIAS, 2007, pg.44).

    O conceito de família monoparental é encontrado na Constituição Federal noseu artigo 226, § 4º, que disciplina “Entende-se, também, como entidade familiar acomunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

    Ou seja, a Constituição ampara a família formada pelo vínculo entreascendente e descendente, que pode ser constituída por pai com seus filhos ou mãecom seus filhos. Tanto faz se o pai ou a mãe sejam casados ou não. A proteção doart. 226, § 4º, abrange filhos concebidos ou não no casamento e também osadotados. Busca-se com isso que os filhos tenham igual proteção do Código Civil,consagrando-se o princípio da isonomia.

    Tal status familiar visa dar efetividade a isonomia dos filhos estabelecidapelo art. 227, § 6.º, da Constituição Federal, posto que, havidos ou não narelação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos equalificações. [...] A nova noção do conceito de família, inclui a famíliamonoparental, por isso também recebe proteção da Lei que visa coibir aviolência doméstica e familiar (Lei Maria da Penha), com todas as medidaspreventivas e repressivas, incluindo tutelas de urgência, previstas nesta lei.

    (SOUZA, pg.25 -26).

    O namoro também pode ser considerado atualmente como um núcleofamiliar:

    “Pode-se conceituar o namoro como um período informal de convivência entreum homem e uma mulher, com objetivo de se conhecerem e de, no futuro,constituírem família.” (SOUZA, 2007, pg.27).

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    Não há previsão legal a respeito neste instituto, pois não produz efeitos jurídicos:

    Não há que se confundir o namoro com o noivado, posto que em ambas as

    situações existe a convivência entre homem e a mulher para a futuraconstituição de família pelo casamento e pela união estável. No entanto, onoivado gera responsabilidade civil extracontratual, enquanto o namoro,como já dito, não deve produzir efeitos jurídicos. (SOUZA, 2007, pg. 28).

    Portanto o namoro se difere de noivado porque o noivado produzresponsabilidade civil extracontratual, enquanto o namoro não gera efeitos jurídicos.

    O noivado é uma promessa de casamento, também chamado de esponsal,prometendo as partes, casamento em prazo certo. Este instituto não geraconflito com a união estável, porque normalmente se inicia com umasolenidade e com troca dos anéis esponsalícios. (SOUZA, 2007, pg.28).

    O namoro, o noivado e até mesmo as relações eventuais, como o que os jovens denominam “ficar” são protegidos pela Lei Maria da Penha, pois conforme oart. 5.º, III, da Lei 11.340/2006, o amparo a mulher que sofre violência abrangequalquer relação intima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido coma vítima, independente de morarem junto ou não. Diz o doutrinador:

    Tanto o namoro quanto o noivado tem plena tutela da Lei 11.340/2006,posto que muito embora sejam situações em fase embrionária àconstituição de família, de acordo com o artigo 5.º, III, da LVM, a proteçãoda mulher decorrente de violência engloba : “qualquer relação íntima deafeto , na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,independente de coabitação”.(SOUZA, 2007, pg. 28).

    Portanto, o conceito de família experimenta atualmente, profunda modificaçãoAfirma o doutrinador Cunha:

    Como salientam Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo e Rodrigo VianaSaraiva, 'aceitar novos modelos familiares não significa dizer que a famíliaserá destruída. Conceber apenas a família nuclear composta pelo casalheterossexual e filhos como o único modelo de família aceitável, éincompatível com a natureza afetiva da família. A noção de família comonúcleo de afetividade e base da sociedade deve ser encarada, como de fatoé, como um fator cultural. E, dessa maneira, a legislação deve acompanhara evolução da sociedade e, conseqüentemente, dos arranjos familiares'.(2007, pg.35).

    Já o conceito de concubinato está previsto no artigo 1.727 do Código Civil queafirma: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,constituem concubinato”.

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    A intenção do legislador foi a de limitar a união estável vigente. Portanto sehouver casamento ou união estável vigente ou havendo impedimento para ocasamento, qualquer relação estável entre um homem e uma mulher .

    A situação histórica mais comum é aquela que o homem, na vigência docasamento, mantinha outro vínculo, de forma que morava com a esposa,mas possuía à distância outra mulher, que se denominava “teúda emanteúda”. Também é concubinato a chamada união estável desleal, que éaquela em que uma pessoa, já possuindo uma união estável, inicia outraconcomitante à primeira.(SOUZA, 2007, pg. 46).

    Dias leciona:

    Não há de se reconhecer que o conceito de família trazido pela Lei Maria daPenha enlaça todas as estruturas de convívio marcada por uma relaçãoíntima de afeto, o que guarda consonância com a expressão que vem sendoutilizada modernamente: Direito da Famílias. (2007, pg. 44).

    Portanto a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) inova o conceito de famíliatornando-o mais abrangente. No conceito da Lei, se a relação tiver vínculo deafetividade, então será reconhecida como uma entidade familiar. Por issoatualmente, a expressão Direito de Família vem sendo colocada no plural, ou seja,pela expressão: Direito das Famílias.

    Cabe trazer a manifestação de Eliana Ferreira:“A família modernamenteconcebida tem origem plural e se revela como o núcleo de afeto no qual ocidadão se realiza e vive em busca da própria felicidade. Abandonou-se omodelo patriarcal e hierarquizado da família romana, ao longo dos anos efirmou-se no direito das sociedades ocidentais um modelo de atuaçãoparticipativa, igualitária e solidária dos membros da família”. (DIAS,2007,pg.45) .

    O doutrinador comenta:

    A longevidade, a emancipação feminina, a perda de força do cristianismo, aliberação sexual, o impacto dos meios de comunicação de massa, odesenvolvimento científico com as experiências genéticas e descobertas nocampo da biogenética, a diminuição das famílias com o aperfeiçoamento edifusão dos meios contraceptivos, tudo isso atingiu fortemente aconfiguração familiar. Ademais a urbanização e a industrialização mudandoa base produtiva da sociedade também afetaria o direito de família, já que opoder empresarial ao contrário da propriedade fundiária não é ligado comorganização família. (TEPEDINO, 2001, pg. 353).

    Por isso a Lei Maria da Penha ampara todas as mulheres que tenham vínculoíntimo de afeto com o agressor

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    Como alerta Guilherme Nucci,a mulher agredida no âmbito da unidadedoméstica deve fazer parte dessa relação doméstica. Não seria lógico quequalquer mulher, bastando estar na casa de alguém, onde há relaçãodoméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação daagravante trazida pela Lei Maria da Penha. (DIAS, 2007, pg.43).

    Então, segundo o doutrinador, caso uma mulher tenha sido agredida na casade alguém só terá proteção da Lei Maria da Penha se ela estiver trabalhando nestelocal, não bastando apenas sua presença no lar

    Aqui estão incluídos todos os empregados domésticos, porteiros,recepcionistas, motoristas e diaristas (as esporadicamente agregadas ,consoante o artigo 5º, inciso I). Ou seja, qualquer pessoa que comungue,ainda que por uma única vez, do espaço de convívio permanente (lar), tema proteção legal. Por exemplo, uma pessoa contratada para ser babá (baby- sitter ) por uma única noite ou uma enfermeira que venha substituir outra,uma única vez, no cuidado de um idoso. Se ambas forem agredidas, terãointegral proteção da LVM. (SOUZA, 2007, pg. 71).

    Ou seja, são protegidos pela Lei Maria da Penha, qualquer pessoa, mesmopor uma única vez, trabalhe no lar de alguém, estando amparada até mesmo adiarista (esporadicamente agregada).

    Entretanto, Dias esclarece

    Damásio de Jesus faz algumas distinções: a denominada “diarista”, quetrabalha apenas um, dois ou três dias por semana, não está protegida pelaLei em razão de sua pouca permanência no local de trabalho. Porém a quetrabalha durante a semana diariamente, mas não mora no emprego, aaplicação da Lei está condicionada à sua participação no ambiente familiar,ou seja, deve ser observado se ela é considerada por todos e por elaprópria membro da família. (2007, pg. 42).

    Portanto conforme o doutrinador, a diarista não pode ser amparada pela Leinº 11.340/2006, pelo pouco tempo que fica no lar onde trabalha. E mesmo aquelaque trabalha todo dia na casa de alguém tem que estar morando naquele local ouentão, ser considerada como membro da família por ela mesma e pelos moradoresdo lar para que, assim, esta seja amparada pela Lei Maria da Penha.

    “Por fim, a que trabalha e mora na residência da família, desfrutando de umaconvivência maior com todos, deve ser considerada um de seus membros,merecendo ser receptadora da especial tutela legal”.(DIAS, 2007, pg.42).

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    1.3. AS FORMAS DE VIOLÊNCIA FAMILIAR E DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

    O doutrinador Mirabete diz quando se configura a violência contra a mulher noâmbito doméstico e familiar :

    Nos termos da Lei nº 11.340, de 7-8-2006, configura violência doméstica efamiliar contra a mulher, qualquer forma de violência, por ação ou omissão,baseada no gênero e praticada no âmbito familiar, do convívio doméstico oude relação íntima de afeto, atual ou pretérita, ainda que ausente acoabitação, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológicoe dano moral ou patrimonial (art.5º e 7º). (2007, pg.90).

    Explicando o elemento formal caracterizador da Lei em estudo: a expressão

    “qualquer ação ou omissão” quer dizer que a Lei não se preocupa com a causa,bastando o efeito morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moralpara que incida formalmente a Lei Maria da Penha para a defesa da mulher. Oobjeto jurídico tutelado é a integridade física, moral e econômica da mulher,abrangendo desde a tutela mais gravosa que é a morte, passando pela lesãocorporal e até a menos gravosa, com qualquer espécie de sofrimento.

    Porém o legislador criou um binômio para a incidência do objeto tutela, pois

    além do elemento formal, a Lei é caracterizada pelo elemento espacial, portanto,para configurar a violência doméstica e familiar contra a mulher, o crime tem que terocorrido num determinado ambiente (familiar, doméstico ou de intimidade na qual oagressor conviva ou tenha convivido, com a ofendida, independente de coabitação).

    De acordo com a Lei 11.340/2006 (art. 5º) , entende-se por violênciadoméstica e familiar toda a espécie de agressão (ação ou omissão) dirigidacontra a mulher (vítima certa) num determinado ambiente (doméstico,familiar ou de intimidade) baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,

    sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.(CUNHA, 2007, pg. 23).

    O sujeito passivo é a mulher. A Lei Maria da Penha não ampara as pessoas jurídicas (associação de mulheres) e entes despersonalizados (condomínios), pois aviolência tem que ter ocorrido no âmbito doméstico, familiar ou de intimidade:

    Pessoas jurídicas (associações de mulheres) e entes despersonalizados(condomínio) não estão compreendidos entre os sujeitos passivos da LVM,não por causa da qualidade pessoal em si, mas por força do âmbito deincidência da norma, relembrando que há necessidade de se respeitar ocritério espacial tipificado, ou seja, a violência deve ocorrer no âmbito derelação havida numa unidade doméstica, familiar ou íntima deafeto.(SOUZA, 2007, pg. 75).

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    O sujeito ativo tanto pode ser homem como mulher, pois a Lei em estudomenciona a palavra “agressor”, que está colocada como gênero, abrangendo o sexofeminino e masculino.

    A legislação em questão, no art. 7.º, enumera as formas de manifestação deviolência de forma genérica, levando o operador a interpretá-lo de maneiraaberta, enunciativa, isso porque estão apontadas emnumerus apertus , emrazão da expressão “entre outras” no dispositivo, sempre presumindo emfavor da mulher, criando, pois regra enunciativa e orientadora das principaiscondutas, [...]. ( SOUZA, 2007, pg. 71).

    Conforme o art. 7º da Lei Maria da Penha, a violência física, psicológica,

    sexual, patrimonial e moral, entre outras são formas de violência doméstica efamiliar contra a mulher. A Lei em estudo combate todas as formas de violênciacontra a mulher no âmbito familiar, doméstico ou de intimidade, pois usa aexpressão “entre outras” no dispositivo.

    O art. 7, inciso I da Lei11.340/2006 conceitua a violência física :

    “I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua

    integridade ou saúde corporal”.

    Violência física é o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés,empurrões, arremesso de objetos, queimaduras, etc, visando desse modo,ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou nãomarcas aparentes, naquilo que se denomina, tradicionalmente, viscorporalis. (CUNHA, 2007, pg.37).

    Portanto, qualquer agressão que ofenda o corpo e a saúde da mulher comuso de força física, mesmo que não deixe marcas é considerado violência física.

    “Não só a lesão dolosa, também a lesão culposa constitui violência física, poisnenhuma distinção é feita pela lei sobre a intenção do agressor.”(DIAS, 2007, pg.47).

    Esclarece o doutrinador:

    “A preocupação básica do dispositivo é deixar estabelecida a espécie de

    violência que, uma vez referendada na norma penal, terá imediata aplicação”.(SOUZA, 2007, pg. 72).

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    O inciso II, do art.7º da Lei Maria da Penha, conceitua a violência psicológica:

    [...] II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhecause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique eperturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suasações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilânciaconstante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização,exploração e limitação do direito de ir vir ou qualquer outro meio que lhecause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação;[...].

    A Lei Maria da Penha, portanto, protege a auto-estima e a saúde psicológicada mulher. A violência psicológica é uma agressão emocional, cuja gravidade é igual

    ou até maior que a violência física. Configura-se a violência psicológica quando oagressor ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima. O agente sente prazer emver a vítima sofrendo, configurando, assim, avis compulsiva.

    Trata-se de previsão que não estava contida na legislação pátria, mas aviolência psicológica foi incorporada ao conceito de violência contra amulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar aViolência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará.(DIAS,2007, pg. 47).

    A mulher agredida psicologicamente fica com a auto-estima abalada e suasaúde psicológica prejudicada, pois se sente amedrontada, inferiorizada e diminuída.

    A doutrina critica a expressão violência psicológica, que poderia seraplicada a qualquer crime contra a mulher, pois todo crime gera danoemocional à vítima, e aplicar um tratamento diferenciado apenas pelo fatode a vítima ser mulher seria discriminação injustificada de gêneros.(DIAS,2007, pg. 48).

    Alguns doutrinadores acreditam ser desnecessário a existência do inciso III,do art. 7º da Lei Maria da Penha, pois qualquer crime contra a mulher gera por si sóa violência psicológica. Consideram também que a proteção específica contra aviolência psicológica pela vítima ser do sexo feminino é uma forma de discriminaçãoaos homens, ferindo assim o princípio da igualdade. Porém, a doutrinadora MariaBernadete Dias discorda desta opinião:

    Ora, quem assim pensa olvida-se que a violência contra a mulher temraízes culturais e históricas, merecendo ser tratada de forma diferenciada,até porque não ver esta realidade é que infringe o princípio da igualdade. Aviolência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder

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    entre os sexos. É a mais freqüente e talvez seja a menos denunciada. Avítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais, silênciosprolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência edevem ser denunciados. (DIAS, 2007, pg. 48).

    A doutrinadora afirma então que as mulheres devem ser tratadas de formadiferenciada diante da realidade que estas vem sofrendo e que os homens nãoestão, pois conforme mostram as estatísticas, a agressão contra a mulher setransformou numa situação de calamidade pública. Portanto se grande parte dasmulheres, e não dos homens, estão vivendo esta realidade, nada mais justo do quedar a mulher esta proteção específica, tratando assim, os iguais como iguais edesiguais de forma desigual, pois este é o significado do princípio da igualdade.Afirma outro doutrinador:

    “As estatísticas mostram, contudo, que algo precisava ser feito, a fim deestacar a condição de verdadeiracalamidade pública que assume, em nosso País, aviolência contra a mulher”. (CUNHA, 2007, pg. 7)

    Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, cabível a concessão de medidaprotetiva de urgência. Praticado algum delito mediante violência psicológica,

    a Para a configuração do dano psicológico não é necessária a elaboraçãode laudo técnico ou realização de perícia .majoração da pena se impõe (CP,art. 61,II,f ). (DIAS, 2007, pg. 48).

    Não é necessário a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia,para configurar a violência psicológica, basta que o juiz reconheça que houve o danopsicológico. Se algum crime for cometido com o uso de violência psicológica, seimpõe a majoração da pena, observando-se o art. 61, II,f, do CP.

    O alcance dessa forma de manifestação da violência é amplo, tanto que oseu exercício pode configurar vários crimes, como, por exemplo:constrangimento ilegal (CP, art.146); ameaça (CP, art. 147); seqüestro ecárcere privado (CP, art. 148); redução à condição análoga à de escravo(CP, art. 149); violação de domicílio (CP, art. 150); violação decorrespondência (CP, art. 151); roubo (CP, art. 157); extorsão (CP, art.158); extorsão mediante seqüestro (CP, art. 159); crimes contra a liberdadesexual mediante violência moral (CP, art. 213; CP, art. 214); e por força deconstrangimento (CP, art. 216-A).(SOUZA, 2007, pg. 72).

    “A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a ViolênciaDoméstica – chamada Convenção de Belém do Pará – reconheceu a violênciasexual como violência contra mulher.” (DIAS, 2007, pg.48)

    O inciso III, do art.7º da Lei nº 11.340/2006 diz o conceito de violência sexual:

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    [...] III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que aconstranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual nãodesejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que ainduza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade,que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force aomatrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício deseus direitos sexuais e reprodutivos; [...].

    Dias afirma:Os delitos equivocadamente chamados de “contra os costumes” constituem,às claras, violência sexual. Quem obriga uma mulher a manter relaçãosexual não desejada pratica o crime sexual de estupro. Também os outroscrimes contra a liberdade sexual configuram violência sexual quandopraticados contra a mulher: atentado violento ao pudor; posse sexualmediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude; assédio sexual e

    corrupção de menores. Todos esses delitos, se cometidos no âmbito dasrelações domésticas, familiares ou de afeto constituem violência doméstica,e o agente submete-se à Lei Maria da Penha. (2007, pg.50-51).

    Ou seja: os crimes chamados contra os costumes constituem a violênciasexual. Portanto, deve-se aplicar a Lei Maria da Penha quando for cometido noâmbito das relações domésticas, familiares ou de íntimo afeto os delitos de estupro(art. 213, CP) e posse sexual mediante fraude (215, CP).Também aplica-se esta lei

    específica, se praticados contra a mulher, os crimes de atentado violento ao pudor(art. 214, CP); assédio sexual (art. 216-A, CP), corrupção de menores (art. 218, CP)e atentado violento ao pudor mediante fraude (art. 216, CP) no âmbito doméstico,familiar ou de intimidade .

    “Essa forma de manifestação de violência normalmente ocorre nos delitossexuais (que envolvem constrangimento), tráfico de mulheres e exploração sexual

    de crianças e adolescentes.”(SOUZA, 2007, pg. 72).

    A autora Dias ensina também:

    “Mesmo o delito de assédio sexual, que está ligado às relações de trabalho,pode constituir violência doméstica quando, além do vínculo afetivo familiar, a vítimatrabalha para o agressor.” (2007, pg.50).

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    Portanto: apesar do crime de assédio sexual ser ligado às relações detrabalho, poderá se configurar em violência doméstica, quando a vítima que trabalhacom o agressor tiver com ele vínculo familiar.

    O autor Cunha diz o motivo que leva a vítima de violência sexual a ocultar aagressão que sofreu no ambiente doméstico e familiar:

    “Agressões como essas provocam nas vítimas, não raras vezes, culpa,vergonha e medo, o que as faz decidir, quase sempre, por ocultar o evento”.(CUNHA, 2007, pg.38).

    Dias leciona:

    A segunda parte do inciso III do art. 7º da Lei Maria da Penha enfoca asexualidade sob o aspecto do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.Trata-se de violência que traz diversas conseqüências à saúde da mulher. Aprópria Lei assegura à vítima acesso aos serviços de contracepção deemergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) eda Síndrome da Imunodependência Adquirida (AIDS) e outrosprocedimentos médicos necessários e cabíveis (art. 9, § 3º). (2007, pg. 51).

    A violência sexual fere os direitos reprodutivos e o direito à liberdade sexual.Traz, também, diversos riscos a saúde da mulher, pois ela estará correndo risco deadquirir Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), inclusive a AIDS. Por isso aLei Maria da Penha no art. 9º, § 3º garante à mulher que sofreu violência sexual,métodos de contracepção de emergência (pílula do dia seguinte), para evitar agravidez indesejada vinda de uma relação sexual não desejada, ou seja, decorrentede estupro; tratamento para as DST e para a AIDS, além de outros procedimentosmédicos cabíveis. O acesso à contracepção pelo Sistema Único de Saúde éassegurado pela Lei de Planejamento Familiar (Lei 9.263/1996).

    [...] houve uma certa resistência da doutrina e da jurisprudência em admitir apossibilidade da ocorrência de violência sexual nos vínculos familiares. Atendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dosdeveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como seestivesse ele a exercer um direito.(DIAS, 2007, pg. 49)

    Em caso de gravidez decorrente de estupro, será permitido que seja feito o

    aborto, conforme art. 128, inciso II do CP. Entretanto, quando se trata de violênciadoméstica e familiar, o suposto agressor é o companheiro ou casado com a vítima e

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    por isso, tem direito ao exercício da sexualidade, tornando-se difícil saber quandosua insistência para exercer este direito se configurara numa violência sexual. Nestecaso seria difícil comprovar a ocorrência de estupro:

    A vítima precisa ter acesso não só ao medicamento que se popularizoucomo “pílula do dia seguinte” , como ao aborto que é permitido, quando agravidez resulta de estupro. Porém, todos sabem da dificuldade decomprovar que se trata de violência sexual quando existe um vínculo deconvivência entre o abusador e a vítima.(DIAS, 2007,pg.51).

    A violência patrimonial quase sempre é usada como meio para agredir, física

    ou psicologicamente, a vítima. No art. 7º, inciso IV, da Lei Maria da Penha, traz oconceito de violência patrimonial:

    [...] IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta queconfigure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ourecursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suasnecessidades; [...].

    Esta forma de violência abrange os crimes contra a assistência familiar e de

    modo geral, contra o patrimônio. Conforme o CP, Título II, são crimes contra opatrimônio: furto; roubo; extorsão; usurpação; dano; apropriação indébita,estelionato, receptação; entre outros.

    A Lei Maria da Penha reconhece como violência patrimonial o ato de“subtrair” objetos da mulher, o que nada mais é do que furtar. Assim, sesubtrair para si coisa alheia móvel configura o delito de furto, quando avítima é mulher com quem o agente mantém relação de ordem afetiva, nãose pode mais reconhecer a possibilidade de isenção de pena. O mesmo sediga com relação à apropriação indébita e ao delito de dano. É violênciapatrimonial “apropriar” e “destruir”, os mesmos verbos utilizados pela leipenal para configurar tais crimes. Perpetrados contra a mulher, dentro deum contexto de ordem familiar, o crime não desaparece e nem fica sujeito àrepresentação.(DIAS, 2007, pg.52-53).

    Nos delitos patrimoniais não violentos, quando o autor tiver vínculo doméstico,familiar ou de intimidade com a vítima (mulher), será aplicada, então, a Leinº11.340/2006 (Lei Maria da Penha), sendo que não caberá a aplicação dos arts.181 e 182 do Código Penal, que tratam das imunidades absolutas e relativas. Sãoimunidades:

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    CP, art. 181: É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstosneste título, em prejuízo: I – do cônjuge, na constância da sociedadeconjugal; II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ouilegítimo, seja civil ou natural. [...] CP, art. 182: Somente se procedemediante representação, se o crime previsto neste título é cometido emprejuízo: I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; II – de irmão,legítimo ou ilegítimo; III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

    O doutrinador questiona a utilidade do inciso IV, art. 7º da Lei Maria da Penha,que ampara a mulher no caso de violência patrimonial:

    Nos seus comentários ao artigo, Guilherme de Souza Nucci questiona autilidade do dispositivo, ao menos na seara penal: “Lembremos que há asimunidades (absoluta ou relativa), fixadas pelos arts. 181 e 182 do CódigoPenal, nos casos de delitos patrimoniais não violentos no âmbito familiar.”

    (CUNHA, 2007, pg. 38).A parte final do art. 7º da Lei Maria da Penha, afirma que também se

    considera violência patrimonial, a subtração de direitos ou recursos econômicos,incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Ensina a doutrinadora:

    Identificada como violência patrimonial a subtração de valores, direitos erecursos econômicos destinados a satisfazer as necessidades da mulher,neste conceito se encaixa o não pagamento dos alimentos. Deixar oalimentante de atender a obrigação alimentar, quando dispõe de condiçõeseconômicas, além de violência patrimonial, tipifica o delito de abandonomaterial (DIAS, 2007, pg. 53).

    Não é necessário que seja fixado judicialmente o encargo alimentar. A lei eCP serão aplicados até mesmo quando for sonegado os meios de assegurar asubsistência da esposa ou da companheira durante a vida em comum.

    O inciso V , art. 7º da Lei Maria da Penha, diz o conceito de violência moral:

    “[...] V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configurecalúnia, difamação ou injúria.”

    Ensina o doutrinador :

    A violência verbal, entendida como qualquer conduta que consista emcalúnia (imputar à vítima a prática de determinado fato criminosasabidamente falso), difamação (imputar à vítima a prática de determinadofato desonroso) ou injúria (atribuir à vítima qualidades negativas)normalmente se dá concomitante à violência psicológica. (CUNHA, 2007,pg. 38)

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    O Código Penal mostra a diferença entre os crime de calúnia, injúria e

    difamação:

    CP, art. 138, caput : Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definidocomo crime [...] CP, art. 139,caput : Difamar alguém, imputando-lhe fatoofensivo à sua reputação [...] CP, art. 140, caput : Injuriar alguém,ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

    A violência moral tem do Código Penal nos delitos contra a honra: calúnia,difamação e injúria. De acordo com o Código Penal são delitos que protegem ahonra mas, quando cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ouafetiva, configuram violência moral.

    Na calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime; nainjúria não há atribuição de fato determinado. A calúnia e a difamaçãoatingem a honra objetiva; a injúria atinge a honra subjetiva. A calúnia e adifamação consumam-se quando terceiros tomam conhecimento daimputação; a injúria consuma-se quando o próprio ofendido tomaconhecimento da imputação.(DIAS, 2007, pg. 54)

    Visto o conceito de família, de unidade doméstica e as formas de violênciadoméstica e familiar contra a mulher, a seguir será abordado o tratamento daviolência doméstica e familiar contra a mulher perante a justiça penal brasileira antese depois da criação da Lei n º 11.340/2006 e serão mostrados dados estatísticos daviolência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar contra a mulher

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    2. O TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA AMULHER PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO

    2.1. A JUSTIÇA PENAL EM FACE DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER ANTES DACRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA .

    O doutrinador Jesus leciona:

    As Nações Unidas têm-se preocupado com a violência contra a mulher. [...]No Décimo Quinto Período de Sessões da Comissão de Prevenção aoCrime e Justiça Penal, realizado em Viena, de 24 a 28 de abril do correnteano (2006), e promovido pela Organização das Nações Unidas contra Crimee Drogas (UNODC), discutiu-se, no painel respostas à Violência contraMulheres: Normas do Sistema da Justiça Criminal, uma série de questões,todas referentes à extensão da proteção à mulher e às crianças além doslimites domésticos, alcançando suas condições na prisão e no trabalho echegando ao tráfico internacional. Foi lembrado que a UNODC, emcooperação com o Centro de Estudos sobre a Violência, da Universidade deSão Paulo, está elaborando um handbook contendo convenções,informações, recomendações, projetos e documentos sobre o tema. (2006,pg. 35)

    Na tentativa de barrar a violência contra a mulher brasileira, foram criadas asDelegacias da Mulher, sendo que a primeira a ser implantada foi no ano de 1985 emSão Paulo. O atendimento especializado feito pela Delegacia da Mulher estimuloumuitas vítimas a denunciar agressão.

    Para atender esta realidade é que foram criadas as Delegacias da Mulher. Aprimeira foi implantada em São Paulo, no ano de 1985. Desempenharamimportante papel, pois o atendimento especializado, feito quase sempre pormulheres, estimulava as vítimas a denunciar os maus tratos sofridos, muitasvezes, ao longo de anos. (DIAS, 2007, pg.22).

    Mas em 1995 surge a Lei 9.099, esvaziando as Delegacias de Mulheres. Coma criação desse diploma legal, todas as contravenções e crimes, cuja a penamáxima não exceda a um ano (ou dois segundo a Lei 10.259/2001) são dacompetência dos Juizados Especiais Criminais, inclusive nos casos de violênciacontra a mulher. Dias leciona:

    Porém, a lei dos Juizados Especiais esvaziou as Delegacias da Mulher, quese viram limitadas a lavrar termos circunstanciados e encaminhá-los a juízo.Na audiência preliminar, a conciliação mais do que proposta, era imposta,ensejando simples composição de danos. Não obtido acordo, a vítima tinhao direito de representar, mas precisava se manifestar na presença do

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    agressor. Mesmo após a representação, e sem a participação da ofendida,o Ministério Público podia transacionar a aplicação de multa ou penarestritiva de direitos. Aceita a proposta, o crime desaparecia: não ensejavareincidência, não constava da certidão de antecedentes e não tinha efeitoscivis.(2007, pg. 23).

    Comenta, a doutrinadora Araújo:

    Como se vem de descrever, os crimes de menor potencial ofensivo quemais atingem as vítimas mulheres são a ameaça (artigo 147 do CPB) cujaação penal é pública condicionada à representação. Em seguida, a maiorincidência recai sobre o crime de lesões corporais leves (artigo 129,caput ,do CPB) para o qual a Lei nº 9.099/95 previu, em seu artigo 88, quepassariam a ser processados por via de ação pública condicionada àrepresentação. (2003, pg.153-154)

    Ou seja: com relação ao crime do § 9º do art. 129, do Código Penal, queestipulava pena de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. Antes da Lei Maria daPenha, caso uma mulher sofresse ameaça (art. 147 do CP) ou lesão corporal leve(art. 129,caput , do CP), era aplicada a Lei 9.099/95.

    Assim, como acontece com a lesão corporal leve (art. 129,caput) , aviolência doméstica prevista no 9º é crime de menor potencial ofensivo. Nafase policial, prescinde-se do flagrante delito se o autor do fatocomprometer-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal. De modo que,no caso de violência doméstica, cuidando-se de lesões corporais simples,leves, excluídas as graves, gravíssimas e seguidas de morte, acompetência, como nas hipóteses comuns do art. 129,caput, do CP, étambém dos Juizados Especiais Criminais (art. 61 da Lei nº 10.259/2001).Não houve, pois, mudança de relevo.(JESUS, 2006, pg..35).

    Portanto, em relação ao crime do § 9º, do art.129 do CP, que estipulava antesda Lei 11.340/06, pena de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, o procedimentoadotado será o previsto na Lei 9099/95, sendo que este diploma legal também

    determina que dependerá de representação a ação dos crimes de lesões corporaisleves e lesões culposa. Então, antes da Lei Maria da Penha, dependia derepresentação da vítima no caso violência doméstica, uma vez que se tratava deforma qualificada de lesão corporal leve, cuja pena máxima não alcançava 2 (dois)anos . No caso do § 10, a ação é pública incondicionada: independe da vontade davítima para propor a ação penal .

    A previsão do caput do artigo 69 da Lei nº 9.099/95 determina o

    encaminhamento das partes e do registro do fato, formalizado através doTCO, imediatamente ao Juizado Especial Criminal, para que ali sejarealizada a audiência preliminar. Entretanto, constata-se a quaseimpossibilidade de se dar efetividade a esta previsão legal. Na prática, a

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    própria Delegacia marca data próxima (artigo 70), na qual será realizada aaudiência. (ARAÚJO, 2003, pg. 156).

    Desta forma, antes da Lei Maria da Penha entrar em vigor, a mulher vítima deviolência doméstica, ao levar ao conhecimento da autoridade policial o crime contrasi praticado, era encaminhada ao Juizado especial Criminal, juntamente com o autordo fato. Para tanto a autoridade policial lavrava termo circunstanciado,providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários, conforme art.69 da Lei 9.099/95. Entretanto, a Lei de Juizados Especiais prevê ao autor do fatouma série benefícios legais, não havendo a efetiva aplicação da justiça.

    Antes de surgimento da Lei 11.340/06, Araújo já alertava sobre a ineficácia da

    justiça penal brasileira no que se refere aos crimes de menor potencial ofensivo, noâmbito da violência contra a mulher. O primeiro questionamento de Araújo se refereao fato da Lei 9099/95 exigir a representação da vítima para a intervenção policial e judicial, impedindo assim que estas instâncias atuassem com efetividade no controleda violência contra a mulher:

    A Lei nº 9.099/95, ao oportunizar à vítima o controle da atuação policial e judicial na solução dos conflitos de menor potencial ofensivo, através daexigência da representação para a intervenção destas instâncias decontrole social, no que se refere à violência contra a mulher, impediu queestas instâncias atuem efetivamente no controle desse tipo de violência. Defato, ao se submeter a tamanhas ingerências de cunho socioeconômico, avítima acaba por ser vencida em seu interesse de ver processado e punidoseu agressor, muitas vezes perpetuando uma situação de violência.(2003,pg. 155).

    Ou seja: nos fatos de violência contra mulher, a polícia ficava impedida deagir se não houvesse representação da vítima, sendo que esta, por várias razões, se

    submete à situação de violência.Ademais, a polícia, ao intervir num flagrante de crime de menor potencialofensivo, arrisca-se a incorrer em abuso de autoridade ou invasão dedomicílio, local onde a violência contra a mulher encontra maior incidência,caso a vítima, após ser socorrida e encaminhada à Delegacia, ali nãooferecer a representação. (ARAÚJO, 2003, pg. 156)

    O doutrinador diz:

    Com a agravação da pena mínima, de 3 para 6 meses, não ficou afastada aaplicação da transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/1995); nem dosursisprocessual (art. 89 da mesma Lei), sendo cabíveis as penas restritivas dedireitos (art. 44 do CP). Quanto à ação penal, tratando-se de lesão corporal

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    leve (§ 9º), o processo público depende de representação da ofendida (art.88 da Lei dos Juizados Especiais Criminais). Somente na hipótese de lesãocorporal grave, gravíssima ou seguida de morte (§ § 1º, 2º e 3º) praticadaem qualquer das circunstâncias definidoras da violência doméstica (§ 9º), aação penal é pública incondicionada.

    No caso de flagrante, se a polícia fosse intervir socorrendo a vítima eencaminhando à Delegacia, corria o risco de ser incriminada por abuso deautoridade ou invasão de domicílio (onde a violência contra a mulher ocorre commais freqüência), se a vítima não oferecer representação.

    Desta forma, na prática, a previsão legal tem efeito contraditório: ao tempoem que, privilegiando o interesse da vítima, lhe oferece o controle sobre a

    atuação das instâncias formais de controle social, deixa-a a descoberto,quando aquelas ingerências alheias ao fato criminoso sejam importantes oponto de impedir a representação. A vítima não vê, assim solucionado oconflito subjacente à situação de violência que vive, apesar da solução judicial que, em tese, a lei lhe garante. (ARAÚJO, 2003, pg.156).

    Portanto se houvesse algo alheio a vontade da vítima que a impedia deoferecer representação, o agressor ficava impune pois a justiça penal não poderiaatuar.

    Ainda sobre a ineficácia da Lei 9.099/95, Streck, publicou um artigo naRevista Brasileira de Direito de Família, n .16:

    Com o juizado especial criminal, o Estado sai cada vez mais das relaçõessociais. No fundo, institucionalizou a 'surra doméstica' com a transformaçãodos delitos de lesões corporais de ação pública incondicionada para açãopública condicionada. Mais do que isso, a nova Lei dos Juizados permite,agora, o 'duelo nos limites das lesões', eis que não interfere na contendaentre pessoas, desde que os ferimentos não ultrapassem as lesões leves(que, como se sabe, pelas exigências do art. 129 e seus parágrafos, podemnão ser tão leves assim). O Estado assiste de camarote e diz: batam-se que

    eu não tenho nada com isso! É o neoliberalismo no Direito, agravando aprópria crise da denominada 'teoria do bem jurídico', própria do modeloliberal-individualista de Direito. (CUNHA, 2003, pg.127-128)

    Na mesma linha de raciocínio, em 21-06-2005, Piovesan publica um artigodeixando clara a inadequação dos juizados para tratar da violência contra a mulher.

    “O grau de ineficácia da referida lei revela o paradoxo do Estado: rompercom a clássica dicotomia público-privado, de forma a dar visibilidade aviolações que ocorrem no domínio privado, para, então, devolvê-las a estemesmo domínio, sob o manto da banalização, em que o agressor écondenado a pagar à vítima uma cesta básica ou meio fogão ou meiageladeira. Os casos de violência contra a mulher ora são vistos como mera'querela doméstica', ora como reflexo de ato de 'vingança ou implicância davítima', ora decorrentes da culpabilidade da própria vítima, no perverso jogode que a mulher teria merecido, por seu comportamento, a resposta

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    violenta. Isso culmina com a conseqüente falta de credibilidade no aparatoda justiça. No Brasil, apenas 2% dos acusados em casos de violênciacontra a mulher são condenados” (CUNHA, 2007, pg.128)

    Através deste artigo percebe-se então que em relação a violência contra amulher a justiça penal mostra-se ineficaz. Este tipo de violência era tratada comomera “querela doméstica”, sendo que quase todos os procedimentos criminaisinstaurados terminavam em acordo irrecorrível e inexeqüível, sendo pouco os casosem que havia a pena alternativa. Somente 2% dos agressores de mulheres eramcondenados no Brasil.

    Sobre a pena alternativa aplicada no caso de agressão contra a mulher,

    Araújo fez uma crítica:

    Embora as penas alternativas sejam penas (previstas no art. 43 CPB), e porisso sujeitas ao objetivo de ressocialização do infrator, a pena alternativa deprestação pecuniária pouco ressocializa, na medida em que não o obriga arefletir sobre as causas da violência. A falta dessa reflexão faz com que arepetição do comportamento não seja evitada pelo autor do fato. (2003, pg.XIII).

    O segundo questionamento de Araújo quanto a ineficácia da justiça penal no

    caso crime de menor potencial ofensivo contra a mulher se refere ao espaço detempo entre registro do fato e a audiência preliminar

    Esta postergação da audiência preliminar pode não ser prejudicial à solução judicial de crimes de menor potencial ofensivo que não caracterizemviolência contra a mulher, mas neste campo seus efeitos são nefastos, emvirtude das especificidades deste tipo de violência.[...] Durante este períodotemporal situado entre o registro da ocorrência e a audiência preliminar noJECrim, a vítima fica a descoberto, não havendo meios estruturais (deestrutura material e, especialmente, humano) de se lhe oferecer proteçãopolicial. (2003, pg.156-157).

    Por causa deste espaço de tempo entre o registro da agressão e a audiênciade conciliação, agressor e até mesmo a família dele terá tempo para convencer ouameaçar a vítima para que desista ou aceite acordo com ele. mostra outro efeitonegativo da Lei n 9.099/95 ao ser aplicada no caso de violência contra a mulher noâmbito familiar e doméstico :

    Não podendo, por impossibilidade estrutural do Juizado Especial Criminal,ser o autor do fato detido em flagrante delito encaminhado imediatamenteao Juizado Especial Criminal, não poderá ele ser mantido detido, ainda quedemonstre intenção de voltar a praticar violência contra a vítima. Aautoridade policial é obrigada, então, a oferecer ao autor do fato o

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    Sobre a ineficácia da Lei 9.099/95 no caso de violência contra a mulher,Araújo conclui:

    O que se observa, diante do estudo da justiça penal consensuada em faceda violência contra a mulher, é que o procedimento criminal destinado aoscrimes de menor potencial ofensivo mostra-se socialmente ineficaz, namedida em que, privilegiando uma contraditória celebridade doprocedimento, não discute suficientemente o conflito não oferecendo, àspartes deste, solução, ou se reduzindo a acordos impassíveis de execuçãoforçada; ou ainda realizando-se mediante propostas de pena antecipadaprioritariamente pecuniária, (inviabilizando a ressocialização do autor dofato), ou não previstas em lei (como o pagamento de cestas básicas, que écriação judicial), ou, raramente, de penas de prestação social cujocumprimento é parcamente fiscalizado. (2003, pg. 167)

    Portanto, com a Lei 9099 tornou-se mais difícil punir o agressor com rigor,produzindo, assim efeitos perversos com relação a violência contra a mulher noâmbito familiar e doméstico.

    Conti diz.

    “Daí se nota a importância de uma legislação própria para uma questãodelicada, que não pode receber o mesmo tratamento concedido a outros ilícitos

    penais”. (2008, pg. 5)

    Em 2002, surge a Lei10.455/2002:

    Os avanços legais foram tímidos. A Lei 10.455, de 2002, criou uma medidacautelar, de natureza penal, ao admitir a possibilidade de o juiz decretar oafastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica.(DIAS, 2007, pg. 23)

    Essa Lei acrescentou ao artigo 69 da Lei 9.099/95, um parágrafo único :

    A Lei acrescentou um parágrafo único ao artigo 69 da Lei 9.099/1995: Aoautor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamenteencaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer,não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso deviolência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seuafastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (DIAS,2007, pg. 23)

    Até o ano de 2004 o Código Penal Brasileiro não possuía nenhum dispositivoespecífico em relação a violência doméstica. Havia apenas a agravante genéricaprevista no art. 61, II, ef , 2ª parte. que tratava de crimes cometidos no âmbitofamiliar e doméstico:

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    “Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são asindicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em um terço”

    Portanto: o § 9º se afigura como uma qualificadora, enquanto o §10º é causade aumento de pena.

    No § 10 o legislador estabeleceu causas de aumento de pena de um terçopara os crimes de lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte, secometidos contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge etc. Com efeito,o § 10 faz expressa menção aos §§ 1 º a 3º do art. 129, deixando claro quese refere a essas modalidades de lesão corporal, ficando evidenciado, porexclusão, que o § 9º se refere a lesão leve. (GONÇALVES, 2007, pg. 74).

    Portanto, quando ocorrer crime de lesão corporal grave, gravíssima ouseguida de morte contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiroou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente dasrelações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, aumenta-se a pena em umterço. Se contra estes mesmos indivíduos o crime for de lesão corporal leve, então apena será detenção de 6 meses a 1 ano.

    Mirabete ressalta :

    Prevê, porém, a lei como circunstância que também qualifica ou agrava ocrime de lesão corporal ser ele praticado contracompanheiro do agente oucontra pessoa com quem conviva ou tenha convivido . Aplicam-se, assim, os§§ 9º e 10 do art. 129, certamente, às hipóteses de união estável ouconcubinato, atual ou pretérito, e de estarem os cônjuges divorciados ouseparados, judicialmente ou de fato, situações em que, por ausência deexpressa previsão legal ou porque não mais subsistente, no rompimento davida em comum, a necessária relação de fidelidade, proteção e apoiomútuo, muitas vezes afastaram os tribunais a incidência do art. 61, II,e (cônjuge). (2007, pg. 89)

    O legislador, com a intenção de agravar o crime de lesão corporal, nãodescreveu uma conduta típica própria e sim acrescentou circunstâncias (crimecontra ascendente, descendente, irmão, cônjuge, etc) e previu novos limites depena, criando com isso o crime de lesão corporal dolosa leve qualificada pelaviolência doméstica.

    Esses dispositivos, criados pela Lei n 10.886/2004, não constituem tipospenais anônimos, já que não possuem núcleo, isto é, não têm nenhumverbo descrevendo uma conduta típica própria. Para criar um tipo penalautônomo não basta lhe dar um nome - “violência doméstica”, por exemplo.Pela redação dos §§ 9º e 10, resta claro que, pelo texto legal aprovado, o

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    legislador quis acrescentar algumas circunstâncias com o intuito de agravaro crime de lesão corporal. (GONÇALVES, 2007, pg.73).

    Portanto o legislador não tinha intenção de incriminar a violência doméstica

    e sim de agravar o crime de lesão corporal através da criação de algumascircunstâncias. Gonçalves afirma ainda:

    O § 10, aliás, ajuda a demonstrar que não foram criados tipos autônomos,mas sim circunstâncias que agravam a pena do delito de lesão corporaldolosa, porque, expressamente, diz que as penas aumentam de um terço,“se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo”. É sabido quecircunstâncias são elementos agregados que aumentam a pena e nãoelementares de um delito. (2007, pg. 74)

    Souza esclarece :

    Note-se que o legislador, ao estabelecer a figura qualificada e a causa deaumento de pena, levou em conta a violência doméstica praticada entreintegrantes de uma mesma vida familiar, havendo ou não laços deparentesco, ou seja, não tratou apenas de violência doméstica e familiarcontra a mulher. (2007, pg.121).

    Gonçalves leciona:

    É possível, ainda, notar, pela leitura de tais parágrafos, que sequer énecessário que o fato ocorra no âmbito doméstico para que a pena sejaagravada. Com efeito, não consta do texto legal que a pena só seráexacerbada se o crime contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge,companheiro, ou contra quem o agente conviva ou tenha convivido, tiversido praticado dentro de casa. É indiferente, portanto, o local em que aagressão ocorra. Haverá sempre a agr