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    RENATOXAVIERDASILVEIRAROSA

    Incidente de resoluo dedemandas repetitivas:

    Artigos 895 a 906 do Projeto de Cdigo deProcesso Civil, PLS n 166/2010

    UNIVERSIDADEDESOPAULO

    FACULDADEDEDIREITO

    LARGOSOFRANCISCO

    So Paulo Brasil

    Julho, 2010

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    RENATOXAVIERDASILVEIRAROSA

    Incidente de resoluo de demandasrepetitivas:

    Artigos 895 a 906 do Projeto de Cdigo deProcesso Civil, PLS n 166/2010

    Trabalho apresentado para aprovao na Dis-

    ciplina Temas Centrais do Processo Civil

    DPC 58511/1 do Curso de Psgraduao

    (stricto sensu) da Faculdade de Direito do

    Largo So Francisco, da Universidade de

    So Paulo (USP).

    rea: Direito Processual Civil

    Professores: Prof. Dr. CNDIDO RANGEL

    DINAMARCO, Prof. Dr. JOS ROBERTODOS

    SANTOS BEDAQUE, Prof. Dr. SUSANA

    HENRIQUESDACOSTA.

    UNIVERSIDADEDESOPAULO

    FACULDADEDEDIREITO

    So Paulo BrasilJulho, 2010

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    RESUMO

    ROSA, RENATOXAVIERDASILVEIRA.Incidente de resoluo de demandas repetitivas:Ar-tigos 895 a 906 do Projeto de Cdigo de Processo Civil, PLS n 166/2010. 2010. 75 f.

    Trabalho de Concluso de Curso (Disciplina Temas Centrais do Processo Civil I DPC

    58511/1) Departamento de Direito Processual Civil, Faculdade de Direito do Largo

    So Francisco, Universidade de So Paulo (USP). So Paulo, 2010.

    O presente trabalho estuda o Incidente de Resoluo de Demandas Repetiti-

    vas (antes denominado de Incidente de Coletivizao, na fase de anteprojeto), confor-

    me previsto nos artigos 895 a 906 do Projeto de Novo Cdigo de Processo Civil (Projeto

    de Lei do Senado n 166, de 2010), elaborado pela Comisso de Juristas instituda peloAto do Presidente do Senado Federal n 379, de 2009, destinada a elaborar Anteprojeto de

    Novo Cdigo de Processo Civil.

    O escopo do trabalho se resume anlise do direito comparado, relativamente

    a tratamento coletivo de demandas individuais, aes com certa homogeneidade ou simili-

    tude, mas no necessariamente de origem comum, e portanto distinguemse os direitos a

    tratados dos individuais homogneos, conceituados no artigo 81, III, do Cdigo de Defesa

    do Consumidor, e judicializveis por meio de Ao Civil Pblica. No incidente de deman-

    das repetitivas, por outro lado, os direitos so repetidos, e para que sua adjudicao se d

    de maneira adequada, efetivando o seu acesso justia, deve ser dado um tratamento cole-tivo a tais direitos repetidos; devese molecularizar as demandas atomizadas (que so

    apenas semelhantes, quanto ao direito nelas discutidos) e, de algum modo, contingenciar

    a litigiosidade.

    Quanto ao direito comparado, estudase o modelo alemo, que inuenciou di-

    retamente o Projeto de Novo CPC, por meio do musterverfahren (procedimentomode-

    lo, conforme KapMuG KapitalanlegerMusterverfahrensgesetz); o modelo italiano,

    introduzido pela Legge Finanziaria 2008, da azione collettiva risarcitoria; o modelo

    norteamericano das class actions e a representatividade adequada (conforme FederalRules of Civil Procedure, n. 23); o modelo canadense, e a extenso territorial da coisa

    julgada em aes coletivas (conito entre jurisdio e territrio das provncias); e, por m,

    o modelo da Inglaterra e Pas de Gales, a group litigation orderou GLO (conforme Ci-

    vil Procedure Rules 19.10 a 19.14), para administrao de processos.

    Concluise o trabalho, ento, aps apresentao do procedimento do incidente

    conforme projeto apresentado pela Comisso de Juristas em 08 jun. 2010, realizandose

    uma comparao entre os modelos do direito comparado e o incidente estudado.

    Palavras-chave: direito processual civil; processos coletivos; incidente de coletivizao;projeto de cdigo de processo civil; incidentes diversos do processo.

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    Lista de Abreviaes

    CDC Cdigo de Defesa do Consumidor, Lei Federal n8.078 de 11 de setembro 1990.

    CF-88 Constituio da Repblica Federativa do Brasil,promulgada em 05 de outubro de 1988;

    ou, Constituio Federal de 1988.

    Comisso de Juristas Comisso de Juristas instituda pelo Ato do Presidentedo Senado Federal n 379, de 2009, destinada aelaborar Anteprojeto de Novo Cdigo de Processo

    Civil

    CPC v.CPC73

    CPC-73 Cdigo de Processo Civil (CPC) de 1973, Lei Federaln 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

    EC 45 Emenda Constitucional n 45, de 2004, CF88.

    Incidente de Coletivizao v. Incidente de Resoluo de Demandas Repetitivas.

    Incidente de Resoluo deDemandas Repetitivas

    Mecanismo previsto nos artigos 895 a 906, do PLS166/10 (v. abaixo).

    LACP Lei da Ao Civil Pblica, Lei Federal n 7.347, de 24de julho de 1985.

    MP Ministrio Pblico

    Novo CPC Projeto de Novo Cdigo de Processo Civil, Projeto deLei do Senado Federal, n 166 de 2010, resultado dotrabalho da Comisso de Juristas, entregue em 08 de

    junho de 2010.

    PLS 166/10 v.Novo CPC.

    STF Supremo Tribunal Federal

    STJ Superior Tribunal de Justia

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    SUMRIO

    Captulo 1. Introduo ................................................................................................... 4

    1.1. Panorama jurdico para a criao do incidente ................................................ 5

    1.2. O tratamento coletivo das demandas repetidas como efetivao do acesso jus-tia .......................................................................................................................... 61.3. A denominao do incidente ......................................................................... 11

    Captulo 2. Inspirao para o incidente: modelo alemo ........................................... 13

    2.1. O musterverfahren ..................................................................................... 142.2. Demandas coletivas vs. representativas da controvrsia ................................. 18

    Captulo 3. O modelo italiano ...................................................................................... 22

    Captulo 4. Os modelos de origem anglo-sax ............................................................ 25

    4.1. A Class action norteamericana e representatividade adequada .................. 254.1.1. Regra n 23 das Federal Rules of Civil Procedure .......................... 264.1.2. Representatividade adequada nas class actions ............................... 27

    4.2. Aes coletivas no Canad e limites territoriais da coisa julgada ................... 294.3. Inglaterra e o registro de group litigation orders ......................................... 31

    Captulo 5. O incidente do Novo CPC ......................................................................... 34

    Captulo 6. Incidente do Novo CPC e direito comparado .......................................... 37

    6.1. Julgamento de questes de fato ..................................................................... 38

    6.2. Representatividade adequada ......................................................................... 406.3. Aes distribudas aps o incidente ............................................................... 436.4. Natureza da deciso proferida no incidente, extenso subjetiva da coisa julgadae smula vinculante ............................................................................................... 44

    6.4.1. Extenso subjetiva da coisa julgada .................................................... 446.4.2. Smula vinculante .............................................................................. 466.4.3. A natureza do incidente de resoluo de demandas repetitivas ........... 47

    Captulo 7. Concluses ................................................................................................. 49

    Referncias bibliogrcas ............................................................................................. 52

    Anexo A. Federal Rules of Civil Procedure, n. 23. ................................................. 55

    Anexo B. Civil Procedure Rules, 19.10 a 19.14 ....................................................... 59

    Anexo C. Legge Finanziaria 2008, art. 2, nn. 445 a 449. ...................................... 61

    Anexo D. Incidente de resoluo de demandas repetitivas ......................................... 63

    Anexo E. Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz .................................................. 65

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    Captulo 1. Introduo

    Uma Comisso de Juristas foi instituda pelo Ato do Presidente do Senado Fe-

    deral n 379, de 2009, destinada a elaborar Anteprojeto de Novo Cdigo de Processo Ci-

    vil. EssaComisso de Juristasentregou em 08 de junho de 2010 o seu trabalho nal, que

    deu incio ao Projeto de Lei do Senado Federal, n 166 de 2010 (o PLS 166/10, ou

    Novo CPC).

    A Comisso de Juristas foi presidida pelo Ministro do STJ LUIZFUX, com rela-

    toriageral de TERESAARRUDAALVIMWAMBIERe composto tambm pelos seguintes juristas:

    ADROALDO FURTADO FABRICIO, BENEDITO CEREZZO PEREIRA FILHO, BRUNO DANTAS, ELPIDIO

    DONIZETTINUNES, HUMBERTO THEODOROJUNIOR, JANSEN FIALHODEALMEIDA, JOSE M IGUEL

    GARCIAMEDINA, JOSE R OBERTODOSSANTOSBEDAQUE, MARCUSVINICIUSFURTADOCOELHOe

    PAULOCEZARPINHEIROCARNEIRO.

    No referido PLS 166/10, artigos 895 a 9061, foi criado um novo instituto, ini-

    cialmente denominado de Incidente de Coletivizao e, em sua redao nal, o Inci-

    dente de Resoluo de Demandas Repetitivas, objeto deste trabalho.

    Para compreendermos o instituto, necessrio analisar primeiro a origem de sua

    inspirao, em seguida as alternativas de outros sistemas e, por m, a adequao do insti-

    tuto, tal qual criado, realidade jurdicaprocessual brasileira.

    Conforme ser melhor visto ao longo do presente trabalho, o incidente de re-

    soluo de demandas repetitivas permite que se julgue conjuntamente as questes de direi-

    to que so iguais para diversos processos individuais. Identicada essa repetitividade de

    questes, propese o incidente e o Tribunal competente julga exclusivamente essa ques-

    1 Ver ao nal, Anexo D. Incidente de resoluo de demandas repetitivas, p.63.

    Renato Xavier da Silveira Rosa Incidente de resoluo de demandas repetitivas

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    to, impondo o resultado do julgamento a todas as demais demandas individuais, que sero

    julgadas individualmente, respeitando o resultado do incidente, ou seja, sero julgadas no

    mesmo sentido.

    Antes de adentrar ao incidente propriamente, contudo, faremos alguns comen-

    trios ao panorama jurdico no qual se insere o incidente e tambm teceremos breves con-

    sideraes acerca da classicao dos direitos nele tratados e de sua denominao.

    1.1. Panorama jurdico para a criao do incidente

    O Incidente de Coletivizao se insere no contexto da massicao das de-

    mandas, na realidade judiciria brasileira de cerca de 300.000 (trezentos mil) processos

    distribudos anualmente ao STJ2e cerca de 100.000 (cem mil) ao STF3, na realidade de ju-

    zes de primeiro grau com 12, 15 mil processos para julgamento, e assim por diante.

    Notase portanto uma extrema litigiosidade, mas no s isso, pois o que se

    tem uma massicao de demandas: uma massa de processos a respeito dos mesmos as-

    suntos, das mesmas teses, contras as mesmas pessoas; pedidos de indenizao sobre os

    mesmos fatos originrios (o mesmo dano a vrias pessoas); pedidos idnticos sobre causas

    de pedir idnticas, mas sem identidade de partes. precisocontingenciar a litigiosidade4.

    Este o problema h muito apontado por KAZUOWATANABE: precisamosmole-

    2 Em 2007 foram 302.967, em 2008 foram 277.449 e em 2009 foram 292.103, dados conformeCONJUR, Justia na era virtual,Anurio da Justia. So Paulo, v. 2010, p. 125, 2010

    3 Cf. BENETI, SIDNEI, Exposio Verbal,In:IBDP,VIII Jornadas de Direito Processual Civil, Vitria,Esprito Santo, jun., 2010. Divergindo, esclarece oAnurio da Justia 2010que em 2005 foramdistribudos 79 mil processos ao STF, em 2006 foram 116 mil, em 2007 foram 112 mil, em 2008foram 66 mil e em 2009 foram 42 mil (CONJUR, O supremo na ribalta,Anurio da Justia. SoPaulo, v. 2010, p. 41, 2010.

    4 Cf.VIGLIAR, JOSEMARCELOM., Litigiosidade contida (e contingenciamento da litigiosidade).In:

    SALLES, CARLOSALBERTODE(coord.);et al.As grandes transformaes do processo civil brasileiro:homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. So Paulo: Quartier Latin, 2009. pp. 4966.

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    cularizaras demandasatomizadas5; agrupar os processos semelhantes, para no dizer

    idnticos. Do ponto de vista do julgador, no faz diferena quem a parte, contanto que o

    pedido e a causa de pedir sejam iguais, o resultado do julgamento deve ser igual, tantas ve-

    zes quantas submetidas ao mesmo magistrado. Tratase de premncia por uma forada

    molecularizao.

    E, no intento demolecularizar, foi preciso se conceber um mecanismo que pu-

    desse foradamente reunir os processos individuais, atomizados, para julgamento em con-

    junto6. Esse mecanismo o incidente de demandas repetitivas, ou melhor seria dizer, o in-

    cidente demolecularizaode demandas.

    1.2. O tratamento coletivo das demandas repetidas como efeti-

    vao do acesso justia

    Essa busca pelamolecularizaodas demandas se insere no contexto da tercei-

    ra onda renovatria, identicada por CAPPELLETTIe GARTH7, segundo a qual preciso se

    conceber mecanismos processuais que permitam o efetivoacesso justia. Nessa linha, o

    tratamento coletivo de demandas individuais repetidas, massicadas, que ir efetivar o

    acesso de tais litigantes individuais eatomizados Justia.

    Mais que uma inteno doutrinria, oacesso justia, previsto no artigo 5,

    XXXV, da Constituio Federal de 1988, inclui tambm a necessidade de que seja dado

    um adequado tratamento a direitos de natureza coletiva8

    .Isso signica que os direitos cole-tivos devem ser adjudicados de alguma forma, sob pena de violar o mencionado inciso

    5 Expresso cunhada por KAZUO WATANABE,cf. GRINOVER, ADA PELLEGRINI; DINAMARCO,CNDIDORANGEL; WATANABE, KAZUO.Participao e processo, So Paulo: RT, 1988, p. 131 e

    passim;apudVIGLIAR, JOSEMARCELOMENEZES, Litigiosidade contida (e contingenciamento da li-tigiosidade), ob. cit., p. 59.

    6 Como VIGLIAR j identicara como sendo a soluo,Litigiosidade contida, ob. cit., p. 66.7 Cf. CAPPELLETTI, MAURO; GARTH, BRYANT; NORTHFLEET, ELLENGRACIE(trad.).Acesso jus-tia. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. pp. 6773.

    8 Cf. KAZUOWATANABE,in:GRINOVERet al.,Cdigo brasileiro de defesa do consumidor, comentadopelos autores do anteprojeto. 8 ed., So Paulo: Forense Universitria, 2004. p. 834.

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    XXXV do artigo 5 da CF88.

    Acesso Justia, de certo, deve ser concebido no como meraadmisso ao

    processo, mas comopacicao com justia9, que no pode ser obtido pelo tratamento in-

    correto de demandas repetidas como se individuaispurasfossem.

    Para tanto, preciso tambm eliminar o bice jurdico representado pelo im-

    pedimento de litigar para a defesa de interesses supraindividuais10. imprescindvel que

    omododeser do processoseja adequado a receber demandas repetidas e com elas lidar,

    sem que se repitam todos os atos necessrios em todos os processos; se a discusso se re-pete, tambm o deve a deciso.

    Oacesso justia, ensina DINAMARCO, tambm aefetividadeda ordem jurdi-

    ca processual, de seus mecanismos e instrumentos. Isso signica que no basta alargar o

    mbito de pessoas capazes de ingressar em juzo, sendo tambm indispensvel aprimorar

    internamente a ordem processual, habilitandoa a oferecer resultados teis e satisfatri-

    os11. Ensina DINAMARCO, mais, sobre ainstrumentalidade do processoe suaefetivida-

    de, que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua funo sciopoltica

    jurdica, atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais12.

    Concebemos ento que as demandas individuais e repetitivas devem ser trata-

    das enquanto tais, repetitivas, e devem ser julgadas de acordo com essa natureza, com re-

    sultados semelhantes para situaes semelhantes, esta a verdadeira expresso da garantia

    daigualdadeestampada no artigo 5,caput, da Constituio Federal de 1988.

    9 Cf. CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER.Teoria Geral do Processo, 21 ed. So Paulo: Malhei-ros, 2005. pp. 3536, n. 8.

    10Idem, ibidem.11Cf.DINAMARCO, CNDIDORANGEL.Instituio de direito processual civil, volume I. 5 ed., revista eatualizada de acordo com a emenda constitucional n. 45, de 8.12.2004 (DOU de 31.12.2004). SoPaulo: Malheiros, 2005. p. 133, n. 43.

    12Cf.DINAMARCO, CNDIDORANGEL.A instrumentalidade do processo. 14 ed., revista e atualizada.So Paulo: Malheiros, 2009. p. 319.

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    Ser igual no ser tratado sempre da mesma maneira, mas a se tratar do mes-

    mo modo aqueles que se encontram na mesma condio, e diferentemente os que no

    apresentam as mesmas caractersticas.

    Assim, as demandas repetidas devem ser tratadas repetidamente, com seguran-

    a jurdica, com resultados esperados, ao menos depois que as primeiras demandas so jul-

    gadas (ou todas em conjunto).

    Surge portanto um direito (corolrio do artigo 5,capute XXXV, da Consti-

    tuio Federal de 1988) a que as demandas repetidas sejam tratadas coletivamente, no doponto de vista da tese de fundo discutida, mas do ponto de vista da administrao dos pro-

    cessos, do julgamento equivalente para situaes iguais, do prisma da jurisprudncia redu-

    zidamente divergente, e assim por diante. Poderseia fazer referncia a um direito meta

    processual, a que as demandas repetidas sejam tratadas coletivamente. No se trata, por-

    tanto, da perspectiva da armao de leso ou ameaa a um direito13, mas de uma viso

    dos escopos do processo (jurdico, absorvendo o social e poltico14), para tenhamos nor-

    mas processuais adequadas realidade substancial, com o m de se atingir o objetivo to

    almejado pela cincia processual: efetividade da tutela jurisdicional15.

    Devese ento colocar os interesses repetidos ao lado dos interesses coletivos,

    difusos e individuais homogneos. Ressaltase que estes ltimos so diferentes dos repeti-

    dos, pois no h identidade entre um direito individual homogneo, relacionado a um fato,

    e outro relacionado a outro.

    Para correta compreenso do que ora se arma, preciso denir cada um dos

    quatro conceitos.

    13Nos termos propostos como signicado do inciso XXXV do artigo 5 da CF88,cf.BEDAQUE,JOSROBERTODOSSANTOS.Direito e Processo. 5 ed. So Paulo: Malheiros, 2009. p. 111.

    14Idem, ibidem, p. 68.15Idem, ibidem, p. 83.

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    Primeiro, encontramse denidos no pargrafo nico do artigo 81 do Cdigo

    de Defesa do Consumidor (CDC) os conceitos dos interesses coletivos (lato sensu):

    Art. 81. [...] Pargrafo nico. A defesa coletiva ser exercida quando se tra-tar de:

    I interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste cdi-go, os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares pesso-as indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato;

    II interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste c-digo, os transindividuais, de natureza indivisvel de que seja titular grupo,categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria poruma relao jurdica base;

    III interesses ou direitos individuais homogneos, assim entendidos os de-

    correntes de origem comum.

    Sobre os interesses individuais homogneos, KAZUOWATANABEarma16que os

    seus requisitos so ahomogeneidadee aorigem comum. O segundo requisito pode ser de

    fato ou de direito, bem como essa causa pode ser prxima (imediata) ou remota (mediata),

    de acordo com a proximidade entre a causa e o dano. Exemplicase que seria prxima a

    queda de um avio e remota a nocividade de um medicamento que causa danos sade,

    sendo que quanto mais remota a causa, menos homogneos sero os direitos17. J a ho-

    mogeneidade, conforme WATANABEensina na mesma passagem, mais do que a origem

    comum, uma certa uniformidade entre os direitos, ou do dano (que embora comum,

    pode ter diferentes reexos nas vtimas).

    Sobre a distino entre interesses (ou direitos) difusos e coletivos, novamente

    WATANABEesclarece que necessrio xar com preciso os elementos objetivos da ao

    coletiva a ser proposta (pedido e causa de pedir)18.Isso porque de acordo com tais ele-

    mentos que se verica se o pedido requer um tratamento coletivo, ou se a causa de pedir

    eleita faz emanar uma natureza indivisvel ou afeta a uma coletividade. Se houver pessoas

    pertencentes a um mesmo grupo, categoria ou classe, ligadas entre si ou com a parte con-

    trria por uma relao jurdica base, tratase dos coletivos; se houver interesses transindivi-

    16Cf. Cdigo brasileiro de defesa dos consumidores, ob. cit., p. 806.

    17Idem, ibidem, p. 807.18Idem, ibidem, p. 808.

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    duais e indivisveis, e as pessoas titulares forem indeterminadas e ligadas por circunstnci-

    as de fato, tratase dos difusos19.

    preciso ento olhar ento para a relao jurdica de direito material, confor-

    me indicado por BEDAQUE20, para que a partir da observncia das peculiaridades da rela-

    o jurdica base (de direito material) possamos concluir qual deve ser a natureza do pro-

    cesso que lhes ir acolher para debate; qual o mtodo de adjudicao mais adequado para

    o objeto dessa relao jurdica material. Alis, BEDAQUE conclui que deve o procedi-

    mento adaptarse s necessidades da relao substancial e s se pode falar em efetivida-

    de do processo se o resultado for socialmente til, proporcionando o acesso ordem jurdi-ca justa21.

    Alm dessas trs categorias de interesses transindividuais, devemos elencar a

    que objeto do incidente de demandas repetidas: os direitos repetidos, seriados, os pedi-

    dos iguais para causas de pedir iguais, entre partes diferentes.

    E fcil notar que no se confundem com os individuais homogneos: estes

    requerem homogeneidade e origem comum. No preciso origem comum para se reputar

    repetido um direito. Pode haver homogeneidade, e certamente alguma h de estar presen-

    te, mas uma homogeneidade bem mais supercial que a necessria para os direitos indi-

    viduais homogneos do inciso III do artigo 81 do CDC, acima transcrito.

    Chamaremos ento de interesses ou direitos repetidos, ou seriados, os tais di-

    reitos transindividuais que no possuem origem comum, mas so semelhantes. E so estes

    os que podem se beneciar do incidente objeto deste trabalho.

    Cabe ressaltar que, diferentemente dos interesses difusos ou coletivos, os titu-

    19Idem, ibidem, loc. cit.20BEDAQUE, JOSROBERTODOSSANTOS.Direito e Processo. 5 ed., revista e ampliada. So Paulo: Ma-

    lheiros, 2009. p. 127.21Idem, ibidem, p. 176, concluses nn. 34.21 e 34.23.

    Renato Xavier da Silveira Rosa Incidente de resoluo de demandas repetitivas

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    lares dos direitos repetidos no formam uma coletividade alm daquela que s pode ser

    constatada no caso concreto, analisandose quem tem um direito semelhante a outro.

    No h coletividade entre os vizinhos distantes, alm do fato de morarem na

    mesma vizinhana. No h coletividade entre os usurios de um produto, alm do fato de

    todos utilizarem o mesmo produto. Mas se todos eles tiverem um direito contra uma pes-

    soa (uma diferente para cada um deles), a todos tero um mesmo direito, ainda que cada

    um tenha de exigilo de pessoas diferentes.

    Esse j o fato suciente que os une e permite que todos tenham suas deman-das julgadas da mesma forma, seja extinguindose todas elas com procedncia ou improce-

    dncia do pedido. Este o liame que as une. Mas no se trata, contudo, de uma coletivida-

    de, no sentido que se empresta ao vocbulo nos processos coletivos. Coletividade haveria

    se houvesse um liame jurdico. O lao que h exclusivamente de fato: coincidentemente

    todos tm um direito semelhante aos demais, exercvel contra pessoas diferentes.

    1.3. A denominao do incidente

    Muito se debateu na Comisso de Juristas a respeito da denominao do inci-

    dente ora em estudo22, propunhaseincidente de coletivizao,incidente de processos re-

    presentativos da controvrsia,processo teste,processo piloto,aes repetitivas, e assim por

    diante. Discutiase se h coletivizao ou no, se isso causaria alguma confuso, e outras

    questes extraprocessuais.

    Confuso at poder causar, mas o fato que coletivizao no h por esse

    procedimento criado. O que se tem o tratamento conjunto de demandas repetidas, seria-

    das, no h coletividade alguma a ser destacada (alm do prprio fato de que todos tm

    um direito repetido).

    22Cf.BRASIL. CONGRESSONACIONAL. SENADOFEDERAL. PRESIDNCIA. COMISSODEJURISTASRESPONSVELPELAELABORAODOANTEPROJETODECDIGODEPROCESSOCIVIL. Ata da primeira reunio da Comissode Juristas.Dirio do Senado Federal, BrasliaDF, 3 fev. 2010. pp. 566568.

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    Se o incidente fosse de coletivizao, haveria de no mnimo se encontrar uma

    coletividade que pudesse ser beneciada com o incidente. Coletivizao seria a transforma-

    o de milhares de aes individuais em poucas aes civis pblicas (uma para cada ru ou

    grupo de rus que pudesse se defender em conjunto, sem prejuzo). Mas, como se sabe,

    no se rene as demandas individuais em nada, apenas se julgam as questes comuns aos

    processos individuais, e se impe esse julgamento a cada um deles, para julgamento ape-

    nas das demandas questes que no se identicam com as demais aes.

    O incidente, na verdade, demolecularizaode demandas, ele fora a uma

    reunio para julgamento conjunto das questes comuns.

    Poderseia at mesmo cogitar de uma inverso de instncias, pois se a ques-

    to comum julgada primeiro pelo tribunal, e depois imposta ao primeiro grau de jurisdi-

    o, ento h na verdade a inverso da ordem, primeiro se arma qual o entendimento do

    revisor, e depois se impe ao julgador esse resultado, evitando a necessidade de reviso

    posterior pelo duplo grau de jurisdio. uma revisoa prioridas decises dos magistra-

    dos de primeiro grau, com o objetivo de evitar julgamentos dissonantes, jurisprudncia ex-

    cessivamente divergente.

    O incidente, ento, no de coletivizao, mas demolecularizao, o que sig-

    nica dizer que h mesmo uma resoluo de demandas repetitivas.

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    Captulo 2. Inspirao para o incidente: modelo alemo

    O incidente de resoluo de demandas repetitivas tem sua declarada origem no

    modelo alemo de processos repetitivos em primeiro grau, o denominadomusterverfahren.

    Essa inspirao armada na exposio de motivos do anteprojeto23, com as seguintes pa-

    lavras:

    Com os mesmos objetivos [de evitar a disperso excessiva da jurisprudn-

    cia], criouse, com inspirao no direito alemo, o j referido incidente deResoluo de Demandas Repetitivas, que consiste na identicao de pro-cessos que contenham a mesma questo de direito, que estejam ainda noprimeiro grau de jurisdio, para deciso conjunta.

    E, sobre o mesmo trecho (expresso direito alemo), temse a seguinte nota

    de rodap (n 19)24:

    No direito alemo a gura se chamaMusterverfahrene gera deciso queserve de modelo (=Muster) para a resoluo de uma quantidade expressiva

    de processos em que as partes estejam na mesma situao, no se tratandonecessariamente, do mesmo autor nem do mesmo ru. (RALFTHOMASWITTMANN. Il contenzioso di massa in Germania,inGIORGETTIALESSANDRO e VALERIO VALLEFUOCO,Il Contenzioso di massa in

    Italia, in Europa e nel mondo, Milo, Giur, 2008, p. 178).

    Tratase portanto de inspirao nomusterverfahren, o que todavia no signica

    que foi seguida risca a frmula. Necessrio analisar, portanto, o mencionado

    musterverfahren, para se compreender a inspirao para ento estudar o inspirado.

    23Cf.BRASIL. CONGRESSO NACIONAL. SENADO FEDERAL. COMISSODE JURISTASRESPONSVELPELAELABORAODEANTEPROJETODECDIGODEPROCESSOCIVIL.Anteprojeto do novo Cdigo de ProcessoCivil Projeto de Lei do Senado n 166 de 2010 (PLS n 166, de 2010). Braslia: Senado Federal

    DF, Presidncia, 2010. p. 21.24Idem, ibidem, loc. cit.

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    2.1. O musterverfahren

    A Alemanha vinha discutindo desde a dcada de 1970 a adoo de tratamento

    coletivo de demandas, sem quaisquer inovaes, exceto em relaes de consumo, que sur-

    giu na dcada de 199025. Passouse a discutir na dcada seguinte a respeito da adoo de

    medidas similares sclass actionsnorteamericanas, todavia essas inovaes no tiveram

    apoio. Entretanto, diversos processos contra companhias alems passaram a ser ajuizados

    em corte norteamericanas, o que gerou na Alemanha uma grande insatisfao. Para corri-

    gir essa situao, o legislador alemo criou, especicamente no mercado de capitais, um

    instrumento que permite o tratamento coletivo de demandas de indenizao em massa(mass tort litigation).26

    Surge ento na Alemanha omusterverfahren, que pode ser traduzido como

    procedimentomodelo, procedimentopiloto ou ainda procedimentopadro, previsto lei

    que entrou em vigor em 1 de novembro de 200527. O objetivo deste procedimento lidar

    principalmente com a legislao que impe s empresas atuantes no mercado de capitais o

    dever de prestar informaes, informar fatos relevantesetc. No caso de descumprimento

    destes deveres, surge para todos os investidores no mercado de capitais o direito a uma in-

    denizao, pois a tomada de decises se deu de maneira assimtrica e por responsabilidade

    da companhia que violou os deveres.

    Notase, portanto, que se trata de demandas extremamente massicadas, com

    o potencial de ser necessrio indenizar todos os investidores, pois mesmo os que investi-ram em outras companhias o zeram por acreditar ser esse o melhor investimento e, se a

    25Cf.HESS, BURKHARD. Relatrio Nacional da Alemanha, pp. 144145,In: GRINOVER, ADAPELLEGRINI; MULLENIX, LINDA; WATANABE, KAZUO.Os processos coletivos nos pases de civillaw e common law, uma anlise de direito comparado. So Paulo: RT, 2008.

    26Idem, pp. 145147.27Tratase da KapMuG de 16.08.2005 (ou melhor,Gesetz ber Musterverfahren inkapitalmarktrechtlichen Streitigkeiten (KapitalanlegerMusterverfahrensgesetz), publicada em19.08.2005 no dirio ocial. Cf. Bundesministerium der Justiz(Ministrio da Justia da Federao

    alem). Disponvel em , aces-so em 03 jul. 2010. Ver, ao nal,Anexo E. KapitalanlegerMusterverfahrensgesetz,p.65.

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    companhia que deveria ter revelado uma informao o tivesse feito, tal investidor poderia

    ter preferido esse investimento. So vtimas virtualmente impossveis de serem denidas.

    Um caso que serviu de paradigma para motivar o legislador alemo foi o pro-

    tagonizado pela empresaDeutsche Telekom AG, que deixou de prestar informaes aos in-

    vestidores e, na Corte do Distrito de Frankfurt, foram ajuizadas mais de 2.200 aes por

    mais de 14.000 autores28, com relao aos atos praticados pela empresa de telecomunica-

    es em questo. A consequncia desse volume foi a designao de audincias orais para

    trs anos e meio aps a primeira ao ser ajuizada, oportunidade na qual o juiz que presi-

    diu o feito armou que a corte necessitaria de quinze anos para julgar todos os casos emprimeira grau de jurisdio29, se no houvesse por parte do legislador uma atitude para tor-

    nar praticvel a litigncia em massa.

    Foi editada ento a lei domusterverfahren, para reduzir os riscos dos autores e

    para simplicar os processos de massa. O procedimento adotado pela nova legislao

    impe o sistema a seguir descrito30. O procedimentopadro pode ser iniciado por iniciati-

    va de qualquer parte. O pedido permite que se discutam questes de fato ou de direito

    (como o fato de ter havido informaes errneas sobre o mercado de capitais, ou ainda o

    fato de terse violado o dever de prestar informaes31). Se a corte de primeiro grau admi-

    tir o procedimentomodelo para processamento, ento publicase em um registro (ou ca-

    dastro) especial tanto o processo originrio quanto o procedimento aceito, tudo com aces-

    so pelainternet. O registro pblico d cincia ampla aos demais processos pendentes e

    para todos os demais litigantes em potencial que possam desejar aderir ao procedimento

    modelo.

    Publicado nainternet, aguardase por 4 (quatro) meses que mais 9 (nove) liti-

    28Cf.HESS,Relatrio nacional da Alemanha, ob. cit., p. 147.29Idem, ibidem, loc. cit.30Idem, ibidem, pp. 148149. Tambmcf. CABRAL, ANTNIODOPASSO. O novo procedimentomo-delo (Muterverfahren) alemo: uma alternativa s aes coletivas. In:Revista de Processo, 2007:

    123146.31Exemplo dado por HESS, idem, ibidem.

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    gantes unamse ao que deu incio ao procedimentopadro, aps o que a corte de primeiro

    grau deve decidir quais sero as questes de fato ou de direito a ser submetidas ao proce-

    dimentopadro. Enquanto estiver pendente de julgamento o procedimentomodelo, cam

    suspensas todas as demais aes que discutam as mesmas questes de fato ou de direito.

    Remetese ento ao tribunal competente para julgamento das questes de fato

    ou de direito selecionadas. Cabe aqui enfaticamente ressaltar que se o procedimento for

    afeto a vrias cortes de segundo grau, o julgamento do procedimentomodelo ser feito

    pelo tribunal superior, impondo ento a todo o territrio alemo a deciso, o que tem o

    condo de com melhor ecincia adjudicar questes que envolvam todo o territrio dopas, efetivamente uniformizando a jurisprudncia dos tribunais, sobre as mesmas questes

    de fato ou de direito, sendo ressalvado que a deciso possa ser imposta a tribunais espec-

    cos, a critrio do tribunal superior32.

    Na corte competente, selecionase um litigante modelo ou padro, que ser

    responsvel por conduzir a demanda no tribunal. No possvel inuenciar nesse processo

    de seleo do litigante modelo, o que ca a critrio exclusivo e irrecorrvel da corte com-

    petente. Os demais litigantes podem aderir ao litigante modelo, mas desde que este con-

    corde e coordene as aes, estratgiasetc. A corte decide ento as questes de fato ou de

    direito submetidas a julgamento.

    Proferese ento a deciso modelo (ou deciso piloto, ou ainda a deciso pa-

    dro), que tem eccia vinculante a todos os litigantes cujas demandas foram suspensas

    durante o procedimentopadro. No h nenhuma forma de escapar da eccia ampla e

    geral da decisomodelo, nem mesmo um sistema deoptout(excluso voluntria e prvia,

    32 o que arma CABRAL, nestes termos: se ci sono tribunali provinciali diversi (nei Lndern, StatiMembri della Federazione), la legge prevede la possibilit, per garantire sicurezza giuridica euniformit della giurisprudenza, che l'incidente possa essere giudicato da un tribunale superiore,ammettendo ancora che, per accordo tra le amministrazioni statali, la decisione possa esseresottoposta ad un determinato e specico tribunale.Cf.Il nuovo ProcedimentoModello(Musterverfahren) tedesco: un'alternativa alle azioni collettive, disponvel em , acesso em 02jul. 2010.

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    do resultado do julgamento). No h nem mesmo uma previso de sistema de coisa julgada

    secundum eventum litis33ousecundum eventum probationis34, como h no Brasil no sistema

    das Aes Coletivas conforme previses do Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei Fede-

    ral n 8.078/1990) e Lei da Ao Civil Pblica (Lei Federal n 7.347/1985).

    Uma vez denitiva a decisomodelo, cada magistrado de primeiro grau deve

    julgar individualmente cada uma das aes, obedecendo eccia da decisomodelo, jul-

    gando apenas as demais questes do caso concreto submetido jurisdio por meio da de-

    manda individual.

    Assim, ainda que hajam mais questes a serem decididas, as questes centrais,

    a tese jurdica em si, j foi decidida, e de maneira uniforme para todos os processos indivi-

    duais.

    Se for comparado o procedimentomodelo com asclass actionsnorteamerica-

    nas, possvel armar que35a principal diferena consiste em no haver uma denio em

    abstrato da classe (dos seus membros), mas se impe o resultado do procedimentomodelo

    a quem tiver um processo em andamento, sobre a mesma questo. Alm disso, os litigan-

    tes (pelo menos 10 deles) precisam exercer ooptin, demonstrando a necessidade de se

    processar e julgar o procedimentopadro, dividindo os custos do processo.

    Alm disso, no se permite que o litigante modelo transacione o procedimen-

    to, ele apenas o lder que redige as peas, sustenta a questo, mas no o lder das de-

    33Segundo o resultado do processo,[]quando a imutabilidade de uma deciso depender do modocomo o mrito houver sido julgado impondose aauctoritas rei judicatem caso de procednciada demanda mas no se impondo quando esta for julgada improcedente, ou viceversa,[ porexemplo]com relao s sentenas que julgam aes coletivas envolvendo direitos individuais homo-gneos: se procedente a demanda, elas formam coisa julgadaerga omnesmas, se improcedente, noimpedem os interessados de propor suas demandas individuais (DINAMARCO, CNDIDORANGEL.Vocabulrio do processo civil. So Paulo: Malheiros, 2009. pp. 404405, n. 455).

    34Segundo o resultado da prova,[]excluindo aauctoritas rei judicatem caso de improcednciafundada em decincia probatria (DINAMARCO, CNDIDORANGEL.Vocabulrio do processo ci-

    vil, ob. citada, pp. 405406, n. 456).35Cf. HESS,Relatrio, ob. cit., p. 149.

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    mandas, no faz acordos, no renuncia nem desiste de nada, ao contrrio daclass action

    dos Estados Unidos da Amrica. Se o ru, na Alemanha, quiser fazer acordos, ele deve

    procurar individualmente cada um dos autores de processos individuais, tornando virtual-

    mente impossvel um acordo amplo. Todavia, como as questes principais so julgadas

    pelo tribunal, possvel que aps a decisomodelo, o vencido (na tese jurdica) queira

    procurar todos os vencedores, individualmente, para fechar um acordo.

    Esse o procedimentomodelo, adotado na Alemanha, no setor de mercado de

    capitais. Em razo da novidade, o legislador alemo preferiu colocar uma data nal para o

    procedimento, novembro de 2010, quando decidir se mantm e expande (o que se pre-tende fazer) ou se extingue o instituto. H diversos procedimentosmodelo em andamento,

    nas cortes de Frankfurt, Stuttgart e Munique.

    2.2. Demandas coletivas vs. representativas da controvrsia

    Ainda sobre o modelo alemo (musterverfahren), importante ressaltar que o

    sistema adotado diverge grandemente dos sistemas de aes coletivas. Com o m de res-

    saltar as distines entre os modelos, transcrevemos armativa de CABRAL36:

    Fa ormai parte del quotidiano della letteratura processuale lapreoccupazione per i diritti sopraindividuali, titolarizzati da una collettivit,che impongono agli studiosi attenzione specica verso gli strumenti dellaloro tutela. Di fatto, per garantire l'eettiva protezione dei dirittitransindividuali, gli ordinamenti processuali stabiliscono procedimentirappresentativi, permettendo che certi soggetti postulino in nome della

    collettivit colpita, attraverso le tecniche della legittimazione straordinaria edell'estensione della cosa giudicata agli individui, membri della classe, chenon hanno partecipato al processo, ma che, in forza della legge, sonovincolati a quel che stato deciso. Si determina, ancora, l'esenzione delpagamento delle spese del processo a favore del sostituto processuale, coneccezione per i casi di malafede, partendo dalla premessa che la litecollettiva non verrebbe incentivata se il legittimato straordinariointravedesse, domandando diritti di altri, la possibilit di essere condannatolui stesso alle spese soccombenziali.

    36Cf.Il nuovo ProcedimentoModello (Musterverfahren) tedesco: un'alternativa alle azioni collettive,

    disponvel em , acesso em 02 jul. 2010.

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    Conforme proposto por CABRAL, a tutela de direitos supraindividuais tra-

    dicionalmente realizada por substitutos processuais, que litigam em favor de terceiros,

    defendendose direito alheio. o modelo da representatividade. Todavia, esse modelo

    apresentada diculdades:

    Per, se in alcune ipotesi lo schema attuale trova una nobile giusticazionesociale, allo stesso tempo porta contraddizioni teoriche ed ostacoli pratici inrelazione a varie questioni, sopratutto rispetto alla legittimazionestraordinaria, alla vincolazione dei terzi al risultato della domanda collettivae alla ripartizione equitativa degli oneri economici del processo.

    In eetti, la sostituzione processuale permette che alcuni enti richiedano infavore di una collettivit dispersa geogracamente, della quale, spesso,nemmeno conoscono tutti gli integranti. Determinati organi dello Stato,come il Pubblico Ministero, legittimati a proporre azioni collettive, moltevolte non sono prossimi ai fatti come le associazioni, sindacati ed altri entidella societ civile, in contatto diretto ed a volte quotidiano con i membridella comunit coinvolta.

    Apontamse problemas como legitimao extraordinria, extenso subjetiva da

    coisa julgada e repartio do nus nanceiro do processo. Elencase ainda o desconheci-

    mento dos membros da classe, o que impede que haja uma legitimidade social ampla, que

    sempre poder ser questionada (extraprocessualmente) por alguns membros da classe. Para

    talvez solucionar tais problemas, CABRAL aborda o sistema norteamericano dasclass

    actions, nestes termos:

    Il modello delle class actionsnordamericane attenua questo iatocomunicativo, giacch nella fase iniziale dellacertication, il tribunale,perch la domanda sia accettata comeclass action, verica, tra altrirequisiti, l'assenza di coniti interni, l'impegno verso la classe e laconoscenza della lite, cio, esamina l'intensit della prossimit del

    postulante con il diritto richiesto. Il difetto pi sensibile negli ordinamenti,come l'italiano ed il brasiliano, in cui la legittimazione decorre da normelegali astratte, senza considerazioni sul caso concreto. Cos, ci sarannoipotesi in cui, che il legittimato sia o non in contatto diretto con la comunitcoinvolta, gli verr assicurata la legittimazionead causam.

    Isto , o magistrado norteamericano controla diversos aspectos dasclass ac-

    tions, em especial a adequada representatividade do autor da ao, existindo a previso de

    exercer ooptout, ou seja, a pessoa que tiver conhecimento da ao (a qual ser intimada)

    pode, tempestivamente, requerer a sua excluso dos efeitos da ao coletiva, seja para o

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    benefcio (procedncia em favor da vtima) ou para prejuzo (vinculao a um julgado des-

    favorvel).

    Esses so os problemas identicados por CABRAL para os sistemas de repre-

    sentatividade, os quais clamam por uma soluo diferente, sem adotar aes de grupo,

    mas visando a um incidente coletivo, no mbito de processos individuais:

    Tutti questi problemi teorici e pratici si osservano nei procedimenti di tutelacollettiva denominati rappresentativi, facendo si che alcuni ordinamentigiuridici guardino le cc.dd. azioni di gruppo, procedimenti di risoluzionecollettiva che evitano le nzioni rappresentative. Senza dubbio, alcunealternative sono note al diritto comparato. Si cercano metodi di decisione inblocco che partano da un caso concreto tra contendenti individuali. Si trattadell'instaurazione di una specie di incidente collettivo all'interno di unprocesso individuale. Si preserva, in una molteplicit generica, l'identit e laspecicit del particolare. Ogni membro del gruppo coinvolto trattatocome una parte, e non come una nonparte sostituita.

    O que se prope ento a busca por umaclass action, mas sem a necessidade

    de se denir uma classe: il tentativo di stabilire qualcosa analoga ad unaclass action,

    ma senza classe

    37

    .

    De outro lado, temse ento o que CONSOLO e RIZZARDO propunham, o

    sistema alemo, um tratamento coletivo a aes, sem a necessidade de se denir um grupo

    identicvel.

    Sobre a criao do procedimentopadro, na Alemanha, com um sistema no

    representativo de uma classe ou um grupo, CABRAL arma38o seguinte:

    Nella linea degli istrumenti non rappresentativi stato introdottonell'ordinamento tedesco, in 16 agosto di 2005, il ProcedimentoModellooppure ProcedimentoPadronizzato (Musterverfahren), per la Legge diIntroduzione del ProcedimentoModello per gli investitori nel mercato dicapitali (Gesetz zur Einfhrung von KapitalanlegerMusterverfahren,abreviada di KapMuG).

    37Cf. CONSOLO, CLAUDIO; RIZZARDO, DORA. Due modi di mettere le azione collettive alla prova:

    Inghilterra e Germania..In:Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, n. 3, sett. 2006. p. 900.38Il nuovo procedimentomodello, ob. cit.

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    Concluise assim que o sistema norepresentativo, apesar de limitado a seto-

    res especcos, pode ser muito valioso e til, seno a nica maneira de se lidar com as de-

    mandas repetitivas, em primeiro grau de jurisdio.

    Esse modelo alemo foi declaradamente adotado pelo nosso incidente de reso-

    luo de demandas repetitivas, que tambm adota um sistema norepresentativo para jul-

    gamento de tais demandas.

    Em vez de se buscar uma adaptao do procedimento da ao civil pblica

    (sistema de representatividade, ou substituio processual), partiuse para o objetivo de sereunir exclusivamente o julgamento das aes, mantendo tudo o mais separado, individual.

    Desta forma, no se coletiviza o processo, mantmse a natureza individual das aes; no

    se impede o acesso ao judicirio, mas semolecularizaas aes39.

    Assim como se tem o confronto entre os modelos norteamericano declass

    actione alemo de procedimentopadro, no Brasil temos ao mesmo tempo ambos os ins-

    titutos, as aes coletivas (para direitos difusos, coletivos e individuais homogneos) e o

    tratamento coletivo, ou conjunto, de demandas repetitivas (os recursos repetitivos no STJ,

    o julgamento de plano da lide, conforme artigo 285A do CPC e agora, como proposio,

    o incidente de resoluo de demandas repetitivas)

    39A este respeito, ver n.1.1.,acima, p.5.

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    Captulo 3. O modelo italiano

    Para se estudar as mudanas que ocorreram na Itlia, relativamente a litigncia

    de massa, primeiro ser necessrio abordar a tutela de direitos coletivos antes de 200840.

    At ento, os interesses supraindividuais eram tutelados com base no artigo 28, da Lei n

    300 de 20 de maio de 1970, lei esta a respeito da tutela da liberdade e dignidade dos tra-

    balhadores, dos sindicatos e da atividade sindical no local de trabalho. Tambm se tinha a

    tutela por meio do artigo 18 da Lei n 349, de 8 de julho de 1986, sobre a tutela do meioambiente e de danos ambientais, perante juzes administrativos. Tinhase ainda o artigo 3

    da Lei n 281, de 30 de julho de 1998, a respeito dos direitos dos consumidores e dos usu-

    rios, com uma previso expressa da lei sobre o juiz civil. Depois foram realizadas altera-

    es setoriais, bastante limitadas, como a do artigo 8 da Lei n 231 de 2002.

    Assim, at 2008, havia na Itlia apenas a tutela coletiva sob a forma inibitria,

    ou sobre o ressarcimento do dano coletivo (liquidado em montantes irrisrios, como o

    previsto no artigo 27 da Lei n. 283, de 7 de dezembro de 2000)41. No se indenizava o

    prejuzo individual, para a vtima. Discutiase at mesmo em que medida poderia a vtima,

    em um processo individual, aproveitar os resultados do processo coletivo. Discutiase as

    vezes em que era atribudo efeitoultra partesao julgado coletivo; e se concluiu que quan-

    do um sindicato, por exemplo, litiga em processo coletivo, os sindicalizados no so tercei-

    ros, o sindicato demanda em nome prprio, e os sindicalizados so parte no processo. No

    se falava, assim, em extenso subjetiva da coisa julgada para alm das partes do processo

    (que eram, no exemplo, todos os sindicalizados).

    Sobreveio ento, em 24 de dezembro de 2007, a Legge Finanziaria 2008,

    Lei n 244, com efeitos a partir de seis meses de sua publicao 2008, alterando ocodice

    40Cf. GIUSSANI, ANDREA. Relatrio Nacional da Itlia, p.169.In:GRINOVER, ADAPELLEGRINI;

    MULLENIX, LINDA; WATANABE, KAZUO.Os processos coletivos nos pases,ob. citada.41Aindacf.GIUSSANI, ibidem, pp. 169170.

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    di consumo(equivalente ao nosso Cdigo de Defesa do Consumidor), acrescentando o ar-

    tigo 140bis42, por meio dos itens (os commi) 445 a 449 do artigo 243. Foi instituda en-

    to a tutela coletiva ressarcitria dos consumidores, com uma sistemtica parecida com a

    nossa Ao Civil Pblica (ou Ao Coletiva) prevista no nosso CDC.

    O procedimento italiano, este sim de verdadeira coletivizao de aes indivi-

    duais, iniciase com a propositura da ao coletiva pelos legitimados (associaesetc., ade-

    quadamente representativas dos interesses coletivos), perante juiz de primeiro grau (con-

    forme artigo 140bis, n. 1). Os consumidores ou usurios que desejarem valerse da tutela

    prevista no artigo 140bis devem comunicar por escrito ao autor da ao coletiva a suaadeso (conforme artigo 140bis, n. 2). o sistema deoptin, portanto44.Mas no apenas

    isso, qualquer demanda individual proposta posteriormente deve ser distribuda ao mesmo

    juzo para o qual foi distribuda a ao coletiva, que ca prevento para o objeto demanda-

    do.

    Assim, j se nota uma grande diferena com relao ao sistema brasileiro: na

    Itlia h preveno para demandas individuais propostas posteriormente ao coletiva, o

    que no temos. O incidente de resoluo de demandas repetitivas no induz conexo ou

    preveno (ainda que o julgamento se d no tribunal, o incidente suscitado no primeiro

    grau de jurisdio, e este juzo poderia car prevento, mas no o que ocorre).

    Aceita a ao (mediante juzo de admissibilidade, nos termos do n. 3, podendo

    ser diferida essa anlise), deve ser dada ampla publicidade da ao e do provimento para

    prosseguimento da ao. Se procedente a ao, o juiz determina os critriosbase para a li-

    quidao da soma a ser paga ou restituda aos consumidores individuais que tiverem aderi-

    do ao coletiva. Se possvel, denida uma soma mnima a cada um dos consumidores

    ou usurios.

    42A legge nanziaria publicada anualmente, conforme exigido pelo artigo 81 da Constituio itali-ana, e traz diversas disposies sobre o governo, questes oramentrias, tributos, despesasetc.

    43Ver, ao nal,Anexo C. Legge Finanziaria 2008, art. 2, nn. 445 a 449., p.61.

    44Cf. GRINOVER, ADAPELLEGRINI. Relatrio Geral, civil law.In:GRINOVER, ADAPELLEGRINI;MULLENIX, LINDA; WATANABE, KAZUO.Os processos coletivos nos pases, ob. cit., p. 177.

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    Nos sessenta dias seguintes noticao da sentena, a empresa deve propor o

    pagamento e depositar a proposta por termo na secretaria, e os consumidores que o aceita-

    rem tm constitudo um ttulo executivo (n. 4 do artigo 140bis). O processo vincula os

    aderentes ou os que nele interviram; cam expressamente ressalvado os que no tiverem

    exercido ooptin, a resguardo dos silentes (n. 5 do artigo 140bis).

    Por m, se a empresa no comunica a proposta no prazo ou se esta oferta no

    aceita, criase uma cmara de conciliao especicamente para o processo para se deter-

    minar a soma a ser paga ou restituda aos consumidores ou usurios que tiverem aderido

    ao processo. A cmara composta por um advogado indicado pelo ru, outro pelo autor, eum terceiro, presidente, indicado pelo presidente do tribunal.

    Assim descrito o procedimento, notamos que embora haja uma tutela similar

    nossa ao civil pblica, o instrumento permite que as demandas individuais, em vez de

    serem simplesmente sobrestadas (como ocorre conosco, no artigo 104 do Cdigo de Defe-

    sa do Consumidor), sejam efetivamente aderidas ao procedimento coletivo.

    Ademais, enquanto ns temos o prazo de trinta dias para requerer o sobresta-

    mento, na Itlia podese exercer ooptinat a udienza di precisazione delle conclusioni45

    (audincia prevista no artigo 189 do Cdigo de Processo Civil italiano, na qual as partes

    informam ao juiz instrutor as concluses que devem ser remetidas ao colegiado para deci-

    so da causa). Essas, mais a j mencionada preveno de juzo, so as diferenas entre o

    sistema italiano e o brasileiro.

    E so regras importantssimas, uma vez regulada a preveno do juzo, a proli-

    ferao de aes continuar e ser completamente perdido o controle sobre as aes que

    devem ser suspensas; a administrao dos processos sujeitos ao incidente tornase invivel,

    quase impossvel, criando outros problemas hoje inexistentes.

    45Sobre representao grca do procedimento e suas fases, ver BUFFONE, GIUSEPPE.Class Action

    italiana: azione collettiva risarcitoria a tutela dei consumatori. Disponvel em , acesso em 03 jul. 2010.

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    Captulo 4. Os modelos de origem anglo-sax

    Os pases decommon law especialmente Inglaterra (e Pas de Gales), Esta-

    dos Unidos da Amrica (EUA) e Canad tm todos um sistema de litigncia em massa.

    Enquanto nos Estados Unidos temse, ao menos em nvel federal, um sistema uniforme de

    class actions, no Canad temse uma legislao diferente para cada provncia, algumas

    adotando aes similares sclass actions. Na Inglaterra, por sua vez, apesar de no haver

    uma ao coletiva, h um incidente, uma ordem, que determina o processamento de de-mandas de grupo. Vejamos os trs pases separadamente.

    4.1. A Class action norte-americana e representatividade ade-

    quada

    Aclass actiondos Estados Unidos da Amrica vem prevista nasFederal Rules

    of Civil Procedure(as FRCP, ou Fed. R. Civ. P.), que trata do processo civil nas cortes

    federais46. Estas regras federais foram editadas em 1938 e reformadas em 1966.

    YEAZELL preconiza47que uma leitura das regras sugere ser o processo por representao

    apenas um mecanismo para tornar mais eciente a adjudicao, agregando casos de seme-

    lhantes caractersticas, o que no revolucionrio nem controvertido. Todavia continua

    YEAZELL , ningum fora enganado pelas aparncias, pois dependendo do poder de

    persuaso, juzes e advogados tanto adoram quanto condenam o instrumento, mas a maio-ria concorda que asclass actionsso de alguma forma extraordinrias, uma revoluo em

    termos jurdicos.

    46Regra n 1: aplicao a aes cveis nas cortes distritais federais.47Cf.YEAZELL, STEPHEN. Group litigation and social context: toward a history of the class action.In:Columbia Law Review. n. 77, 1977. p. 866. No original: A reading of the rule itself suggeststhat the representative suit is simply a device to make adjudication more ecient by aggregating in-stances of similar litigation, surely not a revolutionary or controversial proposal. No one, however,has been fooled by appearances. Depending on their persuasions, judges, lawyers, and laymen either

    praise or curse it, but most agree that the class action is at any rate something out of the ordinary,an essentially new turn in legal events.

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    4.1.1. Regra n 23 das Federal Rules of Civil Procedure

    Em meio s Regras Federais de Processo Civil (traduo livre), encontramos a

    de n 23:Class Actions, que constitui um captulo ou seo, regulando o instituto48. O item

    23(a) estabelece prrequisitos49, e o item 23(b) as modalidades deClass Actions. So

    admitidas aes coletivas, conforme item 23(b)(1), para permitir aes quando o ajuiza-

    mento em separado criar o risco de: (A) inconsistentes ou variadas decises que imporiam

    outra parte incompatveis padres de conduta; ou quando (B) a tutela para um indivduo

    representar uma interferncia na esfera dos demais membros daquela classe e os impediria

    de proteger seu interesse.

    Conforme item 23(b)(2), admitese aclass actionse a parte adversa tiver

    agido ou se recusado a agir com fundamento que diga respeito a toda a classe, de modo

    que a pacicao do conito deva dizer respeito classe como um todo.

    Ou ainda, conforme item 23(b)(3) se a corte entender que questes de direi-

    to ou de fato comuns aos membros da classe predomine sobre questes individuais, e o

    procedimento daclass actionfor melhor que outros mtodos de adjudicar a controvrsia.

    Esses mtodos mencionados de processo devem ser um ou mais dos seguintes:

    (A) a classe tem interesse no controle individual de sua demanda em separado; (B) a ex-

    tenso e natureza do litgio j teve incio; (C) o potencial de concentrar o litgio em parti-

    cular benco; e/ou (D) as diculdades provveis em manejar aclass actionimpediriamsua utilidade.

    Podemos notar, ento, que asclass actionsdestinamse a, em cortes distritais

    federais, adjudicar conitos de natureza coletiva, segundo os quais uma classe, bem deni-

    48Ver, ao nal,Anexo A. Federal Rules of Civil Procedure, n. 23. p.55.49Quais sejam: (1) the class is so numerous that joinder of all members is impracticable, (2) there arequestions of law or fact common to the class, (3) the claims or defenses of the representative parties

    are typical of the claims or defenses of the class; and (4) the representative parties will fairly and ad-equately protect the interests of the class.

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    da e conceituada (item 23(c)(1)), litiga contra outras pessoas ou outra classe.

    Deve ser dada cincia da ao aos demais membros da classe (conforme item

    23(c)(2)), para que se quiserem exeram o seuoptout, cando excludos dos efeitos da

    demanda (apenas no terceiro tipo declass action, do item 23(b)(3)), caso contrrio so

    considerados sujeitos ao resultado do feito.

    Assim, conitos individuais so englobados pelaclass action, exceto se o seu

    autor solicitar ooptout.

    Todavia, a utilidade desse estudo se insere no que vem a seguir, que a veri-

    cao pelo juiz dos pressupostos da ao e da seleo daquele litigante que ir encabear

    aclass action; tratase da anlise da representatividade adequada.

    4.1.2. Representatividade adequada nas class actions

    Conforme o item 23(d) da Regra n 23, o juiz deve, ao conduzir a causa,

    sempre vericar e dar oportunidade aos membros da classe para que se pronunciem a res-

    peito da representatividade adequada e justa (fair and adequate representation). Essa re-

    presentatividade adequada, alis, um dos quatro prrequisitos do item 23(a), acima

    transcrito. Lse no item 23(a)(4) quethe representative parties will fairly and ad-

    equately protect the interests of the class, ou seja, o representante deve proteger os interes-

    ses da classe.

    Todavia, a representatividade adequada muito mais do que isso. Primeiro,

    devese analisar se o representante possuistanding(espcie de legitimidadead causam) de

    uma ao individual. De acordo com a jurisprudncia norteamericana50, se exige que a

    parte apresente um verdadeiro e real caso ou controvrsia com a parte adversria, bem

    50Cf.MULLENIX, LINDA. General report,common law, p. 280.In:GRINOVER, ADAPELLEGRINI;

    MULLENIX, LINDA; WATANABE, KAZUO.Os processos coletivos nos pases de civil law e com-mon law, uma anlise de direito comparado. So Paulo: RT, 2008.

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    como deve haver personal stake, um interesse pessoal na causa, um algo a perder ou ga-

    nhar (barrando casos hipotticos ou conjecturais).

    A Suprema Corte norteamericana identicou trs requisitos51para ostanding

    ordinrio: que o indivduo tenha sofrido um prejuzo real ou iminente (injuryinfact), o

    qual seja imputvel a uma conduta do ru (causation) e desde que haja um remdio pro-

    cessual na lei (remedy).

    A representatividade adequada impe ao julgador tambm o dever de scalizar

    o advogado (class counsel), vericando a experincia do advogado emclass actions, a ca-pacidade nanceira do advogado (que custeia o processo, inclusive as despesas com as no-

    ticaes aos demais membros da classe), o conhecimento do direito material aplicvel, o

    trabalho que o advogado j desenvolveu em identicar os pedidos da classe e os seus

    membros, e assim por diante.

    Ainda, a representatividade adequada inclui a anlise dos direitos envolvidos,

    se o representante adequadamente apresenta todos os direitos pedidos na demanda. Isto ,

    se h mais de uma causa de pedir, ou se h mais de um direito lesado, o representante

    adequado aquele que apresentar todas as possibilidades, todos os direitos, aquele que so-

    freu o maior nmero de danos, enumerados como causa de pedir da demanda.

    Era aqui que queramos chegar. O representante adequado aquele que satis-

    fatoriamente representa a classe, aquele que um modelo dos demais membros da classe.

    Se, por exemplo, a demanda coletiva versar sobre danos ambientais trabalhistas, o repre-

    sentante ser adequado se tiver sofrido todos eles, ou o maior nmero possvel.

    No incidente de resoluo de demandas repetitivas, o tribunal seleciona um re-

    presentante e determina que ele encabece o procedimentomodelo. Pois justamente a

    que deve a corte avaliar, necessariamente, se o litigante escolhido adequadamente repre-

    51Idem, ibidem, p. 281.

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    senta a controvrsia, do caso contrrio ele no ter o interesse necessrio para adequada-

    mente representar a classe ou grupo, mas se limitar apenas ao direito que lhe diz respeito.

    possvel associar o representante adequado, ainda, s garantias fundamen-

    tais, uma vez que se uma dada pessoa for se vincular coisa julgada em um processo no

    qual no participar efetivamente, diretamente, ento essa participao distncia,cta, h

    de se dar por meio de um adequado representante52.

    4.2. Aes coletivas no Canad e limites territoriais da coisa jul-

    gada

    De acordo com MULLENIX, as jurisdies canadenses desenvolveram um

    complexo e intrincado corpo de princpios atinentes coisa julgada, relativamente aclass

    actions53. Surgem problemas quando a deciso dada em uma provncia afeta residentes em

    outra provncia ou territrio. H dois modelos antagnicos de soluo.

    A provncia da Colmbia Britnica, em sua legislao sobreclass actions, vin-

    cula membros da classe, ainda que residam em outra provncia ou territrio, desde que o

    membro tenham manifestado interesse em se vincular causa (optin). Ao contrrio, a

    provncia de Ontrio, por meio de decises judiciais, passou a permitirclass actionsentre

    provncias, baseada em sistema deoptout.

    As demais provncias tm adotado o modelo da Colmbia Britnica, oferecen-do a oportunidade de se incluir no resultado da demanda (optin), para os residentes fora

    dos limites da provncia. A provncia de Manitoba, por sua vez, seguiu o modelo de Ont-

    rio e permite que a classe seja denida com a incluso de residentes fora dos seus limites

    territoriais.

    52A respeito, ver FORNACIARI, FLVIAHELLMEISTERCLITO.Representatividade adequada nos proces-sos coletivos. 2010. 188f. Tese (Doutorado em Direito Processual Civil), Faculdade de Direito, Uni-

    versidade de So Paulo, So Paulo, 2010, pp. 116 e 165166.53Cf.General report, common law, ob. cit., p. 289290.

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    As cortes canadenses tm aceito inclusive que acordos com classes norteame-

    ricanas incluam tanto cidados estadounidenses quanto canadenses. As cortes da provn-

    cia de Ontrio desenvolveram um teste de trs perguntas54para vericar se h coisa julga-

    da no Canad, o que foi seguido pelas cortes da provncia do Qubec.

    Com relao a julgamentos a respeito de classes nacionais, adjudicados em

    uma provncia e buscandose sua vinculatividade s demais, as cortes tambm divergem.

    Ontrio e Qubec tomam partido de questes como ordem e justia, com o principal foco

    em adequada noticao aos membros de classe no residentes. Isto , estas provncias

    analisam se a deciso proferida em outro tribunal respeita o entendimento local, local, deordem e de justia e, se no for ofendido, e todos os membros tiverem sido adequadamen-

    te noticados, ento a coisa julgada tem validade. uma anlise que se aproxima do juzo

    de delibao efetuado em sede de reconhecimento de sentenas estrangeiras no Brasil,

    com a diferena de que no Canad a questo se d entre provncias. As demais cortes, in-

    cluindo as duas citadas, analisam ainda se aquela que julgou o caso realmente tinha jurisdi-

    o, se era razovel que l se julgasse o caso concreto.

    O entendimento geral de que a Corte Suprema do Canad, eventualmente,

    ter de analisar a questo e decidir como se dar a execuo extraterritorial de julgamen-

    tos emclass actions.

    Transportando para a realidade dos interesses ou direitos repetidos, o proble-

    ma canadense se replica no Brasil. Se cada Tribunal de Justia dos estados tiver que julgar

    a questo, e se cada Tribunal Regional Federal tambm tiver de fazlo, ento teremos

    mais de 30 decises, uma para cada tribunal, sem que qualquer uniformidade haja.

    Para corrigir esse problema, evidente que o julgamento no deve ser feito

    54So essas as trs perguntas: (1) se h um liame real ou substancial que conecte a causa da ao auma jurisdio estrangeira, (2) se os direitos dos membros de classe noresidentes foram adequada-

    mente representados, e (3) se os membros de classe noresidentes receberam justia processual, es-pecialmente se foram adequadamente noticados. (MULLENIX,General report...,ob. cit., p. 290.)

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    por cada tribunal, mas deve um rgo superior julgar a questo, ou ento eleger um tribu-

    nal que ir decidir a causa selecionada para julgamento. Do contrrio, a potencial utilidade

    do instituto do incidente em estudo ser mitigada, para no dizer perdida.

    Assim, a soluo s pode ser mesmo o julgamento pelo STJ do incidente, ou a

    escolha por este de um tribunal local para julgar a questo repetitiva, sob pena de termos

    repetitivos incidentes de resoluo de demandas repetitivas. Como ltima alternativa, resta

    inspirao no modelo que algumas provncias canadenses adotam: analisar se o julgamento

    de outro tribunal respeita a ordem e a justia, e ento repetir esse entendimento localmen-

    te.

    4.3. Inglaterra e o registro de group litigation orders

    Na Inglaterra e Pas de Gales, que adotam um nico ordenamento jurdico

    consuetudinrio, foi criado um instituto denominado de Group Litigation Order. Esse

    mecanismo foi acrescentado, com vigor a partir de maio de 2000, como parte dasCivil

    Procedure Rules, de 199955.Basicamente, agroup litigation order(ou simplesmente

    GLO) uma determinao judicial associada acase management(administrao de pro-

    cessos) para lidar com a multiplicidade de demandas sobre as mesmas questes de fato ou

    de direito.

    O procedimento da GLO baseado emoptin, de modo que seja permitido s

    pessoas que tiverem processos em andamento, e sobrevenha uma GLO, aderir ao julga-mento coletivo.

    As normas encontramse previstas nas regras 19.10 a 19.14 dasCivil Proced-

    ure Rules(CPR)56. De acordo com a regra 19.10, pode ser realizada uma GLO sempre que

    houver uma ordem de acordo com a regra 19.11, destinada a gerenciar os casos de proces-

    55At 1999, na Inglaterra e no Pas de Gales no havia normas processuais civis legisladas, apenas

    consuetudinrias, baseadas nocommon law, perfazendo um nico ordenamento jurdico.56Ver, ao nal,Anexo B. Civil Procedure Rules, 19.10 a 19.14, p.59.

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    sos que fazem surgir questes comuns ou relacionadas de fato ou direito, so as questes

    GLO (ou GLO issues)57.

    Quanto ao cabimento, h trs disposies, na regra 19.11, nos subitens. De

    acordo com a regra 19.11.1, a corte deve proferir uma GLO quando houver, ainda que po-

    tencialmente, um elevado nmero de processos que faam surgir as questes GLO. O re-

    querimento para instaurao da GLO pode se dar por iniciativa da parte ou da corte (con-

    formePractice Directions19B, 4).

    Alm disso, a ordem de GLO deve necessariamente (19.11.2): (a) conter ex-plicaes sobre o estabelecimento de um registro, no qual os pleitos administrados sob a

    GLO sero inseridos58; deve (b) especicar asquestes GLOque identicaro os pleitos a

    serem administrados como um grupo, sob a GLO; e deve (c) especicar a corte que ir

    administrar os processos do registro do grupo.

    Tambm, a GLO pode (no obrigatrio), conforme regra 19.11.3.a: em rela-

    o aos processos que lhe deram origem, (i) determinar a transferncia dos autos para a

    corte de administrao, (ii) ordenar a suspenso dos feitos at segunda ordem, e (iii) deter-

    minar a insero dos processos no registro do grupo.

    Ainda possvel que a corte (19.11.3.b) determine que a partir de uma certa

    data todos os processos relacionados GLO sejam iniciados diretamente na corte de admi-

    nistrao e sejam inseridos no registro do grupo. Permitese ainda (19.11.3.c) que seja de-

    terminada a publicizao da GLO.

    O julgamento, ento, ser vinculante a todos os processos que constarem do

    registro, na data do proferimento da deciso. Os que posteriormente vierem a ser registra-

    57Regra 19.10 Denio: A Group Litigation Order (GLO) means an order made under rule19.11 to provide for the case management of claims which give rise to common or related issues of

    fact or law (the GLO issues).

    58O registro administrado pelaThe Law Society(o equivalente britnico Ordem dos Advogados doBrasil OAB) e chamado deMultiparty Action Information Service.

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    dos no podero recorrer, mas podero requerer que o julgamento no seja vinculante.

    Para que a deciso seja vinculante, preciso que uma ao correspondente

    seja ajuizada e s ento ser possvel requerer a submisso ao registro de GLO (conforme

    Practice Directions19B, 6.1A).

    Notase assim que se trata de modelo muito mais associado acase manage-

    mentdo que aes coletivas, que a nosso sentir coincide com o intuito do incidente de re-

    soluo de demandas repetitivas.

    Assim, podemos extrair do modelo que o registro essencial para a adminis-

    trao de processos repetitivos, sob pena de sequer se saber quais so as demandas repeti-

    tivas. Alm disso, de notvel importncia, todas as aes ajuizadas aps a GLO podem ser

    submetidas automaticamente corte administradora da GLO, o que deve ser decidido pela

    corte quando determinar a GLO.

    Concluise, ento, que o incidente brasileiro deve aproveitar essa experincia

    britnica e prever um sistema adequado de registro e de preveno da corte competente

    para novas aes, evitando a disperso em um incidente (ou uma GLO) iniciado ainda en-

    quanto muitos autores estavam em vias de propor suas demandas.

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    Captulo 5. O incidente do Novo CPC

    Finalmente, necessrio estudar pormenorizadamente o Incidente de Resoluo

    de Demandas Repetitivas, o que ser feito de acordo com o Projeto de Lei do Senado Fe-

    deral, n 166 de 2010, em seus artigos 895 a 90659.

    O incidente tem cabimento nos caso em que for identicada uma controvrsia

    com potencial de gerar relevante multiplicao de processos fundados em idntica questode direito e de causar grave insegurana jurdica, decorrente do risco de coexistncia de

    decises conitantes (artigo 895,caput). Portanto, primeira nota, no h cabimento do in-

    cidente para questes de fato, apenas para questes de direito.

    Podem suscitar o incidente o magistrado, de ofcio; ou, por petio, as partes,

    o Ministrio Pblico ou a Defensoria Pblica (1). Assim como ocorre com a Ao Civil

    Pblica, se o Ministrio Pblico no tiver proposto, deve intervir e, em caso de abandono

    ou desistncia pela parte, assume a posio de autor (2).

    O incidente ento dever ser submetido a ampla e especca divulgao, espe-

    cialmente por meio de um cadastro do Conselho Nacional de Justia (CNJ), alimentado

    por dados fornecidos pelos tribunais (artigo 896).

    O incidente ser ento distribudo a um relator do plenrio do tribunal do

    competente (ou do rgo especial, onde houver), que poder requisitar informaes ao ju-

    zo de primeiro grau que deu origem ao incidente (artigos 897 e 898). O tribunal analisar

    ainda se conveniente adotar a deciso paradigmtica (artigo 898, 1). Se o incidente for

    rejeitado, retomase ao originria, caso contrrio, o tribunal suspende todas as aes

    pendentes tanto em primeiro quanto segundo grau (artigo 899) e julga a questo de direito

    59Ver, ao nal, Anexo D. Incidente de resoluo de demandas repetitivas, p.63.

    Renato Xavier da Silveira Rosa Incidente de resoluo de demandas repetitivas

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    submetida, lavrando o acrdo respectivo, cujo teor ser vinculante e imposto a todos os

    juzes ou rgos fracionrios no mbito de sua competncia territorial (artigo 898, 2).

    Ressalvamse as medidas de urgncia que sejam necessrias durante a suspenso dos pro-

    cessos (artigo 899, pargrafo nico).

    Objetivando segurana jurdica, as partes, interessados, Ministrio Pblico

    ou Defensoria Pblica podero requerer que seja determinada a suspenso de todos os pro-

    cessos em curso no pas, sobre a mesma questo objeto do incidente (artigo 900). A com-

    petncia para conhecer deste pedido coincide com a competncia para julgar os recurso es-

    pecial e extraordinrio, o que hoje corresponde respectivamente ao STJ e ao STF.

    Sero ouvidos ento todos os interessados, inclusive entidade com interesse na

    controvrsia, que no prazo de quinze dias apresentaro documentos ou suas manifestaes;

    depois ouvese o Ministrio Pblico (artigo 901).

    Feito isso, remetese para julgamento pelo rgo colegiado (plenrio ou rgo

    especial), no qual podero se manifestar o autor e o ru do processo originrio, bem como

    o Ministrio Pblico, cada qual com trinta minutos (artigo 902). Depois, manifestamse os

    demais interessados, no prazo comum de trinta minutos.

    Ento, julgado o incidente, a tese jurdica ser aplicada a todos os processos

    que versem idntica questo de direito. (artigo 903).

    Se o incidente no for julgado em seis meses, cessa a eccia da ordem de

    suspenso dos processos sobre a mesma questo, salvo deciso fundamentada do relator

    (artigo 904).

    Aps o julgamento, qualquer parte poder interpor recursos especial ou extra-

    ordinrio, que sero dotados de efeito suspensivo, ao contrrio da regra geral, presumin-

    dose a repercusso geral da questo constitucional eventualmente discutida (artigo 905).

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    Alm disso, no ser feito juzo de admissibilidade na origem, como tambm a regra ge-

    ral, remetendose diretamente para o tribunal competente julgar o recurso interposto (arti-

    go 905, pargrafo nico).

    Por m, encerrando as disposies do incidente, se no for observada a tese

    adotada na deciso paradigmtica (proferida no incidente), tem cabimentoreclamao

    para o tribunal competente (artigo 906), que ir decidir se houve usurpao de desrespeito

    autoridade de sua deciso, nos termos do regimento interno de cada tribunal (pargrafo

    nico do artigo 906).

    Esse, portanto, o procedimento do incidente de resoluo de demandas coleti-

    vas que, como dito no incio, no coletiviza, mas adianta a tese que seria adotada pelo

    tribunal aps a pacicao da jurisprudncia (ou em um eventual incidente de uniformiza-

    o de jurisprudncia).

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    Captulo 6. Incidente do Novo CPC e direito comparado

    Esclarecido o procedimento, necessrio enfrentar o incidente, tal como apre-

    sentado no anteprojeto que originou o PLS 166/2010, em face da anlise feita acima do

    direito comparado e das experincias estrangeiras com a massicao de demandas e com

    a proliferao de decises repetidas.

    Duas possveis sugestes a verses anteriores do anteprojeto, fundadas no di-reito comparado, j no tm mais razo de ser. Isso porque a primeira, a respeito de um

    adequado registro das aes, enfrentada pelo direito ingls nas Group Litigation Or-

    ders60, j se encontra estabelecida no projeto do Novo CPC, prevendo um banco de dados

    alimentado pelos tribunais e administrado pelo Conselho Nacional de Justia. Resta saber

    se esse registro ser efetivo e bem gerido, mas essa questo j no diz respeito ao direito

    processual, mas a questes de administrao judiciria.

    A segunda sugesto oriunda do direito comparado diria respeito ao julgamento

    de causas para alm da competncia territorial de um estado ou regio da justia federal.

    No projeto do Novo CPC temse a previso de o STJ ou STF ter de apreciar pedido para

    que, com fundamento na segurana jurdica, imponha uma eccia nacional deciso do

    incidente. Assim, um tribunal estadual (ou regional) decide a questo, com validade em

    todo o territrio nacional, cando preservada a competncia do STJ e do STF para julgar o

    eventual recurso especial ou extraordinrio.

    Melhor essa soluo do que a hoje vigora com relao s Aes Civis Pblicas,

    que supostamente61tm a validade de suas decises vinculada competncia territorial do

    60Ver 4.3. Inglaterra e o registro de group litigation orders,acima,p.31.61Supostamente porque inconstitucional a modicao do artigo 16 da Lei n 7.347/85 que se deupor meio de Medida Provisria, que no pode regular matria processual, e com o objetivo de divi-

    dir o indivisvel (direitos difusos ou coletivos),Cf.FORNACIARI, FLVIAHELLMEISTERCLITO.Repre-sentatividade adequada nos processos coletivos. 2010. 188f. Tese (Doutorado em [continua na p. 38

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    juiz prolator da deciso; tratase de grande incongruncia que, para dizer o mnimo, torna

    incuo o instrumento. Na Alemanha, havendo necessidade de deciso para alm da com-

    petncia do tribunal que ir julglo, o incidente julgado pela corte superior62,mas aqui

    no incidente do Novo CPC no h essa necessidade, pois a corte superior d a ordem para

    extenso da deciso.

    Poderamos ainda observar outras experincias estrangeiras, menos relevantes

    para o estudo (por no trazerem novidades), como o direito noruegus (e asaes piloto

    aplicveis a questes de fato e de direito, como na Alemanha)63, o direito dinamarqus (e

    oscasos piloto, que induzem a suspenso de casos repetitivos e apenas alguns selecionadosso julgados, aplicandose o entendimento aos demais)64e o colombiano (cujas aes cole-

    tivas exigem no mnimo 20 aderentes, ou membros da classe, para serem processadas)65,

    Portanto, apesar dessas duas sugestes do direito comparado no serem mais

    pertinentes, outras ainda o so, e passamos e explas com o imprescindvel vagar.

    6.1. Julgamento de questes de fato

    Primeiro, e mais importante, o incidente no tem cabimento para questes de

    fato, mas apenas de direito, mesmo sendo previsto na Alemanha, extremamente refratria

    a tutela coletiva66, que o procedimentomodelo apto a tratar de questes de fato ou de di-

    [continuao da p. 37 Direito Processual Civil), Faculdade de Direito, Universidade de So Paulo,So Paulo, 2010. pp. 137139, n. 5.5.1.1.

    62Ver 2.1. O musterverfahren,acima, p.14.63Cf.SCHEI, TORE. Relatrio Nacional da Noruega, p. 6463.In: GRINOVER, ADAPELLEGRINI;MULLENIX, LINDA; WATANABE, KAZUO.Os processos coletivos nos pases de civil law e com-mon law, uma anlise de direito comparado. So Paulo: RT, 2008.

    64Cf.SMITH, EVA. Relatrio Nacional da Dinamarca, p. 142143.In:GRINOVER, ADAPELLEGRINI;MULLENIX, LINDA; WATANABE, KAZUO.Os processos coletivos nos pases,ob. citada.

    65Cf.GUZMN, RAMIROBEJARANO. Relatrio Nacional da Colmbia, p. 51.In: GRINOVER, ADAPELLEGRINI; MULLENIX, LINDA; WATANABE, KAZUO.Os processos coletivos nos pases,ob. cit.

    66Cf.HESS, BURKHARD. Relatrio Nacional da Alemanha, p. 97,In: GRINOVER, ADAPELLEGRINI;MULLENIX, LINDA; WATANABE, KAZUO.Os processos coletivos nos pases,ob. citada.

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    reito67. A preocupao da Comisso de Juristas, de que o incidente fosse utilizado apenas

    para teses jurdicas, certamente louvvel. Todavia, passou vencida a necessidade de

    que questes de fato tambm sejam obj