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INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E OUTRAS NECESSIDADES ESPECIAIS NA ESCOLA E NO TRABALHO Rosana Glat 1 Cristina Angélica Mascaro 2 Katiuscia C. Vargas Antunes 3 Márcia Marin 4 1 Professora Adjunta da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROPEd-UERJ), pesquisadora CNPq. 2 Professora Faetec, mestranda PROPEd- UERJ 3 Professora Titular Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO) e doutoranda do PROPED/UERJ 4 Professora Assistente Colégio de Aplicação da UERJ e do Colegio Pedro II, doutoranda do PROPEd/UERj 4

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INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

E OUTRAS NECESSIDADES ESPECIAIS

NA ESCOLA E NO TRABALHO

Rosana Glat1 Cristina Angélica Mascaro2

Katiuscia C. Vargas Antunes3

Márcia Marin4

1 Professora Adjunta da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROPEd-UERJ), pesquisadora CNPq.2 Professora Faetec, mestranda PROPEd- UERJ 3 Professora Titular Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO) e doutoranda do PROPED/UERJ4 Professora Assistente Colégio de Aplicação da UERJ e do Colegio Pedro II, doutoranda do PROPEd/UERj4

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I - Considerações iniciais sobre o processo de inclusão social e escolar de pessoas

com deficiência.

A inclusão social de pessoas com deficiências, ou outras condições atípicas de

desenvolvimento, é um processo relativamente recente. Ao longo da história da

humanidade o “diferente”, o “desviante”, o “anormal” (isto é, fora da norma) sempre foi

visto de forma depreciativa. Os grupos sociais, para manter sua coesão, tendem para a

homogeneização, criando normas e critérios determinando os atributos e condutas

aceitáveis a serem seguidos por seus membros (GLAT, 2006). De fato, até bem

recentemente, a diversidade humana era encarada como uma aberração e toda forma de

ser ou comportamento desviante do padrão era considerado indesejável, inferior, sendo

o sujeito passível de estigmatização e exclusão do convívio social.

Nos primórdios da humanidade e em culturas com menor desenvolvimento

tecnológico (como a indígena e algumas populações do continente africano), as

características desejáveis se voltavam para a capacidade física de modo geral: a força, a

agilidade, a destreza, o raciocínio concreto, etc. Muitas tribos nômades, por exemplo,

não tinham condições de arcar com seus membros mais fracos ou doentes, que,

voluntariamente ou não, eram abandonados e/ou “sacrificados” pelo bem da

comunidade. Com o desenvolvimento cultural essa necessidade de sobrevivência do

grupo passou a ser justificada por representações e mitos. Em muitos povos da

antiguidade, acreditava-se que pessoas com deficiência nasciam assim por castigo dos

deuses e, portanto, não eram dignos de viver. Sabe-se que em Esparta, na Grécia antiga,

os indivíduos com deficiência eram cruelmente assassinados, arremessados de altos

precipícios.

As transformações pela qual passou a civilização e os avanços tecnológicos e

científicos (principalmente na área da Saúde) tornaram possível o cuidado e o

atendimento adequado aos menos capazes. As probabilidades de sobrevivência desses

seres fracos ou deficientes que morriam precocemente --- de morte natural ou, como já

mencionamos, eliminados – aumentaram. A sociedade teve que buscar alternativas

diferenciadas para lidar com esses indivíduos, que não implicassem em sua

exterminação. Em outras palavras, devido ao enorme progresso material da civilização,

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formou-se um enorme contingente de indivíduos que conseguem sobreviver

fisicamente, mas que, por não terem as condições básicas de lidar independentemente

com o meio ambiente, não sobrevivem socialmente, sem o suporte direto dos demais

(GLAT, 2006).

No entanto, a discriminação persiste. Mesmo que na atualidade, no mundo dito

“civilizado”, as pessoas com deficiência não pereçam nem sejam assassinadas (embora

ocasionalmente isso volte a acontecer, como, por exemplo, durante o Nazismo), pode-se

dizer que socialmente elas são exterminadas. Pois, apesar de excluídas das

responsabilidades sociais, também o são dos privilégios, vantagens e oportunidades,

inclusive afetivas (GLAT, 2006).

Até meados do século XX, os indivíduos considerados “anormais”, eram

excluídos do convívio social através de diferentes formas de instituições segregadas

como hospícios, escolas especializadas, asilos, etc. Nestas instituições, algumas com

propostas de tratamento, eles ficavam isolados dos demais, interditados, proibidos de

participar do mundo dos “normais”.

Os primeiros movimentos de educação de pessoas com deficiências começaram

no final do século XIX (JANNUZZI, 2004), entretanto foi a partir dos anos 1960 que

esta população começou a receber um atendimento de forma mais consistente. Nesta

época a Educação Especial começou a se desenvolver como campo de saber e área de

atuação voltada para pessoas com deficiências, baseada em um modelo médico ou

clínico. Embora este modelo seja hoje bastante criticado, é preciso resgatar que, como

lembra Fernandes (1999), os médicos foram os primeiros que despertaram para a

necessidade de escolarização dessa clientela que se encontrava “misturada” nos

hospitais psiquiátricos, sem distinção de idade, principalmente no caso da deficiência

mental.

Sob esse enfoque, a deficiência era entendida como uma doença crônica, e todo

atendimento prestado a essa clientela, mesmo quando envolvia a área educacional era

considerado pelo viés terapêutico. A avaliação e identificação eram pautadas em exames

médicos e psicológicos com ênfase nos testes projetivos e de inteligência, e rígida

classificação etiológica (GLAT & FERNANDES, 2005; GLAT & BLANCO, 2011).

Nas instituições especializadas o trabalho era organizado com base em um

conjunto de terapias individuais (fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia,

psicopedagogia, etc...) e pouca ênfase era dada à atividade acadêmica, que não ocupava

mais do que uma pequena fração do horário dos alunos. A educação escolar não era

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considerada como necessária, ou mesmo possível, principalmente para aqueles com

deficiências cognitivas e / ou sensoriais severas. O trabalho educacional era relegado a

um interminável processo de “prontidão para a alfabetização”, sem maiores perspectivas

já que não havia expectativas quanto à capacidade desses indivíduos desenvolverem-se

academicamente e ingressarem na cultura formal (GLAT & FERNANDES, 2005;

GLAT & BLANCO, 2011).

Com os movimentos em prol dos direitos das minorias sociais no final dos anos

1960 e 1970, pessoas com deficiências, assim como outros grupos estigmatizados,

passaram a gozar de maior visibilidade na sociedade. Consequentemente, a escola

começou a se preocupar com o atendimento que seria dispensado a essa parcela da

população que começava a sair do anonimato e ocupar os espaços sociais.

Foi nesta época que a Educação Especial foi institucionalizada em nosso país, e

surgiram as primeiras iniciativas do sistema educacional público para garantir o acesso à

escola aos alunos com deficiências. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5692/71,

no seu artigo 9o recomendava que alunos com deficiências físicas ou mentais, os que se

encontrassem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os

superdotados deveriam receber “tratamento especial”, de acordo com as normas fixadas

pelos Conselhos de Educação (FERREIRA & GLAT, 2003).

Outro fato marcante nesta década foi a criação, no Ministério da Educação, em

1973, do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Este órgão (que foi

transformado em 1986 na Secretaria de Educação Especial – SEESP5) introduziu a

Educação Especial no planejamento de políticas públicas com a implantação de

subsistemas de Educação Especial nas diversas redes públicas de ensino, através da

criação de escolas e classes especiais. O CENESP também foi responsável por amplos

projetos de formação de recursos humanos especializados em todos os níveis, inclusive

com envio de docentes para cursos de pós-graduação no exterior (FERREIRA & GLAT,

2003). Esta ação permitiu o desenvolvimento acadêmico e científico da área, e a criação

dos primeiros cursos de mestrado voltados para a Educação Especial-- na UFSCar em

1978 e na UERJ em 1979.

Paralelamente a este insipiente movimento de inserção da Educação Especial no

sistema educacional, a área vivenciou um crescimento teórico-prático significativo que

trouxe consequências diretas para o tipo de atendimento até então prestado às pessoas

5 Em 2011, já no Governo Dilma, a SEESP foi incorporada à SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão.

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com deficiências. O aperfeiçoamento de novos métodos e técnicas de ensino permitiu a

mudança de expectativas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento acadêmico desses

sujeitos, até então alijados do processo educacional (GLAT; ANTUNES; OLIVEIRA &

PLETSCH, 2006).

“O deficiente pode aprender”, tornou-se a palavra de ordem, resultando numa

mudança de paradigma do modelo médico, predominante até então, para o modelo

educacional. A ênfase não era mais a deficiência intrínseca do indivíduo, mas sim a

falha do meio em proporcionar condições adequadas que promovessem a aprendizagem

e o desenvolvimento (GLAT, 2006). Esta nova perspectiva também refletia uma

mudança na concepção de deficiência a qual não era mais vista como uma doença

crônica, mas sim, uma característica do sujeito que poderia, ou não, lhe trazer

desvantagens e dificuldades em seu desenvolvimento, dependendo, em grande medida,

das condições de aprendizagem e socialização que lhes fossem disponibilizadas.

Porém, apesar dos avanços, este modelo não representou a garantia de ingresso

de alunos com deficiências no sistema de ensino. A Educação Especial funcionava

como um serviço paralelo, com profissionais próprios, distanciados da realidade da

escola comum. Seus métodos ainda tinham forte ênfase clínica, e os currículos das

escolas e classes especiais eram organizados a partir de uma lógica própria; ou seja,

havia pouca relação com o que era veiculado para pessoas da mesma faixa etária no

ensino regular.

Assim, as classes especiais, que deveriam ser uma etapa transitória, acabaram se

tornando espaços de segregação para todos os alunos que não se enquadravam no

sistema regular de ensino (BUENO, 1999; FERREIRA & GLAT, 2003; GLAT &

BLANCO, 2011). E grande parte dos sujeitos com deficiências continuava frequentando

instituições especializadas, em sua maioria, filantrópicas ou privadas.

Apesar destes entraves, inegavelmente, recursos e métodos de ensino mais

eficazes proporcionaram às pessoas com deficiências maiores condições de adaptação

social, superando, pelo menos em parte, suas dificuldades e possibilitando sua

integração e participação mais ativa na vida social. Acompanhando a tendência mundial

da luta em prol dos direitos sociais e civis das minorias marginalizadas, começaram a

ser divulgados em nosso país, no inicio da década de 1980, os princípios que norteavam

a chamada Filosofia da “Normalização”. A sua premissa básica era que as pessoas com

deficiências têm o direito de usufruir as condições de vida o mais comuns ou normais

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possíveis na comunidade onde vivem, participando das mesmas atividades sociais,

educacionais e de lazer que os demais.

O “deficiente pode se integrar na sociedade” tornou-se, assim, a matriz política,

filosófica e científica da Educação Especial. Este novo pensar sobre o espaço social das

pessoas com deficiências, que ganhou força em nosso país com o processo de

redemocratização nos anos 1980, resultou em uma transformação radical nas políticas

públicas, nos objetivos e na qualidade dos serviços de atendimento a esta clientela

(GLAT, 2006; GLAT & BLANCO, 2011).

O modelo segregado de Educação Especial passou a ser severamente

questionado, desencadeando uma busca por alternativas pedagógicas para a inserção de

todos os alunos, mesmo os portadores de deficiências severas, preferencialmente no

sistema rede regular de ensino (como recomendado no artigo 208 da Constituição

Federal de 1988).

A Educação Especial assimilou o discurso da integração escolar e se dedicou a

preparar os alunos vindos das classes e escolas especiais para serem, na medida de suas

possibilidades, integrados no ensino regular, recebendo atendimento paralelo em salas

de recursos6 ou outras modalidades especializadas. Essa prática, que ainda pode ser

verificada em grande parte das redes educacionais, no entanto, tem sido bastante

criticada pelo fato de que o aluno é “responsabilizado” pela sua adaptação ao ensino

regular.

Isto ocorria porque o modelo da Integração exigia um determinado nível de

desenvolvimento ou “preparação prévia” do aluno com deficiência para ser integrado na

turma comum. Como lembra Bueno (1993), o problema continuava centrado no aluno já

que só iam para o ensino regular os alunos que tivessem “condições” de acompanhar as

atividades rotineiras, as quais eram concebidas sem qualquer preocupação de adaptação

para atender às necessidades individuais. Consequentemente, a maioria desses

educandos continuava segregada em escolas ou classes especiais, por não apresentar

condições de ingresso nas turmas regulares (GLAT, FERREIRA, OLIVEIRA &

SENNA, 2003; GLAT & BLANCO, 2011).

Em síntese, as classes especiais, que deveriam ser um meio para o aluno alcançar

o ensino regular, tornaram-se um fim em si mesmas. E, mais grave ainda, como já

comentamos, acabaram, em muitos casos, tornando-se “depósitos” de alunos que 6As salas de recursos são espaços equipados com material pedagógico, recursos tecnológicos e outros equipamentos voltados ao atendimento das necessidades específicas dos alunos com deficiência. Os alunos frequentam as salas de recurso no contra turno do seu horário escolar, algumas vezes por semana.

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apresentavam problemas de aprendizagem, seja por condições orgânicas, seja por não

conseguir se adaptar às exigências rígidas da escola. De certa forma, o aluno era

“culpabilizado” --- devido a disfunções intrínsecas, deficiências, problemas emocionais

e/ ou sociais -- por seu fracasso escolar, sem que se buscasse na própria estrutura e

organização da escola as razões para o baixo nível de aprendizagem de tantas crianças e

jovens.

Outra dificuldade na efetivação da proposta de integração era a falta de interação

entre o professor regente da turma em que o aluno com deficiência frequentava e o

professor da sala de recursos que lhe daria suporte especializado. Em vez de trabalhar

em conjunto, o professor da turma comum seguia a rotina pré-programada sem fazer

qualquer adaptação em sua prática pedagógica para facilitar o acompanhamento do

aluno especial. Na realidade, pouca atenção era dada a esses alunos, e na maioria dos

casos a responsabilidade por sua aprendizagem era delegada ao professor da sala de

recursos. Em suma, neste modelo, que, reafirmamos, ainda é a realidade observada na

maioria das nossas escolas, integração representa apenas a presença física do aluno

especial na turma regular.

As críticas ao processo de exclusão na escola que o modelo de integração

perpetuava, aliadas às novas demandas e expectativas sociais, culminaram, na década de

1990, no que ficou conhecido como paradigma da inclusão. Juntamente com as

questões relacionadas à inclusão social das pessoas com deficiência, emergiu no cenário

educacional a proposta de Educação Inclusiva, mundialmente disseminada pela força de

organismos como a UNESCO, Banco Mundial e outras organizações internacionais.

A inclusão tem como um de seus princípios a ruptura com a ideia de padrão, de

absoluto. Marques (2001) também o chamou de “paradigma da acessibilidade”, pois

nele são contempladas a equiparação de oportunidades, independente de cor, raça,

classe social, sexo, deficiência etc. e o respeito e aceitação da diferença. Hoje, o

discurso da inclusão está na pauta do dia de grande parte dos países, seja por questões

raciais, de gênero, sexualidade, crença religiosa, condições orgânicas, entre outras. Os

ideais disseminados pela proposta da inclusão ressaltaram ainda mais as características

da sociedade da qual fazemos parte: uma sociedade diversificada, heterogênea, que

sente a necessidade de romper com os conceitos de padrão e normalidade socialmente

construídos e de lutar pelo reconhecimento da diferença.

É sob esta perspectiva que se constitui o conceito de inclusão escolar ou de

Educação Inclusiva. Nesta proposta em vez do aluno se adaptar à escola, como no

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modelo da Integração, agora é escola que têm que se adequar para atender a todos os

alunos, mesmo aqueles que apresentam alguma deficiência ou condição atípica de

desenvolvimento e/ou aprendizagem.

A Educação Inclusiva tornou-se referência internacional, sobretudo a partir da

segunda metade da década de 1990, com a difusão da Declaração de Salamanca

documento resultante da “Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais

Especiais: Acesso e Acessibilidade”, da qual participaram cerca de 100 países e

inúmeras organizações internacionais7. A Declaração de Salamanca estabelece entre

outros pressupostos que:

As crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas devem se adequar, já que tais escolas constituem os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias (...), construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a Educação para todos (UNESCO, 1994, p. 8-9).

A partir deste documento podemos vislumbrar dois aspectos significativos

quanto ao atendimento educacional dos alunos com deficiência. Primeiro, vale ressaltar

que o termo deficiência não aparece na citação acima, sendo substituído pela expressão

“crianças e jovens com necessidades educacionais especiais”. Este termo não se refere

apenas a pessoa com deficiência, mas a todos os indivíduos que por diferentes motivos,

em algum momento de suas vidas, necessitam de algum tipo de atendimento ou atenção

pedagógica especial. Necessidades educacionais especiais, como iremos aprofundar

posteriormente, não são provocadas somente por algum tipo de deficiência ou condição

orgânica, mas podem resultar de problemas sociais, culturais, entre outros, que

interferem no processo de aprendizagem dos sujeitos.

Cada aluno apresenta uma necessidade especial específica, pois ela está

intimamente relacionada à interação entre este aluno e a situação de aprendizagem em

que este se encontra (GLAT & BLANCO, 2011). Assim, para atender às necessidades

educacionais dos alunos, os recursos didáticos, metodologias, e currículo escolar,

muitas vezes precisam ser diferenciados. São necessárias adaptação e flexibilização dos

conteúdos, metodologias diversificadas de ensino, maneiras diferentes de avaliar a

aprendizagem entre outras mudanças na estruturação e organização do espaço escolar.

7A Declaração de Salamanca procurou contemplar as questões debatidas na Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien, na Tailandia, em 1990.

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Um aspecto importante da proposta de Educação Inclusiva, é a ênfase de que

são as escolas que tem que se adequar para atender a todos os alunos, e não s alunos

que tem que “estar preparado para” ou se adaptar à escola.

Não obstante, vivenciamos uma difícil realidade no cenário da educação em

nosso país, em que uma maior oferta de vagas tem implicado numa maior quantidade e

diversidade de alunos nas escolas. O fato é que, apesar das politicas públicas afirmarem

a inclusão escolar, este movimento não vem sendo acompanhado por mudanças

significativas na estrutura das escolas e do próprio sistema educacional. Como lembra

Blanco (2005, p. 07),

Os sistemas educacionais seguem oferecendo respostas homogêneas, que não satisfazem às diferentes necessidades e situações do alunado, o que se reflete em altos índices de reprovação e evasão escolar, que afetam em maior medida às populações que estão em situação de vulnerabilidade.

Sob esta perspectiva, entendemos que a deficiência deve ser compreendida como

uma condição interna do indivíduo que afeta significativamente o processo de ensino e

de aprendizagem, o qual poderá ser mais ou menos prejudicado em função da proposta

educacional oferecida. Portanto, o maior desafio da Educação Inclusiva é romper com

as práticas educativas que não levam em consideração as especificidades dos alunos e

seus diferentes tempos e modos de aprender.

É necessário ponderar que a inclusão de alunos com deficiência em classes do

ensino regular implica em modificações profundas na estrutura e funcionamento da

escola. Os resultados positivos da inclusão escolar perpassam pela adoção de

metodologias de ensino e avaliação diversificadas, adaptações curriculares,

arquitetônicas, de comunicação e informação, bem como profissionais capacitados,

entre outras medidas (PLETSCH, 2005; GLAT & BLANCO, 20118). Por isso não basta

apenas garantir o acesso de alunos com necessidades especiais à turma comum, é

preciso ter clareza de que esses sujeitos têm suas peculiaridades as quais tem que ser

levadas em consideração no planejamento educacional.

A inclusão contempla o direito à educação, à igualdade de oportunidades e de

participação. Porém, mais do que garantir o acesso das pessoas com deficiência às

escolas ou demais espaços sociais é necessário viabilizar a sua permanência e 8 Para um aprofundamento da proposta de Educação Inclusiva e sua aplicação com alunos com diferentes necessidades educacionais especiais ver Glat (2011).

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aprendizagem através da construção de propostas pedagógicas, que possam responder às

necessidades específicas dos alunos e educá-los na e para a diversidade. Nesse sentido,

a escola inclusiva requer uma abordagem diferente da educação tradicional, pautada na

heterogeneidade e não na homogeneidade, levando em consideração que cada aluno tem

características, interesses, motivações e experiências pessoais únicas, bem como uma

forma e ritmo próprio de aprendizagem.

Para termos uma sociedade, de fato, inclusiva, é necessário que haja uma

mudança geral de atitude, a partir do entendimento de que a deficiência ou qualquer

outra condição atípica, não resume toda a personalidade de uma pessoa, nem tão pouco

pode ser determinante de suas oportunidades educacionais, sociais e existenciais.

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II. A escola no contexto inclusivo

Na maioria dos países da contemporaneidade, num mundo globalizado e

diversificado, não se admite mais apenas um padrão único de “normalidade”, que sirva

como referência para todos. Ao contrário, no nosso dia a dia somos constantemente

desafiados a lidar e conviver com pessoas que apresentam diferentes formas de ser e de

se comportar. Como discutido na seção anterior, estamos vivendo na era da Inclusão.

Entre os grupos de indivíduos até recentemente marginalizados das esferas

sociais, e que hoje se tornam presentes nos espaços da escola, do trabalho, do lazer e até

mesmo da política, destacam-se as pessoas com deficiências ou que apresentam outras

necessidades especiais1. Entretanto, este não é um processo que ocorra espontânea ou

naturalmente, nem que dependa exclusivamente de uma abertura política e cultural. Pois

as características que marcam a diferença de pessoas com deficiências das ditas

“normais”, não se resumem a uma outra cor de pele, religião ou preferencia sexual. A

deficiência traz como consequência uma limitação na funcionalidade do indivíduo que,

para ser superada demanda uma configuração social diferenciada, adaptada e acessível

para ele, em diferentes níveis.

Nesta seção estaremos focalizando na inclusão escolar de alunos com diferenças

qualitativas de desenvolvimento e aprendizagem, os quais, como vimos, tem sido

tradicionalmente denominados como “alunos especiais”. Esta denominação é hoje

considerada inadequada, e até mesmo discriminatória, pois generaliza os sujeitos em um

único grupo homogêneo, ignorando suas particularidades e individualidades, e,

consequentemente, é de pouco valia para o planejamento de ações psicoeducacionais.

Para se pensar em desenvolver programas de inclusão e aprendizagem para

pessoas com deficiências tem-se que partir do pressuposto de que, independente do

diagnóstico, não se pode considerar que haja um conjunto de características físicas e

comportamentais fixas que definam um grupo etiológico (ou mesmo cultural). Como

colocado pelo próprio Ministério da Educação:

1.Como explicaremos mais adiante, necessidade especial não é o mesmo que deficiência.

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Os estudos mais recentes no campo da educação especial enfatizam que as definições e o uso de classificações devem ser contextualizado, não se esgotando na mera especificação ou categorização atribuída a um quadro de deficiência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão. Considera-se que as pessoas se modificam continuamente, transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, reforçando a importância dos ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem de todos os alunos (BRASIL, 2010, p. 21).

Isto quer dizer que uma categorização dada a um grupo de pessoas que

apresentam determinadas características físicas e/ou comportamentais não é suficiente

para determinar o tipo de interações sociais que os sujeitos poderão estabelecer, as suas

limitações para realizar uma tarefa ou ação específica, nem quais são exatamente as suas

principais dificuldades. Tudo depende dos contextos socioculturais em que os

indivíduos estão inseridos, dos estímulos aos quais são expostas, bem como do tipo de

oportunidades e recursos a eles disponibilizados.

Mas, certamente, existem semelhanças entre indivíduos, que levam a

classificações com bases nas quais os sujeitos são considerados como pertencentes a

determinados grupos. Por exemplo, pessoas com surdez têm em comum um limite

sensorial auditivo que diferencia o seu modo de se comunicar. Pessoas com deficiência

visual têm em comum o fato de não enxergar ou de enxergar muito pouco, que gera

diferença na área da locomoção e da mobilidade e na forma de ler e escrever. Pessoas

com deficiência intelectual tem maior dificuldade de compreensão cognitiva, o que

afetará sem processo de aprendizagem, e assim por diante.

Entretanto, estas classificações não se podem ser usadas, apenas como rótulos

que estigmatizam e segregam os indivíduos. Classificações etiológicas e outras são

úteis, apenas na medida em que permitem uma maior compreensão das necessidades

dos indivíduos, e que possibilitem se pensar em estratégias, recursos e opções para

ampliar sua participação social e garantir sua aprendizagem.

Conforme visto, a Educação Especial é a área de conhecimento e atuação que

atende sujeitos com deficiências (físicas, sensoriais, cognitivas e múltiplas) e outras

diferenças qualitativas de desenvolvimento (transtornos globais de desenvolvimento e

altas habilidades). Segundo o documento Marcos Político Legais da Educação

Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2010).

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Consideram-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse (p.21).

Todos esses sujeitos apresentam, em maior ou menor grau, necessidades

educacionais especiais... Mas não são os únicos! Basta analisarmos os índices de

fracasso e evasão escolar que constatamos que inúmeros alunos que não tem qualquer

limitação orgânica apresentam dificuldades de aprendizagem na escola2. Pode-se até

dizer que “a maioria dos alunos que fracassa na escola não tem, propriamente,

dificuldade para aprender, mas sim dificuldade para aprender da forma como são

ensinados!” (GLAT & BLANCO, 2011, pg.25).

Para que a escola cumpra, de fato, sua função de acolher todos os alunos, as

características individuais que anteriormente eram vistas como sinais de impossibilidade

ou dificuldade para aprendizagem, precisam ser consideradas como dados ou

informações relevantes para que se faça a adequação do ensino ao aluno (GLAT &

BLANCO, 2011). E é neste sentido que o conceito de necessidades educacionais

especiais forma a base para construção de uma educação inclusiva.

Segundo Glat & Blanco (2011) necessidades educacionais especiais são aquelas

demandas específicas dos alunos que, para aprender o que é esperado para o seu grupo

referência (ou seja, para acompanhar o currículo e planejamento geral da turma) vão

precisar de diferentes formas de interação pedagógica e/ou suportes adicionais. Em

2. Esclarecemos que os distúrbios de aprendizagem decorrentes de transtornos funcionais específicos, tais como: dislexia (dificuldade na leitura), discalculia (dificuldade na matemática) disortografia e disgrafia (dificuldades na escrita) transtorno de atenção e hiperatividade (TDAH) entre outras condições, não são considerados uma categoria a receber atendimento educacional especializado, segundo os critérios e indicações do MEC. No entanto, no nosso entendimento esses alunos apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem que demandam, sim, suporte especializado e deveriam poder usufruir dos serviços públicos da Educação Especial. Para maior aprofundamento sobre o processo de aprendizagem deste grupo de alunos ver Weiss e Cruz (2011).

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outras palavras, alunos que apresentam necessidades educacionais especiais precisarão

de recursos didáticos, metodologias e /ou currículos adaptados para viabilizar os

processos de ensino e aprendizagem. Muitos também precisarão de tempo diferenciado

(maior ou menor, no caso de alunos com altas habilidades) de seus colegas para

executar as atividades propostas e /ou aprender os conteúdos ensinados, durante todo ou

parte do seu percurso escolar.

O conceito de necessidade educacional especial engloba tanto as características

individuais do aluno, como o contexto sociocultural em que ele vive e se constitui.

Podem ter necessidades educacionais especiais, por exemplo, alunos que migram para

comunidades com língua, costumes e valores diferentes que já vinham sendo

constituídos por eles no convívio familiar e social. Imigrantes de outros países, ou

mesmo alunos que chegam às cidades oriundos de zonas rurais (geralmente com

defasagem na escolarização), quando ingressarem na escola provavelmente apresentarão

necessidades educacionais especiais, pelo menos, por algum tempo.

Também é frequente que manifestem necessidades educacionais especiais os

alunos das escolas e sistemas de ensino com currículos muito fechados e pouco

flexíveis, sobretudo se estes forem pautados em valores e expectativas das camadas

hegemônicas da população e desvinculados das suas vivências cotidianas. Este

problema é muito observado em escolas das comunidades economicamente

desfavorecidas, favelas, ou periferia urbana. É fácil de entender que crianças cujos pais

são semianalfabetos ou pouco letrados, vivendo em casas onde livros, revistas ou

jornais não fazem parte do cotidiano tenham mais dificuldade no processo de

alfabetização, sobretudo se não cursaram a Educação Infantil, do que crianças de

famílias mais aculturadas, acostumadas com livros e outros materiais escritos desde

pequenas.

Vale pontuar, porém, que esta situação não ocorre somente na escola pública ou

com alunos de nível socioeconômico e cultural baixo. No ensino privado, em escolas de

classe média e alta, também não é incomum encontrarmos alunos com dificuldades em

se adequar ou acompanhar a proposta curricular. E às vezes, basta mudar o aluno de

escola, que suas supostas dificuldades de aprendizagem “desaparecem” e ele passa a ser

bem sucedido. O que nos leva a pensar que a origem das dificuldades não estava

propriamente nos alunos, e sim na proposta pedagógica a eles veiculada.

E, finalmente, necessidades educacionais especiais são geralmente apresentadas

em sujeitos com diferenças qualitativas no desenvolvimento com origem em

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deficiências, distúrbios psicológicos e/ou de comportamento, transtornos globais do

desenvolvimento ou em altas habilidades. Ou seja, os alunos que acabam sendo

conhecidos como “especiais” e atendidos pela Educação Especial.

É importante ressaltar, também, que embora frequentemente usados como

sinônimos, inclusive na legislação, necessidade educacional especial não é o mesmo

que deficiência. O conceito de deficiência se reporta às condições orgânicas do

indivíduo, que podem resultar em uma necessidade educacional especial, porém não

obrigatoriamente (GLAT & BLANCO, 2011). Por exemplo, um aluno que tenha uma

deficiência física, que seja, digamos, cadeirante, se estiver em uma escola com boas

condições de acessibilidade, não terá qualquer problema em acompanhar

academicamente a turma. Mas, mesmo alunos com comprometimentos intrínsecos que

afetam diretamente a aprendizagem, se receberem o suporte adequado poderão ganhar

autonomia e seguir até os níveis mais altos de escolaridade. Há inúmeros estudantes

com deficiências, inclusive múltiplas, cursando Ensino Superior e até a pós-graduação.

O conceito de necessidade educacional especial, por sua vez, está intimamente

relacionado à interação do aluno com a proposta ou a realidade educativa com a qual ele

se depara. Ou seja, dependendo da metodologia utilizada o aluno poderá ter (ou não)

dificuldades de aprendizagem, independente de sua condição intrínseca.

Necessidade educacional especial não é uma característica homogênea e fixa de

um grupo etiológico, também supostamente homogêneo, e sim uma condição individual

e específica. Dois alunos com o mesmo tipo e grau de deficiência, ou oriundos da

mesma comunidade, podem requisitar diferentes adaptações de recursos didáticos e

metodológicos, ou levar diferentes tempos para adquirir uma mesma aprendizagem.

Imaginemos três alunos da mesma idade e com o mesmo grau e tipo de surdez: um se

comunica em língua de sinais, outro consegue utilizar a linguagem oral e fazer leitura

labial, e o terceiro não aprendeu nenhuma língua formal e usa um código próprio de

comunicação. Cada um desses alunos apresenta necessidades educacionais especiais

distintas e irá demandar uma estratégia pedagógica diferente.

Da mesma forma, um aluno que não tenha qualquer deficiência, pode, sob

determinadas circunstâncias, tais como mudança de escola, stress emocional, problemas

familiares, doença, etc, apresentar dificuldades para aprendizagem escolar formal que

demandem, por um tempo, suporte adicional ou mesmo especializado.

O relevante para os educadores é compreender que, independente da causa, se a

escola organizar e desenvolver adaptações curriculares adequadas, as necessidades

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educacionais especiais do aluno podem ser transitórias e ele poderá obter sucesso

escolar. Isso não significa que a deficiência esteja “curada”, ou que as condições

emocionais, sócio familiares ou de contexto do aluno tenham se modificado. Porém, a

transformação na prática pedagógica possibilitará que ele tenha um bom desempenho e

integração escolar.

Entretanto, se não houver atenção sistemática às necessidades educacionais

especiais individuais do aluno que se manifestam em sua interação com o contexto da

sala de aula, os processos de ensino e aprendizagem, sobretudo de alunos com

deficiências ou outros transtornos, ficarão prejudicados, tornando inviáveis sua inclusão

escolar e seu desenvolvimento acadêmico e intelectual.

Por isso, o paradigma da “sociedade inclusiva” leva em conta o princípio da

equidade, que observa os critérios de justiça, mas adapta uma regra a um contexto ou

uma situação específica para garantir a igualdade de oportunidade. Equidade “não

corrige o que é justo na lei, mas completa o que a justiça não alcança” (CARVALHO

FILHO, 2003). Equidade significa fazer diferente para os diferentes; ou seja, adaptar a

sociedade para que pessoas com necessidades específicas possam usufruir de todas as

oportunidades que as demais, de formas alternativas.

Por exemplo, uma criança cega, por exemplo, pouco aproveitará se for

matriculada diretamente em uma classe regular de alfabetização, pois ela precisará antes

se apropriar do código da escrita e da leitura por um outro sistema, que não é comum a

todos os alunos, que é o Braile. Um aluno surdo, proficiente apenas em Libras, para

assistir aulas em uma turma comum necessitará de um intérprete. Ou, ainda, alunos com

sérios limites motores ou de comunicação, como no caso da paralisia cerebral,

precisarão de recursos didáticos adaptados e/ou formas de comunicação alternativa para

garantir o acesso ao conhecimento.

O princípio da diferenciação foi reconhecido na Convenção Interamericana

para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas

Portadoras de Deficiência 9, da qual o Brasil é signatário. Este documento foi aprovado

pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 198, de 13 de junho de

2001, e promulgado pelo Decreto nº 3.956, de 08 de outubro de 2001, Presidência da

República. Entre outros pontos afirma que

9 Também conhecida como “Convenção da Gautemala”, foi fruto de uma conferência mundial sobre direitos de pessoas com deficiências, realizada na Guatemala, em 1999.

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Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência (BRASIL, 2001).

No âmbito escolar, a busca pela efetivação da inclusão exige, portanto,

professores capacitados para reconhecer e atender às necessidades educacionais

especiais dos alunos através do desenvolvimento e utilização de recursos e materiais

didáticos adaptados, de tecnologia assistiva3, bem como da flexibilização na estrutura

curricular e nas práticas pedagógicas. Vale ressaltar que esse tipo de ação não favorece

apenas os alunos com necessidades especiais, mas propicia a todos a possibilidade de

aprender por outros caminhos, com outras linguagens.

Este é o verdadeiro princípio da inclusão apontado na Declaração de Salamanca

(UNESCO, 1994):

Todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola.

Educação Inclusiva não significa, portanto, apenas colocar junto no mesmo

espaço físico alunos com ou sem necessidades especiais. Inclusão escolar implica em

promover a inserção e permanência destes alunos na escola, com a garantia de

aprendizagem efetiva, a partir de adequações pertinentes às necessidades por eles

apresentadas.

Uma escola inclusiva é aquela que compreende que toda forma de diversidade

entre os alunos é aceitável. É a que reconhece que planejar, quando necessário, 3. Tecnologia assistiva constitui-se em uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (CORDE, Comitê de Ajudas Técnicas, ATA VII, dez./2007. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedhctdpdh/corde/comite_at.asp.). Para maior aprofundamento no uso de tecnologia assistiva como recurso de acessibilidade curricular ver Fernandes, Antunes & Glat (2011).

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diferenciações na prática de ensino e nos critérios e formas de avaliação não significa

discriminar ou estigmatizar o aluno, mas sim promover a eliminação de barreiras que

impedem a sua aprendizagem e escolarização. Mas para isso, é preciso que os

professores sejam capacitados para compreenderem o processo ensino-aprendizagem

sob uma perspectiva da diversidade. Este será o tema que discutiremos na próxima

seção.

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III. Formação de Professores para Educação Inclusiva

No tópico anterior discutimos como a política de inclusão escolar, sobretudo

para alunos com deficiências ou outras necessidades especiais, implica em uma

reestruturação profunda da organização escolar. Entretanto, transformar uma escola

tradicional -- meritocrática e excludente -- em uma escola inclusiva não é uma meta

facilmente alcançada, sobretudo em países de dimensões continentais e em

desenvolvimento como o Brasil.

Entre outros aspectos, uma das maiores barreiras para a efetivação desta

proposta reside na falta de capacitação dos professores para atender à diversidade do

alunado que hoje ingressa na escola comum. Inúmeros estudos vêm mostrando que os

professores, embora sensibilizados com o conceito de / a ideia de inclusão escolar, se

sentem (e, de fato o são) pouco preparados para atender alunos com deficiência ou

outros transtornos (CARVALHO, 2004; OMOTE, 2004; PLESTCH, 2009; ANTUNES

& GLAT, 2011; entre outros). Neste sentido, a formação de professores, tanto inicial

como continuada, é uma das principais demandas que precisam ser atendidas para que o

contexto educacional brasileiro se adeque aos requisitos da Educação Inclusiva.

Embora a legislação brasileira seja bastante avançada, até mesmo para padrões

internacionais, sabemos que a promulgação de leis e diretrizes não significa que os

dispositivos propostos serão, efetivamente, implementados. A garantia de matrícula de

alunos com deficiências ou transtornos de desenvolvimento no sistema regular de

ensino, não basta para, automaticamente, tornar todas as escolas inclusivas e com

condições adequadas para a promoção do desenvolvimento acadêmico de todos os

alunos.

Uma Educação Inclusiva de qualidade, não implica somente no acesso e

permanência do aluno com deficiência no ensino regular, mesmo que ele esteja

socialmente integrado com seus colegas. Para além desse aspecto, é preciso possibilitar

seu aproveitamento acadêmico; caso contrário, esta política resultará em um aumento

nos índices do fracasso escolar.

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O aluno vai para a escola para aprender, para adquirir novos conhecimentos. Se

isto não acontece, cabe à escola identificar suas dificuldades específicas e desenvolver

estratégias para remover as barreiras que impedem a sua aprendizagem. Sem isso não há

inclusão educacional. A concretização da politica de inclusão no âmbito escolar,

portanto, exige que se valorize a diversidade dos estilos de aprendizagem, em vez da

homogeneidade. Por isso que Educação Inclusiva também é chamada de “Educação

para Diversidade”.

Não resta dúvida, como comentamos acima, que a grande maioria esmagadora

dos professores não está preparada para trabalhar em uma classe inclusiva. Esta situação

é, sem dúvida, oriunda da formação docente tradicional que privilegia uma concepção

estática do processo ensino-aprendizagem.

Por muito tempo acreditou-se um processo linear e padronizado de

aprendizagem e desenvolvimento “normal” e “saudável” para todos os sujeitos. Aqueles

que apresentassem algum tipo de dificuldade, distúrbio ou deficiência e / ou que não

conseguiam acompanhar o ritmo e o padrão “certo” eram considerados anormais (isto é,

fora da norma), eufemisticamente denominados de “alunos especiais”, e alijados do

sistema regular de ensino.

Esta concepção, por sua vez, acabou por gerar dois tipos de práticas pedagógicas

distintas e dois sistemas educacionais paralelos: o “normal” ou regular – para os alunos

considerados normais pelo padrão de aprendizagem para o qual ele foi preparado

durante sua formação; e o “especial” para os alunos que não se adequam à norma, ou

seja, os alunos “especiais” (GLAT & NOGUEIRA, 2002; 2003; GLAT & BLANCO,

2011).

Em outras palavras, esta visão dicotômica do processo de desenvolvimento e

aprendizagem, ainda muito prevalecente mesmo nos dias atuais, reforça o mito,

impregnado na prática pedagógica, de que existem dois grupos qualitativamente

distintos de alunos: os “normais” e os “especiais”, e consequentemente, duas categorias

distintas de professores: os professores “regulares” e os professores “especializados”.

Só que com o advento da Educação Inclusiva e da abertura das escolas para matrícula

de todos os alunos, essa organização do sistema escolar em “ensino especial” e “ensino

regular” cai por terra, já que todos os professores receberão em algum momento de sua

trajetória alunos, ditos, especiais em suas turmas.

Mas infelizmente os cursos de formação de professores, via de regra, ainda são

voltados para o modelo tradicional, mesmo quando incluem conteúdos ou disciplinas da

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Educação Especial. E assim, mesmo em plena vigência da política de inclusão,

continuam formando professores que não estão preparados para lidar com o alunado

diversificado que encontrará em suas salas de aula.

Como bem colocou Bueno (1999), um sistema educacional inclusivo, que se

propõe a oferecer qualidade educacional a todos os alunos -- mesmo aqueles que

apresentam necessidades educacionais especiais -- demanda professores com dois tipos

de formação profissional: professores “generalistas” do ensino regular, que tenham um

mínimo de conhecimento e prática sobre alunado diversificado e professores

“especialistas” no atendimento de alunos com diferentes necessidades educacionais

especiais (professores especializados para ensinar alunos surdos, cegos, com deficiência

intelectual, autismo, etc..). Estes últimos estariam voltados para apoiar o trabalho

realizado pelos professores de classes regulares bem como para, se for o caso, prestar

atendimento direto complementar a esse alunado em salas de recursos ou outras

modalidades de atendimento educacional especializado.

Recentemente, talvez pela maneira contundente como a política nacional de

Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) vem sendo veiculada e interpretada, criou-se, em

diferentes fóruns de discussão, uma falsa contradição entre Educação Especial e

Educação Inclusiva, como se o advento de uma significasse o término da outra.

Entretanto, a situação é exatamente o oposto. Com a Educação Inclusiva, a Educação

Especial ganha uma nova dimensão. Pois, para que a inclusão escolar de alunos com

deficiências ou outras condições atípicas de desenvolvimento possa se tornar uma

realidade, é fundamental que haja o suporte do professor especializado.

Vale ressaltar que, em termos conceituais, a diferença do modelo de Integração

vigente até a década de 1990 e o atual modelo de Inclusão é que, neste último. o

professor especializado de apoio não vai assumir a responsabilidade pelo processo

ensino-aprendizagem do aluno. Essa é tarefa do professor regente da turma. Aos

professores especializados cabem as ações de suporte tanto ao aluno, quanto, e talvez

mais importante, ao professor regente. Entretanto, como se pode constatar em diferentes

cenários educacionais, na prática, a relação de apoio e suporte esperada dos

profissionais especializados, por inúmeras razões, não se materializa (GLAT et all,

2003; FONTES, 2009; PLETSCH, 2009; BUCKLE, 2010; REDIG, 2010; GLAT &

PLETSCH, 2011; ).

Como já apontado, implementar uma política de Educação Inclusiva, certamente,

não é uma tarefa simples. Para oferecer uma educação de qualidade para todos os

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educandos, inclusive os que apresentam necessidades educacionais especiais, a escola

precisa reorganizar sua estrutura de funcionamento, metodologia e recursos

pedagógicos, e principalmente, conscientizar e capacitar seus profissionais para essa

nova realidade.

E esse processo requer o envolvimento do conjunto de educadores presentes no

universo escolar, e não apenas, no caso dos alunos com deficiências, daqueles ligados à

Educação Especial. Não restam dúvidas de que a chave para o sucesso da proposta está

no trabalho colaborativo e integrado entre os professores regentes do ensino regular e

os professores ou demais profissionais de suporte de Educação Especial (CAPELLINE

& MENDES, 2007; FONTES, 2009).

Não podemos deixar de destacar o papel fundamental do gestor escolar (diretor,

coordenador pedagógico, supervisor) neste processo. Pois o gestor é o elemento que tem

a responsabilidade de constituir a equipe, de promover a inclusão do aluno no contexto

escolar mais amplo, e também fazer a ponte com a família, que é um contexto cuja

importância nós não podemos minimizar.

Infelizmente, as pesquisas têm mostrado que, apesar do acréscimo no numero de

alunos especiais incluídos em turmas comuns, no cotidiano escolar eles continuam

(como nas décadas de 1970 e 1980, durante a vigência da política de Integração) sendo

considerados responsabilidade da Educação Especial. Ou seja, o aluno está incluído

fisicamente na turma comum, pode até ter uma boa integração social com os colegas,

mas está excluído do processo ensino aprendizagem (GLAT et all, 2003; FONTES,

2009; PLETSCH, 2010; REDIG, 2010; GLAT & PLETSCH, 2011; entre outros).

Certamente não se pode esperar que a inclusão em classes regulares de alunos

com deficiências ou outras condições que afetam diretamente a aprendizagem seja um

processo “espontâneo” ou simples de se concretizar, bastando apenas ter “vontade

política”. Patrocinar a inclusão escolar é como reformar um avião em pleno voo! Isto é

verdadeiro, sobretudo na realidade das nossas escolas, com precariedade de condições

de infraestrutura, número excessivo de alunos nas classes e os baixos salários dos

professores que, lhes obrigam a dobrar a jornada de trabalho deixando pouco tempo

para planejar suas aulas e se aperfeiçoar. Isto sem contar outros fatores ligados à

estrutura pedagógica curricular e à própria cultura escolar que, como comentamos,

ainda privilegia a figura do “aluno ideal”.

Queremos reiterar que a Educação Inclusiva significa que todos os alunos,

independente de suas condições socioeconômicas, raciais, culturais ou de

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desenvolvimento, serão acolhidos nas escolas regulares, as quais devem se adaptar

para atender às suas necessidades (UNESCO, 1994).

Para alcançar este ideal, a escola não pode mais ser seletiva, mas sim, promover

o acesso e a aprendizagem de todos os alunos, inclusive os que apresentam deficiências.

Para tal, precisa possibilitar aos seus professores e gestores uma formação continuada;

rever sua estrutura, organização, e projeto político-pedagógico; atualizar seus recursos

didáticos, metodologias, estratégias de ensino e práticas avaliativas; e, sobretudo,

repensar as suas escolhas curriculares – como esse currículo será desenhado e

desenvolvido no cotidiano escolar.

É importante ampliar nossos olhares para além de uma abordagem simplista de

que a inclusão em classes regulares de alunos com deficiências ou outras condições que

afetam a aprendizagem ocorrerá “naturalmente”. Ao contrário, exige reflexão e

planejamento para que sejam identificadas as necessidades de aprendizagem

específicas que ele apresenta em sua interação com o contexto educacional, que as

formas tradicionais de ensino não podem contemplar. Este é um processo complexo que

exige, para além de qualquer outra ação, uma adequada formação continuada de

profissionais.

Em síntese, sob o paradigma da Inclusão, a instituição escolar deve incorporar

em seu projeto político pedagógico e em seu currículo (e aqui estamos nos referindo a

currículo de forma ampla, englobando não só o conteúdo programático, mas também o

planejamento, metodologias, estratégias de ensino e avaliação) ações que favoreçam

uma aprendizagem significativa para todos os alunos, independente de suas condições

intrínsecas ou socioculturais, e isso depende de professores formados para a

diversidade.

Apesar de todas as dificuldades, é preciso reconhecer que, nas últimas décadas,

foram alcançados significativos avanços em relação à inclusão de pessoas com

deficiências e outras necessidades específicas em variados espaços sociais,

principalmente a escola, mesmo com todos os desafios que isto tem representado. Mas

ainda há a necessidade de problematizar outras questões, como por exemplo, o processo

de transição destes alunos da escola para o mercado de trabalho. É o que discutiremos a

seguir.

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IV – A inclusão no trabalho: um percurso que se inicia na escola

Como viemos discutindo no decorrer deste texto, a inclusão escolar de alunos

com deficiências e outros transtornos de desenvolvimento vem sendo uma temática

privilegiada, tanto nos espaços acadêmicos, quanto na esfera das políticas públicas.

Embora ainda haja muito a ser construído no caminho para uma escola inclusiva, é

preciso também voltar atenção para o que acontece com essas crianças e jovens após o

período destinado à escolarização, quando ingressam numa nova etapa existencial, ou

seja, na vida adulta.

Uma das consequências positivas e desejáveis da inclusão escolar é que esses

indivíduos estejam preparados para atuarem socialmente como cidadãos autônomos e

produtivos em sua comunidade. Para tal, é importante que se leve em consideração que

a transição do “mundo da escola” para o “mundo do trabalho”, por assim dizer, é um

processo complexo, que demanda orientação e planejamento. Por isso, é fundamental

que programas educacionais dirigidos a este alunado também envolvam a formação

profissional.

O ingresso no mercado de trabalho, sob diferentes condições, é uma etapa

determinante no processo de amadurecimento de qualquer jovem. Mas, no caso de

jovens com deficiências, que, em grande parte, tem uma escolarização precária, esta

situação demanda ações educativas mais pontuais, nos programas e serviços

psicoeducacionais que atendem a este público.

Diversos estudos, realizados com populações escolares em diferentes contextos

(CAMARANO, PAZIANATO & VIANA, 2003; OLIVEIRA, PINTO & SOUZA,

2003; VIEIRA, 2008; entre outros), vem apontando os sentimentos de angústia, dúvida

e indecisão compartilhados por jovens, independente da classe social, em relação à

transição para vida adulta, sobretudo, no que tange à sua inserção no mercado de

trabalho. Esta é uma realidade que não pode ser ignorada, uma vez que o processo

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educacional, da forma como se desenvolve na maioria das escolas, quer sejam da rede

pública ou da privada, pouco prepara o jovem para o enfrentamento dos desafios do

mundo profissional competitivo.

Para Vieira (2008) o período relativo ao fim da adolescência e inicio da fase

adulta é marcado por importantes mudanças, entre as quais podemos destacar a

passagem do status de estudante para o de trabalhador (ou, no caso de jovens que

trabalham e estudam, fim da era essencialmente dedicada à escola). Segundo a autora,

este período, que é vivenciado diferentemente dependendo do contexto econômico,

cultural e familiar no qual o jovem está inserido, pode ser entendido como um “segundo

nascimento”, quando é preciso que o jovem se defina, adquira e consolide posições e

papéis sociais por si mesmo. Ou seja, em algum momento, o indivíduo deixa de ser

caracterizado pela dependência familiar e a necessidade de suportes dos adultos,

ascendendo para uma nova condição de vida, como cidadão emancipado, autônomo e

responsável.

Para os jovens com deficiência, a situação é bem mais complexa, uma vez que a

muitos continuarão tendo necessidade de suportes – em maior ou menor intensidade --

ao longo da vida10. Assim sendo, a qualidade do processo educacional, no sentido amplo

do termo, a eles oferecido é determinante para qualidade de sua passagem para a fase

adulta e as oportunidades sociais das quais poderão vir a usufruir.

Conforme já pontuado, se a escola encontra dificuldade para preparar o jovem

dito “normal” para os desafios atuais do mundo do trabalho, o que dirá para os jovens

com deficiências, para quem o processo é ainda mais conflituoso; não só para eles,

como também para suas famílias. Logo, é importante que os educadores se preocupem

em desenvolver estratégias e ações que levem em conta as singularidades destes alunos

e que valorizem suas aptidões, para que eles possam progredir socialmente quando

saírem da escola.

Sobre esta questão, a já mencionada Declaração de Salamanca, utilizada como

referência para subsidiar nossas políticas públicas educacionais, entre suas proposições,

coloca que:

Jovens com necessidades educacionais especiais deveriam ser auxiliados no sentido de realizarem uma transição efetiva da escola para o trabalho. Escolas deveriam auxiliá-los a se tornarem

10 Isto é particularmente pertinente para indivíduos com deficiência intelectual, múltipla ou transtornos globais do desenvolvimento, como autismo.

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economicamente ativos e provê-los com as habilidades necessárias ao cotidiano da vida, oferecendo treinamento em habilidades que correspondam às demandas sociais e de comunicação e às expectativas da vida adulta.(...) O currículo para estudantes mais maduros e com necessidade educacionais especiais deveria incluir programas específicos de transição, apoio de entrada para a educação superior sempre que possível e consequente treinamento vocacional que os prepare a funcionar independentemente enquanto membros contribuintes em suas comunidades e após o término da escolarização. Tais atividades deveriam ser levadas a cabo com o envolvimento ativo de aconselhadores vocacionais, oficinas de trabalho, associações de profissionais, autoridades locais e seus respectivos serviços e agências (UNESCO, 1994).

No Brasil, entre os documentos legais que revelam a preocupação com a

inclusão laboral da pessoa com deficiência, destacamos a Constituição Federal que

assegura o direito à educação profissional visando integrar socialmente o adolescente e

o adulto com deficiência (BRASIL, 1988). Este tópico também é presente na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9394/96) – que no seu inciso

IV assegura:

Educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora. (BRASIL, 1996)

Também é importante citar o Decreto nº 3298 de 20/12/99 (BRASIL, 1999)

sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que, em

seu artigo 28 – parágrafo 1, afirma que a educação profissional da pessoa com

deficiência deverá ser oferecida nos níveis básico, técnico e tecnológico, em escola

regular, em instituições especializadas e no ambiente de trabalho.

De acordo com o Artigo 35 do referido decreto, são consideradas modalidades

de inserção laboral da pessoa portadora de deficiência:

I – colocação competitiva: processo de contratação regular, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, que independe da adoção de procedimentos especiais para sua concretização, não sendo excluída a possibilidade de utilização de apoios especiais;II – colocação seletiva: processo de contratação regular, nos termos da legislaçãotrabalhista e previdenciária, que depende da adoção de procedimentos e apoios especiais para sua concretização; e

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III – promoção do trabalho por conta própria: processo de fomento da ação de uma ou mais pessoas, mediante trabalho autônomo, cooperativado ou em regime de economia familiar, com vista à emancipação econômica e pessoal (BRASIL, 1999)

Estes, e outros, documentos e diretrizes consideram a escola como a instituição

responsável por coordenar ações que façam com que o aluno com deficiência ou outros

transtornos seja auxiliado na formação profissional e preparação para o trabalho.

Não podemos deixar de destacar, também, a Lei Federal 8.213/91 de

24/07/91(BRASIL, 1991), conhecida como a “Lei de Cotas”, que prevê a contratação de

2% a 5 %11 de pessoas com deficiência em empresas com mais de cem funcionários. A

lei também proíbe qualquer ato discriminatório em relação ao salário ou critério de

admissão em função da condição de deficiência.

No entanto, apesar de todo este aparato legal, estamos ainda longe de viabilizar o

acesso e permanência de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Além de

questões de ordem socioeconômica por um lado, e o preconceito, superproteção familiar

e barreiras atitudinais por outro, o grande fator impeditivo é a falta de escolaridade e

qualificação profissional desta população (SASSAKI, 1997; GOYOS & MELLETTI,

1998; NORONHA & AMBIEL, 2006; ARAUJO, 2008). Ou seja, mesmo existindo uma

política que vise garantir o ingresso de pessoas om deficiência no mercado de trabalho,

muitas empresas encontram dificuldade em cumprir as cotas por falta de profissionais

preparados para exercer as funções disponíveis.

Certamente não estamos querendo negar as dificuldades intrínsecas inerentes à

condição de deficiência; no entanto, temos que reconhecer que no Brasil há uma grande

carência de programas de orientação e preparação para o trabalho para estes jovens. De

fato, mesmo nas instituições e serviços especializados a formação profissional

geralmente não é priorizada como componente curricular. E quando existem tais

programas, na maioria dos casos, não levam em conta as aptidões e interesses dos

alunos e /ou são desvinculados da demanda do mercado de trabalho local.

É importante, citar, porém, que já há registro de experiências exitosas na

inclusão laboral de pessoas com deficiências em empregos remunerados, através de

formas alternativas de formação e acompanhamento profissional que facilitam a

inserção do sujeito no mercado de trabalho formal (LUECKING, 2001; 2011;

McINERNEY, C. A., McINERNEY, M., RODRIGUES, P. & ROCHA MIRANDA, C.

11 O percentual a ser aplicado deve estar de acordo com o número total de empregados da empresa contratante.

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E., 2007; ARAUJO, 2008; PROGRAMA INTEGRANDO, 2009; CARVALHO,

MASCARO e ROCHA, 2010). Estes projetos mostram que a grande maioria das

pessoas com deficiência, quando recebe o suporte adequado, tem condições de

participar do processo produtivo. E, assim, imersas, como os demais, no mundo do

trabalho, ampliam suas possibilidades de inclusão social e bem estar existencial.

Existem diferentes estratégias e metodologias para capacitar para o trabalho e

ampliar as opções de empregabilidade de pessoas com diferentes graus de

comprometimento. De modo geral os programas mais eficazes de qualificação

profissional para pessoas com deficiências incluem dois aspectos primordiais. Primeiro,

um treinamento sistematizado nas tarefas a serem desenvolvidas, preferencialmente, no

próprio ambiente natural. E segundo, oferecimento de suporte, se possível, por um

profissional especializado, no local de trabalho. Araújo (2008) denomina este tipo de

enfoque emprego apoiado. O suporte, que dependerá do grau de comprometimento do

indivíduo, poderá ser gradativamente retirado na medida em que ele esteja já adaptado à

rotina do emprego.

Outra metodologia, originalmente desenvolvida nos Estados Unidos e

recentemente introduzida no Brasil, é o chamado emprego customizado. Neste modelo a

colocação no emprego é feita com base em uma articulação entre as demandas do

empregador e as possibilidades da pessoa a ser empregada. Através de uma análise de

como o trabalho é desenvolvido em uma determinada empresa, um profissional

especializado desenvolve para o empregado com deficiência uma adaptação de como a

tarefa é executada, de modo que o sujeito possa desenvolvê-la de forma autônoma. É

um processo semelhante às adaptações curriculares feitas para inclusão escolar,

discutidas anteriormente.

Em muitos casos, as adaptações propostas originam um novo posto de trabalho

ou nova função que não existia antes, que pode ser executada pelo individuo com

deficiência, mas que, ao mesmo tempo, amplia a otimização e a produtividade da

empresa. Assim, todos lucram, pois o individuo tem um emprego personalizado, isto é

“customizado” para suas aptidões e habilidades, mas que contribui com o rendimento da

empresa (LUECKING, 2011).

Essas e outras estratégias de formação profissional, preparação e inclusão de

pessoas com deficiências no mercado de trabalho abrem um caminho promissor, porém

ainda carecem de maior disseminação e validação. Diferentes tipos e graus de

comprometimento demandam diferentes alternativas. Conforme já comentado,

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contamos em nosso país com um respaldo legal que incentiva a formação profissional e

a empregabilidade desta população, mas não é o bastante. É importante que haja um

maior investimento na pesquisa por diferentes estratégias de ensino e treinamento que

viabilizem este processo em sujeitos com necessidades especiais diferenciadas.

O ideal seria que a preparação profissional, ocorresse enquanto o jovem ainda

estivesse na escola. Independente do espaço onde aconteça a escolarização, seja em

escola comum ou uma instituição especializada, é importante que a proposta curricular

inclua um planejamento que vise encadear ações pedagógicas efetivas voltadas para sua

futura inserção no mundo do trabalho e na vida social adulta, de modo geral.

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Considerações finais

A proposta deste texto foi apresentar, de forma sucinta, uma visão geral sobre o

processo de inclusão escolar e social de pessoas com deficiências e outras necessidades

educacionais especiais, bem como indicar possíveis caminhos para sua efetivação.

Certamente não tivemos a pretensão de esgotar o tema ou de oferecer respostas

prontas a questões tão complexas, que ainda carecem de mais pesquisas, estudos,

reflexões e debates. Esperamos ter podido, no mínimo, despertar no leitor, o interesse

sobre o assunto. Não cabendo, portanto, conclusões, nos limitaremos em tecer algumas

considerações, reforçando aspectos que julgamos essenciais para a compreensão do

processo de inclusão sob a ótica aqui abordada.

Partimos da premissa de que, independente da estrutura educacional que lhes

seja oferecida, todos os alunos têm direito de frequentar a escola e aprender, inclusive

aqueles com necessidades educacionais especiais. Cabendo à escola proporcionar

experiências significativas, que lhes possibilitem compartilhar dos conhecimentos

culturais socialmente construídos.

Também entendemos que a possibilidade ou potencial de aprendizagem e

desenvolvimento de um indivíduo não se constitui uma característica ou condição

intrínseca fixa, determinada por seu diagnóstico clínico ou qualquer outra avaliação

quantitativa. Na realidade, suas possibilidades se ampliam na medida em que lhe

proporcionamos suportes e condições adequadas de aprendizagem, nos diversos campos

de conhecimento. Pode-se dizer, então, que é o atendimento de suas necessidades que

determina as possibilidades de aprendizagem do aluno.

Não resta dúvida de que a vivência escolar inclusiva em muito amplia as

habilidades sociais desses sujeitos, oferecendo-lhes meios de expressão e inserção

social. No entanto, como para os demais alunos, a escola deve proporcionar não apenas

o convívio, mas a construção de conhecimentos, com os quais possam interagir no

mundo. Pois, pouco adianta oferecer a alunos com deficiências o direito de frequentar a

escola comum, sem que esta lhes propicie condições de motivação, participação e de

aprendizagem e lhe prepare para o futuro.

Nossa experiência acumulada em muitos anos trabalhando com esse alunado nos

permite afirmar que, sobretudo nos casos de maior comprometimento, dificilmente eles

poderão aprender e se desenvolver acadêmica e socialmente se não receberem na escola

os recursos adequados -- em muitos casos, especializados -- para o atendimento de suas

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necessidades educacionais específicas. Este sistema de suporte inclui tanto ações de

apoio ao professor da turma comum, quanto o trabalho direto com o aluno, quando

pertinente.

A Educação Inclusiva não pode significar, portanto, como levianamente vem

acontecendo em alguns sistemas escolares, a descontinuidade dos serviços da Educação

Especial. Muito pelo contrário, de certa forma, esses serviços são até ampliados na

medida em que esta deixa de ser uma modalidade paralela, tornando-se um elemento

integrante e integrador presente no cotidiano de todas as escolas. Em outras palavras,

com a adoção desta nova proposta educacional rompe-se a dicotomia entre ensino

“especial” e ensino “regular”.

Pode-se dizer, então, que a Educação Inclusiva é a questão mais atual da

Educação Especial, justamente por colocar para a área o desafio de participar do

contexto da escola comum, mantendo, porém, sua especificidade. É importante deixar

claro, que não estamos propondo um retorno ao modelo de Integração, em que cabia à

Educação Especial preparar o aluno para ingressar na turma comum ou lhe fornecer um

suporte educacional paralelo para suprir as defasagens do ensino regular, sem que

houvesse qualquer interação entre as duas modalidades.

Como discutimos, na concepção de Educação Inclusiva, a escola regular deve se

adaptar para receber todos os alunos, independente de sua história prévia de

escolarização. E, ao ser inserido em uma classe comum, o aluno com necessidades

educacionais especiais torna-se responsabilidade da equipe geral da escola e do

professor regente, mesmo que haja outros profissionais envolvidos com seu processo de

ensino-aprendizagem. A Educação Inclusiva não exige do aluno “prontidão” de

habilidades escolares para ingresso na classe comum, nem limita o tipo de apoios que

ele possa demandar para que sua aprendizagem aconteça. Mas, sim, procura oferecer-

lhe as respostas educativas adequadas às suas necessidades, mesmo que sejam recursos

especializados.

Em que pesem diferentes concepções, o fato é que Educação Inclusiva é hoje

política educacional garantida pela legislação a nível federal, estadual e municipal. Cabe

aos órgãos governamentais e às instituições públicas e privadas implementá-la de forma

satisfatória, considerando o contexto e as peculiaridades locais.

Para os educadores, desenvolver estratégias de ensino-aprendizagem que

atendam à diversidade do alunado que frequenta as escolas atuais é mais do que um

desafio, é a base da docência comprometida com uma educação ética de boa qualidade

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para todos. Ao contrário do que ocorria há algumas décadas quando apenas um grupo de

“profissionais dedicados” escolhia trabalhar com alunos ditos especiais, hoje não existe

mais essa opção; pois qualquer professor, em algum momento de sua trajetória

profissional, terá alunos com necessidades especiais em sua classe, e deverá ter

conhecimentos básicos e autonomia para criar estratégias mais condizentes de ensino

com esta nova realidade.

Também é importante observar que o processo de inclusão deve se dar em todos

os níveis e modalidades de ensino, e mesmo no Ensino Superior. E em todos eles os

suportes especializados, nas suas diversas modalidades, têm que estar disponíveis para o

aluno, adequando-se às necessidades específicas de cada um. Também voltamos a

enfatizar que, para alunos com deficiências, a escolarização deve ir além do ensino de

conteúdos acadêmicos e proporcionar orientação e capacitação para uma transição

menos traumática para vida adulta, o que implica, em preparação para o trabalho, em

diferentes níveis e modalidades, de acordo com a situação pessoal, aptidões e

habilidades de cada indivíduo.

Certamente isso não acontecerá imediatamente; alternativas precisam ser

buscadas cotidianamente, a partir da interação com cada aluno com necessidades

especiais que ingressa na escola ou cada trabalhador com deficiência que ingressa na

empresa. Inclusão não é uma proposta pronta, mas, um processo, e o seu planejamento,

execução e avaliação devem ser revistos constantemente, a fim de que novas estratégias

sejam desenvolvidas.

Queremos reiterar nossa posição de que dadas condições adequadas, a grande

maioria dos alunos, com necessidades educacionais especiais ou não, se beneficiará

muito mais de um ensino inclusivo do que segregado. A criação de novas estratégias

pedagógicas e adaptações de recursos didáticos, como discutido, contribuirão para

tornar mais fácil o processo ensino-aprendizagem de todos aqueles que apresentem

dificuldades de aquisição de determinados conteúdos. Ao mesmo tempo, tais adaptações

tornam possível que alunos com e sem deficiência aprendam juntos.

Na sociedade em que vivemos, a escola representa, cada vez mais, o principal

espaço de socialização, fora do âmbito familiar. Nesse sentido, repetimos que a escola

inclusiva é altamente benéfica para crianças e jovens com deficiências ou demais

condições atípicas de desenvolvimento, pois lhes proporciona a experiência de aprender,

desde cedo, a lidar acadêmica e socialmente em uma sociedade plural.

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Isso não significa, entretanto, que a inserção em uma classe regular seja sempre

a melhor opção educacional para todos. Há alunos que ainda necessitam de ambientes

mais estruturados, turmas menores e, muitas vezes, atendimento individualizado. O

ponto que queremos destacar é que inclusão se dá, legitimamente, em diferentes níveis

de conhecimento e em tempos diferenciados, dependendo da necessidade específica de

cada indivíduo. Se um aluno precisa de um suporte especializado para se alfabetizar, por

exemplo, que ele possa ter acesso a este numa classe especial ou sala de recursos. No

entanto, não se pode perder de foco que a inclusão na classe regular é sempre o

parâmetro a ser buscado.

Nossa perspectiva de Educação Inclusiva, portanto, não se contrapõe à

existência dos serviços especializados substitutivos como classes ou escolas especiais.

O que se pressupõe é a incorporação desses serviços sob uma nova concepção de

trabalho colaborativo. Em outras palavras, ao invés de defender, como vem sendo feito

em alguns meios, o fechamento das escolas especializadas, estamos propondo que as

mesmas revejam o seu papel, fortalecendo-se como centros de referência para formação

de recursos humanos, pesquisas, produção de material adaptado, consultorias. Também

tem, como uma de suas atribuições, proporcionar atendimento educacional

especializado para alunos incluídos no ensino comum e desenvolver projetos de

capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho.

Um dos aspectos mais marcantes do modelo de inclusão escolar é que o aluno

com necessidades especiais passa a ser considerado de fato, e não só formalmente, um

aluno da escola. Para tal é fundamental o trabalho integrado e a troca de experiências

entre os professores do ensino comum e da Educação Especial. Neste sentido, o trabalho

em equipe, aliado a um sistema de suportes especializados, tem se mostrado um recurso

essencial na construção de uma Educação Inclusiva.

Destacamos ainda que, entendemos que inclusão, ou qualquer outro processo

que implique em mudanças de atitudes e práticas pedagógicas, é de longo prazo. Novas

propostas sempre coexistirão com novos desafios e obstáculos, que poderão ser

contornados na medida em que o educador considere a deficiência ou dificuldade de um

aluno não como um limite, mas como uma característica que merece um olhar especial e

demanda uma atenção individualizada e diferenciada.

Finalizando, esperamos que, com as reflexões e questões aqui apresentadas

tenhamos alcançado o propósito de estimular e despertar o desejo de construir novos

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conhecimentos e desenvolver novas posturas profissionais que considerem a diversidade

como oportunidade de inovar, de fazer diferente, de ser diferente!

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