Incêndios florestais entre Mondego e Zêzere no período de ... · relativas aos outros concelhos...

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13 Risco Dendrocaustológico em Mapas Incêndios florestais entre Mondego e Zêzere no período de 1975 a 1985 * Introdução As serras de xisto do Centro de Portugal são, todos os anos, uma das áreas mais afectadas por incêndios florestais, motivo porque foram escolhidas para a realização deste estudo. Infelizmente, cedo houve necessidade de reduzir essa área confinando-a, apenas, aos concelhos situados entre os rios Mondego e Zêzere, pertencentes à Circunscrição Florestal de Coimbra (fig. 1). A carência de informações relativas aos outros concelhos das serras de xisto não permitia tratá-los em pé de igualdade com os da Circunscrição de Coimbra. No entanto, assiste-se nos últimos anos, e é com agrado que se regista esse facto, a um esforço por parte da Circunscrição Florestal de Viseu no sentido de também nela se proceder à cartografia das áreas queimadas, em moldes semelhantes aos dos trabalhos pioneiros realizados desde 1975, pela Circunscrição Florestal de Coimbra e que permitirão, de futuro, alargar a área em estudo à inicialmente prevista. Dos registos arquivados na Circunscrição Florestal de Coimbra (1) obtiveram-se elementos estatísticos a partir dos quais se procuraram mostrar, talvez de modo mais preciso, quantitativa e graficamente, situações de todos nós conhecidas mas que, por vezes, já estão um pouco esquecidas pelo passar * Comunicações, I Congresso Florestal Nacional, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2 a 6 de Dezembro de 1986, p. 152-155 e Cadernos de Geografia, Coimbra, I.E.G., 1988, nº. 7, p. 181-189. 1 Agradeço aos Eng. os Silvicultores LINO PIRES e LUÍS PINHEIRO, e aos Eng. os Técnicos de Produção Florestal AMÉRICO QUADROS, DUARTE PESSOA, LUÍS SOARES e NELSON GOMES, da Circunscrição Florestal de Coimbra, a amabilidade com que sempre nos receberam e esclareceram, bem como as facilidades concedidas tanto na consulta como na cedência dos elementos sem os quais não seria possível levar a bom termo este trabalho. Aos alunos do curso de Geografia Física I, de 1984/85 e de 1985/86 que, ao longo de muitas horas, foram fazendo a recolha de grande parte dos dados e a FERNANDO COROADO, que desenhou as figuras, expresso também o meu reconhecimento.

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13Risco Dendrocaustológico em Mapas

Incêndios florestais entre Mondego e Zêzere noperíodo de 1975 a 1985*

Introdução

As serras de xisto do Centro de Portugal são, todos os anos, uma das áreasmais afectadas por incêndios florestais, motivo porque foram escolhidas para arealização deste estudo.

Infelizmente, cedo houve necessidade de reduzir essa área confinando-a,apenas, aos concelhos situados entre os rios Mondego e Zêzere, pertencentes àCircunscrição Florestal de Coimbra (fig. 1). A carência de informaçõesrelativas aos outros concelhos das serras de xisto não permitia tratá-los em péde igualdade com os da Circunscrição de Coimbra.

No entanto, assiste-se nos últimos anos, e é com agrado que se regista essefacto, a um esforço por parte da Circunscrição Florestal de Viseu no sentido detambém nela se proceder à cartografia das áreas queimadas, em moldessemelhantes aos dos trabalhos pioneiros realizados desde 1975, pelaCircunscrição Florestal de Coimbra e que permitirão, de futuro, alargar a áreaem estudo à inicialmente prevista.

Dos registos arquivados na Circunscrição Florestal de Coimbra(1)

obtiveram-se elementos estatísticos a partir dos quais se procuraram mostrar,talvez de modo mais preciso, quantitativa e graficamente, situações de todosnós conhecidas mas que, por vezes, já estão um pouco esquecidas pelo passar* Comunicações, I Congresso Florestal Nacional, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2 a 6 de

Dezembro de 1986, p. 152-155 e Cadernos de Geografia, Coimbra, I.E.G., 1988, nº. 7, p. 181-189.

1 Agradeço aos Eng. os Silvicultores LINO PIRES e LUÍS PINHEIRO, e aos Eng. os Técnicos de Produção FlorestalAMÉRICO QUADROS, DUARTE PESSOA, LUÍS SOARES e NELSON GOMES, da Circunscrição Florestal de Coimbra,a amabilidade com que sempre nos receberam e esclareceram, bem como as facilidades concedidas tanto naconsulta como na cedência dos elementos sem os quais não seria possível levar a bom termo este trabalho.Aos alunos do curso de Geografia Física I, de 1984/85 e de 1985/86 que, ao longo de muitas horas,foram fazendo a recolha de grande parte dos dados e a FERNANDO COROADO, que desenhou as figuras,expresso também o meu reconhecimento.

14 Luciano Lourenço

Fig. 1 - Esboço de localização.

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ESPINHO

OVAR

MURTOSAESTARREJA

AVEIRO

ÍLHAVO

ALBERGARIA-A-VELHA

SEVER DO VOUGA

ÁGUEDA

ANADIA

VAGOS

OLIVEIRA DO BAIRRO

MIRA

CANTANHEDEMEALHADA

PENACOVA

COIMBRA

MORTÁGUA

TÁBUA

OLIVEIRA DO HOSPITAL

ARGANIL

GÓIS

VILA NOVA DE POIARES

MONTEMOR-O-VELHO

CONDEIXA-A-NOVA

SOURE

POMBAL ANSIÃO

PENELA

MIRANDA DO CORVO

LOUSÃ

CASTANHEIRA DE PÊRA

PAMPILHOSA DA SERRA

PEDROGÃP GRANDE

FIGUEIRÓ DOS VINHOS

ALVAÍAZERE

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**FIGUEIRA DA FOZ

0 10 20 Km

Sede de Crcunscrição Florestal

Sede de Administração Florestal

Sede do Concelho

Limite de Circunscrição

Limite de Administração

Limite do Concelho

Área estudada

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15Risco Dendrocaustológico em Mapas

dos anos ou, até, um pouco deformadas pela falta de informações adequadas ecorrectas no momento em que decorreram.

A divulgação destes elementos é também a revelação de muitas horas detrabalho levadas a cabo por “mera carolice”, no dizer dos própriosintervenientes (e as coisas não podem ser feitas só por, ou quando há, carolice)trabalhos esses que, provavelmente, estariam condenados a ficar arrumadosnas prateleiras e que são fundamentais para quem quiser abordar a temáticados incêndios florestais em Portugal Continental.

Cartografia dos grandes incêndios florestais

Uma rápida análise às áreas queimadas na Circunscrição Florestal deCoimbra (QUADRO I) mostra claramente os concelhos do litoral como osmenos afectados e, simultaneamente, os do interior, das serras de xisto, comoos mais devastados (fig. 2).

Esta realidade acentua-se ainda mais quando se relacionam as áreas ardidascom as áreas reais dos concelhos (fig. 3) e torna-se verdadeiramente surpreendentequando se comparam aquelas com as áreas florestais concelhias (fig. 4).

Os acentuados contrastes entre os concelhos do litoral e os concelhos dointerior seriam ainda mais marcados se, em vez de trabalhar com superfíciesprojectadas, se considerassem as áreas reais. É evidente que com áreasverdadeiras todos estes valores seriam ainda mais exacerbados pois as florestasocupam, de modo geral, as vertentes onde os declives são mais acentuados eonde, por conseguinte, as áreas projectadas são menores, ficando reduzidas ametade ou valores ainda inferiores sempre que os declives alcançam ouultrapassam 60°.

A ausência de incêndios com áreas queimadas ž 10 ha, na generalidade dosconcelhos litorais, bem como o número elevado de incêndios com áreasž10 ha, nas serras de xisto, é explicável por um conjunto de factores físicos ehumanos, aparentemente conhecidos, mas que importa definir com precisão.Nas circunstâncias actuais é extremamente difícil fazê-lo com rigor,nomeadamente no que respeita a algumas variáveis climáticas: temperatura,

16 Luciano Lourenço

QUADRO I - Elementos estatísticos dos concelhos da Circunscrição Florestalde Coimbra

Fonte: Circusncrição Florestal de Coimbra

DISTRITO

ÁguedaAlbergaria-a-VelhaAnadiaAveiroEspinhoEstarrejaÍlhavoMealhadaMurtosaOliveira do BairroOvarSever do VougaVagos

ArganilCantanhedeCoimbraCondeixa-a-NovaFigueira da FozGóisLousãMiraMiranda do CorvoMontemor-o-VelhoOliveira do HospitalPampilhosa da SerraPenacovaPenelaSoureTábuaVila Nova de Poiares

AlvaiázereAnsiãoCastanheira de PêraFigueiró dos VinhoPedrógão GrandePombal

Mortágua

33 35015 50621 71318 240

214210 643

6 83611 114

5 8048 728

14 63612 98516 515

32 77539 27531 68314 11637 94326 37213 91612 20112 69822 86223 89339 64921 76913 24926 39119 975

8 382

16 00017 998

6 68617 19512 85962 636

24 859

18 0099 055

11 0744 159

6512 9801 4774 7121 1492 6457 2597 3377 151

14 68121 00310 409

4 84117 76912 971

7 4898 1107 2127 465

12 94319 59813 582

5 13610 73910 201

4 547

4 4323 7983 0298 3058 320

28 750

13 523

54,058,451,022,830,428,021,642,419,830,349,656,543,3

44,853,532,634,346,849,253,866,356,632,654,249,462,438,840,751,154,2

27,721,145,348,364,745,9

54,4

4 553493614--------

5 270-

19 187-

3 860663890

13 8315 377

-6 848

-4 967

35 2844 4323932

2 1337 1314 373

1424341

4 6477 6106 868

860

5 318

13,653,182,83--------

40,59-

58,54-

12,184,702,35

52,4538,64

-53,93

-20,7988,9920,3629,688,08

35,7052,17

8,901,89

69,5044,2653,412,97

21,39

25,285,455,55--------

71,82-

130,69-

37,0813,70

5,00106,6371,80

-94,95

-38,8

180,0432,6376,5619,8669,8196,17

32,138,98

153,4291,6382,55

6,50

39,33

CONCELHOáreatotal(ha)

áreaarbori-zada(ha)

taxa dearbo-

rização (ha)% àáreatotal

% àáreaarb.

ÁREA ARDIDA (1975-85)

AVEIRO

COIMBRA

LEIRIA

VISEU

17Risco Dendrocaustológico em Mapas

Fig. 2 - Áreas ardidas (ha) na Circunscrição Florestal de Coimbra.

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ESPINHO

OVAR

MURTOSAESTARREJA

AVEIRO

ÍLHAVO

ALBERGARIA-A-VELHA

SEVER DO VOUGA

ÁGUEDA

ANADIA

VAGOS

OLIVEIRA DO BAIRRO

MIRA

CANTANHEDEMEALHADA

PENACOVA

COIMBRA

MORTÁGUA

TÁBUA

OLIVEIRA DO HOSPITAL

ARGANIL

GÓIS

VILA NOVA DE POIARES

MONTEMOR-O-VELHO

CONDEIXA-A-NOVA

SOURE

POMBAL ANSIÃO

PENELA

MIRANDA DO CORVO

LOUSÃ

CASTANHEIRA DE PÊRA

PAMPILHOSA DA SERRA

PEDROGÃP GRANDE

FIGUEIRÓ DOS VINHOS

ALVAÍAZERE

*

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**FIGUEIRA DA FOZ

0

1 - 999

1000 - 2 499

2 500 - 4 999

5 000 - 7 499

7 500 - 14 999

15 000 - 34 999

> 35 000

0 10 20 Km

Sede de Crcunscrição Florestal

Sede de Administração Florestal

Sede do Concelho

Limite de Circunscrição

Limite de Administração

Limite do Concelho

Área estudada

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18 Luciano Lourenço

Fig. 3 - Percentagem das áreas ardidas relativamente às áreas totais dos concelhos.

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OVAR

MURTOSAESTARREJA

AVEIRO

ÍLHAVO

ALBERGARIA-A-VELHA

SEVER DO VOUGA

ÁGUEDA

ANADIA

VAGOS

OLIVEIRA DO BAIRRO

MIRA

CANTANHEDEMEALHADA

PENACOVA

COIMBRA

MORTÁGUA

TÁBUA

OLIVEIRA DO HOSPITAL

ARGANIL

GÓIS

VILA NOVA DE POIARES

MONTEMOR-O-VEELHO

CONDEIXA-A-NOVA

SOURE

POMBAL ANSIÃO

PENELA

MIRANDA DO CORVO

LOUSÃ

CASTANHEIRA DE PÊRA

PAMPILHOSA DA SERRA

PEDROGÃP GRANDE

FIGUEIRÓ DOS VINHOS

ALVAÍAZERE

*

*

*

*

*

**FIGUEIRA DA FOZ

0

1 - 9

10 - 24

25 - 39

40 - 54

55 - 69

70 - 84

> 85

0 10 20 Km

Sede de Crcunscrição Florestal

Sede de Administração Florestal

Sede do Concelho

Limite de Circunscrição

Limite de Administração

Limite do Concelho

Área estudada

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19Risco Dendrocaustológico em Mapas

Fig. 4 - Percentagem das áreas ardidas relativamente às áreas florestais concelhias.

0

1 - 9

20 - 39

40 - 69

70 -79

80 - 99

100 - 149

> 150

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ESPINHO

OVAR

MURTOSAESTARREJA

AVEIRO

ÍLHAVO

ALBERGARIA-A-VELHA

SEVER DO VOUGA

ÁGUEDA

ANADIA

VAGOS

OLIVEIRA DO BAIRRO

MIRA

CANTANHEDEMEALHADA

PENACOVA

COIMBRA

MORTÁGUA

TÁBUA

OLIVEIRA DO HOSPITAL

ARGANIL

GÓIS

VILA NOVA DE POIARES

MONTEMOR-O-VEELHO

CONDEIXA-A-NOVA

SOURE

POMBAL ANSIÃO

PENELA

MIRANDA DO CORVO

LOUSÃ

CASTANHEIRA DE PÊRA

PAMPILHOSA DA SERRA

PEDROGÃP GRANDE

FIGUEIRÓ DOS VINHOS

ALVAÍAZERE

*

*

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*

*

**FIGUEIRA DA FOZ

0 10 20 Km

Sede de Crcunscrição Florestal

Sede de Administração Florestal

Sede do Concelho

Limite de Circunscrição

Limite de Administração

Limite do Concelho

Área estudada

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20 Luciano Lourenço

humidade relativa, precipitação, rumo e velocidade do vento, pois estas não sepodem limitar a uma única estação, muitas vezes situada longe dos incêndiose, sobretudo, sujeita a condições muito localizadas que se afastam dascondições gerais da região que serve.

Neste domínio é urgente a instalação de estações climatológicas nas serrasde xisto, onde são praticamente inexistentes, e sem as quais é impossívelconhecer com precisão as situações locais favoráveis à ocorrência dos incêndiosflorestais. A partir dos valores obtidos nessas estações seria possívelestabelecer alertas à população em geral e aos serviços de detecção e combateaos incêndios, em particular, consoante os índices de perigo de incêndio queviessem a ser definidos.

Mas há muito mais para ser feito, até se obter o controlo sobre os grandesincêndios, uma vez que não é possível evitar o aparecimento dos pequenosfocos. Os serviços oficiais conhecem as medidas que devem ser tomadas nessesentido. Esperemos que este Congresso também sirva para apressar a suaentrada em vigor de modo a que, nos próximos anos, se reduzamdrasticamente as áreas devoradas pelas chamas.

Estatísticas dos grandes incêndios florestais

Retomando a análise e centrando-a nos 15 concelhos entre o Mondego e oZêzere, verifica-se que são, de modo geral, os concelhos mais próximos dolitoral e os situados junto ao rio Mondego aqueles que apresentam áreasardidas menos significativas. Em contapartida, constata-se que estasaumentam à medida que nos aproximamos do Zêzere, ou seja, logo que nosembrenhamos nas serras de xisto.

O concelho de Pampilhosa da Serra ocupa sempre, destacado, o 1.º lugar. Aárea ardida, no período de 1975 a 1985, é superior a 35 000 ha, alcançando90% da superfície do concelho e 180% da área florestal (figs. 2, 3, 4, 5 eQUADRO I), o que significa que, durante este período, a superfície dita florestalardeu, quase toda, duas vezes. Na realidade, alguns locais até já foramqueimados por mais vezes.

21Risco Dendrocaustológico em Mapas

Perante esta situação, num pequeno parênteses, poderia perguntar-se:porque é que isto sucede? Poderia, inclusivamente, ir-se mais longe,procurando saber-se: até que ponto e até quando é que esta situação se vaiarrastar? Poderia analisar-se: o que é que já foi feito para evitar que a florestaexistente continue a ser pasto das chamas? Poderiam colocar-se, ainda, muitasoutras questões e, infelizmente, para a maioria delas, a resposta seria unânime:Muito pouco ou nada se fez do que deveria ter sido efectivamente feito. Todosconhecemos as dificuldades económicas do país, mas elas, só por si, não sãosuficientes para explicarem e muito menos para justificarem os incêndiosflorestais. Seria até um contrasenso. E que pensar das consequênciasgeográficas dos incêndios florestais tanto nos seus aspectos físicos(hidrológicos, geomorfológicos, climáticos e biogeográficos), como nos seusaspectos económicos, sociais e humanos?

Regressando aos valores percentuais, o concelho de Castanheira de Pêra,atendendo à exiguidade da sua área, surge em 2.º lugar, com mais de 150% dasua superfície florestal dizimada nestes onze anos. Aparecem, depois osconcelhos situados a Norte da Pampilhosa da Serra, Arganil e Góis, commais de 100% da área florestal queimada. Seguem-se-lhes os concelhosocidentais de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Miranda do Corvo eVila Nova de Poiares com mais de 80% da superfície florestal ardida.O concelho da Lousã, com pouco mais de 70%, fica envolvido por aquelesconcelhos. Como as caracteristícas são semelhantes, esta redução no valordas áreas queimadas dever-se-á, certamente, à existência dos Centros deDetecção e Combate a Incêndios Florestais, instalados no aeródromo daLousã, cuja proximidade fará atenuar esse valor.

Os concelhos que apresentam os valores mais baixos são, evidentemente,aqueles que marginam as serras, ou seja, aqueles em que apenas parte da suaárea se desenvolve nas serras de xisto. A ocidente, os concelhos de Alvaiázere,Ansião e Penela fazem a transição para as serras calcárias, enquanto que osconcelhos de Oliveira do Hospital, Tábua e Penacova, este desenvolvendo-se,em parte, a Noroeste do Mondego, fecham a Norte a área em estudo.

Relativamente à distribuição dos incêndios florestais ž10 ha, entre oMondego e o Zêzere, no período de 1975-85, verifica-se uma grande

22 Luciano Lourenço

irregularidade (fig. 5). Por um lado, o ano de 1977, devido à ocorrência deprecipitação durante o Verão, registou apenas dois incêndios. Por outro lado,os anos de 1979 e 1981, com 64 cada, detêm o maior número de fogos.

Entre esta disparidade de valores surgem numerosas siuações intermédiasque primam pela irregularidade. Assim, os anos de 1975 e 1984, com 15 e 13incêndios, respectivamente, podem associar-se aos anos de 1976 e de 1980,com 22 e 26 cada, constituindo um grupo intermédio com um número baixode incêndios florestais por ano. O outro grupo intermédio, com um númerorelativamente elevado de fogos florestais/ano, é composto pelos anos de 1978,1982, 1983 e 1985, com 37, 36, 48 e 42 incêndios/ano respectivamente.

Na relacionação do número de incêndios ž10 ha com áreas ardidas verifica-seuma não menor discrepância de valores (fig. 6). A título meramente comparativoapresentam-se, também, as áreas queimadas na Circunscrição Florestal deCoimbra, que permitem ressaltar, mais uma vez, a importância da área escolhidacomo área-amostra crítica do ponto de vista de incêndios florestais.

Fig. 5 - Áreas ardidas, entre Mondego e Zêzere, no período de 1975-85.

23Risco Dendrocaustológico em Mapas

Conclusão

Se, efectivamente, aos anos com menos incêndios florestais correspondem,logicamente, as menores áreas ardidas, já o mesmo não acontece com os anosde maior número de incêndios. Se ao ano de 1981, com o maior número deincêndios, corresponde a maior área ardida, já o mesmo não sucede no ano de1979, com o mesmo número de incêndios que 1981 mas com uma áreaqueimada muitíssimo inferior (cerca de menos 1/3). Em 1985, a áreaqueimada aproxima-se da área ardida em 1981, mas com um menor númerode incêndios, o que dá uma maior área ardida por incêndio.

Perante tamanha diversidade anual, parece pouco correcto estabelecermédias para o período em estudo pois careceriam de qualquer ligação com arealidade que se pretende ilustrar. O certo seria, sem dúvida, e com este apelose termina, a eliminação das causas que continuam a proporcionar tão grandediversidade de situações, pois, logo que estas fossem atenuadas, a disparidadeseria grandemente reduzida e, então, poder-se-ia falar em valores médios, jáque os desvios à média passariam a ser pouco significativos.

Fig. 6 - Incêndios Florestais >10 ha (1975-85).

0 50 100 150 2000100 75 50 25

% relativamente às áreas totais % relativamente às áreas arborizadas

Ansião

Arganil

Góis

Lousã

Miranda do Corvo

Oliveira do Hospital

Pampilhosa da Serra

Penacova

Penela

Tábua

Vila Nova de Poiares

Alvaiázere

Castanheira de Pêra

Figueiró dos Vinhos

Pedrogão Grande

área concelhia (não queimada) área ardida área arborizada