Indenização Por Doença Psíquica No Ambiente de Trabalho. O Direito (e o Juiz) No Fogo Cruzado Do...

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148 Rev. TST, Brasília, vol. 78, n o 1, jan/mar 2012 INDENIZAÇÃO POR DOENÇA PSÍQUICA NO AMBIENTE DE TRABALHO. O DIREITO (E O JUIZ) NO FOGO CRUZADO DO NEXO CAUSAL Marcelo Furtado Vidal * “Viver é muito perigoso (...) Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar.” Guimarães Rosa 1 – INTRODUÇÃO V êm-se tornando cada vez mais frequentes as reclamações trabalhistas que veiculam o sofrimento psíquico e doenças mentais às condições de trabalho, com subsequente pedido de indenização por dano moral. Essa expansão veio acompanhada de recepção normativa. O Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regimento da Previdência Social), alterado pelo Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, no anexo II, que trata dos Trans- tornos Mentais e do Comportamento relacionados ao trabalho, enumera diversas patologias psíquicas, como o stress grave, transtornos de adaptação, stress pós- traumático, a neurose profissional, transtorno do ciclo vigília-sono, síndrome de burn out (sensação de estar acabado) e síndrome do esgotamento profissional, todas possuindo como agentes etiológicos determinadas condições de trabalho, como reação após acidente do trabalho grave, problemas relacionados com o emprego e desemprego, ameaça de perda de emprego, desacordo com o patrão e colegas de trabalho, outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho, má adaptação à organização do trabalho e ritmo de trabalho penoso. * Juiz titular da 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte; Mestre em Filosofia do Direito (UFMG); Mestre em Direito Social (Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha).

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  • 148 Rev. TST, Braslia, vol. 78, no 1, jan/mar 2012

    INDENIZAO POR DOENA PSQUICA NO AMBIENTE DE TRABALHO. O DIREITO

    (E O JUIZ) NO FOGO CRUZADO DO NEXO CAUSAL

    Marcelo Furtado Vidal*

    Viver muito perigoso (...) Querer o bem com demais fora, de incerto jeito, pode j estar sendo se querendo o mal, por principiar.

    Guimares Rosa

    1 INTRODUO

    Vm-se tornando cada vez mais frequentes as reclamaes trabalhistas que veiculam o sofrimento psquico e doenas mentais s condies de trabalho, com subsequente pedido de indenizao por dano moral.Essa expanso veio acompanhada de recepo normativa. O Decreto n

    3.048, de 6 de maio de 1999 (Regimento da Previdncia Social), alterado pelo Decreto n 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, no anexo II, que trata dos Trans-tornos Mentais e do Comportamento relacionados ao trabalho, enumera diversas patologias psquicas, como o stress grave, transtornos de adaptao, stress ps-traumtico,aneuroseprofissional,transtornodocicloviglia-sono,sndromedeburn out(sensaodeestaracabado)esndromedoesgotamentoprofissional,todas possuindo como agentes etiolgicos determinadas condies de trabalho, como reao aps acidente do trabalho grave, problemas relacionados com o emprego e desemprego, ameaa de perda de emprego, desacordo com o patro ecolegasdetrabalho,outrasdificuldadesfsicasementaisrelacionadascomotrabalho, m adaptao organizao do trabalho e ritmo de trabalho penoso.

    * Juiz titular da 16 Vara do Trabalho de Belo Horizonte; Mestre em Filosofia do Direito (UFMG); Mestre em Direito Social (Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha).

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    O anexo II foi incorporado pela Portaria n 1.339/99, do Ministrio da Sade, que tratou, entre outros tpicos, dos transtornos mentais e do compor-tamento relacionados com o trabalho.

    Quanto depresso, apesar da ausncia de previso expressa, a doutrina no deixa dvidas de que poder ser considerada como doena do trabalho a partir do reconhecimento do nexo causal entre a doena e o trabalho, na forma do 2 do art. 20 da Lei n 8.213/91.

    Alis, por fora do mesmo dispositivo legal, alm da depresso, a lista de possveis doenas mentais ou estados de sofrimentos psquicos relacionados ao trabalhopermaneceumtipoabertoquepodeserconfigurado,aindaqueno conste da relao do anexo II do Decreto n 3.048/99, dado o seu carter exemplificativo.Paraqueadoenamentalsejaenquadradacomoacidentedotrabalho basta que exista percia mdica que ateste o nexo causal.

    Ainda no apontado quadro de expanso normativa, merece destaque a Portaria do Ministrio do Trabalho e Emprego n 3.751/90, que alterou a Por-taria n 3.214/78 da NR-17.

    Entre as medidas estabelecidas para a proteo da sade do trabalhador, inclusive mental, a Portaria consigna que a organizao do trabalho deve ser adequadas caractersticaspsicofisiolgicasdos trabalhadores e naturezado trabalho a ser executado, devendo levar em considerao, no mnimo, as normas de produo, o modo operatrio, a exigncia de tempo, a determinao do contedo de tempo, o ritmo de trabalho e o contedo das tarefas.

    O entendimento de que a sade mental deve ser protegida emana da pr-priaConstituioFederal,quefixa,comodireitodotrabalhador,areduodosriscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade, higiene e segurana (CF, art. 7, XXII).

    A Lei n 8.080, de 19 de setembro de 1990, de outro lado, protege ex-pressamenteasademental,quandopontificanopargrafonicodoseuart.3 que: Dizem respeito tambm sade as aes que, por fora do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir s pessoas e coletividade condies de bem-estar fsico, mental e social.

    No plano internacional, a Conveno n 155, art. 3, alnea e, da Organi-zao Internacional do Trabalho (OIT), estabeleceu que o termo sade, com relao ao trabalho, abrange no s a ausncia de afeces ou de doenas, mas

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    tambm os elementos fsicos e mentais que afetam a sade e esto diretamente relacionados com a segurana e higiene no trabalho1.

    Porfim,conformeressaltaMarthaHalfeldFurtadodeMendonaSchmidt,a lista de Doenas Ocupacionais de que trata a Recomendao n 194 da OIT foi recentemente atualizada pelo seu Conselho de Administrao, que aprovou, em 25 de maro de 2010, a nova relao de doenas ocupacionais, com a incluso, pela primeira vez, de desordens mentais e comportamentais, por exemplo, o transtorno de estresse ps-traumtico (SCHMIDT, 2010, v. 51, n 81, p. 498).

    No pode restar qualquer dvida de que a sade mental bem juridi-camente protegido, enfeixando o quadro normativo atual elementos mais que suficientesconclusodequeosofrimentomentalpossuioupodepossuirco-nexo com o contrato de trabalho, bastando o seu reconhecimento pela percia mdica previdenciria.

    Com base nessa concluso, pergunta-se: um empregado que recebe benefcioacidentrioporsofrerdetranstornopsquico(neuroseprofissional,F48.8) em decorrncia de desentendimentos com o patro e os colegas de tra-balho (Z56.6), tem assegurado o recebimento de indenizao por danos morais emateriaisemreclamaotrabalhistaajuizadacomessefim?

    A recepo normativa que possibilita o enquadramento legal do sofri-mento mental, no quadro de diversos distrbios psquicos, tem engendrado dois entendimentos principais.

    A primeira parte do pressuposto de que o nexo causal da doena mental, no mbito da normatividade que lhe deu origem, tem repercusso exclusiva na esferadainfortunstica,ouseja,significaqueolegisladoroptouemvinculardeterminados quadros de sofrimento psquico s condies de trabalho, dando ensejo ao trabalhador receber auxlio-doena acidentrio, ou mesmo se apo-sentar por invalidez.

    A responsabilidade, aqui, objetiva, porque o trabalhador tambm contribui para a Previdncia Social e a empresa paga um percentual a mais parafinanciarosbenefciosprevidencirios,noseconfundindocomares-ponsabilidade civil, restando ntegro o direito de o empregador comprovar em juzoanoconfiguraodonexocausal,bemcomoaausnciadeculpadoempregador, neste ltimo caso, com base na teoria subjetiva da culpa (art. 7, XXVIII, da CF).

    1 Conveno aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n 2, de 17 maro de 1992, e promulgada pelo Decreto n 1.254, de 29 de setembro de 1994.

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    Realmente, na esfera administrativa, o enquadramento da patologia mental como de natureza ocupacional advm de um nexo presumido, o nexo tcnico epidemiolgico, institudo pelo art. 21-A da Lei n 11.430, de 26 de dezembro de 2006, enquanto, em Juzo, a patologia recebe investigao mais detalhada, estando a percia mdica obrigada a cumprir todo um itinerrio na investigao do nexo, tal como previsto no art. 2 da Resoluo n 1.488 do Conselho Federal de Medicina.

    Sobre essa distino, leciona Sebastio Geraldo de Oliveira:

    De todo modo, o reconhecimento pela Previdncia Social de um benefcio de natureza acidentria no assegura, necessariamente, a existnciadonexocausalparafinsderesponsabilidadecivil.Porsetratarde presuno juris tantum, poder o empregador apresentar provas em sentido contrrio, demonstrando que aquele acidente ou adoecimento no teve vnculo causal com a execuo do contrato de trabalho. A deciso administrativa do INSS, apesar de todos os atributos do ato administra-tivo, no vincula o Poder Judicirio. Entretanto, se o empregador no apresentar provas convincentes para afastar a presuno, tem-se como atendidoo pressuposto donexo causal parafinsde reparao civil.(OLIVEIRA, 2009, p. 142)

    Para efeito do seguro acidentrio, a Lei conferiu uma amplitude maior ao nexo causal, incluindo situaes no relacionadas diretamente com o trabalho, a causalidade indireta, ocorrendo que algumas hipteses de eventos cobertos pelo seguro acidentrio, no mbito da responsabilidade civil so enquadradas como excludentes do nexo causal ou da indenizao como so os acidentes ocorridos por motivo de fora maior, caso fortuito, bem como aqueles provocados pela prpria vtima ou por terceiros (OLIVEIRA, 2009, p. 135-136).

    Prossegue o mesmo doutrinador estabelecendo outras diferenas:

    Essa diversidade de tratamento de nexo causal decorre da dife-rena do bem jurdico protegido ou do interesse tutelado: de um lado os benefcios da infortunstica e de outra parte as reparaes da respon-sabilidade civil. O seguro acidentrio tem carter marcadamente social com apoio na teoria da responsabilidade objetiva na modalidade do risco integral.Seasociedadecomoumtodobeneficiriadoprogressoedotrabalho dos empregados, tambm deve ampar-los por ocasio dos infortnios, socializando os riscos. (...) Por outro lado, no mbito da responsabilidade civil, s haver obrigao de indenizar se houver nexo causal ou concausal ligando o acidente ou a doena com o exerccio do

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    trabalho a servio da empresa. (...) Na esfera da responsabilidade civil o interesse protegido individual. Pelo seguro acidentrio a sociedade, por intermdio da autarquia previdenciria, ampara a vtima ou seus dependentes, concedendo-lhes prestaes alimentares para garantir a sobrevivncia digna; na responsabilidade civil o lesante deve reparar o prejuzo total, apoiado no princpio restitutio in integrum. (OLIVEIRA, 2009, p. 137-139)

    Assim, segundo essa primeira interpretao, o nexo causal sofreria evidente restrio na esfera da responsabilidade civil, como, por exemplo, nas hipteses das excludentes do nexo causal (culpa exclusiva da vtima, caso fortuito ou de fora maior e fato de terceiro). E, ainda que ultrapassadas as etapasdaconfiguraododanoedonexocausal,haveriaapossibilidadedeo empregador provar que no agiu com culpa, respaldado na teoria subjetiva, consoante interpretao emanada do art. 7, inciso XXVIII, da CF2.

    No obstante esse primeiro posicionamento, corrente doutrinria e juris-prudencial tem dado maior alcance ao nexo causal estabelecido pela infortu-nstica, alm de no entender cabvel a aplicao da teoria subjetiva da culpa.

    Jos Affonso Dallegrave Neto, por exemplo, apesar de reconhecer que a prova do nexo estabelecido pela infortunstica seja apenas juris tantum, atribui umefeitotranscendenteaonexotcnicoepidemiolgico,afirmando:

    Geralmente a caracterizao de acidente do trabalho por parte domdicoperitodoINSSparafinsdeliberaodebenefciosprevi-denciriossuficienteparatambmcaracterizaronexocausalentreotrabalho executado pelo reclamante e a doena desenvolvida em sede de ao trabalhista indenizatria. (DALLEGRAVE NETO, 2007, v. 46, n 76, p. 146)

    Afora esse vis exegtico, de conhecimento geral que a indenizao baseada na culpa est cada vez mais cedendo espao para a teoria objetiva, sendo a sua prevalncia uma questo de tempo.

    Nas hipteses de doenas mentais ou sofrimentos psquicos, portanto, com o enfraquecimento da teoria da culpa, a tendncia que a matria contro-vertidafiquereduzidaourestringidadiscussodonexocausal,cabendoaoempregadorproduzirprovarobustadanoconfiguraodonexo,oudaconfi-

    2 Neste ltimo caso, Teresinha Lorena Saad, citada por Sebastio Geraldo de Oliveira, diz o seguinte: a reparao infortunstica decorre da teoria do risco, amparada pelo seguro social a cargo da Previdncia Social, enquanto a responsabilidade civil comum tem como supedneo a culpa do patro ou seu pre-posto (OLIVEIRA, 2009, p. 79).

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    gurao das excludentes do nexo (culpa exclusiva da vtima, fato de terceiro, caso fortuito ou de fora maior)3.

    O assunto adquire a dimenso que lhe prpria quando se constata que, de acordo com dados e previses da Organizao Mundial de Sade (OMS), no ano de 2020, a depresso, uma das doenas causadoras de sofrimento psquico, ser a primeira causa de incapacitao para o trabalho.

    Da a importncia de uma melhor compreenso sobre o nexo causal nas hipteses de doenas mentais e sofrimentos psquicos relacionados com o trabalho.

    Amatrianoapresentagrandedificuldadequandoostranstornosditosmentais esto relacionados a agentes etiolgicos fsicos, qumicos ou biolgicos.

    A polmica emerge quando o alegado sofrimento se diz relacionado aos chamados riscos psicossociais e outros de tipos abertos, como condies gerais de trabalho, problemas relacionados com o emprego e o desemprego, desacordo com o patro e colegas, ritmo de trabalho, diviso de tarefas e toda uma gama de questes subjetivas e objetivas envolvendo a convivncia diria das pessoas no ambiente de trabalho, sendo essas as causas mais presen-tes que vm determinando o aumento do nmero de pedidos de indenizaes pordanomoralematerialemreclamaestrabalhistas,ficandoodesenlacedos pedidos, em grande parte, dependente das concluses da percia mdica.

    Entretanto, a concluso cartesiana da infortunstica no sentido de que sofro, logo meu empregador o responsvel, no vem recebendo a chancela pericial em grande parte dos laudos mdicos que so apresentados em Juzo.

    DamesmaformaquenoDireitohjurisprudnciaconflitantesobreummesmoassunto,nombitodosdomnioscientficosvizinhosaoDireito,equese ocupam historicamente do estudo do sofrimento psquico, como a psico-patologia, a psiquiatria e a psicanlise, existem grandes divergncias entre os marcos tericos.

    3 Sobre isso, preleciona Jos Affonso Dallegrave Neto: No h dvida de que a presena de NTEP entre o ramo da atividade econmica (CNAE) e a entidade mrbida motivadora da incapacidade relacionada naCIDconstitui-seemumcritrioeficazparafinsdeenquadramentonahiptesedopargrafonicodoart.927doCdigoCivil.Trata-sedemtodoobjetivo,cientficoecomguaridalegal(art.21-AdaLei n 8.213/91). Logo, pode-se dizer que em todos os casos em que se presumir que a doena seja ocupacional pela adoo do NTEP, estar-se- diante de atividade normal de risco, aplicando-se a res-ponsabilidade civil do empregador independentemente de investigao de culpa patronal. Nada mais razovel se considerarmos que esse critrio se fundamenta em estatsticas epidemiolgicas. Nessas circunstncias, o empregador somente se desobrigar da indenizao se comprovar de forma robusta que aquela doena ocupacional, a despeito de estar relacionada com o trabalho, foi adquirida por culpa exclusiva da vtima, fato e terceiro ou fora maior (DALLEGRAVE NETO, 2007, v. 46, n 76, p. 146).

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    Muitos do importncia maior subjetividade e personalidade prvia do empregado, a ponto de excluir o nexo causal e a responsabilidade do em-pregador.

    Outros entendem que o intrapsquico fator de somenos importncia, existindo determinantes sociais do sofrimento.

    O pice dessa polmica, agora transportada para o Direito, teve incio comasseguintesafirmaesdeChristopheDejours:

    Contrariamente ao que se poderia imaginar, a explorao do sofrimento pela organizao do trabalho no cria doenas mentais es-pecficas.Noexistempsicosesdotrabalho,nemneurosesdotrabalho.At os maiores e mais ferrenhos crticos da nosologia psiquitrica no conseguiram provar a existncia de uma patologia mental decorrente do trabalho (...) As descompensaes psicticas e neurticas dependem em ltima instncia da estrutura das personalidades, adquirida muito antes do engajamento na produo. (DEJOURS,1992, p. 122)

    A divergncia, originalmente estabelecida entre mdicos, psiclogos, psicanalistas e psiquiatras, foi integralmente transferida para o campo do Di-reito, convocando o jurista a tomar uma posio.

    2 A CONTROVRSIA ENTRE OS REFERENCIAIS TERICOS

    Ao longo do sculo XIX, o Judicirio apelou para o discurso mdico para que esse se pronunciasse sobre a responsabilidade do sujeito, ou se ele era ou no imputvel.

    Agora, o fenmeno, de certa forma, inverteu-se, porquanto a rea da psi que constantemente procura convencer o Direito sobre a maior ou menor responsabilidade do sujeito.

    Atualmente, as chamadas interfaces entre Direito e psicanlise, Direito e psicologia, Direito e psiquiatria e Direito e percia mdica consubstanciam iniciativas tanto de institutos ou associaes de psicanalistas como de mdicos, psiclogos,psiquiatras,advogados,juzeseoutrosprofissionaisdoDireito.

    A demanda mtua, no cabendo mais aquela tradicional indagao im-pressionante que o psicanalista formulava antes de uma palestra ou conferncia: porqueoconvite?oufiqueipensandoporqueumanalistanessaesfera?

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    Psiclogos, com ou sem formao psicanaltica, fazem concurso e ingressam nos Tribunais de todo o pas, fazem pesquisa, executam projetos e realizam encontros nas suas respectivas reas discutindo a prtica jurdica.

    No cabe mais dizer que esto ali por acaso, ou porque simplesmente foram convidados. A demanda mtua e os domnios esto coimplicados.

    Esse enredamento acabou por transferir para o campo do Direito do Tra-balho uma disputa obstinada em torno das causas do adoecimento mental, que o militante desse ramo do Direito, no mais das vezes, nem mesmo sabia existir.

    2.1 A psicopatologia

    A psicologia apresentou ao Direito do Trabalho a psicopatologia do trabalho.

    A professora Maria Elizabeth Antunes Lima resume a polmica sobre o nexo causal em dois grupos tericos principais. De um lado, esto aqueles que acreditam que a doena mental advm de fatores orgnicos ou psquicos, sendo os primeiros organicistas e os segundos adeptos de uma concepo dita psicognica. Os organicistas, segundo a professora, explicam os problemas apresentados pelos trabalhadores como decorrentes de causas biologizantes, endgenas, no admitindo os fatores exgenos, como o trabalho, que teria influnciasecundria.De igual sorte,apsicogneseseria representadapelapsicanlise, que atribui as queixas de sofrimentos psquicos estrutura da personalidade.E,finalmente,noladooposto,haveriaaquelesqueadmitemaexistncia de transtornos mentais decorrentes do trabalho, existindo formas de desgaste psquico afetando um nmero importante de trabalhadores pertencen-tessmesmascategoriasprofissionais,smesmasempresasousubmetidosacondies semelhantes de trabalho (LIMA, 2005, p. 74).

    Esta ltima corrente, da qual a professora se diz adepta, sintetizaria as demais, acreditando que o transtorno mental seria resultado de um conjunto de fatores biopsicossociais, enfeixando um fenmeno multidimensional, sendo necessrias equipes interdisciplinares para efetuar os diagnsticos.

    Aponta como precursor dessa perspectiva Le Guillant, da chamada psiquiatria social francesa, cujo referencial terico, de inspirao marxista, se manifestaria com as seguintes caractersticas, entre outras: captar os deter-minantes sociais da doena mental, mas sem perder a dimenso psicolgica; proporumesboodepsicopatologiasocial,verificandoopapeldomeionosurgimento e desaparecimento dos distrbios mentais; apesar de no negar a presena de fatores orgnicos e psquicos no adoecimento, buscam-se os deter-

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    minantes sociais da doena mental; se valer de dados estatsticos, entrevistas, dados obtidos junto a sindicatos e servios mdicos especializados e literatura em geral (LIMA, 1988).

    Segundo a mesma pesquisadora, Christophe Dejours props que a disci-plina psicopatologia passasse a ser chamada de psicodinmica, introduzindo um dissenso, na medida em que introduziu postulados da psicanlise no estudo do adoecimento mental no trabalho, preocupando-se no somente com a doena no trabalho, mas tambm com a sade, alm de estudar as estratgias defensivas adotadaspelostrabalhadorescomafinalidadedeevitaradoena.

    Maria da Graa C. Jacques, em palestra proferida sobre as implicaes psquicas das doenas ocupacionais, critica a perspectiva do mdico brasileiro de culpar o prprio trabalhador pelos acidentes sofridos, em percias elaboradas na Justia do Trabalho, nas quais as doenas ocupacionais so decorrentes de uma personalidade anormal, com neurose de responsabilizao dos patres pelo acidente,sentimentorotuladodesinistrose,neurosederendaeindenizofilia(JACQUES, 2006, p. 151).

    A pesquisadora d as boas-vindas ao nexo tcnico epidemiolgico que, segundo ela, possui valor simblico contrrio tendncia de individualizao e culpabilizao do trabalhador, externando a sua discordncia quanto ao enfoque da psicanlise: A hegemonia do pensamento psicanaltico no campo da psi umadasjustificativasparaapoucaimportnciaconferidaaosvnculosentretrabalho e sade/doena mental que, embora presentes na obra freudiana, foram relegadas a um segundo plano no campo conceitual (JACQUES, 2006, p. 157).

    Maria Elizabeth Antunes Lima aduz que os manuais de psiquiatria, em suasclassificaesnosolgicas,nocontemplamdiversosquadrosdepatolo-gias mentais decorrentes do trabalho, como quadros depressivos e de fadiga nervosa, sndrome do pnico, estados de estresse ps-traumtico, transtornos orgnicos de personalidade, dentre outros (LIMA, 2005, p. 77).

    Diz que Dejours se contradiz ao admitir a sndrome subjetiva ps-traumtica como decorrente do trabalho, aduzindo sobre a psicanlise que:

    Nossa crtica dirige-se, sobretudo, contra a importao de um arcabouotericoquefoiconstrudoparaumdeterminadofimaclnicaindividual para um campo que deve necessariamente ultrapassar o in-divduo, alcanando o campo social e, sobretudo, colocar o trabalho no seu centro. E conclui: Uma proposta que temos feito com frequncia consiste na incluso de psiclogos do trabalho nas percias realizadas

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    com trabalhadores que apresentem queixas de transtornos mentais. (LIMA, 2005, p. 79)

    Uma rpida passagem pelos trabalhos especializados da psicopatologia evidencia que se multiplicam as crticas feitas pelos psiclogos no s aos pontosdevistademdicos,psiquiatras,ouprofissionaisdareamdicacomformao psicanaltica, como tambm aos prprios trabalhos periciais realizados em reclamaes trabalhistas.

    Artigo publicado na Revista Brasileira de Sade Ocupacional revela que um vigilante teve pedido de indenizao por dano moral decorrente de assdio eumassaltojulgadoimprocedente,comfundamentoemlaudooficial,quecon-cluiu que as alegadas desordens psquicas no tinham relao com o trabalho. Oarticulista,professorecoordenadordepesquisasfinanciadasporsindicatode classe, esclarece que a reclamao trabalhista correu perante o Tribunal Regional do Trabalho da 3 Regio e, aps o trnsito em julgado, entrou em contatocomovigilante,porintermdiodeseusindicatoprofissional,produzindoestudo sobre o caso, com base em dissertao de mestrado. Sobre o trabalho daperciamdicaepsiquitricarealizadanosautos,dizqueasafirmaesdaperita so meramente especulativas, respeitam mais a sua suposio terica do que as evidncias provenientes da realidade4 (VIEIRA, 2009).

    Todavia, o Direito do Trabalho no ouviu somente a psicopatologia. A psiquiatria e psicanlise tambm se manifestaram.

    2.2 A psiquiatria e a psicanlise

    AntonioQuinetafirmaqueenquantooscritriosdediagnsticostmva-riadoeseamplificadonapsiquiatriacontempornea,apsicanlisevemlidando

    4 Oautordoartigoafirmaqueoempregadotinhadesejoderepararosdanossofridoseliquidarumadvida subjetiva: Inconformado e revoltado por ter se sentido humilhado pelos colegas de trabalho, Ricardo manifestava, recorrentemente, o desejo de reparar os danos sofridos por meio de uma ao concreta, efetiva, uma ao judicial. Do nosso ponto de vista, tratava-se da necessidade de ver reconhecidoereparadoodanosofridoe,finalmente,liquidaradvidasubjetivaqueseoriginounoconflitoentreasescolhasquefez,combaseemseusvalores,easacusaesdosgerentesqueaindalhepesam. Esclarece, ainda, que a percia mdica, com auxlio de um laudo psiquitrico, concluiu que o Reclamanteeraportadordeideiafixapersecutria,comcomponentepsictico,transtornodeliranteeparanoico.Prossegueafirmandoquenoconcordacomodiagnstico.CriticaaatuaodoAdvogadodoReclamante,quenoteriarecorrido.PoupaoJuizdecrticasdiretas,afirmandoqueomagistradotinha que julgar de acordo com a prova dos autos. E termina reproduzindo, como endosso, as seguintes palavras do Reclamante sobre a percia que lhe foi desfavorvel: Foram uns quinze minutos que ela ficoucomigo(...)Elanemmeperguntounadasobreoassalto(...)mefezpergunta,achoatquemeironizando mesmo, de deboche, entendeu (...) perguntou se eu estava vendendo ttulo de capitalizao quando o assaltante chegou. Perguntou, porque eu falei antes pra ela que eu vendia ttulo de capitali-zao. (VIEIRA, 2009, p. 150-162)

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    com praticamente as mesmas referncias diagnsticas empregadas por Freud. Se as formas dos sintomas mudam de acordo com o discurso prevalecente da civilizao, as estruturas clnicas permanecem as mesmas e se declinam em neurose, perverso e psicose para a psicanlise, ou seja, conforme a maneira como o sujeito lida com a falta inscrita na subjetividade, falta que condiciona a forma de cada um se haver com o sexo, o desejo, a Lei, a angstia e a morte.

    O autor traa alguns contornos entre esses dois domnios, verbis:

    O invlucro formal do sintoma varia segundo a poca: a histeria muda de cara, a psicose de vestes, a obsesso de ideias. Essa evoluo acompanha o desenvolvimento da cincia: novos males, novos rem-dios. Ou ser que o avesso a novos remdios, pseudonovos males? AnosografiapsiquitricaemconstantemutaocomsuasriedeDSM(Manual de Diagnstico e Estatstica da Associao Norte-Americana dePsiquiatria)sediferenciadanosografiapsicanalticadasestruturasclnicas (neurose, psicose e perverso) diante da qual o analista no deverecuarnosografiaconformeaposiodosujeitonodipoemrelao ao gozo. (...) Para que o diagnstico no seja uma etiqueta ou umsimplesprocedimentoclassificatriodignodeumjardimdasesp-cies apropriado para a botnica ou para o zoolgico necessrio que ele cumpra a funo de remeter estrutura que o condiciona. Como no temosnapsiquiatriaaautpsiaquevenhaconfirmaradoenadaqualosintoma seria o sinal, na construo do caso clnico a partir de um saber sobre a subjetividade particular de cada paciente que a psican-lise permite elaborar que um diagnstico aparecer como concluso do processo de investigao. (...) Freud construiu as entidades clnicas dapsicanlisecombasenanosografiadapsiquiatriaclssica,oquefoicontinuado pelas diversas correntes da psicanlise, inclusive por aquela em que nosso projeto se inscreve que a de Jacques Lacan. As categorias que utilizamos hoje provm da psiquiatria clssica: neurose, perverso e psicose, esta ltima repartida em dois grandes tipos, esquizofrenia e paranoia. A cada uma dessas categorias fazemos corresponder um nome na histria pr-psicanaltica. Para a paranoia, Kraepelin, para a esquizo-frenia, Bleuler, para a perverso Krafft-Ebing e para a neurose, Charcot. Podemos acrescentar nosografia analtica tambmos dois grandestipos clnicos da neurose histeria e neurose obsessiva e psicose um terceiro tipo clnico que a melancolia, base da psicose manaco-depressiva, que Freud adota principalmente a partir de Emil Kraepelin. (QUINET, 2006, p. 10-11)

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    A psiquiatria, portanto, luz da psicanlise, e no dizer de Philippe Julien (2002,p.102),fazumaespciederecenseamento,semiologia,classificaesdescritivas de sintomas, evitando fazer avanar a cincia das causas.

    E essa descrio infinita de sintomas, historicamente utilizada pararesponderaosJuzessobrearesponsabilidadedosujeito,sofreuuminfluxoainda maior com o advento do manual de diagnsticos a partir da dcada de 1950,servindo,agora,nosomentepararespondersperciasclassificatrias,como tambm para vender os psicofrmacos. A cada sintoma um nome e um remdio correspondentes.

    A incompatibilidade entre a psicopatologia e a psicanlise, nesse ponto, revela-se ainda maior. Se a psicanlise diverge da psiquiatria pelo enfoque superficialdosofrimentopsquico,comacriaodeinmerosrtulosparaossintomas, o que diria da psicopatologia, que, ainda no satisfeita com a noso-grafiapsiquitrica,propeaindamaisnovosnomesdedoenasmentaisqueentende, agora, originrias do trabalho, como quadros depressivos e de fadiga, transtornos orgnicos de personalidade, entre outros. Todavia, a divergncia entre psiquiatria e psicanlise sofre diversas modulaes, de acordo com o enfoque e o quadro cultural de cada pas.

    Segundo Antonio Quinet, Freud dizia que a psiquiatria no se ope psicanlise. A psicanlise est para a psiquiatria assim como a histologia para a anatomia, ou seja, a estrutura apreendida pela psicanlise e os fenmenos pela psiquiatria (QUINET, 2006, p. 13).

    Jacques-Alain Miller, em conferncia realizada no Brasil em 1980, aodiscorrersobreasdiferenasentreapsiquiatriaeapsicanlise,afirmou:Disseram-me que no Brasil h uma certa barreira entre psiquiatras e psica-nalistas. No o que ocorre na Frana; pelo menos de nosso lado h interesse permanente pela psiquiatria (MILLER, 1977, p. 130).

    Na psicanlise, como teraputica, o paciente est implicado com seu sin-toma, sendo por ele responsvel, independentemente da sua posio subjetiva, como neurtico, psictico ou perverso. Freud utilizava a expresso escolha da neurose para designar a implicao do sujeito com seus atos, inclusive os atos falhos, que so sempre bem-sucedidos em dizer o desejo inconsciente (QUINET, 2006, p. 162).

    O sintoma freudiano s existe a partir do discurso do paciente, dentro do dispositivo analtico (MILLER, 1977, p. 123).

    O paciente, em sua demanda, e por meio da livre associao, transfere ao analista a posio daquele que possui um suposto saber. A sua fala navega em

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    atos falhos, embaraos, contradies, entrelinhas, em que a verdade e a respon-sabilidade por sua queixa acabam por se manifestar, podendo advir, da, a cura.

    Como diz Luiz Alfredo Garcia-Roza, O sintoma, como presena, as-sinala a ausncia da palavra. Ser, portanto, pela palavra, que sua cura poder ocorrer. Ou, em outros termos, interpretar o sintoma preencher o vazio (GARCIA-ROZA, 1998, p. 227). E esse preenchimento atribudo interpreta-o no settinganalticononovidadeparaoprofissionaldoDireito.Fazemosissotodahora,nocomafinalidadedecura,mascomopropsitodeatenderdemanda que se nos apresenta, seja como advogados, juzes, promotores, etc.

    O juiz responde demanda de interpretao com a sentena. E, o analista, na sua clnica, responde com o silncio: quando o mdico cala e, ocupando o lugar de objeto causa de desejo em transferncia, faz o paciente segredar aquilo que ele mesmo nem sabia que sabia, vemos a emergncia do discurso do analista (QUINET, 2006, p. 19).

    Nessa teraputica, o que desponta, segundo Miller, uma autoclnica e no uma heteroclnica psiquitrica. (MILLER, 1977, p. 123).

    primeira vista, isso pode parecer desumano, inclemente, mas para a psicanlise, a heteroclnica do remdio, ou do amparo emocional e da com-preenso, tamponam, remediam o sofrimento, produzindo efeito contrrio: o humanismo que consistiria pura e simplesmente dizer tu s meu irmo a via mais opressiva, a via da dominao5 (MILLER, 1977, p. 128).

    Essa compreenso da clnica psicanaltica, ou seja, de que a psicanlise, ao responsabilizar o sujeito, estaria agindo de forma cruel, emerge a todo ins-tante na psicologia e pode ser detectada nas obras de Marie-France Hirigoyen.

    Ao estudar as desavenas, as brigas e potenciais situaes de assdio moral entre casais, desaconselha as mulheres a procurarem um psicanalista ao fundamento de que, para Freud, o ser humano, na vida adulta, sempre res-ponsvel. E isso faria mal s mulheres porque elas se sentiriam corresponsveis pelas situaes de assdio que denunciavam, perdendo a condio de vtimas. O mesmo raciocnio foi transposto ao discorrer sobre o assdio moral no ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, 2010, p. 165; 2008, p. 21, 203, 206, 215, 216)6.

    5 Diz, ainda, o mesmo autor, p. 129: Precisamos saber quando estamos dando apoio a algum, no caso o psictico, pois, se nos dispusermos a ajudar uma histrica, afund-la-emos, no deixando chance alguma para que se safe.

    6 Esse pargrafo resume o que est escrito em duas obras da autora Marie-France Hirigoyen, citadas nas refernciasbibliogrficas.

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    Nessa vertente, a psicopatologia convida o Direito do Trabalho a privar o trabalhador da sua condio de sujeito responsvel, de autor da sua prpria vida, de sua prpria histria, para, logo aps, introduzir a psicologia e o Direito como braos acolhedores de carinho e compreenso, o que se concretizaria mediante a devida reparao pecuniria em ao indenizatria, subsidiada por percias psicopatolgicas, cujo substrato terico seria a de que o trabalhador no pensa, mas pensado.

    Na viso psicanaltica, isso no querer o bem, mas desejar o mal.

    Essa pretenso reparatria, cada vez mais presente nas sociedades atuais, levou o psicanalista Charles Melman a falar de uma nova economia psqui-ca. Se o sujeito no mais responsvel por sua determinao subjetiva, pelas escolhas que faz ao longo da vida, parece-lhe ser inteiramente legtimo pensar que seu percurso e seu destino ocorrem em decorrncia de circunstncias ex-teriores ou coletivas. Assim, a coletividade lhe deve uma reparao por tudo que lhe falta j que assim, por ela, que foi concebido. O relato de um caso pelo psicanalista ilustra:

    Recentemente recebi uma mulher, de certa idade, cujo percurso no havia sido muito feliz. Ela se dirigia a mim espera de uma reparao. E se mostrava agressiva ao constatar que eu no me aplicava em repa-rar seu infortnio: o fato de que seu marido lhe tenha deixado dvidas, dequeelanoencontretrabalho,dequesuafilhasemostreingrata,deque o empregador que ela havia encontrado lhe tenha pagado um baixo salrio, de que ela sofre de cefaleias, de insnias. Tudo estava no campo da reivindicao. (MELMAN, 2003, p. 66-67)

    Num trabalho sobre o adoecimento psquico, Eduardo Reche Bertolini, Michele Hidemi Ueno Guimares, Renato Chiavassa e Teresa Genesini, fazem as seguintes indagaes:

    Termos como bipolaridade, depresso, anorexia, entre outros, esto cada vez mais na boca do povo. Temos diagnsticos vontade, para todos os gneros e gostos. Basta fazer um teste disponvel em uma revista de grande circulao para saber se voc sofre de depresso, de transtornos de humor, ou se possui um distrbio alimentar e qual a sua intensidade. No nos surpreenderemos se as pessoas comearem em breve a se apresentarem desse modo: Bom dia, meu nome Mrcia. Tenho 25 anos e sou bipolar h seis. No site de relacionamentos Orkut, por exemplo, vemos isso acontecer. Encontramos em diversas comunidades temas relacionados a diagnsticos psiquitricos: Depresso (15.950

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    membros), Eu tenho transtorno bipolar (6.052 membros), Transtorno de Ansiedade Social (1.042 membros), Timidez e depresso (18.234 membros),Anorexia/Bulimia(4.744membros),Eutenhodficitdeateno (1.848 membros), TOC (4.003 membros), Eu sou manaco depressivo (1.653 membros), Sndrome do pnico (3.860 membros), Comer um vcio, liberte-se (2.184 membros) ou Deprimidos com a vida (2.730 membros). Esses dados foram colhidos em setembro de 2007,quandoiniciamosestetrabalho.Aofinal,ummsdepois,consta-tamos um aumento nesses ndices, sendo que a comunidade Depresso j contava com quase 18 mil membros. O que une essas pessoas em tais comunidades? O que as faz se autodenominar depressivas, bipolares, bulmicas e, desse modo, relacionar com o mundo e outras pessoas, apartirdessesignificantequepretensamenteasnomeia?Oque,nessecaso, faz lao social?7

    Apesar de ressaltar que a psicanlise pode contribuir no campo jurdico comumalgicadoparticular,TerezinhadeJ.DiasSouza,nomais,afirmasemrodeios: Concluo com a convico de que o saber psicanaltico no pode operar na Justia do Trabalho com seus dispositivos clnicos essenciais (SOUZA, 2010, v. 51, n 81, p. 410).

    A esta altura, j se pode perceber que um psicanalista no se sentiria muito confortvel ao ser chamado para opinar numa percia trabalhista, em que o trabalhador culpasse exclusivamente o seu empregador por seu sofrimento, almejando uma reparao.

    No obstante, observadas as diferenas do referencial terico da psico-patologia, mas com o mesmo intuito de dialogar com o Direito do Trabalho, algumas iniciativas da rea psicanaltica tm opinado sobre casos submetidos a julgamento na Justia do Trabalho, envolvendo pedido de indenizao por dano moral decorrente de acidente de trabalho, ou mesmo assuntos que, direta ou indiretamente, digam respeito ao adoecimento mental.

    Assim como ocorre com a psicopatologia, emergem crticas aos traba-lhos periciais elaborados nos processos: (...) da, a meu ver, a inadequao do primeiroparecerpericialque,aoinvsdeafirmarodesenvolvimentodeumaesquizofrenia, poderia melhor ter se referido a um desencadeamento de uma patologia que esteve l desde sempre com aquele sujeito ou mesmo crticas ao

    7 Disponvelem:.Acessoem:9abr.2011.

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    perito do juzo com observaes sobre o desconhecimento do perito mdico acerca do mundo da sade mental8.

    Porfim,entremeia-senadisputadosreferenciaistericos,muitasvezes,a insero da pessoa do juiz no debate, primeira vista destinado apenas ao cidado que recorre ao Judicirio, com assertivas de que o juiz tambm sofre no exerccio da jurisdio e padece de angstia.

    Transpostos os quadros da polmica, resta saber sobre as possveis res-postas do Direito do Trabalho.

    3 AS RESPOSTAS DO DIREITO DO TRABALHO

    O Direito do Trabalho no pode se esquecer de que a psicologia, a psi-quiatria e a psicanlise, juntamente com suas diversas aproximaes ao tema do sofrimento psquico, constituem o seu objeto de pesquisa, e no o contrrio.

    Como ilustra Agostinho Ramalho Marques Neto, o objeto principal da cinciadoDireitoofenmenojurdicoque,emboraespecfico, jamaisseencontra em estado puro, visto que existe mesclado com fenmenos de outra natureza, sendo n-dimensional.

    Assim, qualquer fenmeno social, inclusive a doena mental, naquilo em que nos interessa, , em princpio, passvel de se constituir em objeto de conhecimento da cincia do Direito: para tanto, basta que ela o torne seu (MARQUES NETO, 1982, p. 146-147).

    Cada disciplina, ao focar interdisciplinarmente ramos do conhecimento diversos do seu, ou quando estabelece interfaces junto a outros domnios, no deverenunciarolugardeondefala,sobpenadeperdersuaespecificidade.

    E o propsito, agora, desenhar algumas respostas do Direito do Trabalho ao problema do nexo causal, mesclando algumas aproximaes e distanciamen-tos em relao s cincias conexas.

    3.1 As pesquisas sobre o sofrimento e o processo

    No que tange psicopatologia, a perspectiva que procura estudar as condies de trabalho enquanto geradoras ou no de sofrimento no trabalho, utilizando-se, inclusive, de questionrios, no desconhecida dos Juzes do Tra-

    8 ALBUQUERQUE, Judith Euchares Ricardo de. Consideraes sobre a sade mental do traba-lhador.Disponvel em: .Acessoem:9abr.2011.

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    balho da 3 Regio. As nossas condies de trabalho j foram objeto de pesquisa conduzida pela Dra. Ada vila Assuno, respeitvel pesquisadora e mdica do trabalho, cujas concluses foram expostas no primeiro Emat (Encontro dos Magistrados Trabalhistas da 3 Regio), por meio da palestra O desgaste gerado pelo trabalho intelectual, proferida em 7 de maio de1999. Alis, na mesma linha ocorre o atual estudo a cargo da Anamatra sobre a sade dos juzes do Trabalho,queestemcurso,sobaresponsabilidadedamesmaprofissional.

    A psicopatologia, efetivamente, fornece elementos importantes para o Direito do Trabalho e para os trabalhadores, quando procura estabelecer um paralelo entre as condies de trabalho e a sade mental. A Portaria n 3.751/90, ao consignar que as condies de trabalho devem se adequar s caractersticas psicofisiolgicasdostrabalhadores,naturezadotrabalho,aotempoeritmode trabalho, alm do contedo das tarefas, um exemplo dessas conquistas e da proximidade do Direito com a psicopatologia do trabalho.

    O que acontece, entretanto, que, em nossas audincias dirias, em nos-sas percias mdicas, e quando escutamos partes e testemunhas, as estatsticas produzidaspelosestudospsicopatolgicosnemsempreseconfirmam.

    Marie-France Hirigoyen, ao pesquisar o sofrimento psquico decorrente doassdiomoral,jadvertiasobreasdeficinciasdoseumtodo,queconsistiaem obter repostas a questionrios. Por mais cuidadosa que fosse a elaborao das perguntas, as contradies das respostas, no era possvel saber a verso da parte contrria (HIRIGOYEN, 2010, p. 93).

    Falava-se, assim, de projees ou tendncias.

    O Direito, entretanto, cuida do caso singular e, aqui, o que a parte diz no faz prova em seu prprio benefcio.

    Para a psicopatologia, o que a parte responde nas pesquisas faz prova contra a parte contrria. No existe contraditrio.

    Mesmo as entrevistas presenciais, em suas diversas modalidades, com a oitiva de pessoas prximas ao trabalhador, no se comparam com o contradi-trio, o depoimento sob juramento, a escuta que o Judicirio faz de ambas as verses e a prova levada a cabo nos autos.

    Com todos os defeitos, esse o mtodo que, at agora, tem permitido a pacificaodosconflitos,impedindoabarbrie,ouasuadisseminao.

    O sistema jurdico no condena ou absolve com base em estatsticas.

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    Na Espanha, Mikel Urrutikoetxea Barrutia recomenda cautela ao jurista em relao a alguns institutos que procuram, por meio de questionrios, recen-sear o sofrimento psquico, como o barmetros Cisneros, fazendo referncia crticaferoz,masnoinjusta,quediscuteabasecientficadessesindicadores,como o estudo de Fernandes Enguita: Vivir de la alarma social (BARRUTIA, 2007, p. 84).

    Jacques-AlainMiller,adespeitodeafirmarquenapsicanlisenadaquevoc disser pode ser utilizado contra voc, ressalta que na regra da associao livre voc est, continuamente, obrigado a testemunhar contra si (MILLER, 1977, p. 257).

    O Direito, nessa escuta, afasta-se da psicopatologia e se aproxima da psicanlise.

    Numa primeira mirada, poder-se-ia dizer que, para o Direito, as coisas s existem se tiverem nome, o mesmo ocorrendo com a psiquiatria, com suas diversas nomenclaturas e conceitos, no estando o Judicirio apto para enxergar o invisvel.

    Diz uma abordagem psicanaltica: para o juiz, a verdade sempre factual e pode ser toda dita, ou melhor, confessada (SOUZA, 2010, v. 51, n 81, p. 408).

    No verdade. A convivncia, ainda que casual, do iniciante do Direito com as audincias permite ver, no desenrolar dos depoimentos, os atos falhos, ascontradies,asencenaes,asentrelinhas,osolhares,enfim,oinvisvel.Apesar de o ritual da audincia no ser o da associao livre, o inconsciente, aqui,noraro,aflora,pegaosdepoentesdesurpresa,eregistradonaatadeaudincia pelo Juiz.

    Anota Genevive Koubi:

    Dequalquerforma,emDireito,nodefinirnofazexistiroque no equivalente de no dizer, portanto, no querer ver , mas os juzes, juristas e administradores so obrigados concomitantemente a suas tarefas, a ler as entrelinhas para extrair a substncia dos textos, descobrirasregrasnossilncios,avaliaraflexibilidadedasmargensparanelas inserir ou no o caso estudado no campo da aplicao das leis. (KOUBI, 2006, p. 21)

    3.2 A representao dramtica

    O Direito se aproxima da psiquiatria quando, paulatinamente, vai en-quadrando em sua doutrina o que, antes, era invisvel.

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    A jurista argentina Matilde Savale de Gonzles, ao analisar as queixas de leso psquica, vai passar a falar de leses simuladas (que no existem, mas se aparentam de forma maliciosa), as supersimuladas (quando a sintomatologia subjetivamente manifestada pela vtima mais grave a que racionalmente pode ser-lhe atribuda, concorrendo o fator exagerao), as imaginrias (as que so fruto de fantasia do sujeito, que de boa-f entende sofrer a perturbao, sendo que esse dano imaginrio pode obedecer a uma verdadeira enfermidade psquica) e as dissimuladas (que existem, mas se ocultam ou disfaram deliberadamente) (SAVALE DE GONZLES apud SIMM, 2008, p. 168).

    O Direito, neste aspecto, vai recolher os subsdios tradicionais da psi-quiatria e seus estudos sobre a simulao, com as diversas nomenclaturas e classificaes.Cita-se,aesserespeito,osimuladorpuro,queinventaapato-logia de forma consciente, e o relativo, que aumenta e potencia um problema preexistente,paraobterbenefciofinanceiro.Apsiquiatriavaitambmdiscorrersobre a neurose de renda e a sinistrose, como formas diferenciais de pedidos de ressarcimentos, nas quais ocorrem delrios de reivindicao, com o conven-cimento de que o que se pede lcito. Igualmente, o transtorno factcio, com a sua forma particular da sndrome de Mnchausen, na qual aparecem sintomas fsicosautoinfligidos,atotranstornodeGanser,noqualosujeito,detantofingireexagerar,perdeocontrole,convertendo-sea teatralidade inicialemautnticapatologiapsiquitrica.Opacientenosabemaisoquefingidoeoque verdadeiro em seus sintomas (GARCA SILVA; RIVERA Y REVUELTA, 2003, p. 1.699-1.705).

    Esse encontro entre o Direito e a psiquiatria, ensejando, muitas vezes, a improcedncia de diversos pedidos de indenizao em decorrncia de sofrimento psquico, no casual e no decorre de uma formao mdica equivocada do perito. Alguns quadros de simulao so, inclusive, empiricamente observveis no dia a dia das audincias.

    A simulao um dado da natureza (existe no reino animal) e da cultura (est disseminada na vida, nas artes, na literatura), e sobre ela falou longamente Eduardo Giannetti como autoengano.

    A relao entre autor, ator e espectador nas artes cnicas foi analisada por Diderot: O ator est cansado e vs triste; que ele se agitou sem nada sentir, e vs sentistes sem vos agitar (FONSECA, 1997, p. 239).

    Opoetafingidorfinge,verdade,masfingetocompletamentequechegaafingirquedoradorquedeverassente.Masoleitorhipcritaaalmagmeadofingidor.Umnoexistesemooutro.Oquefingenecessitadooutro

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    que sinta compaixo. Se o ator dramtico age e chora sem sentir, o espectador senteechorasemagir.Umnegativofotogrficodooutro(FONSECA,1997,p. 131). Como diria Fernando Pessoa: Sentir? Sinta quem l! (PESSOA, 1976, p. 164-165).

    O Direito, ao acolher, doutrinariamente, a descrio de alguns sintomas simulatrios feitos pela psiquiatria, distancia-se da psicopatologia, dado a perspectiva desta ltima de que o trabalho produtor de doena mental.

    Etambmsevaidistanciardapsicanlise,porquantoasuanosografia(neurose, psicose, perverso) mais restrita. Alis, a quase todos esses nomes atribudos aos diagnsticos de simulao, a psicanlise responderia com as novasvestimentasdaantigahisteria,nomeessequefoibanidodanosografiapsiquitrica, no sendo mais encontrada nos manuais de diagnsticos.

    A desavena, entretanto, no do Direito do Trabalho, porquanto o seu enfoque principal o exame das condies de trabalho mesmas, se esto ou no de acordo como as normas de sade e segurana.

    Se as condies de trabalho so psicologicamente hostis, se existem agressesaosdireitosdapersonalidade,conformeaprovaquefizeremcadacaso concreto, j se delineiam os elementos para o Direito intervir, em face deumpossveldanomoral,cujaconfiguraonoestvinculadadiscussoterica da existncia ou no de um sofrimento psquico com essa ou aquela nomenclatura.

    Como defende Antnio Gomes de Vasconcelos, (...) a questo primor-dial a ser examinada pelo magistrado desloca-se da doena para a garantia de um ambiente sadio e seguro (VASCONCELOS, 2010, v. 51, n 81, p. 434).

    3.3 Causalidade e contingncia

    O Direito, ao pretender concretizar o ideal de um ambiente de trabalho saudvel, no deve olvidar que, mesmo ambientes de trabalho que esto de acordo com as normas de proteo e sade podem ensejar a ecloso de quadros psquicos de sofrimento mental. Ou seja, a doena mental pode vir a se mani-festar no trabalho ainda que o empregador observe o dever de cautela, cumpra as normas legais, contratuais, convencionais, regulamentares e tcnicas.

    Christophe Dejours relata o caso de um chefe de armazm. Contramestre, alm de organizar uma equipe de meia dzia de operrios, punha a mo na massa, pegava no batente e jogava suas partidas de futebol. Por presso da esposa e amigos, passou a trabalhar em uma companhia de seguros, onde lia

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    autospoliciaisdeseguroseverificavasuaconformidade.Algumtempodepois,d entrada em um hospital psiquitrico com dilogos incoerentes, alucinaes e movimentos de agressividade. Uma investigao detalhada revelou que a causa do padecimento psquico foi o novo emprego, onde houve melhoria das condies de trabalho, com a diminuio da carga fsica. Esclarece Dejours que a inadequao entre o contedo ergonmico do trabalho e a estrutura da personalidade pode levar a sndromes psicopatolgicas. O empregado no teve mais qualquer padecimento ao retornar a antigo emprego na fbrica (DEJOURS, 1992, p. 57-58).

    No havia nada de errado com as condies de trabalho do segundo emprego que eram, em tese, at melhores que aquelas do primeiro emprego. No entanto, no estavam de acordo com a economia psicossomtica do tra-balhador, donde adveio a reao psquica do empregado para compensar o estreitamento de sua energia pulsional.

    EssasconclusesdeDejoursevidenciamafragilidadedaafirmaodeque (...) num ambiente humano com qualidade para o trabalho, os fatores de-sencadeantesdadepressonoocorrem,conformeconsensodosprofissionaisda rea da sade mental (...) (TEIXEIRA, 2007, v. 46, n 76, p. 42).

    O fato de um ambiente de trabalho causar determinado sofrimento ps-quiconosignificanecessariamentequeascondiesdetrabalhosejamilcitasou que o empregador tenha agido com culpa (negligncia, imprudncia ou impercia) na ecloso da patologia, porquanto um mesmo contedo de trabalho pode causar prazer num empregado e desprazer em outro. E se as condies detrabalhoobedeceramsnormasdesadeesegurana,ficacaracterizadaaexcludente do nexo causal por culpa exclusiva da vtima.

    O problema que a expresso culpa exclusiva da vtima, em se tratando de doena mental ou sofrimento psquico, adquire um tom pejorativo, dando a entender que o empregado praticou ato reprovvel. A terminologia tecnica-mente inadequada, porquanto a excluso de responsabilidade est na esfera da causalidade e no da culpabilidade. Assim, quando o Direito diz que a vtima culpada, no est produzindo juzo moral, ou religioso, mas tcnico-jurdico. Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 64) sugere a expresso fato da vtima e no culpa da vtima, apesar de a primeira ser aquela tradicionalmente utilizada pelo Cdigo Civil, atual art. 936. A sugesto, alis, j se encontrava em Aguiar Dias (1983, p. 770) que defendia a expresso mais abrangente ato ou fato da vtima. No exemplo de Christophe Dejours, a circunstncia de o empregado ter adoecido porque escolheu novo emprego incompatvel com suas caracte-rsticas psicossomticas, no implica que ele tenha agido com culpa. Signi-

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    fica,tosomente,queotrabalhadorpossuiatributodapersonalidadeoufatopsicossomtico peculiar que lhe impedem de trabalhar em atividades que no exijam esforo fsico, sem que seu empregador tenha que lhe pagar qualquer indenizao por isso.

    No se trata de culpa do empregado, mas um fato seu, ou seja, uma caracterstica ou atributo da sua personalidade que o Direito juridiciza como excludente do nexo causal.

    No Direito comparado, a Espanha tem oferecido algumas respostas par-ticulares s alegaes de sofrimento psquico, tendo em vista a personalidade do trabalhador e a sua interferncia no nexo causal.

    Segundo Mikel Urrutikoetxea Barrutia, a doutrina e a jurisprudncia espanhola tm entendido que a personalidade do trabalhador pode ser relevante na gerao de algumas patologias, como o stress, e considerada relevante em outras, como a sndrome do burn out. Esclarece que so correntes, por exemplo, decisesquenoconsideramaconfiguraodostress laboral quando apurado no processo que o empregado possui personalidade de base instvel, a ponto de perceber como agresses comportamentos incuos de outras pessoas. No caso de acosso moral, a personalidade do empregado perde relevncia, bastando a configuraodoilcitoparaensejarareparao(BARRUTIA,2007,p.78).

    Existe, ainda, na doutrina espanhola, o entendimento de que, em se tratando de alegao de sofrimento psquico decorrente de acosso moral, no permitida a realizao de percia psiquitrica no reclamante para se saber se est simulando ou no, ao fundamento de que a percia vulneraria os direitos da personalidade, que so direitos humanos fundamentais (art. 11 da Lei Orgnica do Poder Judicial) (AROCHENA, 2007).

    Ainflunciadapersonalidadeousubjetividadedavtimaemrelaoaodano alegado no deixou de ser cogitada pela doutrina brasileira. Caio Mrio da Silva Pereira fala das vtimas que possuem uma receptividade excepcional para o dano; vtimas que so portadoras de sndromes desfavorveis ou taras latentes e aquelas nas quais existe um estado patolgico anterior leso, como fatores que podem interferir na responsabilizao (PEREIRA, 1999, p. 80-81).

    Em muitos casos, o trabalho, como no exemplo citado de Dejours, no atua como causa do adoecimento, mas como contingncia.

    A lgica modal aristotlica oferece alguns subsdios para que o Direito enriquea sua perspectiva na anlise da genealogia do sofrimento psquico na medida em que, dentre as categorias do possvel, do impossvel e do necessrio, acolhe o contingente como uma das possibilidades do ser.

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    Na linguagem de Aristteles, o contingente ope-se ao necessrio. A expresso contingente que p, no qual p representa uma proposio, considerada em lgica como uma das expresses modais, ou seja, a contingncia uma possibilidade de que algo seja e de que algo no seja (MORA, 1982, p. 81). Sofrimento e trabalho so, portanto, fenmenos que podem ocorrer juntos, paralelamente, sem que um seja necessariamente causa do outro.

    Naliteraturalgicaclssica,acontingnciasignificaqueexistealgoalmdo verdadeiro e do falso, da causa e da consequncia, e que nem toda a verdade pode ser dita. a tese de So Toms, segundo a qual o contingente aquilo que pode ser e no ser, em que o ser contingente ope-se ao ser necessrio (MORA, 1982, p. 81).

    Naomar de Almeida Filho e Denise Coutinho, ao dissertarem sobre a contingncia no mbito da estrutura lgica de Aristteles, esclarecem sobre a etimologia:

    O latim imperial registra o uso de contingens, particpio presente de contingere,quesignificatocar,atingir.Daresvalouparaacontecerpor acaso. O adjetivo surge com o sentido de que acontece, mas no necessariamente,desenvolvendo-seemfilosofiacomoonoessencial.(ALMEIDA FILHO; COUTINHO, 2007, p. 99)

    Como, luz de um nexo causal, ou concausal, condenar o empregador a indenizar o empregado por um sofrimento psquico se as condies de trabalho esto de acordo com o Direito vigente, e o sofrimento poderia eclodir, como contingncia, em qualquer lugar, em casa, na rua, no engarrafamento do trnsito e sob os mais diversos fatores, como as relaes familiares, a segurana pblica, o transporte, a prestao estatal de servios essenciais, etc.?9

    O Direito do Trabalho, se optar por esse caminho, no estaria agindo pedagogicamente ou mesmo colaborando com a diminuio de patologias mentais, mas implementando a sua disseminao, transformando o sofrimento mental em objeto de mercancia e lucro.

    9 O TST, no AIRR-1162740-98.2005.5.09.0651, da relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho, publicado em 10.08.07, manteve deciso regional que julgou improcedente pedido de indenizao por dano moral de trabalhador que alegou depresso por ter sido dispensado. Entre os argumentos do ColendoTST,destaca-sequeadispensafoilcita.Ouseja,significariaautnticacontradiocondenaralgum por ter agido conforme o Direito.

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    Os manuais epidemiolgicos, ao falarem de multicausalidade, no es-clarecem sobre a complexidade da doena mental, mas sobre sua complicao10.

    No Brasil, o manual de procedimentos para as doenas relacionadas ao trabalho, elaborado pelo Ministrio da Sade, indica trs categorias de doenas relacionadas com o trabalho, conforme relao de Schilling. A doena mental faz parte do inciso III: Trabalho como provocador de um distrbio latente, ou agravador de doena j estabelecida.

    Sobre isso, Lincoln Jos Cueto de Almeida faz a seguinte observao:

    Reitera-se que at o ano 2020, a depresso, enquanto diagnstico sintomtico, ser a principal causa de afastamento do trabalho, ainda que no seja considerada uma enfermidade diretamente consequente a ele, mas sim agravada e decorrente de uma situao prvia latente, pre-existente. Abre-se uma interrogao com relao ao que de fato sustenta esta probabilidade estatstica no sentido de que, no sendo o trabalho a razo mais direta da previso, mas sim uma consequncia, quais fatores deadoecimentoprviocomopreconizaaclassificaodeSchilling contribuiro para uma realidade to contundente assim esperada?11

    De outro lado, se a depresso se tornar mesmo a principal causa de afasta-mentodotrabalhoemtodososramoseprofisses,aspesquisaspsicopatolgicascairiam na seguinte aporia: se todos sofrem, ningum sofre.

    A complexidade da doena mental, portanto, demanda a insero dou-trinria de mais uma hiptese excludente de responsabilidade civil. Proponho cham-la de nexo contingente.

    Ainda que a doena mental decorra de causas latentes e o Direito do Trabalho atue na preservao de condies de trabalho seguras e saudveis, as reflexesdeDejourstambmconvidamoDireitoarefletirsobreascondiesde possibilidade de um trabalho absolutamente sem risco para a sade mental. Existiria um ambiente de trabalho com risco zero? Ser que as cincias cone-xas sabem o que um ambiente de trabalho 100% seguro, 100% saudvel, de forma a legitimar o sistema jurdico a proferir condenaes quando se alega

    10 Como tal, a expresso multicausalidade no indica qualquer aumento substancial do nvel de com-plexidade. Multiplicar causas e/ou efeitos em algum modelo explanatrio no resolve as limitaes fundamentais do causalismo, e nada nos diz em relao natureza potencialmente rica e diversa das funes de risco (VINEIS, 1997). Tal abordagem, ainda no sentido preciso, porm restritivo dos ma-nuais epidemiolgicos, refere-se exclusivamente complicao, e no complexidade. (ALMEIDA FILHO; COUTINHO, 2007, p. 110)

    11 ALMEIDA.Disponvelem:.Acessoem:9abr.2011>.

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    que a doena mental decorreu das condies de trabalho? O que um ambiente totalmente saudvel? Ele existe?

    O art. 3, caput,daLein8.080,de19desetembrode1990,afirmaquea sade tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentao, a moradia, o saneamento bsico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educao, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e servios essenciais.

    Oart.7,incisoXXII,daCF/88,poroutrolado,afirmaquesodireitosdos trabalhadores, entre outros, que visem melhoria de sua condio social: reduo dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de sade, higiene e segurana.

    Sebastio Geraldo de Oliveira esclarece que a reduo de riscos sade, inclusive sade mental, consubstancia um princpio constitucional que atua como mandamento de otimizao (OLIVEIRA, 2010, p. 125).

    Ou seja, um ambiente de trabalho totalmente seguro e saudvel um objetoinfinitodeaproximao,queseaperfeioanamedidaemqueoDireitoincorpora o desenvolvimento e descobertas das cincias, o que sempre pro-visrio12.

    E partindo desse pressuposto, o Direito do Trabalho, nas respostas que oferecer,devedesconfiardasaproximaespsicopatolgicasqueconcentrama ateno em assessorar condenaes, como se o complexo panorama da doena mental pudesse consubstanciar dvidas subjetivas, monetariamente saldveis13.

    12 Em outros termos: A Proteo Sade como estratgia, por vrios ngulos de anlise, logicamente impossvel, apesar de historicamente ter sido construda como campo de prtica plausvel. Seu modelo o controle e a interveno requerida, o experimento. Tal modalidade o impossvel deve ser tomada emsuaestruturalgica,nosignificandocomissoquenoexista.Apenasquecontroleeexperimentono so realidades em si, mas realidades lingusticas no encontrveis nas condies efetivas da pesquisa ou da interveno; tal como os eventos contingentes, so realizados e somente ento reconhecidos por seus efeitos. Em termos lgicos, o que no cessa de no se escrever se impe (no cessa) e, ao mes-mo tempo, por escapar ao simblico, no se escreve. Rigorosamente, um experimento nunca pode ser reproduzido, nico, podendo, sim, ao ser replicado, constituir srie. Ademais, tal replicao nunca se d conforme o planejado, posto que a situao do laboratrio no tem com a vida outra relao seno deverossimilhana.poressemotivoqueLacandefineoReal,registrodoimpossvellgico,comoo que no cessa de no se escrever; por mais que ensaiemos, jamais a realidade do experimento corresponder ao real do evento (ALMEIDA FILHO; COUTINHO, 2007, p. 128-129).

    13 Clio Garcia cita uma experincia extremada no caso de assdio sexual, que no deu certo. A vtima acusava o parceiro declarando, diante da justia, absoluta iseno. O livro de Frederick Crews, que rene uma srie de artigos sobre a matria, inicialmente publicados no New York Review of Books, documentaprocessosdefilhos,levandobarradostribunaispaise/ouadultosacusadosdeassdiosexual ou ultrajes na infncia, tudo obtido recuperao de lembranas, por ocasio de anlise ou outro meio de investigao da memria (GARCIA; FERREIRA (Org.), 2002, p. 61).

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    3.4 A responsabilidade do sujeito

    Noquadrodasdivergnciasdapsi,umaoutraquestoquedesafiaoDireito do Trabalho se posicionar a respeito da responsabilidade do trabalhador nas queixas de doena mental.

    A psicopatologia diz que psiquiatria social nasceu com um referencial marxista. Fala-se, assim, de determinantes sociais da doena mental, ou que o sofrimento psquico ou as expresses da personalidade so sociais, porque resultam da atividade histrica dos seres humanos, criadores e criaturas de determinada organizao social (...) (MESSIAS, 2010, p. 143).

    Antes de Le Guillant, a concepo j se encontrava em Georges Politzer, com o entendimento de que as condies sociais regulam a vida mental, sendo o pensamento um fenmeno social (POLITZER, p. 145).

    Essa uma viso determinista do marxismo ortodoxo, da conscincia determinada pela existncia, da superestrutura determinada pela infraestrutu-ra,queBoaventuraSouzaSantoschegouachamardemetforatopogrfica(SANTOS apud SOUZA Jr., 1985, p. 85).

    AgostinhoRamalhoMarquesNetoafirmaquetalinterpretaoquesefaz de Marx no procede, resultando de um pinar de trechos isolados da obra Ideologia Alem.Emrelaoafirmaofatalistadahistria,afirmaqueMarxdisse exatamente o contrrio, ou seja: A Histria nada faz. o homem, o homem real, o homem vivo, que faz, que possui, que combate (MARQUES NETO, 1982, p. 31).

    Roberto Lyra Filho chamou essa dialtica de perifrica, ou seja, a dialtica no somente um enlace de perspectivas (no caso o trabalhador condicionado pelo trabalho e vice-versa), encontrando-se em cada um dos polos (LYRA FILHO, 1982, p. 24-25).

    conhecida a terceira das teses sobre Feuerbach, segundo a qual as circunstncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstn-cias (MARX; ENGELS, 1998, p. 100). No entanto, segundo Leandro Konder, nofinaldateseMarxaduziuaautotransformao(Selbstvernderung), que significaacapacidadedesequestionarinternamente,asubjetividade,quefoiesvaziada pelo stalinismo. Assim, a conscincia foi delegada a uma instncia externa, objetiva, no caso a direo do partido. E o comissrio era um sujeito que, em nome de aes necessrias a libertar outros sujeitos, atuava no sentido de reduzi-los condio passiva de objetos (KONDER, 1988, p. 41).

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    Esse referencial, at hoje presente nas pesquisas psicopatolgicas, cor-responde a uma leitura estruturalista do marxismo que vigorou nas dcadas de 60 e 70 do sculo passado (Althusser foi um dos principais representantes desta tendncia), no sentido de dissolver o sujeito histrico de sua autonomia, e conceitu-lo como suporte das relaes de produo (MARQUES NETO, 1994, p. 88).

    O enfoque de irresponsabilizar o trabalhador do sofrimento mental em razo de determinantes sociais, a pretexto de proteger, priva o trabalhador de sua subjetividade, tornando-o mero sujeito passivo de inexorveis substan-tivaes mentais.

    Seadoenamentalreflexodeagentesexternos,almdotrabalho,ter-amos outros fatores, como, por exemplo, o acesso a bens e servios essenciais, a educao, o transporte, o saneamento bsico, o lazer, a renda, cada um desses agentes determinando sndromes mentais dos mais variados nomes.

    evidncia, existe alguma coisa errada nessa lgica reducionista.

    Originalmente, coube hermenutica heideggeriana da existncia, centrada no processo circular do conhecimento, o abandono do paradigma idealismo-realismo,sujeito-objeto,oquefoiperfilhadoportodaahermenuticafilosficaqueseseguiu,deH.G.GadameraPaulRicur,passandoinclusivepelo eixo procedimentalista de J. Habermas e A. Garapon, sempre contrrios ao gozo passivo de direitos e a uma justia da salvao, com a reduo dos cidados ao estatuto de indivduos clientes de um Estado providencial (VIANNA, 1999, p. 23-24).

    A noo de crculo hermenutico, do sujeito como parte do objeto, implica que o trabalhador, no mnimo, corresponsvel por suas queixas. No mesmo vis, a ideia da sociedade aberta de intrpretes da constituio, de Peter Hberle, para quem o cidado, na atualizao da Constituio, no s cointerpreta a norma, como tambm atua como pr-intrprete, produzindo uma interpretao constitucional antecipada (HBERLE, 1997, p. 13-14). O cidado, portanto, quando questiona a Constituio e sua materializao, questiona a si prprio. E fazendo um paralelo do trabalhador cidado, com o trabalhador queixosodesofrimentopsquico,citoQuinet:aretificaosubjetivadeFreudconsiste em perguntar qual sua participao na desordem da qual voc se queixa? (QUINET, 1991). Observa-se, aqui, uma aproximao evidente entre ahermenuticafilosfica,ahermenuticaconstitucionaleapsicanlise.

    Nosedesconhecequetantoosujeitodafilosofiaquantoosujeitododireito consubstanciam o sujeito cartesiano, do penso, logo existo e que o

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    sujeito da psicanlise outro, o sujeito do desejo, assim enunciado por Lacan: Penso onde no sou, portanto sou ali onde no penso. (LACAN, 1988, p. 521). A descoberta do inconsciente promoveu um abalo nesse sujeito da conscincia, que fala do sujeito cognoscente que controla a si e o mundo que o cerca. O querestaaodireitoefilosofiaquandosedescobrequeosujeitonomaissenhor de si? O cogito torna-se um conceito ferido, humilhado14. O debate, entretanto,noinstigaumavisounificadoradasperspectivas,quenoexiste,mas aponta para um caminhar paralelo, pois o sujeito de desejo inconsciente, o sujeito da psicanlise, s ser sujeito se estiver juridicamente marcado. Sem Lei, inclusive pela anterioridade simblica do Nome-do-Pai, no h desejo (SILVA, 2003, p. 23).

    O enfoque que diz querer o bem, que tenciona proteger o semelhante, apontando o trabalhador com um ser vitimizado, psicologicamente frgil, com quadros psquicos determinados por foras sociais externas, produz efeito contrrio, sendo incompatvel com o pensamento jurdico contemporneo.

    Genevive Koubi, jurista francesa, ao analisar o sofrimento psquico no mbito do assdio moral no trabalho, posiciona-se da seguinte forma:

    Opensamentocrticodesconfia,portanto,doenfoquecompassivoque consiste em retirar do indivduo sua relao com o outro, reduzindo-o progressivamente a uma ser fragilizado, fraco e vulnervel, levando-o a solicitar a assistncia e o socorro de associaes, e de juzes para lutar contra os fenmenos do assdio de que objeto ou para escapar das situaes de assdio que vivencia. (KOUBI, 2006, p. 18)

    MichelRosenfeldenxergoualgumasafinidadesentreosujeitoconstitu-cional e o sujeito da teoria psicanaltica de Sigmund Freud e de Jacques Lacan. MenelickdeCarvalhoNetto,noprefciodoestudo,afirmou:

    Paraamaiorpartedafilosofiapolticaedadoutrinaconstitucionalatuais, sabemos hoje, por experincia prpria, que a tutela paternalista eliminaprecisamenteoqueelaafirmapreservar.Elasubtraidoscidadosexatamente a cidadania, o respeito sua capacidade de autonomia, sua capacidade de aprender com os prprios erros, preservando eternamente a minoridade de um povo reduzido condio de massa (de uma no cidadania), manipulvel e instrumentalizada por parte daqueles que se

    14 SegundoPaulRicur,essemomentodedescentramentodosujeitoprovisrioenoimpedirumnovocentramento.Segundoofilsofo,apsicanlisefereocogito e ao mesmo tempo lhe preserva a vida, o que se concretiza pelo trabalho da interpretao, ou seja, possvel um reapossamento do sujeito pela via da interpretao. Interpretar preencher um vazio. deixar de ser terra do outro. (VIDAL, 2003, p. 125).

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    apresentam como os seus tutores, como os seus defensores (...). (CAR-VALHO NETTO. Prefcio. In: ROSENFELD, 2003, p. 14)

    A crtica que parte da doutrina trabalhista faz a essas aproximaes diz respeito ao fato de o Direito do Trabalho regular relaes em que existe um desequilbrio estrutural de foras. O empregado se encontra subordinado ao empregador numa equao de explorao da fora de trabalho. O receio que a psicanlise seja utilizada como instrumento do capital, ou como uma tcnica de adaptao do trabalhador a condies desumanas de trabalho, que permaneceriaminalterveis.Entretanto,essaobservaorefleteadificuldadedeoDireitodoTrabalhocompreenderqueahipossuficinciaeconmicanosinnimodehipossuficinciamental,equeaopopelaresponsabilidadedosujeito no antagnica defesa intransigente de condies de trabalho dignas.

    3.5 O juiz convocado a sofrer

    Poucas intervenes que se apresentam em nome da psicanlise tm promovido um giro no debate do nexo causal, acrescentando o juiz como por-tador de um sofrimento.

    Com o processo de redemocratizao, no se estabeleceu no Brasil, nas palavras de Eugenio Ral Zaffaroni (1995, p. 160), um juiz assptico, sobre-humano,identificadoacimadosconflitossociaisepessoais.Assim,falarqueo juiz sofre no tem nada de inusitado.

    A questo o tom dramtico e o alarde feito por alguns operadores da psi, que, embaraados com a incumbncia de auxiliar a Justia, acabam crian-do um pavoroso cenrio de amargura e padecimento dos protagonistas da justia.

    Cyro Marcos da Silva, h mais de 10 anos, anteviu a tendncia de alguns excessos da psicanlise na medida em que, ao se aventurar na difcil interlocuo com o Direito, acaba por constituir novos sofrimentos no campo jurdico, um excesso, um derrame, uma hemorragia de sofrimentos, como que pretendendo calar o jurdico com botas psi apertadas (SILVA, 2003, p. 123).

    Aqui, o exerccio da funo jurisdicional retratado como um martrio, uma penria, com dores morais insuportveis das partes, das testemunhas e do juiz. Uma verdadeira tragdia:

    umajovemmeamamentandoemaudinciaseufilhocomumms de vida e dizendo que precisa deixar o emprego porque no tem ningumquefiquecomseus trsfilhos; maridodesempregado (...)Sensibilizadoojuiz,quetemumfilhopequenoemcasa,medizqueuma

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    situao como essa lhe angustia muito; me desesperada porque perdeu seujovemfilho,quandoestefaziaocarregamentodeumelevadordaempresa que se desprendeu e o esmagou. Situao difcil para qualquer juiz que, mesmo fazendo com que o empregador assuma o que de responsabilidade,sabequeimpossvelhaverumarespostasuficientepara o desespero de uma me que se v diante da perda de seu verdadeiro amor; empregador falido, mas que tentando apresentar uma masculi-nidade impotente, chora em audincia, absolutamente constrangido, ao ser informado de que ter de quitar sua dvida trabalhista, mesmo sem condio para isso. Situao que deixa claro o sofrimento de um homem que se v na posio feminina; audincias em que casos amorosos de difcilsoluoentrepatroempregadochegamaojudicirio;pedfiloque traz horror a uma juza ao descrever o que fazia, como empregado de uma igreja, s criancinhas (...); casos submetidos juza de indito manejo, iniciando-se um contato com as partes, que envolve muito sofrimento; testemunha agarrada ao corrimo da escada, em, pnico; a subjetividade toca o Juiz que continua acompanhando o processo mesmoapsasentena;seasentenamantidapelotribunaltalvezfiquea eterna dvida do por que foi capaz de convencer to bem a turma de desembargadores, j que nem ele mesmo estava to confortvel com sua deciso;ojuiztemseuspontosdevulnerabilidade()emuitasvezeseleseangustia;elesolicitadoadecidirmesmocomsuasdificuldades;jovemmulher()quesesuicida.(ALBUQUERQUE,2010,v.51,n 81, p. 437-438)

    Em outro estudo, o psicanalista Antonio Beneti diz que os juzes me relatam o sofrimento corporal, o cansao, as dores, a exausto, a depresso; corpos em sofrimento. E que o juiz em certas audincias responde atravs de sua subjetividade, em ato, enquanto igual, humano, rompendo e desvestindo-se de seu semblante, de sua toga; fora do campo jurdico. Temos a uma situao em que dois sujeitos emergem, o juiz e o trabalhador reclamante. Contudo, so ambos reclamantes, trabalhadores (BENETI, 2010, v. 51, n 81, p. 450-451).

    No seminrio de 69/70, Lacan introduz o conceito de discurso como promotordolaosocial.Naquelequedefinecomoodahisteria,oqueosujeitohistrico apresenta ao outro a sua prpria diviso subjetiva, o seu sintoma como enigma a ser decifrado. Dessa forma, o discurso histrico promove o outro condio de mestre, incitando-o a produzir um saber sobre o seu sintoma. O Direito encerra uma dessas possibilidades de ser eleito como o operador do discurso do mestre. Todavia, o discurso histrico, em face de sua diviso subjetiva,encontra-seemduplafuno,promoverosabercientficoeapontar

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    a sua falha, ou a sua impossibilidade enquanto saber. E ao destituir o mestre de seu saber, o discurso histrico no pretende o seu lugar, mas como diz Lacan: ele quer um mestre sobre o qual possa reinar (TEIXEIRA, 1991, p. 24-25).

    Esse Outro que a histrica/histrico pode vir a escolher sempre um local do gozo de direitos insatisfeitos, ora forte e supremo, ora fraco e doente, sempre decepcionante em relao s expectativas.

    O histrico procura e sempre encontra os pontos em que seu semelhante forte e abusa dessa fora para humilh-lo, e os pontos em que seu semelhante fraco e, por essa fraqueza, suscita a compaixo. Ohistricoidentificaemoutrem,comumapercepomuitoaguada,osinal de um poder humilhante que o torna infeliz, ou de uma impotncia comoventedequeeleseapieda,masincapazderemediar.()Dotadode aguda sensibilidade perceptiva, ele detecta no outro a menor falha, o menor sinal de fraqueza, o mais ntimo indcio revelador de seu desejo. Mas, semelhana de um olhar penetrante que no se contenta em varar e transpassar a aparncia do outro para encontrar ali um ponto forte ou umabrecha,ohistricoinventaecriaaquiloquepercebe.()Omundodo histrico um mundo infantil, composto de poderosos e impotentes, fortesefracos,moosevelhos,atletasedeficientes.(NASIO,1991,p. 16-17, 123)

    Esse tambm o mundo das audincias trabalhistas, sob o olhar do discurso histrico.

    Segundo Quinet, Lacan elevou a histeria a uma forma de lao social, ou seja, para alm do tipo clnico e seus sintomas, elegendo-a como uma forma de as pessoas se relacionarem (QUINET, 2005, p. 185). Fala-se, assim, em histericizao da vida social, ou seja, um link relacional, presente em todas as conversas, em todas as instncias da vida comunitria.

    O histrico, ou histrica, segundo Christopher Bollas, induz o outro a revelar seus pensamentos privados, propondo uma troca quase que medinica, sendoatraioaregradojogo:Ohistricoconduzooutrocrenaafimdequebr-la ante os olhos dele (BOLLAS, 2000, p. 86, 214).

    Para capturar o outro, o discurso histrico sempre ambguo, possuindo doisoumaissentidos.Nosesabeseestquerendoedificaroudestruir,elogiarou maldizer, sempre instigando o outro a uma reao, produo de algum saber. No dito popular, seria cutucar a ona com vara curta. Ou mostre-me se voc corajoso. E quando vem a resposta, o discurso histrico geralmente contrape com um pedido de reparao: Quem? Eu? No foi isso que eu quis

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    dizer. a fala da vitimativa, sempre fazendo o outro desejar, pois deseja o desejo do outro, inclusive o desejo de saber. Demanda, enaltece e desbanca o saber do mestre. Como uma bola de vlei, levanta o saber para depois cort-lo (QUINET, 2005, p. 181-185). O discurso histrico, diz Lacan, (...) o inconsciente em exerccio que pe o mestre contra a parede de produzir um saber (LACAN apud SOLER, 2005, p. 42). A psicanlise nasceu da histeria, do clssico caso Anna O. Mas a histeria no se contentou com a resposta freu-diana, continuando a fornecer novos sintomas para os cientistas, provocando a produo de novos saberes na medicina, na neuropsiquiatria, na psicopatologia, pondotodomundoparapensar,vindodaasinfindveissndromes.Oquenose esperava que a histeria lograsse transmitir suas vestes para certo vis da psicanlise, e esta, transvestida, viesse a provocar, agora no Direito, o desejo de produo de algum saber.

    Como o Direito no atua nessa rea, nem analisando, seria o caso de o psicanalista voltar ao div.

    A psicanlise tem produzido algumas iniciativas de como se relacionar com o Direito. Menciona-se, historicamente, o texto de Freud, A psicanlise e o estabelecimento de fatos em matria judiciria (FREUD, 1959, p. 81-93). Contudo, estender a clnica para outras manifestaes do fenmeno humano sempre foi algo difcil.

    CharlesMelman,aoserquestionadose,afinaldecontas,eraafavordopatriarcado e contra o matriarcado respondeu: De jeito nenhum sou defensor do patriarcado! Simplesmente estou na posio de analista, logo, em posio de expor um certo nmero de fenmenos. s. No tenho nem que atacar nem que louvar essas evolues que constato.

    Ouseja,noafavornemcontra,nemapontacaminhos,ficandodifcilsair da clausura.

    Clio Garcia construiu uma ponte de aproximao entre os dois saberes. Aponta trs direes para a psicanlise: como mtodo de investigao, como teraputicaecomoteoriageraldofenmenohumano.Nesseltimocaso,afir-ma que a psicanlise pode estar implicada em outros discursos com os quais elaseconfrontaalmdaclnicapropriamentedita.Sevalendodaficoquefundamenta a primeira constituio histrica em Kelsen, vai propor o Direito e a Psicanlise atuando como operadores do simblico. Ressalta, na proposta, e no campo do Direito de Famlia, a importncia da dimenso simblica do Juiz, que deve ser percebida como um enunciado em nome da Lei para algum

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    cujafiguradepaiausenteeinexistentedeixoufalhasnahistriadoSujeito,no estabelecimento da Lei (GARCIA, 2004, p. 2-16).

    Soa, portanto, paradoxal, que a psicanlise, justamente ela, agora no campo do Direito do Trabalho, apresente-se como desconstrutora do simblico, voz da histeria, desenhando um campo jurdico caricatural, com juzes (pais simblicos) incapazes de regular relaes, caindo aos pedaos nas salas de audincia, sofrendo aos quatro cantos, medrosos em decidir, covardes, horro-rizados, a ponto de, nas audincias, abdicarem da jurisdio na sua dimenso simblica de reguladora das relaes.

    Um juiz que desveste sua toga nas audincias, atuando fora do campo jurdico, certamente no juiz.

    E justamente isso que o discurso histrico almeja: colocar o mestre na parede, destitu-lo do seu saber. Se nas audincias o advogado no existe, as partes esto destroadas, as testemunhas paralisadas, e o juiz angustiado, pensandonosfilhosqueficaramemcasa,comoestariamospsicanalistasqueobservam tudo isso? Certamente, seriam os nicos no controle, como diz Lacan, reinando sobre o discurso jurdico, sobre o mestre.

    Imaginem, nessa leitura, o psiquiatra/psiclogo/psicanalista diante do relato de seu paciente, o mdico cirurgio recebendo o motorista acidentado, o pediatra na emergncia do hospital, o comandante do voo enfrentando uma tempestade transitria, todos horrorizados, angustiados, sofrendo muito, desvestindo-seda simbologiadoofcio escolhido, comdificuldadesdeintervir.Certamente,teriamqueprocuraroutraprofisso.

    Melhor seria que a psicanlise aqui estivesse, na imagem de Jean de Munck, como uma passageira clandestina, o que tambm no o caso, porquanto entrou s claras, pela porta da frente, e acabou sabotando o seu discurso inato.

    Prevalecendo a disputa entre os domnios conexos em busca do mono-plio sobre todo e qualquer assunto relacionado com o sofrimento psquico, a jurisdio trabalhista poder assistir a um vale-tudo, em que cada especialista produzir estudos desautorizando o perito nomeado pelo juiz que atuou em determinada reclamao trabalhista.A insurgncia, aofinal, destinar-se- jurisdio, ao processo, ou, em linguagem psicanaltica, metfora paterna, aopaisimblicoemsuadimensosignificante,instnciaqueospsicanalistasdiziam tanto prezar. No legtimo exerccio da liberdade de expresso, as cincias que o Direito do Trabalho tem solicitado auxlio passariam a constituir nas suas instituies, inclusive acadmicas, ou nas suas associaes de classe, espcies

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    de tribunais de exceo. Os casos originalmente submetidos a julgamento pela Justia seriam novamente sentenciados em decorrncia de uma inde-vida intromisso, seja do Poder Judicirio, seja da corrente contrria, naquilo que cada enfoque entende ser sua reserva de mercado da doena mental ou seu monoplio. O fenmeno est a, incipiente, em formao, e pode ser visto. Possui como substrato a crescente judicializao da vida social que, agora, alcanou o sofrimento psquico. Quando se fala de processo judicial, segundo Chiovenda em caso algum a opinio do perito poder substituir-se do Juiz, vinculando-lhe juridicamente a convico (CHIOVENDA apud SANTOS, 1982, p. 347). a regra do art. 436 do CPC, que marca a independncia do juiz e o Estado Democrtico de Direito. O postulado, aceito pelas disciplinas que historicamente colaboram com o Direito, vem sendo rejeitado por algu-mas correntes da rea psi, cujos representantes, apesar de no terem atuado como peritos nas reclamaes trabalhistas, delas tomam conhecimento e no se conformam com a resposta dada pelo Judicirio. A norma fundamental kel-siana devers obedecer (...) no se lhes aplica. necessrio que cada ponto de vista se sobreponha ao outro, inclusive coisa julgada, nem que para isso seja necessrio desacreditar o juiz e o processo judicial. Se a contenda por hegemonia continuar, a ponto de a psicanlise renunciar seu referencial teri-co, poderemos testemunhar uma aproximao entre correntes do pensamento originalmente antagnicas. Cada enfoque, a seu modo, e por razes diversas, se uniriam no futuro, fomentando um processo do trabalho desestabilizado eumjuizfragilizado,cujasalvaoestariaempedirsocorroousefiliaraospressupostos tericos que sustentam seus defensores.

    Num texto de 1912, intitulado Conselho ao Mdico para o tratamento psicanaltico, Freud adverte que de nada adianta quele que demanda anlise ler toda uma biblioteca: Por esse motivo preferimos tambm que os pacientes no leiam durante o tratamento nenhuma obra psicanaltica. (FREUD, 1959, p. 548-549).CyroMarcosdaSilvatambmaconselhaaoprofissionaldoDireito:devorarteoria seria como iludir a fome com a leitura de cardpios, sendo indispensvel a experincia do inconsciente. (SILVA, 2003, p. 126). Portanto, se o juiz pensa que necessitadeajuda,oudeanlise,deveprocuraroprofissionaldesuaconfiana.incuo,paraseubem-estar,permitiraexposiodesuasconfidncias,anoser que, de fato, no esteja experimentando sofrimento algum, teatralizando sua vida diria, ora como ator, ora como espectador de si mesmo, em publicaes jurdicas,ajudandoadestruirasimbolizaodasuaprpriaprofisso.

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    4 CONCLUSO

    O reconhecimento pela Previdncia Social de doenas mentais ou quadros de sofrimentos psquicos decorrentes do trabalho no se vincula ao Direito do Trabalho.

    Poder o empregador, ao se defender em reclamao trabalhista, produ-zirprovadanoconfiguraodonexocausal,demonstrandoashiptesesdasexcludentes do nexo, ou seja, culpa exclusiva da vtima (ou fato da vtima), caso fortuito ou de fora maior e fato de terceiro.

    Em decorrncia da complexidade da doena mental, sugere-se a inser-o doutrinria do nexo contingente como mais uma hiptese excludente de responsabilidade civil.

    Os diversos referenciais tericos que tratam da doena mental e suas relaes com o trabalho colocam o Direito do Trabalho em posio privile-giada, pois possibilitam as aproximaes e distanciamentos com os enfoques quemelhoratendamfinalidadegarantistadeambientesdetrabalhosadioseseguros. A persecuo de ambientes sadios, no entanto, no exime o Direito do Trabalho de questionar, diante do caso concreto, at que ponto o empregado ounoresponsvelporsuaqueixa,poisnoexistesinonmiaentrehipossufi-cinciaeconmicaehipossuficinciapsquica.

    Da mesma forma que existe uma magistratura do trabalho, existe, conec-tada a ela, uma magistratura do sujeito, ambas jurdicas, inseparveis.

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