Índia

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Com uma das maiores populações do mundo, a Índia encanta com seus mistérios e lendas. Lugar onde povos, culturas e religiões entrelaçam-se, trazendo o passado para o presente. Lá, as diferenças e os extremos convivem lado a lado, há séculos. Jean-Claude Carrière neste livro nos conduz a um roteiro cheio de crenças, mitos, religiões e mistérios, pelas cidades indianas e suas belezas milenares. Uma viagem imperdível por um país sedutor e fascinante.

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Com uma das maiores populações do mundo, a Índia encanta com seus mistérios e lendas.

País milenar, terra que deu origem a homens como Siddharta Gautama, o Buda, e Mahatma Gandhi,

a Índia é um desafio para o olhar.

Lugar onde povos, culturas e religiões entrelaçam-se, trazendo o passado para o presente. Onde convivem,

lado a lado, o amor proibido entre homens e mulheres de castas diferentes e o antigo texto do Kama Sutra. Onde islamismo, budismo e hinduísmo coexistem.

Essa mistura torna a Índia um país único e fascinante, onde a diferença é o denominador comum que

une todos em um mesmo espaço.

JEan-CLaudE CarrièrE roteirista francês, nascido em Colombières-sur-Orb, Héralt, em 1931.Formado por Luis Buñuel, com quem colaborou desde O diário de uma camareira (1964) até Esse obscuro objeto do desejo (1977), tornou-se um dos principais roteiristas do cinema contemporâneo. Trabalhou com grandes diretores, como Volker Schlöndorf (O tambor, 1979 e L’ogre, 1996), andrzej Wajda (Danton, o processo da revolução, 1982), Peter Brook (O Mahabharata, 1989), Jean-Paul rappeneau (Cyrano de Bergerac, 1990), Héctor Babenco (Brincando nos campos do senhor, 1991) Edward niermans (O retorno de Casanova, 1992), anna Maria Tato (The night and the moment, 1994) e Jean-Paul rappeneau (O cavalheiro do telhado e a dama das sombras, 1995).

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País encantador e misterioso, a Índia surpreende seus expectadores. Lá, as diferenças e os extremos convivem lado a lado, há séculos. É por isso que Jean-Claude Carrière avisa, logo no início, que essa paisagem pode impressionar os visitantes de primeira viagem. “O amor pode ser aniquilado ao primeiro contato, que é capaz de fazer com que as malas sejam refeitas e seja retomado o caminho de volta.”

O olhar amoroso que Carrière nos oferece sobre a Índia, no entanto, apaga essa impressão imediatamente. Ele mesmo diz: “a Índia nos arranca de nós mesmos, seja por repulsa, por atração, ou pela mais forte das curiosidades, aquela que não sabe o que busca, nem o que pode esperar ou temer. uma surpresa a cada piscar de olhos. uma incessante provocação ao olhar e ao pensamento.”

E, então, ele nos conduz a um roteiro cheio de crenças, mitos, religiões e mistérios, pelas cidades indianas e suas belezas milenares.

uma viagem imperdível por um país sedutor e fascinante.

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JEAN-CLAUDE CARRIÈRE

Tradução

Claudia Fares

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Convite

É difícil amar a Índia. O amor pode ser aniquilado ao primeirocontato, que é capaz de fazer com que as malas sejam refeitas e sejaretomado o caminho de volta. Pode ser confundido com o exotismo ecom o pitoresco. Exige muitas viagens e uma atitude bastante estra-nha, feita de candura, que é propícia à surpresa, e de um ceticismocrítico que constantemente questiona o objeto do amor, o denigre, odetesta.

A Índia não é um país charmoso, a começar pelas paisagens.Com exceção do norte, onde a proximidade com o Himalaia, a algu-mas centenas de quilômetros, perturba os olhos, o resto parece acimade tudo monótono: um grande planalto que passa do ocre para o verde,colinas arredondadas, alguns rochedos cinzentos no sul, pirâmides depedra no meio de arrozais.

Para falar a verdade, a paisagem logo é esquecida por causa dapresença humana que tanto se impõe em todos os lugares. Quem nãogosta dos homens não deve ir à Índia. É impossível visitar esta repú-blica singular confinado num ônibus de turistas, de monumento emmonumento, com os olhos fechados para o país e para seus povos. Fa-çanha inconcebível, irrealizável. A multidão é aqui a principal paisa-gem. Ela é o ator de todas as coisas. Sem dúvida é por isto que, naliteratura indiana de todos os tempos, os personagens são freqüente-mente atraídos para o exílio e a solidão, a renúncia, a partida: peloesgotamento causado pela multidão.

Que o visitante estrangeiro não se engaje nessa via de isolamentoseria meu primeiro conselho. Que não vá à Índia para não ir a partealguma. Que aceite a multidão, que se misture com ela, que nela seperca. Primeira condição do amor: o contato.

Outra atitude, mais delicada, consiste em esquecer por algunsdias, ou algumas semanas, nossa crença, profundamente estabele-cida, na racionalidade do mundo. Se nos faltar ingenuidade, se esque-

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cermos de ver e ouvir, se quisermos tudo explicar e compreender, trazertodo o espetáculo para a nossa lógica, compará-lo, avaliá-lo, ficaremosrapidamente desgarrados, decepcionados, até exasperados. A Índia ob-serva a si mesma, analisa a si mesma (o que chega a ser um dos exer-cícios favoritos dos indianos), mas ela não explica a si mesma. Se reu-nirmos todos os dados concebíveis (territórios, populações, línguas,religiões, economias, modos de vida), se os estudarmos de acordo comos nossos métodos, o mais seriamente e imparcialmente possível, sópoderemos chegar a uma conclusão implacável: a Índia não existe.

Um conjunto como este não pode funcionar. Ele é incoerente. En-globa tantos níveis sociais, tantas complexidades mentais, tantas regraspúblicas e secretas, tantas realidades imaginárias, tanto passado, tantopresente, que uma coesão geral dependeria de uma milagre cósmico.

Contudo, este é o caso. A Índia existe e funciona. Sob certos pon-tos de vista, funciona até melhor que Estados que se dizem histórica elingüisticamente mais sólidos. O disparate indiano talvez tenha criadomais exatamente um povo do que este ou aquele nacionalismo. Aqui apluralidade parece ser o cimento. É a diferença que reúne. E é a ilusãoque é real.

Portanto, a primeira surpresa é esta: uma quimera em exercício.A isto soma-se, como percebem todos os visitantes, uma viagem físicano tempo, um transporte imediato para as luzes e os aromas de outraépoca, nos meandros de algum palácio de idade indefinida. Nenhumesforço é exigido aqui: basta se deixar levar, deslizar pela passagemtemporal que está entreaberta para qualquer um em todos os lugares.

O passado não é o passado. Aqui, ele é apenas uma das formas dopresente, que o assimila e o prolonga. Isto não significa, de maneiraalguma, que a Índia seja um país retardatário, ou a reboque. Ela for-nece profissionais de informática para o mundo inteiro e ainda vive notempo dos milagres. Ao contrário dos Estados Unidos, onde o passadoé sempre apagado, abolido em benefício de uma corrida desvairada noinstante, no inapreensível hoje, a Índia reivindica cinco milênios deexistência aos quais se refere constantemente. Executivos podem con-versar sobre negócios evocando com precisão antigos relatos. Nenhum

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outro país, em todo caso nenhum país deste porte, desta importância,oferece aos nossos olhos esta continuidade sem falhas, onde todas asinvasões, uma após a outra, inclusive a presença inglesa, foram absor-vidas até fazerem parte da mais íntima substância indiana, em que amitologia original participa muito naturalmente da vida cotidiana, emque o que chamamos de modernidade não pressupõe nenhuma rupturacom os séculos que chamamos de antigos.

Num relato antigo que permanece vivo até hoje, um falcão quercomer um pombo, que encontrou refúgio na coxa de um rei. Entre outrosargumentos, respondendo ao rei que lhe propõe comer outra coisa, ofalcão diz: “Desde o começo do mundo, este pombo está destinado aser o meu alimento de hoje.” Uma das frases mais indianas que conhe-ço. Desde sempre, vivemos hoje. Cinco milênios de instantes.

É preciso algum tempo para apreender esta particularidade pro-funda e para amá-la, porque aquilo que acreditamos reter, aqui mais doque em outro lugar, de repente nos escapa e nos desconcerta. Falareimuitas vezes desse sentimento, que pode ir do assombro à decepção eaté ao fastio. Temos o hábito de proceder por comparações, de remetertudo a nós mesmos. Ora, a Índia é um território sem outra referênciaalém dela mesma, o único grande império de outrora que se mantém,quase imperturbável, parecendo não depender de ninguém. Em sua his-tória – que ela considera com um olhar muito diferente do nosso – ne-nhuma época eliminou a anterior. Elas integraram-se umas às outras,inclusive a época nuclear e da informática, o que torna realmente im-possível falar de um “tempo passado”, de uma “época encerrada”. AÍndia tem o tempo. Os séculos não se excluem, eles se acumulam.

Parece-me, às vezes, como também a outras pessoas, sobretudonos últimos dez anos, que esta impressionante substância corre o riscode desaparecer, que ela não sobreviverá ao século que começa, que asformas mais enganadoras da modernidade – do fast food à MTV e aosblue jeans – estão levando-a embora, em detrimento da tradição mul-tiforme.

É possível, mas isto não é para amanhã. Uma razão a mais, emtodo caso, para viver algum tempo em meio aos testemunhos de uma

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aliança única entre as eras. Se amamos mais o tempo do que o espaço, eo contato mais que a solidão, é preciso aproveitar esta possibilidade.Na Índia, há uma relação entre o homem e o mundo que está ameaçada,e que talvez desapareça. Não posso afirmar que ela é melhor do queoutras, mas ela é autônoma, minuciosa, rara. Se ainda nos resta umaoportunidade de mudar completamente de ares e hábitos, ela deve seraproveitada na Índia.

Esta coexistência, no seio da vida indiana, do passado e do pre-sente, da crença e da ciência, do eterno e do passageiro, além do charmee às vezes da fascinação que aqui encontramos, nos garante a possibili-dade (se assim quisermos) de observarmos a nós mesmos, neste ou na-quele momento de nossa própria história. Estrangeiros e, no entanto,em casa.

Sabemos perfeitamente que toda viagem é ilusão e que todo rela-to de viagem é mentira. Não vemos, acreditamos ver, como, aliás, enga-nadora é a vida, por sua própria natureza. É por isso que São João daCruz escreveu que não viajamos para ver, mas para não ver – quer di-zer, para tentar alcançar outra coisa além da superfície lisa e fugidiadas coisas, para ver-nos à luz do além.

Isto posto, na Índia é difícil não ver. Mesmo se não ficarmosextasiados diante das paisagens, não podemos fechar os olhos diante daimensa presença humana e diante das inúmeras obras que marcaramessa presença.

Esta abordagem – visual e sensual – é indispensável. Numa pri-meira viagem, podemos mesmo nos limitar a ela. Em seguida, pouco apouco, como tudo nos convida a isto, podemos ir além das aparências,aprender a decifrar as imagens e, mais profundamente ainda, entrar emcontato com o coração e o pensamento indianos. Mas sem ilusão, poisjamais iremos até o fim. É preciso admitir que nunca conheceremostoda a Índia. Mesmo depois de trinta viagens, mais ou menos longas, acada nova chegada alguma coisa salta aos meus olhos, alguma evidên-cia, instalada ali há cinco mil anos, e que eu nunca havia notado antes.

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Neste livro, em que, por definição, a ordem é a alfabética e não ados itinerários ou dos anos – o que não é um exercício assim tão fácil,tão abrangente, como alguns costumam afirmar –, tentei manter essasdiferentes abordagens de um subcontinente inesgotável, tentei ir, quan-do podia, um pouco além da visão superficial, e até mesmo pôr no cami-nho, como se fossem de monumentos, certas noções, modos de vida epersonagens. É uma viagem que me deu muito prazer, e eu os convido aseguir comigo.

Tive como primeiro guia o Mahabharata, o grande poema épicoque conhecia e do qual fiz uma adaptação teatral graças a Peter Brook.Este poema foi nossa credencial na Índia: ele nos conduziu a todas asescolas de teatro e de dança, de povoado em povoado, e de indivíduo aindivíduo. Permitiu-nos entabular imediatamente qualquer conversa,em qualquer lugar, com um motorista de táxi ou um professor universi-tário. Nos fez encontrar marxistas e santos. Como nós o conhecêssemosbastante bem, o que muitas vezes surpreendia nossos interlocutores, eleserviu para nos abrir portas, encontrar quem queríamos, para melhorperguntar e melhor ouvir. Devo-lhe muito. Sem esta familiaridade e sema admiração que tenho pelo poema, este livro não existiria. Na Índia, oMahabharata foi meu primeiro amor.

Todos os indianos o conhecem, a ponto de às vezes eu me pergun-tar se ele não constitui, com o Ramayana, esse cimento invisível que fazde tantos povos um só povo. Ele apresenta todos os níveis possíveis daexpressão, e também todos os obstáculos, todos os enigmas. Duranteanos ele foi meu companheiro, e eu o citarei com freqüência.

A partir de 1994, conheci, graças ao trabalho com o Dalai Lama,um outro aspecto da tradição indiana. Depois do hinduísmo, o budismo.Outras cores, outra atmosfera, outro pensamento, que me permitiramvoltar mais preparado a lugares como Ajanta ou Sanchi. E depois, du-rante mais de vinte anos, conheci universidades, templos, estúdios, es-tradas, festas, comícios políticos. Colhi da Índia todos os frutos queapareceram ao alcance de minhas mãos, li, escutei, e acredito que te-nho ali alguns amigos.

Falo um pouco de tudo isso neste livro, sem perseguir uma linhareta, ou uma ordem impecável na multiplicidade indiana, sem preten-

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der clarear o que exige penumbra, nem alinhar as ondulações dos cor-pos, a flexibilidade desconcertante dos espíritos. É evidente que fala-rei, de passagem, sobre minhas paradas prediletas, e o que vejo nelas.Irei demorar-me, sem dúvida, ali onde outros só fazem passar e vice-versa. Quando não falo de uma região, como o Assam ou a Caxemira, éporque não a conheço. Minhas travessias na Índia sempre estiveramligadas a um projeto, a um trabalho. Nunca fui à Índia para uma viagemde turismo, daí minhas lacunas.

Se há muito tempo a maioria de nós abandonou a atitude de des-prezo que era a dos viajantes e dos conquistadores (um povo bárbaro,idólatra, cruel, de uma ignorância obscura), devemos também desconfi-ar do clichê oposto, que há muito tempo se disseminou, de uma Índiaserena, contemplativa e, como dizem alguns, “espiritual”. Os melhoresespíritos são suscetíveis de sucumbir a esta utopia mística, que nume-rosos hindus astuciosamente alimentam. Eles falam de aventura interi-or, de harmonia cósmica, de samadhi e de chakra, chegando a fazeralusões a certos prodígios. Desconfiança em relação a tudo isto, bementendido. Tratarei do assunto oportunamente.

Contudo, tentarei, ao lado de uma insuportável mixórdia de pen-samento e idéias, fazer sentir o que todos os apaixonados pela Índiaconhecem, esta disponibilidade insaciável, esta avidez de ver e de sa-ber que é capaz de nos manter constantemente acordados, à espreita, nopaís menos tedioso do mundo. Onde o tédio, como a indiferença quefreqüentemente o acompanha, é inconcebível, não depende deste mun-do. A Índia nos arranca de nós mesmos, seja por repulsa, por atração,ou pela mais forte das curiosidades, aquela que não sabe o que busca,nem o que pode esperar ou temer. Uma surpresa a cada piscar de olhos.Uma incessante provocação ao olhar e ao pensamento.

Algumas indicações para a leitura: a ordem é alfabética, mas épossível começar por qualquer parte. É a particularidade deste dicioná-rio: cada um pode escolher seu ponto de partida. Dediquei um verbetea algumas cidades e a alguns estados prediletos (Kerala, Tamil Nadu,Karnataka), mas o sistema de remissões (ver este ou aquele verbete)permite uma viagem em ziguezague, mais fácil de ler do que de fazer.

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Após demorados esforços para tentar unificar as transcrições dosnomes indianos, particularmente no que se refere aos acentos, final-mente desisti. Que os sanscritistas me perdoem (e que os leitores meagradeçam): nenhum acento1 . Escrever um livro serve às vezes paranos livrar de uma obsessão tenaz. Eu também pensava assim, ao melançar nesta viagem sobre o papel. Eu dizia a mim mesmo: você ao me-nos se livrará, você poderá, enfim, pensar em outra coisa. E, ao termi-nar este prefácio (escrito, como sempre, após o livro) percebo que sótenho um desejo, o de voltar à Índia o mais cedo possível, com os olhosinocentemente abertos, esquecendo de seguir os conselhos que eu mes-mo dei aqui.

Jean-Claude Carrière

1. No que diz respeito à grafia dos nomes próprios – lugares, divindades da mitologia,personagens lendários e conceitos – adotamos, sempre que possível, o critério de mantê-los de acordo com o original. Isto se explica pelo fato de esses nomes próprios muitas vezesnão possuírem uma forma sistematizada de grafia em português. (N. do T.)

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Como conseqüência de um acaso ligeiramente direcionado, a or-dem alfabética escolhida para organizar este livro nos faz começá-lopela cidade de Agra. É ali que se ergue o Taj Mahal, monumento ilustre,passagem obrigatória, imagem emblemática da Índia. Poderíamos tê-laguardado apoteoticamente para o final. Mas Agra está aqui, abrindoeste dicionário.

Situada às margens do rio Yamuna, ao sul de Délhi, e conhecidana Antigüidade, Agra é uma cidade que passou por vários reveses e foimuitas vezes, principalmente durante a dominação dos mongóis, a capitalda Índia. Ela merece uma permanência de pelo menos dois dias econstitui uma bela etapa de um primeiro itinerário, que vai de Délhi aAgra, passando depois por Gwalior, Orcha e Khajuraho, para continuarem seguida até Bhopal ou para subir em direção a Benares. É melhorsair de Délhi de avião ou de trem, porque a estrada é ruim e poeirenta.Como dizem os guias, desaconselhável.

Quase todos os monumentos de Agra foram construídos nos sé-culos XVI e XVII, seus períodos de esplendor. Agra é um conjunto, massão raros os turistas que empreendem uma visita sistemática. Um únicomonumento os atrai e os hipnotiza.

Contudo, é impossível, além do Taj Mahal, não dedicar ao menosduas horas ao imenso Forte Vermelho, mistura de força e de graça, mora-da imperial do grande Akbar. Os labirintos, os terraços, a sala do trono,as galerias, os cômodos de repouso constantemente ventilados a cadapasso dominam o Yamuna e permitem à visão pousar, como imantada,sobre o Taj Mahal. Mas, atenção: Akbar, em seu tempo, não podia con-templá-lo, porque ele ainda não estava construído. Quase cem anosseparam o palácio do túmulo. Ao pé do forte labiríntico, também vale apena passar pela mesquita de três domos chamada Jama Masjid. É pre-ciso atravessar o Yamuna para ver o delicado mausoléu de Itimad-ud-Daulah, que uma poetisa persa mandou construir para seu pai em 1626.Aqui, como em qualquer lugar, se for possível, é recomendável que cada

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visitante faça seu próprio percurso para fugir dos convencionais. Tudoconfirma ou sugere que estamos em Agra, território muçulmano. Mastrata-se de um Islã persa, particularmente agradável e enfeitado, ondeas paradas são necessárias e imprevistas. Tudo indica que, num determi-nado momento da história, a Pérsia invadiu a Índia, armada mais comcinzéis de escultores do que com punhais.

De qualquer modo, não importa o que se diga, qualquer visitante,ao chegar, se precipita para o Taj Mahal. A multidão é aqui o maior obs-táculo. Por isso, a visita deve ser feita pela manhã bem cedo ou bemtarde da noite.

Eis aqui, juntamente com as pirâmides de Gizé, a tumba mais cé-lebre do mundo. Ela se eleva toda branca no meio de um jardim, cercadade canais, de fontes, escoltada a leste e a oeste por duas mesquitas quese mantêm respeitosamente à distância, mas que fazem parte da obra.

Um imperador mongol chamado Shah Jahan mandou sepultar aquios restos mortais de sua esposa favorita, Banu Begam, de origem persa,apelidada de Mumtaz Mahal, a Eleita ou a Pérola do harém. Ela morreuem 1631 ao dar à luz um filho, o nono ou o décimo quarto, segundo ascrônicas. Durante toda a sua vida, mesmo na derrota e nas grandes difi-culdades, ela se mostrou fiel a seu esposo. Este, que tinha então 39anos, decidiu imortalizar aquela que acabara de perder. Agra apresentaum dos encontros célebres do amor, da morte e da arte. Sem dúvida, omais bonito que já foi sonhado.

A construção durou de 1632 a 1648, e ninguém sabe dizer quemfoi o responsável por ela. Uma das grandes obras de arte do mundo per-manece anônima, e este não é o menor de seus encantos. A obra foiatribuída a Ustad Ahmad e seu irmão Ismaïl Khan, célebre arquitetoturco, ao iraniano Amanat Khan de Shiraz, a um veneziano chamadoGeronimo Veroneo, e até a um ourives francês, Augustin de Bordeaux.Todas essas atribuições de autoria são discutíveis. Em todo caso, trata-se de uma obra coletiva, o que aqui é um paradoxo.

O mausoléu causa grande impacto, antes de tudo, pela impressãode unidade. Se chegamos ao Taj Mahal vindo da profusão, às vezesalucinante, dos templos hinduístas do sul, é esta unidade que se impõe

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e se afirma. Uma forma, uma matéria, uma cor. O Islã varre a desordempoliteísta e planta o uno no meio do múltiplo. O mundo se simplifica.Alguns dizem que ele se empobrece, que a beleza mascara a verdade,que a forma apaga a vida.

A harmonia do Taj Mahal é real, mas é bastante difícil de ser per-cebida. Após o percurso obrigatório – os degraus, a plataforma, os quatrominaretes, a grande sala interior e a tumba em si –, é recomendávelvoltar ao jardim e se sentar na grama perto de um dos lagos, por exemplo.

Então, com o espírito vazio, é recomendável deixar o olhar pou-sar sem avidez no monumento e acompanhar, principalmente por voltado fim da tarde, as doces variações da luz sobre ele. É inútil refletir oumesmo pensar. A harmonia é esta sensação que surge em nós quandodesistimos de conhecê-la. Ela é indefinível, porque ultrapassa a beleza.Ela é inexprimível. As regras seguidas pelos arquitetos anônimos per-dem então toda importância. Basta estar ali e se deixar invadir. Então,até a morte é abolida por um momento.

Graças à ordem alfabética que colocou Agra no início deste livro,nosso passeio à Índia começa por um esquecimento de si. Não pode-ríamos sonhar com um ponto de partida melhor.

Acrescento que certos indianos, irritados com tanta fama, chegammesmo a afirmar que é preciso visitar tudo em Agra, menos o Taj Mahal.É, sem dúvida, ir um pouco longe demais. Mas existe alguma coisa deenigmático e sedutor na idéia de que, se vagarmos cuidadosamente umpouco por todos os lados no labirinto mongol da cidade, o Taj Mahal nosserá dado como um complemento inevitável. Mas duvido que alguémfaça essa experiência.

Na página anterior:O suntuoso palácio Taj Mahal ergue-sena paisagem da cidade de Agra.