Indicadores de qualidade em saúde

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Quem quiser lidar com qualidade em saúde tem que conhecer.

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RAS _ Vol. 6, Nº 22 – Jan-Mar, 2004 15

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

OLÍMPIO J. NOGUEIRA V. BITTAR1

Indicadores de qualidadee quantidade em saúdeParte II

Quality and quantityindicators in healthcarePart II

RESUMO

Introdução: Na área de saúde existem indicadorestradicionais que medem o desempenho de programas,serviços e unidades. Entretanto, a complexidade da áreaexige mais do que estes indicadores. Objetivo: Trazer àtona indicadores que possibilitem medir atividades comoas de ensino, pesquisa, de atividade industrial, de ativi-dades extra-hospitalares, além da necessidade de cria-ção daqueles para avaliação tecnológica de eventos-sen-tinela. Método: Levantamento bibliográfico e resultadosde consultorias. Resultados: Oito tabelas contendosugestões de indicadores a serem aplicados nas insti-tuições de saúde.

Palavras-chave – Indicadores. Indicadores de saúde. Indica-dores de serviços/métodos.

ABSTRACT

Introduction: There are traditional indicators in thehealthcare field that measure the performance of pro-grams, services, and units. The complexity of this area,however, requires more than such indicators. Objective:

To develop indicators that will allow the measurementof activities such as teaching, research, industrial activ-ity, out of the hospital activities, and to develop indica-tors for technological evaluation and of sentinel events.Method: Literature research and consulting results.Results: Eight tables with suggestions of indicators tobe applied in healthcare institutions.

Key words – Indicators. Healthcare indicators. Services/meth-ods indicators.

1. Médico especialista em Administração de Serviços de Saúde e Políticas de Saúde; Professor Doutor com Livre-Docência em Saúde Públicapela FSP/USP. Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Bernstein(1) comenta que no séculoXVIII um inglês de nome Francis Galton,fanático por medições, foi o responsá-vel por uma afirmação: “sempre que pu-der, conte”, trazendo notável contribui-ção para a estatística e a administraçãodo risco.

Muito se tem falado sobre a comple-xidade dos hospitais, o que pode ser

comprovado por expoentes da adminis-tração, como Peter Drucker(2) e HenryMintzberg(3), nas afirmações colocadasa seguir:

”poucos processos industriais são tãocomplicados quanto o hospital” (Dru-cker).

“no outro caso, quando aquilo quetem de ser sabido é demais para uma

só cabeça, como em empresas de altatecnologia ou em hospitais, as estraté-gias precisam ser elaboradas coletiva-mente. À medida que os implementa-dores formulam, a organização aprende“(Mintzberg).

Esta complexidade e o risco inerenteda atividade obrigam medições constan-tes e variadas, devendo-se criar indica-

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dores para cada programa ou serviço,ou mesmo situações específicas, po-rém, não deixando de lado aqueles tra-dicionais.

Gawande e col.(4), por exemplo, me-diram o número de vezes que corposestranhos eram deixados na cavidadeabdominal pelo número de procedimen-tos realizados, encontrando valores quevariaram de 1/1.000 a 1/1.500, sendoque 61% eram compressas e 31% ins-trumentos. Outros autores mediram aquantidade de reações adversas, encon-trando valores percentuais que variaramde 4,6% a 14,1%.

“Benchmarking”, marcador balance-ado, “performance prism” são ferra-mentas que podem ser utilizadas paraavaliação de desempenho, porém, osindicadores são as bases para os estu-dos, daí a importância na seleção.

Deve-se desenvolver o aprendizadopara o estabelecimento de metas paracada indicador, bem como medidas paraatingi-los.

Este artigo é complemento(5) de ou-tro anteriormente publicado neste mes-mo periódico.

MÉTODOS

Levantamento bibliográfico e resulta-dos observados em consultorias.

RESULTADOS

A nomenclatura dos indicadores cons-tantes das tabelas seguintes não estápadronizada. Há necessidade de tradu-zi-los para o conceito mais indicado paraa análise em estudo: número absoluto,taxa, coeficiente, índice ou fato.

INDICADORES PARADIVERSAS ÁREAS

O trabalho com indicadores é o pri-meiro passo na evidência de transparên-cia nas ações de uma instituição, maisainda, no momento em que se propa-gam parcerias público-privadas, em quecertamente haverá espaço para hospi-tais públicos e privados, laboratórios eoutros ramos da indústria que poderãointeragir. Na prática da Governança Cor-

porativa, conselheiros, cada vez maisprofissionais, certamente farão uso de-les e os hospitais começam a valorizarseus conselhos com a introdução de ci-dadãos de renome profissional, externosaos mesmos.

Pouco se tem medido sobre o ensinoprestado por hospitais universitários ounão, embora representem parcela impor-tante no consumo de recursos em umhospital. Assim, a tabela 1 exemplificaalguns deles.

As pesquisas muitas vezes não sãonem catalogadas, sendo que algumas sósão descobertas quando insumos ne-cessários à realização de exames com-plementares acabam antes do tempoprevisto. Outras são elaboradas sem terum aproveitamento prático, ou seja, re-cursos escassos sendo mal direciona-dos. Exemplos de indicadores de pes-quisas constam da tabela 2.

Em hospitais que possuem estas áreasconvém trabalhar indicadores de avalia-

ção da biblioteca, como tamanho e ida-de do acervo (livros, periódicos), númerode consultas/número de usuários poten-ciais, assinaturas eletrônicas, e utiliza-ção do acervo na produção científica ede ensino, locais.

Existem hospitais que possuem labo-ratórios de desenvolvimento e produçãode equipamentos, instrumentais, órte-ses, próteses e outros produtos de saú-de, que merecem indicadores do tipoindustrial para medição dos seus proces-sos e resultados. Mesmo aqueles quenão são indústrias, por vezes se pres-tam a testar determinados produtos daindústria, merecendo quantificar e qua-lificar esta atividade, utilizando-se indi-cadores da tabela 3.

TABELA 1Indicadores de ensino

• número de alunos residentes/catego-ria

• número de alunos estagiários/catego-ria

• número de alunos internos/categoria• número de aprimorandos/categoria• número de pós-graduandos (“stricto

sensu”)• número de documentos (disserta-

ções, teses,...) produzidos• carga horária de ensino• número de profissionais para treina-

mento/categoria• gasto com ensino• gasto por aluno• horas de utilização da área física• horas de utilização dos equipamentos• número de candidatos/categoria ins-

critos no período• % de aprovação• índice de satisfação de alunos e ins-

trutores• % funcionários com nível universitá-

rio com titulo acadêmico• relação de instrutores/número de alu-

nos

TABELA 2Indicadores de pesquisa

• número e tipo das linhas de pesquisa• número de pesquisas julgadas no pe-

ríodo• número de pesquisas aceitas no pe-

ríodo• número de pesquisas por linha no

período• número de infrações éticas verifica-

das no período• gasto com pesquisa• gasto total pelo número de pesquisas

em andamento• número, tipo de fontes de financia-

mento e valores• número de pesquisadores seniores• número de pesquisadores juniores• número de pesquisas realizadas pelo

número de pesquisadores• número de trabalhos de graduação e

pós-graduação• número de pesquisas com aplicação

prática• tempo médio para desenvolvimento

de pesquisa• número e tipo de publicações nacio-

nais e internacionais• prêmios e distinções obtidos• citações em periódicos indexados, in-

ternacionais e nacionais• número de patentes no período• royalties recebidos por período• índice de satisfação de pesquisado-

res e financiadores

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TABELA 3Indicadores de produção industrial

• número e tipo de equipamentos pro-duzidos

• número e tipo de instrumentais pro-duzidos

• número e tipo de órteses produzidas• número e tipo de próteses produzidas• número de defeitos/100 peças produ-

zidas• número de reclamações de clientes• índice de satisfação dos funcionários• tempo médio de manutenção dos pro-

dutos• gasto com produção• gasto com manutenção• produtividade por funcionário/tipo de

produto e/ou área de produção• produtividade por Real investido• número de produtos testados em de-

terminado período• número de fornecedores de insumos

por tipo• índice de retrabalho• horas de treinamento dos profissio-

nais• número de peças refugadas

TABELA 4Indicadores de atendimento extra-hospitalar: assistência domiciliar

• número de pacientes em assistênciadomiciliar

• número de pacientes em internaçãodomiciliar

• número de visitas da equipe por pa-ciente

• gastos com assistência domiciliar• número e categorias profissionais das

equipes• número de altas por período• taxa de mortalidade• número de pacientes em reabilitação

física• número de pacientes em reabilitação

psicológica• número de pacientes em reabilitação

profissional• tempo médio despendido nas visitas

e na locomoção da equipe• distância média percorrida pelas equi-

pes• resultados de pesquisas de satisfação

do paciente e família• número de horas de treinamento da

equipe• número de complicações, internações

e reinternações• índice de satisfação do cliente, pacien-

te e funcionário

TABELA 5Indicadores de atendimento extra-

hospitalar: ambulatório/emergência

• número e tipo de procedimentos (in-vasivos e não invasivos)

• diferença de custo com procedimen-tos internados

• taxa de procedimentos ambulatoriaisx internados

• tempo médio das cirurgias ambulato-riais

• tempo médio de permanência na re-cuperação

• índice de satisfação dos clientes epacientes

• índice de satisfação dos profissionais• produtividade por sala de cirurgia

ambulatorial• produtividade por cama de recupera-

ção ambulatorial• gastos da unidade• número de complicações, internações

e reinternações• absenteísmo (relativo ao paciente)• número de palestras, reuniões e ati-

vidades para a comunidade

TABELA 6Indicadores diversos

• quilos de resíduos/dia• quilos de sobras alimentares/dia• quilos de restos alimentares/dia• quilos de sucata/ano• quantidade e tipo de perfurocortantes

enviados para a lavanderia• consumo de utilidade pública (água/

esgoto, energia elétrica, gás, telefo-ne)

• consumo de gases (oxigênio/protóxi-do/ar comprimido/óxido de etileno)

• consumo de combustíveis (gasolina,diesel, óleo)

Estima-se atualmente que 50% dosprocedimentos cirúrgicos eletivos pos-sam ser realizados no ambulatório. Emlevantamentos ocasionais, realizados,parece que no Brasil como um todo nãosejam feitos mais do que 20%. Se hojeo percentual de pacientes internados noSistema Único de Saúde, anualmente,gira em torno de 7% a 9% da popula-ção, este número poderia cair um poucomais, barateando-se o custo do sistema,diminuindo o número de infecções hos-pitalares, humanizando o atendimento.Para isso, há que se ter noção do queacontece em termos quantitativos equalitativos no atendimento extra-hos-pitalar, quer seja domiciliar ou ambula-torial, conforme as tabelas 4 e 5.

Outros indicadores podem ser criadoscom o intuito de medir o desempenhono hospital e que permitam correçõesvisando redução de custo ou de aciden-tes, com pacientes ou funcionários. Apa-rentemente, conhecer quantos quilos deresíduos são produzidos em um hospi-

tal diariamente parece irrelevante, maspoderá ser um primeiro passo no esta-belecimento de uma política de preser-vação ambiental. Outros exemplos cons-tam da tabela 6.

As avaliações tecnológicas incorpo-ram enorme gama de possibilidades aserem exploradas na medição de seusresultados, quer sejam qualitativos quersejam quantitativos. A tabela 7, retiradade Bittar(6), pode exemplificar algumasdas oportunidades de criação ou trans-formação em indicadores de avaliaçãotecnológica.

Eventos-sentinela (eventos graves,indesejáveis, raros), embora de baixaincidência, devem ser medidos, investi-gados, como os que seguem:

A Agência Nacional de Vigilância Sani-tária-ANVISA vem trabalhando com “Hos-

pitais-Sentinela”, em que são acompa-nhados aspectos relativos a Tecnovigilân-cia (equipamentos, produtos para diag-nóstico de uso “in vitro”, materiais eartigos (implantáveis, descartáveis e de

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TABELA 7Possibilidades de criação de indicadores em avaliação tecnológica

• Acesso • Impacto• Benefícios • Medicina baseada em evidências• Custo-benefício • Minimização de custos• Custo-efetividade • Produtividade• Custos • Qualidade• Custo-utilidade • Precisão• Demanda • Reações adversas• Desperdício • Resolubilidade• Economia de escala • Retorno financeiro• Efetividade • Risco• Eficácia • Segurança• Eficiência • Sensibilidade• Eqüidade • Uso• Especificidade • Valor preditivo• Ética • Valores sociais

TABELA 8Eventos-sentinela

• Mortes imprevistas de pacientes (elevação incidental da mortalidade/surtos demortalidade)

• Surtos de infecção hospitalar• Cirurgia em paciente errado• Cirurgia em parte errada do corpo• Mortes relacionadas à falta/demora no atendimento• Mortes ou danos relacionados com contenção• Suicídio de paciente internado• Partos que ocorrem no corredor ou ante-sala de parto• Troca de bebê após o nascimento• Rapto infantil• Reações transfusionais• Agressão/ estupro/ homicídio• Surtos de acidentes com pacientes (internação e ambulatório)• Surtos de acidentes de trabalho• Incêndio• Explosão• Outros: quedas, fuga de paciente, infiltração de quimioterápico, material sem

esterilizar aberto em sala cirúrgica, morte materna, lesão de nervo por posiciona-mento inadequado, necrose em área de aplicação de injeção, infecção causadapela inefectiva esterilização de equipamento ou instrumental, alta prematura depaciente pós-sedação, injeção de leite em intra-cath subclávia, queimaduras (bis-turi, soluções)

Fonte: Organização Nacional de Acreditação –ONA e observações em consultorias

Conflito de interesse: nenhum declarado.Financiador ou fontes de fomento: nenhum declarado.Data de recebimento do artigo: 18/3/2004.Data da aprovação: 15/4/2004.

apoio médico-hospitalar), Farmacovigi-lância, Hemovigilância, Saneantes, quecertamente poderão ser motivo de no-vos indicadores.

CONCLUSÃOQualidade, humanização, alta produ-

tividade e baixo custo é o que se espe-ra como resultado de programas e ser-

viços em saúde. Isso só se obtém como uso rotineiro de instrumentos de me-dição, no caso indicadores de qualidadee quantidade. Não é tarefa fácil nestaárea, onde o número de produtos passade alguns milhares, o mesmo ocorren-do com o número de insumos utilizados,manuseados por inúmeras categoriasprofissionais dependentes de formaçãoespecífica, em edifícios complexos. So-mente o uso contínuo de indicadorestrará aperfeiçoamento e inovação na ava-liação/controle e conseqüentemente noplanejamento, organização e coordena-ção/direção das unidades de saúde.

A elaboração de manual contendo adefinição, justificativa, fonte dos dados,fórmula, tipo, método, amostra, freqüên-cia, meta e responsabilidade pela elabo-ração, colabora na fidedignidade e me-lhor utilização.

É imprescindível a manutenção deséries históricas e a quantidade adequa-da de indicadores que realmente meçamriscos, qualidade, produtividade e cus-tos do negócio.

E, o mais importante, a sua divulga-ção.

REFERÊNCIAS

1. Bernstein PL. Desafio aos deuses: fascinantehistória do risco. Rio de Janeiro: Campus; 1997.

2. Drucker P. O trabalho e o processo de tornar otrabalho produtivo. In: Administração: respon-sabilidades, tarefas e práticas. São Paulo: Pio-neira; 1975.

3. Mintzberg H, Bruce A, Lampel Joseph, A esco-la do design: a formação de estratégia comoum processo de concepção, In: Safári de es-tratégia. Porto Alegre: Bookman, 2000. p. 40.

4. Gawande AA, Studdert DM, Grav EJ, BrennanTA, Zinner, MJ. Risk factors for retained instru-ments and sponges after surgery. N Engl J Med2003; 348 (3): 229-35.

5. Bittar OJNV. Indicadores de qualidade e quan-tidade em saúde. RAS 2001; 3(12): 21-8.

6. Bittar OJNV. Tecnologia em saúde: critérios paraavaliação e aquisição. Plantão no Hospital 2002;1(6): 7-9.