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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das econo- mias gaúcha, nacional e internacional. EDITOR Maria Heloisa Lenz SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá Trimestral Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 31 n. 3 p. 01-206 Nov. 2003 CONSELHO DE REDAÇÃO Maria Heloisa Lenz Adalberto Alves Maia Neto Maria Lucrécia Calandro Martinho Roberto Lazzari Miriam De Toni Teresinha da Silva Bello CONSELHO EDITORIAL Maria Heloisa Lenz Álvaro Antônio Louzada Garcia Maria Aparecida Grendene de Souza Pedro Cezar Dutra Fonseca Otília Beatriz K. Carrion Dercio Garcia Munhoz Leda Paulani Maurício Coutinho Luiz G. Belluzzo Indicadores Econômicos

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO ISSN 0103-3905FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e EstatísticaSiegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das econo-mias gaúcha, nacional e internacional.

EDITORMaria Heloisa Lenz

SECRETÁRIA EXECUTIVALilia Pereira Sá

Trimestral

Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 31 n. 3 p. 01-206 Nov. 2003

CONSELHO DE REDAÇÃOMaria Heloisa LenzAdalberto Alves Maia NetoMaria Lucrécia CalandroMartinho Roberto LazzariMiriam De ToniTeresinha da Silva Bello

CONSELHO EDITORIALMaria Heloisa LenzÁlvaro Antônio Louzada GarciaMaria Aparecida Grendene de SouzaPedro Cezar Dutra FonsecaOtília Beatriz K. CarrionDercio Garcia MunhozLeda PaulaniMaurício CoutinhoLuiz G. Belluzzo

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INDICADORES ECONÔMICOS FEE / Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. — v. 16, n. 2 (1988)- . - Porto Alegre: FEE, 1988 - . - v.- Trimestral Continuação de: Indicadores Econômicos RS, v. 16, n. 2, 1988. Índices: 1973-1988 em v. 17, n. 1; 1973-1990 em v. 19, n. 1; 1973-1992 em v. 21, n. 4; 1992-1994 em v. 23, n. 3.

ISSN 0103-3905

1. Economia - periódicos. 2. Estatística - periódicos. I. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. CDU 33(05) CDU 31(05)

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Sumário

Transporte aéreo no Brasil: a crise da aviação comercial — LauroLobo Burle .....................................................................................

Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, nafronteira norte do México — Maria del Rosio Barajas E. e CarmenRodríguez Carrillo ..........................................................................

Concentração de renda dos ocupados nas regiões metropolitanas: ainfluência da escolaridade — Jéferson Daniel de Matos .................

Comércio bilateral Brasil-Estados Unidos: uma qualificação das pautasde exportação e importação — Carlos Américo Leite Moreira e MariaCristina Pereira de Melo ................................................................

O cenário regional gaúcho nos anos 90: convergência ou mais desi-gualdade? — José Antonio Fialho Alonso .....................................

Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil — JuanVicente Jose Algorta Plá e Salimar Salib .......................................

A modernização do Estado gaúcho: qual é a agenda? — JorgeBlascoviscki Vieira .........................................................................

Autonomia em tempos de guerra — Enéas de Souza ......................

Fracasso em Cancun? — Teresinha da Silva Bello ........................

Ônibus: um segmento industrial em expansão — Maria Lucrécia Ca-landro e Silvia Horst Campos .......................................................

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Transporte aéreo no Brasil: a criseda aviação comercial

Lauro Lobo Burle* Economista com Mestrado pela Universidade de Brasília (UnB), Professor licenciado de Economia Brasileira do Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB) e ex-Assessor Econômico da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito (Contec) no ano do Plano Collor (1990).

ResumoO artigo analisa os principais aspectos econômicos e atuais do transporte aéreono Brasil, destacando a crise recente da aviação comercial, incluindo-se nestaas aviações regional, econômica e executiva, os impactos da crise sobre ossegmentos de manutenção de aeronaves e de carga aérea e sobre o sistemaaeroportuário brasileiro. O artigo conclui que a fusão da TAM com a Varig é umpasso essencial para a reestruturação da aviação comercial brasileira.

Palavras-chaveCrise da aviação comercial; aeroportos; transporte aéreo.

AbstractThis article analyzes the main economical and current aspects of air transport inBrazil, pointing out the recent commercial aviation crisis, the regional, economicaland executive aviation, the crisis impacts on aircrafts maintenance and air cargosegments, the Brazilian airport system and the crisis impacts on the Brazilianairports. The article concludes that the coalition of TAM and Varig is an essentialstep for restructuring the Brazilian commercial aviation.

* O autor agradece os comentários dos dois pareceristas anônimos desta Revista e aos revi-sores do Centro de Editoração, isentando-os de erros e omissões porventura remanescen-tes.

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Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 30.06.03.

1 - Introdução

O transporte aéreo é um tema de particular interesse do autor, que vemacompanhando diariamente o assunto através da leitura de jornais e revistasespecializadas. O que se pretende nesta oportunidade é trazer para uma revistaacadêmica e bem-conceituada — como a Indicadores Econômicos FEE —um artigo que não tem a pretensão de ser muito elaborado em termos teóricos,mas que incorpora a experiência do autor no assunto, que é pouco estudado,embora bastante divulgado pela mídia na atualidade.

Cabe destacar que o transporte aéreo faz parte do Setor Terciário da eco-nomia de um país, ou seja, é um setor de serviços, de acordo com as ContasNacionais. O setor de transporte aéreo envolve todas as atividades que, de umaforma ou de outra, têm a função de propiciar o transporte de passageiros e decarga por meio de avião. Tais atividades envolvem os serviços de tripulantes ecomissários, de manutenção e revisão de aeronaves e peças, de venda de pas-sagens e apoio aos passageiros e à carga nos aeroportos e em agências depassagens, de administração e operação de aeroportos, de apoio aos aviõesnos aeroportos, de auxílio à navegação aérea, de abastecimento de combustí-vel, os investimentos em aeroportos, dentre outras atividades.

A aviação comercial é a base do transporte aéreo moderno e, dentro dela,encontra-se a aviação comercial de grande porte (ou simplesmente aviaçãocomercial), que será tratada de forma destacada neste trabalho. Ao se falar naaviação comercial de grande porte, que, no caso do Brasil, inclui TAM, Varig,Gol, Vasp e, às vezes, a inoperante Transbrasil, é indispensável tratar-se dacrise que a atinge atualmente (que se estende também às aviações regional, devôos econômicos e executiva), procurando-se as possíveis soluções paraa mesma.

Assim, aqui se usa a expressão “aviação comercial” para representar aaviação comercial de grande porte, conforme definido acima. Ademais, enquantoas aviações regional e de vôos econômicos (ou vôos fretados) são segmentos daaviação comercial, no conceito mais geral, a aviação executiva não o é. A avia-ção civil é uma definição mais ampla, pois inclui a aviação comercial e a aviaçãoexecutiva. Neste trabalho, não se considera a aviação militar. Assim sendo,fazem parte da aviação comercial, no conceito amplo, as quatro grandes empre-sas aéreas (TAM, Varig, Gol e Vasp), as empresas aéreas regionais, as empre-sas aéreas cargueiras e as empresas aéreas de vôos econômicos, conforme se

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verá em mais detalhes adiante. Os serviços de manutenção de aeronaves consi-derados são os prestados principalmente para a aviação comercial (Varig e TAM),embora se faça menção, também, a esses serviços para a aviação executiva(caso da TAM Jatos Executivos).

Em síntese, o transporte aéreo é essencial para o desenvolvimento e aintegração nacional de um país de extensão continental como o Brasil. Esteartigo não pretende esgotar o tema, mas, sim, contribuir para o entendimento domesmo, com ênfase nos aspectos atuais e econômicos do setor no País. Apósesta introdução, apresentam-se algumas considerações a respeito da crise daaviação comercial mundial e no Brasil (seção 2), uma análise das aviaçõesregional, de vôos econômicos e executiva no País (seção 3), o setor de manu-tenção de aeronaves (seção 4), o setor de carga aérea (seção 5), o sistemaaeroportuário brasileiro e os impactos da crise sobre os aeroportos (seção 6),a fusão da Varig com a TAM como solução para a crise da aviação comercialbrasileira (seção 7) e as considerações finais (seção 8).

2 - A crise da aviação comercial

A aviação comercial, em todo mundo, está passando por uma profundacrise, agravada pelos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, pelaGuerra do Iraque em 2003 e, mais recentemente, pela pneumonia asiática (EN-VOLVIDAS..., 2003). Nos Estados Unidos, com a desregulamentação do setoriniciada em 1978 (e que terminou em 1990) e a Guerra do Golfo em 1991, muitasempresas faliram, destacando-se a Pan Am em 1991. No Brasil, as raízes dacrise são, principalmente, a desregulamentação em 1992 (Alonso, 2003), quepermitiu que Transbrasil, Vasp e TAM (esta um pouco depois) operassem vôospara os Estados Unidos (ao lado da Varig), o que, em contrapartida, fez com quequatro empresas norte-americanas (American, United, Continental e Delta) pas-sassem a operar vôos para o Brasil, estabelecendo uma competição desigualpara as brasileiras, conforme se verá adiante. Na verdade, o setor de aviaçãocomercial vive uma crise estrutural, ou seja, há um excesso de oferta permanen-te, e a taxa de retorno tem se apresentado bastante baixa. No Brasil, três gran-des empresas (Varig, TAM e Vasp) apresentaram um prejuízo total de R$ 3,3bilhões no período jan.-set./02, sendo de R$ 2,5 bilhões para a Varig, R$ 600milhões para a TAM e R$ 200 milhões para a Vasp. A Gol apresentou um peque-no prejuízo nesse período, mas os dados de dezembro já acusaram um pequenolucro (Corrêa, 2003a).

A tendência nos Estados Unidos tem sido (na Europa também já começa aser) a incorporação das empresas menores pelas maiores, a fusão de pequenas

Transporte aéreo no Brasil: a crise da aviação comercial

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empresas, com o objetivo de formar empresas fortes, ou o crescimento dasempresas de baixo custo, baixo preço (tal como a Gol no Brasil). Uma dasrazões para a crise da aviação comercial mundial seria a resistência dos gover-nos de certos países em aceitar essa tendência para a fusão e a unificação,defendendo, pelo contrário, empresas aéreas estatais e ineficientes e quedistorcem o mercado como um todo.

No Brasil, dentre as medidas adotadas para se debelar a crise, destaca-sea Portaria nº 243, de março de 2003, do Ministério da Defesa, que estabeleceua redução do número de vôos nas linhas em que há excesso de oferta, passou aexigir das empresas um plano de racionalização das linhas aéreas e proibiu aimportação de mais aviões (Adachi, 2003; Manera; Satomi, 2003). Essas medi-das teriam a duração necessária para a conclusão da reestruturação da aviaçãocomercial brasileira, com destaque para a fusão da TAM com a Varig.

O Ministério da Defesa, o Departamento de Aviação Civil (DAC), o BNDES,o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) do Ministério da Justi-ça, o Ministério do Desenvolvimento, dentre outros órgãos, empenham-se parauma solução definitiva para a crise da aviação comercial brasileira, e a fusão daTAM com a Varig é vista como passo essencial para esse processo.

A Varig propicia mais de US$ 1 bilhão anuais para o País, com a venda depassagens dos seus vôos internacionais (Ferrari, 2003). Apesar de esse mon-tante ser expressivo, ele poderia ser maior, considerando-se que a Varig e a TAM(esta tem poucos vôos internacionais) transportam apenas 40% dos passagei-ros internacionais que tenham o Brasil como destino ou origem. Isto é, as em-presas aéreas estrangeiras ficam com os 60% restantes desse mercado (Burle,2003). Na linha Brasil—Estados Unidos, o predomínio das empresas estrangei-ras é ainda maior. Para a Varig e a TAM, não será uma tarefa fácil aumentar aparticipação nos vôos internacionais, visto que sua carga de impostos é maior eseus custos de leasing e de combustível, além de serem maiores do que o dasempresas estrangeiras, são pressionados pelas constantes desvalorizações doreal. Para a Varig, por exemplo, 60% das receitas originam-se nos vôos interna-cionais (receitas em dólar), o que evidencia a importância desses vôos para ofaturamento de uma empresa aérea. Além disso, do total de custos de umaempresa aérea no Brasil, 35% são imposto (16% na Europa e 7,5% nos Esta-dos Unidos), 20% são mão-de-obra, 25% são combustível, 15% são despesa deleasing, e 5% são outros custos. Por fim, o tamanho do mercado das empresasbrasileiras é muito menor do que o das empresas norte-americanas, o que expli-ca o porquê de estas últimas praticarem passagens mais baratas e, assim,ganharem a concorrência com as brasileiras.

Por outro lado, a legislação brasileira não permite que uma empresa tenhamais do que 45% do mercado doméstico (pelos dados de maio de 2003, Varig

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e TAM tiveram 66% desse mercado; Gol, quase 20%; Vasp, 12%; e as regionaise as empresas de vôos econômicos, cerca de 2%). No entanto, isso deverá serflexibilizado pelo CADE, pois se trata de uma situação de emergência para sesalvar a aviação comercial brasileira de um colapso. No passado, já ocorreramsituações similares, em que uma empresa alcançou mais de 45% do mercadodoméstico, como nos casos das incorporações da Panair e da Cruzeiro do Sulpela Varig.

Os aviões Airbus A-319 e A-320 da TAM são dos mais modernos,tecnologicamente falando. O problema é que esses aviões exigem uma taxa deocupação um pouco alta para o lucro, o que faz com que a TAM utilize maisesses aviões nas principais linhas domésticas de alta movimentação de passa-geiros. Para as linhas de menor movimento do Norte, Nordeste e Sul, a empresaainda utiliza o Fokker 100 — apesar dos incidentes com esse avião —, o qual ébastante econômico. A TAM deverá continuar a receber novos Airbus — tão logose conclua a fusão dela com a Varig —, assim como a substituir os F-100 pelosjatos fabricados pela nossa Embraer a partir de 2004.

No caso da Varig, o principal tipo de avião utilizado nas linhas domésticasé o Boeing 737-300, o qual, apesar de um pouco ultrapassado, ainda atendesatisfatoriamente a essas linhas e a algumas linhas da América do Sul. A Varigé a única empresa brasileira que opera o jato regional Embraer 145 para 50passageiros nas linhas de menor demanda. Uma das vantagens desses aviões(como também dos da TAM) é que os mesmos são mais silenciosos do que osjatos mais antigos, tais como os do tipo B737-200 (estes ainda usados pelaVasp) e B727-100.

Com a Gol, mais brasileiros passaram a viajar de avião, o que foi importan-te para a aviação comercial brasileira. A filosofia dessa empresa (baixo custo,baixo preço) é a cobrança de preços mais baixos, pois sua estrutura de custosé mais enxuta (os serviços de bordo e de atendimento ao passageiro são maissimples) do que a das demais empresas. Além disso, seus aviões (B737-700 eB737-800) são dos mais modernos e econômicos existentes no mercado.Recentemente, a seguradora norte-americana AIG comprou 20% das ações daempresa (a legislação brasileira só permite um máximo de 20% de capital es-trangeiro nas empresas aéreas nacionais), o que será importante para os inves-timentos futuros da Gol, incluindo a ampliação da frota (após a conclusão dafusão da TAM com a Varig) e a construção de um hangar próprio no aeroporto deViracopos, em Campinas.

A razão principal do crescimento da Gol, entretanto, está em que o Gover-no (DAC) permitiu que ela operasse nas rotas onde existia maior movimento,nos principais centros, competindo com as empresas regulares sem ter as mes-mas obrigações. Além disso, a Gol não precisou investir em treinamento de

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pessoal, pois o mercado estava com oferta abundante de mão-de-obra qualifica-da (da Vasp e da Transbrasil). Por fim, a Gol não tinha uma imensa dívida(porque é nova) e, por isso, opera com custos menores.

Por sua vez, a Transbrasil poderá voltar a operar em outubro de 2003, nãose sabendo, ainda, se somente com carga ou com passageiro também.No caso da Vasp, após um esforço para enxugar custos e racionalizar a frota em2000, inclusive com o fim dos vôos internacionais (Burle, 2000, p. 184-185),essa empresa está prometendo, para novembro deste ano (mês dos seus70 anos), a sua entrada, finalmente, no mercado regional (pode ser com osaviões da Embraer ou com os aviões da Airbus) e a sua volta para os vôosinternacionais de passageiros.

Varig, Vasp e Transbrasil têm elevadas dívidas com a Empresa Brasileirade Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) — taxas aeroportuárias, taxa de em-barque, etc. —, com a Petrobrás Distribuidora (combustível), com a PrevidênciaSocial (INSS), dentre outras. Além disso, Varig e Transbrasil têm dívidas exter-nas das despesas de leasing das aeronaves, visto que seus aviões são (eram,no caso da Transbrasil) alugados. A Vasp não tem dívidas de leasing, pois seusaviões são próprios.

3 - As aviações regional, econômica e executiva

Com as dificuldades das grandes empresas aéreas nacionais, muitasrotas menos movimentadas estão sendo suprimidas, o que abre espaço para aspequenas empresas aéreas regionais, como a Trip, a Total, a Rico, a Meta, aTavaj, a Puma Air, a Air Minas, a Cruiser, Ocean Air, a Sete, etc. (Vargas, 2003).Cabe destacar que, segundo a Associação Brasileira do Transporte AéreoRegional, as empresas regionais transportam 720 mil passageiros por ano, e assuas principais reivindicações seriam a criação da agência nacional reguladorado setor — Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) —, a qual se encarregariada redução da carga tributária sobre o combustível, da criação das linhas definanciamento e da suplementação tarifária (1% sobre o valor das passagensdas grandes linhas domésticas subsidiaria as linhas regionais de menor movi-mento e do interior do País).

As empresas de vôos regionais ligam pequenas cidades do Interior dosestados com as respectivas capitais e utilizam aviões de pequeno porte, quepodem ter de 10 a 50 lugares. Até recentemente, a Rio-Sul e a TAM realizavamos Vôos Diretos aos Centros (VDCs) como alternativa aos aeroportos melhoraparelhados e mais distantes dos centros urbanos (casos de Guarulhos, Galeãoe Confins). Assim, as ligações entre os aeroportos de Congonhas, Santos Dumont,

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Pampulha, bem como de Brasília e Curitiba, eram considerados vôos regionais(exceto a ponte aérea Rio—São Paulo).

Atualmente, os vôos regionais abrangem rotas de menor movimento doInterior, conforme visto antes, e que não se compensam em termos de custospara as grandes empresas cobrirem. Por outro lado, existe uma tendência deredução do número de cidades atendidas por vôos regulares no Brasil (atualmente,esse número é de cerca de 150 cidades), e isso, de fato, está ocorrendo. Oaumento da produção e da utilização dos ônibus rodoviários contribuiu, em par-te, para que isso acontecesse. O papel da política de aviação regional é justa-mente estabelecer condições para que mais cidades sejam atendidas pelo trans-porte aéreo regular.

Por outro lado, tem-se o segmento de vôos econômicos (vôos fretados ouvôos charteres) formado por BRA (sócia da Rotatur, a qual pertence à Varig),TAM Viagens, Fly, Team, ATA e Gensa. A rigor, a Gol é uma empresa de vôoeconômico, no entanto, neste trabalho, esta é considerada dentro da aviaçãocomercial vista anteriormente, porque ela faz bastante vôos regulares e diárioscom grandes jatos. Além dos preços das passagens mais baixos e do serviçode bordo simplificado, essas empresas vendem passagens acompanhadas depacotes (hotel, estadia mínima, etc.).

Além do caso da Gol, a TAM realiza vôos fretados com seus aviões Fokkere Airbus nos fins de semana, quando os mesmos ficam ociosos. Basicamente,a TAM faz vôos fretados entre a Cidade de São Paulo, interior desse estado,Brasília, Rio, Belo Horizonte e as principais cidades turísticas nordestinas, taiscomo Porto Seguro, Salvador, Maceió, Fortaleza e Natal.

Por sua vez, de acordo com a Associação Brasileira de Aviação Geral(ABAG), a aviação executiva brasileira possuía, em maio de 2003, uma frota de300 aviões a jato, 650 aviões turboélices e 600 helicópteros à turbina, ou seja, afrota brasileira de aviões executivos (ou táxi aéreo) é somente superada pela dosEstados Unidos (Manera, 2003). As empresas de táxi aéreo faturam cerca deR$ 900 milhões por ano, o que evidencia a importância desse segmento daaviação civil brasileira.

Dentre as empresas de táxi aéreo, destacam-se a Líder Táxi Aéreo (deBelo Horizonte) e a TAM Jatos Executivos (de São Paulo). Tal como com aaviação comercial, a aviação geral (ou executiva) defronta-se com o alto custodas despesas em dólar, representada pelo leasing de aeronaves importadas,compras de peças e de combustível, etc. Existe uma competição desigual daaviação geral (esta sempre perde) com a aviação comercial na disputa dos espa-ços de tempo (slots) para as decolagens e os pousos nos aeroportos centrais,tais como os do Santos Dumont, no Rio, e, principalmente, os do Congonhas,em São Paulo. A saída para a aviação executiva está na construção de mais

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aeroportos específicos para esse segmento da aviação civil. Nos EstadosUnidos, por exemplo, o número de aeroportos especializados na aviaçãoexecutiva é bastante elevado.

4 - O segmento de manutenção de aeronaves

Com relação à manutenção e ao reparo de aeronaves comerciais, tem-se aVarig Engenharia e Manutenção (VEM), que faturou R$ 415 milhões em 2002,sendo 34% dos serviços prestados para terceiros, inclusive para empresasestrangeiras (Corrêa, 2003). A VEM possui grandes instalações industriais ede manutenção nos aeroportos Galeão (o maior hangar da América Latina, utili-zado para a manutenção dos grandes jatos Boeing 767-300 e MD-11, usadosnos vôos internacionais), de Porto Alegre (três hangares, onde são feitas asrevisões completas dos Boeing 737, usados nos vôos domésticos), Congonhase Santos Dumont.

Por sua vez, a TAM está investindo no Centro Tecnológico de São Carlos,onde já são feitas as manutenções completas dos aviões Airbus-319 e 320 e, nofuturo, também dos Airbus-330, estes utilizados nas linhas internacionais.A TAM ainda tem hangares para manutenção de aviões comerciais em Congonhas,sem contar os hangares para manutenção de aviões executivos em diversosaeroportos, dentre os quais o de Brasília. Têm-se, ainda, as instalações da Vaspno aeroporto de Congonhas (dois hangares) e toda a estrutura de manutençãoda Varig, da Vasp e da TAM existente nos diversos aeroportos brasileiros.

A oficina de manutenção de turbinas da Celma (comprada pela GeneralEletric no processo de privatização da empresa), em Petrópolis, é a maior dogênero da América do Sul. Têm-se, ainda, as instalações de revisões de turbi-nas da Rolls Royce, em São Bernardo do Campo-SP, que presta serviços demanutenção das turbinas dos jatos da Embraer (Embraer-145), dentre outrosserviços e empresas. Em síntese, os serviços de manutenção de aeronaves eturbinas proporcionam divisas para o País (pois são prestados, em parte, paracompanhias aéreas estrangeiras), apesar de estarem em retração, como reflexoda crise da aviação comercial em geral.

5 - O segmento de carga aérea

A crise da aviação comercial parece não estar se refletindo na carga aérea,ou seja, ela se restringe ao segmento de passageiros, o qual, entretanto, está

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perdendo importância em termos de participação na receita das empresas(na Varig, por exemplo, a carga já representa 20% do faturamento total).

Em 2003, o volume de carga aérea vem aumentando no Brasil, especial-mente as exportações, por causa da desvalorização do real. Conforme os dadosdo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), as importaçõespor via aérea passaram de 22,4% do valor total das importações brasileiras em1992 para 28,9% em 2000 (Estrella, 2002, p. 29), o que demonstra que o trans-porte aéreo está assumindo importância crescente para o transporte de produ-tos de alto valor agregado, e isso é uma tendência mundial. Mais recentemente,com a desvalorização do real frente ao dólar, as exportações por via aérea tam-bém estão aumentando, destacando-se os aeroportos do Galeão e, especial-mente, de Viracopos, em Campinas.

A carga doméstica também está em franco crescimento em 2003 (Luna,2003). Na Vaspex (subsidiária da Vasp para carga), o crescimento da cargamovimentada nos quatro primeiros meses deste ano foi de 34,5% em relação aigual período de 2002. A Transbrasil poderá voltar a operar em outubro deste ano,focando-se no transporte de carga. A VarigLog (subsidiária da Varig para carga)deverá lucrar entre R$ 35 milhões e R$ 40 milhões neste ano, além de faturarnada menos do que R$ 1,3 bilhão. Essa empresa transporta carga em aviõesespecificamente cargueiros e nos porões dos aviões de passageiros, inclusivenos vôos internacionais.

Conforme a Infraero, em 2002, as receitas com armazenagem e capataziaaumentaram 39,2% em relação a 2001. Em 2002, foram transportadas 1,253milhão de toneladas de carga aérea no Brasil, sendo que 546 mil toneladasforam de exportação. A carga aérea, em 2002, gerou US$ 1,3 bilhão emfretes para as empresas nacionais, e a previsão é que se atinjam US$ 2 bilhõesem 2003.

Há importantes empresas aéreas cargueiras, tais como a Absa (que fazvôos internacionais inclusive), a Skymaster, a Beta e a Total. Esta última sedestaca no transporte de malotes pela Rede Postal Noturna dos Correios, alémde ser uma empresa regional de passageiros, conforme visto antes. A Brasmexé a mais nova empresa aérea cargueira, já atua na rota São Paulo-Manaus(a principal linha cargueira do País) e começará a fazer vôos internacionais paraa Europa em junho de 2003. Em síntese, as perspectivas da carga aérea noBrasil são favoráveis, valendo acrescentar que a Vasp e, especialmente, a Varigse destacam por terem terminais de carga próprios em vários aeroportosbrasileiros.

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6 - O sistema aeroportuário brasileiro

Com relação ao sistema aeroportuário brasileiro, a Empresa Brasilei-ra de Infra-Estrutura Aeroportuária administra os 65 principais aeroportos bra-sileiros e 83 estações de apoio à navegação aérea, agrupados em sete superin-tendências regionais, com sede nos Aeroportos Internacionais de Belém, Brasília,Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo (INFRAERO, 2003).A Infraero tem que ser estatal, pois, dentre outros motivos, investe em aeropor-tos deficitários e de menor movimento do Interior, o que dificilmente seria feitopor uma empresa privada. Os aeroportos do Interior têm uma importância estra-tégica para o desenvolvimento regional e a integração nacional.

Em 2002, as receitas operacionais da Infraero foram de R$ 1.459,7milhões, sendo 53,6% de receitas comerciais e 46,4% de receitas aeronáuti-cas. Dentre as receitas comerciais, têm-se as de armazenagem e capatazia(ligadas à carga aérea) e as de concessão de áreas aeroportuárias (áreas paralojas e hangares). Por sua vez, dentre as receitas aeronáuticas, há as receitasde embarque de passageiros (taxa de embarque), pouso, permanência e comu-nicação e auxílio à navegação aérea. Os aeroportos administrados pela Infraeroconcentram 97% do movimento do transporte aéreo regular no Brasil, equivalen-do a dois milhões de pousos e decolagens anuais, 75 milhões de passagei-ros embarcados e desembarcados e 1,2 milhão de toneladas de cargamovimentada.

A Infraero adota uma taxa de embarque menor para os aeroportos deGuarulhos, Galeão e Confins, visando incentivar tais aeroportos melhor apare-lhados e maiores do que os aeroportos centrais e congestionados de Congonhas(São Paulo), Santos Dumont (Rio) e Pampulha (Belo Horizonte). Além disso, arecente redução de vôos decidida pela TAM e pela Varig, visando aocompartilhamento de vôos e à racionalização da oferta de assentos, ajudou adesafogar o tráfego nesses aeroportos centrais.

A Infraero está fazendo investimentos nos aeroportos centrais, taiscomo a construção de um novo terminal com oito pontes de embarque e umedifício-garagem em Congonhas (passou a ser o mais movimentado em 2002,com 12,2 milhões de passageiros embarcados e desembarcados); um novo ter-minal com nove pontes de embarque e edifício-garagem no Santos Dumont; e aampliação do terminal de passageiros no Pampulha.

Além disso, o aeroporto de Guarulhos (o segundo mais movimentado, com11,8 milhões de passageiros) deverá ganhar o terceiro terminal e a terceira pista,assim como o de Brasília (6,5 milhões de passageiros em 2002) estará ganhan-do a ampliação do terminal e uma segunda pista, esta prevista para o final de2004. Por fim, tem-se o programa do aeroporto-indústria, que visa estimular a

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exportação por via aérea de produtos manufaturados produzidos nas áreas dosaeroportos, tais como os de Confins (beneficiamento de gemas e pedras precio-sas), Galeão (equipamentos eletrônicos) e Petrolina (beneficiamento de frutas).

Com o agravamento da crise da aviação comercial brasileira a partir de2001, em 2002 notou-se uma maior concentração do movimento nos aeroportoscentrais, enquanto, em 2003, essa concentração vem se esgotando, isto é,todos os aeroportos estão apresentando redução do movimento de passageirose de vôos, inclusive os aeroportos centrais, o que é explicado, em grande parte,pela retração da atividade econômica no País. Para ilustrar isso, no períodojan.-abr. deste ano em relação a igual período de 2002, o número de pousos edecolagens reduziu-se 17,8% no Santos Dumont, 14,8% em Guarulhos, 13,1%em Congonhas e 1,9% em Brasília, dentre outros casos (Rutkowski, 2003b).

7 - Saídas para a crise: a fusão Varig-TAM

A fusão da TAM com a Varig, como anteriormente citado, visa ao aumentoda produtividade operacional dessas empresas através do corte de pessoal, dadevolução de aviões e do aumento da taxa de ocupação dos assentos para umpatamar que propicie lucro, ou seja, 65% para os vôos domésticos e 75% paraos vôos internacionais. Em maio de 2003, por exemplo, a taxa de ocupaçãomédia dos vôos domésticos estava em 55%, o que ainda estaria refletindo umasituação de prejuízo das principais empresas aéreas brasileiras (Burle, 2003a).

O BNDES injetará cerca de US$ 1 bilhão na nova empresa em dois anos e,em troca, receberá debêntures, que poderão ser vendidas a terceiros (Rutkowski,2003). Após dois anos, se o BNDES não tiver conseguido revender as debêntu-res, poderá resgatá-las ou convertê-las em ações, hipótese em que, possivel-mente, assumirá o controle da nova empresa. Está previsto que, ao final de doisanos, os credores estrangeiros ficarão com 20% do capital; os credores nacio-nais, com 40%; a TAM, com 35%; e a Varig, com 5% do capital da nova empre-sa, sendo que as subsidiárias de carga da Varig (VarigLog) e de manutenção(Varig Engenharia e Manutenção) deverão ficar de fora da fusão, ou seja, perma-necerão sob o controle da Fundação Rubem Berta (FRB), que é a atual proprie-tária da Varig.

Os planos de milhagens da TAM e da Varig serão unificados, apesar dossistemas diferenciados de cálculo — a TAM faz a contagem em pontos; a Varig,em milhas — (Rutkowski, 2003a). Há dúvidas sobre como será a conversão dosdois padrões. Por outro lado, benefício da fusão seria o de evitar que as duasmaiores empresas brasileiras de aviação quebrem, levando o transporte aéreodoméstico ao colapso; além disso, impedir que, em um quadro caótico, o Brasil

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seja obrigado a adotar uma política de céus abertos, permitindo a atuação decompanhias estrangeiras no mercado interno. Por fim, a fusão permitiria aredução dos gastos operacionais (especialmente arrendamento de aviões ecombustível), o que poderia levar à queda dos preços das passagens para ospassageiros.

Vale acrescentar que a Associação dos Pilotos da Varig (Apvar), através deseu Plano de Reestruturação Ampliado (PRA), é favorável à fusão e propõe,adicionalmente, a conversão do passivo trabalhista da Varig (de R$ 700 milhões),além da dívida com o fundo de pensão Aerus (R$ 1,8 bilhão), em participação nocapital social da nova empresa a ser formada (Adachi, 2003b). Essa propostarecebeu o sinal verde do BNDES e deve ainda ser melhor negociada, inclusive noque diz respeito aos créditos do Aerus, que, de fato, poderiam ser convertidos.

Por outro lado, existe uma proposta dos que são contra a fusão, que con-siste num encontro de contas com o Governo, visto que a Varig tem créditos areceber (pendências jurídicas) de R$ 4,5 bilhões, sendo R$ 3 bilhões de perdade receita com o controle dos preços das passagens dos planos de estabiliza-ção do período 1987-91 e R$ 1,5 bilhão de ICMS pago indevidamente para osestados. No entanto, essa proposta não será aceita face à necessidade doajuste fiscal do Governo. A Varig acusou um patrimônio líquido negativo deR$ 4,5 bilhões em dezembro de 2002 (Adachi, 2003a) e, assim, não tem comosobreviver sem a ajuda do BNDES, ajuda que só se concretiza com a fusão coma TAM, conforme visto antes.

8 - Considerações finais

Um dos principais objetivos deste artigo foi fazer uma avaliação atualdo setor de transporte aéreo no Brasil, com destaque para as razões, as conse-qüências e as possíveis soluções para a crise da aviação comercial brasileiraque vem atingindo fortemente o setor, evidenciada na redução do número depassageiros transportados por avião em 2003. Os aeroportos brasileiros, inclusi-ve os aeroportos centrais, já estão acusando, neste ano, redução da movimenta-ção de passageiros e de vôos, conforme se viu neste trabalho. No entanto, comrelação à carga aérea, constatou-se que esse segmento da aviação comercialestá apresentando crescimento no volume transportado e no faturamento paracertas empresas, mesmo com a crise.

Em síntese, este artigo procurou contribuir para o debate sobre areestruturação da aviação comercial no Brasil, e a fusão da TAM com a Varig foidefendida como passo crucial para esse processo. Se concretizada a fusãoTAM-Varig, nascerá uma grande empresa aérea, com uma frota de cerca de 150

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jatos comerciais e um faturamento anual de R$ 9,5 bilhões, capaz de represen-tar o Brasil, em termos competitivos, no mundo globalizado da aviação. Ade-mais, espera-se a redução das taxas de juros para se propiciar a retomada docrescimento, o que se refletirá no aumento da demanda de passageiros e,assim, na volta dos investimentos das empresas aéreas na renovação da frota,inclusive, em parte, com os aviões fabricados pela Embraer. Afinal, o Brasil temum dos setores de transporte aéreo que mais se desenvolveu nos últimos 30anos e que ainda tem um largo potencial de crescimento.

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Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, na fronteira norte do México

Complexidade produtiva e aprendizadona indústria eletrônica, na fronteira

norte do México*

Maria del Rosio Barajas E.** Doutora em Ciências Sociais. Pesquisadora e Professora do Colegio de la Frontera Norte de Tijuana, B. C., México.Carmen Rodríguez Carrillo** Mestre em Assuntos Internacionais da Faculdade de Economia (UABC) de Tijuana, México.

ResumoO objetivo, neste documento, é analisar-se o grau de complexidade produtiva eorganizacional do setor eletrônico da "maquiladora" de exportação em três cida-des da fronteira norte do México: Tijuana, Mexicali e Ciudad Juárez. Procura-sedeterminar qual a correlação existente entre essa complexidade e o desenvolvi-mento de capacidades de aprendizado tecnológico e organizacional das plantas"maquiladoras" eletrônicas e de que maneira se expressa essa complexidade nasua capacidade inovadora, na sua relação entre as capacidades produtiva e deinovação com a mudança técnica nas empresas eletrônicas, nessas três cida-des fronteiriças do norte do México.

Palavras-chaveAprendizado tecnológico; capacidade produtiva de inovaçãoorganizacional e tecnológica; maquiladoras.

* Este documento deriva do projeto de pesquisa Aprendizado Tecnológico e EscaladaIndustrial: Perspectivas para a Formação de Capacidades de Inovação naMaquiladora do México, financiado por Conacyt nº 36947-s, coordenado pelo Dr. JorgeCarrillo de El COLEF, pelo Dr. Arturo Lara da UAM, Xochimilco, e pela Dra. Mônica Casalet daFaculdade Latino-Americana de Ciências Sociais do México (Flacso).

** As autoras agradecem ao Mestre Leonel González pelos comentários e à Irasema Osuna pela assistência técnica.

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AbstractThe objective of this document is to analyze the level of production andorganizational complexity of the electronics industry in the maquiladora plants inthree cities of the northern border of México (Tijuana, Mexicali and Ciudad Juárez).We are trying to determine the level of correlation between the production,organizational and technological complexity and the development of thetechnological and organizational capacities of the electronic firms. We analyzehow that complexity is expressed in the innovative capacity of the firms, as wellas in the relationship between the production and innovative capacities and thetechnical change in the electronic firms of the three cities of the northern borderof México.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 29.09.03.

Introdução

O aspecto central abordado neste trabalho é o grau de complexidade pro-dutiva e organizacional alcançada pelo setor eletrônico da maquiladora de expor-tação em três cidades da fronteira norte do México: Tijuana, Mexicali e CiudadJuárez. Tenta-se correlacionar esse nível de complexidade com a capacidade deaprendizado organizacional e tecnológico dessas plantas industriais, por isso, étambém um estudo comparativo das estruturas produtivas e organizacionaisdessas plantas nas três cidades mencionadas. O estudo centraliza-se emanalisar e determinar a importância e os limites da complexidade dessas estru-turas e as diferenças que elas apresentam em cada cidade. De modo particular,analisa-se de que maneira se expressa essa complexidade na capacidadeinovadora das plantas eletrônicas, como se relaciona o vínculo que existe entreas capacidades produtivas e as de inovação e qual o papel das capacidadesorganizacionais e tecnológicas com a mudança técnica das empresas.

Na fronteira norte, a existência de plantas industriais com maior complexi-dade produtiva e organizacional favorece os processos de aprendizado maissistemáticos e de maior conteúdo, apesar de que o modelo de desenvolvimentoindustrial no qual se inscreve a maquiladora não propicia a coordenação deesforços que se originam no interior das empresas, limitando-se imensamenteos estímulos para o aprendizado e a capacidade inovadora das mesmas.

Embora a complexidade produtiva e organizacional alcançada pelas plan-tas eletrônicas tenha gerado um capital social importante nos territórios em que

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se encontram, esse capital teve pouca capacidade de se difundir para outrossetores da economia das cidades analisadas.

O trabalho divide-se em quatro partes: na primeira, há uma reflexão sobreos elementos conceituais que apóiam a análise sobre a complexidade produtivae organizacional das plantas e os processos de inovação; na segunda, explica--se brevemente a metodologia utilizada no estudo; na terceira, são expostos osresultados da pesquisa sobre os níveis de complexidade produtiva em 156 plan-tas eletrônicas; na quarta, enunciam-se algumas conclusões sobre a situaçãoencontrada.

As capacidades de produção e sua capacidadeinovadora

Nos últimos 20 anos, a literatura relativa à criação do conhecimento desen-volveu-se a partir de conceitos como: aprendizagem tecnológica e organizacional;aprendizagem individual e organização; conhecimento tácito e explícito, codifi-cado e não codificado; e o conceito de escalada tecnológica e industrial, assimcomo o de capacidades inovadoras. É por meio desses conceitos que seprocura explicar os limites e alcances dos processos de aprendizado e escala-da tecnológica que acontecem tanto em países desenvolvidos como nos emdesenvolvimento.

Autores como Bell e Pavitt (1992) afirmam que a complexidade produtivanão gera, necessariamente, aprendizado tecnológico nem desenvolvimento decapacidades de inovação. No entanto, esses autores também consideram que,dado o processo evolutivo das firmas, estas vão desenvolvendo diversas capaci-dades em diversos graus, mas que tais capacidades são limitadas e só podemser potencializadas quando se desenvolvem vínculos maiores entre a firma e asinstituições do entorno, como universidades, centros de pesquisa e outros cen-tros de educação (Villavicencio; Lara, 2002; Casalet; Sanchez; Gonzales, 2002).

Por outro lado, Ariffin e Figueiredo (2002) indicam que, em muitos dos estu-dos sobre câmbio tecnológico — como os desenvolvidos por Ghoshal e Barnett(1987) —, se ignoram os processos de internalização que acontecem tanto en-tre as subsidiárias das empresas transnacionais como entre elas e suas forne-cedoras de insumos e componentes, desprezando os processos de mudançaque se geram nessas empresas como parte de um processo de mudança con-tínuo e como conseqüência de mudanças de incremento com base, principal-mente, num conhecimento adaptativo. Nesse sentido, a ênfase dos estudossobre geração de aprendizado e conhecimento concentrou-se basicamente na-

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quele que se consegue por meio da pesquisa e do desenvolvimento (P&D). Argu-menta-se que as corporações transnacionais seguem controlando as tecnologiascentrais e os segmentos produtivos onde se gera maior valor, enquanto as em-presas subsidiárias estão localizadas em segmentos de baixo valor agregado, oque se vê com maior clareza em países em desenvolvimento como o México.

Entretanto as empresas subsidiárias encontram-se, de alguma maneira,vinculadas às redes de inovações de suas corporações, e, por isso, ao se am-pliar a participação das empresas subsidiárias na rede, incrementa-se acompetitividade da transnacional, como demonstrado em diferentes estudosempíricos que documentam a mudança tecnológica acontecida no caso da in-dústria maquiladora no México (Barajas; Rodríguez, 1991; Carrillo; Hualde, 1997).

Apoiando esse ponto de vista, Villavicencio (1994) destaca o fato de que,no entorno das empresas, não é possível generalizar que a introdução de mu-danças tecnológicas produza mudanças na maneira de organizar o trabalho ou,pelo contrário, que a forma de organizar o trabalho exija necessariamente intro-duzir mudanças tecnológicas. Entretanto, dado que existe certa conexão entremudança tecnológica e organizacional, é de se esperar, sim, que se desenvolvana organização uma certa capacidade inovadora como conseqüência dessamudança. De fato, Villavicencio aceita que existe uma relação de causalidadeentre variáveis independentes: tecnologia, organização do trabalho e atividadetrabalhista.

Ariffin e Figueiredo afirmam, também, que o desenvolvimento de capacida-des tecnológicas inovadoras está associado aos diferentes vínculos inter eintra-organizacionais que desenvolvem essas empresas (empresa matriz, subsi-diárias, clientes, fornecedores de insumos e de serviços). Esses resultados fo-ram confirmados num trabalho empírico realizado sobre redes industriais e em-presariais, que informa a intensidade e a direção desses fluxos (Barajas, 2000).

Continuando com o argumento de Bell e Pavitt (1992), os dois autoresafirmam que, na experiência dos países em desenvolvimento, nem todas asempresas participam de mudanças técnicas, e, por isso, nem sempre a tecnologiaconsegue potencializar a capacidade produtiva das firmas, principalmente quan-do não se desenharam políticas públicas e nem foram criadas as instituições decaráter público e privado para gerar capacidades endógenas de desenvolvimen-to. A partir da perspectiva da mudança técnica que assumem esses autores,eles sustentam que a acumulação de tecnologia em países de industrializaçãorecente está ligada à capacidade produtiva, ou seja, que a mudança técnicaestá associada à complexidade produtiva das empresas, que inclui, também, odesenvolvimento de capacidades tecnológicas sempre que estas não se encon-trem na fronteira do conhecimento. Este último é um dos argumentos centraisdeste trabalho.

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A diferenciação entre inovação e difusão da inovação realizada pelos men-cionados autores é muito útil porque distingue a existência de três etapas naacumulação do conhecimento, o que estaria sugerindo a presença de mudan-ças incrementais como: (a) as empresas acumulam habilidades e know-howpara desenvolver novos processos; (b) as empresas acumulam formas de apren-dizado e experiências derivadas de mudanças incrementais ou melhorias natecnologia utilizada por indústrias fornecedoras; (c) as empresas podem criarnovas capacidades para produzir uma mudança técnica maior.

Para esses mesmos autores, é de absoluta importância distinguir entre osconceitos de capacidade de produção e capacidade tecnológica. A capacidadede produção abrangeria os recursos usados para criar um bem em um certo nívelde eficiência e sob uma combinação dada de insumos, que inclui o equipamen-to, a tecnologia e as habilidades da força de trabalho — os recursos humanos,gerenciais, as especificações dos produtos, os insumos e os sistemasorganizacionais. Quanto à capacidade tecnológica, é definida como a incorpora-ção de um tipo de recurso diferente para gerar a mudança técnica — incluihabilidades, capacidades, conhecimento, experiência e uma estruturainstitucional e seus vínculos. As maiores inovações requerem desenho, constru-ção, prova de protótipos de produtos, provas-piloto e apoio econômico a progra-mas de pesquisa1.

Cabe salientar, como argumenta Villavicencio (1994), que os processos demudança, sejam operados em nível do uso da tecnologia, sejam em nível daorganização do trabalho, produzem um efeito nas relações sociais construídaspelos atores da produção, como afirma o autor, “(...) numa tentativa por controlar,assimilar e se apropriar da tecnologia”.

Para Dutrénit e Vera-Cruz, a forma utilizada pelas empresas para a cons-trução de suas capacidades tecnológicas é, fundamentalmente, a utilização dosprocessos de aprendizado, razão pela qual eles se referem ao aprendizadotecnológico como um processo altamente dinâmico de aquisição de capacidadetecnológica. Nesse sentido, esses autores resgatam a importância de diferen-ciar entre capacidade produtiva e capacidade tecnológica, pois essa diferencia-ção não somente permite formular políticas para propiciar o desenvolvimento dascapacidades produtivas das empresas, mas fundamentalmente estimula suascapacidades de mudança técnica.

A mudança tecnológica, que anteriormente só se reconhecia como a incor-poração de maquinário e equipamento especializado, vincula-se agora à busca

1 Como o que realizam países como Coréia e Taiwan, que conseguiram acumular capacidadessubstanciais para gerar uma mudança técnica em suas empresas.

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contínua de desempenho tecnológico e a um processo de inovação, como indicaVillavicencio (1994, p. 112), “(...) não somente no referente ao maquinário e àstécnicas de produção, mas também referente à organização do trabalho e àempresa como um todo”.

No México, a maquiladora eletrônica de exportação é um dos ramos commelhor desempenho e maior atração de investimento estrangeiro (Alonso; Carrillo;Contreras, 2000). Carrillo (2000) e Barajas (2000) atribuem esse desempenho auma série de estratégias das plantas filiais e de suas corporações, baseadas nouso de recursos humanos e de novas tecnologias de classe mundial. A automação2

e a especialização de pessoal em empresas do tipo Samsung ou Delphi provo-caram a passagem para processos produtivos de maior complexidade (Carrillo;Hualde, 1997; Carrillo, 2001), sendo um dos aspectos mais importantes dessacomplexidade produtiva o fato de, em geral, vir acompanhada por processos detransferência de conhecimentos e por um aprendizado contínuo, com saldospositivos nas economias locais (Carrillo, 2001).

Sob essa lógica, a geração e a acumulação de conhecimento poderiamrepresentar câmbios qualitativos importantes para as regiões, já que são osdiferentes atores locais, dentro das empresas, os que estão envolvidos nessesprocessos de aprendizado e porque as experiências cotidianas, assim como asatividades dos engenheiros, os representantes de vendas e outros funcionários,influenciam de maneira importante o desempenho das firmas (Barajas, 2000).

Nesse sentido, para conseguir que os processos de aprendizado levem aodesenvolvimento de novos produtos dentro da indústria eletrônica, é necessárioaliar conhecimento e habilidades que se encontram dispersos em várias áreas eníveis hierárquicos das plantas. Até hoje, essa dispersão tem ocasionado pro-blemas de coordenação e integração do conhecimento do nível individual ao nívelorganizacional, onde o conhecimento pode ser compartilhado com os membrosque o solicitem dentro da organização.

No setor eletrônico, os processos produtivos não são somente determina-dos pela forma de organização das empresas, pelos indivíduos e pelos conheci-mento, mas também pelas relações que existem entre eles e pelos mecanis-mos que dão forma aos processos de aprendizado tecnológico e organizacionaldessas plantas.

Alguns estudos mostram que os incrementos na competitividade da indús-tria eletrônica estão associados principalmente a uma maior autonomia na orga-

2 Segundo Villavicencio (1994, p. 113), “(...) o uso massivo de máquinas automáticas eprogramáveis se caracteriza pela multiplicação de suas aplicações, a multiplicação dosusuários e, principalmente, pela integração das máquinas automáticas em sistemas total-mente automatizados”.

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nização e na operação dos processos de produção (Barajas, 2000; Carrillo, 2001),mas esses estudos não conseguiram recolher evidências empíricas suficientessobre as características do pessoal e os mecanismos que agilizam os proces-sos de aprendizado organizacional e tecnológico e também não conseguiramanalisar em detalhe a forma como se realiza a transmissão de conhecimentodo nível individual para o organizacional, que inclui o resto dos membros daorganização.

Há quase 40 anos que a região fronteiriça do norte do México vem partici-pando de um modelo de desenvolvimento industrial cuja evolução ficoudocumentada em vários estudos de caso e pesquisas mais amplas que identifi-caram as mudanças provocadas na maquiladora, mostrando evidências dos re-centes processos de aprendizado tecnológico e organizacional na indústriamaquiladora (Barajas; Rodríguez, 1989; Carrillo; Hualde, 1997; Barajas, 2000).Neste trabalho, analisam-se as mudanças mais recentes observadas nessaindústria, particularmente com relação aos níveis de complexidade produtiva eorganizacional. Não obstante, apresentam-se antes as principais característi-cas das plantas eletrônicas incluídas no estudo.

Metodologia

Este trabalho é fundamentalmente de corte empírico, tendo como base osresultados da pesquisa Aprendizado Tecnológico e Escalada Industrial emPlantas Maquiladoras3 que o Colégio de la Frontera Norte realizou entre marçoe julho de 2002, nas cidades de Mexicali, Tijuana e Ciudad Juárez, e está centradoespecificamente no setor eletrônico. A pesquisa foi aplicada a 156 plantaseletrônicas e incluiu um importante número de variáveis de tipo numérico ecategórico que possibilitaram identificar as capacidades de aprendizadotecnológico e organizacional nas plantas eletrônicas, assim como também osmecanismos por meio dos quais essas empresas geram um processo de esca-lada industrial para as três cidades mencionadas. O estudo fornece informaçõessobre as várias atividades das maquiladoras pesquisadas, o que permite estimarem que níveis da organização produtiva elas se encontram. Por meio da constru-ção de uma taxinomia sobre complexidade produtiva, documentam-se os níveisde aprendizado tecnológico e organizacional das empresas eletrônicas em estu-

3 Essa pesquisa foi desenvolvida no âmbito do projeto de mesmo nome, na indústria maquiladorados setores eletrônico, de autopeças e seus fornecedores.

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do. O trabalho foi reforçado com entrevistas realizadas em empresas selecionadase com informações colhidas em outras pesquisas.

Retomamos a metodologia proposta por Bell e Pavitt (1992, 1995) e Lall(1992),4 assim como a classificação elaborada por González e Leonel (2002)5,para construirmos nossa própria taxinomia sobre complexidade produtiva,considerando três níveis de complexidade: (a) básico, (b) intermediário e(c) avançado.

Complexidade produtiva das plantas eletrônicase seu vínculo com as capacidades deaprendizado

Antes de começar a análise sobre a complexidade produtiva e organizacionalencontrada nas empresas eletrônicas que participaram da pesquisa, é importan-te ver suas principais características, considerando-se variáveis de controle como:a idade da planta, seu tamanho, a origem do capital, a localização daempresa e o subsetor a que pertencem. Posteriormente, apresenta-se oque a pesquisa achou com relação à complexidade produtiva das empresasestudadas.

Características das plantas eletrônicas

Embora o regime de maquila tenha começado a operar em 1965, o maiorcrescimento dessa indústria deu-se a partir de 1986, com a entrada do Méxicono GATT, mantendo-se até a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércioentre México, Estados Unidos e Canadá, em 1994.6 Chama atenção que 74%

4 Esses autores distinguem dois tipos de capacidade: (a) a capacidade tecnológica rotineira deprodução, que é necessária para usar e operar a tecnologia que já existe na empresa; e(b) a capacidade tecnológica inovadora, que é, essencialmente, a capacidade que permitegerar e administrar a mudança técnica nas empresas.

5 Eles, por sua vez, adaptaram a taxinomia sobre capacidade tecnológica e aprendizadoorganizacional desenvolvida por Bell e Pavitt (1992,1995) e Lall (1992).

6 Num estudo sobre a maquiladora chamado As Três Gerações, Carrillo e Hualde (1997)levantaram a hipótese de que, a partir da maior abertura comercial iniciada pelo México, umnovo tipo de planta maquiladora começaria a se estabelecer no País. Os autores considera-ram que essas plantas teriam como característica principal serem produtiva e tecnologicamente

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das empresas entrevistadas se estabeleceram em uma das três cidades estu-dadas, entre 1986 e 2002. De fato, quase 43% delas se instalaram em algumadas três cidades fronteiriças entre 1986 e 1996, ou seja, essas plantasmaquiladoras têm entre 16 e seis anos de existência, enquanto uma alta per-centagem (31%) o fez nos últimos cinco anos. É importante precisar que, entre1965 e 1985, se instalaram pouco mais de 25% das plantas maquiladoras queestão operando em 2002.

Em termos do peso que têm as plantas maquiladoras, medido em númerode trabalhadores, seguindo a metodologia do Instituto Nacional de Estatística,Geografia e Informática (INEGI), optou-se por classificar as empresas em micro,pequenas, médias e grandes. Quase 51% delas pertencem à categoria de em-presas grandes, contando com mais de 251 funcionários. Seguem em importân-cia as plantas pequenas e médias, com quase 19% e 17%, e a percentagemdas microempresas é baixa, representando menos de 3%.7

O fato de que na região fronteiriça se encontrem, principalmente, empresaseletrônicas de grande porte confirma o papel incentivador que elas desempe-nham na indústria maquiladora, pois se espera que sejam elas as que possuamuma complexidade produtiva e tecnológica maior. Chama atenção que outrasplantas de pequeno e médio portes também contêm um nível de representaçãoimportante, embora não constituam o equivalente às grandes empresas. A gran-de maioria delas operam sob o regime de maquila e são filiais de importantescorporações, como Sony, Sanyo, Matsushita, Hitachi, Hewlett Packard, etc.Presume-se que em particular as pequenas e as médias empresas operem tam-bém sob o Programa Shelter8.

A localização geográfica da fronteira norte do México mostrou-se estratégi-ca para muitos dos processos de realocação industrial acontecidos no contextoda globalização econômica, já que, historicamente, os principais fluxos de in-vestimento provêm do sul dos Estados Unidos, com 55% do capital investidonas empresas pesquisadas. Entretanto também é verdade que existem novasrotas de fluxos procedentes de países asiáticos. Na referida pesquisa, consta-

7 Cabe indicar que a pesquisa informou que quase 12% das empresas entrevistadas nãoforneceram o dado referente ao número de trabalhadores, por ser esta uma política daempresa.

8 Período da empresa no qual transnacionais e corporações internacionais trabalham comempresários mexicanos encarregados de um programa de resguardo.

mais complexas. Mesmo que seu estudo não tivesse como base uma evidência empíricaampla, a taxinomia proposta por eles serviu de base para falar de plantas maquiladoras deprimeira, segunda e terceira geração, partindo, em primeiro lugar, de suas característicastecnológicas.

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tou-se que 28% das plantas têm como origem países asiáticos, dentre elesJapão, Coréia e Cingapura. Alguns estudos mostraram que a principal caracte-rística das empresas de capital asiático que operam no regime de maquila é asua complexidade produtiva.

Os processos de subcontratação internacional e a localização de filiais degrandes corporações também foram atrativos para empresas cujo capital pro-vém de países como Bélgica, França, Holanda, Suíça, dentre outros, e que, napesquisa, está representado por quase 17% do investimento total. Enquantoisso, o investimento de capital mexicano nessas plantas maquiladoras é deapenas 8%.

Isso se explica pela natureza desses processos de subcontratação e dosprogramas de resguardo ou de empresas Shelter, que, na sua grande maioria,são empresas mexicanas de serviços que oferecem administrar os processosde produção sob a direção e liderança de empresas contratadoras.

Como foi indicado na metodologia o número de casos foi de 156, represen-tando 100% das plantas pesquisadas no setor eletrônico, nas três cidadesselecionadas. Em Tijuana, aplicaram-se 82 pesquisas (52,56%); em CiudadJuárez, 57 (36,52%); e, em Mexicali, 17 (10,89%).

Levando-se em conta as características dessas cidades, pode-se indicarque Tijuana se distingue por contar com um número maior de plantas que CiudadJuarez, enquanto as plantas de Ciudad Juárez são maiores que as de Tijuana.Em Mexicali, acontece algo similar, já que tem um menor número de plantasque Tijuana, porém de maior porte.

Seguindo a taxinomia proposta por Peter Dicken (1992), a indústria eletrônicafoi organizada em quatro subsetores segundo o seu nível de complexidadeprodutiva: (a) componentes eletrônicos passivos; (b) componentes eletrônicosativos; (c) bens de consumo eletrônicos; e (d) equipamento eletrônico.9

Segundo os resultados encontrados a partir da análise por subsetores, énos componentes eletrônicos passivos que se concentra uma maior proporçãode plantas maquiladoras (45%), enquanto o equipamento eletrônico concentra30%; os eletrônicos de consumo e os componentes ativos partilham a mesmaproporção.

A forte concentração de empresas maquiladoras em componenteseletrônicos passivos nessas três cidades representa um sério limite à expansão

9 Segundo esse autor, o equipamento eletrônico e os componentes eletrônicos ativos são ossubsetores mais complexos produtiva e tecnologicamente, enquanto os outros dois subsetores,componentes eletrônicos passivos e bens de consumo eletrônicos, se encontram num nívelprodutivo e tecnológico menos complexo, especialmente no caso dos componentes eletrôni-cos passivos, onde se encontram componentes como conectores, capacitores, resístores,cabos e arneses de muito baixo conteúdo tecnológico e baixo valor agregado.

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de uma maior complexidade produtiva, mas não no caso de uma maior comple-xidade organizacional, já que os processos de produção de ensamble e/oumanufatura não são muito complexos. O desenvolvimento organizacional é umacondição necessária para se conseguir uma maior competitividade, principal-mente num setor com produtos amplamente estandardizados e competitivos.10

Entretanto subsetores como o de equipamento eletrônico demonstram umaestrutura produtiva um pouco mais complexa, e é onde se encontra uma terceiraparte das plantas maquiladoras que compõem a pesquisa. Nesse subsetor, des-taca-se a produção de equipamento de cálculo, de equipamento médico e deradiocomunicação, dentre outros. No próximo item, apresenta-se parte dosresultados da pesquisa, que caracteriza a complexidade produtiva das empre-sas maquiladoras do ramo eletrônico que se incorporaram ao estudo.

Complexidade produtiva

Neste item, apresentam-se as evidências encontradas sobre a complexi-dade produtiva na indústria eletrônica de exportação do México. Nesse sentido,são as diferentes atividades das empresas as que ajudam a explicá-las. Alémdisso, para essa análise, considera-se o tamanho da planta, o seu tempo deatividade, a localização por cidade dessas empresas e o subsetor a que perten-cem. Uma análise nesse nível permite explicar melhor a razão da existênciadessas atividades e os departamentos nas empresas estudadas, assim comosua relação com os processos de aprendizado individual e organizacional.

O tipo de atividade produtiva que realiza cada planta maquiladora permitelocalizar as mesmas num determinado nível de complexidade produtiva, de talmaneira que as atividades de ensamble de partes, componentes e/ou“subensambles”, ensambles de produtos terminados e empacotamento são de-nominadas de atividades de uma capacidade básica.

Como se vê no Gráfico 1, mais de 90% das plantas maquiladoraspesquisadas realizam ensambles de partes, componentes e “subensambles”;somente 83% delas empacotam seus produtos, talvez porque as outras transfi-ram o ensamble a outra linha e/ou a outra planta da mesma corporação.

10 A incursão de países como a China na produção de componentes passivos tornou essesetor altamente vulnerável no México, já que sua principal fonte de competitividade conti-nua sendo o baixo custo da mão-de-obra. Entretanto é necessário indicar que essasmesmas empresas penetram em outros subsetores, onde os seus produtos têm maiorvalor e um conteúdo tecnológico mais alto.

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Com relação às atividades intermediárias de produção (Gráfico 2), conside-ram-se oito categorias — manufatura do produto final, fabricação de insumos ecomponentes (que vá além do ensamble), fabricação de ferramentas, maquina-dos, fabricação de maquinaria e equipamento, inserção automática de compo-nentes, injeção de plástico e prova de produtos —, que, em conjunto, se carac-terizam por seu nível intermediário de complexidade produtiva, ou seja, não émais o ensamble simples, mas inclui o processo de manufatura e a elaboraçãode ferramentas e utensílios que a produção requer. Sem deixar dúvidas, a provade produtos junto com a manufatura do produto final são atividades bastantedifundidas entre as empresas pesquisadas, tendo ambas uma representação de83% e 74% respectivamente. Além de 90% das empresas realizarem tarefas deensambles, também realizam em proporção muito elevada atividades demanufatura e prova de produtos. Se se lembrar que mais de 50% dessas empre-sas correspondem à categoria de empresas grandes, então, deduz-se que umaboa percentagem delas realiza processos de manufatura, o que indica a existên-cia de um maior grau de complexidade produtiva.

Gráfico 1

0102030405060708090

100

Ensamble de partes,componentes e

"subensambles"

Ensamble de produtosterminados

Empacotamento

Atividades básicas de produção no setor eletrônico — 2002

(%)

Ensamble de partes, Ensamble de produtos

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquiladoras en México", COLEF/ /FLACSO/UAM.

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Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, na fronteira norte do México

Também sobressai o caso da inserção automática de componentes, atividaderealizada por 40% das empresas estudadas. Como já se mostrou, o subsetor decomponentes eletrônicos passivos está centrado de maneira importante noensamble e na fabricação de componentes. A inserção automática de compo-nentes é uma atividade altamente generalizada, principalmente entre as grandesempresas, por isso, é muito comum encontrar grandes plantas maquiladorasque combinam a inserção automática com a manual.

As plantas eletrônicas que possuem uma complexidade produtiva interme-diária se caracterizam por contar com equipamentos modernos. Entre essasempresas, encontram-se aquelas especializadas no subsetor de equipamentoeletrônico, especialmente para a produção de computadores pessoais, equipa-mento médico e de telecomunicações, que contêm um alto número de compo-nentes minúsculos.

Gráfico 2

0

10

20

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40

50

60

70

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Atividades intermediárias de produção realizadas nas empresas pesquisadas — 2002

(%)

Inse

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FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquiladoras en México", COLEF/ /FLACSO/UAM.

Maq

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Porém as empresas que realizam atividades de produção avançada sãomenos comuns que as que executam atividades intermediárias e básicas.

Entretanto os resultados mostrados no Gráfico 3 não deixam de ser impor-tantes para a indústria eletrônica, já que, das três atividades colocadas comoavançadas, se destaca em primeiro lugar a elaboração de protótipos, que érealizada por 41% das empresas que participaram da amostragem. Essa é umapercentagem muito alta, que se explica pelo tempo de atividade da planta e peloseu tamanho, e indica que, no interior das plantas maquiladoras, se realiza umprocesso permanente de aprendizado tanto no plano individual quanto no coletivo,tornando possível que a organização acumule conhecimentos e comece a parti-cipar, de forma destacada, de processos de elaboração de protótipos que pode-riam ser considerados como um passo anterior ao desenho, ou serem percebi-dos como resultado de um processo de aprendizado adaptativo, onde o stafftécnico — os engenheiros e os técnicos — se limita a adaptar os protótiposdesenhados na matriz. Do mesmo modo, a grande percentagem de plantas querealizam protótipos também pode ser evidência de um processo evolutivo deprocessos de aprendizado que, no caso do México, infelizmente, não se inscre-vem dentro de nenhuma política institucional expressa, mas obedecem às pró-prias necessidades das empresas.

Só 15% das plantas maquiladoras participantes da pesquisa realizam tare-fas de desenho, e quase 14% realizam atividades de pesquisa e desenvolvimen-to. Portanto, ainda são poucas as empresas que se aventuram em atividadesavançadas de apoio à produção, talvez pelo fato de que, no México, o modelo decrescimento da indústria maquiladora nunca considerou implementar políticasorientadas a elevar as capacidades de aprendizado nessas empresas, já que,por muitos anos, essa indústria só foi pensada como uma fonte de geração deempregos.11

11 De alguma maneira, essa indústria global tinha poucas possibilidades de gerar processosprodutivos mais avançados, principalmente numa região e num país com baixa qualificaçãode sua força de trabalho.

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Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, na fronteira norte do México

Complexidade produtiva e tamanho da planta

Ao acrescentar a variável tamanho da planta à análise das atividadesclassificadas como intermediárias (Gráfico 4), nota-se que, à medida que otamanho da planta aumenta, também aumenta a proporção de maquiladorasque realizam manufaturas do produto final.12 Com relação à fabricação de insumose componentes, chama atenção que são as plantas pequenas e grandes asque, de forma preponderante, realizam essas atividades. Isso pode ser explica-do pelo fato de que as pequenas empresas estão se especializando não somen-te no ensamble, mas também na manufatura de insumos e componentes, en-quanto, nas grandes empresas eletrônicas, a maior complexidade dos seusprodutos as tem levado a que internamente se manufaturem as partes e compo-nentes necessários a seu produto final ou, como no caso dos Original Equipments

13 Um exemplo são os casos de empresas como a Hewlett Packard, a Samsung e outras, que,além de produzirem os monitores para computador, também produzem alguns outros aces-sórios que requerem esses equipamentos eletrônicos de consumo.

Manufacturing, insumos, componentes e bens finais para diferentes clientese/ou consumidores.13

12 Isso é importante se se levar em consideração que, entre os anos de 1970 e 1980, só oensamble de partes, componentes e bens intermediários era a atividade predominantenessas empresas.

Gráfico 3

05

1015202530354045

Diseño del producto Investigación y Desarrollo(I&D)

Elaboración de prototipos

Atividades avançadas em apoio à produção realizadas nas empresas pesquisadas — 2002

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquiladoras en México", COLEF/ /FLACSO/UAM.

Desenho do produto P&D Elaboração de protótipos

(%)

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Outra atividade que tende a se expandir dentro das plantas maquiladoras éa fabricação de ferramentas nos chamados “talleres de maquinados” (oficinas demaquinados). Quanto maior a planta, maior é a proporção de empresas que têmentre as suas funções a produção de ferramentas e utensílios para a produção.Isso surge como uma necessidade diante da complexidade produtiva das em-presas maquiladoras, que vão desenvolvendo estratégias para depender menosde sua casa matriz e/ou encurtar o tempo de aquisição de equipamentos ereparo de ferramentas. No Gráfico 4, vê-se que 23% e 45% das empresasmédias e grandes, respectivamente, realizam esse tipo de atividade.

Gráfico 4

0102030405060708090

Pequena Media Grande

Manufatura do produto finalFabricação de insumos e componentes Fabricação de ferramentas Fabricação de maquinária e equipamento Inserção automática de componentesInjeção de plástico MaquinadosProva de productos

Atividades intermediárias, segundo o tamanho da planta, realizadas nas empresas pesquisadas — 2002

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquiladoras en México", COLEF/ /FLACSO/UAM.

Média

(%)

Fabricação de maquinário e equipamento

Prova de produtos

Legenda:

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquiladoras en México ", COLEF/FLACSO/UAM.

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Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, na fronteira norte do México

Com relação à inserção automática de componentes, o resultado encontradotambém é importante. Enquanto essa atividade é realizada por pouco mais da quar-ta parte das pequenas e médias empresas, nas grandes esse número alcançaquase 50%. Deve-se assinalar que, nas visitas a algumas dessas empresas, foiconstatado que, na inserção automática de componentes, também não se eliminoua inserção manual. Por exemplo, na fabricação de televisores e equipamento médi-co, parte do processo de inserção de componentes faz-se manualmente, principal-mente os componentes muito pequenos, enquanto outra parte dessa atividade estáautomatizada e utiliza equipamentos com uma idade média de 10 anos.

Essa tendência também se encontra na atividade produtiva da injeção deplástico; quanto maior a planta, maior a proporção de empresas que realizamessa atividade — 39% no caso da grande empresa. Deve-se mencionar que estaé considerada parte das atividades intermediárias de produção, já que a tecnologiausada para realizá-la é bastante padronizada e são processos automatizadoscom maquinaria de programação numérica com certo grau de complexidade.

No referente à prova de produtos, essa atividade implica o uso de certastecnologias para sua realização, já que se trata de provas que, na sua maioria,utilizam como base o computador. Como se vê no Gráfico 4, é significativo que69% das empresas pequenas realizem essa atividade e 88% no caso das em-presas médias ou grandes. A partir das visitas realizadas às plantas, observou--se que as empresas que realizam esse tipo de provas se encarregam de pro-cessos de maior complexidade produtiva e tecnológica, sem que isso signifiqueque são necessariamente as mais avançadas.

Finalmente, entre as atividades de produção consideradas avançadas, en-contra-se uma situação bastante paradoxal. No Gráfico 5, estima-se que são asempresas médias as que realizam em maior proporção (22%) atividades de de-senho de produtos. Provavelmente, isso tem a ver com o fato de que as empre-sas médias são mais flexíveis quanto ao produto e, por isso, sempre estãobuscando novos produtos para criar, melhorar, modificar, etc., enquanto, na grandeempresa, essa atividade está reservada principalmente à grande corporação. Nocaso da atividade de pesquisa e desenvolvimento, é importante constatar queperto de 22% das pequenas, médias e grandes empresas pesquisadas realizamessa atividade.

Pode parecer, então, que a importante e cobiçada atividade de pesquisa edesenvolvimento não é exclusividade da grande empresa. Isso é notado à medi-da que as empresas menores têm também a oportunidade de realizar essaatividade avançada, que, embora seja limitada, é significativa não somente paraos engenheiros que se envolvem nela, mas também para o lugar onde se encon-tram as empresas, pois contribui para elevar o conhecimento da força de traba-lho local, principalmente do pessoal mais qualificado.

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No que se refere à elaboração de protótipos, observa-se que mais de 40%das médias e grandes empresas realizam essa atividade. Pela natureza dosprodutos do setor eletrônico, onde um produto pode ter até 500 modelos, aelaboração de protótipos é uma atividade bastante difundida atualmente entre asplantas maquiladoras, diferentemente das décadas anteriores em que os protó-tipos eram recebidos da matriz e somente se adaptavam durante o processo deprodução.

Nessa atividade, também se encontra uma maior complexidade tecnológica,pois, para realizá-la, é necessário contar com uma maior informação sobre odesenho, as características e outras informações relevantes.

Gráfico 5

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5

10

15

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35

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50

Pequeña Mediana Grande

Diseño del producto

Investigación y Desarrollo (I&D)

Elaboración de prototipos

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquiladoras en México", COLEF/ /FLACSO/UAM.

Atividades avançadas, segundo o tamanho da planta, realizadasnas empresas pesquisadas — 2002

Pequena

(%)

Elaboração de protótipos

Desenho do produtoLegenda:

Média

P&D

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Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, na fronteira norte do México

Complexidade produtiva e localização da empresaSem dúvida, outro determinante da complexidade produtiva e organizacional

é a localização das plantas. Como já foi indicado, a pesquisa foi aplicada emtrês cidades fronteiriças: Tijuana, Mexicali e Ciudad Juárez. Em particular Tijuanae Ciudad Juárez são considerados dois dos principais centros maquiladores doPaís e, junto com Mexicali, sobressaem pela sua participação na indústriaeletrônica, enquanto Ciudad Juárez também se destaca na produção deautopeças. Com relação às atividades e aos departamentos básicos nas trêscidades, observa-se uma representação bastante homogênea, ou seja, um nú-mero muito alto e similar de empresas que cobrem essas categorias. O Gráfico6 mostra que, em termos de atividades intermediárias, Mexicali se destaca namanufatura de produtos finais. Das três cidades, o centro maquilador mais novoé Mexicali, que se caracteriza por ser um centro de manufatura.

Sobre a fabricação de insumos e componentes, Mexicali e Ciudad Juárezapresentam uma proporção maior que Tijuana, sendo 41% para cada uma; poroutro lado, Tijuana destaca-se na fabricação de ferramentas, com quase 33%.Porém essa atividade não é muito significativa em Ciudad Juárez, já que aliproliferaram os centros de maquinado, que não só oferecem às plantas o serviçode conserto de ferramentas e utensílios, mas também constroem algumaspeças e ferramentas, tendo em vista que as plantas preferem obtê-las localmen-te ao invés de devolvê-las ou, ainda, ter que repô-las às suas matrizes, como erao costume até bem pouco tempo atrás. Isso afetava tanto o tempo quanto ocusto da produção.

Sobre as atividades avançadas por cidade, o Gráfico 7 mostra que, comrelação ao desenho do produto, Tijuana se destaca com 24%, e, quase na mes-ma proporção, realizam-se nessa cidade atividades de pesquisa e desenvolvi-mento. O mesmo gráfico mostra que as tarefas de pesquisa e desenvolvimentorealizadas nas plantas eletrônicas situadas em Mexicali são, em termos relati-vos, maiores do que as realizadas em Tijuana. Em Mexicali, existe uma altaconcentração de empresas que produzem equipamentos de telecomunicação eaeroespacial. Essas empresas se caracterizam por seu maior conteúdotecnológico. Esse dado é muito importante, já que, em Tijuana, 50% das plantasem estudo elaboram protótipos, além de existir um número considerável deempresas do tipo multiproduto, que trabalham com diferentes modelos. É porcausa disso que a participação da força de trabalho na elaboração de protótiposestá bastante generalizada, o que constitui uma das fontes de aprendizado indi-vidual mais importante nas plantas maquiladoras.

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O Gráfico 7 ilustra também que Tijuana e Mexicali se destacam na propor-ção de empresas que contam com atividades de pesquisa e desenvolvimento eelaboração de protótipos. Tijuana destaca-se com relação ao número de depar-tamentos de desenho de produtos. Lembre-se que ali está concentrado um im-portante número de empresas terminais, especializadas na produção de televi-sores e equipamentos de cálculo. Essas empresas estão dominadas pelos in-vestimentos asiáticos, que propiciam e estimulam uma maior participação daforça de trabalho qualificada em tarefas de criação de conhecimento.

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquilado- ras en México", COLEF/FLACSO/UAM.

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Tijuana Mexicali Ciudad JuárezManufatura do produto finalFabricação de insumos e componentesFabricação de ferramentasFabricação de maquinário e equipamentoInserção automática de componentes Injeção de plásticoMaquinados Prova de produtos

Gráfico 6Atividades intermediárias nas empresas, nas Cidades de Tijuana,

Mexicali e Ciudad Juárez — 2002(%)

Legenda:

Maquinados

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Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, na fronteira norte do México

Numa análise sobre a indústria japonesa, Kenney e Florida (1993) afirmamque a ampliação de atividades produtivas na maquiladora está relacionada coma necessidade da indústria global de partilhar seus custos de operação, já que,em países como o México, os custos da mão-de-obra não qualificada e qualifi-cada são mais competitivos. Em uma das entrevistas realizadas com engenhei-ros do departamento de pesquisa e desenvolvimento de uma empresa asiática,percebeu-se que a política da corporação é a de contratar engenheiros recém--formados. Dessa forma, a empresa pode obter mão-de-obra a custo baixo eainda treiná-la para trabalhar em seus departamentos. Levando-se em conta operfil dos engenheiros contratados, percebe-se a preferência pelos que tenhamtrabalhado no setor educacional, porque compreendem melhor o trabalho depesquisa e desenvolvimento de novos produtos. A última análise sobre complexi-

05

101520253035404550

Tijuana Mexicali Cd. Juárez

Desenho do produto

Pesquisa e desenvolvimento (P&D)

Elaboração de protótipos

Atividades avançadas nas empresas, nas Cidades de Tijuana, Mexicali e Ciudad Juárez — 2002

(%)

Tijuana Mexicali Ciudad Juárez

FONTE: CARRILLO, Jorge; LARA, Arturo; CASALET, Monica (coord.). Aprendizaje tecnológico y escalamiento industrial: perspectivas para la formación de capacidades de innovación en las maqui- ladoras en México. México, D. F., COLEF/FLACSO/UAM, 2002. Projeto Conacyt n. 36947-s.

Gráfico 7

Legenda:

P&D

Tijuana Mexicali Ciudad Juárez

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquilado- ras en México", COLEF/FLACSO/UAM.

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dade produtiva e organizacional é feita considerando os principais subsetores daindústria eletrônica, que, como já foi indicado, são, primeiro, o de componenteseletrônicos passivos e, em segundo lugar, o de equipamentos eletrônicos. Essaanálise torna-se importante na medida em que o agrupamento das plantasmaquiladoras se dá em função de seus produtos e destes em relação ao grau decomplexidade produtiva e tecnológica. Aqui têm-se dois subsetores bastantediferentes. Por exemplo, sabe-se que os componentes passivos são, em grandeparte, insumos e/ou componentes para produtos finais, enquanto equipamentoseletrônicos são produtos finais e/ou acessórios de equipamentos. No nível dasatividades básicas — produção, provas e manutenção —, acredita-se que am-bos os setores cobrem perfeitamente esse nível básico. Onde aparecem algu-mas diferenças interessantes é na rubrica das atividades intermediárias porsubsetor.

No Gráfico 8, vê-se que as empresas de componentes passivos realizam,numa proporção maior que as de equipamento eletrônico, atividades de manufaturade produto final, fabricação de insumos e componentes, fabricação de ferramen-tas, fabricação de maquinaria e equipamentos, inclusive de inserção automáti-ca, embora em menor proporção que todas as outras atividades intermediárias,destacando-se a atividade de maquinados e a prova de produtos.

Isso leva à constatação, apesar de que, no subsetor de componentes pas-sivos, os produtos são considerados de menor complexidade tecnológica e demenor valor agregado, da incursão dessas empresas em atividades produtivascomo a fabricação de ferramentas e os maquinados (50% destas), onde segeram e somam conhecimentos, o que significa mudanças importantes e signi-ficativas em nível da organização, já que se amplia a função da empresa — doensamble simples a atividades de produção mais complexas.

Porém, como se vê no Gráfico 8, mais de 30% das companhias do subsetorde equipamento eletrônico participam de atividades intermediárias de produção.Isto torna-se importante à medida que esse é um subsetor relativamente novo naindústria maquiladora mexicana.

Com relação às atividades avançadas, que, supõe-se, geraram maior nú-mero de capacidades de inovação, esses dois subsetores têm uma participaçãomédia, embora se encontre uma maior proporção de empresas de eletrônicospassivos participando de tarefas de desenho do produto (35%) e de elaboraçãode protótipos (42%) em relação às empresas de equipamento eletrônico. NoGráfico 9, vê-se o caso em que o desenvolvimento das capacidades produtivasgerou também certas capacidades inovadoras, provavelmente do tipo adaptativo,mas que anteriormente estavam ausentes no setor eletrônico maquilador.

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Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, na fronteira norte do México

Entretanto, nas atividades de pesquisa e desenvolvimento, as empresasapresentam, no subsetor de equipamentos eletrônicos, a maior percentagem departicipação, ou seja, 38% das plantas nesse subsetor realizam tarefas de pes-quisa e desenvolvimento. Deve indicar-se, porém, que, segundo as entrevistasrealizadas, é significativo o fato de que, no México, seja realizado esse tipo deatividade, principalmente quando não existe estímulo por parte da instituição

FONTE: CARRILLO, Jorge; LARA, Arturo; CASALET, Monica (coord.). Aprendizaje tecnológico y escalamiento indus- trial: perspectivas para la formación de capacidades de inovación en las maquiladoras en México. México, D. F., COLEF/FLACSO/UAM, 2002. Projeto Conacyt n. 36947-s.

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Equipamento Eletrônico Componentes EletrônicosPassivos

Manufatura do produto finalFabricação de insumos e componentes Fabricação de ferramentas Fabricação de maquinária e equipamento Inserção automática de componentesInjeção de plástico MaquinadosProva de produtos

Gráfico 8Atividades intermediárias, por subsetores, nas empresas

de equipamentos eletrônicos passivos e nas de equipamentos eletrônicos — 2002

(%)

Legenda:

Equipamento eletrônico Componentes eletrônicos passivos

Fabricação de maquinário e equipamentos

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Pro- yecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquiladoras en México ", COLEF/FLACSO/UAM.

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para esse tipo de capacidade inovadora. Também não é de pouca importânciaque 30% das empresas de componentes passivos já estejam realizando noMéxico trabalhos de pesquisa e desenvolvimento, gerando pequenos, mas signi-ficativos incrementos.

Gráfico 9

(%)

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1015202530354045

Equipo Electrónico Componentes Electrónicos Pasivo

Diseño del producto

Investigación y Desarrollo (I&D)

Elaboración de prototipos

Atividades avançadas, por subsetores, nas empresas de equipamentos eletrônicos passivos e nas de equipamento eletrônico — 2002

Legenda:

FONTE: CARRILLO, Jorge; LARA, Arturo; CASALET, Monica (coord.). Apren- dizaje tecnológico y escalamiento industrial: perspectivas para la

formación de capacidades de innovación en las maquiladoras en México. México, D. F., COLEF/FLACSO/UAM, 2002. Projeto Cona- cyt n. 36947-s.

Componentes eletrônicos passivos

Equipamento eletrônico

Desenho do produto

P&D

Elaboração de protótipos

Conclusão

Dado que a hipótese central deste trabalho foi a de que uma maior comple-xidade produtiva correspondia a uma complexidade tecnológica e ao desenvolvi-mento de uma maior capacidade inovadora, discutiu-se o limite que essa hipó-

FONTE: Pesquisa "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial en Plantas Maquiladoras", Colef, 2002. Proyecto Conacyt nº 36947-s "Aprendizaje Tecnológico y Escalamiento Industrial. Perspectivas para la Formación de Capacidades de Innovación en las Maquilado- ras en México ", COLEF/FLACSO/UAM.

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Complexidade produtiva e aprendizado na indústria eletrônica, na fronteira norte do México

tese merece. Em particular, depois de considerar o debate teórico que existe aesse respeito no campo do conhecimento, debateu-se o fato de que a acumula-ção de capacidades produtivas contém o desenvolvimento de capacidadesorganizacionais.

Embora seja verdade, não existe uma relação direta entre complexidadeprodutiva e tecnológica, as evidências empíricas apresentadas nesta análisemostram, sim, que há um grau importante de correlação entre essas variáveis,ou seja, num processo evolutivo, a capacidade produtiva melhora, enriquece-seno seu conteúdo, e, junto com isso ou como resultado disso, a empresa vai setornando tecnologicamente mais complexa. Isso acontece porque a empresabusca constantemente novas fontes de competitividade. A mudança ocorridanos processos de ensamble simples e em processos produtivos mais comple-xos e tecnologicamente mais avançados ajuda a criar maior valor para acorporação, embora não gere maior valor para as regiões onde estão localizadasessas empresas subsidiárias e as filiais das grandes transnacionais.

Em termos gerais, são encontradas uma completa incorporação dessasempresas às capacidades básicas rotineiras, uma forte participação em capaci-dades produtivas e organizacionais do tipo intermediário e uma incipiente, massignificativa, participação em níveis de complexidade produtiva do tipo avançado.

Esses processos aconteceram porque foram induzidos, fundamentalmen-te, a partir das empresas e muito pouco pelo entorno institucional, o que legitimaa crítica que constantemente se faz a essa indústria de que não ampliou e/oucompartilhou os benefícios dos desenvolvimentos das capacidades acumuladase criadas para a própria região onde estão instaladas. Num sentido amplo e numprocesso evolutivo, para isso se concretizar são necessárias políticas coerentese agressivas, como as implementadas por Japão, Coréia e Taiwan a partir dadécada de 70 (quando iniciou o processo de desconcentração industrial), parti-cularmente na área da educação, ampliando a oferta de mão-de-obra altamentequalificada, principalmente na área de engenharia, dedicando um número impor-tante de recursos à pesquisa básica e aplicada e realizando maiores esforçospara criar vínculos mais consistentes entre as instituições educativas e de fo-mento com as empresas. Vê-se, claramente, que essa indústria propiciou mu-danças técnicas incrementais, acompanhadas de processos de aprendizadoorganizacional e tecnológico que incidem na capacidade inovadora dasempresas.

Em termos da análise da complexidade produtiva, infere-se que, na medidaem que a empresa é de maior tamanho, existe uma maior complexidade, masque, ao mesmo tempo, o nível de complexidade avançada contém em si mesmouma maior capacidade inovadora. Isso não é exclusivo das grandes empresas,já que também as pequenas e médias geram essas capacidades.

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Com relação à idade da planta, foi detectado que as empresas estabelecidasdepois de 1986 são as que mostram um maior nível de complexidade produtiva eorganizacional, sem distinção entre as três cidades fronteiriças analisadas. Issose explica porque foi nesse período que se aprofundou a abertura comercial noMéxico, de onde se conclui que, a partir de uma maior liberalização econômica,as grandes transnacionais decidiram aprofundar sua estratégia de penetração euso do território mexicano para buscar novas fontes de competitividade, pois,nesse contexto, é mais rentável para elas realizarem investimentos em proces-sos mais complexos, tanto produtiva quanto tecnologicamente.

Respeitando o comportamento desses níveis de complexidade e conside-rando o local onde foi aplicada a pesquisa, observa-se que praticamente nas trêscidades existe uma cobertura total de capacidades produtivas básicas. Em Tijuanae Mexicali, há uma participação importante das empresas em nível de complexi-dade produtiva intermediária, bastante maior que em Ciudad Juárez. Sobre onível de complexidade avançada, em Tijuana é onde mais se realizam trabalhosde pesquisa e desenvolvimento de produtos, já que é ali que se encontram asplantas eletrônicas mais complexas tanto em termos do produto quanto emtermos dos processos de produção e dos processos tecnológicos. A Cidade deMexicali, por sua vez, destaca-se como centro de produtos avançados, especi-almente na área das telecomunicações e dos produtos aeroespaciais.

Finalmente, os dois subsetores onde se concentra uma maior atividadeindustrial são os de componentes eletrônicos passivos e de equipamentoeletrônico. Sem dúvida, isso tende a desenvolver uma complexidade produtivade tipo intermediário, enquanto o segundo se destaca na complexidade produti-va do tipo avançado. O anterior mostra o processo evolutivo de que a região dafronteira norte do México vem participando, onde o desenvolvimento de capaci-dades de aprendizado caminha de mãos dadas com a complexidade produtiva etecnológica das plantas eletrônicas.

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Concentração de renda dos ocupados nas regiões...

Concentração de renda dos ocupadosnas regiões metropolitanas:a influência da escolaridade*

Jéferson Daniel de Matos** Estatístico da FEE.

ResumoO propósito deste artigo é comparar a distribuição de renda dos ocupados nasregiões metropolitanas utilizando dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego(PED). As regiões abrangidas neste estudo são: Porto Alegre, São Paulo, BeloHorizonte, Salvador e Recife. A variável estudada é o rendimento bruto recebidopelos ocupados no trabalho principal, no ano 2002. O indicador utilizado paramedir o nível de concentração é o Índice de Gini, que é o utilizado pela ONU paracomparar a concentração de renda dos países. A população de cada regiãometropolitana é segmentada conforme o grau de instrução dos ocupados,realizando-se inferências sobre o comportamento do Índice de Gini nos diferentesníveis de escolaridade. O estudo mostra que o nível de escolaridade afeta o nívelde distribuição de renda dos ocupados.

Palavras-chaveDistribuição de renda; concentração de renda; Índice de Gini.

AbstractThe purpose of this article is to compare income distribution of workers in BrazilianMetropolitans Areas, based on data of the Employment and Unemployment Survey

* Uma versão preliminar deste texto foi apresentada em um encontro sobre estatísticas deemprego promovido pelo Cebrap, realizado em São Paulo, em setembro de 2003.

** O autor agradece a Roberto Wiltgen e André Chaves pela valiosa colaboração para a versãopreliminar deste trabalho, aos colegas Martinho Lazzari e Ana Paula Queiroz Sperotto, àsestagiárias Carolina Araújo Neumann e Michele Hartmann pela leitura atenta do texto e, porfim, a um(a) parecerista anônimo(a), designado pela revista Indicadores, pelas apropria-das sugestões.

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(PED), namely the gross income earned in 2002. The following areas are covered:Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador and Recife. The indicator bywhich I assess income concentration is the Gini Index, which is used in UNstudies for international comparisons. The population of each Metropolitan Areais broken down into segments of workers grouped according to educational levels.This procedure is used to make inferences on the variation of the Gini Index inthese different segments. The study shows that there is evidence that theeducational level affect the level of income distribution of employees.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 26.09.03.

Há muito tempo, a distribuição de renda é um dos temas básicos dasCiências Sociais e da Economia. Hoffmann (1998) lembra que David Ricardo, noinício do século XIX, já destacava que a principal questão da Economia Políticaera determinar as leis que regulavam a distribuição do produto nacional entreproprietários de terra, donos de capital e trabalhadores, como renda, lucros esalários.

Nali de Souza (1995) afirma que, tradicionalmente, a renda per capita temsido utilizada como o principal indicador de desenvolvimento. Porém, em sendouma média, tal indicador não mostra como se distribui essa renda entre osindivíduos e, portanto, não reflete o efetivo nível de bem-estar de uma população,especialmente da parcela de baixa renda, que pode ser bastante numerosa.Como o desenvolvimento é definido pelo aumento contínuo dos níveis de vida,incluindo maior consumo de produtos e serviços básicos para o conjunto dapopulação, simplesmente o uso da renda per capita pode ser insuficiente paramostrar diferenciais de desenvolvimento entre países e regiões. Surge, então, anecessidade de se trabalhar com índices que apurem a distribuição ou aconcentração de renda, tanto da renda pessoal como da renda funcional.

O conhecimento e a análise desse tipo de indicador tornam-se relevantespelo fato de que a busca por formas de incentivar uma distribuição de renda maisjusta e igualitária entre a população deve ser uma das principais preocupaçõessociais dos governantes.

No caso brasileiro, agrega-se a isso a gravidade da desigualdade de renda,que tem atingido índices alarmantes e colocado o País, sistematicamente, nasúltimas posições no que se refere à distribuição de renda. Para se ter idéia daincômoda posição do Brasil no cenário internacional, basta observar os últimos

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dados da ONU apresentados no Relatório de Desenvolvimento Humano,que apontam o Brasil como sendo o 119º colocado dentre 124 países analisados.Atrás do Brasil, somente países africanos, como Suazilândia, Botswana, Namíbia,Serra Leoa e República Centro-Africana. Nesse mesmo relatório, o Brasil foiclassificado como sendo o 65º país com melhor desenvolvimento humano dentre175 países (PNUD, 2003).

Os níveis de concentração de renda dos países variam muito entre oscontinentes e as regiões. Os países com as melhores distribuições de rendasão os europeus, onde se destaca a situação privilegiada da Hungria, daDinamarca, da Suécia e da Finlândia. O Brasil apresenta uma distribuição derenda muito pior do que a média da América do Sul. Países como Uruguai,Costa Rica, México, Venezuela, Jamaica, Peru e Equador apresentam índicesbem mais favoráveis do que o Brasil, embora os quatros últimos tenham umacolocação inferior no conjunto de indicadores que medem o desenvolvimentohumano.

Os níveis de concentração de renda no Brasil variam bastante entre suasdiversas regiões. Uma das medidas mais simples de se apurar a concentraçãode renda é calcular a relação entre os maiores e os menores rendimentos. Segundoum estudo do DIEESE (2001) reunindo dados de seis regiões metropolitanas doPaís para o ano de 1999, a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) foiapontada como sendo a que possui melhor distribuição de renda: 25% das famíliascom rendimentos maiores recebiam aproximadamente 15 vezes mais que orendimento de 25% das famílias com rendimentos menores. Essa relação é de21 vezes para as Regiões Metropolitanas de São Paulo (RMSP) e Belo Horizonte(RMBH); situação mais grave vivem as famílias das Regiões Metropolitanas deRecife (RMRE), Salvador (RMSA) e Distrito Federal, onde a relação chega a 26,29 e 33 vezes respectivamente.

Através do tempo, foram sendo desenvolvidos alguns indicadores capazesde medir e avaliar a concentração de renda de populações ou regiões. Dentre osprincipais indicadores de concentração de renda, pode-se destacar a grandeimportância do Índice de Gini, que é o utilizado pela ONU para comparar adistribuição de renda dos países. A principal vantagem do Índice de Gini emrelação aos demais indicadores de concentração de renda se deve a sua diretaassociação com a Curva de Lorenz. Outro índice muito conhecido é o Índice deTheil, que apresenta vantagem em relação ao Índice de Gini no que se refere àfacilidade na decomposição de seus valores. Porém o Índice de Gini tambémpode ser decomposto, como se pode observar em uma seção posterior.

Neste trabalho, será estudado o comportamento do Índice de Gini em cincoregiões metropolitanas pesquisadas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego

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1 No que respeita aos dados, o estudo baseia-se em informações coletadas pela Pesquisa deEmprego e Desemprego (PED), que tem por objetivo fazer o acompanhamento conjuntural domercado de trabalho através de levantamento sistemático, com periodicidade mensal, dedados sobre ocupação, desemprego e rendimentos da força de trabalho.

(PED)1. São elas: Região Metropolitana de Porto Alegre, Região Metropolitanade São Paulo, Região Metropolitana de Belo Horizonte, Região Metropolitana deRecife e Região Metropolitana de Salvador. A variável utilizada será o rendimentobruto no trabalho principal dos ocupados, e a população ocupada em cada regiãoserá segmentada de acordo com o grau de escolaridade. Com isso, será possívelavaliar não somente a distribuição de renda entre ocupados nas cinco regiõesmetropolitanas, mas também inferir o quanto do nível de distribuição de renda éinfluenciado pela variável grau de instrução. Também será estudada a distribuiçãode renda dentro de cada grupo de grau de instrução, em cada região, e serátraçado um comparativo entre as regiões nesse aspecto.

1 - Índice de Gini

O Índice de Gini foi proposto, em 1914, por Corrado Gini e, como salientadoanteriormente, tem direta associação com a Curva de Lorenz. Esta pode serentendida como um gráfico de freqüência relativa acumulada, que compara adistribuição empírica de uma variável com a distribuição uniforme. A distribuiçãouniforme em um gráfico de freqüência relativa acumulada é representada poruma reta com ângulo de 45º. Quanto mais próxima for a curva de freqüênciarelativa acumulada de uma variável em relação à reta diagonal que expressa adistribuição uniforme, menor será o coeficiente de Gini; da mesma forma que,quanto maior for a discrepância entre a curva empírica e a reta de igualdade,maior será o coeficiente de Gini, e, portanto, maior será a concentração dessavariável.

O intervalo de resultados possíveis para o Índice de Gini varia de zero a um.O Índice de Gini igual a zero representa o grau máximo de igualdade e só ocorreráse todas as unidades apresentarem o mesmo valor para a variável, no caso,quando cada indivíduo receber a mesma quantia recebida por cada um dos demaisindivíduos em uma população. Por outro lado, o Índice será igual a um erepresentará o grau máximo de desigualdade e só ocorrerá quando apenas umaunidade for responsável pela totalidade dos recursos, sendo as demais unidadesrepresentadas pelo valor zero.

Evidentemente, os dois casos expostos nunca ocorrerão e servem apenasde forma hipotética para representar a máxima igualdade e a máxima

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concentração. A partir de dados reais, o Índice de Gini será sempre maior quezero e menor que um.

No caso de máxima igualdade, ou seja, quando todos os indivíduos recebemo mesmo valor, facilmente se observa que a proporção de renda acumulada porum grupo será igual à proporção do grupo na população. Por exemplo: quaisquer10% dos indivíduos serão responsáveis por exatamente 10% da renda total,25% dos indivíduos serão responsáveis por 25% da renda, e assim por diante,gerando, então, a reta de igualdade máxima da Curva de Lorenz.

Para a construção da Curva de Lorenz, devem ser ordenados, em formacrescente, os valores observáveis no conjunto de dados e, a partir da freqüênciarelativa acumulada de indivíduos e de renda, é possível plotar a Curva de Lorenzcaracterística para a variável.

Considerando-se um conjunto de dados { }n21, x,...,xxx = , ao ordená-los

de forma crescente, tem-se { }*x*,...,x*,xx n21= e define-se que niFru(i) =

=

== n

1jj

i

1jj

x

xFrr(i)

e para todo i entre 1 e n.A função Fru(i) significa a proporção relativa acumulada de unidades (no

caso, os indivíduos) até a unidade i, enquanto Frr(i) significa a proporção relativaacumulada da variável (no caso, a renda) até a unidade i. Note-se que:

Para cada diferente i do conjunto original de dados, resultam valores paraas funções Fru e Frr, que serão as coordenadas de pontos pertencentes à Curvade Lorenz para a variável de interesse.

0Frr(0)Fru(0) ==

ni 1 Frr(i)Fru(i) <<∀>

1Frr(n)Fru(n) ==

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Uma vez plotadas todas as coordenadas de pontos observados, tem-se aCurva de Lorenz. No Gráfico 1, é mostrado um exemplo da Curva de Lorenz,onde se pode observar que uma proporção b de indivíduos que ganham menosé responsável pela proporção a do total da renda; em seguida, verifica-se queuma proporção d de indivíduos recebe uma proporção c da renda, fazendo comque uma proporção 1-d de indivíduos que recebem mais seja responsável poruma proporção 1-c da renda total.

A área formada entre a linha de perfeita igualdade e a Cuva de Lorenz éconhecida como área de desigualdade e pode ser denotada por . Note-seque, no caso da máxima desigualdade (uma única unidade se apropria de toda arenda, enquanto as n-1 unidades não se apropriam de nada), a Curva de Lorenzpermaneceria na ordenada 0 até a abcissa (n-1)/n e saltaria para a ordenada 1imediatamente quando a abcissa fosse igual a 1. Nesse caso, a área dedesigualdade aproximar-se-ia de um triângulo com os vértices em (0,0); (0,1); e(1,1). Esse triângulo nada mais é do que a metade de um quadrado unitário e,portanto, tem área igual a 0,5. Como é desejável que um índice varie de 0 a 1,definiu-se que o Índice de Gini seria representado por duas vezes a área dedesigualdade (2 ).

É comum a criação de classes de indivíduos para o cálculo do Índice deGini e a apresentação da Curva de Lorenz, pois, muitas vezes, está-se trabalhando

α

Curva de Lorenz

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1

a

bc

d

Gráfico 1

Proporção da renda acumulada

Proporção de indíviduos acumulados1

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com um contingente muito grande de unidades, e torna-se desnecessário ocálculo do índice utilizando cada dado isoladamente, apesar de ser possível. Omais habitual é a criação de decís (grupos com 10% das unidades). É verdadeirodizer que, quanto maior for o número de classes que se estiver trabalhando,mais aproximado será o valor de Gini calculado do verdadeiro valor observado emuma distribuição contínua. Existem diferentes formas distintas para se calcularo Índice de Gini com dados agrupados, não sendo necessário que cada grupoapresente a mesma proporção de unidades.

2 - Decomposição do Índice de Gini

A diferenciação entre os níveis de renda dos indivíduos pode ser explicada,em parte, por uma série de fatores ligados ao próprio indivíduo, que vai desde aescolaridade, sexo, idade até a experiência acumulada, região geográfica, dentreoutros. Conseguir explicar os fatores que mais afetam os níveis de renda e,portanto, a distribuição da renda tem sido preocupação constante de muitospesquisadores.

Segundo Hoffman (1998), o Índice de Gini total de uma população pode serdecomposto se forem criados grupos de indivíduos disjuntos de uma populaçãoqualquer.

Supondo-se que uma população seja subdivida em k grupos distintos, ondecada unidade pertencerá a um e a somente um grupo, então o Índice de Ginitotal pode ser decomposto da seguinte forma:

Onde:

eG é o Índice de Gini entre os k grupos;

hπ é a proporção de unidades no grupo h;

hy é a proporção de renda recebida pelo grupo h;

hG é o Índice de Gini interno do grupo h;

sG é o Índice de Gini associado à superposição dos grupos.Para facilitar o entendimento dos componentes do Índice de Gini, serão

criados alguns exemplos extremos. Supondo-se que uma população seja divididaem três grupos (A, B, C) segundo determinado critério, se não houver desigualdade

s

k

1hhhhe GGyπGG ++= ∑

=

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dentro de cada grupo, ou seja, se cada indivíduo do grupo A receber igual aovalor médio do seu grupo e isso ocorrer também para os Grupo B e C, então

hG = 0 para todo h. Por outro lado, se cada grupo apresentar médias iguais àsdos demais grupos, ou seja, se a média de cada grupo for igual à média global,não haverá desigualdade entre os grupos, e então eG = 0. Por sua vez, sG = 0somente ocorrerá quando não houver superposição de valores entre os grupos,ou seja, se cada indivíduo do grupo A ganhar mais ou igual a qualquer indivíduodo Grupo B, que, por conseguinte, ganhará mais ou igual do que qualquerindivíduo do Grupo C. No Quadro 1, são apresentados alguns exemplos numéricos.

Exemplo 1: nesse exemplo, o Grupo A é formado por um indivíduo querecebe uma unidade monetária, enquanto o outro recebe 19 unidades monetárias,e o mesmo acontece nos Grupos B e C. Portanto, não existe desigualdade entreos grupos, a distribuição dentro de cada grupo é igual à distribuição da populaçãototal, e a componente que mais contribui para o Índice de Gini total é a que serefere à superposição dos grupos.

Exemplo 2: nesse exemplo, o Grupo A é formado por dois indivíduos querecebem três unidades monetárias cada, o Grupo B é formado por dois indivíduosque recebem cinco unidades cada e, por fim, o Grupo C é formado por duaspessoas que recebem oito unidades monetárias. Dessa forma, não existemdesigualdades dentro de cada grupo, não há superposição de valores entre osgrupos, então o Índice de Gini total é resultante somente da desigualdade entreos grupos.

Exemplo 3: o Índice de Gini total desse exemplo é maior do que o doExemplo 2, porém o Índice de Gini entre os grupos continua igual, uma vez quea quantidade recebida por cada grupo permanece constante. Cada grupoapresenta um nível de desigualdade diferente; sendo destacado o Índice de Giniinterno do Grupo A; não há superposição dos valores entre os grupos; portanto,o Índice de Gini entre grupos representa mais de 83% do Índice de Gini total.

Exemplo 4: um exemplo mais próximo da realidade, onde existedesigualdade entre os grupos, cada grupo apresenta um nível de desigualdadediferente, e há superposição de valores entre os grupos.

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Quadro 1

Exemplos de distribuições de renda e valores dos componentes observados

Exemplo 1 Exemplo 2 Exemplo 3 Exemplo 4

Grupo A: 1;19 Grupo A: 3;3 Grupo A: 2;4 Grupo A: 1;5

Grupo B: 1;19 Grupo B: 5;5 Grupo B: 4;6 Grupo B: 3;7

Grupo C: 1;19 Grupo C: 8;8 Grupo C: 6;10 Grupo C: 5;11

eG = 0 sG = 0 eG = 0,2083 eG = 0,2083

hG = G = 0,45 para todo h hG = 0 para todo h

AG = 0,167

BG = 0,100

CG = 0,125

AG = 0,333

BG = 0,200

CG = 0,1875

Aπ = Bπ = Cπ = 31

Aπ = Bπ = Cπ = 31

Aπ = Bπ = Cπ = 31

Aπ = Bπ = Cπ =31

Ay = By = Cy = 31

Ay = 326

; By = 3210

;

Cy = 3216

Ay = 326

; By = 3210

;

Cy = 3216

Ay = 326

; By = 3210

;

Cy = 3216

∑πh

hhh Gy = 0,15 ∑πh

hhh Gy = 0 ∑πh

hhh Gy = 0,0417 ∑πh

hhh Gy = 0,073

sG = 0,30 eG = G = 0,2083 G = 0,25; portanto, sG = 0 G = 0,3229; portanto, sG = 0,0416

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3 - Concentração de renda entre os ocupados das regiões metropolitanas

Como citado anteriormente, está-se trabalhando com a variável rendimentobruto no trabalho principal em 2002 a preços de março de 2003, e a unidadeexperimental são os indivíduos ocupados. Considere-se, ainda, que há diferentesvariáveis que podem ser utilizadas para se representar o nível de desigualdadede renda, tais como renda familiar, renda do chefe do domicilio, renda familiar percapita, renda total do individuo, dentre outras.

Normalmente, o estabelecimento da variável a ser utilizada em um trabalhosurge da finalidade do estudo e da disponibilidade de informação da base dedados que se utilizará. Se o objetivo do estudo for analisar o nível de vida ou obem-estar das pessoas, não será o rendimento da pessoa a variável maisapropriada, pois o nível de vida, em geral, é determinado pela renda familiar, umavez que é possível que uma pessoa que ganhe relativamente pouco faça parte deuma família muito rica e tenha um bom nível de vida. A possível dissociação entrenível de vida e rendimento individual é ainda maior quando se consideram todasas pessoas acima de 10 anos (População em Idade Ativa), classificadas conformeseu rendimento, que é um tipo de distribuição de freqüência usual nas publicaçõesdo IBGE. Não tem sentido considerar as pessoas com 10 anos ou mais semrendimento, já que se tratam, essencialmente, de donas-de-casa e de estudantespertencentes a famílias dos mais diferentes níveis de renda.

Uma alternativa seria considerar a renda familiar total, fazendo com que aunidade experimental fosse alterada para a família. Acontece que esse tipo devariável não capta exatamente as diferenças de nível de vida entre as famílias,pois não leva em conta o tamanho da família, ou seja, duas famílias podem ter omesmo rendimento familiar total, mas terem níveis de vida completamentediferentes devido à quantidade de membros existentes em cada uma. Poder-se--ia pensar, então, na renda familiar per capita, porém esta não considera asdiferenças entre as necessidades para crianças conforme a faixa etária e asescalas de consumo diferenciadas em relação aos adultos.

Tendo presentes tais considerações, este artigo tem o intuito de analisar adistribuição de renda dos ocupados no trabalho principal, ou seja, será avaliadocomo se comporta a distribuição de renda para aquela fatia da população queexerce atividade econômica em troca de remuneração. Como a variável utilizadaserá o rendimento bruto auferido pelo trabalhador no mês anterior à aplicação dapesquisa, se decidiu por descartar da análise os indivíduos que, por uma razãoou outra, não tenham recebido rendimento naquele mês.

Dentro de cada região metropolitana, a população ocupada será divididaconforme seu grau de instrução, com a seguinte categorização: analfabetos ou

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sem escolarização, ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo,ensino médio incompleto, ensino médio completo, ensino superior incompleto eensino superior completo.

A criação de grupos segundo o grau de instrução servirá para avaliar ainfluência da variável escolaridade nos níveis de rendimento e, por conseguinte,na distribuição de renda. Além disso, será possível comparar a distribuição derenda dentro de cada segmento de grau de instrução.

Para a execução da decomposição do Índice de Gini total (G) nascomponentes Gini entre grupos ( eG ), Índice de Gini de superposição ( sG ) e a

componente resultante da ponderação dos Índices de Gini internos (∑h

hhh Gyπ ),

será adotada a estrutura de cálculo através dos decís. Mesmo assim, seráapresentado um número maior de pontos percentis intermediários entre os decís,a fim de permitir uma melhor compreensão da distribuição de renda em cadaregião; porém os mesmos não serão utilizados para o cômputo do Índice de Ginitotal e das componentes.

A Tabela 1 mostra um panorama inicial da distribuição de renda entre osocupados das regiões metropolitanas abrangidas pela PED. É possível observarque apenas 1% da população ocupada da RMPA recebe menos que R$ 85,00mensais, enquanto, nas demais regiões, o percentual que recebe abaixo dessevalor supera os 2%. Na RMSA, 10% dos ocupados recebem menos que R$115,00 mensais, sendo esse contingente responsável por apenas 1,05% da rendatotal; na RMPA, o percentual que recebe abaixo de R$ 115,00 por mês nãochega a 2% e, em São Paulo, é de 4%.

A RMBH apresenta uma aquisição maior de renda abarcada pelos primeirospercentis em relação à RMSP. Após o percentil 35, a RMSP mostra percentuaisde aquisição de renda maiores que os observados em Belo Horizonte, que,novamente, começa a ter percentuais mais satisfatórios que São Paulo a partirdo percentil 90. Isso aponta uma paridade entre o nível de concentração derenda nessas duas regiões, ao mesmo tempo em que mostra que São Pauloapresenta maiores concentrações de renda nos extremos (entre os que ganhammais e os que ganham menos) em relação a Belo Horizonte.

A RMPA é a que apresenta os maiores percentuais de renda adquirida,independentemente dos 27 percentis estudados na Tabela 1. Note-se que, paraqualquer percentil, o percentual da renda adquirido pelos ocupados na RMPAsupera o percentual observado em todas as demais regiões metropolitanas. Issosugere que o Índice de Gini de Porto Alegre deverá ser o menor dentre as regiõesanalisadas.

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Tabela 1

Valores de rendimento por percentil dos ocupados e percentual da renda apropriada, em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

RMPA

RMSP

RMSA

RMRE

RMBH

PERCENTIS Valor (R$)

% da Renda

Valor (R$)

% da Renda

Valor (R$)

% da Renda

Valor (R$)

% da Renda

Valor (R$)

% da Renda

1 85 0,07 46 0,03 31 0,03 23 0,03 46 0,05 2 118 0,19 69 0,09 44 0,09 36 0,10 67 0,12 3 146 0,34 95 0,18 54 0,16 47 0,17 91 0,24 4 179 0,54 115 0,29 58 0,24 58 0,29 111 0,37 5 214 0,88 136 0,41 69 0,34 66 0,37 115 0,54

10 240 2,10 222 1,39 115 1,05 116 1,22 207 1,63 15 291 3,63 270 2,60 173 2,23 170 2,34 223 3,10 20 327 5,38 333 4,32 209 3,69 213 4,17 230 4,57 25 354 7,36 355 5,93 221 5,30 223 6,00 267 6,29 30 378 9,43 411 7,95 227 6,82 233 8,11 292 8,20 35 424 11,85 450 10,19 249 8,78 242 9,75 329 10,55 40 461 14,27 471 12,62 282 10,77 272 11,97 346 12,61 45 486 17,14 530 15,10 316 13,04 300 14,41 392 14,98 50 551 19,97 578 18,23 341 15,49 331 17,01 437 17,76 55 602 23,61 636 21,06 388 18,27 353 20,07 462 20,85 60 677 26,88 701 24,75 441 21,33 391 23,10 530 24,06 65 734 31,29 799 28,61 493 24,81 446 26,82 579 27,92 70 857 35,55 920 33,01 571 28,88 498 30,59 683 32,39 75 979 41,19 1 060 37,99 686 33,70 593 35,32 800 37,07 80 1 180 47,18 1 190 43,74 852 39,30 712 40,89 971 42,86 85 1 426 54,60 1 513 50,78 1 099 46,80 897 47,39 1 175 50,18 90 1 822 63,78 2 048 59,81 1 482 55,92 1 203 56,34 1 680 59,89 95 2 693 76,59 3 118 72,35 2 302 69,66 2 074 69,51 2 550 73,50 96 3 035 79,90 3 491 76,07 2 731 73,66 2 356 73,12 2 893 77,16 97 3 508 83,74 4 078 79,66 3 298 78,22 2 773 77,37 3 392 81,44 98 4 136 87,93 4 966 84,13 3 962 83,52 3 435 82,78 4 009 86,16 99 4 993 93,20 6 581 90,04 5 299 90,08 4 610 89,16 4 862 92,15

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/ /FJP/SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE.

NOTA: Valores em reais de março de 2003; inflatores IPC-IEPE-RS; IPCA-BH-Ipead;IPC- -Descon/Fundaj-PE;IPC-SEI-BA; ICV-DIEESE-SP.

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Concentração de renda dos ocupados nas regiões...

Realizando-se o exercício de dividir as populações de cada região em duaspartes de mesmo tamanho (50% cada), conforme seu rendimento, e considerando--se somente a metade que ganha menos em cada região, pode-se observar que,em Porto Alegre, a metade que ganha menos recebe aproximadamente 20% darenda total; nas Regiões Metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte e Recife,esse percentual gira em torno de 17% a 18%; enquanto, em Salvador, não chegaa 16%.

A partir da renda acumulada nos decis (percentis = 10, 20, 30, 40, 50, 60,70, 80 e 90), foi possível calcular o Índice de Gini total para cada regiãometropolitana (Tabela 2).

O Índice de Gini para a RMPA (0,451) foi o menor, como já previsto, seguidopelas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte, com índices muitopróximos (0,492 e 0,493), e, por último, aparecem as Regiões de Recife e Salvador,apresentando uma concentração de renda superior a 0,50.

Calculado o Índice de Gini total, parte-se em busca da obtenção dos valoresde cada componente, a fim de se obterem mais subsídios para uma melhoranálise do comportamento da distribuição de renda nas regiões metropolitanas.

Da fórmula de decomposição s

k

1hhhhe GGyπGG ++= ∑

=

, aplicada à

estrutura do trabalho proposto, h variará de um até sete, pois os grupos serãoformados através dos níveis de grau de instrução, que são sete. Então 1π seráa proporção de ocupados que são analfabetos ou sem escolarização; 4y , a

Tabela 2

Índice de Gini para o rendimento bruto dos ocupados, utilizando decis, em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

REGIÕES METROPOLITANAS ÍNDICE DE GINI

Porto Alegre ............................................. 0,451 São Paulo ................................................. 0,492 Belo Horizonte .......................................... 0,493 Recife ....................................................... 0,516 Salvador ................................................... 0,533 FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/

/FGTAS; CEI/FJP/SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes--PE.

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proporção da renda recebida pelos ocupados com ensino médio incompleto; e7G , o Índice de Gini calculado para o grupo dos ocupados com ensino superior

completo; assim como eG será o índice devido à diferença entre os grupos deocupados com escolaridade distinta; e sG , o Índice de Gini devido à superposiçãode valores entre os grupos de escolaridade.

As Tabelas 3, 4 e 5 apresentam, respectivamente, os rendimentos médios,o percentual de ocupados e o Índice de Gini interno por grau de instrução eregião metropolitana. Foi observado, em todas as regiões, que os ocupadoscom fundamental completo recebem, em média, mais que os ocupados commédio incompleto. Isso ocorre devido à maior jornada de trabalho dos ocupadoscom fundamental completo, que também apresentam idades mais avançadas,enquanto os ocupados com médio incompleto se referem a uma parcela deindivíduos, muitos dos quais, além da jornada de trabalho, ainda permanecemcom os estudos. Todas as outras combinações apresentam maior rendimentomédio para os ocupados com maior escolaridade. Como para o cálculo do Índicede Gini é necessário que os grupos estejam ordenados de forma crescentequanto ao rendimento, optou-se por apresentar essas três tabelas com oordenamento conforme o rendimento médio de cada grupo.

Tabela 3

Rendimento médio dos ocupados no trabalho principal, segundo o grau de instrução, em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

(R$)

GRAUS DE INSTRUÇÃO

RMPA RMSP RMSA RMRE RMBH

Analfabetos ou sem es-colarização .................... 338 427 230 245 300

Fundamental incompleto 528 573 318 319 423

Médio incompleto .......... 576 626 395 420 482

Fundamental completo 635 721 435 451 540

Médio completo ............. 885 952 687 612 748

Superior incompleto ….. 1 149 1 434 971 931 945

Superior completo ......... 2 236 2 846 2 077 1 866 2 120

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/ /FJP/SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE. NOTA: Valores em reais de março de 2003; inflatores: IPC-IEPE-RS; IPCA-BH-Ipead; IPC- -Descon/Fundaj-PE; IPC-SEI-BA; ICV-DIEESE-SP.

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Concentração de renda dos ocupados nas regiões...

Tabela 5

Distribuição do rendimento total auferido pelos ocupados, segundo o grau de instrução, em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

(%)

GRAUS DE INSTRUÇÃO RMPA RMSP RMSA RMRE RMBH

Analfabetos ou sem es- colarização ……………. 0,54 1,67 0,94 2,54 0,73

Fundamental incompleto 20,20 20,13 15,18 19,12 19,95

Médio incompleto ……... 4,75 4,70 5,02 5,21 4,78

Fundamental completo 10,03 9,59 6,29 7,23 8,29

Médio completo ………. 25,36 25,59 33,16 29,00 28,67

Superior incompleto ….. 10,97 7,65 7,78 6,82 5,54

Superior completo ……. 28,15 30,67 31,63 30,08 32,04

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/FJP/ /SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE.

Tabela 4 Distribuição dos ocupados, segundo o grau de instrução, em regiões

metropolitanas selecionadas — 2002 (%)

GRAUS DE INSTRUÇÃO RMPA RMSP RMSA RMRE RMBH

Analfabetos ou sem es-colarização ........................ 1,40 3,80 2,73 6,10 1,81

Fundamental incompleto 33,37 34,17 31,70 35,32 35,15

Médio incompleto .............. 7,18 7,30 8,45 7,31 7,39

Fundamental completo ..... 13,77 12,94 9,61 9,46 11,44

Médio completo ................. 24,98 26,13 32,07 27,97 28,58

Superior incompleto ........... 8,32 5,19 5,32 4,32 4,37

Superior completo ............. 10,98 10,47 10,12 9,52 11,26

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/ /FJP/SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE.

Quanto ao grau de instrução (Tabela 4), observa-se que o maior percentualde ocupados analfabetos se encontra na RMRE, 6,10%, que representa mais dequatro vezes o percentual observado na RMPA, o menor de todos. Observa-se,com certa surpresa, que a parcela de ocupados com os níveis de instrução mais

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2 Quando se trabalha com dados de rendimento, é comum a eliminação de valores extremos dadistribuição, comumente chamados de outliers. Isso é realizado devido à grande influênciade distorção na estimação da média que esses valores produzem.

altos é observada na Região de Salvador. Nessa região, 47,51% dos ocupadostêm pelo menos o ensino médio completo, superando a RMPA — o segundomais elevado, onde o percentual chega a 44,28%. Isso ocorre, provavelmente,devido ao alto nível de desemprego existente na RMSA (patamar de 27% daPEA) em comparação à RMPA (patamar de 15% da PEA), fazendo com que omercado daquela região seja mais seletivo até mesmo que o da RMPA, onde onível de escolaridade dos habitantes é reconhecidamente maior. Ao se comparara distribuição por escolaridade na PEA, fica muito evidente a seletividade domercado de trabalho de Salvador. Ou seja, enquanto na RMPA o percentual deocupados com superior completo é de 10,98%, semelhante aos 10,87% da PEA,na Região de Salvador esses percentuais diferem muito: entre os ocupados, opercentual é de 10,12% e, na PEA, baixa para apenas 8,66%.

A Tabela 5 mostra o percentual do rendimento total que é auferido porcada categoria de ocupados segundo o grau de instrução — esse percentual,sempre que analisado, deve ser comparado levando-se em conta o percentualde cada grupo no total de ocupados (Tabela 4). Por exemplo, na RMRE, osanalfabetos são responsáveis por 2,54% do total dos rendimentos, enquanto, naRMSA, esse percentual é de apenas 0,94%. Isso poderia indicar que a RMREtem uma distribuição de renda mais igualitária do que a RMSA, porém tem-seque levar em conta que a participação dos analfabetos no conjunto total doocupados é de 6,10% em Recife e de 2,73% em Salvador. Algo que chamaatenção e elucida bem a diferença entre as Regiões de Porto Alegre e Salvadoré que, na RMPA, os quase 11% de ocupados com superior completo recebem28,15% do total da renda, sendo que, na RMSA, um percentual menor de ocupadoscom superior completo (10,12%) recebe 31,63% da renda total.

Observando os resultados da Tabela 6, verifica-se que há uma tendênciade aumento do Índice de Gini à medida que se eleva o grau de instrução dosocupados, até se atingir o superior incompleto. A partir daí, nota-se um decréscimono Índice de Gini entre os ocupados com superior completo, o que ocorre emtodas as regiões, com exceção de São Paulo. Esse decréscimo observado nogrupo de ocupados com maior escolaridade se explica, em grande parte, pelaeliminação dos valores de rendimento muito altos, conforme a metodologia dosistema PED.2 Como quase 85% do total de ocupados que ultrapassam o limitemáximo de renda anualmente são pessoas com o superior completo, o Índice deGini calculado para esse grupo se torna pouco confiável, ou seja, o valor apurado

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Concentração de renda dos ocupados nas regiões...

para o grupo de ocupados com superior completo é subestimado em relação aovalor verdadeiro para essa população.

Através do Gráfico 2, pode-se observar que a RMPA apresenta índices bemmais favoráveis do que as demais regiões em todos os níveis de escolaridade,com uma pequena exceção em relação à RMSP quando se analisam ostrabalhadores com superior incompleto. Já as Regiões Metropolitanas do Nordestesão as que apresentam a maior concentração de renda, sendo que, na RMSA, aconcentração é mais elevada para os ocupados com baixa escolaridade, e aRMRE apresenta os piores índices quando se consideram os grupos detrabalhadores com maior escolaridade.

Apesar de as Regiões Metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonteapresentarem um Índice de Gini muito próximo, elas diferem, razoavelmente, emcada grupo de ocupados, por escolaridade. É possível notar-se que a RMBHapresenta índices mais favoráveis que a RMSP nos graus de escolaridade maisbaixos, até o fundamental completo, enquanto, para os graus mais altos, até osuperior incompleto, a RMSP apresenta distribuição mais igualitária. Somenteno grupo de ocupados com médio incompleto, podem-se considerar semelhantesessas duas regiões (RMSP com 0,415 e RMBH com 0,418).

A importância do fator escolaridade na determinação da distribuição derenda entre os ocupados atingiu um nível superior a 60% em todas as regiões.Na RMPA, o percentual do Índice de Gini explicado pela diferença entre os grupos

Tabela 6

Índice de Gini interno dos ocupados, segundo o grau de instrução, em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

GRAUS DE INSTRUÇÃO RMPA RMSP RMSA RMRE RMBH

Analfabetos ou sem es- colarização ................... 0,314 0,358 0,346 0,357 0,323 Fundamental incompleto 0,347 0,386 0,403 0,389 0,368 Fundamental completo .. 0,354 0,403 0,427 0,416 0,392 Médio incompleto .......... 0,367 0,415 0,416 0,406 0,418 Médio completo ............. 0,385 0,411 0,451 0,430 0,431 Superior incompleto ...... 0,410 0,400 0,475 0,484 0,459 Superior completo ......... 0,362 0,417 0,417 0,452 0,382

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/FJP/ /SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE.

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de escolaridade foi de 60,31%, enquanto, na RMSA, esse percentual chegou a64,92%. Note-se que, apesar de todas as regiões apresentarem percentuaismuito semelhantes, é possível observar uma correlação positiva forte entre oÍndice de Gini total observado em uma região e o percentual da concentraçãoexplicado pela escolaridade nessa mesma região. Existe uma tendência de que,quanto maior for a concentração de renda, maior também será o percentual dadesigualdade devido à escolaridade. É claro que se dispõe apenas de dados decinco regiões metropolitanas, o que não permite entender esses resultados comosendo uma regra geral. Todavia a representatividade dessas regiões, em termosde população ocupada e de localização regional, não é desprezível, podendosugerir a existência de um padrão ao menos no âmbito metropolitano nacional.

Na Tabela 7, pode-se observar que o Índice de Gini de superposição daRMSA é o menor de todas as regiões metropolitanas, apesar de essa regiãoapresentar a maior concentração de renda. Com isso, é possível inferir-se que a

Índice de Gini interno para o grupo de ocupados, segundo o grau de escolaridade, em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

0,250

0,300

0,350

0,400

0,450

0,500

Analfabetosou sem

escolaridade

1º graucompleto

2º graucompleto

3º graucompleto

RMPA RMSP RMSA

RMRE RMBH

Gráfico 2

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/ FJP/SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE.

Legenda:

0

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Concentração de renda dos ocupados nas regiões...

RMSA é a que mais faz valer a escolaridade como influenciadora no nível derendimento, sendo mais rara a observância de rendimentos maiores paraocupados com menor escolaridade em relação aos ocupados com maiorescolaridade.

Por fim, o componente somatório interno refere-se a uma ponderação doÍndice de Gini observado em cada grupo de ocupados conforme a escolaridade,sendo levados em conta o percentual de ocupados e a renda adquirida em cadanível de escolaridade. Esse valor pode ser interpretado como sendo a parte doÍndice de Gini resultante das diferenças de renda entre ocupados com o mesmonível de escolaridade, ou seja, o Índice de Gini intragrupos.

4 - Conclusão

A desigualdade na distribuição de renda observada entre os ocupados dasregiões metropolitanas, obtida através do cálculo do Índice de Gini total, apontauma condição ainda muito insatisfatória, tendo como parâmetros países de médiodesenvolvimento. Mesmo que o índice calculado para os ocupados das regiões

Tabela 7

Estimativas dos componentes do Índice de Gini em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

COMPONENTES RMPA RMSP RMSA RMRE RMBH

Índice de Gini total (G) 0,451 0,492 0,533 0,516 0,493 Entre grupos de escola-

ridade ( eG ) .................

0,272

0,302

0,346

0,329

0,302

Somatório interno

(∑πh

hhh Gy ) .......... 0,069 0,076 0,087 0,080 0,081

Gini de superposição

( sG ) ............................

0,110

0,114

0,100

0,107

0,110

Gini devido à escolari-dade (%) ........................

60,31

61,38

64,92

63,76

61,22

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/FJP/SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE.

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metropolitanas não possa ser comparado diretamente com o Índice de Gini paraos países, fica evidente que a distribuição de renda nas regiões metropolitanasnão é favorável, devido à grande diferença observada entre os respectivos valores.

Quando se compara a distribuição de renda das regiões metropolitanas,salta aos olhos o desempenho da RMPA como sendo a que possui a menorconcentração de renda. Isso é verdadeiro tanto ao se analisar o Índice de Ginitotal como quando se analisam os Índices de Gini internos em cada nível deescolaridade, com exceção dos ocupados com superior incompleto, onde a RMSPapresenta uma distribuição ligeiramente melhor que a RMPA. As RegiõesMetropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte, apesar de possuírem patamaresmuito semelhantes no Índice de Gini total, apresentam, normalmente, umadiferenciação bastante razoável em cada uma das categorias de escolaridade.Assim, a RMBH apresenta melhores índices para os ocupados com baixaescolaridade, enquanto a RMSP tem uma melhor distribuição dentro dossegmentos de escolaridade mais alta.

A RMSA é a que apresenta a pior distribuição de renda dentre as regiõesanalisadas, não obstante apresentar um patamar de rendimento médio superiorao dos ocupados da RMRE. Na RMSA, igualmente, o percentual de ocupadoscom médio e superior completos é maior do que em todas as demais regiões.Isso pode ser explicado pelo alto desemprego, o que pode tornar o mercadodessa região mais seletivo que o das demais. A RMRE é a segunda região compior distribuição de renda e também com maior percentual de analfabetos ousem escolaridade dentre os ocupados.

Para finalizar, pode-se inferir que a RMPA apresenta a melhor distribuiçãode renda dentre os ocupados, considerando-se a renda oriunda do trabalhoprincipal, seguida pelas Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte e São Paulo.Em um plano mais abaixo, aparecem as Regiões Metropolitanas de Recife eSalvador, que apresentam Índices de Gini superiores a 0,5.

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Concentração de renda dos ocupados nas regiões...

Anexo

Tabela 1

Distribuição dos ocupados e dos desempregados, por escolaridade, em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

(%)

RMPA

RMSP

RMSA GRAUS DE INSTRUÇÃO

Ocupa- dos

Desempre- gados

Ocupa- dos

Desempre- gados

Ocupa- dos

Desempre- gados

Analfabetos ou sem esco-larização ............................ 1,40 1,39 3,80 3,49 2,73 2,25

Fundamental incompleto … 33,37 38,77 34,17 36,17 31,70 38,71

Fundamental completo ..… 13,77 15,69 12,94 14,81 9,61 11,67

Médio incompleto ………… 7,18 12,66 7,30 13,52 8,45 13,74

Médio completo ………...… 24,98 22,31 26,13 24,69 32,07 27,25

Superior incompleto ……… 8,32 5,86 5,19 3,83 5,32 4,19

Superior completo ……….. 10,98 3,32 10,47 3,49 10,12 2,20

RMRE

RMBH GRAUS DE INSTRUÇÃO

Ocupa- dos

Desempre- gados

Ocupa- dos

Desempre- gados

Analfabetos ou sem esco-larização ............................ 6,10 4,16 1,81 1,75

Fundamental incompleto … 35,32 36,48 35,15 38,78

Fundamental completo ….. 9,46 11,56 11,44 13,99

Médio incompleto ………… 7,31 13,24 7,39 12,19

Médio completo ………….. 27,97 28,76 28,58 25,80

Superior incompleto ……… 4,32 3,23 4,37 3,71

Superior completo ………... 9,52 2,58 11,26 3,78

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/FJP/ /SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE.

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Tabela 2

Distribuição da População Economicamente Ativa, por escolaridade, em regiões metropolitanas selecionadas — 2002

(%)

GRAUS DE INSTRUÇÃO RMPA

RMSP

RMSA

RMRE

RMBH

Analfabetos ou sem esco- larização ............................ 1,38 3,62 2,56 5,73 1,72

Fundamental incompleto .... 33,49 33,91 32,97 35,68 34,88

Fundamental completo ....... 13,86 13,23 10,27 9,90 12,09

Médio incompleto ............... 7,83 8,21 9,63 8,42 8,06

Médio completo .................. 24,54 25,71 30,84 27,83 27,91

Superior incompleto ........... 8,02 5,06 5,05 4,15 4,39

Superior completo .............. 10,87 10,26 8,66 8,31 10,96

FONTE: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e Convênios Regionais: FEE/FGTAS; CEI/ /FJP/SETAS/SINE-MG; SEI/SETRANS/UFBA; Seplandes-PE.

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Concentração de renda dos ocupados nas regiões...

Referências

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HOFFMANN, R. Distribuição de renda: medidas de desigualdade e pobreza.São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

PNUD. Relatório do desenvolvimento humano 2003. Lisboa, 2003.

RICARDO, D. Princípios de economia política e tributação. São Paulo, AbrilCultural, 1982. (Os Economistas).

SOUZA, N. J. Desenvolvimento econômico. São Paulo, Atlas, 1995.

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Comércio bilateral Brasil-Estados Unidos:...

Comércio bilateral Brasil--Estados Unidos: uma qualificação

das pautas de exportação e importação

Carlos Américo Leite Moreira Doutor e Professor do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará.Maria Cristina Pereira de Melo Doutora e Professora do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará.

ResumoNeste artigo, propõe-se o exame das especificidades das trocas comerciaisentre o Brasil e os Estados Unidos com base nas análises recentes da teoria docomércio internacional. Os estudos mostram que as relações comerciais entrepaíses menos avançados tecnologicamente e países inseridos em uma economiabaseada no conhecimento não se restringem à caracterização das trocas emtermos de comércio intersetorial (especialização por países) e comércio intra--setorial. Torna-se fundamental fazer a distinção entre diferenciação vertical (pelaqualidade) e diferenciação horizontal (pela variedade) entre produtos pertencen-tes a um mesmo setor e objeto de um comércio cruzado. O fluxo de comérciobilateral entre o Brasil e os Estados Unidos favorece, predominantemente, ocomércio intersetorial, mas também o comércio intra-setorial fundamentado nadiferenciação vertical.

Palavras-chaveComércio internacional; comércio intersetorial; comércio intra-setorial.

AbstractThe article proposes to examine the specificities of the comercial exchangesbetween Brazil and the United States on the basis of the recent analyses oftheory of international trade. The studies show that commercial relations between

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less technologically advanced countries and those inserted on a knowledge-based economy, do not restrict to caracterize those exchanges in terms ofintersectorial trade (specialization by countries) and intrasectorial trade. It isessencial to distinguish between vertical differentiation (on quality basis) andhorizontal differentiation (on variety basis) among products that belong to thesame sector which are objects of a cross trade. The bilateral flow of trade betweenBrazil and the United States predominantly favours intersectorial trade, as wellas intrasectorial trade based on vertical differentiation.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 30.09.2003.

1 - Introdução

Um dos instrumentos dinamizadores do fenômeno da globalização temsido a queda generalizada das barreiras alfandegárias combinada à especializaçãoeconômica, à multiplicidade de acordos bilaterais e à criação de áreas de livretroca, das quais interessa o caso particular da formação da Área Livre de Comérciodas Américas (ALCA). Esses mecanismos contribuíram consideravelmente, aolado dos deslocamentos industriais, para que ocorresse um certo dinamismo nofluxo do comércio mundial. Em 1994, por exemplo, o volume das exportaçõesmundiais cresceu 10%, o melhor resultado desde 1976, enquanto a produçãomundial cresceu 4%.

O crescimento do comércio intra-setorial é outro aspecto relevante no atualcontexto mundial. Esse fluxo tende a ser mais significativo entre países comnível de desenvolvimento compatível; os países industrializados efetuam,essencialmente, trocas intra-setores e intrafirmas, ao passo que os fluxos entreesses países e os em desenvolvimento são, preferencialmente, intersetores,denotando a disparidade entre eles.

Não obstante esse crescimento, o comércio mundial está concentrado nospaíses que compõem a Organização de Cooperação e DesenvolvimentoEconômico (OCDE), os quais respondem por cerca de 70% das compras mundiaisde manufaturados. Dessa forma, o crescimento do comércio mundial vem sendoacompanhado de uma intensificação do comércio intra-regional, integrando,sobretudo, os países da OCDE e alguns Novos Países Industriais (NPI).

O livre-comércio mundial, resultado da Rodada Uruguai, teve e temconseqüências em termos de desempenho das empresas e da balança comercialdos países. A liberalização do comércio externo, no caso do Brasil, trouxeconseqüências virtuosas do ponto de vista da contestação dos preços e da

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qualidade dos tradeables produzidos internamente e forçou uma reestruturaçãodo aparelho produtivo industrial. A abertura comercial ofereceu a oportunidade desuprimento no mercado externo de insumos industriais a baixo custo e commelhor qualidade, proporcionando atualização tecnológica — fonte importantede competitividade — aos produtores domésticos.

De fato, as importações brasileiras, que declinaram na década de 80, deramum expressivo salto na primeira metade da década de 90, crescendo num ritmomais acelerado que as exportações nesse período. Como conseqüência, aparticipação do saldo da balança comercial no total do comércio mundial doPaís decresceu sistematicamente na década de 90, passando a ser negativa apartir de 1995 (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC)).

Neste artigo, propõe-se o exame das especificidades das trocas comerciaisentre o Brasil e os Estados Unidos com base nas análises recentes da teoria docomércio internacional. Os estudos mostram que as relações comerciais entrepaíses menos avançados tecnologicamente e países inseridos em uma economiabaseada no conhecimento não se restringem à caracterização das trocas emtermos de comércio intersetorial (especialização por países) e comércio intra--setorial. Torna-se fundamental fazer a distinção entre diferenciação vertical (pelaqualidade) e diferenciação horizontal (pela variedade) entre produtos pertencen-tes a um mesmo setor e objeto de um comércio cruzado. As trocas comerciaisde produtos diferenciados pela qualidade revelam uma especialização no interiorda indústria em detrimento de uma especialização por indústria. Essa configura-ção pode estar revelando uma nova divisão qualitativa do trabalho entre paísesespecializados em produtos de alta qualidade e países especializados nos debaixa qualidade.

2 - Quadro de análise para interpretação dos fluxos de comércio exterior: breves considerações

A existência de processos simultâneos de importação e exportação nointerior da mesma indústria (definido como comércio intra-setorial), entre paísescom níveis similares de desenvolvimento, constitui-se em uma das principaiscontribuições empíricas que surgiram nos anos 60 relacionadas com a teoria docomércio internacional. Essas evidências deram suporte, em um primeiromomento, ao questionamento das teorias tradicionais baseadas no conceito devantagens comparativas.

A tese das vantagens comparativas ricardianas sustenta que o comérciointernacional produz um crescimento na produção mundial, dado que permite a

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cada país se especializar na produção do bem no qual apresenta vantagenscomparativas. O padrão de comércio seria totalmente determinado pela oferta,resultando o comércio internacional das diferenças internacionais na produtividadedo trabalho. Em termos gerais, um país tem vantagens comparativas na fabricaçãode um determinado produto se o custo de oportunidade da produção do bem emrelação a outros bens é mais baixo que em outros países. Para se beneficiar docomércio, os países precisam importar produtos relativamente mais baratos doque se fossem produzidos internamente e exportar produtos relativamente maiscaros do que se fossem vendidos internamente. O conceito fundamental dessemodelo é o das vantagens comparativas, e estas, na perspectiva ricardiana, sãocapazes de determinar a estrutura produtiva do país. Sem dúvida alguma, aproposição de que as vantagens comparativas são a causa dos ganhos docomércio é muito forte e permeia as discussões ainda nos dias atuais.

A teoria neoclássica do comércio internacional teve seus princípios básicosformulados no Modelo Hecksher-Ohlin. Nesse modelo, as diferenças de dotaçãofatorial são consideradas a base das vantagens comparativas. O Modelo parteda hipótese de que os países não possuem as mesmas dotações relativas defatores, e, conseqüentemente, os custos relativos de produção são diferentes.Diversamente do modelo de Ricardo, dois fatores de produção são considerados:capital e trabalho. Dado que a remuneração do fator tem uma relação direta comsua escassez, o Modelo conclui que um determinado país tem vantagenscomparativas nos produtos que utilizam intensivamente o fator no qual se verificauma abundância fatorial relativa ao seu parceiro comercial.

A abordagem neofatorial segue a mesma lógica do Modelo Heckscher--Ohlin. No entanto, essa abordagem admite, de maneira mais forte, a existênciade fatores de produção ligados, essencialmente, ao capital humano qualificadopresente em quantidades diferentes segundo os países. Isso permite considerarque a educação é um dos fatores primordiais na industrialização dos países e naevolução de suas vantagens comparativas. Nesse modelo, o país relativamenteabundante em capital exportará bens intensivos em trabalho qualificado, enquantoo país relativamente escasso em capital exportará bens intensivos em trabalhonão qualificado (Findlay; Kierkowski, 1983).

A análise do Modelo Heckscher-Ohlin, assim como os modelos ligados àabordagem neofatorial, mostra que o comércio internacional levaria,necessariamente, à equalização dos preços dos fatores, como mão-de-obra ecapital, entre os países. Para chegar a essa conclusão, parte da suposição deque todos os países podem produzir todos os bens, dado que conhecem todasas tecnologias utilizadas para fabricar esses bens. Uma forma de abandonaressa hipótese é considerar que as funções de produção diferem. Com isso, a

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equalização dos preços dos fatores não é verificada em função das diferençasinternacionais de tecnologia.

Contrariamente a essa hipótese de homogeneização do conhecimentotecnológico, a abordagem neotecnológica procura introduzir as evoluçõestecnológicas e a aparição de novos bens nos determinantes das trocascomerciais. A versão modificada do Modelo Heckscher-Ohlin elaborada porJones (1970) mostra que as diferenças tecnológicas entre países determinamsuas vantagens comparativas e não a equalização dos preços dos fatores. Berglase Jones (1977) incorporam em seus modelos um mecanismo de learning-by--doing, caracterizado pelo aprendizado local, sobre as técnicas efetivamenteutilizadas.

Um dos primeiros questionamentos da abordagem tradicional do comérciointernacional veio da teoria do hiato tecnológico de inspiração schumpteriana. Omodelo de hiato tecnológico de Posner (1961) parte do princípio de que o comércioentre países é influenciado por transformações tecnológicas em algumasindústrias, mesmo entre países que utilizam os fatores de produção na mesmaproporção. Existiria um gap entre o período em que houve uma inovação em umadeterminada firma, em um determinado país, e o período em que essa inovaçãopode ser imitada em outros países. Durante esse gap, o país de origem da firmainovadora beneficia-se de uma renda fruto das exportações de produtos eprocessos até que outras firmas entrem no mercado com um produto semelhante.

O avanço tecnológico de uma firma confere uma nova vantagem comparativaao país de origem da firma inovadora. Essas inovações ocorreriam em função depressões de demanda por inovações em produtos demandados conjuntamentecom o produto inovado. Uma outra razão estaria relacionada às disparidades emtermos de gastos com pesquisas geradoras de inovação. Finalmente, existiriauma vinculação entre a inovação ocorrida em um determinado momento e ainovação ocorrida no momento seguinte. Nesse modelo, o determinante docomércio internacional reside no diferencial tecnológico entre os países, na medidaem que o país da firma inovadora exporta bens intensivos em novas tecnologiase os outros países, bens banalizados. Se a indústria no estrangeiro se torna umimitador eficaz e dispõe de fatores de produção a custos menores, a vantagemcomparativa tradicional baseada na dotação de fatores pode desempenhar papeldecisivo novamente.

O modelo desenvolvido por Krugman (1979) procura, igualmente, confirmara hipótese de que o determinante do comércio internacional está relacionadocom o hiato tecnológico entre os países. Krugman considera dois países: o paísdo Norte e o país do Sul. O país do Norte é inovador, diferentemente do país doSul. A inovação aparece através de novos produtos fabricados imediatamente noNorte e somente após algum período no Sul. O autor mostra como as inovações

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emergem permanentemente no Norte, com o objetivo de manter o nível de rendadesse país, e como essas indústrias desaparecem cedo ou tarde em função dacompetição dos baixos salários do país do Sul. Os altos salários do país doNorte refletem a renda de monopólio em função da introdução de novas tecnologias.Para Krugman, o monopólio tecnológico do Norte é continuamente eliminadopela difusão de tecnologia e somente pode ser mantido através de inovaçõescrescentes nos novos produtos. Do ponto de vista do comércio, o país inovadorexportará bens diferenciados tecnologicamente, enquanto o país subdesenvolvidoexportará produtos padronizados.

Os argumentos de Posner foram também utilizados por Vernon (1966) noseu modelo de ciclo de vida do produto. Vernon procura mostrar que os “níveis”de vantagens comparativas podem mudar em função, basicamente, de trêsfatores. O primeiro estaria relacionado ao fato de as demandas nacional einternacional dos produtos não serem estáticas no tempo. Além disso, os produtostêm um ciclo de vida, e a estratégia de lucros das empresas multinacionais levaa que sua produção se translade para outros países.

Relacionando tecnologia, ciclo de vida do produto e comércio internacional,o modelo de Vernon defende o argumento do monopólio tecnológico ligado àinovação e enfatiza a evolução da natureza do produto ao longo de seu ciclo devida e as evoluções do comércio internacional. Nesse sentido, o produto no seuciclo de vida conhece quatro períodos, e cada um corresponde a uma fase docomércio internacional. A primeira fase do ciclo (nascimento) não produz comérciointernacional, dado que o produto é fabricado e consumido unicamente no paísde origem da inovação.

Na segunda fase do ciclo (maturação), dado que a demanda pelo produto écada vez maior, são implementados métodos de produção em grande escala. Aestabilização tecnológica do produto induz o produtor a ampliar o seu mercadonos países desenvolvidos, onde os consumidores de alta renda começam a tercondições de adquirir esses produtos. A exploração desses mercados pela firmainovadora é conseqüência do processo de imitação que eleva o número deconcorrentes no mercado interno de origem da firma. De fato, a tecnologia utilizadajá pode ser copiada por outras firmas nacionais. Como decorrência, verifica-se osurgimento de exportações do país inovador em direção aos seus parceirosdesenvolvidos, o que torna a balança comercial do país inovador superavitária,enquanto a dos países desenvolvidos passa a ser fortemente deficitária.

Na terceira fase do ciclo (padronização), observa-se uma inversão do fluxocomercial, dado que o país inovador se torna importador, e os países desenvolvidosimitadores passam a ser exportadores. Com a banalização do produto, a firmainovadora abandona sua produção para se concentrar na fabricação de novosprodutos. Nesse processo, a demanda local pelo produto banalizado vai se

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saturando, sendo atendida, principalmente, pelas importações, ao passo quesurge uma nova demanda por produtos da nova geração. Com relação ao produtopadronizado, o mercado tornar-se-á competitivo, e a competição será baseada,essencialmente, no preço ao invés de na qualidade do produto. Conse-qüentemente, a fabricação desses produtos estará concentrada, principalmente,nos países periféricos.

Trabalho realizado por Pavitt, Dosi e Soete (1990), na linha evolucionista,procura mostrar a importância da construção de capacidades tecnológicas paradinamizar o comércio dos países. Partindo de uma série de indicadores (P&D,patentes), os autores mostram que as atividades relacionadas com a inovaçãose concentram, essencialmente, nos países desenvolvidos. Essas atividadessão muito mais responsáveis pelo bom desempenho das exportações do quepor alterações nos custos relativos de trabalho. São essas capacidades inovadorase imitativas específicas a um setor e a um país que explicam os padrões deconvergência ou divergência em termos de desempenho do comérciointernacional.

A constatação de comércio intra-setorial entre economias de níveis dedesenvolvimento similares limitou consideravelmente, nos anos 60, o alcancedas teorias tradicionais baseadas na tese das vantagens comparativas. O comérciointra-setorial não reflete, absolutamente, as vantagens comparativas. Suaimportância depende de quão similares os países são. O comércio intra-industrialprevalecerá entre dois países, se estes forem similares na razão capital-trabalho.Caso contrário, o comércio baseado nas vantagens comparativas (intersetorial)tende a dominar.

Algumas interpretações teóricas forneceram elementos para explicar odesenvolvimento do comércio intra-setorial. A teoria da demanda representativade Linder (1961) contribui, significativamente, nesse sentido ao incorporarhipóteses considerando, particularmente, fenômenos ligados à demanda e nãomais a oferta. Linder verifica a importância das trocas de produtos similaresentre países de desenvolvimento comparável para questionar a teoria deHeckscher-Ohlin e tentar elaborar uma nova teoria baseada em alguns princípiosbásicos. O primeiro mostra que as condições de oferta não são independentesdas condições de demanda, ou seja, a eficiência da produção está estritamenterelacionada à dimensão da demanda. Além disso, o autor argumenta que ascondições da produção doméstica são influenciadas, principalmente, pelademanda interna. A demanda doméstica representativa é o suporte da produçãoe a condição necessária para que um bem seja exportado. Finalmente, o mercadoexterno nada mais seria do que o prolongamento do mercado nacional, e ocomércio internacional, a extensão das trocas regionais.

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Com base nesses princípios, o autor conclui que, para países com níveisde desenvolvimento semelhantes, as pautas de exportação e de importaçãotendem a ser idênticas. Os produtos transacionados entre países com níveiscomparáveis de desenvolvimento são similares ou próximos. Essa proximidadeem termos de desenvolvimento acaba por estimular uma demanda dosconsumidores por produtos diferenciados pela variedade. O grande problema daanálise de Linder foi se limitar à análise da intensidade do comércio cruzadoentre países economicamente próximos sem explicar a natureza desses benstransacionados, assim como suas características intrínsecas. Entretanto suateoria influenciou, substancialmente, novas interpretações do comérciointernacional que procuraram questionar as teorias tradicionais incorporando umaestrutura de mercado de concorrência imperfeita e integrando vários conceitosda economia industrial. Duas grandes correntes destacam-se a partir daí.

A primeira estuda a concorrência oligopolista e as trocas de produtosidênticos. Nessa abordagem, o comércio intra-setorial é visto como o resultadode trocas de bens estritamente idênticos. O modelo desenvolvido por Brander eKrugman (1983), considerando um bem e dois países, vai exatamente nessesentido. A idéia subjacente a esse modelo é que o comércio aumenta o tamanhodo mercado. Numa economia fechada, a produção é efetuada em cada país porum monopolista. A escala de produção seria limitada pela dimensão do mercado.Essa limitação deixaria de existir numa economia aberta, dado que os paísespassariam a comercializar entre si, formando, assim, um mercado mundialintegrado que seria maior do que qualquer mercado individual.

Os autores elaboram um modelo com duas firmas, cada uma pertencendoa um dos dois países e fabricando o mesmo bem. Com a abertura comercial, osdois mercados em autarquia unificar-se-iam, permitindo que cada firma passassea deter uma parte do mercado do país estrangeiro. Haveria um modelo de duopólioonde cada firma deteria uma parte do mercado do país estrangeiro. O equilíbrioocorreria quando cada firma detivesse a metade do mercado do país parceiro.Nessas condições, o comércio seria perfeitamente cruzado e intra-setorial.

A segunda corrente analisa a concorrência monopolista e o comérciointernacional de produtos diferenciados (Laussudrie-Duchêne, 1971; Helpman,1981). Nessa abordagem, o comércio intra-setorial aparece como um comérciode bens similares, mas não idênticos. As diferenciações com relação aosprodutos comparáveis vão permitir aos consumidores adquirirem o máximo possívelde variedades de bens. No que se refere aos consumidores, a abertura comercialserá motivada pela possibilidade de aumentar o número de variedades de ummesmo bem.

Segundo os autores, a abertura da economia permitiria ao paísespecializar-se na produção de uma variedade menor de bens do que faria na

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ausência de comércio. Mesmo não produzindo todos os bens, cada país aumen-taria a quantidade de bens disponíveis para seus consumidores. Observa-se,através dessa abordagem, que o comércio engendra resultados positivos mútu-os mesmo nos casos em que os países não diferem em termos de tecnologia.

Posteriormente a essas abordagens que analisam a simultaneidade dasimportações e das exportações no interior de uma mesma indústria, uma síntesedos determinantes dos comércios inter e intra-setorial foi realizada. Essasíntese é baseada na idéia segundo a qual a concorrência monopolística e aseconomias de escala estão associadas ao comércio intra-setorial de produtossimilares, enquanto o princípio das vantagens comparativas continua a ter poderexplicativo para o comércio intersetorial entre economias diferentes em termosde proporção fatorial ou nível tecnológico (Helpman; Krugman, 1985). Os produtosdiferenciados horizontalmente são disponíveis para os consumidores em diferentesvariedades, e o comércio internacional, ao ampliar o mercado, fornece uma maiorvariedade de produtos, além de realizar economias de escala. Nesse contexto,a tendência é, justamente, que o comércio intra-setorial diminua com a distânciaeconômica e que o comércio intersetorial aumente proporcionalmente aocrescimento da distância.

Os modelos que analisam as trocas intra-setoriais impõem condições desimetria com relação à tecnologia e aos padrões de preferências dosconsumidores. Ou seja, supõem que a tecnologia relacionada à produção deuma variedade de produto seja idêntica à de qualquer outra variedade. Supõem,também, uma simetria nos padrões de preferências: a curva de demanda para oprodutor de uma variedade seria idêntica àquela do produtor de qualquer outravariedade. Como decorrência, qualquer novo entrante potencial apenas produziriauma variedade diferente daquelas que já estão no mercado.

Entretanto os produtos não são unicamente diferenciados por característicassecundárias, dado que as suas qualidades, assim como seus preços, podemmudar. Essa diferenciação vertical dos produtos, ligada a fatores tais como asdespesas de pesquisa e desenvolvimento ou a qualificação da mão-de-obra, foiincorporada somente recentemente na análise de economia internacional(Fontagné; Freudenberg; Péridy, 1998; Fontagné; Freudenberg, 1999). Nessenovo contexto, as diferenças entre os países não beneficiam unicamente ocomércio intersetorial, mas também o comércio intra-setorial em diferenciaçãovertical; este último relacionado, sobretudo, à especialização dos países emprodutos que diferem em termos de conteúdo tecnológico, mas que pertencem àmesma indústria. Como decorrência, haveria uma divisão qualitativa do trabalhoentre países posicionados na produção de alta qualidade e países posicionadosna de baixa qualidade, definindo uma nova relação entre centro e periferia.

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Portanto, no interior de uma determinada indústria, o comércio intra-setorialpode apresentar uma dupla configuração. A primeira seria o comércio intra-setorialde produtos idênticos, ou seja, o país exporta e importa bens que apresentamas mesmas características. Essa forma de comércio é denominada comérciocruzado intra-setorial fundamentado na diferenciação horizontal (de variedade).A segunda estaria relacionada com o comércio intra-setorial de produtosdiferenciados em termos de conteúdo tecnológico, denominado comércio cruzadofundamentado na diferenciação vertical (de qualidade). Finalmente, uma terceiraforma seria o comércio intra-setorial em diferenciação vertical, caracterizado pelocomércio cruzado entre componentes e produtos finais que não se encontramno mesmo estágio de fabricação. Seria o caso, por exemplo, de um país queexporta automóvel e importa os componentes para a sua fabricação. Esse tipode comércio pode estar relacionado com um processo de decomposiçãointernacional do processo de produção.

A distinção entre o comércio intra-setorial com diferenciação de variedadee aquele com diferenciação de qualidade é efetuada a partir do cálculo dos valoresdas exportações e das importações. Considerando que esses valores sãopróximos (diferença inferior a 15%), as diferenças em termos de qualidade sãoconsideradas baixas, e o fluxo estudado corresponde à diferenciação de variedade.Caso contrário, a diferenciação é considerada de qualidade, dado que o produtocomparado é exportado e importado a preços significativamente diversos. Astrocas de variedade e de qualidade podem ter determinantes diferentes, ou seja,no comércio de variedade, a origem do produto assim como a estrutura demarketing podem influenciar decisivamente na demanda de produtos estrangeiros,mesmo existindo similar nacional. A concorrência oligopolista entre grandesempresas disputando fatias do mesmo mercado constitui-se, igualmente, emdeterminante importante. Para o comércio de qualidade, os aspectos tecnológicose de conhecimento são decisivos na escolha do produto.

Assim, a existência de países menos avançados tecnologicamente e depaíses inseridos em uma economia baseada no conhecimento é suscetível dedar conta da fabricação de produtos pertencendo a qualidades diferentes. Nessascondições, esse tipo de comércio pode indicar uma divisão qualitativa de trabalho.Dessa forma,

“(...) a alta qualidade implica mais despesas em P&D, uma melhorqualificação da mão-de-obra, uma organização específica dosprocedimentos internos das firmas, custos fixos de publicidade, etc.Ela se traduz, pois, em custos de produção e preços muito elevados.A especialização de uma país em tal ou tal qualidade de produto temconseqüências em termos de distribuição de renda, de catching up

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econômico ou de custos de produção” (Fontagné; Freudenberg, 1999,p. 43).

São as interfaces entre os diversos elementos a serem considerados naanálise do comércio entre países que respaldam a proposição de privilegiar osenfoques setoriais nas análises de comércio internacional.

Segundo Fontagné e Freudenberg (2001), os diversos conceitos discutidosanteriormente podem ser resumidos como segue:

a) a tradicional divisão do trabalho corresponde à teoria clássica do comércioconduzindo aos fluxos intersetor. A apreensão do comércio tanto podeser no nível da indústria quanto no nível do produto — comércio emsentido único;

b) no segundo caso, o comércio localiza-se na mesma indústria, mas emdiferentes produtos, o que dá margem para diferentes interpretações.Analisando-se o comércio no nível da indústria, a primeira interpretaçãodemonstraria cobertura de comércio, caracterizando, assim, o comérciointra-setorial. Entretanto, apreendendo-se o fluxo de comércio no níveldo produto, ficaria evidenciada transação em sentido único de bensintermediários e bens finais na mesma indústria. Ocorreriam, portanto,importações e exportações na mesma indústria, mas em estágios deprodução diferentes, o que não seria considerado comércio intra-setorial,mas uma divisão internacional do processo produtivo;

c) o comércio intra-setorial precisa ser assim apreendido no nível do produto.Somente exportações e importações de produtos com as mesmascaracterísticas técnicas podem ser consideradas como comércio emsentido duplo. Nesse caso, tanto faz serem tomados para análisebens finais ou bens intermediários;

d) finalmente, a análise de valores unitários como proxy de diferenças dequalidade permite uma definição prática de dois conceitos importantesdo ponto de vista teórico — comércio em sentido duplo de produtossimilares, produtos diferenciados horizontalmente (correspondendo auma troca de variedades), e comércio em sentido duplo de produtosdiferenciados verticalmente (correspondendo a uma troca de qualidade).

O Quadro 1 apresenta de forma esquemática diferentes interpretaçõescorrespondentes aos fluxos de comércio que servem de quadro de análise paraa realidade observada na próxima seção.

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Quadro 1

Fluxos de comércio internacional, nível de análise e interpretação — 2001

NÍVEL DE ANÁLISE COMÉRCIO INTERNACIONAL Indústria Produto

INTERPRETAÇÃO

Indústria têxtil M (1) de camisas Comércio em

Comércio sentido único intersetorial

Indústria automobilística X (2) de automóveis Comércio em

sentido único

Tradicional divisão inter-nacional do trabalho

Indústria automobilística Produtos finais X de automóveis Comércio em

Comércio sentido único intra-setorial

Produtos intermediários M de motores Comércio em

sentido único

Divisão internacional do processo produtivo

Indústria automobilística Produtos finais X e M Comércio em de automóveis sentido duplo

Comércio em sentido duplo de bens finais

Comércio intra-setorial Comércio em

Produtos intermediários sentido duplo X e M de motores

Comércio em sentido duplo de bens interme-diários

Indústria automobilística Valor unitário entre X e M ≤ 15%

Comércio em sentido duplo

Comércio em sentido duplo de bens finais similares

X e M de automóveis

Comércio intra-setorial

Valor unitário entre X e M > 15%

Comércio em sentido duplo

X e M de motores

Comércio em sentido duplo de bens inter-mediários diferencia-dos verticalmente

FONTE: FONTAGNÉ L.; FREUDENBERG M. Intra-industry trade methodology issues

reconsidered. Document de Travail CEPII, Paris: [s. n.], n. 97, 2001. (1) Importações. (2) Exportações.

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3 - Alguns aspectos metodológicos referentes ao tratamento dos dados

Com o intuito de analisar as especificidades das trocas comerciais efetuadasentre Brasil e Estados Unidos, trabalhou-se com o banco de dados do Ministériodo Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Utiliza-se, dessa forma, a classificaçãosegundo a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), no nível de desagregaçãode capítulo (dois dígitos) para a análise dos fluxos intersetoriais e no nível dedesagregação de produto (oito dígitos) para a análise intra-setorial, observando--se os registros de exportação e importação de destino/origem para o ano 2001.

Para a caracterização do comércio intersetorial, tomou-se por base aavaliação do conteúdo tecnológico embutido no referido conjunto de capítulos.Essa avaliação reflete o esforço de inovação e desenvolvimento tecnológicodesenvolvido pelos dois países. Assim, os 99 capítulos de produtos exportadose importados foram decompostos em alta média alta, média baixa e baixaintensidade tecnológica. A taxionomia utilizada é aquela elaborada pela OCDE(1997), que estabelece relação entre gastos em pesquisa e desenvolvimento evalores das produções dos diversos setores industriais. Procura-se compatibilizara classificação NCM (capítulos) com os setores propostos pela referidataxionomia. A essa classificação associa-se aquela referente à intensidade defatores, ou seja, intensivo em capital, em mão-de-obra, em recursos naturais eem tecnologia, utilizada por Moreira e Correa (1996).

Dois indicadores complementares (aplicados ao comércio bilateral com osEUA) fornecem uma caracterização aprofundada dessas trocas. São eles: ograu de concentração das trocas do país e o nível do comércio intra-setorial. Oindicador de concentração (IC) está apresentado a seguir:

onde X representa as exportações totais do país, e Xi, as exportações do produ-to i. O mesmo indicador pode ser obtido para as importações. O valor do coefici-ente de IC pode assumir grandezas de 0 a 100. IC = 0 indica uma distribuiçãouniforme entre os diferentes grupos de produtos comercializados. Esse casocorresponde ao grau de diversificação comercial mais importante e à concentra-ção mais fraca. Geralmente, o indicador IC das exportações é mais elevado queos das importações, na medida em que o comércio internacional leva a umaespecialização da produção e a uma diversificação do consumo. É importantedestacar que existe uma correlação negativa entre o indicador IC e o nível dedesenvolvimento do país.

2

.100 ∑

=

i XXiIC

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O segundo indicador complementar refere-se ao comércio intra-setorial (IS).Utiliza-se o coeficiente de Grubel & Lloyde (1975) para estimar a intensidadedas trocas de produtos do mesmo setor. O indicador pode ser apresentado comosegue:

( )[ ]{ }100/1 ∑ ∑ +−−= MiXiMiXiISonde IS fornece a medida do comércio intra-setorial para o conjunto do setorindustrial e não do produto em particular. Esse indicador varia de grandeza entre0 e 100. Um valor de 100 significa um comércio intra-setorial o mais elevadopossível. O desenvolvimento e a convergência progressiva dos níveis de renda eda complexidade tecnológica das nações conduzem a uma alta troca intra-setorialem oposição às trocas intersetoriais. O primeiro desenvolve-se com o papelcrescente das economias de escala e com o aumento do grau de diferenciaçãodos produtos, e o segundo está relacionado às fontes tradicionais de vantagenscomparativas, ou seja, à dotação relativa de fatores.

Para a abordagem do comércio intra-setorial, tomaram-se por base,primeiramente, as transações efetuadas entre os dois países dentro do mesmocapítulo (ou setores), ou seja, agrupadas a dois dígitos na classificação daNomenclatura Comum do Mercosul. Nessa etapa, foi escolhido, para uma análisemais específica, o setor de veículos automóveis, tratores e suas partes, a fim deidentificar produtos semelhantes, com mesmo código (oito dígitos), e produtosfinais e intermediários. Escolheu-se esse setor pelas suas características deexportador e importador de produtos finais e intermediários, com diferentesvariações de conteúdo tecnológico entre eles, o que possibilita confrontaçãobastante interessante para a análise a ser efetuada. Por essa razão, a indústriaautomobilística serve, geralmente, de referência para esse tipo de análise.

A intenção aqui é dar idéia da existência, ou não, de transação bilateral departes e componentes contra produtos finais, assim como identificar astransações de produtos similares, caracterizando diferenciação horizontal e deprodutos verticalmente diferenciados. A distinção que se pode estabelecer nointerior do comércio intra-setorial através da diferenciação de variedade seráefetuada calculando-se os valores unitários das exportações e das importaçõesdos mesmos produtos (mesmo código NCM). Se esses valores são próximos(distância menor que 15%), as diferenças de qualidade são supostamenteconsideradas baixas, e o fluxo estudado corresponderá à diferenciação devariedade. Caso contrário, quando o mesmo produto é importado e exportado apreços muito distantes, a diferenciação será considerada de qualidade.

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4 - Fluxos comerciais entre Brasil e Estados Unidos: uma caracterização

O fluxo de comércio brasileiro durante os anos 80 demonstrou que, de umamaneira geral, a economia brasileira tinha acumulado maior déficit com as regiõesnas quais se localizam países desenvolvidos, enquanto tinha obtido excedentecom os países em desenvolvimento. Até 1994, tendo em conta a conjuntura deestagflação e a política de desvalorização da moeda nacional, o Brasil apresentouexcedente comercial com a União Européia, a Ásia, o Nafta, a América Latina eo Caribe. Contudo o plano de estabilização inverteu essa tendência, fazendocom que, na segunda metade da década de 90, a balança comercial brasileirafosse sistematicamente deficitária.

Os déficits comerciais resultaram, evidentemente, do processo desobrevalorização da moeda brasileira, que estimulou as importações emdetrimento das exportações, e foram conseqüência, em grande medida, doprocesso de reestruturação do aparelho produtivo brasileiro, que produziu ummovimento de racionalização da produção. O efeito combinado de uma políticade estabilização monetária e de liberalização comercial e financeira intensificouo movimento de reestruturação do aparelho produtivo já engajado nos trêsprimeiros anos da década, conduzindo a déficits na balança comercial do País.A alta do coeficiente de importação acentuou-se muito mais nas indústriasintensivas em tecnologia (bens de capital, bens intermediários elaborados). Essasindústrias importam, notadamente, produtos de mais alta intensidade tecnológicaenquanto produzem, localmente, bens de mais baixa intensidade tecnológica.

No que se refere à indústria intensiva em recursos naturais (certos bensintermediários) e em mão-de-obra (bens de consumo não duráveis), essecoeficiente cresce em amplitude menor. Entretanto a produção de certossegmentos, como têxtil, vestuário e calçados, apresentou coeficiente deimportação muito elevado, revelando uma verdadeira substituição da produçãolocal por importações.

Ocorreu um duplo processo de desengajamento produtivo e de déficit nabalança comercial. Enquanto o crescimento médio do Produto Interno Brutoestava fraco, as importações aumentaram, e as exportações pouco evoluíram.No contexto de abertura comercial, as empresas não estão mais submetidas amedidas regulamentares para aumentar o conteúdo nacional de sua produção. Abusca de ganhos de produtividade e de competitividade estimula-as a suprimiremas atividades julgadas insuficientemente competitivas. As atividades suprimidassão aquelas cuja competitividade não preço, que repousa na formação de umsistema nacional de inovação, exerce papel essencial no seu desempenho. Por

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outro lado, as atividades mantidas são essencialmente concentradas na impor-tância dos custos de produção.

A geração de superávits no período mais recente se deve, sobretudo, àdesvalorização cambial e à redução das importações, em função da queda donível de atividade econômica. Também contribuiu para a geração desses superávitso redirecionamento das exportações para os mercados dos países desenvolvidos,em função da crise do mercado regional.

Grande parte das trocas do Brasil com o mundo efetua-se em sentido único,isto é, sob a forma de importação ou de exportação, sem que o fluxo no sentidocontrário tenha nível significativo. As exportações de produtos primários têmainda forte inserção no comércio mundial. A outra parte decorre, principalmente,do comércio cruzado e se reparte entre as trocas de produtos com qualidadesdistintas (comércio cruzado em diferenciação vertical) e as trocas de variedade(comércio cruzado baseado em produtos similares de baixa e média qualidade).

Uma outra forma de analisar o desempenho exportador do País seriaapresentar os ganhos (ou perdas) de competitividade dos principais setores deexportação. Considerando os Estados Unidos como um de nossos principaisparceiros (24,4% das exportações em 2001), pode-se detectar tal movimento.1

De uma forma geral, o Brasil vem obtendo ganhos de competitividade nos produtosdestinados aos Estados Unidos desde a desvalorização cambial de 1999, nãosendo suficientes, no entanto, para recuperar as perdas registradas entre 1994 e1998 (excetuando-se o setor 88 - aeronaves e outros aparelhos aéreos, etc. esuas partes, cuja recuperação já se havia iniciado em 1996). Alia-se a essascaracterísticas, o baixo dinamismo da demanda mundial pelos produtosexportados pelo Brasil (Fontenele; Melo, 2002).

A análise dos fluxos comerciais brasileiros com os EUA, em 2001, a partirdos capítulos da NCM, permite constatar alguns resultados. Observa-se,primeiramente, que a pauta de importação comporta muito mais itens que a deexportação, no referido ano, foram importados 6.668 produtos diferentes eexportados 3.562. Contudo o indicador de concentração das exportações é de27,17 e o das importações é de 37,74, o que reflete, em termos de valor, uma

1 O indicador básico de ganho ou perda de competitividade está apresentado em Batista(2002), ou seja, o indicador proposto pelo modelo de market share constante. Esse indicadordecompõe as variações na participação das exportações do Brasil nas importações de ummercado (parceiro) em dois componentes: a medida do efeito do produto (por exemplo,calçados) e do efeito da competitividade. O efeito do produto reflete a diferença entre odinamismo da demanda pelos produtos do setor e o dinamismo da demanda pelo total dosprodutos do Brasil. Essa variação será, então, comparada com a mesma medida, caso omarket share permaneça constante no período em análise — o que reflete o efeito dacompetitividade.

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menor concentração nas vendas do que nas compras. Esse fato é corroboradopela revelação de que 90% das exportações brasileiras estão concentradas em25 capítulos (ou setores), enquanto o mesmo percentual das importações totaliza16 capítulos. Dois dos principais capítulos, quais sejam, 84 - reatores nucleares,caldeiras, máquinas, equipamentos mecânicos (terceiro no ranking dasexportações e primeiro no das importações) e 85 - máquinas, aparelhos e materialelétrico e suas partes (segundo colocado nas duas pautas), correspondiam, em2001, a 49,8% do total do valor (em dólares correntes) das importações oriundasdos Estados Unidos e a 19,2% das exportações brasileiras para aquele destino.Em termos de número de itens (oito dígitos), os dois capítulos referidos sãoresponsáveis pela importação de 23,5% e pela exportação de 27,6% do totaldas pautas (Tabela 1).

Tabela 1

Indicadores gerais do comércio bilateral Brasil-Estados Unidos — 2001

ESPECIFICAÇÕES INDICADORES

Índice de concentração das exportações .............................. 27,17 Índice de concentração das importações .............................. 37,74 Número de itens exportados .................................................. 3.562 Número de itens importados .................................................. 6.668 Número de setores responsáveis por 90% das exportações 16 Número de setores responsáveis por 90% das importações 25 Indicador de comércio intra-setorial ....................................... 15

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC.

Os aspectos quantitativos apresentados na Tabela 1 serão mais bemvisualizados através da especificação dos setores segundo a intensidade fatoriale a tecnológica. Quando se classificam os fluxos comerciais segundo a intensidadefatorial, constata-se uma concentração das importações em setores intensivosem capital (27%) e tecnologia (64%) e das exportações em setores intensivosem recursos naturais (30%) e tecnologia (47%). Dentre os setores intensivos emtecnologia, há que destacar, do lado das exportações, a participação dos setores88 - aeronaves e outros aparelhos aéreos, etc. e suas partes (17%) e 85 - máquinas,aparelhos e material elétrico e suas partes (11%) e, do lado das importações,a participação dos setores 84 - reatores nucleares, caldeiras, máquinas (25%) e85 - máquinas, aparelhos e material elétricos e suas partes (25%).

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Quanto à intensidade tecnológica, os fluxos comerciais entre os dois paí-ses podem ser caracterizados pela participação significativa, no valor total dasimportações, dos setores com intensidade média alta (69%). No valor dasexportações, destacam-se os setores de baixa e média alta intensidade, que,somados, atingem 65% (Tabela 2).

Tabela 2

Comércio Brasil-Estados Unidos segundo a intensidade fatorial e a intensidade tecnológica dos setores — 2001

(%)

DISCRIMINAÇÃO EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO

Intensidade fatorial

Intensivos em recursos naturais ............ 29,55 7,45 Intensivos em mão-de-obra ................... 12,27 2,06 Intensivos em capital ............................. 11,39 26,97 Intensivos em tecnologia ....................... 46,79 63,52 Intensidade tecnológica

Baixa ..................................................... 35,10 8,25 Média baixa ........................................... 18,30 18,15

Média alta .............................................. 29,68 69,45 Alta ......................................................... 16,92 4,15

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC.

O indicador das trocas intra-setoriais entre Brasil e EUA apresenta umvalor considerado relativamente baixo (15) para o ano 2001, fortalecendo oargumento de que o comércio em sentido único é predominante nos fluxosanalisados. Apesar desse resultado, é importante qualificar as trocas no interiordos setores a fim de apreender em que níveis elas ocorrem, se diferenciaçãohorizontal ou vertical. Esse indicador apresenta-se de forma diferenciada entre ossetores analisados. Alguns deles merecem destaque, como é o caso de 53 -reatores nucleares, caldeiras e máquinas, 64 - máquinas, aparelhos e materialelétrico e 54 - veículos automóveis, tratores. Esses resultados confirmam relaçõesintra-setoriais mais fortes do que para o conjunto dos setores; são setores comforte presença de multinacionais, e, portanto, pode-se identificar a ocorrência derelação intrafirma de forma mais evidente. Precisa-se, contudo, observar maisde perto que tipo de troca ocorre no interior desses setores, se há comércio em

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sentido único (produto final contra bens intermediários) ou em sentido duplo,caracterizado pelas trocas de produtos similares ou diferenciados.

Inicialmente, tomam-se para análise os fluxos comerciais intra-setoriaisbrasileiros com os Estados Unidos através dos 100 principais produtos, emtermos de valor, das pautas de exportação e importação do ano 2001. Isso permitemelhor avaliação das especificidades dessas transações. Efetuando-se o confrontodos 100 principais produtos de exportação e importação, verifica-se que existeforte concentração desses produtos em alguns setores: do conjunto de produtosaqui considerado, registra-se que 48% dos importados pertencem a somentedois capítulos da NCM, 84 - reatores nucleares, caldeiras, máquinas,equipamentos mecânicos e 85 - máquinas, aparelhos e material elétrico e suaspartes), enquanto 25% dos exportados compõem aqueles mesmos setores. Ovalor das importações dos 100 primeiros produtos corresponde a 46,2% do totalda pauta, enquanto, para as exportações, essa participação é de 78,3% (MDIC,2003).

A observação dos 100 principais produtos revela que o maior número deitens da pauta de importação está concentrado em produtos com intensidadefatorial baseada em tecnologia (67). A concentração ocorre também quando seanalisam os produtos segundo a intensidade tecnológica: aqueles produtosclassificados como de média alta intensidade tecnológica correspondem a 52.Em valor, esses mesmos produtos respondem por 77% e 63%, respectivamente,do total do valor importado do conjunto de produtos considerados.

Quanto às exportações, a maior quantidade de itens concentra-se emprodutos de baixa intensidade tecnológica (46), contudo, em valor, há uma maiordistribuição entre as demais categorias, se comparadas com as compras. Aintensidade fatorial indica que, do conjunto considerado, o número de itens maissignificativo é o referente aos produtos intensivos em tecnologia (43), seguidodaqueles intensivos em recursos naturais (29), totalizando os primeiros 49,7%do valor total das exportações dos 100 produtos mais importantes no ranking.Esses resultados são, de certa forma, esperados, tendo em vista que os valoresagregados aos produtos intensivos em tecnologia e aos produtos de alta e médiaalta intensidade são muito mais expressivos, e, por conseguinte, justificam-seas suas posições no ranking dos 100 principais produtos das pautas deimportação e exportação (Tabela 3).

A análise do comércio intra-setorial de maneira mais detalhada só é possívelquando se compatibilizam produtos pertencentes à mesma indústria. Conformefoi argumentado na metodologia, a escolha do setor 87 (veículos, automóveistratores, etc., suas partes/acessórios) deveu-se às suas características deexportador e importador de produtos finais e intermediários com conteúdostecnológicos distintos entre eles.

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Tabela 3 Comércio Brasil-Estados Unidos segundo a intensidade tecnológica e a intensidade fatorial

dos 100 produtos mais importantes em valor — 2001

IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO DISCRIMINAÇÃO

Número % Número %

Intensidade tecnológica Alta ............................................. 31 27,8 13 30,4 Média alta .................................. 52 63,7 28 18,8 Média baixa ............................... 9 3,1 13 7,3 Baixa .......................................... 8 5,4 46 43,5 Intensidade fatorial Intensivos em tecnologia ........... 67 77,0 43 49,7 Intensivos em capital ................. 27 18,2 12 13,2 Intensivos em mão-de-obra ....... 2 0,6 16 16,0 Intensivos em recursos naturais 4 4,2 29 21,1

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC.

Em 2001, o setor 87 brasileiro exportou para os Estados Unidos 59 produ-tos diferentes (13 produtos finais e 46 produtos intermediários) e importou 95 (33produtos finais e 62 produtos intermediários). Desse conjunto, há ocorrência de54 itens que são comuns nas pautas de exportação e importação (Tabela 4).

Tabela 4

Número de produtos do Capítulo 87 da NCM comercializados entre Brasil e Estados Unidos — 2001

COMÉRCIO PRODUTOS FINAIS

PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS TOTAL

Exportação .............................. 13 46 59 Importação .............................. 33 62 95 Produtos comuns .................... 9 45 54

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC.

Pode-se constatar que o comércio intra-setorial é particularmente elevadona indústria automobilística. O indicador de Grubel & Lloyd desse setor para ocomércio entre o Brasil e os Estados Unidos é de 53%, bem acima dos 15% do

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conjunto dos setores brasileiros. Entretanto esse indicador revela o total dastransações ocorridas dentro do mesmo setor, ou seja, tanto o comércio emsentido único (bens intermediários contra bens finais) quanto o comércio emsentido duplo, quando há trocas de produtos de diferentes variedades ouqualidades. Uma análise mais detalhada do comércio intra-setorial mostra opredomínio do comércio de qualidade sobre o de variedade. Observa-se que, dototal de 45 produtos intermediários comuns (mesmo código NCM), 35 representamo comércio cruzado de qualidade (valores unitários superiores a 15%) e somentedois produtos estão relacionados com o comércio cruzado de variedade (valoresunitários inferiores a 15%). Para os demais oito produtos não havia registro daquantidade exportada, o que não permitiu o cálculo dos respectivos valoresunitários. Em relação, especificamente, às trocas de produtos diferenciados, 25produtos intermediários mostram uma distância de valores unitários favorável àsimportações, e apenas em 10 produtos esse diferencial é em favor dasexportações. Quanto aos produtos finais, dos nove produtos comuns, cinco sãoconsiderados similares, e quatro, com qualidades diferenciadas. Deve-se salientarque os produtos finais desse setor exportados pelo Brasil incluem componentesimportados com conteúdo tecnológico mais forte, o que justifica, em parte, aproximidade dos valores unitários de alguns desses produtos exportados comos importados (Tabela 5).

Tabela 5 Produtos do Capítulo 87 segundo a diferença dos valores unitários

entre exportação e importação — 2001

PRODUTOS FINAIS PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS (1) ESPECIFICAÇÃO

Valor X > M Valor X < M Valor X > M Valor X < M

Produtos com diferença de valor unitário < 15% .............

2

3

2

-

Produtos com diferença de valor unitário > 15% .............

-

4

10

25

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MDIC. (1) Para oito dos produtos intermediários não foi possível identificar o valor unitário.

Grande parte dessa configuração do comércio da indústria automobilísticaestá relacionada com as estratégias de produção, assim como as modalidadesde implantação das empresas multinacionais norte-americanas do setor. Essasempresas estabelecem uma estrutura de comércio entre a matriz e as filiais no

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contexto tanto de um comércio entre produtos finais ou entre produtos interme-diários quanto de uma integração internacional vertical entre componentes ebens finais.

5 - Notas conclusivas

O fluxo de comércio bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos favorece,predominantemente, o comércio intersetorial, mas também o comércio intra--setorial fundamentado na diferenciação vertical. O desenvolvimento das trocasbilaterais entre Brasil e Estados Unidos apresenta, portanto, dupla configuração.

A primeira refere-se às trocas em termos de comércio intersetorial, ou seja,as trocas distinguem-se sensivelmente quando se consideram os setoresexportadores segundo a utilização de fatores de produção e a intensidadetecnológica dos produtos. Quanto à intensidade de fatores, percebe-se umaconcentração das importações em setores intensivos em capital e em tecnologiae das exportações em setores intensivos em recursos naturais e em tecnologia.Quanto à intensidade tecnológica dos produtos, os fluxos comerciais entre osdois países podem ser caracterizados pela forte presença no valor total dasimportações correspondente aos setores com intensidade média alta; e novalor das exportações, destacam-se os setores de baixa e média alta intensidade.

A análise dos 100 principais produtos revela que a pauta de importaçãobrasileira está concentrada em produtos de alta e média alta intensidadetecnológica, enquanto as exportações se concentram em produtos de baixaintensidade tecnológica. A intensidade fatorial indica que, do conjunto considerado,o número de itens exportados mais significativo é o referente aos produtosintensivos em tecnologia seguido daqueles intensivos em recursos naturais. Asimportações estão concentradas em produtos intensivos em capital e emtecnologia.

A segunda está associada ao comércio intra-setorial, ou em sentido duplo,no qual os produtos são diferenciados verticalmente em razão de fatores taiscomo as despesas com inovação ou a qualificação da mão-de-obra. Esse tipode troca está relacionado a uma especialização dos países em diferentesqualidades no interior de um mesmo setor. A análise do comércio intra-industrialpara o setor automobilístico mostrou o predomínio do comércio de qualidadesobre o de variedade (bens similares). Em relação, especificamente, às trocasde produtos diferenciados verticalmente do setor automobilístico, os resultadosrevelam um diferencial de valores unitários sensivelmente favorável às importações,o que denota a composição dessa pauta recheada de produtos com conteúdotecnológico mais denso do que a pauta das vendas. Nesse contexto, não se

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pode deixar de salientar a importância das firmas multinacionais através docomércio intrafirma nesse setor, no caso brasileiro.

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Comércio bilateral Brasil-Estados Unidos:...

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O cenário regional gaúcho nos anos 90: convergência ou mais desigualdade?

O cenário regional gaúcho nos anos 90:convergência ou mais desigualdade?

José Antonio Fialho Alonso* Economista da FEE.

ResumoNeste artigo, estudam-se as mudanças no cenário regional do Rio Grande doSul, nos anos 90. O objetivo central é avaliar como as mudanças ocorridas nasdinâmicas nacional e internacional afetaram a configuração espacial da produ-ção gaúcha nessa década. Teria havido convergência ou mais desigualdadesinter-regionais de renda no Estado? A análise privilegiou duas dimensõesterritoriais. De um lado, as três macrorregiões (Sul, Norte e Nordeste) do RioGrande do Sul. De outro, trabalhou-se com as Aglomerações do Sul e do Nor-deste, com a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e com a RegiãoPerimetropolitana de Porto Alegre (RPPA). Nas duas dimensões, observaram--se uma ampliação das desigualdades regionais e também uma retomada doprocesso de concentração industrial na Região Metropolitana, permitindo anteverdificuldades socioeconômicas para essa área do Estado.

Palavras-chaveDesenvolvimento regional; desigualdades regionais; economia regionale urbana.

AbstractThis paper presents the findings of a study of the South, North and Northeasternregions of the State of Rio Grande do Sul on the one hand, and of urbanagglomerations in the South and the Northeastern, "vis-à-vis" the Perimetropolitan

* O autor agradece a leitura atenta, as críticas e as sugestões dos Economistas Ricardo Brincoe Carlos Águedo Paiva, isentando-os dos equívocos remanescentes. A organização dasinformações foi realizada pelo estagiário Rafael Amaral, a quem agradece a dedicação.

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and the Greater Porto Alegre regions in the 90’s. The research question was tofind out if the state production in the last decade had deepened or evened out theincome gap among the regions studied. The findings point to a heavy concentrationof industries around the capital city of Porto Alegre on the one hand and to agreater income regional differences on the other. Such findings allow the authorto predict socio-economical difficulties for the Greater Porto Alegre region.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 12.09.03.

A questão das desigualdades regionais no Rio Grande do Sul é um temaque tem ocupado espaço crescente na agenda política do Estado. É possívelque, além do histórico quadro de disparidades regionais existentes em nossomeio, a criação dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes)1, emmeados dos anos 90, e a proposta, felizmente frustrada, de criação do Estadode Piratini na porção Sul do Estado (Bandeira, 2003, p. 520) tenham contribuídode forma importante para a conscientização da questão regional, não só nametrópole, mas também em muitos lugares do interior do Estado. Tal aumentode interesse no campo político não tem tido contrapartida equivalente na áreaacadêmica, o que dificulta, sobremaneira, a compreensão dessa problemática,dado que vários aspectos que envolvem o tema das disparidades estão encober-tos ou são conhecidos apenas superficialmente, dificultando não só o debate,mas também a formulação de políticas nesse campo.

As duas últimas décadas do século passado, em especial os anos 90,reuniram muitas particularidades, mas o mais relevante é, inegavelmente, o con-junto de transformações econômicas e sociais que vêm ocorrendo no capitalis-mo mundial, com reflexos diretos e diferenciados nas mais diversas regiões doglobo. Obviamente, o Brasil vem incorporando os efeitos da reestruturação inter-nacional em sua dinâmica econômica desde o final dos anos 70. Além disso,nesse tempo, o País adotou, com muita ênfase, um conjunto de princípios epropostas para a superação da crise gestado nos países centrais, principalmen-te nos EUA e na Inglaterra, sob a égide do Consenso de Washington. Tais formu-lações, de certa forma dogmáticas, passaram a fazer parte do cotidiano brasilei-ro, em especial ao longo da década de 90, tendo representado um papel central

1 Os Coredes foram criados pela Lei nº 10.283, de 17.10.1994 (Coredes, 1999).

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na política econômica da União Federal e sendo imediatamente repassadas aosestados brasileiros. O Rio Grande do Sul teve uma “rica” (?) experiência nessesentido.

Na economia brasileira, as últimas duas décadas do século passado, pelomenos até 1994, foram caracterizadas por permanente instabilidade. Os anos80 foram marcados por inflação galopante, endividamento interno/externo cres-cente, desemprego em alta e baixas taxas de crescimento do PIB. Isso tudosignificou empobrecimento generalizado das camadas médias e aumento daexclusão social. No plano institucional, a política econômica esteve voltada adois objetivos. De um lado, os esforços no sentido da estabilização dos preçosforam todos frustrados em meio à edição sucessiva de “programas e pacotes”(Cruzado 1 e 2, Plano Bresser, Plano Verão). De outro, as energias do Paíseram postas a serviço da obtenção de saldos comerciais para fechar o balançode pagamentos a cada final de ano. Pelo menos parcialmente, o Rio Grande doSul foi beneficiado com os grandes estímulos às exportações concedidos nes-se período.

No final dos anos 80, as expectativas eram positivas, imaginando-se que adécada seguinte, de alguma forma, seria promissora, pois o País recuperara a“plena” democracia e havia promulgado uma nova Constituição. Todavia a situa-ção da economia brasileira estava estruturalmente deteriorada, dado que o volu-me de investimentos, públicos e privados, foi muito escasso na década anterior,o mesmo ocorrendo com a absorção de novas tecnologias. Portanto, no limiardos anos 90, a economia brasileira encontrava-se muito fragilizada do ponto devista dos fundamentos para o seu crescimento.

O debate, à época, tanto na academia quanto no meio político, estavafocado na questão de como encaminhar o País para a recuperação econômicae social com estabilidade. Predominaram as propostas de corte “neoliberal”,consideradas por seus defensores idéias “modernizantes”, que se contrapu-nham ao “atraso” das demais posições. Pode-se considerar que essas idéias“venceram”, na medida em que presidiram crescentemente a política econômicae os rumos adotados. Assim sendo, nos primeiros anos da década de 90, apolítica econômica estava baseada em dois pilares: a abertura comercial e aredução do tamanho do Estado. Esses dois componentes representaramprecondições para a formulação, em 1994, do Plano Real, que incorporou oterceiro pilar, não menos importante: a âncora cambial. Portanto, os anos se-guintes até 1998 foram marcados pela consolidação da exposição do País àselvagem concorrência internacional, por um vigoroso processo de venda deativos estatais e pela manutenção, por longo período, de uma taxa cambialirreal, falsa. Inegavelmente, a inflação crônica foi debelada, o componente inercialfoi removido, e os preços mantiveram-se baixos até o fim da década. Todavia, o

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preço pago pela sociedade brasileira foi e está sendo elevado até hoje, e o serápor vários anos ainda. As taxas de crescimento do produto apresentaram ten-dência cadente e em níveis que podem ser considerados medíocres face àsnecessidades do País. O desemprego, que já era elevado, praticamente dobrouem algumas regiões metropolitanas, no período 1994-99. Em janeiro de 1999, oPlano Real ruiu em sua concepção original, não sendo mais possível manter ocâmbio artificialmente apreciado como nos cinco anos anteriores. O câmbiosobrevalorizado representava uma das principais restrições ao crescimento, prin-cipalmente através das exportações. Portanto, a maxidesvalorização estabele-ceu, em alguma medida, um espaço para o crescimento econômico, em espe-cial nas regiões cujas economias dispunham de maior abertura para o Exterior.

A economia do Rio Grande do Sul sempre esteve integrada à economiabrasileira, em especial à do Sudeste do País. Esteve também, historicamente,articulada ao mercado internacional, porque dispõe de um dinâmico segmentoexportador. Nesse sentido, foi duplamente beneficiada pela nova situação: deum lado, houve a possibilidade de retomada das vendas ao Exterior, beneficiadapelo câmbio mais favorável; de outro, a possibilidade de uma articulação maiorcom o resto do Brasil, em especial com o eixo SP-RJ-MG, que também passoua operar sem as amarras da situação anterior. Afinal, uma taxa de câmbio maisrealista acaba sendo uma barreira para a importação de bens que podem serproduzidos internamente, de forma competitiva.

Na verdade, o Plano Real representou, nos anos 90, um divisor de águaspara o desempenho da economia do Rio Grande do Sul. Esse fato é demonstra-do pelas taxas de crescimento do produto do Estado quando comparadas comas do País.

Observa-se a ocorrência de duas inversões no comportamento das taxasrelativas ao País e ao Estado em apenas uma década. As inflexões ocorrem,justamente, no início da implementação do Plano de Estabilização (1994) e nofinal de sua fase de concepção original (1998). As condições adversas para aeconomia gaúcha somente começaram a mudar a partir da maxidesvalorização(jan./99). Pelo menos, as condições externas passaram a ser mais favoráveis,permitindo que o segmento exportador vislumbrasse possibilidades de resgatede parcelas perdidas de mercado, principalmente devido ao câmbio apreciado.2

2 A desvalorização cambial não devolveu, nem automática nem imediatamente, a competitividadeàs exportações do Estado (e do Brasil). Alguns países parceiros comerciais, como a Argen-tina, tiveram suas condições econômicas agravadas com a mudança do câmbio brasileiro,diminuindo suas compras e, até mesmo, descumprindo quotas estabelecidas em acordos decomércio. A reação das exportações somente passou a ser percebida com mais nitidez nofinal do ano e durante o ano seguinte.

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Além disso, a produção para o consumo doméstico também foi favorecida emfunção do encarecimento das importações.

Há uma questão central a ser estudada e respondida neste texto,qual seja, a do que teria ocorrido com a distribuição espacial da produção nasdiferentes regiões do Estado. Ou, dito de outra forma, como esse conjunto detransformações, fora e dentro do País, que resultou em uma sucessão deresultados insatisfatórios, afetou o desempenho econômico das regiões no RioGrande do Sul? Infelizmente não será possível realizar uma análise exaustivade todas as regiões e/ou recortes regionais do Estado no âmbito desteartigo. Nesse sentido, optou-se por examinar o desempenho das três ma-crorregiões (Sul, Norte e Nordeste)3 num primeiro momento, passando, aseguir, à análise daquelas áreas que sediam as atividades mais represen-tativas da economia gaúcha em termos de produto e emprego, como aRegião Metropolitana de Porto Alegre (RMPA)4, a Região Perimetropolitana de

3 Essa divisão regional foi estabelecida para estudar o crescimento sub-regional de longoprazo no Rio Grande do Sul a partir de um critério de “homogeneidade histórica”. Umaexplicação metodológica sobre essa divisão regional pode ser encontrada na Parte IV deAlonso, Bandeira e Benetti (1994).

4 A RMPA, em 2001, último ano da série deste estudo, era constituída por 36 municípios, sendo31 deles instituídos legalmente (14 por legislação federal e 17 por legislação estadual a partirde 1989). Fazem parte ainda da configuração da RMPA utilizada neste trabalho os municípiosde Mariana Pimentel e Sertão Santana (desmembrados de Guaíba), Lindolfo Collor e Presi-dente Lucena (desmembrados de Ivoti) e Morro Rëuter (desmembrado de Dois Irmãos).

Tabela 1

Taxas médias anuais de crescimento do PIB do Rio Grande do Sul e do Brasil — 1990-01

(%)

PERÍODO BRASIL RIO GRANDE DO SUL

1990-93 1,78 5,48 1994-98 2,56 0,17 1999-01 2,88 3,77

FONTE: FEE. IBGE.

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Esses municípios têm origem territorial em áreas que já faziam parte da RMPA legal, mas quedeixaram de ser parte do aglomerado metropolitano ao se desmembrarem. Do ponto de vistada economia metropolitana, julgamos que os mesmos estão vinculados agora, tanto quantoantes, ao conjunto da RMPA.

5 A noção de Região Perimetropolitana foi extraída de Rio Grande do Sul (1974). Obviamen-te, foram feitos ajustes, principalmente em decorrência das emancipações ocorridas nasúltimas décadas e de municípios que, ao longo do tempo, ingressaram na RMPA legal e que,originalmente, faziam parte da Região Perimetropolitana. Trata-se de um recorte que circun-da parcialmente a RMPA e representa uma área de transição entre esta formação e oAglomerado Urbano do Nordeste, sendo, portanto, uma área de expansão dessas duasaglomerações. Em 1974, esse recorte contava com 42 municípios e, em 2001, com 53.

6 Nos casos das Aglomerações Urbanas do Nordeste (LC nº 10.335/94) e do Sul (LC nº 9.184//90), serão utilizadas as configurações legais em vigor, acrescidas dos novos municípios,cuja origem territorial estava em áreas das respectivas aglomerações.

7 Alonso (1984); Alonso e Bandeira (1990); Alonso, Bandeira e Benetti (1994); Governo doEstado do Rio Grande do Sul (1998); e Bandeira (2003).

Porto Alegre (RPPA)5, a Aglomeração Urbana do Nordeste (AUNE) e, por fim, aAglomeração Urbana do Sul (Ausul)6. As informações utilizadas neste estudosão: PIB total e setorial, por município, calculados pela FEE; número de empre-gos formais da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalhoe Previdência Social (RAIS-MTPS); e valor das saídas, da Secretaria da Fazen-da do Rio Grande do Sul.

1 - A distribuição do crescimento macrorregional no Rio Grande do Sul

Diversos estudos7 têm demonstrado, ao longo do tempo, os persistentesdesequilíbrios regionais no Rio Grande do Sul. Trata-se de um processo secular,com tendência persistente ao agravamento, qualquer que seja a dimensão ou adivisão regional utilizada. Como nunca houve política regional que objetivasse,com seriedade e consistência, a redução das desigualdades regionais no Esta-do e o mercado é incapaz de reverter esse quadro, exceto em situações excep-cionais, o que observamos é a persistência de tais desníveis, seja em fases deexpansão econômica, seja em períodos de crise. Nos anos 90, não foi diferentepara as três grandes formações regionais do Estado (Regiões Norte, Sul e Nor-deste).

Na Tabela 2, mostra-se uma tendência declinante na participação da Re-gião Sul no PIB do Rio Grande do Sul, até alcançar a posição mais baixa em

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8 Lembre-se que, em 1939, a Região Sul gerava 38,33% do PIB gaúcho (Bandeira, 2003,p. 534).

2000, com 17,20%,8 enquanto o Norte manteve a sua marca em torno de 27,5%,e o Nordeste, apesar das perdas verificadas entre 1990 e 1998, recuperou aposição inicial, alcançando 54,53% do produto total do Estado em 2001.

A Região Sul, também conhecida como “Metade Sul”, manteve, ao longoda sua história, uma estrutura produtiva especializada em muito poucos pro-dutos — na verdade, apenas dois. No passado, carne bovina e lã. Nos últimos60 anos, estruturou-se, predominantemente, com base em duas cadeias produ-tivas: a do arroz, que, de certa forma, substituiu a da lã, e a da bovinocultura,ambas responsáveis pela geração de grande parte da renda da agropecuáriaregional. Há, ainda, uma terceira cadeia, a da fruticultura, em Pelotas, muitomenos importante do ponto de vista macrorregional, mas relevante do ponto devista local.

O desempenho da economia da Metade Sul depende, fundamentalmente,do dinamismo da agropecuária regional (em torno de 25% do total produzidoprovêm, exclusivamente, do campo). A região continuou passando por um per-

Tabela 2

Participação relativa das macrorregiões no PIB do Rio Grande do Sul —1990-2001

ANOS REGIÃO NORTE

REGIÃO NORDESTE REGIÃO SUL TOTAL

1990 25,89 54,87 19,24 100

1996 28,87 52,27 18,86 100

1997 28,38 53,12 18,50 100

1998 28,56 52,08 19,36 100

1999 27,98 53,11 18,91 100

2000 26,42 56,38 17,20 100

2001 27,72 54,53 17,75 100

FONTE: FEE/Núcleo de Contabilidade Social.

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sistente processo de desindustrialização relativa, tendo sua participação no pro-duto industrial do Estado baixado de 12,81% em 1990 para 9,60% em 2001.9

Em algumas áreas da região, constata-se, inclusive, um processo dedesindustrialização absoluta, como é o caso das cidades da chamada Campa-nha e da Fronteira Oeste. Na esteira desse declínio, obviamente, os demaissetores são atingidos negativamente. Assim, o comércio teve os efeitos da criseregional refletidos em seus indicadores econômicos, tendo reduzido sua partici-pação no PIB comercial do Estado de 18,62% para 15,07% no período 1990-01.Essa queda é um indicador inequívoco da redução do consumo na região. Valedestacar que, do ponto de vista do comércio de mercadorias, alguns municípiosda Metade Sul apresentam certas peculiaridades.

Algumas cidades fronteiriças, por exemplo, em determinados momentosda sua história, tiveram seu dinamismo dado pelos movimentos do comérciolocal em função das posições da taxa de câmbio do Brasil com relação aospaíses limítrofes, Uruguai e Argentina, e também das políticas praticadas poresses países para o comércio de fronteira. Os anos 90 foram dramáticos para ocomércio dos municípios brasileiros na fronteira com o Uruguai, dado que estepaís estabeleceu, para algumas cidades (Rivera e Chuí), um regime comercialbaseado na isenção fiscal para mercadorias importadas (free shops), em espe-cial para bens típicos da cesta de consumo das classes média-alta e alta, des-locando uma parcela considerável da demanda por alguns bens de luxo do ladobrasileiro para o uruguaio.

Essa situação perdurou até janeiro de 1999, quando o sinal foi invertidopela maxidesvaloriação do real, o que significou uma recuperação episódica,nesse ano, para o comércio brasileiro nessa faixa de fronteira. No ano seguinte,o Governo uruguaio adotou medidas rígidas de controle das compras dos seuscidadãos no lado brasileiro, fazendo com que a posição relativa dessa parte daMetade Sul, no contexto do Estado, voltasse a cair novamente, configurando umaprofundamento de uma crise regional semi-secular.10 Outro local que guardauma especificidade é Santa Maria, que tem sua economia altamente terciarizada,tendo em torno de 83% do PIB originado nesse setor. Grande parte do Terciário

9 Para uma região que chegou a gerar 34,57% de toda a produção industrial do Rio Grande doSul em 1939, alcançar uma participação de 9,6% em 2001 é revelador da perda acentuadade dinamismo do seu parque industrial na segunda metade do século XX. As principaiscausas dessa derrocada, certamente, não estão localizadas no plano externo à região,mas, sim, em aspectos estruturais de natureza interna. Não há, igualmente, restriçõesambientais, tal como ocorre em outras regiões deprimidas do País.

10 Os municípios que mantêm relação comercial mais direta, pela sua proximidade física, com oUruguai são os seguintes: Santa Vitória do Palmar (mais Chuí), Jaguarão, Bagé (mais Aceguá),

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Santana do Livramento e Quaraí. Esses municípios, agregadamente, geravam 2,58% doPIB comercial do Rio Grande do Sul em 1990; 2,00% em 1996; 1,62% em 1998; 2,17% em1999; 2,00% em 2000; e 1,71% em 2001.

11 Em 1990, Santa Maria gerava um PIB comercial de 2,69% do comércio estadual, passandoa 3,12% em 1996. Todavia, no período do auge das privatizações e do enxugamento dosetor público (Administração Direta), o declínio foi constante. Nesse sentido, em 1998, aparticipação havia caído para 2,45%; para 2,41% em 1999; para 2,12% em 2000; e para1,99% em 2001.

12 Antes do “boom agrícola do milagre” (1968-80 aproximadamente), a produção primáriaregional caracterizava-se por um regime de policultura. Durante o milagre, especializou-serapidamente no binômio trigo-soja, configurando uma situação de quase-monocultura. Du-rante a crise dos anos 80, sem o crédito barato, nem os subsídios, nem os preços mínimosdos anos 70, essa estrutura teve flexibilidade suficiente para articular o importante proces-so de diversificação produtiva acima referido.

13 A agropecuária regional produz mais da metade do PIB do setor no Estado. Em 1990,produziu 52,73% do setor no Rio Grande do Sul e, em 2001, atingiu 54,63%. A agroindústriada região acompanhou essa tendência, mas com cifras mais expressivas. Em 1990,

dessa cidade é constituído por atividades governamentais das três esferas degoverno. Isso significa que, mensalmente, há um grande ingresso líquido derenda (massa de salários) pago a residentes pelo setor público (estadual e fe-deral). Ora, essa massa salarial, bem como outras despesas de custeio dosetor público, sofreu uma notável queda real nos anos 90, por conta do corteneoliberal que caracterizou as políticas públicas durante a década,11 em especialo enxugamento do setor público.

A Região Norte, em grande parte formada pelo planalto rio-grandense,tem apresentado desempenho diferente do da Região Sul, embora mantendo emcomum o fato de sua base econômica estar calcada na agropecuária (27,6% doPIB regional provêm desse setor). As semelhanças, todavia, param por aí. Alémde possuir uma estrutura de propriedade da terra rural predominantemente cons-tituída por pequenas e médias propriedades, e, talvez, até por essa razão, reto-mou, nos anos 80 e 90, o caminho da diversificação econômica, rearticulandopelo menos seis linhas de produção ou cadeias representadas por soja, milho,carnes suínas e de aves, laticínios e fumo.12 Apesar de todas as dificuldadesinternas e externas à economia brasileira nos anos 90, os resultados obtidosforam significativamente superiores aos da Região Sul, igualmente de baseagropecuária. De fato, a Região Norte manteve participações relativas no PIBestadual flutuando em torno de 27,68% (média aritmética de sete anos da déca-da). Esse resultado global foi assegurado pelos desempenhos integrados daagropecuária e da indústria regional,13 dado que o setor serviços experimentoupequena queda relativa com relação ao Estado nesse período.

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Três aspectos relevantes contribuíram para o avanço do setor produtivoregional da Região Norte na década de 90. O primeiro refere-se à reconversãooperada pelos produtores agrícolas regionais face ao corte do apoio governa-mental à agricultura a partir do início dos anos 80. O segundo foi o papel dearticulador exercido, junto aos produtores rurais da região, pelas cooperativasremanescentes da crise que as atingiu nos anos 80. O terceiro foi a reestruturaçãointernacional, reproduzida e consolidada no País, nos anos 90. Tal como ocorreuem âmbito nacional, a reestruturação do agronegócio na região fez-se com basena concentração, na centralização e na desnacionalização de atividades, tantoa montante quanto a jusante da agropecuária. Os segmentos mais atingidos poresse processo foram a avicultura, os derivados do leite e do fumo e as máquinase implementos agrícolas.14

A Região Nordeste reveste-se de características bem distintas das de-mais macrorregiões do ponto de vista da estrutura econômica. Apenas 3,50%(em 2001) da sua produção é de origem agropecuária, sendo o restante (96,50%)gerado pela indústria e pelos serviços, atividades tipicamente urbanas. Outracaracterística que a distingue do resto do Estado procede do fato de mais dametade do seu PIB (51,57% em 2001) ser industrial.

Do ponto de vista do desenvolvimento econômico, é a área que acumuloumaior volume de investimentos em geral ao longo do século XX, mas especial-mente na sua segunda metade, assegurando-lhe a consolidação da posição deregião mais desenvolvida do Estado. Corrobora essa afirmação o fato de esta-rem aí concentrados 70% (em 2001) do parque industrial gaúcho, 61% (em 2001)de todo o movimento comercial e, ainda, mais da metade da oferta dos demaisserviços do Rio Grande do Sul. Tal volume de atividades econômicas e de infra--estrutura, aglomerado numa extensão territorial equivalente a 9,7% do total doEstado, exerce uma forte atração em relação não só aos capitais, mas tambémà população em busca de melhores condições de vida. Nesse sentido, o movi-

contribuía com 17,24% do PIB industrial do Estado e, em 2001, com 20,06%. Os principaisgêneros industriais são: produtos alimentares (carnes de aves e suínas, soja e lácteos),mecânica (máquinas e implementos agrícolas) e fumo. Embora os dois primeiros ramostenham localização dispersa na região, deve-se destacar que uma parte desses trêsgêneros, tendencialmente, vem se localizando a oeste e próximo da RMPA. Dos 20,06% departicipação relativa da indústria regional, 8,44% são produzidos em apenas sete municí-pios localizados nas proximidades da RMPA (Estrela, Lajeado, Santa Cruz do Sul, Taquari,Teutônia, Venâncio Aires e Vera Cruz), constituindo, em alguma medida, uma extensão doseu campo aglomerativo.

14 Sobre a reestruturação do agronegócio no Brasil e no Rio Grande do Sul, nos anos 90, verBenetti (2000).

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mento migratório entre as três macrorregiões apresenta saldo positivo somentena Região Nordeste, apresentando-se negativo nas demais.15

Outra característica peculiar da Região Nordeste refere-se à suaterritorialidade, na medida em que reúne, pelo menos, duas dimensõesaglomerativas, uma de caráter metropolitano (RMPA) e outra, ainda, não metro-politana (AUNE). Essas áreas são, inegavelmente, as mais dinâmicas da eco-nomia gaúcha. Há, ainda, uma extensa área situada entre esses dois aglomera-dos, denominada Região Perimetropolitana, cuja dinâmica espacial depende,fundamentalmente, do desempenho dos dois aglomerados anteriormente cita-dos.16

As mudanças estabelecidas pela política econômica do País (abertura co-mercial, Plano Real com câmbio apreciado artificialmente e política monetáriacom altas taxas de juros) representaram um remédio amargo para a economiagaúcha, pelo menos até janeiro de 1999. Nesse período, o segmento industrialexportador foi duramente atingido, perdendo competitividade devido ao câmbiosobrevalorizado. Grande parte desse segmento está localizada na Região Nor-deste, o que levou a mesma a sofrer uma perda na participação no PIB industrialdo Estado, de 69,96% em 1990 para 66,15% em 1998. A maxidesvalorização dejaneiro de 1999 representou a remoção da principal restrição à expansão dasexportações na época. O reflexo dessa ocorrência sobre o desempenho indus-trial da Região Nordeste foi a retomada do espaço perdido no contexto estadual,alcançando 67,95% em 1999, 71,81% em 2000 e 70,35% em 2001.17

15 Estimativa realizada por Bandeira (2003, p. 541) mostra que, no período 1980-91, o saldomigratório da Região Nordeste foi de 414.565 habitantes e de 153.431 habitantes entre1991 e 1996. Apesar da tendência decrescente desse saldo, o mesmo pode ser conside-rado elevado.

16 Há outros recortes territoriais singulares na Região Nordeste, como o Litoral Norte e a ÁreaTurística da Serra (Gramado, Canela e Nova Petrópolis). Esta última está incluída na RPPA.O Litoral Norte não será analisado no âmbito deste artigo devido à sua baixa participaçãona formação do PIB gaúcho: apenas 0,88% em 2001. Todavia merece registro devido à suaprópria configuração espacial. Trata-se de um conjunto de municípios (Arroio do Sal,Capão da Canoa, Cidreira, Imbé, Osório, Torres, Tramandaí e Xangri-Lá), cujas áreasurbanas estão situadas ao longo da costa (Litoral Norte), grande parte delas conurbadas.A economia desse recorte depende, fundamentalmente, do fluxo sazonal (dezembro afevereiro) de turismo interno. Na verdade, são cidades balneárias.

17 A queda na participação entre 2000 e 2001 foi devida, no plano externo, à desaceleraçãosincronizada da economia mundial, com forte retração nos EUA, desaceleração na Europa,recessão no Japão e agravamento da crise argentina (Calandro; Campos, 2002, p. 129).No plano interno, a taxa de juros interrompeu a tendência declinante do ano anterior, ocâmbio deixou de se desvalorizar, e reduziu-se, significativamente, a capacidade ociosado parque fabril do Estado. Resultado: a indústria de transformação do Rio Grande do Sulcresceu apenas 2,7% em 2001. Grande parte dos gêneros que apresentaram resultados

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negativos mais expressivos são aqueles que estão, majoritariamente, situados na RegiãoNordeste (química; produtos alimentares; vestuários, calçados e artefatos de tecidos; ematerial elétrico e de comunicações). Apresentaram desempenho positivo os gênerosmaterial de transporte e mecânica. Ambos estão localizados predominantemente na RegiãoNordeste, mas a mecânica tem forte presença na Região Norte do Estado, com a produçãode máquinas e implementos agrícolas. Foi justamente esse segmento o que mais cresceuem 2001, movido pela forte expansão agrícola e por um expressivo programa de créditodo BNDES, o Moderfrota. Essa expansão contribuiu para o aumento da participação relati-va da Região Norte no PIB industrial do Estado, de 19,03% em 2000 para 20,06% em 2001,e para uma queda dessa participação da Região Nordeste, de 71,81% para 70,35% nomesmo período.

18 O aumento mais significativo ocorreu entre 1990 e 1996, quando a participação relativapassou de 55,93% para 59,92%. A partir daí, o avanço obedeceu a pequenas flutuaçõesaté alcançar 61,28% em 2001.

O Setor Terciário apresentou resultado mais consistente do que a indústriada Região Nordeste no contexto do Estado, na medida em que elevou persisten-temente, sem flutuações significativas, sua participação no PIB do setor do RioGrande do Sul, passando de 51,03% em 1990 para 53,24% em 2001. Até ondea abertura dos dados do PIB terciário permite observar, foi o comércio de merca-dorias o maior responsável pelo avanço verificado por esse tipo de atividade daRegião Nordeste no contexto estadual. O comércio da região elevou expressiva-mente sua participação no PIB do comércio do Rio Grande do Sul, de 55,93%em 1990 para 61,28% em 2001.18 Uma confirmação dessa constatação podeser observada pelo tamanho do emprego formal (RAIS) da Região Nordeste nototal do Estado. Em 2001, essa região detinha 65,8% do emprego formal urbanodo Rio Grande do Sul, uma prova inconteste da grande concentração da deman-da por consumo no Estado.

Com base nessas observações, que envolvem as macrorregiões Sul, Nortee Nordeste, pode-se concluir, portanto, que o quadro de desigualdades regionaisno Rio Grande do Sul agravou-se nos anos 90. Numa década de taxas de cres-cimento modestas, tanto no Brasil como no Rio Grande do Sul, a iniqüidademacrorregional foi aprofundada, principalmente, pelo declínio persistente da Re-gião Sul, uma tendência semi-secular.

2 - O desempenho de alguns recortes regionais notáveis no Rio Grande do Sul

O aprofundamento das disparidades regionais no Estado é revelador daineficiência relativa dos mercados na tarefa de alocação eficiente dos recursos

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no território e de estabelecimento de processos convergentes de desenvolvi-mento, bem como da incapacidade governamental para mitigar, através de suaspolíticas, esses desequilíbrios regionais. Apesar de esclarecedoras, essasconstatações encobrem alguns aspectos próprios do desenvolvimento regional,principalmente no interior dessas formações regionais. Por essa razão, convémexaminar o desempenho e a configuração territorial dos recortes mais importan-tes dessas macrorregiões, em termos de dinamismo, sob os impactos dareestruturação e das políticas econômicas vigentes nos anos 90.19

Na Macrorregião Sul, destaca-se o conjunto de municípios que constitui aAusul20, localizada no sudeste da região. A importância dessa aglomeração, emtermos de geração do produto, variou, nos anos 90, com tendência de quedarelativa, acompanhando o comportamento da região como um todo. Essa ten-dência verificou-se não só com relação ao produto total, mas tambémsetorialmente. A Ausul, em especial as Cidades de Pelotas e Rio Grande, sem-pre exerceu um papel polarizador do desenvolvimento regional, não só nas fasesde expansão econômica, quando chegou, inclusive, a ser o principal centro in-dustrial do Estado,21 mas também durante o longo declínio econômico e socialexperimentado pela região. Nos anos 90, a Ausul produziu em torno de umquarto do PIB total da macrorregião, mais de 50% do seu PIB industrial e poucomais de um terço do comercial, tendo, inclusive, ampliado sua participação nes-ses dois setores, no contexto da Região Sul, nos anos 90. Cabe, no entanto,desagregar essas informações para verificar o que, de fato, ocorreu com a eco-nomia desses dois centros urbanos.

Do ponto de vista econômico, a Cidade de Pelotas foi a mais atingida pelosimpactos da reestruturação, pela abertura comercial e pelo acordo do Mercosulnos anos 90. Esses fatores acabaram por reforçar, nesse período, o longo declínioeconômico a que o município esteve submetido por muitas décadas. Em 1990,o município gerava 2,64% do PIB estadual, caindo para 1,70% em 2001.22 Aqueda ocorreu em todos os setores da economia urbana, mas o pior resultadofoi observado na indústria pelotense, outrora o carro-chefe da economia do muni-cípio. Esse setor representava 3,01% da produção industrial do Estado em 1990,

19 Considera-se que as políticas econômicas incorporaram, por inteiro, os freqüentes cho-ques externos nos anos 90, que afetaram, tão diretamente, a economia brasileira.

20 Essa aglomeração foi constituída inicialmente por Pelotas e Capão do Leão (LC nº 9.184,de 26.12.1990). Em dezembro de 2002, foi acrescida de Rio Grande, São José do Nortee Arroio do Padre (LC nº 271/2002).

21 Até, pelo menos, o final do século XIX.22 Em 1939, essa participação era de 4,78%.

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passando para 1,02% em 2001, certamente a marca mais baixa da sua história.Tal desempenho teve como contrapartida, no plano social, a perda de 50,37%dos empregos formais (RAIS) do setor,23 queda não determinada pela moderni-zação do parque industrial, mas, sim, pela perda pura e simples da funçãomanufatureira que a cidade desempenhou no passado.24 Nesse sentido, há si-nais de que Pelotas consolida o papel de importante centro regional de comércioe serviços do sudeste do Estado.

A economia da Cidade de Rio Grande teve uma trajetória distinta da dePelotas nos anos 90. Embora façam parte da mesma formação regional, há, nocaso de Rio Grande, algum tipo de singularidade,25 que lhe tem asseguradoresultados distintos dos alcançados pela cidade vizinha. Na verdade, pelo me-nos depois de 1939, a economia de Pelotas apresentou níveis mais elevados deatividade em termos do PIB, todavia a diferença veio diminuindo até que, a partirde 1996, Rio Grande passou a ocupar a dianteira.

O que impulsionou a economia de Rio Grande nos anos 90 foi, novamente,a performance expressiva do setor industrial, que produzia 2,98% do produtoindustrial gaúcho em 1990 e passou para 4,08% em 2001.26 Essa expansão foicalcada em dois gêneros industriais presentes há muito tempo no município, asaber, o de produtos alimentares — com destaque para a produção de óleosvegetais em bruto — e o da química — constituído por dois segmentos, o derefino de petróleo e derivados e a fabricação de fertilizantes fosfatados,nitrogenados e potássicos. O ramo dos fertilizantes teve um forte estímulo nosúltimos anos desse período, integrado que esteve à notável expansão da agricul-tura. Cabe sublinhar que o avanço industrial de Rio Grande apenas consolidou aespecialização do município na produção de produtos químicos e alimentares,

23 Em 1990, a indústria pelotense empregava formalmente 16.320 trabalhadores (RAIS), pas-sando para 8.100 em 2001.

24 Em 1939, o parque industrial de Pelotas representava 5,97% do produto do setormanufatureiro do Rio Grande do Sul.

25 Historicamente, a Cidade de Rio Grande tem sido a porta de saída e de entrada daprodução do Estado. Por essa razão, dispõe de uma infra-estrutura portuária que acredencia a se integrar a todo o movimento de expansão da economia gaúcha. Na verdade,a cidade tem sido privilegiada com o aporte de investimentos, públicos e privados, toda vezque a economia do Estado necessita melhorar a circulação de suas mercadorias até oExterior. Foi assim nos anos 70, com investimentos na modernização do próprio porto, naconstrução de terminais graneleiros e na melhoria dos acessos rodoviários (rodovia 392).Mais recentemente, nos anos 90, verificou-se novo movimento no sentido de modernizar oporto para atender às demandas oriundas do acordo do Mercosul, bem como do(s) projeto(s)automotivo(s) que ingressava(m) no Rio Grande do Sul.

26 Em 1990, o município gerava 2,37% do PIB estadual, passando para 2,58% em 2001.

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não havendo nada que aponte para o início de um processo de diversificaçãoindustrial, o que seria desejável. Esse movimento da indústria rio-grandina asse-gurou, pelo menos, a manutenção dos empregos formais do setor, chegando aoano 2001 com 8.845 empregados (RAIS), praticamente o mesmo número exis-tente em 1990.

A análise do desempenho da Ausul permite concluir que a passagem demais uma década reproduziu, para o principal pólo de desenvolvimento daMacrorregião Sul, a mesma tendência declinante dos decênios anteriores quan-to à sua importância relativa no quadro do Estado. Nesse cenário, dois aspectosdevem ser destacados. De um lado, a recuperação expressiva da indústria deRio Grande, insuficiente para compensar as perdas do resto da economia daAusul. De outro, a acentuada desindustrialização, absoluta e relativa, de Pelotase sua consolidação no papel típico de centro regional de comércio e serviços.27

Há, ainda, outros três recortes regionais importantes a serem estudados: aRMPA, a AUNE e a RPPA.28 Esses três conjuntos regionais têm característicaspróprias, mas funcionam articuladamente entre si, com o resto do Estado e como Exterior, constituindo o maior complexo urbano industrial do Estado. Em tornode 94% da produção dos três recortes é urbana. Além disso, em apenas 10,35%do território estadual estão concentrados 79,19% do parque industrial gaúcho,63,32% do movimento comercial e 55,05% das atividades terciárias. Esse graude concentração espacial aumentou nos anos 90, especialmente nos setorescomercial e industrial. Qual foi, então, o desempenho de cada um desses trêsrecortes regionais? Iniciemos com a RMPA.

Foi na RMPA que ocorreram as mudanças mais significativas observadasna década. Na área do trabalho, o aspecto mais negativo foi o aumento persis-tente do desemprego até 1999 pelo menos,29 acompanhado de forte precarizaçãodas condições de trabalho. Mudança igualmente relevante ocorreu na trajetóriaespacial da indústria, na década de 90. Na segunda metade dos anos 70 e nosanos 80, havia indicativos de que se desenhava um processo de desconcentraçãoindustrial no Estado a partir de Porto Alegre (Alonso; Bandeira, 1988). Nesse

27 Vinte e cinco por cento dos empregos formais (RAIS) do comércio e 28% do Setor Terciárioda Macrorregião Sul estavam na Ausul, nos anos 90.

28 Esses três recortes regionais são contíguos e estão localizados majoritariamente, masnão totalmente, na Macrorregião Nordeste. A RPPA ultrapassa os limites dessa macrorregiãoa oeste, configurando um trecho territorial contíguo à RMPA com significativa expressãoeconômica.

29 Em 1993 (primeiro ano da pesquisa PED-RMPA), a média anual do desemprego foi de 12,2%;em 1994, 11,3%; em 1995, 10,7%; em 1996, 13,1%; em 1997, 13,4%; em 1998, 15,9%;em 1999, 19,0%; em 2000, 16,6%; e, em 2001, 14,9%.

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30 Sobre a desconcentração industrial brasileira, ver Diniz e Lemos (1986), Azoni (1986) eDiniz (1993).

31 A RMPA gerava 47,91% do PIB industrial do Rio Grande do Sul em 1998; em 1999, 50,67%;em 2000, 54,70%; e, em 2001, 54,10%.

32 Certamente, esse avanço foi decorrente dos novos investimentos realizados na expansãoda indústria química em Canoas (Refinaria Alberto Pasqualini), em Triunfo (Pólo Petroquímico)e também em Gravataí (implantação do complexo automotivo da General Motors).

33 Esse fato pode ser comprovado pelo tamanho das atividades de serviços na estrutura doproduto local. Em Novo Hamburgo, por exemplo, o Terciário representava 33,51% do pro-duto local em 1985; em 1990, 40,64%; e, em 2001, 44,62%. Já em São Leopoldo, nosmesmos anos, os serviços representavam 32,67%, 37,14% e 55,04% respectivamente.

sentido, diversos ramos industriais passaram a preferir o entorno da capital emsuas escolhas por localização. Mais ainda, alguns gêneros passaram a crescermais rapidamente fora dos limites da RMPA, reforçando o processo dedesconcentração da indústria de forma ampliada. Na verdade, o que se proces-sava no Rio Grande do Sul nada mais era do que a reprodução do que vinhaocorrendo em nível de Brasil.30

A queda relativa da participação da indústria metropolitana no total do pro-duto do parque industrial gaúcho, nos anos 90, ocorreu até, aproximadamente,1998, tendo, a partir daí, havido uma inflexão nessa tendência. Os anos 1999,2000 e 2001 atestam, cabalmente, uma clara tendência à reconcentração indus-trial na RMPA.31 A retomada do processo de concentração espacial da indústriaocorreu com maior intensidade em apenas três municípios, dois deles (Canoase Gravataí) localizados em áreas bastante críticas do ponto de vista da aglome-ração de atividades. O terceiro é Triunfo, que sedia o Complexo Petroquímico doSul. Esses três municípios, em conjunto, representavam 18,57% do PIB indus-trial do Estado em 1990, passando a 23,28% em 2001.32

As redefinições espaciais da indústria na RMPA contemplam também orecuo de centros manufatureiros tradicionais como Porto Alegre, Novo Hambur-go e São Leopoldo. Em conjunto, esses três municípios geravam 16,55% daprodução manufatureira gaúcha em 1990, diminuindo para a 12,19% em 2001.Na verdade, essa tendência não é recente. Sinais evidentes de desindustrializaçãorelativa já haviam sido constatados, a partir de 1970, em Porto Alegre (Alonso;Bandeira, 1988) e, desde os anos 80, nos casos de Novo Hamburgo e SãoLeopoldo. Simultaneamente, os três centros vêm assumindo, progressivamen-te, o papel de cidades “terciárias”,33 sendo esta uma tendência revelada nosanos 90. Na origem dessas mudanças, estão os altos preços da terra urbana eos custos generalizados de congestionamento, que decorrem de excessiva aglo-meração de atividades em limitados recortes territoriais.

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A mobilidade espacial das atividades econômicas urbanas (indústria maisserviços), que reflete tanto o processo de dispersão de algumas quanto o deconcentração de outras, acaba por extravasar os limites da região metropolitanalegal, apesar dos repetidos redimensionamentos territoriais ocorridos na mes-ma, durante a década em estudo. Nesse sentido, o entorno da RMPA transfor-mou-se, progressivamente, em um receptáculo de atividades, geralmente indus-triais, que se tornaram “quase inviáveis” nas aglomerações mais densas do pe-rímetro metropolitano. Com efeito, quando precisam expandir suas plantas, asempresas buscam alternativas em áreas próximas à metrópole, para não perdero vínculo com algumas externalidades positivas da mesma e, ao mesmo tempo,para reduzir custos. O entorno da mesma é a RPPA.

No seu todo, esse recorte regional manteve, praticamente, sua participa-ção na formação do PIB estadual em torno de 9% ao longo da década de 90.Todavia a RPPA apresenta algumas especificidades em pelo menos duas áreas.A primeira é constituída pelos Municípios de Canela, Gramado, Nova Petrópolise São Francisco de Paula, que muitos consideram o principal eixo turístico doEstado, devido à desenvolvida infra-estrutura turística ali existente. A segundaárea está localizada a oeste da RPPA, sendo constituída por oito municípios,34

em certa medida contíguos e que receberam, nas últimas décadas, investimen-tos industriais que, no passado, tenderiam a dirigir-se à RMPA. Na verdade,parece tratar-se de uma extensão do campo aglomerativo da RMPA. Esse con-junto de municípios representava 8,69% da produção industrial do Estado em2001, 6,64% em 1985 e 8,27% em 1990.

Tais resultados são puxados pela indústria do fumo, localizada, predomi-nantemente, em três municípios: Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e VeraCruz. Na verdade, a indústria fumageira é, historicamente, ligada a essa região,em especial a Santa Cruz do Sul. A reestruturação procedida nesse ramo indus-trial, nos anos 90, foi marcada por grandes investimentos realizados por empre-sas multinacionais do setor em plantas novas e no reforço dos vínculos com omercado externo. A indústria de produtos alimentares exerceu, igualmente, umpapel importante na formação dos resultados obtidos por esse conjunto de mu-nicípios. Desde a década anterior, essa área da RPPA foi receptora de parte dacadeia coureiro-calçadista35, que, já nos anos 80, se “desprendia” dos municí-pios do Vale do Sinos em busca de mão-de-obra barata e de outros custosmenores nas imediações da RMPA.

34 Os municípios são os seguintes: Estrela, Lajeado, Roca Sales, Santa Cruz do Sul, Taquari,Teutônia, Venâncio Aires e Vera Cruz.

35 Estamos nos referindo, especialmente, às atividades compreendidas pelos gêneros “couros, peles e similares” e “vestuário, calçados e artefatos de tecidos”.

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A AUNE e a RMPA constituem as duas regiões mais dinâmicas do RioGrande do Sul. Na década de 90, a AUNE praticamente manteve sua posiçãorelativa na formação do PIB estadual em torno de 9%. Do ponto de vista setorial,a única modificação importante registrou-se na agropecuária regional, com oaumento da participação no produto agropecuário estadual de 3,96% para 5,38%entre 1990 e 2001. Em 1985, essa participação era de 2,59%, o que marca 16anos de crescimento acima da média da agropecuária do Estado.36 Os segmen-tos que mais contribuíram para a consolidação dessa tendência foram, na pro-dução de origem animal, a suinocultura e a avicultura (galinhas e ovos). A lavourateve três destaques especiais, sendo o primeiro a produção de alho, que passoude 2.991 toneladas em 1990 (32% da produção estadual) para 13.784 toneladasem 2001 (56% do total do Estado). Na fruticultura regional, dois produtos fize-ram diferença significativa na década, comparativamente à produção total doEstado. De fato, a participação relativa na produção de pêssego passou de 10,54%em 1990 para 25,50% em 2001, e, no caso do caqui, evoluiu de 15,93% em1990 para 36,19% em 2001. O setor industrial, por sua vez, é o carro-chefe daeconomia regional, tendo realizado — já a partir do final dos anos 80 e durantea década seguinte — um intenso movimento de ajuste estrutural, o que lhegarantiu a continuidade da inserção favorável na acirrada concorrência global.

3 - Considerações finaisAs repercussões territoriais das mudanças econômicas ocorridas, nos anos

90, no Rio Grande do Sul acabaram por confirmar algumas constatações e pre-visões realizadas anteriormente, no sentido de que as disparidades regionaistenderiam a se agravar, se nenhuma providência fosse estabelecida com a fina-lidade de mitigar a tendência divergente dos padrões de renda regional no Esta-do. Em termos de política regional, pouco ou nada foi feito na década de 90.Apenas algumas intervenções pontuais foram realizadas, tendo sido este o casodo Programa Reconversul (linha de crédito do BNDES para empreendimentos daMetade Sul), sendo elas impotentes, todavia, para iniciar e sustentar um movi-mento de recuperação da renda regional.

36 Essa marca da agropecuária regional foi obtida mediante a diversificação do perfil deprodutos e do aumento de produtividade em geral. Considere-se que a AUNE representaapenas 1,36% do território gaúcho e que boa parte das áreas destinadas ao setor sãoimpróprias ou inadequadas para os diversos cultivos ou criações, devido ao fato de atopografia ser muito acidentada.

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O cenário regional gaúcho nos anos 90: convergência ou mais desigualdade?

Sem política, ou com uma política regional insuficiente para romper o círcu-lo vicioso das disparidades no Rio Grande do Sul, os resultados da análise dodesempenho das macrorregiões apontam um alargamento dos diferenciais derenda entre a Região Sul (Metade Sul) e as demais (Regiões Norte e Nordeste).Mais ainda, a Metade Sul perdeu participação no PIB estadual em todos ossetores. Não é uma tendência nova. É antiga, semi-secular, apenas agravadaentre 1990 e 2001 pelo ajuste estrutural a que foi submetida a economia brasilei-ra. A Macrorregião Norte, por seu turno, apresentou crescimento acima da mé-dia do Estado tanto na agropecuária quanto na indústria, e a Macrorregião Nor-deste somente apresentou expansão na agropecuária.

A iniqüidade regional gaúcha não se esgota nessa dimensão regional. Aocontrário, quanto mais desagregadamente analisarmos as disparidades, maisnítido fica o cenário desigual que caracteriza a economia do Estado. Nessesentido, tomando quatro recortes regionais (RMPA, RPPA, AUNE e Ausul),observa-se a mesma tendência e também outros aspectos das desigualdadesregionais, como, por exemplo, a questão da concentração geográfica da produ-ção industrial e dos serviços e todas as implicações econômicas que daí advêm.

As análises do tema da concentração espacial das atividades (uma dasfaces das disparidades regionais) urbanas realizadas com informações até 1998não revelavam com clareza um movimento de inflexão do processo dedesconcentração produtiva no Rio Grande do Sul. Todavia, examinando a rela-ção dos novos investimentos industriais, em especial os incentivados pelo Go-verno, observava-se uma nítida opção locacional dos grandes empreendimentosno interior do complexo metropolitano. Era o prenúncio de um movimento dereconcentração urbano-industrial no Estado. A produção industrial da RMPA,que havia perdido peso no total do Estado — de 51,26% em 1990 para 47,55%em 1997 —, passou a crescer no período posterior, até atingir 54,1% em 2001.A mesma tendência ocorreu com o comércio de mercadorias da região. Ficaevidente, sob essa ótica, um agravamento do quadro de disparidades regionaisno Rio Grande do Sul. Os sinais de convergência apontados por algumas análi-ses — até 1980-85 para o Brasil e até 1997 para o Rio Grande do Sul — não seconfirmaram nos anos seguintes. Ao contrário, ao final do século XX, o quepresenciamos não foi a continuidade da convergência, mas, sim, uma amplia-ção das desigualdades regionais de renda.

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Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil

Infra-estrutura de transporte epotencialidade agrícola

do Brasil

Juan Vicente Jose Algorta Plá Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS.Salimar Salib Aluna de Graduação da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS.

ResumoA expansão agrícola no Brasil, em anos recentes, seguiu um padrão regionalbem-definido: começando na Região Sul, evoluiu para a Região Sudeste nadécada de 70 e, mais tarde, para a Centro-Oeste. Entre 1970 e 1995, foi aRegião Centro-Oeste a que maior expansão produtiva apresentou. Essa expan-são incluiu, principalmente, a soja, o arroz, o girassol, o milho e o algodão.A disponibilidade de uma adequada infra-estrutura de transporte e beneficiamentoé a condição necessária para que essa expansão aconteça, abrindo novasáreas para a agricultura. Os corredores de transporte multimodal constituem apeça-chave que vem possibilitando essa expansão.

Palavras-chaveExpansão agrícola; transporte multimodal; agroindústria.

AbstractThe expansion of agriculture in Brazil, in recent years, adopted a well definedregional pattern: starting from South it advanced towards the South-East in thedecade of 70, and later on towards the Center-West. Between 1970 and 1995 theCentral Western region exhibited the greatest expansion of production, includingsoybeans, rice, sunflower, corn and cotton. The availability of an adequateinfrastructure for transport and processing is the necessary condition for thisexpansion, allowing for the opening of new areas for agriculture. Multimodal

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transport systems constitute the main piece for the materialization of thatexpansion.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 13.05.03.

Muitas áreas com grande potencial agrícola no Brasil permanecem impos-sibilitadas de contribuir produtivamente devido a dificuldades causadas pela faltade uma adequada infra-estrutura de transportes. Com o objetivo de viabilizar oescoamento da produção de regiões que, embora apresentem um ótimo poten-cial de produção, estão localizadas a grandes distâncias dos centros deprocessamento e de comercialização, vem-se estudando alternativas de trans-porte através do uso combinado de rodovias, hidrovias e ferrovias.

A importância dos transportes em relação à expansão agrícola já foi estu-dada anteriormente por vários autores. As primeiras análises sobre a distribui-ção espacial da produção foram conduzidas por Von Thünen (1826), Economistada escola alemã, em estudo sobre a questão da localização das atividadeseconômicas, privilegiando o custo do transporte das commodities na explicaçãodo desenvolvimento dos espaços geográficos.

O modelo de Von Thünen sugere que, quanto menor for a relação valor//volume da produção agrícola, menor deverá ser a distância entre a regiãode produção e o centro consumidor. Segundo esse modelo, quanto mais o pro-dutor se afastar do centro consumidor, menor será a renda de localização perce-bida, devido ao esgotamento do sobrelucro dado pelo diferencial do custo detransporte.

Há uma percepção generalizada da necessidade de investimentos eminfra-estrutura, visando à redução dos custos de transportes no Brasil, haja vistaa existência de enormes áreas potenciais para a expansão agrícola. Este traba-lho busca reunir as estimativas da área potencial a ser incorporada à produçãoagrícola no Brasil, no médio prazo, com a implantação de corredores de trans-porte multimodal nas Regiões Noroeste, Centro-Oeste, Nordeste e Centro--Leste.

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Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil

1 - A infra-estrutura de transportes do BrasilA partir da segunda metade dos anos 50, concedeu-se prioridade, no Bra-

sil, ao desenvolvimento do modal rodoviário de transporte. A justificativa foi que oinvestimento na construção de rodovias era menor em comparação com o reque-rido pelas ferrovias, ao que se deve acrescentar a maior flexibilidade do transpor-te rodoviário (serviço de porta em porta). Por outro lado, não foi pouco importantea pressão das montadoras automobilísticas que estavam se instalando noBrasil. A malha ferroviária hoje existente foi implantada, em sua maior parte,antes da década de 50, e sua manutenção não foi adequada, enquanto as hidroviaspermaneceram abandonadas por longos períodos até sua revalorização recente,sendo as mais importantes as do Tietê—Paraná, Araguaia—Tocantins, Madeirae São Francisco (Licio, 1996).

Apesar de os modais ferroviário e hidroviário serem os mais adequados aosprodutos agrícolas, continua existindo, no Brasil, uma concentração no uso domodal rodoviário para escoamento de grãos. A modalidade rodoviária passou aser a mais utilizada, apesar dos custos variáveis elevados, o que prejudica acompetitividade internacional dos grãos brasileiros. O transporte por rodoviastorna-se mais caro por razões como a precariedade das estradas e as longasdistâncias percorridas. Dentre os seus principais problemas, podemos citarincorreções de traçado, inadequação das superfícies de rolamento, falta demanutenção, deficiências de sinalização e até ausência de acostamentos(Cunha, 1999).

Os modais ferroviário e hidroviário são mais adequados para o transportede produtos agrícolas devido às características das cargas e às respectivasmovimentações no Brasil, ou seja, grandes volumes, com concentração emcurtas épocas do ano, baixos quocientes valor/frete das mercadorias e longasdistâncias.

Com um melhor aproveitamento das ferrovias e das hidrovias, além deinvestimentos na melhoria de estradas, seria possível reduzir custos e aumentara competitividade dos produtos agrícolas nos mercados.

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1.1 - Exemplo: o caso da soja

Com os altos custos em transporte devido à utilização de malha viáriainadequada para grandes distâncias e serviços portuários caros e ineficientes, asoja brasileira fica em desvantagem nas exportações, quando comparada à sojaproduzida nos outros dois principais países produtores: a Argentina e os Esta-dos Unidos.

A Argentina, apesar de ter a rodovia como principal via de transporte, temmenores distâncias a percorrer. Já nos Estados Unidos, onde, assim como oBrasil, há grandes extensões a percorrer, a soja é transportada principalmentepor hidrovia.

O alto custo com transporte limita a expansão da agricultura devido aoimpacto que tem sobre o custo final de colocação dos produtos agrícolas nosmercados nacional e internacional. Para a soja produzida na região central doBrasil, os custos de transporte entre Campo de Parecis (MT) e o Porto deParanaguá (PR) chega a 30% do preço recebido (Anu. bras. Soja, 2001).

Gráfico 1

FONTE: Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot).

Matriz de transporte de cargas do Brasil — 1999

Hidroviário(1%)

Ferroviário(33%)

Rodoviário(63%)

Cabotagem(3%)

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Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil

1.2 - Evolução regional da produção de soja

Na atualidade, a soja é o principal produto agrícola do Brasil. Os estadosde produção mais tradicionais são: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná eSão Paulo, que apresentaram uma forte expansão entre 1965 e 1990. Houveuma retomada da expansão da soja nesses estados, nos anos 2000 e 2001, etambém nos Estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiânia, Maranhãoe Bahia, principalmente devido à utilização de tecnologias mais sofisticadas,como o plantio direto, ou a utilização de novas cultivares.

O desenvolvimento da tecnologia para cerrado possibilitou a expansão dasoja nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste. A expansão mais recente, no entan-to, vem acontecendo no Estado do Amazonas, em função da inauguração dahidrovia do rio Madeira. As hidrovias do Araguaia e do Tocantins possibilitarão aincorporação de novas regiões no médio prazo.

Tabela 1

Matriz de transportes da soja nos principais países produtores — 2001

VIAS DE TRANSPORTE E DISTÂNCIA

ESTADOS UNIDOS BRASIL ARGENTINA

Hidrovia (%) ............................... 61 5 2

Ferrovia (%) ............................... 23 28 16

Rodovia (%) ............................... 16 67 82

Distância média ao porto (km) 1 000 900 a 1 000 250 a 300

FONTE: Associação Nacional de Exportadores de Cereais.

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2 - A expansão da agricultura no BrasilPara atender às necessidades estratégicas da produção agrícola brasileira

no que se refere à infra-estrutura de transportes, é necessária a criação de umarede intermodal de transporte, com o objetivo de viabilizar a produção e oescoamento de grãos, integrando racional e competitivamente as áreas de pro-dução e os centros de consumo no país, ou pontos para exportação/importação.

O Governo Federal vem desenvolvendo, há alguns anos, estudos dirigidos àavaliação econômica das alternativas de escoamento da produção agrícolamediante o uso combinado de rodovias, hidrovias e ferrovias. Essa alternativaabriria novas fronteiras agrícolas, aumentando, assim, a área agrícola brasileira.

As perspectivas de abertura de novas fronteiras agrícolas em decorrênciados corredores de transporte multimodais são as de que a atual área agrícola

Gráfico 2

Evolução da produção brasileira de soja em cada região — 1994/95-2001/02

00 000 00002 000 00004 000 00006 000 00008 000 00010 000 00012 000 00014 000 00016 000 00018 000 00020 000 000

1994-95

1995-9

6

1996

-97

1997

-98

1998-9

9

1999-0

0

2000

-01

2001-02

Norte Nordeste

Sudeste Sul

Centro-Oeste

FONTE: Conab.

Legenda:

(t)

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Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil

brasileira possa dobrar, com os respectivos impactos sobre a renda e o empre-go. As áreas que podem ser incorporadas à produção agrícola a médio prazosão as dos cerrados, na região central e na nordeste do Brasil (Licio, 1996).Essa expansão da agricultura não iria provocar nenhum desmatamento, já queas áreas de florestas não seriam destinadas à produção agrícola.

2.1 - O cerrado brasileiro

O cerrado brasileiro é, desde os anos 70, a grande fronteira agrícola nacio-nal. É a região onde mais cresce a produção de grãos, considerada o grandepotencial agropecuário do País.

A ocupação da imensa área dos cerrados deu-se a partir dos anos 70, coma criação de tecnologias específicas para a condição de solo ácido e de baixafertilidade e clima tropical. Antes disso, a região era vista como improdutiva paraa agricultura.

A tecnologia para produção no cerrado incluiu a calagem do solo, a fertiliza-ção adequada e a utilização de rotações convenientes. O plantio direto possibi-litou a utilização de máquinas de alto rendimento, apropriadas ao trabalho nasextensas glebas da região.

Mapa 1

Região dos cerrados no Brasil

FONTE: USDA.

Cerrados

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Em 1975, foi lançada, por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesqui-sa Agropecuária (Embrapa), uma cultivar da soja adaptada à região e altamenteprodutiva chamada Tropical. Havia interesse do Governo brasileiro pela expan-são da produção da soja devido às crescentes demandas interna e externa.

A criação da cultivar Tropical possibilitou a rápida expansão da soja paraas regiões de fronteira. Isso viabilizou a implantação de indústrias de óleo,fomentou o mercado de sementes e deu estabilidade à exploração econômicade terras onde antes só existiam matos e cerrados.

A produção brasileira de grãos passou de 29,2 milhões de toneladas em1970 para 82,8 milhões de toneladas em 2000 (um aumento de 184%). Para2003, a produção de grãos está prevista em 122 milhões de toneladas. Juntocom a soja, houve uma importante expansão do girassol, do arroz, do milho e doalgodão. Hoje, o cerrado produz cerca de 50% de toda a produção nacional desoja, com média de rendimentos superiores à dos estados do sul e à nacional(Coelho, 2001).

2.1.1 - TecnologiaO desenvolvimento de tecnologias eficientes tornou produtivo e rentável o

cultivo das terras antes ácidas e pouco férteis, incluindo a utilização de calcáriopara neutralização do solo, de fertilizantes químicos e de cultivares adequadasao clima (EMBRAPA, 2002). Assim, a tendência de aumento na produção degrãos pode ser atribuída tanto ao aumento da área como ao da produtividade.A adoção do plantio direto representou um ponto de inflexão na evolução daagricultura, em função da redução dos custos, ao mesmo tempo em que contri-buiu para o controle da erosão do solo.

Embora os pacotes tecnológicos tenham obtido resultados positivos emrelação à produção e à produtividade a curto e a médio prazo, questionam-seseus impactos distributivos e ambientais no longo prazo.

2.1.2 - Impacto social e ambientalCom a ocupação dos cerrados, houve um aumento da concentração da

propriedade das terras. Todo o incentivo se deu para a grande produção, e osprodutores que obtiveram acesso ao crédito subsidiado optaram pelo plantio deculturas de maior rentabilidade, particularmente a da soja. A renda da terraaumentou fortemente com o aproveitamento das terras disponíveis nas localiza-ções mais vantajosas.

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Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil

A falta de políticas para a agricultura familiar levou ao êxodo rural. Entre1985 e 1996, houve uma diminuição de 19% nos postos de trabalho no campo,na Região Centro-Oeste (IFAS, 2002).

Além disso, a produção em grande escala da soja vem apresentando pro-blemas ambientais, como a erosão do solo; seria necessário aprimorar o uso datécnica de plantio direto e das rotações agrícolas. O desenvolvimento agrícolana Região deve levar em consideração os princípios conservacionistas na produ-ção de lavouras, viabilizando a produção com reduzidos impactos ambientais.O planejamento deve incluir um zoneamento ecológico que indique quais asáreas propícias para a agricultura e quais devem ser destinadas à preservação.

As hidrovias, quando manejadas corretamente, são menos impactantespara o ambiente do que as rodovias, já que não comprometem diretamente abiodiversidade. Obras de infra-estrutura devem ser planejadas de forma a evitar odesmatamento, a poluição e a inviabilização da pesca nos rios (Cunha, 1994).

As nascentes das três principais bacias hidrográficas — Platina, Amazônicae São Francisco — estão localizadas nos cerrados, logo, o mau uso do solo naregião pode trazer problemas, em particular, o assoreamento das barragens e aerosão das terras agrícolas.

2.1.3 - Área potencial agrícola dos cerradosA área potencial agrícola dos cerrados poderá ser utilizada sem causar

maiores problemas de natureza ambiental sempre que existir a preocupaçãocom a manutenção das áreas de reserva legal para conservação e com a utiliza-ção de técnicas de cultivo sustentável.

A área dos cerrados apresenta as condições ideais para o Brasil aproveitarum novo segmento do mercado agrícola mundial: a agricultura natural oubiológica. O Brasil dispõe do maior rebanho bovino verde (alimentado compastagens) do mundo, e vários locais já estão produzindo os chamados produ-tos orgânicos (Coelho, 2001).

Apesar da grande expansão verificada na produção agrícola nos cerrados,ainda existe uma imensa área pronta para entrar no processo produtivo. Segun-do dados da Embrapa, a área total dos cerrados é de 204 milhões de hectares,dos quais 77 milhões de hectares não podem ser cultivados, sendo áreas deconservação. Dos outros 127 milhões de hectares de área agricultável, 10milhões são utilizados com culturas anuais, 2 milhões com culturas perenes e35 milhões com pastagem cultivada. O potencial agrícola dos cerrados permite,assim, uma expansão em 80 milhões de hectares (Coelho, 2001).

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Essa grande área disponível carece de maior infra-estrutura. Grandes projetosdo Governo Federal estão sendo implementados para melhorar a eficiência eviabilizar o escoamento dos grãos, como os corredores de transporte multimodal.

2.2 - Os corredores de transporte multimodal

Os corredores de transporte Multimodal estudados neste trabalho são:Noroeste, Centro-Norte, Nordeste e Centro-Leste (Tabela 2).

2.2.1 - Corredor Noroeste

Área de influência e principais modais de transporte

A área de influência do Corredor Noroeste abrange áreas do norte do MatoGrosso, Rondônia e sul do Amazonas. Os principais modais de transporte são ofluvial (rios Madeira e Amazonas, entre sua foz e Itacoatiara) e o rodoviário(BR-364 e BR-163, entre Porto Velho e a Chapada dos Parecis).

Tabela 2

Área potencial para a expansão agrícola no Brasil

(milhões de ha)

CORREDORES ÁREA POTENCIAL

Noroeste .................................................. 20

Centro-Norte ............................................ 40

Nordeste .................................................. 10,4

Centro-Leste ............................................ 9,6

TOTAL ..................................................... 80

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Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil

Situação atual

A maior parte da área de influência do Corredor Noroeste está localizada naregião pré-amazônica e dispõe de excelentes condições de produção agrícola:solos (boa textura e profundidade), topografia plana, clima com períodos bem--definidos (chuva/estiagem) e precipitações totais bem-distribuídas, grandeluminosidade/insolação, temperaturas equilibradas com as necessidades dociclo produtivo de grãos e com o desenvolvimento da pecuária. Os principaisprodutos da região são grãos, sendo os principais soja, milho e arroz.

Situação potencial

As condições agroclimáticas na área de influência do Corredor Noroestesão extremamente favoráveis à produção de grãos. Existe um potencial agrícolaa ser incorporado ao processo produtivo de, pelo menos, 20 milhões de hectares(Licio, 1996).

O custo de transporte interno para as regiões da fronteira representou, nosúltimos anos, até 35% a 40% do preço final (CIF) da soja. Com a introdução dosmodais integrados de transporte, prevê-se substancial redução dos custos detransporte, com aumento da renda para o produtor brasileiro e de competitividadedo produto nacional (Anu. bras. Soja, 2001).

Os investimentos projetados para viabilização de infra-estrutura para a ope-ração desse corredor foram calculados pelo Ministério dos Transportes emUS$ 238 milhões entre investimentos públicos (estadual e federal) e privados(Licio, 1996).

2.2.2 - Corredor Centro-Norte

Área de influência e principais modais de transporte

A área do Corredor Centro-Norte compreende grande parte dos cerradoscentrais e setentrionais, abrangendo todo o Estado do Tocantins, sul do Maranhãoe do Piauí, sudeste do Pará, leste do Mato Grosso e noroeste de Goiás.

Os principais modais de transporte são os rios Araguaia, das Mortes eTocantins, as ferrovias Carajás e Norte—Sul, a rodovia Belém—Brasília e osportos Ponta da Madeira e Itaqui-MA, objetivando a exportação de grãos para aEuropa e o Oriente.

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Situação atual

Essa região é constituída por cerrados, com topografia plana, rica em águasfluviais e com alto índice de insolação, condições propícias à produção de grãos,à pecuária e à silvicultura. Mas, apesar das condições favoráveis ao desenvolvi-mento agrícola, a região apresenta, ainda, pouca expressão na produçãonacional de grãos (menos de 5% da produção nacional). Os principais pólos pro-dutores de soja na área do Corredor Centro-Norte são: Balsas (MA), Pedro Afonsoe Gurupi (TO), Uruçuí (PI), Nova Xavantina (MT), Barreiras (BA) e Rio Verde (GO).

Situação potencial

As melhores condições potenciais para a produção de grãos estão nessaregião, que tem uma perspectiva fantástica em termos de rendimento agrícola.Essa região tem um potencial produtivo para grãos entre 30 milhões e40 milhões de hectares, o que representa mais da metade da área plantadanacional (Braga, 1996).

Esse corredor tem potencial de canalização dos fluxos de cargas destina-das tanto à exportação, via portos de Itaqui e Ponta da Madeira (São Luís-MA),quanto ao abastecimento de grãos para os mercados internos dessa e de outrasregiões do País.

Os investimentos projetados para a implantação de infra-estrutura e logísticade transportes multimodais são de cerca de US$ 209 milhões (Ministério dosTransportes, 1996).

2.2.3 - Corredor Nordeste

Área de influência e principais modais de transporte

O Corredor Nordeste abrange os Estados de Minas Gerais (norte), Bahia,Pernambuco e Piauí.

O eixo viário principal desse corredor é o rio São Francisco e seus afluen-tes navegáveis (margem esquerda), a BR-242 (Barreiras—Salvador) e a BR-365(Pirapora—Entroncamento BR-040). No longo prazo, devem-se interligar às atuaisferrovias Salgueiro—Recife e Missões Velhas—Fortaleza, assim como suasextensões programadas até Petrolina e Juazeiro. Portanto, sua abrangência deveser vista pela seguinte ótica:

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Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil

- a extensão navegável do rio São Francisco, de Pirapora a Petrolina eJuazeiro, com três importantes portos intermediários — Januária (MG),Ibotirama e Barra (BA) —;

- a malha rodoviária a partir de Pirapora, num raio aproximado de 300km;- a malha rodoviária a partir de Petrolina e Juazeiro às Cidades de Recife e

Fortaleza, numa distância aproximada de 900km;- a ligação ferroviária entre Unaí e Pirapora (MG) e desta última ao Porto de

Tubarão (ES).

Situação atual

Essa região tem predominantemente o clima semi-árido tropical, apresen-tando temperaturas altas e constantes, insuficiência e irregularidade de precipi-tações, baixa umidade relativa do ar e alta luminosidade/insolação. Essas con-dições climáticas, embora desfavoráveis à agricultura de sequeiro, se tornamextremamente favoráveis quando associadas à irrigação. Em função dos custose dos níveis tecnológicos hoje existentes, a agricultura fica restrita a grãos (soja,milho, arroz e feijão) e à agricultura irrigada.

Situação potencial

A pecuária é uma atividade estratégica para o desenvolvimento dessaregião. O Corredor Nordeste é de importância fundamental para a agropecuárianacional, visto que a pecuária dessa região (uma das poucas atividades conso-lidadas e geradoras de emprego na região semi-árida) vem aumentando a suademanda por milho e rações à base de soja. Isso favorece uma maior integraçãocom a Região Centro-Oeste, que, com a implantação dos corredores, poderáabastecer essa região com custos de transporte altamente competitivos.

Os investimentos projetados para esse corredor são de US$ 743 milhões(Ministério dos Transportes, 1996), o que viabilizaria a expansão de 10,4milhões de hectares (Licio, 1996).

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2.2.4 - Corredor Centro-Leste

Área de influência e principais modais de transporte

A área de influência do Corredor Centro-Leste atém-se ao entorno do Distri-to Federal e ao Noroeste de Minas Gerais até Pirapora (MG) e desta a BeloHorizonte.

Seu tronco viário é formado pela Estrada de Ferro Vitória—Minas, entre oporto de Tubarão e Belo Horizonte, da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)pelo ramal ferroviário da RFFSA entre Belo Horizonte e Pirapora (MG), em fasede privatização, assim como pela extensão desse ramal — até a cidade deUnaí (MG), em fase de negociação para construção e operação pela CVRD.Desta última cidade, deverá estender-se ao sul de Goiás, até o Município deFormosa.

Situação atual

Essa região é constituída basicamente por cerrados, já em franca produ-ção, mas ainda com grande potencialidade de expansão tanto para grãos comopara pecuária. Atualmente, a área ocupada com grãos e pecuária está em tornode 1,5 milhão de hectares.

Situação potencial

Estimativas feitas em 1995 indicam uma área agricultável potencial para aregião do corredor em torno de 13 milhões de hectares, dos quais 9,6 milhões sãoconsiderados como áreas mecanizáveis para a produção de grãos (Licio, 1996).

Os investimentos projetados para esse corredor são de US$ 292 milhões(CVRD, 1995), oriundos da CVRD para a implantação do trecho ferroviárioUraí—Pirapora, com o objetivo de transportar grãos para exportação via porto deTubarão. Segundo a CVRD, a vantagem de escoamento de grãos pelo porto deTubarão em relação ao escoamento via porto de Santos é de mais de US$ 25 portonelada.

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Infra-estrutura de transporte e potencialidade agrícola do Brasil

3 - Outras consideraçõesA forte expansão da produção agrícola no Brasil deve-se, em larga propor-

ção, à expansão da soja viabilizada pelas novas tecnologias e estimulada pelademanda insatisfeita. Na segunda metade da década de 90, observou-se umarápida expansão da parcela exportada in natura. Contribuiu para esse fato aintensificação da demanda por grãos da China, que instalou, em anos recentes,sua indústria de esmagamento de soja.

Por outra parte, a Lei Kandir (1996) equalizou o tratamento tarifário doscomponentes do complexo/soja, tirando a vantagem que vinha sendo concedidaaos produtos derivados, com a finalidade de estimular o processamento noBrasil. Espera-se, no entanto, que a iniciativa privada venha a instalar maiorcapacidade de esmagamento nas regiões do Brasil central.

A expansão da produção de outros grãos como arroz, girassol, milho ealgodão, foi conseqüência do melhoramento dos corredores de transportemultimodal e da utilização de planos racionais de rotação de culturas e dodesenvolvimento da avicultura e da suinocultura. Há perspectivas de que a pro-dução de grãos venha a aumentar nos próximos anos em função da construçãode ampla rede de agroindústrias (Barbosa; Assumpção, 2001).

4 - ConclusãoA abertura dos novos corredores de transporte favorecerá a expansão da

área agrícola brasileira. No interior da área de influência de cada corredor, seránecessário desenvolver, ainda, malhas rodoviárias de alimentação. Ao mesmotempo, deve-se construir uma capacidade de armazenar e de processar ou deexportar a produção. A máxima expansão da área agrícola poderá atingir 80milhões de hectares (Tabela 2).

A capacidade de beneficiamento de grãos na Região Centro-Oeste apre-sentou forte expansão nos anos 90. A expansão da agricultura deverá continuar,e o beneficiamento do grão no Brasil deverá aumentar, na medida em que sejamrestabelecidos os incentivos para o processamento. A iniciação de novasopções tecnológicas, como a utilização do biodiesel, levará ao fortalecimento dademanda por óleo vegetal, estimulando o beneficiamento do grão no Brasil. Cabeum chamamento à necessidade de evitar os perigos da monocultura, definindorotações longas e sustentáveis, em que a soja seja apenas um componente.

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Referências

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BARBOSA, Maria Zeferino; ASSUMPÇÃO, Roberto de. Ocupação territorial daprodução e da agroindústria da soja no Brasil nas décadas de 80 e 90. Informa-ções Econômicas, São Paulo: Instituto de Economia Agrícola, v. 31, n. 11,p. 7-16, nov. 2001.

BRAGA, Adriana Reatto dos Santos et al. Potencialidade agrícola na região deinfluência do corredor de transporte multimodal Centro-Norte. Revista de Eco-nomia Agrícola, Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,v. 6, n. 1, p. 11-16, 1997.

COELHO, Carlos Nayro. O aproveitamento econômico dos cerrados. Revistade Economia Agrícola, Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abaste-cimento, v. 10, n. 1, p. 3-4, 2001.

CUNHA, Aércio S. Uma avaliação da sustentabilidade da agricultura noscerrados. Brasília: IPEA, 1994. 256p.

CUNHA, Eduardo de Mello. A infra-estrutura de transportes no Brasil e o desen-volvimento da agricultura. Revista de Economia Agrícola, Brasília: Ministérioda Agricultura, Pecuária e Abastecimento, v. 8, n. 1, p. 7-15, 1999.

EMBRAPA. A expansão da soja. Disponível em:http://www.cnpso.embrapa.br/expansao.htm Acesso em: 10 fev. 2002.

IFAS - Instituto de Formação e Assessoria Sindical Rural Sebastião Rosa daPaz. Disponível em: http://www.riosvivos.org.br/a_soja_no_brasil_central.htmAcesso em: nov. 2002.

LICIO, Antonio. Os eixos estruturadores e os corredores de transportes. Revis-ta de Economia Agrícola, Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas-tecimento, v. 4, n. 4, p. 3-4, 1995.

LICIO, Antonio; CORBUCCI, Regina. A agricultura e os corredores de transportemultimodais. Revista de Economia Agrícola, Brasília: Ministério da Agricultura,Pecuária e Abastecimento, v. 5, n. 2, p. 22-36, 1996.

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A modernização do Estado gaúcho:qual é a agenda?*

Jorge Blascoviscki Vieira** Economista da FEE.

ResumoO artigo examina alguns pontos relacionados à problemática da gestão públicano Rio Grande do Sul, na perspectiva da montagem de uma agenda para suamodernização. O ponto articulador é a concepção de que os avanços societais,que expressam uma diversificação social, com a afirmação de novos atores ede um novo elenco de temas, desafiam e impulsionam a máquina administrativado Estado gaúcho no sentido da implantação de um processo de modernizaçãoadministrativa. A par dessas transformações na sociedade, está ocorrendo umarenovação tecnológica, derivada do campo das Tecnologias de Informação (TI),que questiona procedimentos burocráticos e instiga a gestão pública aimplementar programas de qualificação dos servidores públicos. O texto traba-lha, também, com a idéia da necessidade de retrabalhar o "ethos" do servidorpúblico, isto é, construir valores ético-políticos, visando estabelecer o interesseda “coisa pública” como elemento alicerçador do serviço público (a boa gestão,os resultados e o atendimento ao cidadão).

Palavras-chaveReforma do Estado; gestão pública; modernização administrativa.

AbstractThis article examines some issues related to the problematic of the managementin Rio Grande do Sul, from the perspective of setting an agenda for its

* Este trabalho representa uma tentativa de reflexão sobre a experiência recente do autor junto à Secretaria de Administração e dos Recursos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul, no período de 1999 a 2002.

** O autor agradece aos colegas Renato Dalmazo e Carlos Paiva pela leitura e observaçõesfeitas e isenta-os de qualquer falha ou vinculação com as idéias aqui aventadas.

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modernization. The articulating point is the conception that social advancementexpresses a social complexity with the affirmation of new actors and a new castof themes, challenging and driving the administrative machine of the GauchoState, in the sense of implanting a process regarding the administrativemodernization. Along with these changes in society, a technological renewal isoccurring, derived in the field of Information Technologies – IT, which inquiresabout bureaucratic procedures and urges the public administration towards theimplementation of qualification programs for civil servants. The text also dealswith the idea of the need for revising the civil servant’s "ethos", that is, to constructethical and political values seeking to establish an interest in the “public thing”,as a fundamental element for the public service (an effective administration,results and citizen’s service).

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 23.06.03.

O tema da gestão pública estatal, nas suas inúmeras variantes e ângulospara análise, está, já há um bom tempo, em agenda de discussão, bem comosinaliza um avanço no sentido da constituição de acúmulos e ações, particular-mente na trajetória da União, em especial durante os anos 90. Nesse sentido,há uma profusão de trabalhos analíticos, bem como de relatos de inovaçõestanto por parte de técnicos da estrutura federal como no mundo acadêmico.Diversas unidades regionais também viabilizaram ações visando à recomposi-ção das estruturas de gestão, buscando uma compatibilização com os novosmétodos empregados na esfera federal. Em termos do Rio Grande do Sul, ape-sar de ocorrerem eventos significativos ao longo dos anos 90, há poucos traba-lhos analíticos disponíveis que possam ser referência para novas decisões oubusca de alternativas. Nesse período, ocorreram extinções de unidadesde governo e alienações de empresas estatais, significando que, no momentoatual, o Estado gaúcho, ou melhor, o Poder Executivo do Rio Grande do Sul,é marcadamente diferente, na composição, se comparado com o do final dosanos 80.

O presente artigo propõe-se a examinar alguns elementos que caracteriza-riam o estágio atual da gestão pública do Estado do Rio Grande do Sul, maisprecisamente no tocante ao seu Poder Executivo, visando à composição deuma agenda de modernização administrativa. No que diz respeito à estruturaçãodo trabalho, optou-se por dividi-lo em três partes, além de uma conclusão. Naprimeira parte, far-se-á um recorte teórico para, minimamente, situar alguns pon-

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tos e dar sustentação conceitual; numa segunda parte, apresentar-se-ão algunselementos de composição de uma visão, aproximada de um diagnóstico, dosproblemas atuais da máquina administrativa; e, por último, o artigo centrar-se-ána afirmação de uma hipótese/possibilidade de agenda para a modernizaçãoadministrativa do Poder Executivo estadual.

Alguns elementos conceituais

Após diversas experiências reformistas implementadas, especialmenteao longo dos anos 90, nos casos brasileiro e da América Latina, que têmcomo expressão mais visível as privatizações de diversos tipos de serviços,verificou-se um esforço expressivo de análise em torno do papel do Estado.Verifica-se a presença de uma expressiva bibliografia que recoloca na agenda dediscussão a “questão do Estado” e que, em um período anterior, ostentava umviés abstrato de concepção, particularmente aquelas concepções ancoradas naortodoxia marxista. Mais recentemente, tem-se o conteúdo analítico fortementeinfluenciado pela realidade empírica, a partir do exame do Estado em ação,implementando políticas públicas, sem que tal enfoque signifique ausência oupobreza teórica.1

Nesse sentido, duas boas contribuições para esse tema estão em Noguei-ra (1998a) e Keinert (2000). O primeiro apresenta uma trajetória do Estado brasi-leiro desde os anos 30 até os anos 90, onde constam, entre outros pontos, osdiversos momentos da constituição da burocracia brasileira, assim como asrazões para a montagem das unidades autônomas da Administração Indireta(fundações, autarquias, etc.), que propiciaram a formação dos mecanismos deinsulamento burocrático. Ao diagnosticar o atual momento da burocracia brasi-leira, Nogueira trabalha com a idéia da presença de uma “sedimentação passi-va”, qual seja, ao longo dos tempos, algumas práticas foram assumidas cotidia-namente e assim reproduzidas, o novo incorporando o velho a partir da ausênciade rupturas.

Já em Keinert, tem-se uma cuidadosa análise no sentido de estabeleceralguns conceitos, em especial aqueles relativos ao espaço “público” e ao espa-

1 O Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD) tem sido umimportante canal de difusão e de relatos de experências nos diversos processos de refor-mas levados a termo na América Latina. Nos congressos anuais dessa entidade, são apre-sentados inúmeros trabalhos: por exemplo, no encontro de Buenos Aires, em 2001, forammais de meio milhar.

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ço “privado”. Mais precisamente, ao modo como algumas instâncias do Estadotrabalharam essa dicotomia dos anos 30 aos anos 90. Além disso, Keinertexecuta a análise na perspectiva de demonstrar que a linha temporal da trajetóriado Estado brasileiro possuía unidade interna até o final dos anos 70, em termosda presença de um paradigma, e que, nos anos 80, tem-se uma crise com oesgotamento de um modelo específico de composição estatal — o Estadodesenvolvimentista. Os anos 90, na opinião dessa autora, descortinam um novoparadigma para o Estado brasileiro, muito diferente, quanto à forma e ao conteú-do, na comparação com aquele que atuou até o final dos anos 70, como conse-qüência do caráter mais complexo da estrutura social brasileira.2

O formulador central do debate recente da reforma do Estado no Brasil,sem dúvida, é Bresser Pereira, tanto em termos da produção própria como deorganizador. Para Bresser Pereira (Pereira, 1995), o processo de reforma doEstado desponta como produto de um duplo movimento combinado; de um lado,a reforma deve ser interpretada como “(...) uma resposta ao processo deglobalização em curso”, a qual provoca um reposicionamente estratégico dosatores econômicos, inclusive o Estado, pela necessidade de desregulamentação;de outro lado, é um produto da “(...) crise do Estado, que começa a se delinearquase mundialmente nos anos 70, mas só assume plena definição nos anos 80”(Pereira, 1995, p. 17) . Esse processo de redefinição do Estado, para BresserPereira, teria duas vertentes fundamentais na perspectiva brasileira. Em primeirolugar, houve uma crise econômica profunda, que se expressou de forma agudanum processo hiperinflacionário, tornando imperiosa a reforma do Estado diantedo expressivo déficit fiscal; ou seja, havia uma determinante de conteúdomaterial. Em segundo lugar, em termos das relações internacionais, estava emmovimento a necessidade de responder o desafio da “(...) globalização emcurso” (Pereira, 1995, p. 17), que reduzia a capacidade do Estado brasileiro emformular e implementar políticas públicas. Portanto, os referenciais a balizar asconcepções desse autor são fundamentalmente, de duas ordens: crise fiscal ecompetição internacional. A primeira impõe-se como necessidade de reconstru-ção do Estado, e a segunda, como um imperativo de redefinição de papéis.

No tocante ao diagnóstico da crise, Bresser Pereira aponta que a paralisiado Estado brasileiro se sustentava “(...) pela perda da capacidade do Estado de

2 Um dos primeiros autores a trabalhar essa idéia (o aumento da diversificação da sociedadebrasileira) foi Santos (1985). Na concepção desse analista, a “(...) recuperação da adminis-tração pública, depurada de clientelismos e das alarmantes taxas de corrupção que seobservam agora, é algo que também se situa no horizonte (...)” das possibilidades, paraadequá-la aos requisitos de “uma sociedade moderna e dinâmica” (Santos, 1985,p. 308).

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coordenar o sistema econômico de forma complementar ao mercado” (Pereira,1995, p. 20) e, também, a partir da “(...) crise da forma burocrática de administrar[do Estado] devido à incapacidade de extirpar as práticas patrimonialistas ouclientelistas da administração” (Pereira, 1995, p. 21). Para encaminhar a máqui-na burocrática para outro patamar, o Estado, apesar de ser “(...) reflexo dasociedade” (Pereira, 1997, p. 21), deve ser visto “(...) como sujeito, não comoobjeto” (Pereira, 1997, p. 21), ou seja, Bresser Pereira apostava em um proces-so de auto-reforma. Diante disso, a reforma teria como alvos, no curto prazo, oajuste fiscal, especialmente nos estados regionais e nos municípios, os quaissão identificados com evidentes excessos de funcionários, e, no médio prazo, amodernização do aparato administrativo. Para o ajuste fiscal, seria buscada aimplementação de três medidas: (a) demissão de funcionários, por excesso dequadros; (b) implantação de teto salarial; e (c) recomposição do sistema deaposentadorias. No médio prazo, buscar-se-ia estabelecer um complexo con-junto de mudanças, para fortalecer a Administração Direta e a descentralizaçãoda gestão pública, através da implantação de “agências executivas” e de“organizações sociais” com base nos contratos de gestão.

Em outro trabalho, Bresser Pereira (Pereira, 1997) salienta que o processode reforma do Estado envolve quatro problemas:

“(...) a) um problema econômico-político — a delimitação do tamanhodo Estado; b) um outro também econômico-político, mas que merecetratamento especial — a redefinição do papel regulador do Estado;c) um econômico-administrativo — a recuperação da governança oucapacidade financeira e administrativa de implementar as decisõespolíticas tomadas pelo governo; e d) um político — o aumento dagovernabilidade ou capacidade política do governo de incrementarinteresses, garantir legitimidade e governar” (Pereira, 1997, p. 7).

Em termos dos propósitos deste artigo, caberia ainda chamar atenção parao terceiro problema (item c), ou seja, a recuperação econômico-administrativaou governança. As dificuldades no gerenciamento do Estado brasileiro, queresultariam em má governança, decorreriam, fundamentalmente, da crise fiscaldos anos 80, o que explicaria a necessidade de as primeiras medidas de ajusteserem nesse campo. O aumento da capacidade de governança derivaria deuma reforma administrativa que teria como centro substituir o atual modeloburocrático por uma concepção de “administração pública gerencial”3.

3 Nesse momento, poder-se-ia situar a administração pública gerencial, ou, ainda, a novaadministração pública, como sendo compatível com os avanços tecnológicos atuais, focadamais nos resultados do que nos controles, como tendo, dentre outros, os seguintes compo-nentes: foco no cidadão, controle de resultados, aumento da autonomia da burocracia,

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Resolvidos esses quatro gargalos, o Estado brasileiro transitaria de ummodelo estatal centrado na promoção direta do desenvolvimento econômico esocial para outro que atuaria como elemento regulador e facilitador ou financiador,a fundo perdido, desse desenvolvimento.

Assegura, ainda, esse autor que esse Estado terá um sentido social--liberal:

“(...) porque continuará a proteger os direitos sociais e a promover odesenvolvimento econômico; liberal, porque o fará usando os controlesde mercado e menos os controles administrativos, porque realizaráseus serviços sociais e científicos principalmente através deorganizações públicas não-estatais competitivas, porque tornará osmercados de trabalhos mais flexíveis, porque promoverá a capacitaçãodos seus recursos humanos e de suas empresas para a inovação ecompetição internacional” (Pereira, 1997, p. 18).

Já em Martins (1997), haveria uma preponderância de alguns temas emrelação a outros, particularmente privatização e desregulamentação. Dessa for-ma, “(...) assim uma atenção menor tem sido dada aos problemas da organiza-ção interna dos aparelhos de Estado e ao desempenho de suas burocracias”(Martins, 1997, p. 12). Para esse autor, qualquer empreendimento reformistadas organizações do Estado deve ter em conta a atuação dos seguintes pontos:(a) presença de uma cultura política particular; (b) processos condutores dasdisfunções do serviço público; e (c) identificação dos gargalos da administraçãopública. Cabe destacar que a cultura política do Brasil deve ser percebida emuma dimensão histórica, bem como contrapô-la aos fatores recentes na desarti-culação dos serviços públicos. Em conseqüência, segundo Martins, tem-se apossibilidade de que “(...) o patrimonialismo, o clientelismo, a burocracia exten-siva e a intervenção do Estado na economia estão inscritas na tradição brasileiracomo características persistentes da herança colonial” (Martins, 1997, p. 15). Acombinação dessa herança histórica barrou, em diversos momentos, variadosprocessos de revisão das estruturas administrativas, impossibilitando a monta-gem de uma burocracia do tipo weberiana, no entendimento desse autor4. Martinstambém chama atenção, a partir da análise dos primeiros governos civis após o

4 Certamente, esse autor está se referindo às seguintes características: seleção universaldos agentes, impessoalidade das práticas, ordenamento hierárquico e racionalidade emrelação a fins.

separação entre instâncias formuladoras e executoras, criação de unidades públicas nãoestatais para aquelas agências não diretamente envolvidas em ações típicas de Estado econtrole social com contrato de gestão.

Jorge Blascoviscki Vieira

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fim da ditadura militar, para a necessidade da constituição de uma estratégia noprocesso de reforma, particularmente na adoção de movimentos flexíveis eincrementais, bem como no sentido do estabelecimento de diretrizes sólidas.Por último, ainda se pode destacar desse autor a necessidade da presença deum “arcabouço conceitual”, sendo que um segmento compreende três questõesinter-relacionadas: (a) o tipo de Estado projetado; (b) o modelo de burocraciaadequado; e (c) a coalizão política para sustentar a reforma.

Em Nogueira (1998b), numa perspectiva diferenciada na comparação comBresser, percebe-se uma ampliação do cenário do processo de reforma paraalém da esfera estatal, ou seja, considera como relevante a incorporação dasociedade, dado que:

“Qualquer reforma do Estado digna do nome não pode se reduzir aoplano da administração, do funcionalismo público ou dos ajustes fiscais,tributários e previdenciários: seu nervo, a rigor, está fora do Estado,assentando-se na firme revisão das articulações entre o Estado e asociedade e na reinvenção do modo de se pensar e praticar política”(Nogueira, 1998b, p. 22).

Ou seja, a reforma do Estado (mesmo nas variantes da modernização ouda reforma administrativa) deve ser situada, no limite da discussão, como tendoa dimensão de um reposicionamento entre a estrutura estatal, de uma parte, e asociedade, de outra, na medida em que ambos são produto de uma trajetóriahistórica.

Uma outra abordagem para situar a reforma do Estado está na concepçãode Matus (1997) sobre o Triângulo de Governo, que é composto pelos vérticesprojeto de governo, governabilidade e capacidade de governo. O primeiro abran-ge um conteúdo propositivo de ações (o plano de governo exposto no períodoeleitoral) e é da alçada exclusiva do gestor político, para definir uma direção eorientar o conjunto do Governo. A governabilidade representa as variáveis, ourecursos políticos, que o gestor controla, ou não, como o peso da bancada deapoio político na área parlamentar, o volume de recursos orçamentários disponí-veis, dentre outros. Por último, a capacidade de governo é um conjunto de técni-cas, métodos, e diz respeito ao modo de condução, visando viabilizar o projetode governo. Ou seja, a “(...) capacidade de governo expressa-se na capacidadede direção, de gestão e de administração e controle” (Matus, 1997, p. 22).A reforma do Estado aqui pensada refere-se ao terceiro vértice, pois é aqueleque abarca a máquina administrativa e dá viabilidade e potencializa os outrosdois. Um bom projeto de governo aliado a bons recursos, sejam políticos oumateriais, poderá alcançar ótimos dividendos, mas será potencializado paraníveis mais elevados, se articular boas técnicas e métodos de gestão.

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Para encerrar esta parte, deve-se observar que o Estado regional é parte deum todo articulado. O Estado subnacional é tributário e, portanto, dependente,de modo expressivo, das normas e dos regulamentos definidos na esfera maiorda nação. Em conseqüência, deve-se ter como referencial a existência de umamargem estreita, para conceber um programa de reformas dentro de um marcoregulatório jurídico dado. Mesmo assim, apresenta-se como tarefa necessáriapara atualizar métodos e ferramentas de gestão pública diante do avançotecnológico e das profundas transformações ocorridas no âmbito da sociedade.

Cenário atual — impasses e desafios

O exame das dificuldades da administração pública gaúcha na perspectivadeste trabalho passa pela compreensão alicerçadora de que o modelo de gestãodo tipo departamental está esgotado e superado. A forma como os diversosórgãos estão estruturados, ou, em uma expressão simplificada, de ordenamentodas “caixinhas”, tem como resultado final um cenário do tipo “federação de ilhas”,com baixa interação operacional, com estruturas pesadas/dispendiosas e comdemora no fluxo das respostas de trabalho. Esse esgotamento do modelodepartamental reverbera, fortemente, também na composição das carreiras dosservidores, a partir da presença de inúmeros quadros diferenciados entre si,tendo em vista a definição de que a cada órgão corresponde uma burocraciaespecífica. A grande conseqüência do modo de agir departamental, mas nãoúnica, é potencializar a fragmentação da ação de governo, dificultar ogerenciamento e a avaliação dos resultados.

Outro resultado derivado da experiência departamental diz respeito à pro-blemática da responsabilização tanto do servidor público perante o gestor comodeste perante a população. O trâmite burocrático interdepartamental dificulta ouofusca, senão elimina, os processos de responsabilização. O envolvimento demais de uma unidade burocrática na formulação ou na resolução de problemasenfraquece esse componente básico dos movimentos da ação estatal. Ao ladodo baixo grau de responsabilização, firmou-se, como elemento estruturante domodelo departamental, a Função Gratificada (FG) como parcela relevante nacomposição remuneratória e fator importante para recrutamento e seleção deservidores. Ou seja, determinadas tarefas ou atividades só logram obter apoio ouadesão se ocorrer a contrapartida da FG. A concessão da FG assumiria adimensão de que determinadas tarefas só serão realizadas se for concedidoesse diferencial; em outras palavras, realiza-se determinada atividade se forconcedida a FG, caso contrário, o servidor, em geral, evita assumir a responsa-bilidade.

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Sob outro ângulo, se se tiver o cidadão como alvo fundamental da políticapública, apresenta-se como forte equívoco buscar soluções da racionalidadedepartamental, na medida em que os resultados são parciais e fragmentados.Se, no passado, se poderia conceber que, por exemplo, os problemas da árearural seriam resolvidos a partir das formulações exclusivamente da política agrí-cola, hoje, obrigatoriamente, a questão é mais complexa. Situar os problemasdo campo rural apenas a partir de uma unidade de governo é fragmentar a cida-dania, já que a solução dos possíveis gargalos agrícolas, envolve outras áreas,como, por exemplo, a ambiental, tendo em vista o uso das águas e o de pesticidas,ou, ainda, a educacional. Assim, uma visão complexa e, portanto, modernizanteda ação estatal deve formular soluções integradas, suplantando a propostadepartamental.

Outra variante da fragmentação administrativa liga-se às coordenadorias nointerior do Estado. Quer dizer, inúmeros órgãos possuem, em seus organogramas,unidades regionalizadas na perspectiva de potencializar um intercâmbio de infor-mações da região com a unidade central, identificando problemas específicos eacompanhando e gerenciando as ações. O baixo grau de articulação das unida-des centrais também é reproduzido, obviamente, no nível das coordenadoriasregionais, com o agravante de que diversas dessas delegações estão localiza-das em cidades diferentes. Isto é, a coordenadoria da unidade A está em umacidade, e a da unidade B, em outra. O distanciamento burocrático e físico dificul-ta a articulação das diversas políticas de governo. Portanto, repensar a questãoda regionalização de atuação no Interior (regionalização do Governo), para am-pliar o grau de interlocução horizontal e não apenas vertical, é uma medidarelevante em se desejando aproximar o cidadão e os serviços do Estado. Cami-nhando na busca de uma maior integração das unidades regionalizadas, certa-mente se criarão as condições objetivas para a implantação, no interior do Esta-do, de centrais de serviços, evitando, com isso, o deslocamento e a perda detempo do cidadão.

Outra face perversa da fragmentação administrativa expressa-se no temado funcionalismo público, particularmente na presença de 45 carreiras com atri-buições, modelos de avaliações, remuneração e perspectivas funcionais muitodiferenciadas entre si. Nessa situação, torna-se extremamente difícil (se nãoimpossível) articular e implementar uma política de recursos humanos de con-teúdo geral, decorrente do desequilíbrio remuneratório existente entre as carrei-ras. Diante desse contexto, os diversos governos do passado têm procuradoimplementar políticas pontuais, dada a inviabilidade dos movimentos gerais, outêm sucumbido à pressão dos grupos politicamente melhor articulados.

Nesse mesmo tema, verifica-se que a pauta de debate de interesse dosservidores possui um estreitamento elevado, basicamente nas questões

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econômicas, dificultando a discussão de outros temas, como aqueles relaciona-dos aos ambientes de trabalho e treinamento, por exemplo. O resultado imedia-to desse cenário é um distanciamento (ou apatia) entre gestores e servidores,particularmente naqueles temas que dizem respeito às tarefas da gestão públi-ca, ou seja, a oferta de assistência e serviços à população. Não estão nessapauta de debate os diversos processos do cotidiano operacional da burocracia,sejam avaliações de resultados alcançados ou mesmo melhorias nos fluxos detrabalho. Não há uma sistemática que provoque o servidor a desenvolver, demodo autônomo, soluções para gargalos e entraves. Uma hipótese para essecenário de apatia talvez esteja relacionada à inexistência de espaços (ou fóruns)de discussão nos locais de trabalho, que puxem e sustentem uma discussãoacerca das atividades administrativas, nos quais o servidor público possa exporsuas avaliações e sugestões. Deve-se ter como referência central ainda que oato de governar deve incluir o servidor público, e não excluí-lo, como se o Gover-no fosse uma ação exclusiva do gestor público. Não pode ser esquecido que aspolíticas públicas são implementadas pela burocracia do Estado, e que estapode retrabalhá-las ou retardá-las ou, até mesmo, impedi-las, e sempre há mar-gem de manobra para isso. Ou ainda, de outro modo, a decisão de empreenderestá na alçada do gestor público, mas a implementação não pode dispensaro servidor público.

O padrão de fragmentação das carreiras vai se refletir, de modo maisimpactante ainda, na atividade política das entidades de representação de inte-resses dos servidores. A existência de 45 quadros de funcionários traduz-se napresença de mais de três dezenas de entidades de representação sindical e napresença de diversas associações que desempenham uma atuação aproximadadaquela de um sindicato. Nesse cenário, caracterizado por intensa lutaintraburocrática de interesses divergentes, tendo em vista as limitações orça-mentárias, tem-se, ainda, como elemento complicador, a presença de inúmerasentradas para as reivindicações corporativas. Ou seja, os processos denegociação, em geral longos e difíceis, facilmente podem ser rompidos pelaação em outro ambiente político, não anteriormente envolvido, como se a açãonegocial estivesse permanentemente aberta, o que é uma característica persis-tente do corporativismo praticado no setor público brasileiro.

A atividade sindical das inúmeras entidades de representação vai contribuirpara uma hiperpolitização dos ambientes de trabalho, especialmente nos mo-mentos de ativismo negocial. Com isso, deseja-se frisar que o serviço públicoestá imerso na política, o que, talvez, dificulte (ou no limite impeça) a implanta-ção de uma rotina administrativa do tipo weberiana, fundada na obediência, naeficiência e na busca de resultados. Esse cenário fica complicado ainda maiscom as práticas clientelistas, sejam elas na relação entre colegas, sejam na

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interação com as chefias, bem como a partir das práticas dos gestores. Ouseja, o ambiente organizacional está eivado de diversas racionalidades, todas,de algum modo, com variados graus de legitimidade para o agente envolvido,derivadas de inúmeros interesses, que podem assumir uma dimensão conflitanteou convergente, sejam eles individuais ou coletivos.5

A dificuldade que se percebe nesse quadro complexo seria definir umapublicidade, do tipo quem defende o quê, ou, no sentido do estabelecimento deuma hierarquia, acordando que o interesse público, ou seja, a sociedade, é oelemento preponderante. Portanto, deseja-se afirmar que o determinante noamálgama dos interesses deve ser um sistema no qual haja, por parte dos atoresenvolvidos, processos simultâneos de cooperação e competição, tendo sempreum grande “foco”, o cidadão. Assim, é afirmada a pluralidade de interesses nointerior da estrutura administrativa, mas, em um avanço em relação ao passado,busca-se um modo de trabalhar na montagem de mecanismos de explicitaçãodestes.

Também se deve trabalhar com a hipótese de que um dos elementos decomposição desse quadro é o desenvolvimento parcial de um ethos estruturantepara o servidor público. Ele seria parcial por estar desenvolvido apenas emalguns lócus operacionais, em geral ilhas de excelências, nos quais os servido-res possuem elevado grau de qualificação técnica e de remuneração salarial, oque cria as condições adequadas para expressar orgulho e a contraface daobrigação política do pertencimento. O pragmatismo das diversas formas derecrutamento para as fileiras do Estado está na origem da dificuldade da compo-sição de valores ético-políticos capazes de instituírem um ethos de servidorpúblico na densidade adequada à gestão da “coisa pública”. A questão da máremuneração e a inadequação e/ou degradação dos ambientes de trabalho cer-tamente são elementos que contribuem para entravar a constituição desse ethos.Além da melhoria remuneratória, deve-se levar em consideração a necessidadede criar canais de interlocução que não aqueles da representação sindical juntoaos gestores, capazes de propiciar trocas com os servidores, integrando-os nagestão das unidades de governo, com isso criando as condições do respeitomútuo e não desconfiança ou desconsideração.

A par da fragmentação das estruturas administrativas, houve a perda deuma tradição de planejamento, a partir do fim dos anos 70, em função da degra-dação do equilíbrio das contas públicas e do processo inflacionário, que se tra-duziu numa preocupação excessiva com o curto prazo. Nesse quadro, asprojeções mais largas foram relegadas em função das necessidades imediatas

5 A. M. Nogueira (1998) discute o sindicalismo no setor público brasileiro.

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do “caixa do tesouro”, mas o momento atual é diverso daquele, no qual há equi-líbrio nos preços, o que cria as condições para uma retomada das práticas deplanejamento do setor público. Ou, usando as idéias de Matus, ocorreu umaperda na capacidade de simulação do futuro e que, portanto, precisa serreadquirida para romper com as práticas da improvisação.

Torna-se imperativo retomar os processos de pensar as políticas públicasem prazos largos, para, pelos menos, os quatros anos de um governo.O referencial fundamental deve ser a erradicação dos imensos déficits sociaisque a sociedade apresenta. Esse movimento de planejamento das ações deveser tanto para fora do Estado, ou seja, para a sociedade, como também paradentro das estruturas administrativas, em especial naquilo que é chamado decusteio, visando potencializar recursos existentes. Assim, recursos importantespodem ser perfeitamente alocados com uma adequada previsão em termos dafrota de veículos (modos de uso, manutenção, etc.), dos imóveis (racionalizaçãode espaços, compartilhamento das unidades, conservação, etc.) e das redeslógicas (melhor comunicação, controle de materiais diversos, etc.). Estes sãoapenas alguns exemplos que demarcam uma margem ampla para o emprego dediversas técnicas de planejamento interno.

Além da questão de uma melhor alocação dos recursos públicos, a adoçãode uma visão de longo prazo amplia o grau de legitimidade governamental tantojunto aos atores sociais como perante os servidores, que visualizam um sentidopara o cotidiano administrativo. Retomar uma idéia de planejamento impacta,inclusive, no sentido de uma melhoria das técnicas e dos métodos de gestãopúblicas que estão, na atualidade, voltados para metodologias ad hoc, não sóem termos de componentes do custeio, como no tocante ao gerenciamentoadministrativo dos servidores.

Outro fator importante a impulsionar a retomada do planejamento,especialmente interno ao Estado, diz respeito à adoção das novas Tecnologiasda Informação (TI). No presente momento, há uma impossibilidade de executar agestão sem o uso das TI, pelo que elas representam em termos de agilidade eeconomicidade. Deve-se ter em mente que o emprego dessas novas tecnologiasimplica trabalhar uma visão de longo prazo, dada a impossibilidade de mudan-ças abruptas ou intempestivas ao sabor da ação do gestor. Deve-se, além disso,ter o referencial da questão espacial e o conjunto das diversas unidades noInterior, tendo em vista a magnitude dessa implantação, em especial na áreaeducacional, o que, necessariamente, emerge como tarefa para mais de umgoverno, com isso pressionando na direção da montagem de uma escala deprioridades.

A aplicação das TI vai se refletir na premência de um requalificação dosservidores, dado o impacto dos novos métodos de trabalho e a redefinição em

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direção a uma outra cultura administrativa. Com isso, deseja-se afirmar que osmétodos de trabalho advindos da informatização se consolidam no sentido daafirmação de um novo tipo de servidor, especialmente no tocante à agilidade deresposta que essa tecnologia produz nos fluxos administrativos (ou seja, o pro-cesso administrativo não poderá mais “dormir” em cima da mesa), bem como naperspectiva de assumir uma postura não fragmentada.

Por último, cabe fazer ainda uma reflexão sobre o estágio atual da socieda-de como elemento impulsionador na reforma do Estado. São inegáveis os avan-ços em termos da diversificação social a partir da afirmação sociopolítica dediversos atores da estrutura social. Há uma multiplicidade e inúmeros mecanis-mos de expressão de interesses, que emergem no debate político com forteconteúdo societal, independentes da sanção e da validação do Estado. Comisso, pode-se afirmar o esgotamento de uma ordem social simplificada, na qualalguns poucos agentes se constituíam como elementos centrais na arena políti-ca; em sentido inverso, firma-se uma estrutura social setorizada, onde se for-mam múltiplos interesses e representações. O processo de urbanização, umaestrutura econômica dinâmica, a ampliação da oferta educacional em diversosníveis, as conquistas de direitos de expressão política e a normalização de prá-ticas democráticas criaram as condições objetivas para a afirmação política deinúmeros atores e temas. Nesse contexto, uma nova ordem social será afirma-da, na qual o peso político de antigos interesses é questionado — em especialaqueles ligados à estrutura agrária —, e novos atores vão instalar-se no cenáriopolítico. Refletindo esse avanço, diversos espaços de atuação política são cons-tituídos, o que significou deslocar o papel do Estado como ator constituidor eordenador do jogo político. Nesse cenário, diversas racionalidades divergenteslogram se constituir e expressam seus interesses.

Se se considerar o Estado como uma expressão de uma correlação deforças, esses novos tempos, a presença de novos atores e uma nova agenda deinteresses vão impulsionar no sentido de tornar a estrutura estatal compatívelcom o atual cenário socialmente complexo. Um Estado mais aberto, não refémde grupos, que busque atender a amplos segmentos sociais, no sentido deatenuar os déficits sociais, passa a ser mais do que uma necessidade dosnovos tempos, um imperativo para dar conta dessa nova correlação de forçasexistentes, em especial levando em consideração a emergência de atores repre-sentativos dos segmentos de “baixo”. Na perspectiva deste texto, a reforma doEstado (mesmo suas variantes de reforma administrativa) assume a dimensãode busca de equalização entre, de um lado, uma sociedade que avançou, ama-dureceu e se tornou complexa e, de outro lado, um Estado com práticasadministrativas defasadas, fragmentadas e com carências tecnológicas. Esse éo desafio fundamental desse processo reformista, colocar Estado e sociedade

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no mesmo patamar, sem que um prepondere sobre o outro, mas sendo dasociedade a palavra final.6

Uma hipótese/possibilidade de agenda

Inicialmente, é pertinente situar que se trabalha com o prognóstico de queo processo de reforma aqui examinado deve corresponder a duas condicionantesfundamentais para o sucesso desse movimento. A primeira diz respeito à pre-sença de uma estratégia de ação dando conta de diversos elementos, como:diagnóstico, alcance, razão, modo, prazos, dentre outros.7 A segunda tem a vercom a presença de uma coalizão política de sustentação no nível parlamentar ena estrutura social. Por conseguinte, a realização dessa agenda vai depender deuma adequada combinação dessas duas condicionantes.8

O primeiro passo transformador da gestão pública gaúcha passa pela adoção,ou resgate, de uma cultura de planejamento, que tanto pode ser de curto prazo(para explicitar as urgências) como de longo prazo (para revelar o importante).Cabe ressaltar que esse planejamento não seria de caráter normativo, isto é,elaborado por um grupo de iluminados, que se expressa em um plano. Trata-sede um outro tipo de planejamento, como uma aposta na qual diversos resultadossão possíveis, ou, ainda, “(...) uma simulação constante do futuro (...)” (Matus,1997, p. 191), no qual atuam diversos jogadores, alguns com racionalidades nãoconvergentes, mas que estão sob a direção de uma autoridade com legitimidadepolítica que é possuidora de uma visão de futuro.9 Portanto, é um planejamentodo tipo estratégico situacional que abarca toda a estrutura de governo, que seretroalimenta, bem como tem uma prática reativa, estabelecendo, dentre outrospontos, tarefas, responsabilidades, metas, que devem ser monitoradas e, se foro caso, alteradas. Essa ação de planejamento não tem fronteira explícita entre o

6 Uma boa discussão das implicações entre reforma do Estado e sociedade está em M. A.Nogueira (1998a), que afirma: “A reforma do Estado, nesse sentido, é o prolongamento deuma reforma da própria sociedade, tanto quanto é a remodelação das relações entre Estadoe sociedade civil” (Nogueira, 1998a, p. 212).

7 Para Martins (1997), o êxito da reforma vai depender “(...) da adoção de uma estratégiaflexível, baseada em mudanças incrementais” (Martins, 1997, p. 48). Salienta esse autor,também, que “(...) somente parecem ter chance de sucesso as iniciativas realistas dereforma” (Martins, 1997, p. 46).

8 Uma discussão sobre estratégia no setor público está em Matus (1996).9 Uma alternativa para o arranque do planejamento estratégico poderia ser a mobilização da

organização/órgão, ou mesmo do Governo, no sentido de responder a uma questão: qual éo principal problema da área?

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planejador e o executor na medida em que todos os atores são envolvidos nodiagnóstico, na busca de soluções e alternativas, bem como na avaliação perió-dica; de outro modo, todos planejam e todos executam.

Ao optar por essa metodologia de planejamento, são criadas as condiçõesadequadas para a integração departamental, impulsionando as organizaçõespúblicas para a ruptura com a fragmentação do passado, do mesmo modo que,nessa alternativa de ação, o grau de responsabilização do setor público seamplia consideravelmente, tendo em vista que todos são responsáveis. Soma--se ainda a isso o fato de que são geradas as condições objetivas para ogerenciamento das ações planejadas.

A adoção do planejamento como método norteador vai repercutir noposicionamento do servidor público nas atividades e compromissos da gestão,em um duplo movimento combinado. De uma parte, puxa o servidor público parao ato de governar, à vista de que não há governo sem esse ator, assim como aqualidade de um reflete na qualidade do outro, além de mover, positivamente, osmecanismos de responsabilização, como já foi salientado, em especial aquelesque são ligados aos funcionários públicos. Não se trata de transferir para osservidores públicos a decisão de o que fazer, esta sempre cabe aos gestores,sem sombra de dúvida, mas cabe, sim, incorporá-los numa parte do processode decisão, tendo em vista que serão eles que vão executar a implementação dapolítica pública.

De outra parte, emerge a necessidade da constituição de um processo derequalificação do servidor diante de um novo método de gestão — o planejamentoestratégico situacional. A difusão de uma nova metodologia de trabalho vairequerer preparar difusores desse método de trabalho, ou seja, diante de umnovo tempo, em que modificações nos sistemas de gestão são introduzidas,elas se traduzem na “reformatação” dos métodos de trabalho, revelando um novotipo de funcionário público. De modo mais enfático, pode-se afirmar que todoprocesso reformista que almeje sucesso deve, necessariamente, passar poruma seqüência de eventos de treinamento para os servidores abrangidos poressa ação.

A preparação dos servidores públicos na aplicação desses métodos detrabalho vai se refletir na necessidade da constituição de um espaço — ou deuma Escola de Governo10, já existente no passado, todavia, na atualidade,desativada — para ser um ambiente de difusão e reflexão para viabilizare potencializar os novos tempos. Ora, sendo o cidadão o alvo de um novo Esta-

10 Nogueira (1999) reflete acerca do papel das Escolas de Governo no contexto de implanta-ção das reformas do Estado.

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do, supõe-se que os resultados sejam fundamentais. Esse paradigma represen-ta uma transformação dramática na postura da burocracia, demandandoclaros movimentos na capacitação para o trabalho a partir de novas habilidadese valores.

Na medida em que se efetiva um envolvimento amplo das unidades admi-nistrativas na execução da política, a fragmentação tenderá a diminuir, senão adesaparecer. Em conseqüência, rompe-se com um modelo de trabalho clássicoda postura departamental, aproximado de um “fordismo burocrático” em que ofuncionário executa parte de uma tarefa e não percebe o todo, e caminha-separa um processo do tipo matricial, mais complexo, porém transparente emobjetivos, metas e resultados.

Evidentemente, a implantação de uma nova cultura administrativa, na qualo vetor fundamental é um novo tipo de planejamento, vai requerer paciência,firmeza e tempo. Além disso, fica implícito que algum grau de mediação políticaserá necessário adotar entre a visão do gestor, de um lado, e a prática dosservidores, de outro, do mesmo modo que alguns interesses vão se manifestarvisando algum tipo de vantagem, sejam esta simbólica ou material. Portanto,algum filtro para retrabalhar esses movimentos deve existir, para evitar desvio dofoco inicial, que é o interesse público voltado para o cidadão.

Concomitantemente à retomada das ações sob a ótica do planejamento,seria desejável o aprofundamento do emprego das Tecnologias de Informação.Além dos impactos na melhoria dos fluxos administrativos, das revisões dosmodos de trabalhar, da celeridade nas informações e da redução dos recursosorçamentários, as TI devem produzir mais três efeitos relevantes. O primeiro dizrespeito ao monitoramento das ações de planejamento, pois se torna inimaginávelpensar que esse controle possa ser efetivo sem o apoio das TI. O segundo serefere ao impulsionamento que as TI provocam no sentido de que os servidorestrabalhem em rede. Ou seja, o grau de comunicação e intra-relacionamento daburocracia pública deve aumentar significativamente. O terceiro compreende aabertura que as TI proporcionam ao cidadão, a partir do fornecimento de informa-ções e no atendimento de serviços. Tendo em vista que parcela expressiva dapopulação não tem acesso ao uso de computadores ou tem dificuldades emutilizá-los, é adequado instituir um programa de inclusão digital a partir da forma-ção de postos de acesso gratuito.

Também deve ser enfrentado o tema da regionalização, particularmente abusca de uma melhor articulação e compatibilização das diversas representa-ções dos órgãos no Interior, pois há uma margem para trabalhar na direçãode uma otimização, com isso melhorando a presença do Governo junto às co-munidades do Interior. A equalização das unidades de representação proporcio-naria as condições para uma descentralização administrativa — o que é uma

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preocupação inclusive de organismos internacionais como o Banco Mundial —,rompendo com a idéia simplória de que o Governo está em Porto Alegre, quandona realidade é apenas a unidade principal. A par da descentralização administra-tiva (à semelhança de um Centro Administrativo Regional), ter-se-iam as condi-ções propícias para instituir a interiorização dos postos de atendimentos deserviços, processo semelhante ao implantado em Porto Alegre e conhecido como“Tudo Fácil”.

Por último, no tocante à questão dos interesses corporativos e para fazeravançar o processo democrático, deveria ser constituído um espaço formalúnico de negociação entre os gestores e a representação sindical dos servido-res. Esse fórum de negociação explicitaria as agendas de interesses, portanto,democratizaria e produziria transparência, bem como evoluiria no sentido de osetor público ter política remuneratória única para os servidores, escapando daspressões localizadas. Tal tipo de espaço de discussão poderia derivar, também,para a discussão de outros temas, para além da questão salarial, como, porexemplo, a Reforma Administrativa. Cabe destacar que não se trata de negar oude derrotar a representação corporativa, mas de democratizar essa prática apartir do tornar pública a pauta de interesse.

Fica o alerta final de que, tendo em vista seu conteúdo, sua magnitude esuas implicações, um programa de modernização, nos termos aqui aventados,representa uma atividade para ser executada para além de um mandato eleitoralde quatro anos. Resumidamente, pode-se situar que uma agenda, em termos damodernização administrativa do Executivo do Rio Grande do Sul, compreenderiaos seguintes pontos:

· foco no cidadão e nos resultados;· planejamento da gestão e do gerenciamento administrativo;· escola de governo e plano de treinamento dos servidores;· aprofundamento das tecnologias de informação;· regionalização administrativa e descentralização do Governo;· fórum de negociação.

Conclusão

O objetivo primário deste artigo foi apresentar uma agenda que contem-plasse um programa de modernização administrativa para o Poder Executivo doRio Grande do Sul. Essa agenda é apresentada como hipótese, na medida emque há uma imbricação forte desta com o diagnóstico da realidade imediata, e,evidentemente, existem filtros que variam de um analista para outro.

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Para realizar esse intento, resgataram-se algumas formulações teóricasdo debate geral da reforma do Estado, especialmente as contribuições de BresserPereira e Martins. Auxiliaram na argumentação as idéias de Nogueira, pela con-cepção da necessidade de incorporar a sociedade no processo de reforma doEstado, e de Matus, a partir da defesa da ampliação dos mecanismos de direção,gestão e de administração e controle.

Em exame mais empírico da máquina administrativa do Poder Executivodo Rio Grande do Sul, postulamos que a questão central é o esgotamento domodelo de gestão do tipo departamental. Esse modelo proporciona uma frag-mentação da ação de governo e dificulta o gerenciamento e a avaliação dosresultados. Defendeu-se que um dos principais efeitos dessa fragmentação selocaliza na presença de inúmeros quadros de carreira para os servidorescom modelos de avaliações, remunerações e perspectivas funcionais muito dife-renciadas entre si. Tal estrutura, fragmentada e díspar, dificulta a elaboração e aimplementação de uma política de recursos humanos de conteúdo geral, impe-lindo os gestores a produzirem políticas pontuais, que, via de regra, oupotencializam o fracionamento, ou tencionam as relações intraburocráticas.

Chamou-se atenção para o desenvolvimento parcial de um ethos estruturantepara o servidor público, porquanto este existiria apenas em alguns lócusoperacionais, em geral ilhas de excelência, nos quais os servidores possamexpressar orgulho e a contraface da obrigação política do pertencimento.

Como argumento legitimador para o processo de modernização adminis-trativa, alegou-se, de um lado, a ampla diversificação social existente no RioGrande do Sul, que desafia politicamente na direção de uma nova postura dasestruturas administrativas do Estado gaúcho e, de outro, os avanços das novastecnologias da informação.

Finalizando, tem-se como vigamestra para recomposição das atividadesburocráticas a instituição de um novo método de planejamento, isto é encami-nhar uma solução para a fragmentação das atividades de oferta de serviçospúblicos. A cidadania passa pelo resgate da prática do planejamento, agora nãomais normativo, mas estratégico e situacional, por não dicotomizar planejadorese implantadores, pois quem planeja executa, e quem executa planeja.

Referências

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Jorge Blascoviscki Vieira

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A modernização do Estado gaúcho: qual é a agenda?

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Autonomia em tempos de guerra

Autonomia em tempos de guerra

Enéas de Souza Economista da FEE.

ResumoEste artigo tenta compreender os primeiros meses do Governo Lula dentro domomento atual da liderança norte-americana no mundo. E o projeto de autonomiabrasileira, tanto da política externa como do desenvolvimento econômico e social,encontra a sua verdade na relação com a dominância do capital financeiro, o quepermite apreender as suas possibilidades e a amplitude de suas tarefas.

Palavras-chaveSoberania norte-americana; autonomia brasileira; novo Governo doBrasil.

AbstractThis paper attempts to understand the beginning of Lula’s Administration, withinthe present moment of American leadership in the world. Brazilian autonomyproject (foreign policy as well as economic and social development) finds itstruth in the relationship with the financial capital dominance, which allows toperceive its possibilities and the extent of its tasks.

Os originais deste artigo foram recebidospor esta Editoria em 15.09.03.

O fim do êxtase dos negócios da Bolsa dos anos 90 e o fogo dos canhõesno deserto do Iraque em 2003, essa combinação entre finanças e guerra, comouma festa macabra e diabólica, marcam o fim e a transição para uma nova fasedo capitalismo financeiro, que podemos, ao analisarmos a política e a economia,chamar de neoliberalismo da força ou neoliberalismo militar. Estamos en-trando num novo período da sociedade ocidental, um vento ainda não definido,

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mas certamente sombrio, envolto em dúvidas e penumbra. Na verdade, a etapajá começa a estar vigorosamente presente. E o resultado é o aparecimento dediversos aspectos naquilo que alguns chamam de globalização de corte norte--americano. Enquanto isso, gesta-se, nas entranhas do vasto mundo, ummovimento adverso, inusitado, peculiar, atípico, denominado de “altermondia-lização”, cuja amplitude e cujos efeitos ninguém ainda é capaz de dizê-lo. É ummovimento mais ideológico que político, mais político que econômico, e que, emprincípio, não disputa o poder do Estado, disputa o poder das idéias. Estemomento do processo, globalização e “altermondialização”, visto como um todo,é a transformação de uma etapa da forma financeira do capital, o prosseguimentodas relações sociais e políticas e econômicas liberais sob outra faceta. Vivemosa passagem de um ponto para outro na topologia do capitalismo. E é dentrodessa etapa que emerge o Governo Lula.

Explicitamos nosso propósito: o objetivo técnico deste texto é pensar oBrasil na sua dupla determinação, interna e externa. E vamos começar pelaúltima, que formularemos sinteticamente, deixando para a problemática brasileiraum maior espaço.

1 - Se vis pacem para bellum ou o prazer do Império

O novo é, certamente, a reorganização da política e da estratégia norte--americana para o presente. Ela está fundamentada na introdução e no domínioda ação militar, que visa ao estabelecimento de uma soberania absoluta, umimpério incontrastável, uma clara e distinta hegemonia dos Estados Unidos.Passamos, no largo vôo da águia, por uma metamorfose, pois saímos de ummultilateralismo consentido da era Clinton para um unilateralismo sem igual doGoverno Busch. Temos, nessa viagem do pássaro, a dominância estrutural domilitar que dá gênese a uma política forte, por que não dizer, chegando à autori-tária. Trata-se da pax americana, que, imperial, exprime uma vontade inolvidávele suprema de definir uma nova ordem política no Planeta. Naturalmente, temosum duplo movimento. De um lado, a queda da bipolaridade, Estados Unidos eRússia, em função da derrota do comunismo, da autoderrota, diga-se, enfatica-mente, que deu origem à insuperável leveza do multilaleralismo do Governo Clinton.De outro lado, este último aspecto permite o surgimento de um segundo passo,que é a busca de um império absoluto, onde se constroem inimigos como o“eixo do mal” no curto prazo e, no médio, a fatal ameaça da China.

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Mas a proposição do império, que começa e se inaugura com o Iraque, emgerme já na guerra contra o Afeganistão, é uma tentativa que sustenta outra,ainda que precária e simbolicamente provisória, de reformulação da crise daeconomia norte-americana, embaraçada entre a longa queda da Bolsa de Valo-res, a derrapagem de uma forma do capital financeiro — a governança corporativacom seus escândalos — e o estacionamento do investimento produtivo conse-qüente da superacumulação de capital. Pois o que a Guerra do Iraque trouxe foia introdução de um novo núcleo dinâmico de expansão, ou seja, a combinaçãoda Indústria Bélica, da Indústria do Petróleo e da Indústria da Construção CivilNão Residencial, substituindo e dando continuidade ao antigo núcleo Finanças,Novas Tecnologias de Informação e Comunicação e Mídia. Embora o fôlego doprimeiro seja curto, pois ele depende de um conjunto de guerras que ainda nãoestão em andamento, salvo justamente as do Afeganistão e do Iraque, temosuma nova articulação do capital, que, expressando conflitos entre os gruposdominantes, gera uma tentativa de um novo caminho.

O capitalismo financeiro opera, então, na busca, paralela e dialeticamentecom a dimensão política, de uma nova ordem econômica internacional. A guerratambém é uma proposta para relançar algum movimento que vise à ascendênciacíclica da economia norte-americana, mas que se completa com uma série deacontecimentos e de exigências, onde estão visíveis o surgimento do euro, anecessidade de reformulação da política econômica da União Européia, a tentativade recuperação econômica do Japão, o estabelecimento da ALCA, etc. Issoquer dizer que o ponto-chave de todos esses aspectos é colocar como póloindispensável e agudo da economia a retomada do investimento dos EstadosUnidos, que, se de fato, por magia ou por realidade, acontecesse, a sinergiacom as outras economias do mundo se faria com relativa facilidade, dandoadventícias possibilidades de a economia internacional crescer.1

Olhemos as coisas por outro lado. O grupo social dominante nos EstadosUnidos é formado por acionistas e investidores que constituem as finanças eque usufruem rendimentos do múltiplo jogo financeiro e que se expressam, nãodiretamente, por meio de partidos nacionais que, por sua vez, ativam políticas decunho neoliberal. A grande transformação desse momento ocorre no palco doteatro político, quando um grupo militarista, jogando com razões políticase estratégicas, recompõe o neoliberalismo. Seu objetivo, explícito e implícito,visa definir tanto uma ordem política quanto uma ordem econômica. Promulga etece, dessa forma, uma nova ideologia — para a qual contribui notavelmente amídia — que chamaremos de neoliberalismo da força. A guerra, por motivos

1 Para maiores detalhamentos dos assuntos abordados, ver Souza (2003).

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militares e políticos, vira um suporte fundamental, ao menos na transição, naconstrução e no exercício inaugural da nova fase do capitalismo financeiro. Evejamos o incrível dessa exótica flor: a base de sustentação sendo as finanças,a preocupação com o produtivo é menor. O grupo mais poderoso do capitalbusca renda vinda de investimento financeiro e não necessariamente renda vindada produção. Ou seja, ele não é contra a produção, porém o mais ambicionadoestá na figura dos rendimentos financeiros (Duménil; Lévy, 2003). Com oliberalismo da força, o que essa economia pretende é recuperar a dinâmicaeconômica produtiva, sobretudo pela queima de capital e pela ascensão da taxade lucro. O que poderá, pensam assim seus entendidos, retomar, pelarecuperação das ações, a dança livre dos preços dos títulos nas Bolsasde Valores, somando, assim, guerra, política e economia e sonho dounilateralismo — a combinação da soberania absoluta com a retomadaarborescente das finanças privadas.

Em resumo, é diante desse neoliberalismo da força que o Brasil tem e teráque se posicionar, tanto no campo político como no plano econômico.

2 - A estratégia da autonomia

2.1 - O fracasso da estratégia subordinada

A grande realidade da eleição brasileira de 2002 foi, sem dúvida, a consciênciaque a elite econômica teve de sua profunda e equivocada estratégia dos anos90. A partir do final do Governo Sarney, os donos do capital passaram a desenvolveruma idéia que lhes era cara, a da sua sempre desejada articulação com o capitalestrangeiro, o seu sonho de progresso e renda. Assim como a inflação é umamemória, as soluções dos problemas econômicos também o são. Nos anos 50,houve um enlace duradouro e especial entre o nosso capital e o forâneo, umaamizade frutífera para os dois lados. A razão ativa desse pacto se expressoubrilhantemente no governo de Juscelino Kubitschek, onde foram implantadas asbases do desenvolvimentismo brasileiro mais moderno. Porém a colheita do quefoi plantado se deu plenamente nos governos militares, quando o Brasil, comnotável desempenho, alcançou o estatuto de oitava potência do mundo. Ou seja,foi uma aliança que se tornou um pacto e que deu certo. Desenvolvimento,expansão do capital, lucros — e posição invejável no mundo. Apenas o queempanava ligeiramente a música de tal acontecimento eram a má distribuiçãoda renda e uma cortina de miséria em torno do palco da exuberância produtiva.

Essa memória, a do sucesso econômico, vivia, e ainda vive, fortemente nasclasses produtivas e financeiras do País. No final dos anos 80, quando trilháva-

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mos a “década perdida”, circulou entre o empresariado a gloriosa idéia de reno-var o pacto com o Exterior, jamais pensando que se estava assumindo o papelde Fausto e, como tal, contratando um pacto com o diabo. Em função da dívidaexterna de então, em função da longa ausência de aportes de capitais estrangei-ros, em função dos atrasos tecnológicos gritantes — inclusive oriundos de umprotecionismo arcaico e incompetente — e, igualmente, em função de uma de-sejada nova modernidade, o Brasil fez o seu pacto goethiano, ou seja, vendeusua alma ao diabo. O problema é que, ao fazer esse pacto, o empresariado e ospolíticos brasileiros (Collor e Fernando Henrique; Itamar, com uma ótica maisnacionalista) deixaram de ver o que estava acontecendo, a extraordinária mu-dança no capitalismo mundial, a fase da globalização norte-americana, tantoeconômica quanto política. O jardim agora não plantava mais rosas, havia outrasplantas, algumas mais venenosas, outras tóxicas. Falando sem metáforas, ocapitalismo tinha mudado, e a forma do capital financeiro punha em primeirolugar não mais o lado produtivo da economia, mas, sim, a máquina financeira, abusca infatigável de rendas. E o Brasil, na sua ânsia de sair da década comresultados, ofereceu o seu tesouro, ampliou a abertura comercial, provocou aabertura financeira e privatizou o capital estatal. E isso sem considerar, o quenão estava tão claro naquele momento, que, na política internacional, o multilatera-lismo consentido já escondia, estruturalmente, um unilateralismo da força. Oque aumentava a solução geopolítica brasileira, a do alinhamento automático.

Uma enorme venda cobriu os olhos da nossa política e da nossa economia,e o gesto do príncipe da sociologia, Fernando Henrique, querendo ser presiden-te, senão maior, pelo menos no mesmo nível de Vargas e de JK, expressou avontade das elites dominantes, abrindo a Nação para o capital internacional,como se elas, ao igual como ele pensava, fossem dar um salto fantástico noêxito. É preciso destacar e reforçar: FHC não decidiu sozinho; as elites assim odesejavam. E tudo parecia ir ao encontro e na direção da felicidade de todas asempresas e do Presidente. O totalitarismo soviético tinha caído, e o capital domundo inteiro, incluindo o nosso, assumiu a posição de liderança e sabedoria.Qual foi a opção dos brasileiros? A pílula ideológica dizia: o capitalismo é umsistema de livre concorrência; e o neoliberalismo, a proposta econômica ade-quada para a nova fase da sociedade planetária; portanto, o que é bom para oPrimeiro Mundo, é bom para o Brasil. Nunca esquecendo a regra de ouro: deixaro liberalismo penetrar em todas as partes do País. Com isso, ampliou-se anossa liberdade do comércio externo, abriu-se afanosamente o circuito financei-ro. E mais, em nome desse neoliberalismo encantado e maravilhoso, começou--se a fazer a metamorfose do Estado, a começar pelo encurtamento da políticaeconômica. Dito de outra forma, só as políticas monetária, financeira, cambial efiscal tinham direito de cidadania. Nada de políticas industrial, agrícola, de em-prego, de rendas, nada de política tecnológica.

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Houve um cuidado especial e praticamente único com o curto prazo.O pensamento fundamental era que as empresas atentavam, e bem, para apolítica do longo curso, ou seja, produção, tecnologia e emprego. O mercado,nas suas opções, culminaria por fazer, então, a política dos diversos setores.Abdicou-se integralmente, com essas idéias, daquilo que tinha sido a arma bá-sica da economia brasileira, o Estado, inclusive como praticante do investimen-to autônomo. Mergulhamos, assim, no neoliberalismo mais fundo, abandonandoe perdendo, sem pensar, o investimento estatal. As empresas produtivas doEstado poderiam ser vendidas, e o foram, para empresas que, por hipótese,trariam capital, inovações tecnológicas e eficiência, mas com contratosmonopólicos, onde havia, obra de gênio, a indexação tarifária (e se embutiu aíuma das futuras causas da inflação de custo, nós que, supostamente, estáva-mos nos encaminhando para a competitividade empresarial e para a estabilida-de de preços). Chegamos à era dourada da privatização e à desfiguração pro-posta para o Estado. O capital impôs sua face, e os trabalhadores, em funçãodo refluxo socialista no mundo, não conseguiram anular essa opção estratégica.Não se pode ocultar, também, que o desejo de aumentar a capitalização dasáreas públicas chegou à saúde, à previdência e à educação, onde os primeirospassos foram dados com uma força e um sopro animados pelo próprio Estado.O Estado neoliberalizado. E que passou a ter um desempenho que o tornou umEstado financeiro.2

Foi essa estratégia que, macroeconomicamente, se revelou inviável, se ocritério para avaliação e ajuizamento for o desenvolvimento econômico e social.Basta olhar o PIB e ter acompanhado a montanha russa da política econômicado Governo FHC. Verificou-se o que Gerard Duménil e Dominique Lévy chamamde uma “crise neoliberal crônica”. Lembremos do crescimento anual semprecrítico, a tal ponto que qualquer movimento cíclico ascensional tinha que serabortado com o freio de uma política monetário-financeira contracionista. Enquantoos Estados Unidos tiveram uma fase cíclica ascendente de oito anos, o Brasilteve dois miniciclos nesse período. Eles foram acompanhados de duasespetaculares crises cambiais, a de 1999 e a de 2002. Para não citarmos odesemprego crítico, apesar de uma boa distribuição da renda por ocasião daimplementação do real. Ou seja, a tão acalentada estratégia de liberdade doscapitais, ponto de partida para um crescimento sustentável, assumida por umchamado país emergente, é um jogo fora do seu alcance. No nosso caso, umameta além das aspirações do Brasil. O resultado em termos de produto, derenda, de capacidade de efetuar investimentos, de poder de influência e regulação

2 Ver Souza (1999, 2000).

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do Estado na economia, de distribuição efetiva e persistente da renda, do de-senvolvimento de tecnologias, de expansão de capitais brasileiros, de aliançase de associações empresariais, etc. foi adverso e completamente longe doprojeto do empresariado brasileiro. Salvo, talvez, para a área do setor bancárionacional — que limpou suas excrescências, fortaleceu seu domínio de mercadodiante dos estrangeiros e ampliou a sua renda como nenhum outro setor. Aevidência do equívoco dessa estratégia foi sempre decorada e ornamentadapelo notável fracasso da Argentina, a que adotou a âncora cambial inflexível — aparidade chamada de “uno por uno” — e que seguia, como um exemplo paratodos, o modelo neoliberal da moda. Em 2002, o fracasso do país vizinho estevesempre no horizonte brasileiro, como um futuro que nos parecia uma possibilidadeimediata. A canoa do neoliberalismo era uma canoa furada. O Brasil levou umadécada para descobrir o que qualquer teoria heterodoxa logo assinalava, baseadona fé do pacto mefistofélico.

Ou seja, a aliança de banqueiros, empresários industriais e agrícolas quepatrocinaram o governo de FHC, buscando fortemente o neoliberalismo dos anos90, acabou por se dar conta de que os métodos para manter o Brasil inserido naeconomia mundializada, como a estabilidade de preços, o controle fiscal, o realvalorizado e depois tombado, as dívidas interna e externa, a necessidade deviver controlando o balanço de pagamentos, etc., levaram o País a uma prisãoterrível. Prisão marcada pela ausência de crescimento sustentado, pela crisefinanceira constante, por estagnação e retrocesso na questão do emprego, pelodesenvolvimento da miséria em escala elevada, pela progressiva desordem social,onde se destacaram, negativamente, o narcotráfico e a violência urbana intensa.Todo o movimento econômico e social tocou fundo nos nossos capitais, poisinúmeros cederam os seus controles para corporações internacionais. Oresultado, ao longo do tempo, foi, sem dúvida, um estado quase recorrente deespera e de crise, como foi o segundo período do governo de Fernando Henrique.A política da estabilidade de preços, que, teoricamente, objetivava a criação decondições para o que se chamava de crescimento sustentado, deu igualmente,como conseqüência, um empobrecimento político e econômico do Estado, quepassou a ser, como já dissemos, um ente predominante financeiro.

No dorso das transformações na esfera produtiva, emergiram umadesnacionalização crescente, uma ameaça iminente de desindustrialização, umdesamparo contundente na questão tecnológica e uma privatização, cheia dealtos e baixos, que elevou os custos-Brasil, etc. Enfim, o tempo foi cruel:estabeleceu-se a necessidade de revisar o pacto instaurado. Um pacto que de-sabou sobre o Brasil, com um vendaval menos feroz do que o da Argentina. E onúcleo central da crise da estratégia do empresariado brasileiro e do GovernoFernando Henrique, não resta a menor dúvida, concentrou-se na abdicação do

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investimento, de tal modo que a economia ficou inteiramente dependente docapital internacional. E não há segredos, este, quando opta por fazer as suasinversões e os seus reinvestimentos, decide em função das múltiplas possibili-dades dinâmicas que tem no mundo inteiro. A trajetória brasileiranão chegava a ser um estímulo, basta ver a taxa de investimento como percentualdo PIB.

2.2 - Enfim, a luminosa idéia da autonomia

Diante da crise reiterativa permanente, a eleição de 2002 trouxe, comomotivação básica para grande parte das frações do capital e da totalidade dapopulação, a necessidade de retomada da autonomia nacional. Essa questãosuprema se poderia conceber, rigorosamente, deste modo: de um lado, há quemanter a posição de aliado estratégico e geopolítico dos Estados Unidos, mas,de outro, tratar tanto de recusar o quase inconcebível alinhamento automáticoque eles propõem quanto de romper com as impróprias idéias norte-americanassobre a economia brasileira (desde a subordinação ao FMI e o gerenciamento ea amplitude da política econômica até as soluções já prontas para a instalaçãoda ALCA e seus problemas: serviços, compras governamentais, produção agrícola,etc.). Naturalmente, os objetivos da autonomia almejada seriam a criação decondições para o estabelecimento de uma nova posição do Brasil no mundo epara o surgimento do esperado e desejado desenvolvimento (porém com umsubstancial acréscimo: que não fosse somente econômico, mas também social).

O quadro vigente no final do Governo FHC, semelhante a uma árvore desgre-nhada, aparecia como um espectro para a sociedade brasileira. Seu rosto tinhadiversas formas, todas soturnas e algumas imaginárias. Estas chegavam a servislumbradas no horizonte histórico como situações limites, seja sob a figura dadesintegração nacional, seja sob o emblema de uma intolerável anexação àeconomia dos Estados Unidos. Tendo consciência desses fantasmas e procurandoeliminá-los, as diversas camadas da sociedade brasileira trabalharam paraconsolidar, social e politicamente, uma proposta de autonomia, expressando-a,efetivamente, na vitória eleitoral da oposição. Cabe ter bem presentes asdimensões dessa proposta e seus dois aspectos: a autonomia política do Brasildiante da potência líder e a autonomia para construir o seu desenvolvimentoeconômico e social. A primeira tocando, prioritariamente, o lado exterior brasileiro,e a segunda, o lado mais embaraçado, o das forças atuantes no setor interno.Na boa análise, a separação é só do método de expor, pois a autonomia englo-ba, numa interação circular, os dois pólos em exame.

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Essa idéia de autonomia, vinda das urnas, representou uma nova orienta-ção para o País. De saída, exigia uma tomada de posição imediata, logo depoisdas eleições, com a notória tarefa de transformar a imagem da política externade Fernando Henrique, cuja estratégia se baseava numa integração passiva namundialização. Bastou, efetivamente, ao novo Governo enunciar e agir, pragma-ticamente, segundo a ordem dos eventos, para alimentar, com astúcia, umapolítica mais arejada, mais ativa e mais nacional. Afirmava um objetivo de auto-nomia relativa, onde ficasse marcada, e se possível firmemente, a posição dealiado dos Estados Unidos, mas não necessariamente atuando em prol daglobalização norte-americana, inclusive do jeito que eles gostariam quefizéssemos. Acima de tudo, era de bom tom salientar a oposição ao seu libera-lismo da força, essa ameaça visível do início do século XXI. Como dissemos, osprimeiros movimentos após a posse do Governo seguiram, enfaticamente, es-ses propósitos e desdobraram-se, como uma continuidade do axioma da auto-nomia no campo externo, em múltiplos acontecimentos: a proposta pela paz noIraque, a postura favorável ao multilateralismo na defesa do papel da ONU, oapoio indiscutível ao Tribunal Penal Internacional, a busca de um clube de ami-gos para tentar solucionar a crise da Venezuela, etc. Além desses episódios,outros começaram a ser desenvolvidos, como o inventivo “G-3 do Sul”, articulan-do Brasil, África do Sul e Índia; como a idéia de provocar uma dinâmica Sul-Sul,incluindo a Ásia; e como encontrar soluções para uma aproximação maior coma Europa. Não podemos deixar de levar em conta uma relação diplomática demaior amplitude com a União Soviética, como uma jogada de mais longa expec-tativa, que pode até permitir a geração de frutos preciosos. Enfim, não restadúvida, a luminosa idéia de autonomia está sendo posta em prática na políticaexterna, o que equivale a dizer que o País busca encontrar o seu perfil de globalplayer, mesmo que seja de estatura pequena ou mediana. E todas essas atitu-des e essas idéias, um novo conjunto de atos, se gestaram sem que o Paísdeixasse de apoiar seu principal aliado geopolítico, podendo-se concluir que, atéo momento, a citada política externa brasileira vem sendo trabalhada dentro doque foi a decisão nacional das eleições.

2.2.1 - O pecado mora na questão internaO êxito da posição do Brasil no campo externo, que tem dado resultados e

recebido elogios internacionais, não oculta as dificuldades da organização dapolítica e da economia no plano interno. É preciso examiná-las amplamente,uma vez que a idéia de autonomia relativa tem como alvo e como rota principal arealização de um projeto de desenvolvimento econômico independente, posto,novamente, para a nação desejante, como uma figura essencial. Isso significa

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dizer que a economia deveria atacar de modo explícito, de frente, olho no olho,suas questões candentes: os investimentos nacional e estrangeiro, o papel doEstado, as duas dívidas — interna e externa —, o financiamento público, ocontrole do balanço de pagamentos em todos os seus itens, o superávit primá-rio, a reforma tributária, o desemprego, a legislação do trabalho, a previdênciapública e a privada, a distribuição da renda, o desenvolvimento tecnológico, oatendimento das amplas reivindicações sociais, etc. Uma agenda próxima doabsolutamente excessivo. Do ponto de vista do Governo, a inteligência recomen-daria a proposição e a seleção de uma estratégia clara, nítida, definida ehierarquizada desde logo e que tivesse um efeito de comunicação imediato, detal modo que a nação, iluminada, apreendesse, quase instantaneamente, a direçãoe o sentido do percurso da economia e da sociedade.

2.2.1.1 - Da aliança não nasce o pacto

O jogo político é uma dança de passos complexos e surpreendentes,sobretudo quando o Governo está decidindo, na aurora de sua instalação, asduras questões do campo econômico. Não nos esqueçamos: uma coisa é ganhara eleição, e outra, governar. O fantasma de uma administração decadente,como parecia ser a de FHC no seu final, foi o móvel e o chamariz da mudança.Para o consolo dos conservadores, nem mesmo os banqueiros, armados deflexibilidade, estavam apegados ao Governo que saía. Assim, quando temos umnovo poder constituído, a arena da política altera-se. Uma coisa são os apoioseleitorais, outra é a gestão de uma nova realidade. Para aqueles apoios, bastavauma aliança; para esta gestão, a exigência de um pacto. Todo o trabalho doGoverno que estava entrando, salpicado de esperanças e dúvidas, residia naconstrução da passagem da aliança para pacto. Completamente fácil de propor,extremamente difícil de realizar. Fazia-se evidente e escaldante a fratura expostado problema.

A aliança serviu para dar um passo à frente, clarificou o rumo das eleições,mas teve e tem um caráter mais tático do que estratégico, na razoável percepçãode que ela é instável por natureza. A sua validade pode ser indeterminada efugaz, e a adesão aos seus propósitos talvez não seja a mesma para todos. Jáum pacto postula um contínuo e uníssono trabalhar para o mesmo objetivo. Nonosso caso, a opção deveria ser por um determinado tipo de enlace num visionadoprojeto econômico e social. Que todos queriam alterar o rumo da carruagemnenhum passageiro duvidava. Ficou claro que havia e há um ponto comum, apolítica externa, mas esse acordo não se estendeu para o revoltoso mar dapolítica e da economia nacional. Aqui não resta dúvida, não há possibilidadenenhuma de pacto político. Os interesses são múltiplos e agressivamente

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independentes, com amplas zonas de divergências. O que dizer disso? A estra-tégia geral está cuidadosamente definida: um reluzente projeto de autonomia.Na primeira soberania pretendida, soberania da política externa, já dissemos,tudo bem. No sonho do fortalecimento e do desenvolvimento da economia bra-sileira — distanciando-a, autonomizando-a, pelo menos em parte, daglobalização —, o jogo se complica, e há caminhos diferentes e discordânciassérias. As propostas não encontrariam acolhida unânime. E o acordo enfrentariamuitos embaraços, já que as escolhas poderiam chocar-se com interesses deuma ou outra fração participante da aliança. E cada força que diverge — osetor bancário por exemplo —, para preservar a sua tendência, as suas con-quistas, os seus futuros, culmina por não pactuar, promovendo, com granderepercussão, uma diferença perturbante, um furo no coração do pacto...

2.2.1.2 - De como as finanças se valeram da aliança

Os interesses dos grupos sociais materializam-se em torno, no campo doEstado, de políticas, ministérios, órgãos decisórios, etc., de tal modo que odiscurso mais geral, o projeto de desenvolvimento, no caso, pode ser desviado,contornado, bloqueado por ações concretas de decisões estatais. Ou seja, quandoa aliança triunfa, cargos são distribuídos, e a plasticidade do capital financeirorecolhe um ponto-chave: as políticas monetária, fiscal, financeira e cambial doPaís. Como foi possível essa colheita? Como foi possível essa astúcia? Emprimeiro lugar, a política de FHC esteve, todo o tempo, conjugada com asorientações do FMI. Este tinha sitiado, desde o princípio do Plano Real, a nossapolítica econômica global, transformando-a em política de curto prazo. Esse éum fato histórico e estrutural. Em segundo lugar, como o encerramento doGoverno que terminou em 2002 foi uma desagregação incontornável, visto a forteespeculação com o dólar, a interrupção das linhas de créditos dos bancosinternacionais, a subida intensa e ameaçante da inflação, a desconsideração doBrasil como área do investimento estrangeiro, o prolongado clima de crise mesmocom a vitória de Lula, fazia-se necessário, no princípio do novo Governo, que apolítica econômica de curto prazo de Fernando Henrique fosse retomada,controlada e reposta para dar equilíbrio à economia brasileira.

Retornou-se, dessa forma, à política pura e simples da estabilidade, semqualquer encaminhamento das questões do desenvolvimento econômico e social(salvo o lançamento solitário do programa Fome Zero). E foi nessa ausência, umtanto melancólica, de qualquer sinalização do desenvolvimento, que o GovernoLula, na sua necessidade de estancar a crise, caiu na armadilha. Com essapostura, consolidou dois pontos fundamentais para o capital financeiro: a articu-lação do Banco Central com o FMI e a gerência da Fazenda em torno da política

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do imediato. Essa dupla consolidação significa que o enlace das finanças priva-das internacionais e nacionais não foi nem diminuído, nem desfeito, ao contrá-rio, aumentou. E mais, deu margem à consecução de uma manobra extraordiná-ria sobre a aliança, pois, ao se encastelarem no Bacen e no Ministério da Fa-zenda, impuseram a todo o resto do Governo a continuação das diretrizes funda-mentais da antiga administração de Fernando Henrique. Foi por seguir a mesmatrilha econômica que a aliança começou a não ser pacto e que o projeto deautonomia isolou a política externa da política e da economia interna, na própriamontagem do Governo.

Aconteceu, então, o retorno de uma política que podemos chamar, umpouco à maneira de Keynes, de “armadilha da estabilidade”. Essa armadilha secaracteriza pelo fato de a economia encontrar um antídoto antiinflacionário, mas,ao mesmo tempo, não conseguir libertar-se dele, para seguir o rumo mais quedesejável, depois de tantos anos, do desenvolvimento. A armadilha da estabilidadeé o resultado de uma concepção vitoriosa de política econômica, cuja origemestá no próprio setor das finanças. O longo prazo para essa concepção neoliberalnão surge de uma visão e de uma ação macroeconômica; a política industrial esuas derivações tecnológicas, comerciais e de emprego são conseqüência, comoefeito acumulado, de decisões microeconômicas. Um nível distinto do primeiro,portanto e por tal razão, o Estado abdica de fazer política global. Logo, ao con-servar o núcleo econômico do Governo, as finanças mantiveram a mesma postu-ra — e até com mais sal — dessa política econômica e do governo de FHC,buscando, mangas arregaçadas, o combate ao dragão inflacionário e relançar acaça às rendas no mercado financeiro.

Assim, é preciso dizer, sem mais demora, que essa política se instalacomo estrutural, já que em si o capital financeiro não é contra o capital produtivo,só não faz nenhuma batalha para acoplar, junto da gestão de curto prazo, medidasque incentivem o investimento industrial. A razão é que as finanças gravitam emvolta das rendas especulativas, e os lucros oriundos da produção não são o seuobjetivo prioritário. Se estes existirem, ótimo, e que bom se entrarem no circuitofinanceiro, mas não é preciso perder o sono com os problemas das indústrias —e muito menos com o tema do emprego. Os títulos do Governo são o seu negóciomais apetitoso. Daí o desespero do setor industrial diante da administração decurto prazo no Brasil, uma vez que, para travar a inflação, deixando o dólar livre,é necessário controlar, pela subida a um patamar fortemente elevado e por tempobastante longo, a taxa básica de juros. O capital flui para os mercados financei-ros, daqui ou de fora, e o investimento na produção fica paralisado como umavião à espera da autorização da torre de controle.

Ou seja, o Estado intervém para manter a estabilidade. E a estabilidadeserve a todos os grupos sociais, mas tem uma cor mais acentuada de

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favorecimento aos grupos financeiros. Dito de outra forma, a inflação é o elemen-to desorganizador e desestruturante numa economia globalizada, e torna-se in-dispensável controlá-la, mas o controle irracional (!) pela taxa de juros provocaum rumo forte à recessão. Irracional sim, pois, para uma economia que querdesenvolver-se, usar um controle que detém, por longos anos, a ascensão dodesenvolvimento não pode ser classificado de outra forma. A armadilha daestabilidade interdita o retorno do investimento, mas não desarma os avançosdas finanças privadas. É, aliás, um dos seus pontos de alavancagem,principalmente pela tranqüilidade do ambiente de negócios (não confundir comambiente social).

2.2.1.3 - A saudade imensa do investimento autônomo

Estamos tratando da fratura do pacto. É uma fratura que reproduz a estruturada atual política econômica. De um lado, o curto prazo; de outro, o longo. De umlado, a política macroeconômica reduzida; de outro, a política microeconômicadas empresas. O que isso marca é, sem dúvida, a excelsa importância quetinha o investimento autônomo do Estado, a tal ponto que o aprisionamentodeste pelas dívidas internas e externas, a necessidade do superávit fiscal e aliquidação das estatais pela privatização tornaram o investimento uma variávelquase externa, uma variável que fica na dependência das multinacionais. E asmultinacionais, obviamente, são pressionadas, pela dinâmica interna brasileira,a fazer investimentos. Porém esses investimentos (e mesmo o funcionamentodessas empresas) dependem de outras dinâmicas, onde essas corporaçõesestão imersas. É a dinâmica internacional que acelera, estaciona ou atrasa adinâmica nos países. Aqui está o fulcro da questão, cuja origem se ancora naabdicação do investimento autônomo brasileiro, aquele feito pelo Estado, queliderava a expansão de nossa economia, supresso, com as privatizações, peloGoverno Fernando Henrique. Com isso, sem objetivo de recuperar esse tipo deinvestimento, a aliança fica dependente, estruturalmente, do doce embalo dapolítica de curto prazo, uma vez que as emoções do longo continuam como umprojeto microeconômico das empresas estrangeiras. Assim, os industriaisbrasileiros e os trabalhadores nacionais, com as suas buscas de lucro e deemprego, passam a ser totalmente dominados, política e economicamente.

O importante, nesse processo, é verificar que o acordo político, sendo umaaliança e não um pacto, passa a ser gerido pela estrutura, o que favorece, deforma aguda, os interesses das finanças privadas, em consonância com o fenô-meno da “armadilha da estabilidade”. Dessa forma, o resultado é uma fragmen-tação da unidade política, dado que, na aliança — uma aliança deocasiões —, os interesses continuam particulares, e não há, necessariamen-

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te, um objetivo permanente acima destes que os limite. Nela, e sobretudonaquela concretizada no Brasil, sobressai, com galhardia, o caráter temporal,eventual e, muitas vezes, pontual das concordâncias. Parece que o projeto deautonomia está se desdobrando satisfatoriamente no front externo. Todavia, nointerno, na condução econômica, as finanças capturaram, para si, os primeirosmovimentos da política econômica, desconcertando as demais forças sociaisdo País.

Dessa forma, a aliança não se tornando pacto, o projeto de desenvolvimentoeconômico e social brota como sendo imaginário e sem construção efetiva.Restam grupos soltos, avulsos e errantes, as finanças, os industriais, os comer-ciantes, os empresários agrícolas, os trabalhadores urbanos, os trabalhadoresrurais, os desempregados, os sem-teto, os sem-terra, etc., mas dominadosestruturalmente pelas finanças. Com isso, a realidade torna-se fragmentada, aunidade perde-se e as tensões do todo não são bloqueadas, ao contrário,exacerbam-se.

3 - O jogo do capital financeiro e do GovernoA face oculta da realidade brasileira, presente nos primeiros meses da nova

administração do País, compunha-se de duas cabeças, como um cão que astivesse, ambas poderosas, latindo e mordendo a população e o governo. A cabeçaque ladra mais alto, a cabeça número um, poderíamos chamá-la de financeira,se instalou como uma estrutura, impondo uma solução a que demos o nome de“armadilha da estabilidade”. Demos esse nome por causa da sua obstrução aodesenvolvimento econômico e social. A segunda cabeça, um tanto autofágica,talvez seja uma cabeça sem realidade, seria a teoria do desenvolvimento emtempos de globalização. Pois é essa teoria que está perigosamente ausente nahora do Governo Lula (Sader, 2003).

A combinação das duas cabeças levou-nos a um vazio, a um buraco, cujaverdade foi o bloqueio do desenvolvimento. Não se deu a passagem do curto aolongo prazo, porque essa passagem, como a correnteza de um rio voluptuoso,teria que avançar pela zona do investimento. Mas, no que toca à inversão, elacontinua a ser, desde os tempos de FHC, uma variável que não decola, nem sefortalece Como já explicamos, a conexão em pauta é praticamente impossívelde ser feita pelo capital estrangeiro, cujas opções são, basicamente, em tornode aplicações financeiras. Como, nessa realidade, o Governo não teve a possibi-lidade de uma ação para incentivar o aumento da capacidade de investir daeconomia, a sua preocupação voltou-se para os problemas da governabilidadenacional. O assunto veio como uma chuva impertinente, tratando dos contratem-

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pos de caixa dos estados, embora as reformas aparentemente fossem outras, ada previdência e a tributária.

Não examinaremos em detalhe essas duas reformas, mas o que se apreendedo ponto de vista político, da grande política, é que o Governo, não podendoinvestir e se dedicando a batalhas parlamentares pelas causas assinaladas,acabou por se enganar e desviar-se do alvo principal, a profundidade dos estragosdo capital financeiro. Os danos não eram apenas uma questão de postura depolítica econômica, mas um câncer que estava (e está) ramificado em toda aestrutura do Estado. Portanto, não é somente um problema de formulação depolítica econômica, passa também pelas instituições, pela burocracia, pela própriafederação política brasileira, desde o Governo Central até os governos dos esta-dos. Uma estrutura que avançou para apropriar-se dos pilares estatais e que, aomesmo tempo, subjugou, econômica e politicamente, outros atores sociais, comoo capital produtivo, o capital comercial, os trabalhadores, etc.

Nesse momento, a questão do futuro da dominância do capital financeiropõe-se com toda força e esclarece-se da seguinte maneira: de um lado, asfinanças têm na mão o aprisionamento do Estado, com o problema de que oGoverno eleito veio pela esquerda; e, de outro, a sua participação na renda cresceespetacularmente, sem que ocorra o mesmo com as outras frações do capital.Há, todavia, um terceiro lado: o desemprego, a miséria e a exclusão socialtambém evoluíram de forma intensa, contribuindo para fazer crescer a instabilidadee as tensões da sociedade brasileira. Esse quadro revela, sem dúvida, ummomento grave, pois o jogo capital financeiro e Governo, de agora em diante,abarcará o centro dos conflitos, embora tudo pareça o contrário. No entanto, oque corre solto na esplanada da economia e da política é que as finanças estãojogando de mão.

Quais são as razões dessa vantagem? Em primeiro lugar, o seu domínioestrutural, já comentado. Em segundo, porque o Governo e a sociedade não têmuma teoria e, conseqüentemente, um projeto de desenvolvimento para a horaatual. Em terceiro lugar, os demais capitais, embora estejam submetidos àsfinanças, não se aliarão aos trabalhadores e aos movimentos sociais, nem aoGoverno de esquerda, para enfrentá-las. Em quarto lugar, porque todas as esferasde governo (federal, estadual e municipal) estão trabalhando, numa aliançaparlamentar, para efetuar reformas que sustentem a viabilidade de um governo ede um Estado cercado pelas ditas finanças, mas que, no fundo, também serãobeneficiadas de uma forma ou de outra.

Agora, focalizando o Governo, em face desses argumentos, devemos in-quirir quais são as armas que ele possui, quais as lanças que pretende empre-gar? Quando se consideram as suas possibilidades, sem que fiquemos envoltosna questão parlamentar e na política partidária (importantes, mas que não são o

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nosso nível de exame), localizamos alguns pontos básicos, que passamos aexpor. O primeiro e maior destaque já apontamos: a decisiva manobra da políticaexterna, que permitirá, inclusive, evitar ataques fortíssimos do capital estrangei-ro através, por exemplo, da ALCA, da OMC, etc. Isso significa parar o grau deinfiltração e hemorragia que o Estado e a sociedade sofreram todos esses anos,o que só aumentaria com concessões do tipo compras governamentais, garan-tia de investimentos, etc. Em segundo lugar, a desvinculação brasileira das po-líticas do FMI. O que não significa cortar o diálogo e as relações, mas, sobretu-do, evitar que as nossas definições de política econômica venham de fora. Cabeainda frisar, como tópico principal deste ponto, a necessidade de buscar anularos constrangimentos externos, expressos no balanço de pagamentos, atravésdas transações correntes, e na questão fiscal, por intermédio do superávit primário.Em terceiro lugar, o funcionamento político e econômico do Mercosul, comampliações para outras nações do continente sul-americano. Um das marcasfundamentais talvez seja um projeto de investimentos em infra-estrutura,articulando países, capitais, trabalhadores e mesmo organismos internacionais.Em quarto lugar, o conhecimento e o estudo das infiltrações institucionais eburocráticas, as formas de privatização do Estado, empregadas pelas finanças,para que se possa reconverter o setor público ao serviço da sociedade, de fato,de toda a sociedade. Em quinto lugar, o comprometimento do Governo com odesenvolvimento. Ao mesmo tempo, para que a realidade se modifique e setransforme, é indispensável constituir uma teoria e um projeto de desenvolvimentoeconômico e social em toda a sua amplitude, seja no caso da manutenção daglobalização liberal, seja na hipótese de uma outra globalização. As instituiçõesdo Governo e o setor privado podem contribuir para a construção dessa teoria nocaminho de uma verdadeira autonomia. Em sexto lugar, a percepção de que aideologia não é um fator a ser desprezado. Ao contrário, ele é substancial e emtodos os níveis: econômicos, políticos, sociais, culturais, etc. Um dos aspectosmais candentes atravessa a luta contra a legitimação da financeirização doEstado. O tema do bem comum torna-se cada vez mais imperioso, retomandouma causa decisiva em prol do relançamento da civilização em tempos de violênciae barbárie.

Finalmente, é preciso fazer um parágrafo para tentar descortinar um novopasso na estratégia brasileira. O projeto de autonomia teria que encampar umgiro de estratégia. De um modo geral, o que se poderia conceber como um gestonormal do interesse nacional seria a articulação de um projeto de desenvolvi-mento que caminhasse em paralelo ao projeto de autonomia na política externa.Porém, com a implantação de profundas raízes do capital financeiro no interiordo Estado, o projeto talvez tenha que fazer uma curva e tomar corpo a partirexatamente dessa política externa, onde os caminhos podem ser mais flexíveis,

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dadas as resistências inúmeras à soberania absoluta dos norte-americanos,bem como as dificuldades notórias da economia dos Estados Unidos Uma açãopragmática e vigorosa nesse espaço, com objetivos estratégicos bem definidos,poderia fornecer o tempo indispensável para recuperar, canalizar e concentrarforças no interior do País. Em todo caso, a estratégia exige que as manobras doGoverno no campo parlamentar sejam eficazes e não desperdicem aliados, par-tidários e não partidários. Porém, se o Governo não tiver clareza do seu destino,da sua trajetória, das suas tarefas, esse lance será inútil, já que se arrisca aceder a almejada política de autonomia para ficar reduzido à darwiniana políticado poder pelo poder. O que será, sem dúvida, um triunfo das finanças.

ConclusãoUma análise no sopro dos acontecimentos está sempre envolta em nuvens

e véus e cortinas, porque não há distância, muitas vezes, para se ver o contornodos objetos. Em política e economia, os encobrimentos são amplos e, de certomodo, tenazes. Assim, interpretar os fatos, dar sentido a eles, descortinar astendências que estão ali embutidas é uma arte que depende de intuições corretase de teorias, que vão se fazendo junto com a realidade, saberem encontrar acorrente dos acontecimentos. A política e a economia envolvem, inclusive,confrontos e contradições de alto porte, onde certos combates, certas lutas,certos lances, certas manobras não ficam explícitas, e só se percebe, muitotempo depois, que foram armadas e realizadas. O disfarce e a máscara fazemparte do jogo.

A nossa conclusão é simples: o movimento que surgiu com a eleição de2002 trouxe um processo novo, onde o Brasil tenta retomar a sua busca deautonomia, só que essa trajetória é feita em dois grandes planos, a autonomiada política externa e o desenvolvimento econômico, social e cultural (emboraestejam, no real, intimamente ligados). E podemos constatar que existe umaenorme clareza no primeiro ponto, mas que, no segundo, os mecanismos decontrole e de enraizamento das finanças internacionais, com cumplicidade dasnacionais, preponderam, e continuam mantidos, ao par, com a ausência de umprojeto de desenvolvimento atual, no qual se leve em consideração o fenômenopresente da globalização. Se nos detivermos um pouco nas dimensõescontemporâneas da atual fase histórica, podemos sentir que esse projeto deautonomia pode ter o comando invertido. O Brasil pode, com habilidade e oacaso igualmente o favorecendo, encontrar o projeto de desenvolvimento origináriode uma bela perspectiva vinda da política externa. Ou seja, o itinerário seria doexterior para o interior. Claro, nesse panorama, avulta a ambição de hiperpotência

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dos Estados Unidos, onde vige também uma crise econômica respeitável. Amensagem subterrânea deste texto assevera que não é possível entender oscontornos do Brasil sem os modos políticos e econômicos do capital financeiroe da soberania norte-americana. E é na forma de lidar com esses pontos que sejoga o futuro do Brasil. A realidade, no entanto, é sempre ambígua, e projetamosnela os nossos desejos e os nossos projetos. Mas ela é enganadora e cruelcomo se fosse uma raposa, e é nela que o novo Governo baseia a suainterpretação, aliás como todos os atores sociais, incluindo o capital financeiro.O mundo político e econômico e social decide-se sempre numa relação deforças, onde a astúcia, o conhecimento e as apostas se fazem na racionalidadee nas obscuridades do jogo.

Referências

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Fracasso em Cancun?

Fracasso em Cancun?

Teresinha da Silva Bello* Economista da FEE.

ResumoNo texto, discute-se se a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC)realizada em setembro de 2003 foi um fracasso para os países emdesenvolvimento, ou se representou o início de uma nova fase da OMC. Nele,são discutidas a causa oficial do fracasso da reunião, os subsídios à agricultura,as três propostas apresentadas e as conseqüências para os países emdesenvolvimento.

Palavras-chaveOMC; protecionismo; subsídios agrícolas.

AbstractThe text discusses whether the World Trade Organization meeting of September2003 was a failure for developing countries, or if it represented the beginning of anew phase for WTO. The official cause of the meeting’s failure is discussed,along with the agricultural subsidies, the three proposals presented and theconsequences for developing countries.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 06.10.03.

* A autora agradece imensamente à amiga e colega Sônia U. Teruchkin pela disponibilidade comque se propôs a ler a primeira versão do texto e pelas sugestões apresentadas. Os errospor ventura remanescentes são de responsabilidade da autora.

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Introdução

Na 5ª Conferência Mundial da Organização Mundial do Comércio (OMC),ocorrida em Cancun, entre 10 e 14 de setembro de 2003, esperavam-se decisõessobre dois assuntos previamente incluídos na agenda da OMC, em reuniõesanteriores: o comércio de produtos agrícolas, agendado em 2001, na reuniãoministerial de Doha; e a sujeição dos chamados novos temas — investimentos,acesso a mercados, compras governamentais, normas para concorrênciaspúblicas, comércio de serviços — às normas do comércio internacional. Os no-vos temas já faziam parte da agenda da Organização desde 1996, quando ocorreua reunião de Cingapura. Enquanto o tema sobre comércio de produtos agrícolasinteressava particularmente aos países em desenvolvimento, o segundo assunto,relacionado com o comércio de serviços e investimentos, convinha aos paísesricos.

Se, para alguns, a reunião acabou em fracasso, para outros representou oinício de uma nova fase da OMC. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio(GATT), antecessor da OMC e criado na segunda metade da década de 40, foi,por muito tempo, dirigido pelos Estados Unidos e pela Europa, enquanto ospaíses em desenvolvimento desempenhavam um papel secundário nas discussõessobre comércio internacional. Mas sua sujeição integral ao acordo de Blair House(o que ditou as regras da Rodada Uruguai de 1994) tornou-os bem mais cons-cientes de seus direitos e bem mais ressentidos sobre suas muitas obrigaçõescomo membros da OMC.1 Desde a reunião de Seattle em 1999, os países maispobres têm insistido em assumir seu pleno papel nas decisões da OMC, queprecisam ser tomadas através de consenso. E agora, em Cancun, elesexperimentaram essa liberdade (Jonquiers, 2003).

No presente texto, pretende-se analisar até que ponto o desenlace da reuniãode Cancun pode ser considerado um fracasso, quando analisado sob o ponto devista dos países menos desenvolvidos. Assim, em primeiro lugar, é apresentadoo motivo oficial pelo qual a conferência de ministros não avançou. A seguir, sãofeitas algumas considerações sobre as distorções causadas pelos subsídiosagrícolas e seus efeitos nocivos sobre os países mais pobres. Na terceira parte

1 “Na Rodada Uruguai, concluída em 1994, formularam-se as regras de comércio internacionalatualmente em vigor na Organização Mundial do Comércio (OMC) sem se estabeleceremdiferenciações quanto ao grau de desenvolvimento dos países. Os princípios gerais, quedeveriam refletir-se em melhoria nos padrões de relacionamento comercial entre os países,até o momento, atêm-se a normas que beneficiam, em sua maior parte, as nações maisdesenvolvidas. Setores sensíveis, como, por exemplo, a agricultura, não tiveram sua regu-

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Fracasso em Cancun?

do texto, são apresentados, resumidamente, os principais conteúdos das trêspropostas colocadas na mesa de negociações, no aspecto referente à questãoagrícola, quando podem ser observadas as posições diferenciadas dos paísesricos — em especial Estados Unidos e União Européia (UE) — e do outro gru-po — este formado por economias emergentes —, o qual ficou conhecido comoo G-22. A terceira proposta foi aquela apresentada pelo Presidente do ConselhoGeral da OMC, responsável pela supervisão do conjunto da negociação. Na partefinal do texto, são levantadas algumas considerações sobre as possíveisconseqüências dessa 5ª Conferência para os países em desenvolvimento.

A causa oficial do “fracasso”

Embora, nas previsões, a questão agrícola fosse considerada como o pontoonde mais haveria discórdia entre os 148 países-membros da Organização, ocolapso da reunião ocorreu depois que uma coalizão de países africanos easiáticos recusou as exigências da União Européia e do Japão para que seiniciasse a discussão sobre os novos temas.

Conhecidos como Temas de Cingapura, referem-se a um pacote discutidoem Cingapura, em 1996, e seus objetivos são a abertura do mercado para empre-sas de serviços e para investidores internacionais. De interesse específico dospaíses ricos (exportadores de capital e de serviços), os Temas de Cingapuraforam apresentados pela UE como a contrapartida do bloco para a redução dossubsídios agrícolas proposta pelos países em desenvolvimento. Ou seja, emtroca da diminuição das subvenções concedidas à agricultura pela UE, criar-se--iam leis supranacionais para o tratamento do investimento externo e do comérciode serviços, as quais reduziriam a margem de manobra das políticas nacionaisde desenvolvimento nos países mais pobres.

Em novembro de 2001, em Doha, no Catar, países da Ásia, da África e doCaribe já haviam resistido à inclusão desses assuntos na agenda de negociação,ficando estabelecido que os mesmos só seriam negociados em 2003, em Cancun,se houvesse consenso, o que não ocorreu, refletindo os diferentes interessesdos países que compõem a OMC. Aos ricos interessa, especialmente, ampliaras negociações sobre os novos temas. Para dezenas de países pobres, entre-tanto, haveria dificuldade em levar adiante a abertura do comércio de serviços e

lamentação implementada em sua totalidade, o que tem afetado diretamente a capacidadecompetitiva dos países menos desenvolvidos, cujos produtos continuam a sofrer barreirasque já deveriam ter sido excluídas.” (Bello, 2002, p. 73).

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a maior liberalização em relação aos investimentos externos. Isto porque, alémde ser difícil avaliar seus impactos sobre as economias dos países emdesenvolvimento, muitos destes temem a repetição do que aconteceu na RodadaUruguai: acatando as propostas dos países ricos, concordaram com a reduçãodas tarifas sobre bens manufaturados e com a adoção de regras sobre patentes,sem que nada substancial fosse decidido em relação à abertura do comércio debens agrícolas, de interesse vital para os países mais pobres. E, durante areunião em Cancun, ficou claro que a agenda de negociação novamente estariavoltada apenas aos interesses dos mais ricos. Daí, a negativa por parte de quase70 países da África e da Ásia, a maior parte deles situados entre os mais pobresdo mundo, de discutir os Temas de Cingapura.

Na Índia, por exemplo, um dos países que mais contribuiu para o impasseem Cancun, o Governo quer decidir livremente sobre a adoção de políticasindustriais, o que implicaria ter o direito de exigir dos investidores estrangeiroscertos compromissos. Ou seja, o Governo indiano quer ter a liberdade de condicio-nar os investimentos externos aos interesses de seu país. No molde propostopelos países desenvolvidos, essa liberdade seria concedida aos capitais, não àspolíticas públicas. A grande reticência dos países em desenvolvimento em relaçãoao acordo sobre investimentos é que as propaladas benesses advindas do livre--comércio e tão defendidas pelos países ricos e por muitos especialistas emcomércio, na prática, raramente se cumprem.

Diferentemente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial,onde os votos são proporcionais às cotas de cada país, na OMC os votos têmpeso igual, e, dos seus 148 associados, mais de 100 são considerados “paísesem desenvolvimento” e só uns 40 são classificáveis como “desenvolvidos”. Dessefato resulta a necessidade de haver um consenso nas tomadas de decisão, sobpena de não se chegar a lugar algum, já que os interesses dessas 148 economiassão muito diversos. Mesmo entre os países em desenvolvimento, existem fortesdiferenças quanto aos seus objetivos. Enquanto Brasil, Argentina, México, Índiae os Tigres Asiáticos, por exemplo, possuem uma respeitável base industrial,outros países mais pobres da África e da Ásia estão em níveis mais atrasadosde desenvolvimento, com suas economias praticamente baseadas numaagricultura com condições de produção muito precárias e alicerçada em poucosprodutos. Devido a isso, esses países tornam-se bastante vulneráveis aos efeitosdos subsídios à agricultura concedidos nos países mais ricos, conforme serávisto a seguir.

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As distorções causadas pelos subsídiosagrícolas

De acordo com a Organização para Alimentação e Agricultura das NaçõesUnidas (FAO), as distorções no comércio de produtos agrícolas afetamprincipalmente os países mais pobres, por diversas razões.

Em relação aos subsídios e às políticas protecionistas, no entender daFAO, as mesmas distorcem o comércio agrícola de várias formas: deprimindoas importações dos países que concedem as subvenções; reduzindo asexportações dos países que não concedem tais subvenções; provocando adepressão dos preços mundiais e um aumento de sua volatilidade; diminuindoos incentivos à produção de alimentos nos países importadores que não concedemsubsídios (FAO, 2003).

Ainda que, em curto prazo, os subsídios internos e a exportação de alimentosdos países ricos tendam a reduzir os gastos com as aquisições externas porparte dos países importadores desses bens, no longo prazo as importaçõessubvencionadas acabam por minar os incentivos para investir na produção dealimentos nos países importadores que não concedem tais subsídios. Tal fatotambém pode levar os governos desses países (sobretudo os dos países emdesenvolvimento) a deixarem de atender ao seu setor agrícola nacional (FAO,2003).

Até mesmo a ajuda humanitária, sob determinadas circunstâncias, poderiatrazer problemas aos países que a recebessem. Exemplificando: os EstadosUnidos costumam enviar seus excedentes de commodities — produzidas comsubsídios — a populações mais pobres de países africanos. O Governo norte--americano compra dos produtores o excesso de produção de cereais e o enviacomo ajuda alimentar a países carentes. Devido aos subsídios que os protegemcontra preços baixos, os agricultores dos EUA produzem esses cereais emexcesso. Por outro lado, na África, muitos dos países que recebem essa ajudaalimentar vêm encontrando dificuldade para vender sua produção de cereais —milho, sorgo, trigo, feijão. Só que o excedente ali gerado não decorre da concessãode subsídios, mas das condições de clima e de fertilidade do solo. Fica então apergunta: por que os EUA não compram os excedentes estocados da África emvez de lhe dar ajuda humanitária sob a forma de alimentos? Tal medida estimulariabem mais o funcionamento da economia desses países, aumentando sua rendae o nível de emprego e, ao mesmo tempo, diminuindo seus excedentes agrícolas.

Pelo lado dos países desenvolvidos e, em especial, da União Européia,divulga-se a idéia da necessidade de subsídios agrícolas em decorrência damultifuncionalidade da agricultura. Entretanto essa função “social” das subvenções

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aos agricultores da Europa, cada vez mais, tem sido rechaçada, sob a alegaçãode que, na verdade, os maiores beneficiados são os grandes produtores.

“(...) quem mais ganha com a PAC [Política Agrícola Comum] são osgrandes cerealistas do entorno da região parisiense e não os pequenosprodutores, imagem que sempre vem à mente quando as autoridadeseuropéias dizem que o apoio doméstico (ajuda interna) é importantepara proteger a população rural da Europa. Se a UE retirar doscerealistas, dos produtores de carne e leite a ajuda interna, eles nãoterão mais como produzir de forma a concorrer com o preço interna-cional. Os setores de frutas, vinhos, flores e queijos são, na verdade,pouco ajudados.” (Tachinardi, 2003, p. A-10).

A seguir, serão apresentadas, resumidamente, as três propostas colocadasem discussão na reunião de Cancun, todas enfatizando a questão do comérciode produtos agrícolas.

As três propostas

Basicamente, as três propostas tratavam, de maneira diferenciada, de trêsaspectos relacionados ao comércio internacional e a sua liberalização: produçãoagrícola interna, acesso a mercados e subsídios à exportação.

Em relação à produção agrícola interna, o enfoque dado ligava-se à conces-são de subsídios aos produtores agrícolas. O acesso a mercados tinha comotema central a diminuição das barreiras impostas aos produtos importados. Eos subsídios à exportação tratavam da eliminação (ou redução) dos mesmos.

A primeira proposta apresentada para discussão no encontro de Cancunpartiu de dois gigantes comerciais, os Estados Unidos e a União Européia. Erauma proposta vaga, alinhada com a manutenção dos subsídios à exportação deprodutos agrícolas e com poucos esclarecimentos sobre o acesso a mercados.

A segunda, formada por um grupo de países em desenvolvimento eclaramente em oposição à primeira, queria maiores esclarecimentos sobre oacesso a mercados e mais lentidão na liberalização de mercados dos paísesem desenvolvimento.

A terceira, que teoricamente deveria ser uma síntese das anteriores, foiapresentada pelo Presidente do Conselho Geral da OMC e pedia melhorias naproposta de acesso a mercados colocada pelos países desenvolvidos, mastambém não especificava as regras para a redução das tarifas, estando maisalinhada aos interesses dos dois gigantes do comércio do que aos dos paísesmais pobres.

A seguir, serão apresentadas, mais detalhadamente, cada uma delas.

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A proposta dos Estados Unidos e da UniãoEuropéia

Ainda em agosto, um mês antes da 5ª Conferência, a expectativa dospaíses em desenvolvimento era de que a reunião de Cancun se encaminhariapara algum entendimento em direção à abertura do comércio de produtos agrícolas.Surpreendentemente, porém, Estados Unidos e União Européia fecharam umaproposta agrícola que entrava em conflito com as aspirações dos países menosdesenvolvidos, visto tratar-se de um texto tímido e sem avanços expressivostanto na direção da redução dos subsídios quanto na do acesso a mercados.

Pelo acordo entre Washington e Bruxelas, a liberalização do comércio deprodutos agrícolas e a redução de subsídios à agricultura deveriam ocorrer aolongo de cinco anos e de forma gradual. Embora os dois parceiros admitissemdesvincular os pagamentos diretos aos agricultores do volume de produção,aceitassem diminuir os subsídios às exportações e prometessem facilitar oacesso a produtos estrangeiros, a proposta carecia de detalhes, apresetntandopoucas especificações, decepcionando os países que compõem o Grupo deCairns2.

Dentre o apoio concedido à produção agrícola interna (subsídios aosprodutores), o tratado entre os EUA e a UE previa a concessão dos subsídioscalculados com base na área das propriedades rurais, desvinculando ospagamentos do volume de produção. Em relação ao crédito, foi proposta adesvinculação do crédito à produção, passando para crédito direto. Entretantoessa mudança foi considerada discutível, já que não garantia que não haveriaaumento da produção. Também não previa qualquer redução nos subsídiosdestinados a aumentar a renda dos produtores agrícolas, sendo que os EUA sãoparticularmente abusivos nesse tipo de concessão. O que se pode inferir dasmedidas adotadas em relação ao apoio à produção interna é que tanto os EUAquanto a UE tinham em vista tornar legais os pagamentos diretos da chamada

2 O Grupo de Cairns, criado em 1986, é uma coalizão de países produtores agrícolas, lideradospela Austrália. Representa mais de 25% do comércio agrícola mundial e lidera as demandaspela mais ampla liberalização, afrontando o protecionismo dos países desenvolvidos. Os 18membros do Grupo de Cairns são: África do Sul, Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, Canadá,Chile, Colômbia, Costa Rica, Fiji, Filipinas, Guatemala, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia,Paraguai, Tailândia e Uruguai. Três são os pontos relevantes para o Grupo de Cairns: (1)eliminação total dos subsídios agrícolas; (2) acesso a mercados; (3) redução do apoiointerno, medido em dinheiro.

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“caixa amarela”3, que abrange as políticas de subsídios internos que distorcem ocomércio agrícola internacional e estão sujeitas a limitações (Scaramuzzo, 2003).

No que diz respeito ao acesso a mercados, o acordo proposto pelos doisgigantes do comércio internacional também não apresentou um número sequer.Embora chegassem a um consenso sobre como calcular reduções de tarifas deimportação, os detalhes e os prazos eram vagos. Produtos considerados“sensíveis”, com tarifas de importação altas, teriam redução nestas, e — aindade acordo com a proposta — os cortes nas tarifas de importação seriam maioresnos outros produtos. Mas não foram especificados os percentuais de reduçãoem nenhum dos casos. Ou seja, também na questão de acesso a mercados, afórmula não estava clara (ACORDO..., 2003). Além disso, o acordo criou umanova categoria entre os países: a dos “exportadores agrícolas líquidos”. Umadas preocupações para o Brasil, enquadrado nessa categoria, é que o texto daproposta EUA-UE afirmava que os países em desenvolvimento, competitivos nosetor agrícola, não teriam as preferências que seriam dadas aos demais paísesem desenvolvimento.

Na questão dos subsídios à exportação, a proposta dos Estados Unidose da União Européia colocava claramente que os mesmos não seriam totalmenteeliminados, já que mantinha as subvenções às vendas externas para algunsprodutos e não estabelecia uma data para o fim dos subsídios agrícolas àsexportações.

A resposta do G-22

Como alternativa ao acordo entre os Estado Unidos e a União Européia, umgrupo de 22 países, liderados pelo Brasil e que ficou conhecido como G-22,prontamente elaborou outra proposta, a qual também foi apresentada à OMCpara discussão. Países importantes faziam parte do Grupo, como a China e aÍndia, os dois mais populosos do mundo, além do Brasil, o maior da América

3 “Blair House produziu a repartição dos subsídios em três ‘caixas’. Os países colocam nachamada ‘caixa verde’ todos os subsídios permitidos, que não distorcem o comércio, comopesquisa, infra-estrutura, reforma agrária, cestas básicas, etc. Na ‘caixa azul’ estão ossubsídios que distorcem o comércio, mas que ficaram isentos de disciplinas porque estãoatrelados a medidas de controle de oferta. Na ‘caixa amarela’ estão os subsídios que distorcemo comércio, sujeitos a disciplinas e tetos máximos por país. São esses, portanto, os únicossubsídios monitorados, dos quais os países signatários do acordo podem reclamar se oslimites forem ultrapassados.” (Jank, 2002).

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Latina, da Nigéria, o maior da África, e da Indonésia, o maior país muçulmano doPlaneta.4

Até então marginalizados e sempre atuando defensivamente na OMC, ospaíses menos desenvolvidos, desta vez, tomaram posição e passaram a atuarmais ofensivamente como agentes de mudança no encaminhamento dasnegociações sobre as questões agrícolas. Seu objetivo era desmontar as arma-dilhas contidas na proposta dos países ricos. Esta, em última instância, pretendiaa manutenção do status quo em relação às políticas agrícolas dos paísesdesenvolvidos (Jank, 2003).

Para o G-22, a proposta de Washington e Bruxelas ameaçava com amanutenção dos subsídios à produção, o que provocaria excedentes artificiais edeprimiria os preços internacionais; era vaga nos compromissos para diminuiras tarifas de importação para os produtos agropecuários, além de não prever aeliminação dos subsídios agrícolas à exportação.

Pela proposta do G-22, os subsídios para a exportação de produtos agrícolasseriam eliminados dentro de um prazo definido, e a fórmula para diminuir astarifas de importação para esses produtos afetaria mais fortemente os chamados“picos tarifários”.5 Além disso, o texto procurava impedir que subsídios, hoje na“caixa amarela”, pudessem sobreviver sob novas classificações, definindo critériosprecisos para as “caixas”, de forma a evitar que os países ricos mantivessem oatual volume de subsídios concedidos aos agricultores locais (Leo, 2003b).

Embora constituído por países muito heterogêneos, todos em desenvolvi-mento, o G-22 manteve-se unido em suas decisões, para o que muito contribuiuo papel de coordenador desempenhado pelo Brasil. Apesar das dúvidas criadassobre a coesão do grupo, composto por países de interesses tão diversificados,foi surpreendente sua capacidade de manter-se unido e articulado em torno daexigência de transformações efetivas na política agrícola dos EUA e da UE.Mesmo com suas enormes diferenças, os países do G-22 conseguiram unir-seem defesa de seus objetivos em relação ao comércio agrícola.

4 Os membros do G-22 são: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Colômbia,Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Guatemala, Índia, Indonésia, Malásia, México, Nigéria, Paquistão,Paraguai, Peru, Tailândia e Venezuela. Por alegadas razões estratégicas, o Uruguai, emboramembro do Mercosul, optou por não fazer parte do Grupo. “Com a adesão final da Indonésiae da Nigéria, o G-22 representa hoje 57% da população mundial, 70% da população agrícolae 28% das exportações agrícolas.” (Jank, 2003, p. A-2).

5 Alíquotas do Imposto de Importação acima de 15%, cobradas sobre produtos em que paísescomo Brasil, Austrália e Argentina, por exemplo, são mais competitivos (Leo, 2003b).

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O desafio, daqui para a frente, será manter o grupo coeso, tentar ampliá-lo,incluindo outros países do Grupo de Cairns, como, por exemplo, Austrália, NovaZelândia, Uruguai e Malásia.

A proposta da OMC

A terceira proposta veio da própria OMC e foi apresentada pelo Presidentedo Conselho Geral da Organização. Com ela, o impasse consumou-se, vistoque foi considerada muito próxima da proposta feita pelos EUA e pela UE e que,praticamente, ignorava a moção do G-22. De modo geral, endossava o acordocosturado por Washington e Bruxelas, ao tomar o entendimento entre EUA e UEcomo a base da negociação e ao não respeitar os principais compromissos deDoha.

Com relação ao apoio à produção interna, o documento elaborado pelaOMC propôs modificações na “caixa azul” para deixar intacta a Farm Bill 2002(Lei Agrícola dos EUA). Na concepção original do acordo agrícola da OMC de1994, a “caixa azul” inclui pagamentos diretos à produção, mas com controle deoferta. Ou seja, o Governo paga se o agricultor não produzir, evitando superoferta.Pela proposta apresentada em 2003 pela Organização, a expressão “controle deprodução” seria suprimida, e os pagamentos diretos, baseados em área eprodutividade fixas, significando menos de 85% da produção, passariam para a“caixa azul” (Landim, 2003). Assim, os subsídios, que claramente seriam de“caixa amarela”, passariam para “caixa azul”. Além disso, mantinha uma cláusulaque garante a manutenção de um percentual pequeno de subsídios distorcivosao comércio, já que a “caixa azul” poderia representar até 5% da produção agrícolados países, que, no caso dos EUA, corresponde a US$ 10 bilhões (Landim,2003).

Os europeus também ficariam protegidos pelo texto-base da OMC. Suagrande preocupação era em relação ao acesso a mercados, já que a UE semprese caracterizou pelo seu elevado protecionismo agrícola. Segundo Leo, a propostada OMC trazia

“(...) propostas vagas de eliminação das chamadas escaladas tarifárias,pelas quais os países ricos desestimulam a importação de mercadoriasindustrializadas, cobrando tarifas mais baixas para matérias-primas emais altas para produtos agrícolas processados industrialmente. Otexto é mais ambicioso em matéria de redução das barreiras aosprodutos industriais, usadas pelos países em desenvolvimento paraestimular suas indústrias, que em matéria de agricultura” (Leo, 2003a,p. A-11).

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Sugeria a redução de tarifas de produtos que atendessem aos interessesde países em desenvolvimento, mas, à semelhança do acordo dos dois grandes,não apresentava objetivos claros e mantinha as sugestões em aberto(Scaramuzzo; Lopes, 2003).

A proposta da Organização previa também três categorias no tema acessoa mercados, distinguindo produtos e tarifas. Embora tivesse sugerido uma melhorano acordo de acesso a mercados, não chegava a especificar as regras para asreduções tarifárias e deixava os possíveis cortes para serem definidos a posteriori.E o temor do Brasil era ficar na categoria de países contemplados com asreduções mais tímidas.

O documento apresentado pela OMC não previa a fixação de um prazopara o fim dos subsídios à exportação, apenas para uma lista, que não estavadefinida, de produtos de particular interesse para os países em desenvolvimento.

Finalmente, a proposta da OMC — à semelhança daquela dos EUA e daUE — tentava, ainda, abrir caminho para uma prorrogação da chamada Cláusulade Paz, pela qual os países-membros da OMC, em 1994, na Rodada Uruguai,se comprometeram a não questionar subsídios à agricultura de outros paísesaté dezembro de 2003. A extinção da Cláusula de Paz no fim de 2003 permitiriaque, a partir de 2004, chegasse à OMC uma avalanche de processos contra ospaíses desenvolvidos, pleiteando a interrupção de subsídios agrícolas de quaseUS$ 300 bilhões por ano (Leo, 2003), daí o interesse dos mesmos na suaprorrogação.

Como pôde ser observado, além de manter os subsídios à exportação paraalguns produtos, o documento da OMC mantinha as proteções norte-americanase européias nas áreas mais sensíveis, respectivamente, subsídios internos eacesso a mercados.

Conseqüências para os países emdesenvolvimento

A partir do momento em que os Estados Unidos e a União Européia deixaramde lado suas diferenças internas e se uniram para apresentar uma propostaagrícola conjunta, a perspectiva de os países menos desenvolvidos serem bem--sucedidos em Cancun tornou-se mais sombria. Até então, esperavam um avançonas negociações sobre a agricultura, talvez em troca de concessões noschamados “novos temas” de interesse dos países mais ricos. Isto porque asnegociações de Cancun tiveram início em 2001, em Doha, com a perspectiva dese atenderem às demandas dos países em desenvolvimento. Entre essas

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demandas, predominava a eliminação dos subsídios à exportação agrícolaconcedidos pelos países ricos.

Diante da frustração de suas expectativas, restou aos países em desenvolvi-mento organizar uma reação à tentativa dos EUA e da UE de, à semelhança daRodada Uruguai, imporem seus interesses sobre os demais países da OMC.Assim, pode-se entender o papel do G-22 como uma reação para evitar umanova derrota tática no âmbito do sistema multilateral de comércio. E, emborabeneficiando os paises desenvolvidos, a manutenção do status quo evitou o pior,que seria a aprovação de qualquer uma das duas outras propostas. Até porque aaceitação quer do texto-base proposto pela OMC, quer do acordo EUA-UE,ambos com resultados bastante modestos para os países mais pobres, poderiafazer com que estes tivessem de esperar talvez uns 15 ou 20 anos para relançaremas discussões sobre temas agrícolas.

As reações por parte das duas potências comerciais, ao verem frustradassuas tentativas de aprovar sua proposta, não se fizeram esperar. Tanto os EUAquanto a UE ameaçaram abandonar as negociações multilaterais, no âmbito daOMC, em troca de acordos bilaterais. Tal estratégia, que já vinha sendo adotadaanteriormente por Washington, até então era rejeitada por Bruxelas. Mas, dianteda impossibilidade de acordos vantajosos sob o guarda-chuva da OrganizaçãoMundial do Comércio, o bloco europeu passou a considerar a idéia do bilateralis-mo, embora reconhecendo que negociações bilaterais podem se arrastar porvários anos e enfatizando sua preferência por acordos multilaterais.

O prazo de 2004, fixado para o encerramento das negociações da rodadainiciada em 2001, parece, assim, cada vez mais longe de ser obedecido. Estápraticamente afastada a possibilidade de um novo acordo mundial de comércio apartir de 2005, como programava o calendário aprovado em Doha. Mesmo quemuitos países tenham afirmado seu interesse na manutenção desse prazo, aesperança de alcançá-lo desvanece-se , principalmente porque, no final de 2004,devem acontecer as eleições presidenciais nos EUA, e poucos esforços sériosdeverão ser feitos naquele país para se reavivarem negociações tão polêmicas.Até porque, com a economia vacilante e a perda de milhões de empregos nessepaís, o Governo norte-americano, em ano eleitoral, dificilmente abrirá mão desua política protecionista.

Na UE, por seu turno, a ascensão de 10 novos Estados-membros, a serlevada a termo em futuro próximo, também deverá ocupar as atenções doseuropeus bem mais do que os interesses dos demais países em desenvolvimentona multilateralidade das questões agrícolas. Aqui, porém, cabe ressaltar queessa entrada de novos membros na UE joga a favor das ambições dos paísesem desenvolvimento, no que se refere à eliminação dos subsídios à agricultura,pois, se for mantida a atual Política Agrícola Comum do bloco, sua ampliação

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implicará um aumento de custo na PAC. Isto porque muitos dos novos paísesque deverão ingressar na União Européia em 2004 têm uma forte base agrícola.Tal é o caso, por exemplo, da Polônia, onde o número de agricultores supera osda França, da Itália e do Reino Unido juntos (Leo, 2003).

Diante dos fatos, o clima mundial para acordos bilaterais torna-se cada vezmais propício. Mas nunca é demais lembrar que, ao se resolverem bilateralmenteas questões comerciais, o mais provável é que prevaleça a lei do mais forte.Assim, a tendência para o bilateralismo pode ser citada como um dos possíveisresultados indesejáveis do malogro das negociações em Cancun. O Brasil,como líder do G-22, deve esforçar-se para evitá-lo, incentivando a manutençãodas conversações rumo à resolução das questões agrícolas através da OMC,esforçando-se para manter a coesão do Grupo e também procurando agregarnovos parceiros a este.

As negociações para a concretização da Área de Livre Comércio dasAméricas (ALCA) e para a formalização de um acordo de livre-comércio entre aUnião Européia e o Mercosul também deverão sofrer mudanças a partir dodesenlace de Cancun. Até porque tanto a ALCA, quanto o acordo UE-Mercosulestão programados para entrarem em funcionamento também a partir do iníciode 2005, à semelhança do acordo mundial de comércio da OMC. No caso daALCA, as negociações poderão ficar prejudicadas porque os norte-americanoshaviam tirado da discussão a questão dos apoios internos aos agricultores e dosdemais subsídios à agricultura, alegando que esse era um assunto que deveriaser resolvido multilateralmente, ou seja, na OMC. Alegavam que os subsídioseuropeus à agricultura os impediam de retirar as subvenções concedidas aosseus agricultores e que, por isso, só debateriam a questão na ALCA quando oassunto já tivesse sido resolvido na OMC.

Situação semelhante ocorreu com as negociações Mercosul-UE, com oseuropeus usando o mesmo argumento dos EUA em relação à eliminação dossubsídios agrícolas. Diante dos acontecimentos, tanto os países emdesenvolvimento que fazem parte da ALCA quanto os do Mercosul, em suastratativas com a UE, tenderão a diminuir o ritmo das negociações regionais comos Estados Unidos e com a União Européia até que esse tema estratégico(subsídios agrícolas) seja resolvido no âmbito do sistema multilateral da OMC.

No caso do Brasil, diante desses acontecimentos, seria recomendável oaprofundamento do Mercosul e a expansão de acordos na América do Sul, rumoa uma ampliação da área de livre-comércio no continente sul-americano, alémde buscar pactos bilaterais ou regionais de livre-comércio com países nãohegemônicos. Tudo isso, contudo, sem abandonar sua posição francamente afavor do multilateralismo, que sempre fez parte da política externa do País.

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As negociações da OMC deverão ser retomadas em Genebra, sob aorientação do Conselho Geral da Organização, o qual deverá, até o dia 15 dedezembro de 2003, decidir a seqüência dos entendimentos. Nessa data, ocorreráo primeiro novo lance na área da agricultura, quando se espera que não haja umanova procrastinação da efetiva discussão do assunto, embora por parte dos paísesricos, certamente, haverá uma tentativa de forçar a prorrogação da Cláusula dePaz, tão nefasta para os países menos desenvolvidos e mais pobres.

Apesar das dificuldades a serem enfrentadas, o impasse criado em Cancunpoderá ter algumas conseqüências positivas para os países em desenvolvimento.Dentre elas, uma mudança na dinâmica dos próximos encontros da OMC, quepoderá não ser mais a mesma depois dessa 5ª Conferência Ministerial. Tudodepende, agora, do rumo a ser tomado pelas relações entre os países do G-22.Afinal, eles mostraram, talvez pela primeira vez, que podem ter peso na construçãode uma nova ordem no comércio internacional, e só a História dirá se o ocorridonessa reunião da OMC foi um fracasso para os países em desenvolvimento, ouse foi o florescer de uma nova correlação de forças na Organização Mundial doComércio.

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Ônibus: um segmento industrial em expansão

Ônibus: um segmento industrial em expansão

Maria Lucrécia Calandro* Economista da FEE e Professora da PUCRS.

Silvia Horst Campos* Economista da FEE e Professora da PUCRS.

ResumoNeste artigo, busca-se analisar o comportamento do segmento produtor de ônibus(chassi e carroceria), no qual o Brasil vem mostrando competitividade, garantindo--lhe participação crescente no mercado internacional, a partir da segunda metadedos anos 90. O esforço de modernização em busca de qualidade, conforto esegurança empreendido pelos fabricantes de chassis e carrocerias, juntamenteà adoção de uma política agressiva de conquista de novos mercados, temalavancado as exportações nacionais de ônibus. As melhorias nos processosprodutivos, os novos materiais utilizados, o “design” inovador, a variedade demodelos e tamanhos de veículos, o processo de internacionalização, dentreoutros, contribuem para o aumento da competitividade do segmento.

Palavras-chaveIndústria automobilística; ônibus; estratégias industriais.

AbstractThis article analyzes the behavior of the bus productive sector (chassis andbody building) in Brazil whose competitiveness is guaranteeing an increasingparticipation in the international market, especially since the second half of the90’s. The modernization effort in the seek of quality, comfort and securityundertaken by the bus chassis and body manufacturers, in addition to anaggressive new markets conquest policy have risen the national exports of buses.

* As autoras agradecem o apoio técnico fornecido pelo estagiário Cristiano Ponzoni Ghinis.

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The improvements in the productive processes, the new materials used, theinnovative design, the variety of models and sizes of buses, the internalizationprocess, among others, contribute to the increase of the sector’s competitiveness.

Os originais deste artigo foram recebidos por esta Editoria em 09.10.03.

1 - Introdução

A partir da segunda metade dos anos 80 e durante a década de 90, aindústria automobilística passou por uma grande transformação. A crescenteparticipação dos veículos japoneses no mercado internacional, em detrimentoda participação dos veículos norte-americanos, em um contexto de afirmação deum novo paradigma industrial, forçou a reestruturação das plantas existentes e aimplantação de fábricas incorporando equipamentos automatizados e novas formasde gestão e organização da produção. Essas mudanças, somadas à estagnaçãonos seus principais mercados, na década de 90, levaram as montadoras aampliarem a produção em países em desenvolvimento com vistas ao aumentode participação nesses mercados, à redução de custos, sobretudo de mão-de--obra, e ao aproveitamento de “vantagens cambiais para exportação”.

Esse movimento se deu através de fusões e aquisições e, também, mediantea realização de investimento diretos nos países hospedeiros. O excesso decapacidade instalada e a retração da demanda, que se prolonga pelo novo milênio,não estimulam os investimentos em novas plantas. Estes estão sendo direcionadosà modernização das plantas existentes: automação e introdução de conceitosde produção enxuta e desenvolvimento de plataformas de produtos.

No Brasil, o processo de reestruturação “ganhou força” após a aberturacomercial e a implantação de programas governamentais, principalmente naprimeira metade da década de 90. A implantação de novas fábricas, tanto deempresas já instaladas no País quanto de novos entrantes, ocorreu paralelamenteà modernização de plantas tradicionais. Esse processo trouxe grandes mudançasno chão-de-fábrica, introduzidas pela nova lógica de racionalização da produção.As novas plantas são altamente flexíveis, permitindo respostas rápidas àsvariações de mercado.

À semelhança do que ocorreu em outros países, os investimentos realizadosnesse período possibilitaram um aumento significativo da produtividade dessaindústria, porém a produção e o índice de utilização da capacidade mantiveram-

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-se em níveis bastante baixos devido à desaceleração do crescimento da economiamundial e à contração do mercado interno.

Entendida a indústria automobilística como um conjunto de empresasempenhadas na fabricação e na montagem de automóveis, comerciais leves,ônibus e caminhões, é necessário serem feitas algumas considerações. Emboraa produção e na montagem desses veículos seja realizada seguindo basicamenteas mesmas técnicas, existem diferenças nas tecnologias, tanto de produto quantode produção, envolvidas em um e outro tipo de veículo e nas escalas de produção,o que tem impactos distintos sobre as estratégias competitivas adotadas pelosfabricantes desses veículos.

As principais inovações, tanto de produto quanto de processo, ocorreramnas linhas de produção e montagem de automóveis e de comerciais leves. Nosdemais segmentos, embora tenha sido incorporada a mesma “filosofia” deprodução, as mudanças tiveram menor intensidade, tendo em vista ascaracterísticas dos veículos e de seu processo de fabricação, como, por exemplo,menor número de fornecedores e de freqüência de fornecimento, produção sobencomenda, etc.

Embora o alcance das modificações seja menor no segmento de veículospesados, deve-se lembrar que o novo conceito de gestão e organização daprodução e da montagem de veículos, denominado consórcio modular, foiintroduzido no País pela Volkswagem, na planta de caminhões e ônibus emResende (RJ). Nesse modelo de gestão, os principais fornecedores foramcolocados dentro da fábrica e passaram a ser responsáveis diretos pela montagemdos veículos. A planta foi dividida em sete módulos, e, em cada um deles, umfornecedor de peças, partes, subconjuntos e sistemas responsabiliza-se pelamontagem do veículo.

Neste texto, pretende-se analisar o comportamento do segmento produtorde ônibus, destacando a atividade de encarroçamento, na qual o Brasil vemganhando competitividade, e enfatizando a participação crescente no mercadointernacional, a partir da segunda metade dos anos 90. Na primeira seção, seráfeita uma breve caracterização da indústria, examinando-se aspectos relacionadosà cadeia de fornecimento das montadoras, à distribuição mundial da produção,à identificação das empresas no Brasil e às principais transformaçõesexperimentadas pelo segmento nos anos 90. Na segunda seção, serão discutidosaspectos relevantes da inovação tecnológica nos chassis e nas carrocerias,tendências internacionais e panorama nacional, relacionando-os com o aumentoda competitividade do segmento. Na última seção, serão examinados os principaisindicadores de desempenho, com ênfase na produção e na atuação externa. Asconsiderações finais encerram o artigo.

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2 - Caracterização da indústria

A fabricação e a montagem dos ônibus é, em geral, dividida entre dois tiposde empresas. A parte mecânica, que compreende a plataforma de sustentação eo sistema motriz — chassi —, é fabricada por grandes montadoras mundiaisque fabricam veículos leves (automóveis) e pesados (caminhões), e a carroceria,produzida pelas chamadas encarroçadoras, que se encarregam também damontagem final do veículo.1

A cadeia produtiva compreende quatro níveis de fornecimento: sistemistas,produtores de peças e componentes para os sistemistas, e, nos terceiro e quartoníveis, estão os fabricantes de peças isoladas, de baixo valor agregado, e osprodutores de matéria-prima. A maioria das empresas fornecedoras são de pequenoe médio porte e, muitas vezes, fornecem direto na linha de montagem. Em geral,a montadora consegue conduzir as negociações de preço e qualidade, porém,quando o fornecedor é uma empresa de grande porte e/ou são comprados pequenosvolumes, as negociações são mais difíceis.

O principal destino dos ônibus são as empresas de transporte de passagei-ros, que compram em grande quantidade e, portanto, estão em condições defazer pressão nas negociações de preços, prazos e características do produto.

Os principais fabricantes de ônibus localizam-se na Europa, nos EUA, naÁsia e na América Latina, com destaque para o Brasil (Tabela 1). Os modelosmais elaborados em termos de concepção e design são fabricados na Europa,região que concentra um número expressivo de montadoras, que se encarregamda concepção do projeto e da montagem final do veículo, e um parque completoe diversificado de fornecedores. As principais melhorias e inovações e a maiorvariedade de modelos estão concentradas nessa região. O oposto ocorre com aindústria norte-americana, que produz veículos padronizados e em pequenosvolumes. O mercado “(...) no entanto, é bastante rígido e regulamentado, sendonecessário que todos os componentes utilizados no ônibus estejam homologadospelo Departamento de Trânsito norte-americano” (BERNARDES, 2002, p. 24).

Até 1995, a Mercedes-Benz, com plantas no Brasil, na Argentina, no Méxicoe na Alemanha, dominou o mercado internacional de ônibus. Essa empresa,

1 Essa divisão entre fabricantes de chassis e montadores de carrocerias foi introduzida em1996. Nesse ano, a Mercedes-Benz do Brasil desativou a montagem do monobloco na suaplanta brasileira, “(...) passando a concentrar seu foco no desenvolvimento de chassis eplataformas. Ela tinha em sua fábrica de Campinas o seu centro mundial de excelência emônibus e a maior planta da marca no mundo e, em São Bernardo, um centro de pesquisa edesenvolvimento único no País” (BERNARDES, 2002, p. 78).

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porém, está deixando de fabricar esse veículo, cedendo lugar para as encarroça-doras brasileiras, que, a partir de 1997, passaram a ocupar as primeiras posições.As principais concorrentes são: Val Hool (Bélgica), Kaessbobohrer (Alemanha),Caetano (Portugal), Setra (Espanha) e Ikarus (Hungria). Todas fabricam ônibusrodoviários e urbanos, e apenas a empresa alemã fabrica também microônibus(CADÓ, 2001).

Tabela 1

Produção de ônibus segundo regiões do mundo — 1997-02

(1 000 unidades)

DISCRIMINAÇÃO

1997

1998

1999

2000

2001

2002 (1)

América do Norte ........... 27 38 51 41 39 38 América do Sul ............... 19 21 13 23 24 23 União Européia ............... 38 35 34 36 34 33 Restante da Europa ........ 16 29 22 24 26 24 Japão .............................. 34 57 15 8 11 11 Coréia do Sul .................. 18 17 17 18 18 18 Demais países da Ásia e da Oceania (2) ...............

55

33

8

38

36

45

TOTAL ............................ 207 230 160 188 188 192

FONTE: OICA. World motor vehicle production by type and economic area. (S. l., s. n.). Disponível em: www.oit.net Acesso em: 05 maio 2003. (1) Os dados de 2002 serão revisados apenas em mar./2004. (2) Os dados refe-rentes à China, incluídos neste grupo, estão subestimados. Estimativas recentes apontam uma produção substancialmente maior e crescente no período 2000-02.

No Brasil, seis montadoras fabricam chassis de ônibus: Agrale S/A, FordBrasil Ltda., Mercedes-Benz do Brasil S/A, Scania Latin América Ltda.,Volkswagen do Brasil Ltda. e Volvo do Brasil Veículos Ltda. Além destas, duasoutras empresas devem ser mencionadas, a Indabra e a Tutto.

As carrocerias são fabricadas por sete empresas principais: Marcopolo//Ciferal, Busscar, Caio/Induscar, Comil, San Marino/Neobus, Metalbus e Irizar (aúnica empresa estrangeira). Além destas, duas grandes empresas de transportede passageiros e de cargas — Cometa e Itapemirim — possuem ou possuíamencarroçadoras próprias: CMA e Technobus (esta última está se preparandopara oferecer chassis e carrocerias a terceiros). Existe ainda um número

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expressivo de unidades industriais de menor porte, tais como a Metalbus, aJotave, a recém-criada Mascarello e outras que atuam especificamente nosegmento urbano, tais como a Mafersa, a Colon, a Condor, a Engerauto e aPertutti. No segmento microônibus, tem-se a Modificar e a Mov. A Eletra, por suavez, destaca-se pela montagem de um ônibus híbrido de piso baixo em parceriacom a Tutto e com a Marcopolo.

Essas empresas desenvolvem o projeto básico da carroceria, fazem osacabamentos e a montagem final. Além disso, as empresas maiores fabricam,também, diversas peças e componentes: poltronas, janelas, perfis e partesplásticas, dentre outros itens, atendendo ao gosto e às necessidades dosclientes. Os chassis, de um modo geral, são comprados pelos clientes e enviadosà planta da encarroçadora. Apesar das barreiras à entrada de novos concorrentes:economias de escala, tradição da marca e know-how na produção, a concorrênciaé intensa no segmento, visto que os produtos estão cada vez mais parecidos, oque faz com que o preço seja o fator determinante na vendas, contribuindo parao estreitamento das margens de lucro das empresas montadoras de ônibusnacionais (BERNARDES, 2002, p. 24).

O desenvolvimento das encarroçadoras brasileiras foi beneficiado pelo fatode as multinacionais estrangeiras fabricantes de veículos pesados, com exceçãoda Mercedes-Benz — e esta com uma escala bastante reduzida —, não teremdemonstrado interesse pela fabricação de carrocerias para ônibus e pelo potencialde demanda por carrocerias que um país de dimensões continentais apresentapara poder ofertar um amplo sistema de transporte coletivo. A Marcopolo/Ciferal,a Busscar e a Comil são, atualmente, as principais encarroçadoras brasileiras,possuem uma linha diversificada de produtos, que vai desde o urbano maissimples até os biarticulados e double-deckers, e operam, tanto no mercadointerno como no externo, com unidades montadas e/ou desmontadas em regimeparcial (PKD) ou total (CKD).

Na década de 90, o segmento passou por grandes transformações,explicadas, em grande parte, pela externalização de atividades produtivas e peloestreitamento de relações com fornecedores, buscando o desenvolvimento e amelhoria dos processos e da tecnologia de produção. A crescente participaçãode sistemistas na cadeia de suprimentos contribuiu para o êxito do sistema deentregas Just-in-Time (JIT) e permitiu que as plantas já não tenham o tamanhoque tinham no passado.

As encarroçadoras de maior porte lideram o processo de reestruturação emodernização tecnológica e organizacional, que vem resultando em melhoriascontínuas nos processos produtivos, no design, na variedade de modelos e nositens relativos à segurança e ao conforto dos veículos.

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“A produção customizada tem implicações profundas no projeto degestão da produção e na tecnologia de processo a ser empregada. Aflexibilidade na composição das carrocerias implica um tipo deorganização produtiva diferente da mecanização e produção seriadaque se adota nos demais segmentos da indústria automotiva”(BERNARDES, 2001, p. 26-27).

Os níveis de eficiência alcançados pelo setor brasileiro de fabricação emontagem de carrocerias de ônibus têm sido suficientes para “(...) assegurarum padrão de competitividade que constitui hoje referência internacional nosegmento. As empresas desenvolveram capacidade produtiva que garanteelevadas escalas de produção e grande flexibilidade para diferenciação de produto”(ESTUDO..., 2002, p. 11). Além de várias fábricas no Brasil com uma capacidadede produção superior a 20.000 unidades/ano, o setor possui plataformas deprodução na África do Sul, na Argentina, na China, na Colômbia, no México, emPortugal, em Cuba e na Dinamarca.

3 - Tecnologia e competitividade

É praticamente impossível separar a história do surgimento do ônibus dahistória das carrocerias. O primeiro ônibus do mundo parece ter sido criado em1895, por Carl Benz, acionado por um motor de combustão interna, montadosobre um chassi de caminhão, prática que perdurou durante muitos anos.

As primeiras décadas do século XX trouxeram uma seqüência de inovaçõese melhoramentos tecnológicos para os ônibus, tais como a transmissão poreixo cardã, o fechamento das carrocerias, a utilização de câmbio hidráulico, aadoção de formas retas e lineares conferindo maior aerodinâmica na concepçãodo projeto, o aumento da potência dos motores, dentre outros. Porém a principalinovação da primeira metade do século XX, mais precisamente em 1935, consistiuna fabricação do ônibus monobloco, ou construção integral, estrutura em que ochassi e a carroceria formam uma única peça, obedecendo a princípios aerodinâ-micos.

Algumas décadas mais tarde, as montadoras de veículos pesados passaramtambém a fabricar plataformas ou chassis para ônibus, portanto, sem necessidadede adequação do caminhão para a implantação das carrocerias de ônibus. Afabricação independente do chassi e da carroceria, paralelamente ao novo padrãode exigências do mercado, propiciou o surgimento de várias encarroçadoras,bem como um grande desenvolvimento tecnológico veicular pelas principaismontadoras. Destaca-se, aqui, o uso de transmissão hidráulica e o desenvolvi-mento de um sistema de suspensão que compensasse os solavancos tradicionais

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dos caminhões. Ao mesmo tempo em que se introduziam inovações visando aoconforto e à segurança dos passageiros, também se projetavam unidadesdiferenciadas com progressiva incorporação de tecnologia. Foram, então,desenvolvidos veículos double-decker (dois pisos), articulados e biarticulados,dentre outros tipos, e projetadas carrocerias de diferentes tamanhos, destinadasa atender, primordialmente, aos diferentes segmentos do transporte coletivourbano (TRANSPORTE..., 2003).

A década de 90 trouxe uma intensificação na introdução de novas tecnologiasna fabricação de ônibus em nível mundial, visando ao aumento da competitividadedas empresas do setor. As inovações, na sua grande maioria ligadas à carroceriado veículo, foram orientadas tanto para o segmento urbano como para o rodoviário,embora tenham, inicialmente, priorizado este último. Ao lado das inovações nodesign das carrocerias seguindo as linhas adotadas pela empresa líder no mercadomundial, introduziram-se melhorias significativas nos itens relativos à segurançae ao conforto dos passageiros: ar-condicionado automático, videocassete,interfone de comunicação, vários monitores de TV, caixas para medicamentos edispositivos para transportar usuários de cadeira de rodas. As inovaçõesintroduzidas nos chassis buscaram, basicamente, melhorar os quesitosqualidade, conforto e segurança mediante a incorporação de tecnologia microele-trônica (câmbio easy-shift, suspensão pneumática, dentre outros). Destaca-se,dentre as inovações, a possibilidade de rebaixamento (low entry), total ou parcial,em relação ao nível do solo nos embarques e desembarques de passageiros.

Atualmente, a importância do desenvolvimento do transporte coletivo deônibus pode ser detectada em praticamente todos os países, tendo, inclusive,crescido em mercados antes primordialmente atendidos por outros meios detransporte.

Mesmo com um sistema urbano de transporte eficiente e organizadointegrando todos os modais (trens, metrôs, modernos bondes e ônibus) em umarede que privilegia a mobilidade, e com o estabelecimento de normas veicularesque beneficiam a segurança e o meio ambiente, o setor europeu de transporteurbano — indústria, autoridades públicas e operadores — vem incentivando aparticipação de ônibus modernos, ágeis e que atendem às mais variadasdemandas da população usuária do transporte coletivo.

Em vários casos, o ônibus pode oferecer uma resposta mais ágil para aampliação das cidades,2 e a cooperação entre fabricantes e operadores de ônibus

2 O custo de implantação de corredores segregados à utilização pelos ônibus nos centrosurbanos europeus pode ser até 10 vezes inferior ao do metrô ou trem, o que viabiliza aimplantação de redes de ônibus em qualquer tipo de cidade (TRANSPORTE..., 2003).

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tem proporcionado a utilização de novas tecnologias em veículos e seus sistemascomplementares. Cresce, assim, a oferta de veículos de variadas capacidadesno transporte de passageiros, inclusive os articulados, equipados com terceiroeixo direcional, dotados de motores com baixa emissão de poluentes, dentreoutros itens de segurança e conforto, tais como piso baixo, lugar para acomodarcadeira de rodas, rampas, portas largas, ampla área envidraçada garantindo aluminosidade do seu interior, design inovador, bilhetagem eletrônica, vários tiposde padronagem de revestimentos e poltronas, sistema de aquecimento e ar--condicionado com controle automático.

De modo geral, o destaque das inovações nos anos 90 e no início dadécada atual é para as tecnologias veiculares que reduzem a emissão depoluentes na atmosfera. Nesse sentido, os lançamentos dos grandes fabricanteseuropeus de chassis e carrocerias para ônibus já vêm buscando se adequar àsnovas normas Euro IV de emissões poluentes, que entrarão em vigor apenas noano 2005 e que estabelecem índices de g/km monóxido de carbono (CO) e dematerial particulado (fumaça preta) bastante inferiores aos admitidos pelas normasEuro III atualmente em vigor (TRANSPORTE..., 2003). Os veículos são dotadosde motores alimentados com combustíveis alternativos, gás natural e hidrogênio.Destacam-se, nessa linha, a célula de combustível, ainda em teste na Europa, eo sistema híbrido de propulsão (diesel/elétrico)3, responsáveis por baixa emissãode poluentes, pois quem realmente move o veículo é o seu motor elétrico. Asmontadoras Daimler Chrysler (Mercedes-Benz) e a Scania têm assumido aliderança no processo de inovação no mercado urbano europeu com a produçãode ônibus completos, além de sua linha de chassis. O desenvolvimento dasnovas tecnologias estabelece barreiras à entrada temporárias, garantindo umamaior competitividade às empresas inovadoras.

Em termos de tamanho da carroceria, a última tendência na Europa sãoos ônibus dentro do conceito midbus, que consiste na construção de veículosentre nove e 11 metros, levando 36 a 44 passageiros, com utilização preferencialno perímetro urbano e em aeroportos, mas que também encontra aplicação nosegmento rodoviário de pequena distância e/ou de outras finalidades que não ade transporte público.

Nos Estados Unidos, os segmentos que concentram o maior volume deinvestimentos e para onde se direcionam a maior parte das inovações são ossegmentos especiais, dentre eles o de transporte escolar e o rodoviário.O fortaleci-

3 O desenvolvimento de veículos pesados totalmente elétricos mostra-se excessivamentedispendioso e operacionalmente inviável em razão de sua baixa potência, da grande quan-tidade de baterias utilizadas e da sua pequena autonomia.

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mento do segmento urbano fica mais restrito às cidades de maior porte que nãoabrigam um sistema de trens e metrô.

O Brasil, conforme já foi mencionado anteriormente, é um importantefabricante mundial de ônibus, sendo o segmento de encarroçamento uma daspoucas áreas da indústria automobilística em que as empresas brasileiraslograram efetivamente se sobressair. A sua já reconhecida capacidade inovadoraem termos de tecnologia veicular tem lhe garantido um papel de liderança naAmérica Latina, no setor de transportes, e uma participação nos mercadoseuropeu e asiático.

Em termos de desenvolvimento tecnológico, as carrocerias seguem ospadrões europeus, atendendo, inclusive, às normas Euro III de emissão depoluentes, que deverão entrar em vigor no Brasil apenas em 2004. Outro aspectorelevante é a busca da adequação tecnológica das carrocerias às condições dasestradas e das vias urbanas por onde trafegam os ônibus, assim como àscondições climáticas e culturais.

As principais empresas encontram-se também engajadas em um processode internacionalização da produção. Parcerias efetuadas com empresaslocalizadas em outros países garantem a transferência de tecnologia ou mesmoa própria fabricação das carrocerias. Tal movimento vem aumentando acompetitividade dessas empresas no Exterior.

A participação do Brasil no desenvolvimento de tecnologias veiculares quereduzem a emissão de poluentes na atmosfera, que se constituem no principalesforço inovador dos últimos anos, é relevante. Existem projetos de desenvolvi-mento de ônibus movidos a células de combustível e produtos já desenvolvidosno âmbito do conceito de veículo híbrido.

Os primeiros ônibus movidos a células de combustível no Brasil deverãoser colocados em circulação apenas em 2005. Só depois, a tecnologia deveráser implementada em escala comercial. O projeto está sendo desenvolvido pelaEmpresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU) emparceria com órgãos de desenvolvimento ligados à ONU.

Quanto ao desenvolvimento de um modelo híbrido, destaca-se a apresen-tação, na Fetransrio 2002, do ônibus modelo híbrido (diesel/elétrico) fruto daparceria Eletra e Marcopolo, com redução de 30% no consumo de combustível ede até 70% na emissão de poluentes (NOVIDADES..., 2002). O modelo é movidopor motor elétrico de tração e utiliza um motor International para a alimentaçãodas baterias. Essa motorização dispensa o uso de rede aérea de fios (utilizadaspara os trólebus) e a recarga de baterias, reduzindo o valor dos investimentos. Omotor diesel funciona em rotação constante, emitindo menores volumes deagentes poluidores.

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O novo ônibus elétrico híbrido de piso baixo (piso interno praticamente nonível da calçada) lançado pela Eletra consome menos combustível, possui baixonível de emissão de poluentes, associado a um menor custo operacional e àreduzida poluição sonora. Em termos internacionais, a tecnologia desenvolvidapela Eletra possui reconhecimento mundial pela confiabilidade técnica e pelosganhos ambientais. A tecnologia VEH — veículo elétrico híbrido — substitui,pois, as conhecidas tecnologias de tração e geração elétrica. Sua utilizaçãotornou-se comercialmente viável pelo avanço da eletrônica e da informática, pois“(...) sua operação exige computadores para um perfeito controle do motor, dapotência e dos tempos para usar ou acumular eletricidade” (OSAVA, 2003). Elasuplanta a célula de combustível, em torno da qual reinava uma expectativamuito positiva, pois se esperava que o hidrogênio fosse o melhor substituto dopetróleo, em termos econômicos e ambientais, mas agora já se reconhece queo desenvolvimento dessa alternativa demandará ainda vários anos.

4 - Desempenho recente

O segmento produtor de ônibus ocupa uma posição destacada na estruturaindustrial brasileira. Em um país como o Brasil, de dimensões continentais,esse segmento adquire grande importância, uma vez que o transporte coletivo éresponsável por cerca de 90% da movimentação e do transporte de pessoas(ESTUDO..., 2002). Após um período de profunda retração, provocada pelascrises do petróleo e pela maxidesvalorização da moeda nacional em relação aodólar nos anos 80, a produção voltou a crescer na segunda metade dos anos 90(Tabela 2).

Com o objetivo de estimular as vendas do segmento, o Governo “(...)promoveu uma correção das tarifas e criou uma série de inventivos voltados paraa renovação da frota urbana de ônibus” (ESTUDO..., 2002, p. 3). Paralelamente,as montadoras procuraram reestruturar suas plantas mediante a externalizaçãode algumas atividades produtivas. Em alguns casos, os próprios funcionáriosdessas empresas foram incentivados a constituírem firmas e, assim, entraremna cadeia de suprimentos. Como conseqüência dessas medidas, a produçãocresceu significativamente ao longo dos anos 90, embora passando por anos dequeda nas quantidades produzidas, permitindo uma recuperação das montadorasjá instaladas e, ainda, atraindo novos concorrentes. Essas oscilações estãodiretamente associadas ao desempenho da economia brasileira, ou seja, aprodução retrai-se nos períodos de contração da atividade produtiva, e o inversoocorre nas fases de expansão, impulsionada por incentivos governamentais, tais

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como “(...) correção das tarifas, implantação do vale-transporte, redução do IPIou aumento nos financiamentos com recursos do BNDES” (ESTUDO..., 2002,p. 4).

Tabela 2

Produção e exportação do setor fabricante de carrocerias de ônibus no Brasil –— 1980-2002

(unidades)

PERÍODOS PRODUÇÃO EXPORTAÇÃO

1980 11 301 1 288 1985 5 506 212 1990 9 246 766 1991 15 344 1 141 1992 17 830 3 046 1993 13 274 2 919 1994 12 625 3 224 1995 17 625 3 224 1996 18 498 2 119 1997 18 304 3 614 1998 19 291 3 407 1999 12 098 2 488 2000 17 001 4 832 2001 19 872 6 119 2002 (1) 21 298 6 165

FONTE: ALCA. Estudo setorial para subsidiar as negociações de acesso a mercados. Setores: metro-ferroviários, ônibus, implementos rodoviários, bicicletas, suas partes e peças, motocicletas, suas partes e peças. (S. l, s. n.), 2002. Disponível em: <http://www.simefre.org.br/Alca.htm>. Acesso em 20 ago. 2003. NOTA: Os dados compreendem os cinco maiores fabricantes: Marcopolo, Busscar, Caio/Induscar, Comil e Ciferal.

(1) Os dados incluem a San Marino/Neobus e a Metalbus, além dos Minis — Light Commercial Vehicles (LCV) — e das unidades exportadas na forma KD (desmon-tadas).

O crescimento da produção nos anos 2001 e 2002 estabelece um novopatamar de produção e pode ser explicado, em larga medida, pela expansão dasexportações. As vendas para o mercado externo cresceram bastante nos últimosanos da década de 90. Em 2001, foram comercializados no Exterior 6.119unidades, e, em 2002, uma quantidade ligeiramente superior, 6.165 unidades, o

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que corresponde a 31,5% e 28,9% da produção nacional de carroceriasrespectivamente. Duas empresas destacam-se no cenário nacional: Marcopoloe Busscar, sendo que a primeira detém cerca de 60% do mercado nacional.

As vendas para o mercado interno passaram por sucessivas fases deexpansão e contração decorrentes da instabilidade que atingiu a economiabrasileira sobretudo na segunda metade dos anos 90. Porém o setor foibeneficiado com estímulos do Governo Federal, o que permitiu manter a produçãoem níveis elevados. A privatização dos serviços de transporte urbano e a criaçãode corredores exclusivos também estimularam o mercado, principalmente o demodelos de grande capacidade, como os articulados e os biarticulados.

O expressivo crescimento das exportações está diretamente associado àimplementação de uma estratégia de globalização das montadoras, que estãoprocurando implementar estratégias globais de atuação. A principal responsávelpor essas mudanças foi a Marcopolo, que, mediante a implementação de umaestratégia bem-sucedida de internacionalização, conquistou novos mercados,ampliando, assim, sua participação no cenário mundial. A história da encarroça-dora gaúcha “(...) se confunde com a da própria indústria por suas açõesadministrativo-tecnológicas pioneiras e sua liderança de mercado, constituindo--se em um dos principais atores responsáveis pela tendência de globalizaçãoque vem apresentando essa indústria” (BERNARDES, 2002, p. 37).

As encarroçadoras estão comercializando veículos completos — chassismais carroçerias.

“Isto porque algumas vezes as exportações de segmento são feitasem conjunto com uma montadora, que estabelece uma parceria comum ou mais fabricantes de carrocerias, em função do modelo ou tipode veículo que se quer comercializar. Outras vezes, os fabricantesfazem negócios diretamente com montadoras de chassis localizadasno Exterior” (ESTUDO..., 2002, p. 4).

Os primeiros resultados divulgados para o ano 2003 apontam a continuaçãodo crescimento da produção, mais uma vez estimulado pela expansão dasexportações tanto para mercados tradicionais quanto para novos compradores.

O Gráfico 1 mostra como se distribui a produção nacional, por tipo decarroceria, ao longo do período 1990-01.

Constata-se, no Gráfico 1, que se produzem modelos de carrocerias paraveículos urbanos em número muito superior ao dos demais segmentos —rodoviária e de microônibus —, embora se constate uma queda no patamar deprodução entre 1999 e 2001. Tal movimento retrata a queda nas novas licitações,no âmbito do setor público, com vistas à renovação e/ou ampliação da frotaexistente. A tendência ascendente de produção de ônibus urbanos, entretanto,pode estar indicando uma lenta retomada do processo de renovação da frota, em

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especial pelas empresas privadas. No Brasil, o transporte coletivo é responsávelpelo deslocamento diário de cerca de 55 milhões de passageiros e respondepor, aproximadamente, 70% dos deslocamentos mecanizados. A frota aproximadaé de 95 mil veículos, e o segmento de ônibus atende a 90% da demanda detransporte coletivo urbano de passageiros, representada, na sua grande maioria,por usuários de baixa renda (ANÁLISE..., 2003).

A categoria composta de microônibus, miniônibus e midiônibus, por suavez, apresenta taxas de crescimento elevadas a partir da segunda metade dadécada de 90, e os veículos têm como principal destino o mercado externo,embora se constituam também em um nicho de mercado especialmente nasgrandes cidades. O seu crescimento poderia ser ainda maior, não fosse aproliferação do transporte clandestino e irregular, estabelecendo uma concorrênciadesleal.

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Urbanas Rodoviárias Microônibus

Evolução da produção de carrocerias de ôniibus, por tipo, no Brasil — 1990-01

Gráfico 1

(unidades)

Legenda:

FONTE: ALCA. Estudo setorial para subsidia as negociações de aces- so a mercados. Setores: metro-ferroviários, ônibus, implementos rodoviários, bicicletas, suas partes e peças, motocicletas, suas partes e peças. (S. I., s. n.), 2002. Disponível em: <http://www.simefre.org.br/Alca.htm>. Acesso em 20 ago. 2003.

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Esses fatores, associados à escassez de investimentos em infra-estruturae à falta de políticas adequadas ao setor, inclusive a regulamentação do transporteclandestino, vêm causando perda de rentatibilidade do setor, que acaba sendocompensada pelo crescimento das exportações.

O desempenho do segmento de ônibus rodoviários foi mais estável aolongo do período analisado, com tendência a crescimento no volume produzidonos últimos anos.

O mercado de transporte rodoviário de passageiros é composto, atualmen-te, por cerca de 230 empresas regulamentadas, que transportam, em média,125 milhões de passageiros por ano. Esse volume vem se mantendo relativamenteconstante nos últimos anos, de modo que o pequeno crescimento ocorrido podeestar refletindo um aumento de demanda, seja em razão da migração de clientesdo transporte aéreo, seja em razão do conforto e da segurança que os novosmodelos de ônibus oferecem para os seus usuários.

5 - Considerações finais

O setor fabricante de carrocerias detém uma participação expressiva naestrutura industrial brasileira. Em um país com larga extensão territorial interligadapor rodovias, o transporte de pessoas e a movimentação de cargas adquirem umcaráter estratégico e criam um grande potencial de crescimento para as empre-sas fabricantes desses tipos de veículos.

No caso do transporte de passageiros, as necessidades de atender àsdemandas correntes por novos veículos e de renovação da frota nacional, cujaidade vem comprometendo a segurança e o conforto dos passageiros, estãoviabilizando uma contínua expansão da produção de ônibus. Tal crescimento,contudo, depende da política nacional de transporte coletivo a ser implementadapelo Governo Federal.

O veículo ônibus é constituído de uma parte mecânica, que corresponde àplataforma de sustentação e ao sistema motriz, e de uma carroceria, ambasfabricadas, de um modo geral, por empresas distintas. Os fabricantes de chassissão grandes produtores mundiais que também fabricam outros veículos. Naspublicações especializadas, essas empresas são chamadas de montadoras,enquanto as que se envolvem com a fabricação de carrocerias recebem adenominação de encarroçadoras.

Os principais fabricantes encontram-se na Europa, na Ásia e nos EstadosUnidos, cabendo aos europeus a liderança em termos de design e variedade demodelos. O Brasil vem ganhando posição no mercado internacional a partir daimplementação de uma estratégia de modernização baseada, principalmente,

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em uma busca contínua por inovações gerenciais e organizacionais que resultamem melhorias nos processos produtivos e na competitividade dos veículosnacionais.

As inovações introduzidas nos chassis buscaram, basicamente, melhoraros quesitos qualidade, conforto e segurança mediante a incorporação detecnologia microeletrônica. As encarroçadoras, por sua vez, inovaram em design,introduziram novos materiais, redistribuíram espaços e desenvolveram novostamanhos de veículos.

Na década de 90, o segmento passou por fases de contração e de expan-são da produção, decorrentes das oscilações observadas na economia brasileira.A retração do mercado interno serviu de incentivo para a busca e a ampliação daparticipação das empresas brasileiras no mercado externo. Com efeito, comoresultado do esforço de modernização e de uma política agressiva de conquistade novos mercados, houve uma elevação significativa das exportações nacionaisde ônibus.

Referências

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser

CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Aod Cunha de Moraes Júnior (Presidente),André Meyer da Silva, Ernesto Dornelles Saraiva, Ery Bernardes, Eudes AntidisMissio, Nelson Machado Fagundes e Ricardo Dathein.

CONSELHO CURADOR: Fernando Luiz M. dos Santos, Maria Lúcia Leitão deCarvalho e Suzana de Medeiros Albano.

DIRETORIAPRESIDENTE: AOD CUNHA DE MORAES JÚNIORDIRETOR TÉCNICO: ÁLVARO ANTÔNIO LOUZADA GARCIADIRETOR ADMINISTRATIVO: ANTONIO CESAR GARGIONI NERY

CENTROSESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Maria Isabel H. da JornadaPESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Roberto da Silva WiltgenINFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Jorge da Silva AccursoINFORMÁTICA: Antônio Ricardo BeloEDITORAÇÃO: Valesca Casa Nova NonnigRECURSOS: Alfredo Crestani

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1 - A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundaçãode Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser e tem por objetivo adivulgação de artigos de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha,nacional e internacional.

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6 - As notas de rodapé devem conter apenas informações explicativas ou complementares e apresentadas em ordem seqüencial.

7 - As citações devem ser feitas no próprio texto, com a respectiva fonte: sobrenomedo autor, ano da publicação e número da página entre parênteses (Vanin, 1980, p.8). As citações em língua estrangeira devem vir traduzidas, ficando a critério doautor a publicação do original em nota de rodapé.

8 - As referências bibliográficas devem conter o nome completo do autor, o título daobra, o local e a data de publicação, o nome do editor e o número de páginas,enquadrando-se em uma das situações a seguir referidas:

b) capítulo ou artigo de livro - MIRANDA, José Carlos da Rocha (1997). Dinâ- ca financeira e política macroeconômica. In: TA-VARES, M. C.; FIORI, J. L., orgs. Poder e dinhei-ro: uma economia política da globalização. Pe-trópolis: Vozes, p. 243-275.

a) livros - POCHMANN, Márcio (2001). O emprego na globalização. A nova in-ternacionalização do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu.São Paulo: Boitempo Editorial, 151p.CASTRO, Antônio B. de, SOUZA, Francisco E. P. de (1985). A econo-mia brasileira em marcha forçada, 2. ed. São Paulo: Paz e Terra,217p.

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d) artigos de periódicos - BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello (1997). O declínio nio de Bretton Woods e a emergência dos mercados "globalizados”. Economia e Sociedade, Campinas: UNICAMP/IE, n. 4, p. 11-20. PARTICIPAÇÃO do Brasil nos investimentos diretos mundiais (1997). Carta da SOBEET. São Paulo, v. 1,

n. 4, set./out.

http://bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm Disponível em:

c) periódicos - CONJUNTURA ECONÔMICA (2000). Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez.

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f) informação ou texto obtidos pela internet - BNDES (2000). O IED no Bra- sil e no mundo: principais ten- dências. Sinopse Econômica.

Acesso em 21 mar.

9 - As tabelas e os gráficos devem ser numerados e apresentar título e fonte com- pletos; os gráficos devem ser gerados no MS-Excel e vir acompanhados das respectivas tabelas.

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Ônibus: um segmento industrial em expansão

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212 Maria Lucrécia Calandro; Silvia Horst Campos

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Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 3, p. 189-206, nov. 2003

Ônibus: um segmento industrial em expansão

Supervisão: Valesca Casa Nova Nonnig. Secretária: Luz Da Alva Moura da Silveira.RevisãoCoordenação: Roselane Vial.Revisores: Breno Camargo Serafini, Rosa Maria Gomes da Fonseca, Sidonia Therezinha HahnCalvete e Susana Kerschner.EditoriaCoordenação: Ezequiel Dias de Oliveira.Composição, diagramação e arte final: Cirei Pereira da Silveira, Denize Maria Maciel, Ieda KochLeal e Rejane Maria Lopes dos Santos.Conferência: Elisabeth Alende Lopes, Lenoir Buss e Rejane Schimitt Hübner.Impressão: Cassiano Osvaldo Machado Vargas e Luiz Carlos da Silva.

EDITORAÇÃO

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214 Maria Lucrécia Calandro; Silvia Horst Campos

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