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R. Bras. Ci. Solo, 36:1608-1619 ÍNDICE DE QUALIDADE DO SOLO ASSOCIADO À RECARGA DE ÁGUA SUBTERRÂNEA (IQS RA ) NA BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO RIO GRANDE, MG (1) Camila Cristina Alvarenga (2) , Carlos Rogério de Mello (3) , José Marcio de Mello (4) , Antônio Marciano da Silva (5) & Nilton Curi (6) RESUMO A proposição de índices de qualidade do solo tem crescido de forma considerável nos últimos anos para análises de sustentabilidade ambiental e da produção agrícola. No entanto, não há, nas condições brasileiras, o desenvolvimento de qualquer indicador de qualidade do solo vinculado à recarga de água subterrânea. O objetivo deste estudo foi gerar um índice de qualidade do solo, relacionado à recarga de água subterrânea (IQS RA ), válido para as condições da Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande e proceder a seu mapeamento por meio de técnicas geoestatísticas. O IQS RA proposto é uma combinação linear de três indicadores relacionados à infiltração de água no solo: densidade do solo, condutividade hidráulica saturada e macroporosidade. Para sua validação, foi considerada a participação do deflúvio base (ou subterrâneo) no deflúvio total para quatro sub- bacias da Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, analisando o comportamento desses indicadores hidrológicos tendo-se como referência a distribuição espacial do IQS RA . O índice gerado mostrou-se uma ferramenta importante para avaliação do potencial do solo para recarga de água subterrânea, uma vez que ele reflete a influência dos usos da terra no comportamento do deflúvio base e, consequentemente, na dinâmica da produção de água pelas sub-bacias. Termos de indexação: produção de água, hidrologia do solo, uso da terra, mapeamento. (1) Parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora apresentada à Universidade Federal de Lavras - UFLA, para obtenção do título de mestre em Engenharia Agrícola (Engenharia de Água e Solo). Com apoio da FAPEMIG (PPM-VI 068/2012). Recebido para publicação em 31 de outubro de 2011 e aprovado em 26 de julho de 2012. (2) Engenheira Agrícola, Mestre, PPGRH/UFLA, DEG/UFLA, Caixa Postal 3037 CEP 37200-000 Lavras (MG). Email: [email protected] (3) Professor Adjunto, DEG/UFLA. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected] (4) Professor Associado, DCF/UFLA. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected] (5) Professor Titular, DEG/UFLA. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected] (6) Professor Titular, DCS/UFLA. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]

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1608 Camila Cristina Alvarenga et al.

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ÍNDICE DE QUALIDADE DO SOLO ASSOCIADO À RECARGA

DE ÁGUA SUBTERRÂNEA (IQSRA) NA BACIA HIDROGRÁFICA

DO ALTO RIO GRANDE, MG(1)

Camila Cristina Alvarenga(2), Carlos Rogério de Mello(3), José Marcio de Mello(4), Antônio

Marciano da Silva(5) & Nilton Curi(6)

RESUMO

A proposição de índices de qualidade do solo tem crescido de formaconsiderável nos últimos anos para análises de sustentabilidade ambiental e daprodução agrícola. No entanto, não há, nas condições brasileiras, o desenvolvimentode qualquer indicador de qualidade do solo vinculado à recarga de água subterrânea.O objetivo deste estudo foi gerar um índice de qualidade do solo, relacionado àrecarga de água subterrânea (IQSRA), válido para as condições da Bacia Hidrográficado Alto Rio Grande e proceder a seu mapeamento por meio de técnicasgeoestatísticas. O IQSRA proposto é uma combinação linear de três indicadoresrelacionados à infiltração de água no solo: densidade do solo, condutividadehidráulica saturada e macroporosidade. Para sua validação, foi considerada aparticipação do deflúvio base (ou subterrâneo) no deflúvio total para quatro sub-bacias da Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, analisando o comportamentodesses indicadores hidrológicos tendo-se como referência a distribuição espacialdo IQSRA. O índice gerado mostrou-se uma ferramenta importante para avaliaçãodo potencial do solo para recarga de água subterrânea, uma vez que ele reflete ainfluência dos usos da terra no comportamento do deflúvio base e,consequentemente, na dinâmica da produção de água pelas sub-bacias.

Termos de indexação: produção de água, hidrologia do solo, uso da terra,mapeamento.

(1) Parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora apresentada à Universidade Federal de Lavras - UFLA, para obtenção dotítulo de mestre em Engenharia Agrícola (Engenharia de Água e Solo). Com apoio da FAPEMIG (PPM-VI 068/2012). Recebidopara publicação em 31 de outubro de 2011 e aprovado em 26 de julho de 2012.

(2) Engenheira Agrícola, Mestre, PPGRH/UFLA, DEG/UFLA, Caixa Postal 3037 CEP 37200-000 Lavras (MG). Email:[email protected]

(3) Professor Adjunto, DEG/UFLA. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected](4) Professor Associado, DCF/UFLA. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected](5) Professor Titular, DEG/UFLA. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected](6) Professor Titular, DCS/UFLA. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]

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SUMMARY: SOIL QUALITY INDEX ASSOCIATED TO THE GROUNDWATERRECHARGE (SQIGR) IN THE UPPER RIO GRANDE BASIN, MINASGERAIS

In the last years, soil quality indexes for analyses of the environmental sustainability andagricultural production have been proposed in increasing numbers. However, none of theseindexes is related to the groundwater recharge soil quality index for conditions in Brazil. Theobjective of this study was to generate a soil quality index related to the groundwater recharge(SQIGR) of the physiographical conditions of the Upper Rio Grande Basin and to draw a mapof SQIGR using geostatistical procedures. The proposed SQIGR consists of a linear combinationof three properties related to water infiltration into the soil: bulk density, saturated hydraulicconductivity and macroporosity. To validate the index, the participation of the base flow in thetotal flow of four sub-basins of the Upper Rio Grande Basin was considered, analyzing thebehavior of this hydrologic indicator taking the spatial distribution of SQIGR as reference. Thisvalidation process indicated the importance of SQIRG as tool to evaluate the groundwaterrecharge potential since it reflects the influence of different land uses on the base flow behaviorand, consequently, on water yield from sub-basins.

Index terms: water yield, soil hydrology, land use, mapping.

INTRODUÇÃO

No começo da década de 1990, a comunidadecientífica, consciente da importância do solo para aqualidade ambiental e para a sustentabilidade agrícola,iniciou a abordagem sobre qualidade do solo. A maioriados estudos concentra-se na identificação de um índiceque possa ser aplicável como indicador de qualidadedo solo, assim como há indicadores para a qualidadedo ar e da água, a fim de auxiliar na avaliação dossolos em relação à degradação ambiental e julgar aspráticas de manejo utilizadas (Melo Filho et al., 2007;Vezzani & Mielniczuk, 2009).

Na literatura encontram-se índices propostos paraavaliar a qualidade do solo que consideram aintegração dos atributos do solo com a paisagem,obtendo índices normalizados conforme as funçõesconsideradas relevantes para o local e o objetivo doestudo (Karlen et al., 1994; Karlen & Stott, 1994) e,ainda, com a possibilidade de gerar mapas dessesíndices. Há alguns trabalhos que geraram índices parainferência sobre o potencial de recarga de águasubterrânea aplicando apenas indicadores dapaisagem, como relevo, características pedológicas ematerial de origem (Araújo, 2006). Entretanto, essesíndices não captam a influência do uso do solo nosatributos de superfície associados à infiltração de água,o que, em condições tropicais e subtropicais, são maisrelevantes do que indicadores baseados apenas dapaisagem. Um exemplo fundamental dessa situaçãoconsiste da influência de matas nativas nocomportamento hidrológico de bacias hidrográficas decabeceira (Bonell et al., 2010; Roa-Garcia et al., 2011).Nessa linha, Menezes et al. (2009) buscaram analisaro comportamento hidrológico de duas nascentes emfunção das características pedológicas do Cambissolona região da Serra da Mantiqueira. Ambas asnascentes possuem as mesmas características

geomorfológicas, e apenas o uso do solo é diferente,sendo uma com área de recarga associada à pastagempara pecuária extensiva e outra inteiramente ocupadapor Mata Atlântica. Esses autores constataram que anascente sob Mata Atlântica tem produção de águasignificativa e proporcionalmente superior àquela sobpastagem, indicando a melhor qualidade dos atributoshidrológicos do solo na mata nativa. Dessa forma, aproposição de um índice com o objetivo de identificaráreas com potencial para recarga deve contemplaratributos mais específicos, associados à infiltração deágua no solo, para que se possa captar as condições desuperfície muito influenciadas pelo manejo e uso dosolo.

Dependendo da função para a qual o índice dequalidade do solo está sendo gerado, uma extensa listade atributos do solo pode ser empregada. Por isso, paraavaliação de determinadas funções, é preciso selecionaratributos que, de alguma maneira: influenciam afunção para a qual estão sendo avaliados; sejammensuráveis e comparados a padrões definidos; e sejamsensíveis para detectar diferenças em escala espaciale, ou, temporal (Karlen et al., 1997).

Entre os métodos mais utilizados paradeterminação do índice de qualidade do solo, destaca-se o proposto por Karlen & Stott (1994). Esse métodoapresenta uma estrutura de cálculo na qual as funçõesprincipais e seus respectivos indicadores sãoselecionados e ponderados de acordo com o grau deimportância para a determinação do índice. Essespesquisadores sugeriram a utilização de um modelodesenvolvido por Wymore (1993) para normalizaçãodos indicadores, gerando uma escala de 0 a 1,significando que, quanto mais próximo de 1, maior aqualidade do solo vinculada ao aspecto em análise.

Segundo Melo Filho et al. (2007), a grandequantidade de informação sobre indicadores de

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qualidade do solo na literatura refere-se,principalmente, às condições de clima temperado. Paracondições tropicais e subtropicais não há uma seleçãoespecífica de indicadores de qualidade do solo,especialmente daqueles associados à hidrologia do soloe adequados ao posterior mapeamento do índice dequalidade do solo resultante em escala de baciahidrográfica.

A geoestatística vem sendo aplicada à ciência dosolo para conhecer a variabilidade espacial de atributosfísicos e químicos com o objetivo de gerar ferramentas(mapas) capazes de apoiar tomadas de decisão,especialmente como subsídio à agricultura de precisãoe análises ambientais no tocante ao mapeamento deáreas de risco à erosão hídrica (Beskow et al., 2009).Assim, o mapeamento de um índice de qualidade desolo voltado para as condições de infiltração de águano solo e, consequentemente, de recarga de águasubterrânea constitui-se numa ferramenta ímpar parao manejo sustentável de bacias hidrográficas,permitindo melhor orientação quanto à utilização depráticas conservacionistas e ao uso do solo.

Nesse contexto, este trabalho propõe gerar emapear um índice de qualidade do solo associado àrecarga de água subterrânea (IQSRA) na BaciaHidrográfica do Alto Rio Grande, permitindo inferirsobre o solo e seu uso no contexto da sustentabilidadenatural dos recursos naturais solo e água.

MATERIAL E MÉTODOS

Caracterização geral da Bacia Hidrográficado Alto Rio Grande, MG

A Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, localizadano sul e sudeste do Estado de Minas Gerais, possuiárea de drenagem de aproximadamente 6.270 km². Éconstituída por zonas fisiográficas importantes doponto de vista de “produção de água”, notadamente,Campo das Vertentes e Serra da Mantiqueira. Oclima é do tipo Cwa em grande parte da bacia e Cwbna sua cabeceira, conforme Köppen (Mello et al.,2012). Seu relevo é ondulado, apresentandodeclividade superior a 15 % em aproximadamente90 % da área da bacia. A classe de solo predominanteé o Cambissolo, que ocupa aproximadamente 68 %da área, seguida pelo Latossolo, com 18 % (Figura1a). O uso do solo (Figura 1b) inclui pastagens parapecuária extensiva (29 %), áreas cultivadas (28 %),cerrado nativo (21 %), florestas nativas, especialmenteMata Atlântica (13 %), e solo exposto (8 %).

As análises da distribuição espacial do IQSRA foramconduzidas nas sub-bacias hidrográficas dos riosGrande (seção fluviométrica “Madre de Deus deMinas”, com área de drenagem de 2.080 km2) eAiuruoca (seção fluviométrica “Fazenda Laranjeiras”,com área de drenagem de 2.075 km2) e nas sub-baciashidrográficas dos ribeirões Jaguara (região fisiográfica

“Campos das Vertentes”, com área de drenagemde 32 km2) e Lavrinha (região fisiográfica “Serrada Mantiqueira”, com área de drenagem de 6,87km2). Na figura 2 estão apresentados os mapas desolos (coluna à esquerda) e de uso do solo (coluna àdireita), para todas as sub-bacias hidrográficas, ambosdesenvolvidos no ano de 2008.

Índice de qualidade do solo associado àrecarga de água subterrânea (IQSRA)

Amostras de solo deformadas e indeformadas foramcoletadas, entre abril e julho de 2008, na camadasuperficial do solo (0-0,20 m), em 537 pontosdistribuídos na Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande,para caracterização da macroporosidade e densidadedo solo, uma vez que esses atributos constituempotenciais indicadores hidrológicos do solo, sendoalterados pelo manejo do mesmo e de fácildeterminação laboratorial. Além desses, acondutividade hidráulica saturada consiste de umindicador fundamental para os estudos vinculados àrecarga de água subterrânea, e esta foi caracterizadaem condições de campo nos 537 pontos de coleta desolo. Este indicador hidrológico do solo reflete ascondições de permeabilidade do meio, não ficandoconfinado somente aos primeiros 0,20 m de camadado solo, haja vista o deslocamento da frente demolhamento e sua estabilização durante o teste. Nafigura 3 são apresentados os pontos amostrados e alocalização das sub-bacias hidrográficas dos riosGrande (seção fluviométrica “Madre de Deus deMinas”) e Aiuruoca (seção fluviométrica “FazendaLaranjeiras”) e dos ribeirões Jaguara (Campos dasVertentes) e Lavrinha (Serra da Mantiqueira).

Para determinação do IQSRA foram consideradosos três indicadores mencionados, todos intimamenteassociados à infiltração de água e influenciados pelouso e manejo do solo. A condutividade hidráulicasaturada do solo (ko) foi determinada in situ por meiode infiltrômetro de disco (modelo 2825K1), associadoaos acessórios do Permeâmetro de Guelph de cargaconstante (“Soil Moisture”, modelo 2800K1), seguindoo princípio do frasco Mariotte. Em cada ponto amostral,as cargas hidráulicas foram fixadas em 0,05 e 0,10mca, com respectivas leituras de infiltração realizadasem intervalos de tempo constantes e iguais a 2 minaté que estas ficassem constantes para ambas ascargas, gerando a condição de saturação do perfil dosolo, uma vez que o sistema entra em equilíbrio,com a velocidade de percolação da água no soloigualando-se à velocidade de saída da água dopermeâmetro. Vários trabalhos com o intuito demapear a condutividade hidráulica saturada do solo,em diferentes condições, têm sido desenvolvidos comesse tipo de equipamento, gerando resultadosimportantes em nível de bacia hidrográfica, comoos de Junqueira Junior et al. (2008) e Alvarenga etal. (2011).

A densidade do solo foi obtida pelo método do anelvolumétrico (Embrapa, 1997), e a macroporosidade,

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com base na diferença entre a porosidade total, a qualdepende da relação entre a densidade do solo e adensidade de partículas (Embrapa, 1997), e amicroporosidade, que corresponde à umidade do solosob potencial matricial de -6 kPa (Embrapa, 1997). Ouso da macroporosidade como indicador associado àrecarga está associado ao fato de que este atributohidrológico do solo é de fácil determinação laboratoriale fundamental para o controle e o fluxo de água nosolo, aproximando-se fisicamente da porosidadedrenável, a qual, apesar de mais precisa nessecontexto, apresenta dificuldades práticas importantesassociadas à sua determinação, especialmente aumidade do solo na capacidade de campo em condiçõesde campo propriamente ditas. Para geração do índicede qualidade do solo, em cada ponto amostrado, estetrabalho utilizou uma modificação do modelo propostopor Karlen & Stott (1994):

IQSRA = IDS.0,25 + Iko.0,40 + Iμ.0,35 (1)

em que IQSRA é o índice de qualidade do solo relacionadocom a recarga de água; e IDS, Iko e Iμ são os indicadoresdensidade do solo, condutividade hidráulica saturada emacroporosidade, respectivamente, normalizados emultiplicados pelos seus respectivos pesos.

O peso de cada indicador foi atribuído de acordocom a função que eles exercem no processo de

infiltração de água no solo e, consequentemente, narecarga de água, e sua soma deve ser igual a 1. Comoo processo de infiltração de água no solo é fortementeregido pelas características de permeabilidade do solo,elegeu-se a condutividade hidráulica saturada e amacroporosidade como as variáveis de maior peso (40e 35 %, respectivamente). A densidade do solo, emboraseja importante no tocante à compactação do solo,influenciando os demais indicadores, recebeu o menorpeso (25 %), pois, diferentemente dos anteriores, trata-se de um indicador indireto das condições de infiltraçãopropriamente ditas. Quando o solo apresenta limitaçõespara a recarga de água, o valor do índice de qualidadeserá baixo; caso contrário, se o solo apresentacapacidade elevada para recarga de água, seu valorserá alto.

Anteriormente à determinação do IQSRA foirealizada a normalização dos indicadores, devido aofato de que estes apresentam tanto unidades demedida quanto funções probabilísticas distintas. Paraisso, a função de pontuação normalizada, sugeridapor Karlen & Stott (1994) e desenvolvida por Wymore(1993), foi aplicada para obtenção de valoresnormalizados dos indicadores, consistindo de umafunção probabilística com três parâmetros (B, L eS), os quais dependem das características dos dadoslevantados em campo:

*CXbd: Cambissolo Háplico Tb distrófico; LVd: Latossolo Vermelho distrófico típico; GXbd: Gleissolo Háplico Tb distrófico; RLd:Neossolo Litólico distrófico típico; LVAd: Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico típico; LAd: Latossolo Amarelo distrófico típico;Rubd: Neossolo Flúvico Tb distrófico típico; CHd: Cambissolo Húmico distrófico típico.

Figura 1. Mapas de solos (a) e uso do solo (b) da Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, MG. Adaptados deAraújo (2006) e Beskow et al. (2009).

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Lx

LB1

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(2)

em que υ é a pontuação normalizada; B é o valor doindicador quando a pontuação normalizada (υ) é 0,5;L é o limite inferior do indicador; S é a inclinação dareta tangente à curva em B; e x é o valor do indicadordo solo associado a um valor normalizado υ.

Figura 2. Mapas de solos (coluna à esquerda) e deuso dos solos (coluna à direita) para as sub-bacias hidrográficas dos ribeirões Lavrinha (a)e Jaguara (b) e rios Grande (c) e Aiuruoca (d).Adaptadas, respectivamente, de Beskow et al.(2009), Pinto (2011) e Viola (2011). * ver legendada figura 1.

Para a construção das curvas de normalização, foiconsiderado o valor de B como a média do respectivoindicador e o valor de L como o menor valor observadopara o indicador. O valor de S para cada curva foideterminado igualando-se a derivada segunda daequação 2 a zero, considerando υ = a 0,5 e x = B.Curvas do tipo “mais é melhor” foram ajustadas paraos indicadores condutividade hidráulica saturada emacroporosidade, enquanto para o indicador densidadedo solo uma curva do tipo “menos é melhor” foiajustada (Karlen & Stott, 1994; Glover et al., 2000).

Mapeamento do índice de qualidade do soloassociado à recarga de água subterrânea(IQSRA) na Bacia Hidrográfica do Alto RioGrande

Para proceder ao mapeamento do IQSRA na BaciaHidrográfica do Alto Rio Grande, foram aplicadosprocedimentos da geoestatística, começando com aanálise exploratória dos dados. A modelagem dacontinuidade espacial empregou a funçãosemivariograma. Uma vez determinado osemivariograma experimental, foram ajustados a elemodelos teóricos de semivariograma, com destaquepara os esférico, exponencial e gaussiano. Além disso,um estudo prévio do comportamento dosemivariograma nas direções 0, 45, 90 e 135º foiconduzido a fim de se avaliar a existência deanisotropia, a qual não foi constatada. A escolha domelhor modelo, que posteriormente foi aplicado aomapeamento do IQSRA por krigagem ordinária, foi feitacom base em validação preditiva, para a qual umconjunto de 100 valores, diferentes daqueles utilizadosno ajuste do modelo espacial, foi aplicado. A variânciade krigagem e o erro médio reduzido foram analisadospara seleção do melhor ajuste, assim como o grau dedependência espacial (Gomes et al., 2007). Todas asanálises e procedimentos geoestatísticos foramdesenvolvidos pelo programa R, utilizando-se o pacoteGeoR, com o mapeamento tendo sido produzido peloprograma ArcMap (ESRI, 2004), mantendo-se osparâmetros do semivariograma obtidos anteriormente.

Para avaliar o comportamento do IQSRA nas sub-bacias hidrográficas de menor porte, objetivandocaracterizar zonas fisiográficas mais importantes(Campo das Vertentes e Serra da Mantiqueira), foramconduzidos os mesmos estudos geoestatísticosanteriores, proporcionando mapas do índice específicospara as sub-bacias dos ribeirões Jaguara e Lavrinha(Figura 3).

Validação do IQSRA como indicador de áreasde recarga de água subterrânea

Para este procedimento, foram utilizados dados demonitoramento hidrológico e climático para todas assub-bacias hidrográficas, sendo os dos ribeirõesLavrinha e Jaguara obtidos por monitoramentoconduzido pelo Grupo de Pesquisas em RecursosHídricos da Universidade Federal de Lavras, dispondo-

(a)

(b)

(c)

(d)

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se de dados disponíveis no período entre 2006 e 2010.Para as sub-bacias dos rios Grande e Aiuruoca, foramutilizados dados de vazão disponibilizados pelo PlanoDiretor da Bacia Hidrográfica do Rio Grande, cuja fontedetentora dos dados é a Companhia Energética de MinasGerais (CEMIG), com série histórica entre 1993 e 2011.É importante ressaltar que, como os dados físico-hídricos do solo foram obtidos no final do ano hidrológico2007-2008, sua influência foi especialmente captada nascondições de escoamento (deflúvio) subterrâneo do citadoano hidrológico, podendo influenciar também nocomportamento hidrológico do ano 2008/2009. Assim,foi analisado o comportamento hidrológico das sub-bacias hidrográficas mencionadas, relativo aos anoshidrológicos de 2007/2008 e 2008/2009, considerando oinício do ano hidrológico em setembro de um ano e otérmino em agosto do ano seguinte.

Os indicadores hidrológicos analisados (valoresmédios) estão associados ao deflúvio total e à parceladeste que é constituída pelo deflúvio base (ousubterrâneo). Os dados foram trabalhados calculando-se a vazão média mensal a partir de dados diários,convertendo-a em deflúvio, em mm, considerando-seas respectivas áreas de drenagem, para fins de

comparação entre as sub-bacias hidrográficas. Nasequência, o deflúvio subterrâneo foi separado dosuperficial direto considerando-se o comportamentoexponencial do primeiro, após identificação dos pontosde inflexão nas hidrógrafas (Hümann et al., 2011).Esse processo metodológico permite avaliar ascondições de armazenagem de água subterrânea nosaquíferos superficiais, os quais interagem com adrenagem superficial e, consequentemente, estãovinculados ao processo de recarga subterrânea,caracterizando o estoque de água armazenada noperíodo chuvoso. Dessa forma, entende-se que, quantomaior o valor de IQSRA, maior será a proporção dodeflúvio subterrâneo em relação ao deflúvio total,significando melhores condições para infiltração deágua no solo e para recarga subterrânea na referidaárea de drenagem (Price, 2011).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Normalização dos indicadores do IQSRA paraa Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande

Figura 3. Pontos amostrados e localização das sub-bacias hidrográficas estudadas na Bacia Hidrográfica doAlto Rio Grande, MG.

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Os parâmetros para construção das curvas denormalização para cada indicador que compõe o IQSRAestão apresentados no quadro 1, assim como dadosbásicos associados à média, coeficiente de variação evalores máximo e mínimo obtidos para cada indicador.

A curva de valores normalizados do tipo “menos émelhor”, aplicada ao indicador densidade do solo, e ascurvas do tipo “mais é melhor”, aplicadas aosindicadores macroporosidade e condutividadehidráulica saturada, estão apresentadas na figura 4.É importante destacar que as curvas apresentadasna referida figura foram construídas a partir dacaracterização dos parâmetros da função probabilísticade normalização (equação 2), estimando-se valores deυ para valores crescentes de x até que o intervalo entre0 e 1 fosse preenchido. A partir delas, os valores obtidosem campo foram associados a um valor normalizadoυ e aplicados no cálculo do IQSRA. Observa-se que aforma das curvas (meio sino), de valores normalizadosdos indicadores condutividade hidráulica saturada edensidade do solo, apresentou comportamento similarao daquelas obtidas nos trabalhos de Karlen & Stott(1994) e Glover et al. (2000). O valor normalizado iguala 1 corresponde a qualquer valor de condutividadehidráulica saturada superior a 1,5 m dia-1 e dedensidade do solo inferior a 0,90 kg dm-3. Entretanto,a curva ajustada para o indicador macroporosidadenão evidenciou esse mesmo formato. Observa-se que,

para que o valor normalizado seja próximo de 1, amacroporosidade deverá ser superior a 0,80 m3 m-3 e,na base de dados trabalhada, o valor máximo obtidofoi igual a 0,51 m3 m-3 (Quadro 1), cujo valornormalizado é 0,832. Contudo, essa situação não geradiscrepância em relação aos demais indicadores, umavez que no processo de normalização a modelagemdessa função é desenvolvida aplicando-seespecificamente a base de dados do indicador,vinculando-o às características estatísticas(probabilísticas) de sua própria amostra.

Destaca-se a importância da obtenção dosparâmetros L, B e S para solos de regiões tropicais,principalmente no contexto de uma bacia hidrográfica,visto que, mesmo para solos de regiões temperadas,são praticamente inexistentes os trabalhos que sepropõem a determinar numericamente essesparâmetros. O mais comum é a utilização de valoresde referência disponíveis na literatura (Glover et al.,2000; Melo Filho et al., 2007). Entretanto, para ascondições fisiográficas tropicais e subtropicais, comoda Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, comconsiderável diversidade de classes e usos dos solos,pode não ser apropriado considerar um valor dereferência disponível na literatura, gerado paracondições ambientais totalmente distintas. Um índiceproposto nessas condições poderá ser enviesado e suaaplicabilidade, comprometida. Diante do exposto e para

Macroporosidade, dm-3

m3

Va

lor

Norm

ali

za

do

Condutividade Hidráulica Saturada, m dia-1

1,0

0,75

0,50

0,25

00 0,5 1 1,5 2,0

Densidade do Solo, kg dm-3

0,7 0,9 1,1 1,3 1,5 0 0,2 0,4 0,6 0,8

Figura 4. Curvas de normalização para os indicadores do índice de qualidade do solo associado à recarga deágua subterrânea (IQSRA) para a Bacia Hidrográfica do Alto Rio Grande, MG.

Indicador L B S Média CV Valor

% Máximo Mínimo

DS (kg dm-³) 0,579 1,091 -5,9241 1,091 17,28 1,892 0,579

μ (m³ m-³) 0,008 0,186 1,4045 0,186 48,77 0,510 0,008

Ko (m dia-1) 0,017 0,832 1,3021 0,832 161,58 17,567 0,017

Quadro 1. Valores dos parâmetros L, B e S aplicados para normalização dos indicadores utilizados no cálculodo índice de qualidade do solo associado à recarga de água subterrânea (IQSRA) e estatísticas básicasdestes

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alcançar os objetivos deste trabalho, as curvas denormalização apresentadas são suficientes e fornecemvalores normalizados para os indicadores considerados,visando à estruturação do IQSRA.

Mapeamento do IQSRA na Bacia Hidrográficado Alto Rio Grande

Os modelos teóricos de semivariograma, aplicadosao mapeamento do IQSRA, ajustados aos seusrespectivos semivariogramas empíricos, estãoapresentados na figura 5. Com base nos procedimentosde avaliação dos modelos de semivariogramaapresentados anteriormente, verificou-se que o modelogaussiano produziu a melhor modelagem dacontinuidade espacial quando se considera toda a BaciaHidrográfica do Alto Rio Grande e foi aplicado a elapara o mapeamento do IQSRA. No entanto, para assub-bacias hidrográficas dos ribeirões Jaguara eLavrinha, em ambos os casos, o modelo esféricoapresentou melhor desempenho. Contudo, é possívelobservar melhores ajustes para as sub-bacias de menorporte, uma vez que, tanto para a sub-baciahidrográfica do ribeirão Jaguara quanto para a sub-bacia hidrográfica do ribeirão Lavrinha, foi possívelamostrar de forma mais detalhada em pequena escala,reduzindo erros de estimativa associados ao efeitopepita do semivariograma. Para a Bacia do Alto RioGrande como um todo, esse mesmo padrão deamostragem em pequenas distâncias não pode serutilizado devido à magnitude da bacia, ficando inviável,em termos práticos, a coleta de amostras em distânciassemelhantes às trabalhadas nas bacias de menormagnitude. Apesar dessa diferença na magnitude dadependência espacial, é possível observar que osmodelos ajustados apresentaram média estrutura dedependência espacial, caracterizada com graus dedependência espacial (GD) moderados (25 - 75 %)(Junqueira Junior et al., 2008; Alvarenga et al., 2011).Essas características permitem que o processo dekrigagem ordinária possa ser aplicado para o

mapeamento do IQSRA, obtendo-se boa precisão. Váriostrabalhos que buscaram mapear atributos físico-hídricos do solo têm aplicado esses modelos desemivariograma, com destaque para o modelo esférico,conforme pode ser observado em Gomes et al. (2007),Junqueira Junior et al. (2008) e Alvarenga et al.(2011), todos produzindo mapeamentos dacondutividade hidráulica saturada, armazenamentode água no solo e macroporosidade em baciashidrográficas.

O mapa do IQSRA para a Bacia Hidrográfica doAlto Rio Grande está apresentado na figura 6a.Observa-se que a região da Serra da Mantiqueira(parte sul da bacia), juntamente com uma região nocentro-sul da bacia, apresentou valores elevados deIQSRA, atingindo 0,77, demonstrando alta qualidadedo solo no contexto de infiltração de água e,consequentemente, de recarga subterrânea.Entretanto, a região sob influência do Reservatórioda Hidrelétrica de Camargos (norte da bacia)apresentou, em parte considerável de sua extensão,capacidade mediana de recarga de água, com valoresinferiores a 0,47, porém com trechos que indicam bompotencial para recarga, superior a 0,54.

Araújo (2006) propôs um mapa qualitativo-interpretativo preliminar das condições de recarga deágua subterrânea para a Bacia Hidrográfica do AltoRio Grande tendo como base as classes de solo, omaterial de origem e o relevo da região. Essepesquisador interpretou que os solos da região da Serrada Mantiqueira apresentavam médio potencial quantoà recarga de aquíferos, enquanto os solos mais ao norteda bacia, incluindo a região sob influência doReservatório da Hidrelétrica de Camargos,apresentavam alto potencial de recarga, devido aopredomínio de Latossolos. Ainda segundo Araújo(2006), os solos da região sudoeste e centro-oeste dabacia evidenciavam potencial reduzido quanto àrecarga. No entanto, devido ao caráter preliminardaquele trabalho, não foi incluído um levantamento

Figura 5. Ajuste dos semivariogramas teóricos aos dados do índice de qualidade do solo associado à recargade água subterrânea (IQSRA) e grau de dependência espacial (GD) para a Bacia Hidrográfica do Alto RioGrande (a) e para as sub-bacias hidrográficas dos ribeirões Jaguara (b) e Lavrinha (c).

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GD = 28,2 % GD = 50,6 %

Semivariograma experimental

Modelo gaussiano

Semivariograma experimental

Modelo Esférico

Distância, m

GD = 73,2 %

Semivariograma experimental

Modelo Esférico

(a) (b) (c)

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Figura 6. Distribuição espacial do índice de qualidade do solo associado à recarga subterrânea (IQSRA)e apresentação de dados hidrológicos médios relativos aos anos hidrológicos de 2007/2008 e 2008/2009, para as sub-bacias hidrográficas dos rios Grande e Aiuruoca (a) e dos ribeirões Jaguara (b) eLavrinha (c).

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quantitativo de atributos diretamente vinculados àinfiltração e, portanto, alterados pelo uso e manejo dosolo. Ademais, não foi desenvolvido qualquer tipo devalidação da proposição do autor. Em conformidadecom essas considerações, como o mapa desenvolvidono presente trabalho foi gerado com base em um índiceque tem como indicadores atributos do soloextremamente sensíveis ao seu uso e manejo e que defato estão intrinsecamente associados à infiltração,este representa um avanço conceitual e metodológiconesse contexto.

Os valores médios anuais de deflúvio total (D),deflúvio base ou subterrâneo (DB), precipitação (P), asrelações DB/D e DB/P e o IQSRA médio para as sub-bacias dos rios Grande e Aiuruoca e dos ribeirõesLavrinha (Serra da Mantiqueira) e Jaguara (Camposdas Vertentes) também estão apresentados na figura6. Além desses dados, estão apresentados oshidrogramas mensais das respectivas sub-baciashidrográficas para os anos hidrológicos de 2007/2008e 2008/2009, os quais descrevem o comportamentohidrológico das sub-bacias exatamente no período decoleta dos dados físico-hídricos do solo.

Confrontando os dados hidrológicos médiosapresentados à distribuição espacial do IQSRA (Figura6), observa-se que as regiões que apresentaram valoresmais elevados desse índice são aquelas cuja ocupaçãopredominante dos solos está associada a matasnativas, especialmente Mata Atlântica (Figuras 1 e2), embora os Cambissolos sejam os solos dominantesnessa região (Menezes et al., 2009). Estes, do ponto devista pedológico, não apresentam condições ótimas parainfiltração de água, uma vez que ocorrem em relevosmais movimentados, com “solum” raso e possibilidadede encrostamento se estiverem expostos ao impactodireto de gotas de chuva. Como os indicadores quecompõem o IQSRA proposto são muito influenciados pelouso e manejo do solo, eles captam de forma peculiaressa influência no contexto da infiltração de água. Deacordo com os dados apresentados, 61 e 64,8 %,respectivamente, do deflúvio total nas sub-baciashidrográficas dos rios Grande e Aiuruoca consistem dedeflúvio subterrâneo, o qual é função do processo derecarga subterrânea e das condições físicas de superfície(Price, 2011). Em ambas as sub-bacias, o IQSRA médioé praticamente o mesmo, ou seja, 0,486 e 0,492,respectivamente. Por se tratar de grandes sub-baciashidrográficas, com área de drenagem superior a 2.000km2, estas ocupam as diferentes condiçõesedafoclimáticas do Alto Rio Grande, desde a região daSerra da Mantiqueira até a região Campos dasVertentes, daí sua relativa similaridade. Avalia-se,entretanto, uma ligeira superioridade da sub-bacia dorio Aiuruoca (Figura 6a), o que se explicapossivelmente pela maior presença da Mata Atlânticana parte sul desta sub-bacia, ou seja, uma influênciaum pouco maior da Serra da Mantiqueira, produzindomaior relação dos indicadores de deflúvio em relaçãoao total precipitado, com IQSRA superior a 0,60 emgrande parte da sub-bacia hidrográfica.

Para analisar o comportamento descritoanteriormente de forma mais detalhada, os mapas doIQSRA para as sub-bacias hidrográficas dos ribeirõesJaguara, situada na zona fisiográfica Campos dasVertentes, e Lavrinha, localizada na zona fisiográficaSerra da Mantiqueira, estão também apresentados,respectivamente, na figura 6 b,c, bem como seus dadosentre os anos hidrológicos de 2007/2008 e 2008/2009.

A bacia hidrográfica do ribeirão Jaguara (Figura6b) apresenta como classe de solo predominante oLatossolo Vermelho distrófico típico (Figura 2b). Noentanto, os usos principais do solo desta região,segundo Gomes et al. (2007), são pastagens extensivas,conduzidas sem nenhum critério conservacionista, ecultura anual, especialmente o plantio convencionalde milho, o que pode ser comprovado pelo mapa de usodo solo na figura 2b. É sabido que essas práticasreduzem a capacidade de infiltração dos solos e,consequentemente, a capacidade de recarga de águasubterrânea. O índice proposto demonstra valoresinferiores aos obtidos para a região da Serra daMantiqueira (praticamente 100 % da área desta baciaapresenta IQSRA inferior a 0,60), com IQSRA médio de0,462, indicando condições medianas para recargasubterrânea. Isso significa que ele captou osproblemas de manejo do solo nesta sub-baciahidrográfica, levantados por Gomes et al. (2007), cujoreflexo está no comportamento do deflúvio subterrâneoinferior, em termos de sua participação no deflúviototal, em comparação àquele da sub-bacia hidrográficado ribeirão Lavrinha (região da Serra da Mantiqueira),mesmo em condições pedológicas mais favoráveis àinfiltração. Nesta sub-bacia, pouco mais de 50 % dodeflúvio total corresponde ao deflúvio subterrâneo, eapenas 20,2 % da precipitação pluvial total média dosanos hidrológicos avaliados foi convertida nessedeflúvio.

No âmbito da região da Serra da Mantiqueira,Menezes et al. (2009), estudando os solos da sub-baciahidrográfica do ribeirão Lavrinha, constataram que ode maior expressão espacial (60 % da área) é oCambissolo Háplico com textura média, raso amoderadamente profundo (Figura 2a). Ospesquisadores verificaram ocupação predominante deMata Atlântica (41,5 %) e pastagem (40,4 %), sobretudonas faces norte e sul da bacia, respectivamente,conforme se observa no mapa de uso do solo da figura2a. A área que apresentou os valores mais elevados doIQSRA foi sua face norte (Figura 6c), apesar dapredominância dos Cambissolos; aproximadamente50 % da área total desta sub-bacia apresenta IQSRAsuperior a 0,60. O valor médio do IQSRA é de 0,523,muito superior, portanto, aos valores para as demaissub-bacias hidrográficas. Entretanto, o uso atual dosolo nesta área é de Mata Atlântica, o qual, segundoMenezes et al. (2009), promove efeitos benéficos ao solo,como baixa exposição deste ao impacto direto deprecipitações intensas e formação de uma espessacamada de material orgânico pouco decomposto(serapilheira), que, segundo os citados autores, bem

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como Pereira et al. (2010), funciona como um anteparodas precipitações, mantendo a água no meio eregulando o deflúvio subterrâneo. Esses aspectos, deforma geral, favorecem o processo de infiltração,compensando a menor capacidade de armazenamentode água dos Cambissolos em relação aos Latossolos,minimizando o processo de erosão hídrica e adegradação ambiental. Nesta sub-bacia, os resultadosmédios correspondentes aos anos hidrológicos de 2007/2008 e 2008/2009 (Figura 6c) evidenciaram que, emtermos médios, o deflúvio subterrâneo representou75 % do deflúvio total e, na média dos respectivos anoshidrológicos, 26,7 % da precipitação pluvial foiconvertida em deflúvio subterrâneo, ou seja, o uso dosolo em grande parte desta sub-bacia hidrográficareflete as adequadas condições iniciais para o processode recarga subterrânea, o que justifica os elevadosvalores observados do IQSRA proposto.

Esses resultados encontram sustentação emtrabalhos recentes, como os de Bonell et al. (2010),Roa-Garcia et al. (2011) e Hümann et al. (2011), osquais estudaram o comportamento da condutividadehidráulica sob condições de Floresta Nativa nos Andescolombianos, no sudoeste da Alemanha e no oeste daÍndia, respectivamente. Nesses trabalhos, ficouconstatado que a presença de florestas nativas, emavançado estádio de desenvolvimento (florestamadura), propicia condições para a gênese de porosgravitacionais com altos valores de porosidade drenávele condutividade hidráulica saturada, com a formaçãode fluxos preferenciais. Essa condição de superfície,bem como o regime climático úmido e frio com elevadacapacidade de interceptação pelo dossel (Ávila, 2011),reduz a geração de deflúvio superficial direto(enxurrada), facilitando o processo de infiltração earmazenamento de água nesses ambientes. Todos essesaspectos fisiográficos permitem evidenciar o papelfundamental desempenhado pela Mata Atlântica nocontexto de recarga de água subterrânea; a suapreservação é fundamental para o equilíbrio hidrológicoe produção de água na Bacia Hidrográfica do Alto RioGrande. Em nenhuma outra parte desta bacia foipossível constatar comportamento semelhante.

Este trabalho permitiu realçar a importânciado uso e manejo do solo, principalmente das áreas deflorestas nativas, para a recarga subterrânea. Essaconstatação ficou explícita na região da Serra daMantiqueira, na qual, apesar da predominância deCambissolos e relevo movimentado, a presença deflorestas nativas conferiu ao solo elevado potencial derecarga, atenuando os efeitos associados a fatorespedológicos e topográficos limitantes. Dessa forma,constata-se que o IQSRA proposto mostrou-se sensívelao uso do solo. Sua aplicação é eficiente no contexto deidentificação de zonas com maior potencial de recargade água subterrânea, sendo uma ferramentafundamental para o manejo sustentável da BaciaHidrográfica do Alto Rio Grande, a qual é altamenteestratégica para geração de energia hidrelétrica nosul e sudeste do Estado de Minas Gerais. No entanto,

a investigação do comportamento desse índice emcamadas mais profundas do solo, bem como maistempo de monitoramento hidrológico nas bacias demenor porte, é imprescindível para consolidar suaaplicação, com a identificação de faixas de valores doíndice e as respectivas interpretações, além de melhordetalhamento do processo de infiltração no tocante àinfluência do relevo no seu comportamento.

CONCLUSÕES

1. O IQSRA proposto neste trabalho mostrou-sesensível ao uso e manejo do solo, e o processo de validaçãocomprovou sua eficácia como indicador ambientalconfiável de produção de água pelas sub-baciashidrográficas da região Alto Rio Grande, sendo possíveldistinguir áreas importantes das regiões da Serra daMantiqueira e Campos das Vertentes. Sub-baciashidrográficas associadas a maiores valores desse índicesão aquelas com as maiores proporções do deflúviosubterrâneo em relação ao deflúvio total e, portanto, asque se apresentam como as maiores produtoras de água.

2. As áreas cuja ocupação predominante do solo éde Mata Atlântica apresentaram valores elevados doIQSRA, evidenciando que os fatores uso e manejo dosolo são determinantes para o processo de recargasubterrânea na região da Serra da Mantiqueira; estaregião apresentou os maiores valores do IQSRA, apesarde as características pedológicas serem menosfavoráveis à infiltração de água do que na regiãoCampos das Vertentes.

LITERATURA CITADA

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