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março 2007 vol. 4 nº 1 Indo além da substituição de insumos

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nº 1

Indo além dasubstituiçãode insumos

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2 Agriculturas - v. 4 - no 1 - março de 2007

v. 4, nº 1(corresponde ao v. 22, nº 4 da Revista LEISA)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa –, em parceria com a Funda-ção Ileia – Centre of Information on Low External Input

and Sustainable Agriculture.

Rua da Candelária, n.º 9, 6º andar.Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020

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Conselho EditorialEugênio Ferrari

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAss. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica

e Extensão Rural - Emater, RS

Marcelino LimaDiaconia, PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional-Fase/RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico, RS

Miguel Ângelo da SilveiraEmbrapa Meio Ambiente

Paulo PetersenAS-PTA

Romier SousaGrupo de Assessoria em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número Jorge Luiz VivanProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Adriana Galvão Freire, Jorge Luiz Vivan, NádiaMaria Miceli de Oliveira, Paulo Petersen

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque Rosa L. Peralta

Tradução Maria José Gazzelli e Maria Helena Souza de AbreuRevisão Gláucia Cruz

Foto da capa Plantas de cobertura em cultivo orgânico nalocalidade Brejal, Petrópolis - RJ

Fotógrafo José Guilherme Marinho GuerraProjeto gráfico e diagramação I Graficci

Impressão HolográficaTiragem 3.300

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

ISSN: 1807-491X

edito

rial

pesar da estreita dependência das atividadesagropecuárias em relação aos ecossistemas, as ciên-cias agrárias se desenvolveram mantendo poucos

vínculos com a Ecologia. Na pesquisa agrícola clássica, o meionatural é concebido como mero suporte físico para as ativida-des produtivas. Cultivos e criações são manejados de maneirapouco integrada aos recursos do meio, e as técnicas são disse-minadas na forma de pacotes destinados a proporcionar ascondições ambientais adequadas ao máximo rendimento pro-dutivo das espécies de interesse econômico. Fertilizantes quími-cos, agrotóxicos, rações industriais, irrigação e mecanizaçãopesadas são alguns dos insumos empregados para esse fim.Cria-se, dessa forma, enorme artificialização das condições deprodução, razão pela qual muitos denominam esse padrão téc-nico de agricultura industrial.

Mais recentemente, com a ampliação das oportu-nidades comerciais para os alimentos organicamente produzi-dos, um crescente número de agricultores em todas as regiõesdo planeta vem abolindo o emprego de insumos de origemindustrial, adequando-se às normas de produção para essemercado emergente. Entretanto, muitos deles se limitam àsubstituição de insumos químicos por insumos orgânicos (ounaturais). Embora esse procedimento represente um avançoinquestionável nos padrões ambientais da produção e para asaúde pública, na maioria das vezes ele não é capaz de promo-ver o restabelecimento dos vínculos ecológicos entre os culti-vos e criações manejadas e os ecossistemas naturais. Comisso, os produtores permanecem altamente dependentes deinsumos externos, e os custos produtivos se mantêm tão oumais elevados que os da produção convencional.

Esta edição da Revista Agriculturas apresenta rela-tos de estratégias de transição agroecológica que visam à supe-ração da fase da substituição de insumos ao incorporarem prá-ticas de manejo orientadas para restabelecer funções ecológicasfavoráveis ao desempenho produtivo, à integridade ambiental eà eficiência econômica dos agroecossistemas. Independentementedo grau de complexidade das inovações técnicas apresentadas,elas foram introduzidas a partir de decisões conscientes de suacapacidade de potencializar as interações ecológicas que se pro-cessam entre organismos, climas e solos nos distintos contex-tos socioambientais em que as experiências se desenvolvem.

Esse aspecto, presente no conjunto dos artigos, si-naliza um fator da maior relevância para a inovação técnica naAgroecologia: o domínio do conhecimento sobre os princípiosecológicos subjacentes às técnicas é condição fundamental paraque elas sejam criadas e recriadas a partir das necessidades eoportunidades de cada agroecossistema particular. É nesse sen-tido que a produção do conhecimento agroecológico deve estarbalizada por conceitos e métodos radicalmente distintos dosque marcam dominantemente os sistemas oficiais de pesquisaagrícola e extensão rural. É isso o que evidencia os artigos quevocês lerão neste número: mais do que o domínio instrumentaldas técnicas, a inovação agroecológica demanda a construçãode conhecimentos capazes de apreender os processos ecológi-cos peculiares ao local para manejá-los visando à reproduçãoda fertilidade dos agroecossistemas e à redução ou eliminaçãode insumos externos.

A

O editor

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sum

ário

Páginas na internet pág. 34

Publicações pág. 33

pág. 7

Artigos

Editor convidado Jorge Luiz Vivan pág. 4

Remineralização dos solos em processos de transiçãoagroecológica no Sul do Brasil pág. 6Julia Wright

Aplicação da teoria da trofobiose no controle de pragas pág. 16e doenças: uma experiência na serra gaúchaMaria José Guazzelli, Laércio Meirelles, Ricardo Barreto,André Gonçalves, Cristiano Motter e Luís Carlos Rupp

Uso de plantas de cobertura na valorização de processos pág. 24ecológicos em sistemas orgânicos de produção na regiãoserrana fluminenseJosé Guilherme Marinho Guerra, Aly Ndiaye, Renato Linhares de Assise José Antonio Azevedo Espindola

O manejo dos nutrientes pelos viticultores de Berisso: pág. 29um exemplo bem-sucedido da aplicação deprincípios ecológicosEsteban Abbona, Santiago Sarandón e Mariana Marasas

pág. 11

pág. 20

pág. 24

pág. 29

Revitalização dos solos em processos de transição pág. 7agroecológica no sul do BrasilEdinei de Almeida, Fábio Júnior Pereira da Silva e Ricardo Ralisch

pág. 16

Manejando insetos-praga com a diversificação de plantas pág. 20Miguel A. Altieri, Luigi Ponti e Clara I. Nicholls

O sistema de intensificação de arroz e suas implicações pág.11para a agriculturaNorman Uphoff

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edito

r co

nvid

ado

sta edição da Revista Agriculturas representa o objeto de uma reflexãoque caracteriza um avanço no pensamento agroecológico global. Afinal,é suficiente usar produtos naturais para garantir uma agricultura susten-

tável? Por diferentes ângulos, alguns dos autores de artigos aqui apresentados defendiam, já hámais de 25 anos, que a resposta é não. É necessário ir além da substituição dos insumos sintéti-cos pelos de origem biológica. Essa noção é bastante antiga, amplamente disseminada e estáassociada a cenários socioeconômicos de crise.

Há cerca de 2.300 anos, o Império Romano havia concentrado terras e depauperadorecursos após a longa e exaustiva campanha contra os cartagineses. Nessa época, Cato, oVelho, produziu um dos primeiros tratados de agricultura conhecidos, no qual recomendava ouso de árvores como suporte para as videiras, de modo a obter lenha, já um bem de uso escassona época. Setecentos anos depois, numa Roma que dependia dos grãos do Norte da África,Columela apontava que a culpa pelas baixas produções não era do envelhecimento natural da terra,mas da derrubada das florestas, que por isso não mais fertilizavam os solos com suas folhas.

No início dos anos 1940, os Estados Unidos haviam passado pela Grande Depressão esofrido com as nuvens de poeira resultantes da erosão eólica, quadro agravado pela seca. Osdias se transformavam em noite, as chuvas traziam lama do céu e os migrantes abandonavam asplanícies desnudas e empobrecidas do Arkansas e rumavam para a Califórnia, em busca deempregos. Desse contexto, surgiu The Ploughman’s Folly (As loucuras do lavrador), obra deEdward H. Faulkner, que apregoava o que seria modernamente conceituado como plantio dire-to. Seu autor afirmava que os processos naturais de incorporação de matéria orgânica pela açãodas minhocas eram muito mais eficientes e inteligentes do que revirar o solo com arados. Tam-bém dessa geração é a obra Tree Crops (Cultivos de árvores), de J. Russel Smith, que sugeriauma solução agroflorestal e silvipastoril para a erosão eólica e a degradação de solos na Américado Norte e no mundo.

O final da década de 1970 trouxe os efeitos colaterais e os impactos ambientais e econô-micos da ideologia da modernização conservadora da agricultura. Entretanto, junto com eles, vie-ram novas idéias e alternativas. No início dos anos 1980, a teoria da trofobiose, apresentada aqui noartigo da página 16, evidenciou o papel negativo que agrotóxicos e adubos químicos exerciam sobreo metabolismo e a saúde das plantas. As evidências mostravam que, ao desequilibrar processosmetabólicos, os produtos químicos aplicados com a finalidade de fertilizar e proteger cultivos podi-am gerar ambientes reprodutivos oportunos para insetos e fungos. Da mesma forma, fertilizantespodiam atuar como fitohormônios, assim como os fungicidas podiam agir como fertilizantes foliares.Os resultados variavam desde uma perda completa de safras por reprodução descontrolada de inse-tos ou fungos fitófagos até implicações inesperadas, como níveis elevados de toxicidade de algunsmicronutrientes no solo ou nos tecidos das plantas pulverizadas.

Na mesma época, no campo do controle biológico, a noção inicial de manejar umcultivo agrícola, seus insetos-praga e seus respectivos inimigos biológicos evoluiu para o con-

Agricultura para um planetaem crise: processos

ecológicos em ação

E

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ceito de auto-regulação biótica no agroecossistema. As relações deixaram de ser concebidascomo enfrentamentos entre a espécie predadora e a espécie praga para serem entendidas comorelações ecológicas de equilíbrio na cadeia trófica que envolvem clima, plantas, solo e fauna. Asações de controle biológico passaram a ser analisadas em suas implicações e interações emdiferentes níveis, desde a paisagem até aspectos genéticos das espécies envolvidas. AAgroecologia, como descrita no artigo da página 20, nasceu como ciência da integração deabordagens ecológicas aplicadas à Agronomia e incluiu uma visão da importância da dimensãosocioeconômica na concepção da sustentabilidade dos sistemas de produção agrícolas.

De modo convergente a essas abordagens, a Etnoecologia se construiu integrando asciências humanas e biológicas, assim como os saberes tradicionais e os saberes científicos. Juntocom a Etnobiologia, ela forneceu ferramentas metodológicas fundamentais para desvendar o saberecológico que os agricultores empregavam para manejar seus sistemas de produção, além de incor-porar a visão local, etnológica, à resolução de problemas da agricultura. A introdução dessa perspec-tiva recuperou o fato de que há milhares de anos povos indígenas e populações tradicionais já haviamdesenvolvido sistemas de manejo de recursos com base ecológica e de grande relevância para osdesafios da sustentabilidade. Ao fazer isso, evidenciou que a sociodiversidade é importante e inter-ligada de maneira vital à biodiversidade e agrobiodiversidade.

Nesse sentido, a erosão cultural pode estar intimamente ligada à erosão da diversidade deespécies e de ecossistemas. O estudo apresentado na página 29 identificou que viticultores queexpandiram suas atividades produtivas das terras baixas para as encostas, portanto fora do alcancedos depósitos de aluvião, seguiram contando apenas com a fertilidade natural dos solos. Privadosdas benesses do rio e sem uma transmissão dos princípios ecológicos que essa proximidade trazia aosvinhedos, esses produtores encontraram problemas. Esse caso exemplifica como a erosão cultural,no caso entre gerações, pode gerar efeitos concretos e imediatos no campo ecológico.

Mas o que é, afinal, sustentável numa perspectiva de “ir além da substituição de insumos”?Um conceito fundamental para avançar nesse debate foi adaptado da engenharia de materiais paraa Ecologia por C.S. Holling, em 1973. Chama-se resiliência, ou “a quantidade de distúrbio que umecossistema pode suportar sem mudanças na estrutura e nos processos auto-organizados (definidoscomo estados estáveis alternativos)”. Pensemos numa barra de ferro usada como alavanca. Elapoderá entortar (indo para um estado alternativo) em situações extremas, ser endireitada (voltandoa um dos estados alternativos estáveis) e novamente usada. Esse processo continuará até que aestrutura da barra sofra uma pequena fissura, que não terá como ser reparada e que aumentará peloesforço seguido, até que a barra se rompa.

Como isso se dá na agricultura? Assumimos que a agricultura, em suas diferentes formas, éuma modificação que uma determinada organização social imprime num ecossistema para obter produ-tos e atender seus propósitos vitais, dentro de um determinado contexto econômico e cultural.

Essas modificações (ou distúrbios, no conceito de resiliência) afetam principalmente aestrutura e os processos dos ecossistemas. Em outras palavras, afetam primeiro a quantidade, aqualidade e o arranjo espacial e temporal dos componentes de um ecossistema. Espécies são elimi-nadas e substituídas, e os múltiplos andares e mosaicos de uma floresta ou de uma pastagem nativasão reduzidos ou eliminados.

A modificação da estrutura, por sua vez, afeta processos ecológicos, como Columelaobservou há 1.700 anos. Ao evitar a regeneração natural, por exemplo, eliminando os componentesconsiderados inúteis dos ecossistemas, o agricultor impede que diferentes processos auto-reguladosocorram. Entre outros, aqueles responsáveis por renovar a disponibilidade de nutrientes e conservara umidade do ambiente. As plantas ou animais excluídos podem também ser recicladores de nutrien-tes específicos, ou ainda fazerem parte de complexas redes de predadores e pragas. Essas espéciespodem exercer funções-chave no gerenciamento de um determinado ponto do equilíbrio ecológicodaquele sistema. Assim, sua eliminação afetará estrutura e processos num efeito em cadeia.

O impacto indesejado ou colateral dessas perdas de estrutura e de processos é a reduçãoda capacidade de auto-regulação. Com ela, vem o aumento da instabilidade e, conseqüentemente,o aumento do risco. Numa determinada magnitude do distúrbio, que será variável para diferentes

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ecossistemas, a instabilidade pode ser tanta que o sistema (ou o agroecossistema) será levado acondições irreversíveis. Nesses estados, ele não mais se estabilizará, mas sim seguirá em francadegradação. Em outras palavras, a perda da resiliência foi além de um patamar sustentável alternati-vo ao sistema original, que simplesmente entrou em colapso.

Então, como a humanidade logrou praticar agricultura durante tanto tempo, se a tendên-cia é aumentarmos cada vez mais a magnitude dos distúrbios? A resposta foi adaptabilidade, ou seja,mudança comportamental: ler o ambiente, monitorar seus sinais vitais e mudar práticas e atitudesantes de o sistema entrar numa dinâmica de colapso. A capacidade de incorporar novos conhecimen-tos e visões é, portanto, a chave para a adaptatividade e a resiliência.

A primeira lição desse aprendizado é que não se trata apenas de desenvolver melhores adubos,insetos amigos, manejos florestais ou consórcios agroflorestais ecologicamente perfeitos. Fosse assim, astécnicas apregoadas por Cato, o Velho, e Columela teriam se tornado políticas oficiais do Império Roma-no, e não foi esse o caso. A questão é que as sociedades humanas estabeleceram uma rede complexa derelações entre si ao longo de milhares de anos e nem sempre prestaram atenção aos sinais da natureza queapontam a necessidade de mudar comportamentos. O resultado é que essas sociedades têm modificadoecossistemas em grande escala já há milênios e, nos últimos 150 anos, vem fazendo isso de formadramática a ponto de influenciar o clima do planeta.

Como, então, aumentar a resiliência hoje? A chave é buscar entender tanto os sistemasnaturais quanto as redes sociais e econômicas em suas interações. Primeiro, devemos compreenderos princípios ecológicos envolvidos que ajudarão a desenvolver aplicações adequadas aos diferentesníveis e diferentes formas de modificações nos ecossistemas. Nesse sentido, o fato a encarar é quelimites biofísicos são reais e imutáveis, enquanto que os limites políticos ou econômicos são realida-des comportamentais mutáveis, embora complexas e delicadas. O ponto crítico é, portanto, harmo-nizar a diversidade e a manutenção da funcionalidade ecológica sem ignorar as determinações so-ciais, econômicas e políticas que imprimem distúrbios e condicionam sua magnitude. Mais além,devemos entender a origem dessas determinações na própria concepção de organização socio-econômica e como ela se materializa na agricultura. Afinal, a natureza do comportamento coletivoe das prioridades políticas de cada povo é expressão dessas concepções sociais, econômicas, cultu-rais e, por que não, psicológicas.

Os artigos publicados nesta edição trazem exemplos locais e abordagens criativas paraenfrentar esses desafios, tanto do ponto de vista biológico como social. E quais as nossas chances deuma agricultura sustentável? Do ponto de vista biológico, a resposta está em entender as redesecológicas, suas estruturas e processos, desde o nível mais reduzido e micro, como os que ocorremna biota do solo (como abordados nos artigos das páginas 7 e 11), até a visão de paisagem (comorelatado nos textos das páginas 20, 24 e 29). Ao mesmo tempo, é preciso apreender a diversidadedas organizações humanas, suas formas de aprendizado sobre as modificações que realiza nos ambi-entes, seus impactos e suas estratégias de adaptação.

Em última análise, parte da solução está nas redes de aprendizado e informação, em suaimensa diversidade de visões e de soluções locais, que devem interagir com a visão planetária e globalemergente, o que pode dar direção e um futuro real às ações humanas. Finalmente, esse é o desafio:implementar formas de agricultura compatíveis com os processos ecológicos e biofísicos do planeta,num momento em que as mudanças climáticas são um fato a ser encarado e que colocarão à prova aresiliência social e ecológica das sociedades humanas.

Esta revista abre assim uma janela para algumas experiências locais relevantes e esperaprestar sua humilde contribuição para essa tão necessária rede de reflexão e ação.

Jorge Luiz Vivanconsultor em manejo e conservação de recursos florestais,

agroflorestais e desenvolvimento rural sustentável.doutorando em recursos genéticos vegetais pela UFSC

[email protected]

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Revitalização dos solos emprocessos de transição

agroecológica no sul do BrasilEdinei de Almeida, Fábio Júnior Pereira da Silva e Ricardo Ralisch

realidade em quevive e produz aagricultura familiar

no sul do Brasil reproduz em largostraços situações vivenciadas pelocampesinato em outras regiões domundo. A prática do pousio e quei-ma da vegetação nativa já não ofe-rece resposta para a necessidade derecomposição da fertilidade dos so-los. Esse método era adequado quan-do a maior disponibilidade de terrapermitia que uma área fosse culti-vada enquanto a outra descansavaaté que recuperasse a fertilidade.Hoje, porém, a oferta de terra dimi-nuiu consideravelmente, em razãodos processos de partilha por heran-ça das propriedades rurais e a con-seqüente intensificação do uso dasterras agrícolas.

A O método de regeneração da fertilidade pro-pugnado com a Revolução Verde é baseado no empregode adubos minerais de alta solubilidade e revela-se igual-mente inviável para a ampla maioria das famílias agricultorasem função de seu alto custo e dos impactos ambientaisnegativos que gera.

Embora muito distintos entre si, tanto o méto-do tradicional de pousio e queima quanto o moderno sefundamentam em um mesmo paradigma de gestão da fer-tilidade dos ecossistemas agrícolas: o aporte aos solos denutrientes em formas mineralizadas. Nessas condições, osnutrientes são facilmente perdidos do sistema por lixiviaçãoe/ou erosão ou ainda são fixados nos minerais do solo, fican-do indisponíveis para as plantas cultivadas. Dessa forma,ambas as práticas dependem da contínua reposição de nu-trientes para que os solos não percam suas capacidades pro-dutivas com a seqüência de cultivos.

Já no caso dos manejos ecológicos dos agro-ecossistemas, um dos principais objetivos é justamenteassegurar a manutenção a longo prazo da fertilidade dossolos sem a necessidade de aportes contínuos de insumosexternos. O enfoque agroecológico supera o paradigmada mineralização dos nutrientes, dando lugar a processosbiológicos que garantem a contínua reciclagem dos mes-mos em formas orgânicas.

Plantio direto ecológico em área anteriormente cultivada por coquetel de adubos verdes na qual foi aplicado o pó de basalto

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Uso de pós de rocha narevitalização dos solos

Há mais de dez anos, a ONG AS-PTA vem asses-sorando organizações da agricultura familiar do centro-suldo Paraná e do Planalto Norte de Santa Catarina no desen-volvimento e disseminação de métodos inovadores para omanejo ecológico de solos. Atualmente, cerca de 400 famí-lias, organizadas em grupos de agricultores-experimentadorespresentes em 52 comunidades de 17 municípios, estão dire-tamente articuladas a esse processo.

Uma das principais estratégias de manejo utili-zadas por esses grupos é a associação do uso de pós derocha com diferentes fontes de biomassa. Esses experi-mentos são orientados para promover a revitalização dossolos, isto é, a dinamização de sua atividade biológica deforma a manter os nutrientes em constante reciclagem nabiomassa do sistema, seja ela viva ou morta. Com isso, asperdas dos nutrientes por lixiviação ou por fixação aosminerais do solo são significativamente reduzidas.

Os pós de rocha são empregados visando ace-lerar os processos de sucessão e dinamização biológicanos solos e não como fontes de nutrientes que serãodiretamente absorvidas pelas plantas cultivadas. Nãose trata, portanto, de um sistema de substituição de in-sumos (adubo químico por pó de rocha), mas de umamudança de concepção sobre o manejo da fertilidade doagroecossistema.

A liberação dos nutrientes da rede cristalina dasrochas ocorre pela ação de ácidos orgânicos produzidospor plantas e microrganismos no solo. Sendo um processoecológico diretamente relacionado à atividade biológica,não é de se esperar que o manejo da fertilidade com uso depós de rocha seja efetivo caso não seja realizado de formaconcomitante com práticas culturais que estimulem a vidano solo. Com efeito, a literatura acadêmica registra resul-tados de pesquisa que concluem que o emprego agrícolade pós de rocha em cultivos anuais é pouco efetivo emrazão da baixa solubilidade desses materiais no solo. Caberessaltar, no entanto, que essas conclusões foram tiradascom base em estudos conduzidos na lógica da substituiçãode insumos, ou seja, segundo o paradigma convencional demanejo da fertilidade.

Os resultados encontrados de forma generali-zada pelos grupos de agricultores-experimentadores naregião contradizem essas conclusões já amplamente con-sagradas no universo técnico-científico. Essa contradiçãoexplica-se justamente pela mudança de concepção queorienta o uso dos pós de rocha.

Os pós de rocha na experimentaçãocom manejo ecológico de solos

Os experimentos conduzidos pelos gruposde agricultores-experimentadores são implementados

nas suas próprias áreas de produção. Não se tratam deexperimentos clássicos com repetição de tratamentose rígido isolamento de variáveis. Em geral as famíliasmanejam uma parte das áreas experimentais segundo aproposta inovadora e outra parte de acordo com omanejo tradicionalmente adotado pela família. As con-clusões são tiradas com base na observação comparati-va de diferentes indicadores que vão sendo percebidoscom a evolução do experimento.

Encontros de agricultores-experimentadoressão realizados para que essas observações sejam socia-lizadas entre membros de um mesmo grupo ou entregrupos diferentes. A continuidade dos ciclos de expe-rimentação local e dos processos de interação entreagricultores-experimentadores permite o constanteaprimoramento dos conhecimentos sobre as práticasde manejo e a sua disseminação por meio de espaços deinteração entre agricultores (as).

A experimentação da rochagem se iniciou háaproximadamente dez anos com o emprego do fosfato deuma mina localizada a cerca de 300 quilômetros da região.Mais recentemente, tem sido utilizado o pó de basalto, umarocha que dá origem a grande parte dos solos da região.Trata-se, portanto, de um material localmente abundante ede baixo custo, que tem como característica o fato de apre-sentar bom equilíbrio de macro e de micronutrientes, aspec-to importante quando a rocha é avaliada sob a perspectivade seu potencial de uso agrícola.

Algumas estratégias têm sido utilizadas parafavorecer a liberação dos nutrientes presentes nos pósde rocha nos ciclos biogeoquímicos. Uma delas é o em-prego do pó da rocha em um processo de compostagemlocalmente adaptado e conhecido como “adubo da inde-pendência”. Esse composto é obtido pela fermentaçãoda mistura de terra com diversos tipos de esterco, biomassavegetal, pós de rocha e diversas fontes de carboidratos,como o melaço e a batata doce. Essas fontes de car-boidratos têm como função favorecer o início da ativida-de microbiana.

Encontro de agricultores experimentadores na comunidade deSão Marcos, município de Cruz Machado - PR

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O adubo da independência funciona como ummeio de cultura que tem por objetivo reinocular as áreasagrícolas com vários grupos de microrganismos presentesnas áreas de floresta. A dosagem média empregada giraem torno de 800 kg/ha. Os pós de rocha (fosfato naturalou basalto) utilizados na sua formulação enriquecem omeio de cultura para os microrganismos. Ao mesmo tem-po, ao serem “atacados” pelos ácidos orgânicos produzi-dos por esses microrganismos, liberam nutrientes paraserem diretamente aproveitados pelas culturas.

Uma segunda estratégia adotada é a aplicaçãodos pós de rocha diretamente no solo em áreas de cultivode espécies capazes de absorver nutrientes em formas pou-co solúveis. Ao se decomporem, essas “espécies solu-bilizadoras” disponibilizam os nutrientes que absorverampara as culturas do ciclo agrícola seguinte. Diversas espé-cies de adubos verdes têm sido empregadas para cumpriressa função (ver quadro). Algumas espécies utilizadas paraesse fim possuem também a capacidade de se associar abactérias fixadoras do nitrogênio atmosférico, de solubilizarfósforo fixado nas argilas do solo, de estruturar o solo fisica-mente, de romper camadas compactadas na subsuperfície,além de outros serviços ambientais fundamentais para a sus-tentação da fertilidade dos solos a longo prazo.

Avaliações feitas por diferentes grupos de agri-cultores-experimentadores da região convergem para aconclusão de que a aplicação dos pós de rocha gera efei-tos positivos no mesmo ano agrícola em que é realizada.A melhoria do vigor e da sanidade das plantas cultivadase o aumento da produção de biomassa nas áreas comaplicação dos pós de rocha são algumas observações re-correntes desses grupos. Essas observações foram confir-madas recentemente por meio de experimento de plantiodireto ecológico realizado no município de Cruz Macha-do (PR). Com o emprego de um delineamento experimen-tal para controle estatístico, foi possível dimensionar osaumentos expressivos na produção de biomassa de um

coquetel de espécies de adubos verdes de inverno após133 dias da aplicação do pó de basalto.

Os tratamentos de três mil e de quatro mil qui-los de pó de basalto por hectare apresentaram, respectiva-mente, produtividade de biomassa de 68,79% e 64,74%superior à área em que o pó de basalto não foi aplicado.(ver gráfico abaixo)

Além dos múltiplos efeitos positivos sobre afertilidade dos solos, a boa produção de biomassa dos adu-bos verdes que antecedem o plantio direto ecológico éuma condição fundamental para que as plantas espontâ-neas sejam suprimidas pelo efeito da cobertura morta. Semessa condição, dificilmente as famílias conseguem mane-jar áreas de plantio direto sem ter que lançar mão do em-prego de herbicidas.

No ciclo de verão subseqüente, as parcelas ex-perimentais foram preparadas para o plantio direto do mi-lho. Embora o ano climático tenha sido desfavorável paraa produção de grãos, a produtividade do milho foi sig-nificativamente superior nas parcelas que receberam asmaiores dosagens do basalto pulverizado. Enquanto a par-cela de controle (sem uso do pó) produziu o equivalente a780 quilos de grãos por hectare, as parcelas que recebe-ram a dosagem de três e quatro toneladas produziram,respectivamente, 242% e 241% a mais (2.670 e 2.760quilos por hectare). Esses resultados confirmam que a com-binação do aporte de pós de rochas com o manejo debiomassa em solos biologicamente ativos resultam em efei-tos positivos sobre o desempenho produtivo de cultivosanuais já no curto prazo, a custos baixos, sem que paraisso o ambiente seja degradado. Pelo contrário, o manejoleva justamente à contínua restauração de funções ecoló-gicas que interatuam positivamente com manejo culturaldas espécies cultivadas.

• Aveia preta (Avena strigosa)• Tremoço (Lupinus albus)• Ervilhaca comum (Vicia sativa)• Ervilhaca peluda (Vicia villosa)• Espérgula (Spergula arvensis)

OBS: As espécies de verão ainda têm sido menos empre-gadas e por isso vêm merecendo maior atenção na agendade experimentação dos grupos de agricultores-experimentadores.

Espécies de adubação verde de inverno maisempregadas na experimentaçãoo

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Produção do pó de basalto

Embora o basalto seja uma rocha abundante efacilmente acessível na região, é preciso que ela seja em-pregada em formas pulverizadas para facilitar o “ataque”dos ácidos orgânicos e acelerar a liberação dos nutrientes.A AS-PTA, juntamente com a Faculdade Estadual de Fi-losofia, Ciências e Letras (Fafi), que conta com o apoio daFundação Araucária, vem concentrando esforços paradesenvolver diferentes protótipos de moinhos de peque-no porte visando facilitar o acesso dos grupos comunitári-os ao pó de basalto. A matéria-prima desses moinhos é opedrisco produzido nas várias pedreiras da região. Entre-tanto, apesar de atualmente já existirem na região quatromoinhos de diferentes tipos, a produção de pó de basaltonão vem sendo suficiente para atender à crescente de-manda dos grupos envolvidos nas redes de inovaçãoagroecológica regional.

Nova concepção, novosindicadores

Superar a visão tradicional de que a produtivi-dade dos solos está associada unicamente à disponibilida-de de nutrientes para as plantas em formas minerais é con-dição fundamental para que os pós de rocha não sejampercebidos e disseminados como meros substitutos dosadubos químicos. O desenvolvimento das práticas inova-doras de manejo ecológico dos solos pelos grupos deexperimentadores da região vem se realizando à medidaque eles constroem uma nova percepção sobre fertilidadedos solos e adquirem uma melhor compreensão sobre osprocessos ecológicos envolvidos.

Foi com o objetivo de fomentar esse processoque a AS-PTA, juntamente com a Universidade Estadualde Londrina e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária (Embrapa) – com apoio do CNPq –, concebeu evem desenvolvendo um projeto de pesquisa voltado paraa sistematização de indicadores de qualidade dos solos

Protótipo de moinho de bolas

junto a grupos locais de experimentadores. O estudo con-siste em correlacionar mudanças de alguns indicadoresbiológicos com a capacidade produtiva dos solos maneja-dos ecologicamente.

As avaliações da qualidade do solo combase em bioindicadores têm tornadomais visíveis os efeitos da rochagemassociada ao manejo da biomassa so-bre o desempenho produtivo da terra.Já as avaliações sobre o perfil de enrai-zamento da plantas, das estruturas dosolo e da macrofauna edáfica têm per-mitido o desenvolvimento de uma vi-são mais complexa sobre os processosecológicos que dão sustentação à fer-tilidade dos solos.

Ao incorporar esses novos indicadores de qua-lidade, os agricultores passam a compreender e cor-relacionar os processos ecológicos que ocorrem nos solos,considerando-os em suas tomadas de decisão sobre mane-jo. Percebem, por exemplo, que a melhoria da estruturafísica do solo é uma condição para melhorar o perfil deenraizamento das culturas e, com isso, favorecer o acessodas plantas à água e aos nutrientes presentes em camadasmais profundas. Esse entendimento tem sido determinantepara que os agricultores não limitem suas práticas de ma-nejo dos solos ao aporte de nutrientes e à eliminação dasplantas espontâneas que competem com os cultivos.

Com a participação nesses grupos de experi-mentação, os agricultores vêm adquirindo conhecimen-tos ecológicos que têm lhes auxiliado no aprimoramentodos manejos empregados no conjunto de suas proprieda-des. Contudo, os benefícios do processo se estendem muitoalém do que os resultados alcançados no plano estrita-mente técnico. A constituição desses grupos tem tam-bém desempenhado um papel positivo no fortalecimentodos laços de vida comunitária, condição necessária paraque as dinâmicas de inovação agroecológica se susten-tem, permitindo que novos conhecimentos e experiênciascontinuem a se desenvolver no futuro, contribuindo paramelhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares naregião sul do Brasil.

Edinei de Almeidatécnico da [email protected]

Fábio Junior Pereira da Silvaestagiário da AS-PTA e estudante da Faculdade de Filo-

sofia, Ciências e Letras de União da Vitória (PR).

Ricardo Ralischprofessor da Universidade Estadual de Londrina.

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O sistema deintensificação de arroz e suas

implicações para a agriculturaNorman Uphoff

Antigas verdades reconsideradas

Há vinte anos, qualquer uma das duasafirmações a seguir seria motivo dezombaria: “Os agricultores não neces-sitam arar seus campos para obteremos melhores resultados”, “Os agricul-tores que cultivam arroz irrigado nãodevem alagar seus arrozais para ob-terem maior produtividade”.

O SIA requer um esforço inicial maior, enquanto os agricultores adquirem conhecimentos, habilidades e auto-confiança. Aqui, mem-bros de um grupo de auto-ajuda trocam idéias sobre o sistema.

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Como arar os solos e alagar os arrozais têm sidopráticas dominantes há centenas de anos, as afirmaçõessoavam como piadas para a maioria dos agricultores epesquisadores. “Todos sabiam” que essas afirmações es-tavam erradas. Esse senso comum era sustentado por uma

boa lógica, ainda que houvesse razões científicas paracolocá-lo em dúvida.

As exigências agronômicas para a implantaçãode um cultivo e para o controle das plantas espontâneaspareciam determinar que a aração era uma prática neces-sária – ainda que agrônomos tivessem identificado queela apresentava muitos efeitos nocivos, especialmentequando realizada profundamente, entre eles, a perda denitrogênio e de matéria orgânica do solo; a perda da es-trutura do solo; o aumento da erosão pelo vento e pelaágua; e o declínio de populações de minhocas e de outrosorganismos benéficos do solo. No entanto, a suposiçãodos agricultores e dos pesquisadores de que arar é essen-cial para o sucesso dos plantios tem sido revisada nasúltimas décadas. O plantio sem aração, ou plantio direto,tem se mostrado vantajoso para a renda líquida dos agri-cultores e para o meio ambiente. Mesmo nos EstadosUnidos, o centro mundial da mecanização em grande es-

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controle que nem sempre as comunidades detêm, o quepode ser um fator limitante à adoção do SIA. Mas pormenor que seja esse controle de água, ele já será capaz deproporcionar melhorias nos outros componentestecnológicos do sistema. A drástica redução da popula-ção de plantas de arroz no SIA é a principal razão paraque ocorra uma diminuição gradual da demanda pormão-de-obra para manter o sistema. Isso foi documen-tado em avaliações do Instituto Internacional de Ma-nejo da Água (International Water ManagementInstitute), na Índia, e da GTZ – Cooperação TécnicaAlemã –, no Camboja, bem como em Madagascar, porpesquisadores da Universidade de Cornell (EUA). Umaavaliação na China identificou que agricultores emSichuan consideraram a economia de mão-de-obra comoo aspecto mais importante do SIA.

Manejos agroecológicos geralmente exigemmaior uso de mão-de-obra para que, em contrapartidareduzam a demanda por insumos externos. De qualquerforma, o resultado líquido é vantajoso para os agriculto-res e para o ambiente. Já o SIA tem se mostrado ummétodo que reduz tanto a mão-de-obra quanto a ne-cessidade de insumos externos e, ao mesmo tempo,aumenta a produtividade dos arrozais. Isso porque essaforma de manejo estimula que serviços ambientais se-jam promovidos pelos organismos do solo. Nos siste-mas convencionais de produção de arroz, a vida nosolo é inibida, suprimida ou desequilibrada pelas apli-cações de agroquímicos ou está limitada aos organis-mos anaeróbicos (que vivem na ausência de oxigênio),devido ao alagamento.

Promover a transição agroecológica de sis-temas de produção baseados no emprego intensivo deinsumos industriais em geral causa uma queda imedia-ta dos níveis de produtividade depois que eles são su-

Sistema de intensificação de arroz em Tamil Nadu, Índia

cala para o preparo do solo, mais de 30% das áreas culti-vadas estão atualmente sob alguma forma de redução oueliminação de mobilização do solo.

O arroz era considerado, na literatura e pelosagricultores, como sendo uma planta amante da água.Um texto de referência sobre arroz afirma, categorica-mente: “A principal razão para alagar um arrozal é que amaioria das variedades de arroz mantém um crescimentomelhor e tem produtividade mais alta quando se desen-volve em um solo alagado do que quando cresce num solonão-alagado”. Essa crença tem sido mantida, apesar dascrescentes evidências em contrário e do conhecimentode que solos com oxigênio insuficiente são prejudiciais àsraízes das plantas e à maioria dos organismos do solo.Nesse contexto, o sistema de intensificação de arroz (SIA)tem apresentado resultados que demonstram ser possívelobter um aumento substancial da produtividade com 25%a 50% menos água do que a quantidade normalmenteutilizada no sistema irrigado. Isso porque as condiçõesdo solo não-alagado oferecem muitas vantagens ao cres-cimento das plantas e à fauna do solo.

A lição a ser tirada desses dois exemplos derevisão do senso comum é que algumas práticas reco-mendadas há muito tempo podem, na realidade, serlimitantes se impedirem que os usuários e cientistas“criem enfoques inovadores”.

Reconsiderando a dependência deinsumos da agricultura moderna

Por obter produtividades mais altas e maioreslucros com menos insumos externos, o SIA está mostran-do que a dependência de insumos da agricultura modernanão é necessariamente o caminho mais produtivo e eco-nômico. Esse sistema alternativo maneja plantas, solo,água e nutrientes de forma diferente, aumentando a abun-dância e a diversidade dos organismos do solo. Os agricul-tores estão descobrindo que podem ganhar mais reduzin-do o uso de insumos externos, em vez de aumentá-lo.

O SIA exige um esforço inicial maior, enquan-to os agricultores adquirem conhecimento, habilidades eauto-confiança. Esse custo inicial (investimento) é com-pensado pela redução na necessidade de sementes (80% a90%) e água (25% a 50%), assim como nos gastos gerais daprodução (10% a 30%). Resultados obtidos no leste daIndonésia, durante os três anos em que foram realizados1.849 testes de campo em 1.363 hectares, são representati-vos dos ganhos de produtividade também registrados emoutros lugares: um aumento de 84% na produtividade,com redução de 40% do emprego de água para irrigaçãoe de 25% nos custos de produção, o que resultou em umaumento de cinco vezes na renda líquida. Resultados si-milares têm sido documentados na Índia e no Nepal.

No entanto, a redução das aplicações de águapode requerer capacidades físicas e organizacionais de

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primidos. Os agricultores que adotam o SIA, no entan-to, têm obtido resultados produtivos superiores desdeo primeiro ano e verificam ganhos crescentes ano a ano,à medida que a fertilidade do solo melhora. Ou seja: nãosofrem uma penalização inicial em função da adoção dométodo agroecológico. Contudo, para o alcance dasustentabilidade produtiva em longo prazo, o sistema exi-ge a contínua aplicação de matéria orgânica no solo.

O SIA não é o único sistema de produção basea-do exclusivamente em processos biológicos a oferecer ga-nhos de produtividade substanciais após a redução na de-pendência de insumos externos. No entanto, sua expe-riência nos últimos anos tem chamado a atenção, mais doque nunca, para a necessidade do aprofundamento dosconhecimentos científicos relacionados aos processosecológiocos nos sistemas de produção agrícola.

Vantagens e benefícios do SIA

Experiências de campo ao redor do mundo têm demonstrado muitos e amplos benefícios do SIA:

• as práticas do SIA trazem benefícios imediatos. Não há período de “transição”, como é necessário em muitosprocessos de conversão ecológica da agricultura convencional. Depois da exposição prolongada a químicossintéticos, os solos freqüentemente requerem algum tempo para ficarem plenamente recuperados. Os rendi-mentos do SIA geralmente melhoram com o passar do tempo, mas não há um período inicial de perda, já naprimeira safra após a adoção do SIA a produtividade é maior do que a anterior;

• o sistema é acessível às famílias mais pobres. Os baixos custos para a adoção do SIA fazem com que osbenefícios econômicos (assim como outros benefícios) não sejam limitados pelo acesso ao capital. O manejodo SIA não requer empréstimos nem endividamentos. Dessa forma, o sistema pode contribuir para aumentarrapidamente a segurança alimentar das famílias agricultoras mais pobres. Algumas evidências iniciais sugeriamque as exigências de mão-de-obra tornavam o SIA menos acessível aos pobres, mas um amplo estudo no SriLanka identificou que agricultores mais pobres têm a mesma capacidade de adotar o método do que famíliasmais capitalizadas. Além disso, eles são os que menos abandonam o sistema após adotá-lo; e

• desenvolvimento de capacidades humanas. A estratégia recomendada para a difusão do SIA enfatiza aexperimentação realizada pelos(as) próprios(as) agricultores(as) e estimula processos locais de inovaçãosegundo abordagens metodológicas que não são adotadas nas estratégias de desenvolvimento tecnológicona agricultura convencional.

Apesar de os aumentos de produtividade chamarem mais atenção na análise dos resultados do SIA,esse é somente um aspecto a ser considerado entre muitos outros quando o sistema é avaliado:

• não é necessário o uso de fertilizantes minerais, que implicam em elevados custos e provocam impactosadversos ao meio ambiente. O composto orgânico gera melhores resultados;

• pouca ou nenhuma necessidade de outros agroquímicos, uma vez que as plantas de arroz no SIA ficam maisresistentes a ataques de insetos-praga e doenças;

• embora inicialmente a demanda de mão-de-obra seja maior, dados recentemente sistematizados evidenciamque o SIA pode chegar a exigir menos mão-de-obra uma vez que os agricultores dominem bem o método;

• aumentos de 50% a 100% na produtividade têm sido observados, sem a necessidade de aquisição de novassementes, uma vez que todas as variedades de arroz reagem positivamente ao SIA, ainda que algumasrespondam melhor que outras;

• maior rentabilidade. Com o SIA, os custos de produção por hectare são, em média, 20% menores, conformesete avaliações feitas em cinco países (Bangladesh, Camboja, China, Índia e Sri Lanka). Isso significa que osganhos dos(as) agricultores(as) com o sistema são maiores do que simplesmente o seu efeito sobre o aumentoda produtividade dos arrozais; e

• benefícios ambientais. A redução da necessidade de água e de agroquímicos diminui a pressão sobre osecossistemas e melhora a qualidade do solo e da água.

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Em termos especificamente agronômicos, agricultores(as) que adotam o SIA relatam as seguintesvantagens, além das associadas à maior produtividade e rentabilidade:

• resistência à seca. Como as plantas de arroz no SIA desenvolvem sistemas radiculares maiores e mais saudá-veis, e os estabelecem no período inicial de desenvolvimento, as plantas são mais resistentes à seca;

• resistência ao acamamento. Com sistemas radiculares e colmos mais fortes, em parte devido à maior assimila-ção de sílica quando o solo não está permanentemente saturado, as plantas no SIA apresentam uma notávelresistência aos estragos causados pelo vento, chuva e tormentas;

• tempo de maturação reduzido. Quando os métodos do SIA são utilizados adequadamente, o tempo dematuração pode ser encurtado em mais de 15 dias, mesmo quando a produtividade está sendo dobrada. Issoreduz o risco de perdas agronômicas ou econômicas dos agricultores, em função de eventos extremos declima, pragas ou doenças, além de possibilitar a liberação da área para outras produções;

• resistência a pragas e doenças. Esse aspecto tem sido freqüentemente comentado por agricultores e agoraestá sendo documentado por pesquisadores. O Instituto Chinês de Pesquisa do Arroz (China National RiceResearch Institute), por exemplo, relatou uma redução de 70% na ferrugem da bainha da folha, na provínciade Shejiang; e

• Conservação da biodiversidade do arroz. Embora as variedades comerciais apresentem as mais altas produti-vidades com os métodos do SIA (produtividades acima de 15 toneladas por hectare nesse sistema têm sidoalcançadas com variedades melhoradas), aumentos de produtividade consideráveis também podem ser obti-dos com variedades crioulas, uma vez que as plantas resistem ao acamamento, apesar de terem panículasmaiores. No Sri Lanka, agricultores que utilizam os métodos SIA obtiveram produtividades entre 6 e 12toneladas por hectare, com variedades “antigas”. Apesar de apresentar menor produtividade do que asvariedades comerciais, o plantio das sementes crioulas tem se revelado mais lucrativo porque os consumido-res estão dispostos a pagar um preço mais alto pelas variedades tradicionais por preferirem seu sabor,textura e aroma.

O SIA numa perspectiva maisampla

Dois fatores ecológicos estão por trás dos ganhosque o SIA promove na produtividade da terra, da mão-de-obra, da água e do capital empregados na produção de arrozirrigado. Eles são bem diferentes dos fatores responsáveispelo aumento na produção de cereais promovido na Revolu-ção Verde, que são: a) alteração do material genético doscultivos para que eles respondam positivamente ao empre-go de insumos externos; e b) aumento no uso de insumoscomo água, fertilizantes e outros agroquímicos.

O SIA não adota nenhuma dessas duas estraté-gias. Ao contrário, ele: a) melhora o crescimento e a saúdedas raízes das plantas, às quais geralmente é dada poucaatenção na Agronomia convencional; e b) valoriza os servi-ços de um vasto número de organismos do solo, que vãodesde os microscópicos fungos e bactérias às minhocas eoutros seres da fauna do solo. O funcionamento do SIA ébaseado nas relações simbióticas entre plantas e organismosdo solo – relações essas que remontam há mais de 400 mi-lhões de anos. Estudar essas relações é difícil e exige dedica-ção, mas elas representam a principal “fronteira de conheci-mento” para os cientistas agrícolas.

Sabemos que o SIA ainda é um enfoque em cons-trução. O conhecimento sobre seu funcionamento vai sen-do acumulado a cada safra. Esperamos que o seu desempe-nho atraia maior interesse dos pesquisadores, dos exten-sionistas, dos elaboradores de políticas públicas e, obvia-mente, dos(as) agricultores(as). Em diversos países, agri-cultores(as) já estão extrapolando os conceitos e técnicasdo SIA para outros cultivos, tais como o milheto, a cana-de-açúcar, o trigo e o algodão.

Agricultores(as) atentos(as) ao crescimentode seus cultivos sob diferentes condições costumam ter aclara percepção da relação existente entre a fertilidade e adinâmica biológica dos solos. O próprio termo “solo” nãoreflete adequadamente o fato de que sua fertilidade éuma conseqüência da vida nele existente – a abundância,a diversidade e a atividade dos organismos do solo. Seriamelhor falar e pensar em termos de “sistema solo”, comose subentende pelo ditado utilizado por agricultores or-gânicos: “Não alimente a planta – alimente o solo, e osolo alimentará a planta”.

Isso pode não soar muito científico para algunsleitores, mas as bases científicas de tal conceito agroecológicoestão se acumulando a cada ano. Os fundamentos desseconhecimento estão apresentados na publicação Aborda-

Fonte: adaptado de Norman Uphoff (2005).

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gens biológicas de sistemas solo sustentáveis (BiologicalApproches to Sustainable Soil Systems) (Uphoff et al.,2006). O penúltimo capítulo dessa publicação sugere queesse enfoque de manejo dos recursos fornece a base parauma agricultura mais apropriada às condições e realidadesdo século XXI do que muitas das tecnologias atualmenteem uso. O paradigma emergente para essa nova agricultu-ra depende da ciência moderna para se desenvolver por-que se apóia em pesquisas aprofundadas sobremicrobiologia e ecologia:

• ela não é contrária ao melhoramento genéti-co, mas não considera que avanços na agricul-tura sejam primariamente conduzidos por ma-nipulação ou modificação de genes. Diferen-ças genéticas são muito importantes para po-der tirar proveito de todos os recursos disponí-veis, mas essas diferenças devem ser considera-das de uma forma interativa com os ambientese não de forma determinística; e

• ela abre espaço para a adição de nutrientes aosolo, visando corrigir deficiências oudesequilíbrios. Assim, não é “orgânica” numsentido doutrinário. Contudo, rejeita esforçospara acelerar o crescimento das plantas atravésde “alimentação forçada”, com a aplicação degrandes quantidades de nutrientes.

Um princípio geral dessa nova agricultura é queas práticas de manejo do sistema planta-solo-água-nutrien-te devem fomentar relações de sinergia entre os cultivos e osorganismos do solo. Com o SIA, o controle de plantas es-pontâneas se torna um desafio pelo fato de as áreas nãoserem mantidas alagadas. Mas o uso de uma enxada rotativapermite aerar o solo ao mesmo tempo em que incorporaessas plantas, que se decompõem e têm seus nutrientesretidos no sistema do cultivo. Ainda são necessários es-tudos sobre os efeitos dessa forma de manejar as plantasespontâneas, mas dados substanciais obtidos emMadagascar e no Nepal mostram que capinas adicionais,além das que são necessárias apenas para controlá-las,podem gerar um aumento entre uma e duas toneladas dearroz por hectare, sem que para isso seja necessária a apli-cação de fertilizantes industriais

As condições para essa produtividade extra es-tão obviamente sendo criadas a partir da valorização derecursos existentes no sistema solo-planta que contémdezenas de bilhões de microorganismos. Uma pesquisarecente realizada na China, por exemplo, documentoucomo bactérias do solo (rizóbios) migram para dentrodas raízes e para a parte aérea das plantas através do col-mo. Sua presença nas folhas permite o aumento na produ-ção de clorofila e de fotossíntatos com efeitos no aumentoda produtividade de grãos.

Ainda há muito que aprender a respeito dessasrelações e de suas atuais e potenciais contribuições para aagricultura. Minha conclusão, depois de uma década tra-balhando com o SIA e sendo atraído para dentro do amploreino da Agroecologia, é que, como cientistas agrícolas,devemos expandir nosso pensamento para além dos limi-tes da química e da física do solo, para abranger e tornarcentral a miríade de fatores biológicos que estão atuandotanto no solo como acima dele.

Norman Uphoffdiretor do Cornell International Institute for Food,

Agriculture and Development (CIIFAD),professor do Departamento de Governo, Colégio de

Artes e Ciências, Universidade de Cornell, Ithaca,Nova York, [email protected]

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Aplicação da teoria datrofobiose no controle de pragase doenças: uma experiência

na serra gaúchaMaria José Guazzelli, Laércio Meirelles, Ricardo Barreto, André Gonçalves,

Cristiano Motter e Luís Carlos Rupp.

a agricultura, co-mo na natureza,a sanidade de um

sistema é alcançada mais facilmen-te em ambientes que apresentam amaior variedade possível de espé-cies. Um sistema agrícola diversifi-cado tem mais possibilidades demanter o equilíbrio pelas múltiplasrelações entre os seus componentesbióticos e abióticos.

Esse equilíbrio ideal, propiciado pela alta di-versidade, ainda não é realidade em muitas situações deprodução de agricultores ecologistas. É necessário umtempo até que um agroecossistema seja capaz de regularproblemas de pragas e de doenças por meio do controlebiológico realizado por predadores e parasitas.

A agricultura atual, mesmo quando ecológica,acaba tendo áreas de monoculturas, ainda que em peque-

na escala, seja para atender exigências de consumidoresou para se ter acesso a mercados.Reduzir essas mono-culturas depende, entre outras condições, de mudançasde hábitos dos consumidores e dos mercados.

Além disso, situações de estresse ambiental,provocadas por instabilidades climáticas como seca, ex-cesso de chuvas, de frio ou calor, podem favorecer a inci-dência de pragas ou doenças, colocando em risco a pro-dução dos agricultores ecologistas.

Há muito já se tinha claro que as plantasque cresciam adubadas com matéria orgânica nãoapresentavam maiores problemas de pragas e doen-ças. Também já era bem conhecido o fato de que amodernização da agricultura tinha acarretado um aumentosignificativo do número de espécies que haviam se torna-do pragas ou doenças. Estudos feitos e/ou compiladospelo pesquisador francês Francis Chaboussou fornece-ram as bases para a elaboração da teoria da trofo-biose, que permite estabelecer o elo significativoentre esses dois fenômenos verificados na práticados agricultores.

Essa teoria diz que a saúde da planta estádiretamente associada ao seu metabolismo e, portan-to, ao seu equilíbrio interno. Esse equilíbrio é dinâmicoe está em constante processo de transformação. Se-gundo Chaboussou, não é qualquer planta que é ataca-da por pragas e doenças, mas apenas aquelas que po-dem servir de alimento ao inseto ou ao organismopatogênico. Em outras palavras: a planta ou parte daplanta cultivada só será atacada por um inseto, ácaro,nematóide ou microorganismos (fungos ou bactérias)quando em sua seiva houver disponibilidade do alimen-to que esses agentes indesejados precisam. Portanto,se a planta tem, em quantidade, as substâncias que

servem de alimento às pragas ou doenças, é porque foimanejada de maneira errada. Assim, para ter uma plan-ta resistente, basta manejá-la de forma adequada.Todosos fatores que interferem no metabolismo da planta,ou seja, no seu funcionamento interno, podem dimi-nuir ou aumentar sua resistência a ataques de pragas edoenças. Eles podem ser fatores intrínsecos à planta(tais como a própria adaptação da variedade ao local, aidade da planta), ao meio ambiente (como o clima –luz, temperatura, umidade, vento) ou estar associadosàs práticas de manejo (tais como estrutura e fertilidadedo solo, época de plantio, espaçamento de plantio,capina, poda, adubações e uso de insumos químicos).

Quadro 1 - A teoria da trofobiose

N

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Nos anos 80, a equipe técnica do Centro Eco-lógico (então CAE Ipê), uma ONG que atua no Rio Gran-de do Sul, junto a agricultores da serra gaúcha, e outrostécnicos colaboradores, como Sebastião Pinheiro eDelvino Magro, buscaram formas de superar limitaçõestécnicas apresentadas na produção ecológica. Essa bus-ca foi orientada pelo exercício prático das idéias sistema-tizadas por Chaboussou, ou seja, fundamentava-se nanoção de que o estado nutricional da planta é resultadoda interação entre sua genética, as práticas de manejo e omeio ambiente. Dessa forma, as práticas de cultivo pas-saram a ser direcionadas procurando entender as causasprováveis do problema e não simplesmente atacando assuas evidentes consequências, manifestadas pelas pra-gas e doenças e pela baixa produtividade.

A aplicação da teoria na prática

A região declivosa, no subtrópico úmido emtransição para o temperado, foi ocupada predominante-mente por colonos italianos, que desenvolveram uma agri-cultura de subsistência e, posteriormente, introduziramo cultivo da uva como principal produto para comer-cialização. Com a modernização da agricultura, houveum grande aumento na produção de hortaliças e, princi-palmente, de frutas para o mercado, com o uso intensivode adubos solúveis e de agrotóxicos, o que ocasionouincidência elevada de pragas e doenças, além de proble-mas de saúde e ambientais.

Os solos erodidos, a baixa fertilidade decor-rente e a incorporação de variedades modernas de horta-liças (principalmente cebola e tomate) e frutas (basica-mente maçã, pêssego e uva), menos adaptadas ao ambien-te e sofrendo ataques intensos de insetos-praga e doen-ças, eram desafios a serem superados pelos agricultoresecologistas. A mudança começou por eliminar o fatorimediato de desequilíbrio do solo e da planta: o uso deadubos químicos solúveis. Introduziu-se o emprego deadubos orgânicos e de adubos verdes, inclusive nos po-

mares já implantados no sistema convencional. A seguir,buscaram-se meios de complementar a nutrição das plantasde forma adequada. Essas mudanças tornaram toleráveis osníveis de ataque da grande maioria de pragas e doenças.

Em termos práticos, em vez de dar uma res-posta simplificada (ou uma receita) para resolver uma de-terminada situação, o entendimento do contexto se dápor meio de uma série de perguntas, que vão desde aleitura da paisagem até aspectos mais específicos relacio-nados ao manejo da planta. Assim, perguntas sobre otipo de adubação utilizada; como foi feita a irrigação –com água demais ou de menos; como está o clima – mui-to frio, muito quente, muito seco ou muito úmido; qual aadaptação da variedade ao local; se o plantio foi realizadona época adequada; quais os tratos culturais emprega-dos; entre outras, assumem um papel de destaque para sepropor soluções baseadas no entendimento dos dese-quilíbrios ecológicos existentes.

Para responder a várias dessas questões, lança-mos mão das informações dadas pelos indicadores biológi-cos existentes na área e/ou cultivo em questão: as plantasespontâneas, especialmente as ervas, e o desempenho daspróprias plantas que estão sendo cultivadas.

As plantas espontâneas mostraram-se capazesde nos fornecer várias informações a respeito do solo em queapareciam. Por exemplo, um solo dominado por gramíneasestoloníferas, como a milhã (Digitaria sanguinalis), apresen-tava estrutura física deficiente, ou seja, não era um solosolto. Conseqüentemente, a planta cultivada provavelmen-te gastava muita energia para se estabelecer, podendo apre-sentar deficiências de nutrientes (ver quadro 2). E, do mes-mo modo que as ervas, as pragas e doenças indicavam aorigem das dificuldades que as plantas estavam tendo, como,por exemplo, carências de nutrientes (ver quadro 3). Essesnutrientes até podiam estar presentes no solo, mas não esta-vam sendo aproveitados pela planta, como no caso da po-dridão apical em tomateiro, que ocorre devido à falta decálcio, em períodos que o solo está demasiado seco, e nãonecessariamente por falta do mineral.

Quadro 2. Plantas indicadoras

Fonte: Adaptado de Primavesi (1992)

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Com o tempo, tornou-se evidente para nós queo agricultor, ou quem o está assessorando, não necessitasaber detalhes técnicos do que está ocorrendo, mas podebuscar formas de melhorar o metabolismo da planta. Issopode ser feito por meio da seleção, a cada ano, das me-lhores plantas para colher as sementes, a fim de ter varie-dades mais adaptadas ao seu próprio local; pela mudançano manejo do solo, incrementando a adubação verde; oudeixando a vegetação espontânea crescer ao máximo paraservir de adubo verde.

O agricultor também pode interferir diretamen-te na nutrição da planta, no sentido de fortalecê-la paraque possa superar as dificuldades. A isso damos o nomede controle fisiológico. Quer dizer, um vegetal saudável,bem alimentado, dificilmente será atacado por pragas edoenças, pois estas morrem de fome numa planta sadia.Insetos, ácaros, nematóides, fungos, bactérias e vírus sãoa conseqüência e não a causa do problema. Por exemplo,os tripes “desaparecem” de cebolas atacadas, após perí-odos intensos de chuva, quando é pulverizado bio-fertilizante enriquecido. Segundo relatos de alguns agri-cultores ecologistas:

“Quando começamos a fazer mais tratamentosnutricionais (via foliar), o parreiral reduziu os problemas demortalidade, melhorou o vigor e a uva vem mais ‘grossa’. Ostratamentos nutricionais engrossam a folha e reduzem a‘mufa’ (míldio).” (Élio Chilanti, Antonio Prado/RS)

“Nós fazemos de seis a sete tratamentos combiofertilizantes ou caldas por safra. Os nossos vizinhos, queproduzem convencional, fazem de 12 a 15 aplicações devenenos”. (Jamir Vigolo, Antonio Prado/RS)

A partir dessa perspectiva de controle fisiológi-co, diversos produtos, simples e baratos passaram a ser uti-lizados e/ou foram desenvolvidos como insumos para ossistemas agrícolas. Em geral, são insumos abundantes, lo-calmente disponíveis e facilmente incorporados nas práticasde manejo pelos agricultores. Destacam-se a cinza de ma-deira e os pós de rocha, que geralmente são um refugo demarmorarias e pedreiras. Sobretudo, destaca-se o desenvol-vimento dos biofertilizantes enriquecidos, uma tecnologiabarata, da qual os agricultores realmente se apropriaram, e

que hoje se encontram difundidos em praticamente todas asexperiências de agricultura ecológica da América Latina.

Biofertilizantes enriquecidos

A nomenclatura usada para denominar osbiofertilizantes enriquecidos tem sido bem criativa. No suldo Brasil, chamam de super-magro, gororoba e biolocal. EmSergipe e Alagoas, é conhecido como biogeo. Já em Pernam-buco, é super-tará, e, no Rio, é agrobio, mas também podeser biol e muitos outros nomes.

Os biofertilizantes enriquecidos podem ser fei-tos com qualquer tipo de matéria orgânica fresca. Na maio-ria das vezes, utilizam-se estercos, mas também podem serusados apenas restos vegetais. Se possível, é convenienteacrescentar soro de leite ou caldo de cana para dar condi-ções às bactérias de se desenvolverem com maior velocida-de. O biofertilizante pode ser enriquecido com alguns mine-rais, oriundos de cinzas ou rochas finamente moídas, assimcomo de restos das plantas espontâneas. Além de melhoraro produto final, esses minerais proporcionarão uma fermenta-ção mais eficiente. São utilizados tanto no solo como empulverizações foliares. Neste último caso, são muito efi-cazes para o controle de diversas enfermidades, por pro-piciarem à planta um funcionamento fisiológico mais har-mônico e equilibrado.

Muito se questiona sobre a necessidade de setrabalhar com pulverizações foliares em agricultura ecológi-ca. No entanto, está comprovado que ao redor da superfíciede uma folha, na filosfera, acontece uma série de reaçõesbioquímicas, bem como convivem dezenas de microrganis-mos. Essas reações liberam nutrientes importantes, tantominerais quanto orgânicos, diretamente para as plantas. Aanálise dos ecossistemas de florestas tem mostrado que aágua da chuva que escorre desde as camadas superiores davegetação é muito rica em nutrientes, tanto de elementosquímicos quanto em formas mais complexas, comoaminoácidos, enzimas, açúcares, ácidos húmicos, hormôniosvegetais, etc. O que não tiver sido absorvido pela vida nasdiferentes camadas das plantas será consumido pela intensa ati-vidade na rizosfera (raízes) ao alcançar o solo. Dessa forma, as

Quadro 3. Doenças e insetos indicadores

Fonte: Adaptado de Primavesi (1989)

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pulverizações foliares feitas pelos agricultures ecologistastentam justamente imitar esse processo ecológico de parti-lha dos nutrientes do ecossistema entre as diversas plantas.

Além disso, na formulação do biofertilizante en-riquecido, existe a intenção de fazer com que o agricultorpossa entender o processo e fabricá-lo em casa, com ingre-dientes facilmente acessíveis e de baixo custo. Ocorre, as-sim, uma transferência de poder dos cientistas e técnicospara os agricultores. Formulações caseiras de biofertilizantesenriquecidos têm, por essa razão, o mérito de serem facil-mente apropriadas e reproduzidas pelos produtores.

Por meio da fermentação, os agricultores trans-formam produtos que não poderiam ser absorvidos pelasplantas em nutrientes facilmente assimilados. Portanto,o biofertilizante enriquecido alimenta a planta, mas sua açãonão é só essa. Uma das importantes propriedades desco-bertas nos biofertilizantes é que ele protege a planta, agindocomo um defensivo.

Essa defesa pode ser propiciada por diversos fa-tores. Um deles é que a planta mais bem nutrida tem maiorresistência, como nos explica a trofobiose. Se uma plantatem à sua disposição tudo o que necessita, na quantidade eno momento corretos, ela tem todas as condições de sedefender, por si só, de algum ataque de insetos, nematóides,ácaros, fungos, bactérias, etc. Também, como o bio-fertilizante é um produto vivo, os microrganismos presentesnele podem entrar em luta com os microrganismos que es-tão atacando a planta e destruí-los ou paralisá-los.

Conclusão

Para os agricultores assessorados pelo CentroEcológico, entender e aplicar a teoria da trofobiose tem sidouma experiência preciosa. A teoria tem sido uma ferramentaque possibilita uma abordagem inovadora e facilitadora paratentar entender e manejar, com sucesso, os problemas téc-nicos apresentados pelos agricultores ecologistas, os quaisbuscam produzir alimentos sem o uso de adubos sintéticose/ou agrotóxicos, mas que também não querem simples-mente substituir insumos sintéticos por venenos naturais(fitoterápicos, cobre, neen, etc...).

Apesar de estar baseado em sólidos e pioneirosconhecimentos científicos, grande parte do saber acumula-do a esse respeito é fruto de experimentação participativa etem a intenção de servir como estimulador de novas iniciati-vas por parte dos agricultores.

Adquirindo a compreensão de que, para qual-quer ação malfeita (adubação química solúvel concentrada,falta de matéria orgânica, falta ou excesso de água, falta deluz, uso de agrotóxicos, tratos culturais errados, solo malestruturado, etc), haverá sempre uma reação da natureza(na forma de ataque de algum agente, como insetos, ácaros,nematóides e microorganismos, indicando um erro no ma-nejo), passamos a possuir a chave para corrigir as situaçõesde desequilíbrio. De acordo com essa perspectiva, a maneiracorreta de proteger as plantas é prevenir o ataque dessesagentes da natureza, proporcionando um ambiente e umaalimentação saudável e equilibrada. Esse enfoque pode ain-da ser reforçado ao estimularmos o controle fisiológico pormeio do uso de biofertilizantes enriquecidos.

“O biofertilizante ajuda as plantas quando o soloestá desequilibrado e, com o tempo, vai se usando menos.Hoje, depende muito, não basta ter um solo bem equilibra-do, porque o tempo está mudado: faz frio e calor fora deépoca e tem também a insolação maior”. (Pio Bernardi, agri-cultor ecologista, Ipê/RS)

Nossa experiência ensinou que, por meio do em-prego dessa perspectiva, podemos manejar ecologicamenteuma unidade produtiva isolada, ou até mesmo parte dela.Além do mais, essa tem sido uma abordagem muito útildurante os processos de transição agroecológica de siste-mas de produção e em momentos de estresse ambiental.

Maria José Guazzelli, Laércio Meirelles, Ricardo Barreto,André Gonçalves, Cristiano Motter e Luís Carlos Rupp

membros da equipe técnica do Centro EcológicoCentro Ecológico: www.centroecologico.org.br

Escritório Ipê-Serra: centro.ecoló[email protected]ório Litoral Norte: [email protected]

Referências bibliográficas:CENTRO ECOLÓGICO. Cartilha Agricultura Ecológi-ca (Princípios Básicos), março de 2005. Disponível, semcusto, em: www.centroecologico.org.br/agricultura.php

CHABOUSSOU, Francis. Plantas doentes pelo uso deagrotóxicos (A Teoria da Trofobiose). Porto Alegre:L&PM Editores, 1987.

Primavesi, A. Agricultura sustentável. São Paulo: Nobel,1992.

Primavesi, A. Curso de solos e manejo ecológico de pra-gas e doenças. s.l, s.ed., 1991.

Preparo de biofertilizante enriquecido

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Agricultores trocam informações sobre o preparo de biofer-tilizantes enriquecidos

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A g r o e c o l o g i afornece diretri-zes para o desen-

volvimento de agroecossistemas di-versificados que tirem proveito daintegração entre a biodiversidade deplantas e de animais. A integraçãobem-sucedida entre plantas e ani-mais pode reforçar interações eco-lógicas positivas e otimizar as fun-ções e os processos no ecossistema,tais como a regulação de organis-mos prejudiciais, a reciclagem denutrientes, a produção de biomassae o incremento de matéria orgâni-ca. Os agricultores precisam identi-ficar e favorecer os processos quecontribuem para o funcionamentodo agroecossistema, entre eles:

Manejando insetos-pragacom a diversificação de plantas

Miguel A. Altieri, Luigi Ponti e Clara I. Nicholls

• o controle natural de insetos-praga;• a redução da toxicidade ao evitar o uso de

agroquímicos;• a otimização da decomposição da matéria

orgânica e da ciclagem de nutrientes;• os sistemas regulatórios equilibrados, tais

como os ciclos de nutrientes, o equilíbrioda água, o fluxo de energia e as populaçõesde plantas e animais;

• a melhoria da conservação e da regenera-ção do solo, da água e da biodiversidade; e

• o aumento e sustentabilidade da produti-vidade a longo prazo.

Hoje em dia, há uma ampla seleção de práticase tecnologias disponíveis para melhorar o funcionamentode agroecossistemas. Quando esses agroecossistemas sãodesenvolvidos em sintonia com as condições ambientais esocioeconômicas existentes, o resultado final é uma me-

lhor sustentabilidade ecológica. Além disso, ao adotarpráticas de manejo ecológico, os agricultores podem au-mentar a estabilidade e a resiliência do agroecossistema.Essas práticas devem contribuir para:

• aumentar o número de espécies de plantase de variedades no tempo e no espaço;

• estimular o desenvolvimento da biodiver-sidade funcional (por exemplo, inimigos na-turais);

• aumentar a matéria orgânica e a atividadebiológica do solo;

• aumentar a cobertura do solo e a capacida-de competitiva dos cultivos; e

• remover insumos e resíduos tóxicos.

Este artigo apresenta um exemplo do empregodesses princípios – a restauração e manejo da biodiversidadeagrícola para controle de insetos-praga em monocultivosde parreiras na Califórnia, Estados Unidos. Os princípiospara melhorar parreiras ecologicamente vulneráveis podemser aplicados a outros sistemas simplificados de cultivo. Oaumento da biodiversidade no agroecossistema permite oestabelecimento de condições favoráveis para que proces-sos ecológicos-chave, tal como a regulação de insetos-pra-ga, possam efetivamente funcionar. Isso também é crucialpara a defesa dos cultivos: quanto maior a diversidade deplantas, de animais e de organismos do solo dentro de umsistema de produção, mais diversificada é a comunidade deorganismos benéficos que combatem insetos-praga.

Há diversos meios que podem ser utilizadospelos agricultores para aumentar a biodiversidade dosparreirais. Entre eles:

• o aumento da diversidade de plantas, mediante oplantio de cultivos entre as parreiras;

• o plantio de plantas de cobertura entre as parreiras;• o manejo da vegetação nas áreas circundantes,

de forma a fornecer alimento e abrigo a organis-mos benéficos;

• o estabelecimento de corredores de plantas quetornem possível aos organismos benéficos se mo-vimentarem de matas ou da vegetação naturalpróximas em direção ao centro das plantações; ou

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• a manutenção, nas áreas de cul-tivo de faixas de plantas espon-tâneas, cujas flores atendam àsnecessidades dos organismosbenéficos.

Todas essas estratégiasproporcionam alimento (pólen e néc-tar) e abrigo para os predadores evespas, desse modo aumentando adiversidade e número de inimigos na-turais. Esses fatores contribuem paraotimizar um processo ecológico-cha-ve no agroecossistema: a regulaçãode insetos-praga.

Biodiversidade nos parreirais

Há dois tipos distintos de biodiversidade nosparreirais. O primeiro, chamado de biodiversidade plane-jada, inclui as próprias parreiras e outras plantas que cres-cem no parreiral, como cultivos de cobertura ou as faixasde plantas espontâneas. O segundo tipo, chamado debiodiversidade associada, inclui toda a flora e fauna quevêm dos ambientes circundantes para viver no parreiral eque irão se desenvolver sob um manejo adequado. A rela-ção entre esses diferentes tipos de biodiversidade estáilustrada na figura abaixo.

O desafio dos agricultores é identificar o tipode biodiversidade que eles desejam que seja mantida edesenvolvida em suas áreas de cultivo, a fim de possibili-tar serviços ecológicos específicos (por exemplo, a regu-lação de insetos-praga) e, então, decidir sobre quais asmelhores práticas para estimular o desenvolvimento detal biodiversidade. Em nossa experiência, cultivos de co-bertura e criação de habitats dentro e ao redor dosparreirais são estratégias-chave.

Aumentando a biodiversidade

Na Califórnia, muitos agricultores ou mane-jam a vegetação espontânea ou semeiam plantas de co-

bertura para criar habitats favoráveis aos ini-migos naturais durante o inverno. Essas práti-cas reduzem o número de ácaros e decigarrinhas da uva, mas muitas vezes não sãosuficientes para evitar perdas econômicas cau-sadas pelos ataques de insetos-praga. Em ge-ral, o problema se deve à prática corriqueira deroçar ou incorporar os cultivos de coberturade inverno ou as plantas espontâneas no iní-cio da estação de crescimento. Como conse-qüência, a partir do final da primavera, essesparreirais tornam-se praticamentemonoculturas. O controle de insetos-praga émais eficiente se forem proporcionados habitate alimento para os inimigos naturais durante

toda a estação de crescimento. A cobertura verde deve-ria, portanto, ser mantida durante a primavera e o verão.Uma maneira de conseguir isso é semear cultivos de co-A biodiversidade planejada tem uma função

direta. Por exemplo, cultivos de cobertura enriquecemo solo, auxiliando, dessa forma, no crescimento dasparreiras. Além disso, têm uma função indireta, ou seja,suas flores contêm néctar que atrai as vespas. Essasvespas, que fazem parte da biodiversidade associada,são parasitas naturais dos insetos-praga que normal-mente atacam as parreiras.

1 O push/pull system consiste no plantio de espécies repelentes aos insetos-praga deforma intercalada ao cultivo principal e o plantio de espécies atraentes nas bordas dalavoura. Seja pela repelência das espécies intercaladas, seja pela atratividade das espé-cies do entorno, os insetos-praga são induzidos a sair do campo de cultivo. Paraconhecer mais, leia sobre a aplicação desse princípio em cultivo de milho no Quêniaem artigo publicado na Revista Leisa Global, 5. 17, N0. 4: <http://www.ileia.org/FritZ/source//getblob.php?o_id=12544&a_id=211&a_seq=0>. (N.Ed)

Relação entre os tipos de biodiversidade e seu papel naregulação de insetos-praga em um parreiral diversificado.

Criar habitats para inimigos naturais nas áreas menos produtivas da propriedade é uma estraté-gia importante. Nesta foto, a ilha de plantas com flores, atrás da cerca, atua como um sistemarepele/atrai (push/pull system, em inglês1).

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bertura de verão que floresçam cedo e continuem a flo-rescer durante toda a estação. Isso proporciona uma fon-te de alimentos abundante e bem distribuída no tempo,bem como micro-habitats para o desenvolvimento de umacomunidade diversificada de inimigos naturais. Dessa for-ma, é possível incrementar o número de inimigos naturaisno sistema desde o início da estação de crescimento, oque contribui para manter as populações de insetos-pra-ga em níveis aceitáveis.

Em um parreiral perto de Hopland, norte daCalifórnia, cultivos de cobertura de verão, tais como trigomourisco (Fagopyrum sp.) e girassol, foram mantidos du-rante toda a estação de crescimento. Essa diversidade deespécies com flores criou condições para o aumento dosinimigos naturais associados e reduziu a abundância dacigarrinha da uva e do tripes da flor (ver quadro). Durantedois anos seguidos (1996-1997), as áreas com cultivos decobertura com flores tiveram menos infestações com tripese cigarrinha da uva. Além disso, havia mais predadores nasparreiras nos setores com cultivos de cobertura do que nasmonoculturas. Geralmente, o número de predadores era baixono início da estação, mas aumentava à medida que as presasse tornavam mais numerosas. Os predadores dominantesincluíam aranhas, percevejos Nabis sp., Orius sp., Geocorissp., joaninhas e o bixo-lixeiro (Chrysoperla sp.)

Implantando corredores

A abundância e diversidade de insetos benéficos emuma área cultivada dependem da diversidade de plantas na ve-getação do entorno. Para tirar proveito dessa diversidade deinsetos, alguns agricultores implantam corredores compostospor diversas espécies floríferas, que se conectam com mataspróximas a fontes de água e atravessam os parreirais. Esses cor-redores funcionam como “estradas biológicas”, que favorecema movimentação e a dispersão dos predadores e das vespasparasíticas em direção ao centro dos parreirais.

Estudos conduzidos em parreiral orgânico emHopland mostraram que as espécies predadoras, incluindoas aranhas, eram freqüentemente encontradas nas flores dasplantas no corredor, demonstrando que as populações dasprincipais espécies de predadores se estabelecem e circulamdentro do corredor. Nos dois anos estudados (1996-1997),o número de cigarrinhas adultas prejudiciais foi nitidamente

mais baixo nas linhas de parreiras próximas ao corredor e,gradualmente, aumentava em direção ao centro do parreiral.A maior concentração de cigarrinhas e de tripes ocorreu en-tre 30 e 40 metros do corredor. Nesses dois anos, foramcapturados muito mais tripes nas linhas centrais do quenas linhas próximas ao corredor.

Ilhas de flores

Criar habitats nas áreas menos produtivas da propri-edade para concentrar os inimigos naturais é outra estratégiainteressante. Essa abordagem é utilizada em uma propriedadebiodinâmica no condado de Sonoma, onde uma ilha de arbustose ervas produtoras de flores foi criada no centro do parreiral,passando a funcionar como um sistema repele/atrai para as es-pécies de inimigos naturais.

Do início de abril ao final de setembro, a ilhaprovê pólen, néctar e insetos neutros2 a uma variedadede predadores e parasitas, inclusive vespas anagrus. Du-rante a safra de 2004, a ilha foi dominada por insetosneutros que se alimentavam nas várias plantas e que ser-viam de alimento aos inimigos naturais. Como conseqü-ência, o número de inimigos naturais aumentou lenta-mente nos parreirais adjacentes, à medida que a estaçãoavançava. Muitos inimigos naturais migraram da ilha parao parreiral, a distâncias de até 60 metros. Percevejos oriuse joaninhas migraram para o parreiral no início da esta-ção, seguidos, mais tarde, por sirfídeos3 e vespas anagrus.O parasitismo dos ovos da cigarrinha pelas vespas foi par-ticularmente alto nas parreiras próximas à ilha, mas foimais baixo perto do centro do parreiral.

2 Insetos neutros são aqueles que não sãoconsiderados nem nocivos nem benéficosnos sistemas agrícolas. Embora suas funçõesecológicas não sejam imediatamente reco-nhecidas e valorizadas (tais como ospolinizadores, os inimigos naturais, os pro-dutores de mel, etc), eles podem atuar comoorganismos importantes no funcionamen-to dos agroecossistemas. Entre outras fun-ções, eles podem ajudar na decomposiçãoda matéria orgânica ou servir como alimen-to de outras espécies de insetos que atuamcomo inimigos naturais. N. Ed.

O tamanho e forma das flores determinam quais insetos sãoatraídos para o “insetário”.

Erythroneura elegantula (cigarrinha dauva)

Anagrus epos (vespa parasitóide), ara-nhas, Geocoris sp., crisopídeos (bixo-lixeiro)

Insetos-praga principais

Frankiniella occidentalis (tripes)

Inimigos naturais

Orius spp. (percevejo pirata), joaninhas,aranhas, Nabis sp.

Principais insetos-praga em parreirais e seus inimigos naturais

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Caminhos a seguirUma das principais estratégias adotadas na

Agroecologia para a regulação das populações de inse-tos-praga é a intensificação da biodiversidade na paisa-gem e na área de plantio. Como no caso dos parreirais,agroecossistemas diversificados desenvolvem funçõesecológicas que aumentam suas capacidades de auto-regulação. A base para o manejo ecológico de insetos-praga é o aumento da diversidade do agroecossistema.Isso serve como um suporte para o estabelecimento dasinterações benéficas que promovem os processos ecoló-gicos necessários à regulação de insetos-praga.

É importante estabelecer uma diversidade deplantas para atrair um número e variedade ideais de inimi-gos naturais. O tamanho e a forma das flores determinamquais insetos são atraídos, já que somente aqueles capa-zes de ter acesso ao pólen e ao néctar das flores farão usoda fonte de alimentos disponível. Para a maioria dos inse-tos benéficos, incluindo vespas parasitóides, as floresdevem ser pequenas e relativamente abertas. Plantas dasfamílias das compostas (margaridas e girassóis, por exem-plo) e das umbelíferas (erva-doce e cenoura, por exemplo)são especialmente úteis para esse fim.

O período durante o qual as flores estão disponí-veis é tão importante como o seu tamanho e a sua forma.Muitos insetos benéficos são ativos somente enquanto sãoadultos e por determinados períodos de tempo durante aestação de crescimento. Eles necessitam de pólen e de néc-tar nesses períodos ativos, particularmente no início da esta-ção, quando as presas são escassas. Com esse conhecimen-to, os agricultores podem estabelecer composições de plan-tas com períodos de florescimento relativamente longos eque se sobreponham durante a estação.

O conhecimento atual sobre quais são as plan-tas mais indicadas como fontes de pólen, de néctar, dehabitat e de outras necessidades cruciais está longe deser completo. Claramente, muitas plantas estimulam odesenvolvimento de inimigos naturais, mas os cientistastêm muito mais a aprender a respeito de quais plantasestão associadas a quais insetos benéficos, e como e quan-do ter as plantas desejadas disponíveis. Como as interaçõesbenéficas entre plantas e insetos são específicas para cadalugar, a localização geográfica e o manejo geral da proprie-dade são aspectos importantes a considerar.

Planejamento da propriedadeUma vez que os agricultores tenham um bom co-

nhecimento das características e das necessidades dos principaisinsetos-praga e de seus inimigos naturais, eles podem desenvol-ver uma estratégia de manejo. Para tanto, algumas diretrizesbásicas devem ser levadas em conta, tais como:

• considerar o tamanho do habitat que deveráser melhorado (tamanho da área cultivada edo seu entorno);

• entender o comportamento do predador-pa-rasita que será influenciado pelo manejo dohabitat;

• decidir pelo arranjo mais benéfico de plan-tas (dentro ou ao redor das áreas cultiva-das), considerando as condições locais e otempo de floração;

• selecionar as espécies de plantas mais apro-priadas; preferencialmente aquelas que ge-ram benefícios múltiplos, como melhoria naregulação de insetos-praga e contribuiçãona fertilidade do solo e na eliminação de plan-tas espontâneas indesejadas;

• estar ciente de que a introdução de novasplantas no agroecossistema pode afetar ou-tras práticas de manejo agronômico e por-tanto estar preparado para desenvolver for-mas de lidar com isso.

Miguel A.Altieri, Luigi Ponti e Clara I. NichollsUniversidade da Califórnia, Berkeley

ESPM-Divisão de Biologia de Insetos,Berkeley, Califórnia

[email protected]

3Os sirfídeos formam um grupo de moscas composto por aproximadamente seis milespécies. Algumas dessas espécies, quando em fase larval, se alimentam de outros inse-tos, podendo ser exploradas por isso em estratégias de controle biológico. (N. Ed).

Referências bibliográficas:ALTIERI, M. A.; NICHOLLS, C. I. Biodiversityand pest management in agroecosystems. NovaYork: Food Products Press, 2004.

ALTIERI, M. A.; PONTI, L.; NICHOLLS, C. I.Manipulanting vineyard biodiversity forimproved insect pest management: case studiesfrom northern California. Journal of BiodiversityScience and Management, n. 1, p. 191-203,2005

LANDIS, D. A.; WRATTEN, S. D.; GURR, G.M. Habitat management to conserve naturalenemies of arthropod pests in agriculture.Annual Reviews of Entomology, n. 45, p. 175-201, 2000.

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produção e oconsumo de hor-taliças são, res-

pectivamente, atividade e hábitobastante característicos do estadodo Rio de Janeiro. O nível de con-sumo per capita é o maior do país,alcançando 54 quilos por ano, aomesmo tempo em que o volume deprodução representa cerca de 8%do total nacional (Embrapa Horta-liças, 2000). Na região serranafluminense, que se destaca nessecontexto, o cultivo de hortaliças édesenvolvido, principalmente, empequenos estabelecimentos de basefamiliar. Em geral, essas unidadesprodutivas empregam intensiva-mente as tecnologias da agricultu-ra industrial, notadamente os ferti-lizantes sintéticos concentrados eos agrotóxicos.

Em 1984, foi criada no estado a primeira as-sociação de produtores orgânicos do Brasil, a Associa-ção de Agricultores Biológicos do Estado do Rio deJaneiro (Abio). Desde então, o volume da produçãoorgânica vem crescendo gradualmente no estado, prin-cipalmente o de hortaliças.

Além de propiciar a oferta de alimentos saudá-veis para a população, o manejo orgânico elimina os riscos

Uso de plantas decobertura na valorização de

processos ecológicos emsistemas orgânicos de produção

na região serrana fluminenseJosé Guilherme Marinho Guerra, Aly Ndiaye, Renato Linhares de Assis e

José Antonio Azevedo Espindola

A de contaminação de trabalhadores rurais e dos mananciaisde água por agrotóxicos.

A despeito das vantagens acima enumeradas,os sistemas orgânicos têm seus impactos positivos res-tringidos quando se fundamentam unicamente na substi-tuição dos insumos sintéticos por outros de origem bio-lógica. Isso porque essa abordagem de conversão produ-tiva não chega a alterar estruturalmente os agro-ecossistemas, o que limita o restabelecimento de funçõesecológicas importantes para a sustentabilidade ambientale a eficiência econômica dos mesmos.

A Agroecologia propõe estratégias para superaras limitações estruturais e funcionais intrínsecas a sistemassimplificados de produção. Essas estratégias visam àotimização e ao estímulo dos processos biológicos do solo,favorecendo a ciclagem de nutrientes. Priorizam também aadoção de técnicas com abrangência multifuncional, capa-zes de melhorar ou manter a fertilidade do solo, amenizarprocessos erosivos, favorecer populações de organismosbenéficos e exercer controle sobre as plantas espontâneas.

O uso de plantas de cobertura de solo é umadessas técnicas, que consiste no emprego de espécies comcaracterísticas desejáveis em rotação ou consórcio com cul-turas de interesse econômico (Espindola et al., 2005). Quan-do tais espécies são da família das leguminosas, promove-sede maneira natural o aporte de nitrogênio ao solo, devidoà simbiose formada entre esse grupo de plantas e as bac-térias fixadoras do nitrogênio atmosférico, reduzindo ouaté mesmo eliminando a necessidade da aplicação de fer-tilizantes nitrogenados.

Embora trabalhos de pesquisa já tenham eviden-ciado os benefícios do uso de plantas de cobertura e daadubação verde para a produção vegetal, é importante en-tender as potencialidades e dificuldades para adoção emunidades produtivas de base familiar, mesmo naquelas en-

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volvidas com o manejo orgânico. Experiências desenvolvi-das há vários anos por famílias de agricultores orgânicos dacomunidade dos Albertos, localidade do Brejal, municípiode Petrópolis, são ricas em ensinamentos nesse sentido.

A experiência na comunidade dosAlbertos

A comunidade dos Albertos encontra-se emuma faixa de altitude que varia de 1.000 a 1.100 m, apre-sentando um clima tropical de altitude. A comunidadecaracteriza-se pela presença de proprietários, arrendatá-rios, parceleiros e meeiros, que ocupam áreas inferiores a10 hectares. Foi nessa comunidade que se estabeleceu,em 1978, o primeiro núcleo de agricultores orgânicosfluminenses, associado à Abio desde a sua fundação.

A organização desse grupo de agricultoresocorreu no final dos anos 1970, a partir do envolvimentodo proprietário da Fazenda Terras Altas com o processode consumo de alimentos naturais liderado pela Coopera-tiva de Consumidores de Produtos Naturais (Coonatura),sediada na cidade do Rio de Janeiro. Inicialmente na for-ma de parceria e posteriormente por meio de arrenda-mento, parte da Fazenda Terras Altas passou a forneceralimentos orgânicos in natura para a cooperativa. A mo-tivação dos agricultores familiares então envolvidos esta-va ligada à expectativa de viabilização de maiores ganhospor meio do esquema de venda direta de seus produtos.

Atualmente, as unidades são conduzidas porfamílias de agricultores que se dedicam, principalmente,à produção de hortaliças folhosas cultivadas em cantei-ros. Apesar dos sistemas prescindirem totalmente da apli-

cação de agroquímicos, aspectos relacionados à conser-vação do solo ainda necessitam maior atenção por partedos agricultores. Por exemplo, o preparo do terreno éfeito de forma intensiva com mecanização, empregando-se enxada rotativa acoplada a microtrator. Esse padrãode manejo favorece a erosão do solo, maior incidência deervas espontâneas e o aparecimento de doenças provocadaspor fungos de solo.

Ações orientadas para a busca de manejo maisadequado a esses sistemas de produção tiveram início coma experimentação, junto a um agricultor, do plantio dire-to de hortaliças sem o uso de herbicidas. Esse trabalho foicoordenado pelo agente de desenvolvimento rural AlyNdiaye, que então residia na comunidade, e contou com acolaboração do pesquisador Vinícius Vitoi Silva, da Em-presa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janei-

Toninho exibe repolho colhido em sua área de experimentação com plantio direto na palhada de aveia e ervilhaca

Detalhe da perda de terra provocada pelo elevado grau deexposição do solo

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ro (Pesagro-Rio). A atividade consistiu na introdução dagramínea aveia-preta e da leguminosa ervilhaca-comum,semeadas a lanço em mistura, com vistas ao posteriortransplantio direto de brássicas. Ao contrário do manejo noqual as plantas de cobertura são dessecadas com a aplicaçãode herbicidas, realizou-se o pisoteio da macega para em se-guida plantar as mudas de repolho. Os resultados iniciaisobtidos, notadamente em relação ao controle da vegetaçãoespontânea, repercutiram de forma positiva, inclusive juntoaos vizinhos, o que tornou os agricultores mais receptivos anovas experiências com plantas de cobertura.

O mesmo agente de desenvolvimento rural ar-ticulou a continuidade das ações, agora com o envol-vimento de pesquisadores da Embrapa Agrobiologia. Ini-cialmente, introduziu-se a leguminosa guandu, a par-tir da demanda dos agricultores por maior disponibilida-de de biomassa para o enriquecimento de compostos or-gânicos, utilizados na produção de hortaliças. Tal fatofoi justificado pela necessidade de reduzir os custos deprodução desses compostos, com a substituição de parteda cama de aviário, tradicionalmente utilizada como ma-téria-prima. Face à reduzida disponibilidade de área, osagricultores optaram por semear o guandu em faixas. Essadecisão facilitou a introdução da leguminosa e permitiuque as áreas fossem divididas em glebas, o que favoreceua ampliação da percepção dos agricultores em relação àgestão espacial das unidades de produção.

O estabelecimento das faixas de guandu deman-dou visitas regulares dos pesquisadores à comunidade, insti-tuindo uma rotina de diálogo com os agricultores. Duranteesse processo continuado, foi possível promover uma refle-xão coletiva sobre as dificuldades do uso de plantas de co-bertura nas unidades de produção. Identificou-se, por exem-plo, o impacto negativo da intensa mecanização na capaci-dade produtiva das áreas de cultivo, o que permitiu o debatesobre os benefícios potenciais da utilização de plantas decobertura associadas ao plantio direto de hortaliças.

A partir do vínculo criado com a comunidade,estabeleceu-se um grupo com a participação de quatroagricultores orgânicos certificados pela Abio, os quaisdestinaram uma gleba de aproximadamente 300 m2 emsuas unidades de produção para a instalação e conduçãode unidades de experimentação participativa. O grupo éformado por três arrendatários e um proprietário. Cadaarrendatário cultiva cerca de três hectares, enquanto osítio do agricultor proprietário tem área em torno de dezhectares. Todos trabalham com suas famílias e, eventual-mente, contratam diaristas.

Além de aspectos relacionados ao uso de plan-tas de cobertura e do plantio direto de hortaliças em subs-tituição ao preparo mecanizado do solo, a abordagem dotrabalho buscou valorizar a adubação verde, a inoculaçãode bactérias fixadoras de nitrogênio nas sementes deleguminosas, os consórcios, as sucessões culturais e a in-trodução de uma variedade de feijão-de-vagem de portedeterminado e ciclo curto (cv. alessa).

A instalação das unidades de experimentaçãofoi iniciada em maio de 2003, em dois talhões contíguosde aproximadamente 150 m2 cada um. As áreas forampreparadas com auxílio de enxada rotativa acoplada amicrotrator. Em um dos talhões foi feita a semeadura, alanço, de uma mistura contendo três volumes de aveia-preta e um volume de ervilhaca-comum, de forma que amistura representasse o equivalente a uma densidade de60 kg de sementes por hectare. No outro talhão, foi per-mitida a reinfestação da área com a vegetação espontâ-nea formada principalmente de losna, labaça, picão-pre-to, brinco-de-ouro e azedinha.

Após cinco meses da semeadura da mistura deaveia-preta e ervilhaca-comum, a macega dessas plantasde cobertura e da vegetação espontânea foi cortada comauxílio de roçadeira costal. A palhada de aveia e ervilhacafoi mantida em cobertura sobre o terreno; enquanto que,no talhão destinado ao preparo convencional do solo, avegetação espontânea foi incorporada com auxílio de en-xada rotativa. Nessa ocasião, agricultores e pesquisado-res fizeram uma avaliação da produção de biomassa emambos os talhões. Depois dessas operações, foi realizadoo transplantio das mudas de repolho (híbrido sekai).

Para o plantio dessa hortaliça, três agriculto-res utilizavam um espaçamento de 0,70 x 0,50m, enquan-to que o quarto agricultor realizava o plantio em cantei-ros, com o espaçamento de 0,70 x 0,40m. A partir daobservação por parte dos pesquisadores do espaço exis-tente entre os canteiros na área desse último, construiu-se com os agricultores uma proposta de ajuste no arranjo

Detalhe da divisão de glebas com guandu

Área de experimentação

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espacial de plantio: a introdução da leguminosa Crotalariajuncea para adubação verde de verão, consorciada com acultura do repolho nos talhões sob plantio direto. Assim,nos talhões com preparo convencional do solo, manteve-se o espaçamento tradicionalmente adotado por cada umdos agricultores, ao passo que, nos talhões sob plantiodireto, o repolho foi transplantado em sistema de faixas comlinhas triplas no espaçamento de 0,40 x 0,50m e de 1,20mentre as faixas. No corredor formado entre as linhas triplasde repolho, foi feita a semeadura de três linhas de Crotalariajuncea 30 dias após o transplantio da hortaliça, o que coin-cidiu com o momento da primeira capina. A densidade utili-zada foi de 30 sementes por metro linear em linhas espaça-das de 0,40m. Nessa ocasião, bactérias fixadoras de nitrogê-nio foram inoculadas nas sementes. Na condução da lavourade repolho, dois agricultores se afastaram do processo: umdeles devido ao encharcamento da área que provocou a morteda hortaliça e do adubo verde; o outro por problemas deordem familiar.

Após a colheita do repolho, na área sob prepa-ro de solo convencional, introduziu-se o cultivo de feijão-de-vagem (cv. alessa) com espaçamento de 0,50m entresulcos e densidade de oito sementes por metro linear.No talhão sob plantio direto, realizou-se a semeadurade três linhas de feijão-de-vagem (cv. alessa), comespaçamento de 0,40m e densidade de oito sementespor metro linear. Em ambas as áreas de cultivo, bacté-rias fixadoras de nitrogênio foram inoculadas nas se-mentes do feijão-de-vagem. Somente no talhão sobplantio direto, por ocasião da floração, a crotalária foicortada rente ao chão com o auxílio de catana, man-tendo-se a biomassa em cobertura. Procedeu-se entãoo transplantio de mudas de alface lisa em covas abertasno espaçamento de 0,40 x 0,30m na palhada dacrotalária. Assim, integraram-se ações de sucessão econsórcio de culturas.

Por meio dessa experiência, agricultores e pes-quisadores puderam constatar os diferentes benefícios dosistema de plantio direto no cultivo de hortaliças, tais

como: redução da movimentação e perda de solo; dimi-nuição da infestação de ervas espontâneas; e desempe-nho agronômico similar ou superior. Também foi possívelverificar que, nas áreas sob plantio direto, a ocorrência dadoença conhecida como mofo branco, causada pelo fun-go Sclerotinia sclerotiorum, na cultura de feijão-de-va-gem, foi muito inferior àquela da lavoura conduzida naárea sob preparo de solo convencional. Tal fato foi deba-tido com os agricultores, chegando-se ao entendimentode que o não-revolvimento do solo e a manutenção dapalhada sobre o terreno foram determinantes para a redu-ção da disseminação dos propágulos desse fungo.

Do ponto de vista pedagógico, a experiênciarelatada possibilitou demonstrar, didaticamente, que opreparo mecanizado contínuo do solo não é a única op-ção de manejo do terreno que confere altos rendimentosprodutivos de hortaliças. Isso estimulou a reflexão dosagricultores sobre a necessidade de evolução na transi-ção agroecológica das unidades de produção. Destaca-se também o papel da introdução de plantas de coberturacom vistas ao favorecimento de distintos processos ecológi-cos, fazendo com que os sistemas de produção orgânicapossam ser entendidos como algo além de uma simples subs-tituição de insumos. O caráter multifuncional dessa práti-

Toninho corta as plantas de cobertura no quadro

Faixas de repolho intercaladas com crotalária

Geraldo cortando crotalária

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ca permitiu que os agricultores e pesquisadores percebes-sem os vários benefícios da presença das plantas de co-bertura: a proteção do solo, a produção in situ de matériaorgânica, o controle de plantas espontâneas, a reduçãoda incidência de doenças de solo e, até mesmo, o poten-cial para aumento de produtividade de suas lavouras.

Considerações finais

As ações desenvolvidas na comunidade dosAlbertos possibilitaram a construção de novos conhecimen-tos, agregando as experiências práticas dos agricultores eacadêmicas dos pesquisadores. Ao longo dessa trajetória,buscou-se aprofundar a transição agroecológica de sistemasde produção orgânica com a incorporação de novas práticasde manejo que otimizassem os processos ecológicos e quefavorecessem o desempenho produtivo e econômico das uni-dades agrícolas. De maneira geral, os conceitos trabalhadosforam bem recebidos pelos agricultores, que adaptaram al-gumas das práticas avaliadas para a sua realidade, com des-taque para a utilização do guandu para a divisão dos talhõescultivados, bem como o uso da cultivar alessa de feijão-de-vagem como uma nova opção para essa cultura. Além disso,em algumas unidades, a adubação verde, seja de inverno e/ou de verão, foi introduzida, mesmo que eventualmente,nos sistemas de produção.

Todavia, algumas dificuldades foram identifi-cadas. Destaca-se o alcance limitado da disseminação dasiniciativas realizadas junto aos agricultores, em parte decor-rente da reduzida experiência do grupo de pesquisadorescom a utilização de métodos pedagógicos construtivistas.Isso associou-se à dificuldade de conciliação do tempo dispo-nível de pesquisadores e agricultores e à interrupção do pro-cesso de assistência técnica conduzido pelo agente de de-senvolvimento rural, após seu afastamento da comunidade.

Cabe também registrar a pouca tradiçãoassociativa dos agricultores, restrita a algumas ações cola-

borativas no campo da comercialização. Na comunidadedos Albertos, nota-se que as atividades conduzidas nasunidades de produção são realizadas isoladamente pelasfamílias, dificultando ações conjuntas que favoreçam atroca de experiências entre os agricultores.

Outro aspecto a ser destacado refere-se aosobstáculos relacionados ao acesso às sementes de plan-tas de cobertura. Normalmente, há dificuldade para aqui-sição dessas sementes, principalmente de leguminosaspara adubação verde, nos estabelecimentos comerciaisda região. Por outro lado, motivar os agricultores paramultiplicarem sua própria semente é um grande desafio,haja vista a pouca disponibilidade de áreas para cultivo,que por sua vez são intensivamente manejadas para a pro-dução de hortaliças.

Apesar dos obstáculos, a partir da realizaçãodesses trabalhos tornou-se possível debater conceitos deconservação de solo junto aos agricultores e disponibilizaraos mesmos novas opções de manejo que favoreçam aintrodução de práticas de caráter agroecológico, princi-palmente considerando que nessa região concentra-se umimportante núcleo de agricultores orgânicos fluminenses.Em adendo, a oportunidade de conduzir ações partici-pativas estimulou a sensibilidade dos pesquisadores nosentido de buscar soluções locais para superar as dificul-dades encontradas pelos agricultores na incorporação deconceitos e técnicas que potencializem processos ecoló-gicos na gestão espaço-temporal de unidades de produ-ção de base familiar.

Finalmente, gostaríamos de agradecer aos agri-cultores Ailton Lima da Ponte, Antônio Carlos SilvaCorrea, Geraldo Alexandre da Silva e Oswaldo Correa daLima pela oportunidade de interação que possibilitou arealização deste trabalho1.

José Guilherme Marinho Guerra,Renato Linhares de Assis e

José Antonio Azevedo Espindolapesquisadores da Embrapa Agrobiologia

Aly Ndiayeconsultor em agroecologia

1 O trabalho contou com o apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho deAmparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Alface na palha

Referências bibliográficas:ESPINDOLA, J. A. A.; GUERRA, J. G. M.; DE-POLLI, H.; ALMEIDA, D. L. de; ABBOUD, A.C. de S. Adubação verde com leguminosas.Brasília: Embrapa Informação Tecnológica,2005. 49 p.

EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa deHortaliças (Brasília, DF). II Plano Diretor daEmbrapa Hortaliças. Brasília, 2000. 44 p.

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a localidade deBerisso, situadanas encostas da

bacia do rio da Prata, Argentina, ocultivo de videira para a preparaçãode vinho artesanal é praticado des-de o fim do século XIX. Essa ativi-dade teve o seu apogeu em meadosdo século XX, mas desde então so-freu grande decadência. Entretan-to, com a ajuda da Faculdade deCiências Agrárias e Florestais daUniversidade Nacional de La Plata(UNLP), a produção do vinho foireativada em 1999, criando uma si-tuação mais favorável para os pro-dutores (Marasas e Velarde, 2000).

Os vinhedos mais antigos foram estabelecidosnas partes mais baixas da paisagem. Estavam, por isso, sujei-tos a enchentes periódicas do rio da Prata e, como conse-qüência, eram estruturados e manejados de forma bem par-ticular. Apesar de adotarem há muito tempo um manejocom baixo uso de insumos externos, esses sistemas sempremantiveram uma produção relativamente estável e com umabaixa incidência de insetos-praga e doenças. Foram exata-mente essas características consideradas desejáveis que mo-tivaram o presente estudo.

Em um trabalho conjunto entre produtores,extensionistas e pesquisadores da universidade, o funciona-mento desses sistemas foi analisado, com o objetivo de com-provar a existência de princípios ecológicos subjacentes àspráticas de manejo que explicassem a sustentabilidadeagroecológica desses vinhedos. Além disso, foram analisa-

O manejo dos nutrientespelos viticultores

de Berisso:um exemplo bem-sucedido da

aplicação de princípios ecológicosEsteban Abbona, Santiago Sarandón e Mariana Marasas

N dos vinhedos estabelecidos recentemente em áreas ligeira-mente mais altas e que não estão sujeitas às enchentes dorio. A intenção era estudar em que medida as práticas quetiveram êxito nas áreas mais baixas poderiam também funcio-nar mais acima nas encostas.

O funcionamento ecológico dos vinhedos foiavaliado por meio do emprego do enfoque sistêmico. No estudocompleto, foram observados vários componentes, interações eprocessos ecológicos. Neste artigo, apresentamos somente osprocessos relacionados aos ciclos de nutrientes.

Breve descrição dos vinhedos

Os vinhedos de Berisso são compostos pelavideira americana (Vitis labrusca L.), manejada na formade parreirais. Na região baixa, eles contam com um siste-ma de drenagem feito de pequenas valetas que permitemo escoamento da água logo após as enchentes do rio paracanais maiores, denominados coletores, que conduzem aágua para fora da área de cultivo.

As valetas são localizadas a cada seis metros eentre elas são cultivadas duas fileiras de videira, de formaque cada fileira fique a três metros uma da outra e a ummetro e meio das valetas (figura 1). A limpeza é realizadaanualmente no período que antecede a rebrota das videiras(julho). Os sedimentos trazidos pelo rio que se acumulamnas valetas são depositados nos pés das videiras.

Os vinhedos localizados nas encostas dispensam osistema de drenagem, mas tanto nas encostas como nas partesbaixas, os solos são mantidos cobertos durante todo o ano porvegetação espontânea composta por espécies nativas e natu-ralizadas. Os produtores fazem cortes periódicos dessa vegeta-ção para facilitar os trabalhos de manejo, e a biomassa vegetalobtida é deixada sobre o solo. Os produtores empregam poucosagrotóxicos, utilizam fungicidas somente para o controle domíldio (Plasmopara viticola), não aplicam fertilizantes e, em ge-ral, não usam herbicidas e inseticidas.

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O enfoque de sistemas

Para compreender os processos ecológicos des-ses agroecossistemas tão particulares é necessário adotarum enfoque holístico e sistêmico. Esse enfoque permite iden-tificar, a partir da definição dos limites do sistema, as entra-das e saídas do mesmo, assim como os seus componentes eas interações entre eles (Hart, 1985). Em geral, o estudodos sistemas agrícolas se baseia na análise isolada de compo-nentes (solo, cultivo, plantas invasoras, insetos-praga, do-enças) e, poucas vezes, busca-se entender quais são asinterações que existem entre eles. Essa visão limitada é assi-nalada por vários autores como forte obstáculo para o en-tendimento do funcionamento do sistema como um todo.

Várias visitas às propriedades e entrevistas comos produtores foram feitas para conduzir a análise dos vinhe-dos. Também foram realizados encontros com o grupo deprodutores com a finalidade de conhecer a percepção delessobre o funcionamento de seus sistemas. Diferentes aspec-tos dos ciclos de nutrientes dos vinhedos foram debatidoscom os viticultores, entre eles: a reciclagem da biomassavegetal, o aporte de nutrientes do rio, o papel da coberturavegetal e, de forma mais específica, a diferença entre a dis-ponibilidade de nutrientes para as plantas e o conteúdo to-tal de nutrientes no solo.

a) A ciclagem da biomassa vegetalUm dos temas discutidos com os produtores

foi o que ocorre quando eles deixam os resíduos pro-venientes do corte da cobertura vegetal, da poda e dadesbrota da videira sobre o solo das áreas de cultivo. Paravários viticultores, o corte periódico da cobertura impli-caria na entrada de nutrientes à área de cultivo. Para aju-dar a esclarecer esse assunto, delimitamos fisicamente osistema, tendo definido a parcela do vinhedo, com seusrespectivos limites superiores, inferiores e laterais, comounidade de análise. Para facilitar a visualização dos flu-xos de nutrientes, utilizou-se um esquema simplifica-do (figura 2), a partir do qual os agricultores chegaramà conclusão de que a biomassa da vegetação espontâ-nea e do cultivo nada mais faziam do que reciclar osnutrientes já existentes no sistema. Portanto, não de-viam ser consideradas como insumos externos que pos-suem a capacidade de recuperar os nutrientes exporta-dos com a colheita da uva.

b) O aporte dos nutrientes do rio

Nas conversas com os produtores, ficou claro queeles não compreendiam bem qual era o papel do sedimentoproveniente do rio em relação ao ciclo de nutrientes. Utilizandoum diagrama simplificado do sistema, percebeu-se que os aportesdo rio constituíam insumos externos de nutrientes. Dessa ma-neira, esse fluxo poderia sim ser contabilizado como uma entra-da no balanço de nutrientes do sistema. Mas ainda faltava ava-liar se esse aporte compensava as saídas de nutrientes causadaspela colheita. Para isso, foram coletadas amostras do sedimentodo rio e determinou-se o conteúdo total de nitrogênio, fósforo epotássio. O balanço de nutrientes apontou para um saldo posi-tivo de aproximadamente 30 quilos de nitrogênio, 88 quilos defósforo e 46 quilos de potássio por hectare a cada ano. Ou seja,a quantidade de nutrientes trazidos com as enchentes é superiorà quantidade extraída na colheita das uvas.

Já os sistemas localizados nas encostas, pornão estarem sujeitos às enchentes periódicas, não rece-biam os nutrientes provenientes do rio. Mesmo assim, osprodutores não consideravam necessário fertilizar, já quepor tradição essa prática nunca foi adotada. Por essa ra-zão, os balanços de nutrientes nesses sistemas apresen-taram um saldo negativo. Com esses resultados, foi pos-sível refletir com os produtores sobre a necessidade dereposição dos nutrientes exportados do sistema de acor-do com as condições ambientais específicas do local, deforma a evitar que o sistema fique comprometido pelaperda de nutrientes a cada colheita.

c) O papel da cobertura vegetalOutro aspecto analisado junto com os

viticultores foi o papel que a vegetação espontânea exer-ce nos ciclos dos nutrientes. Alguns produtores afirma-vam que, se não aportasse nutrientes ao sistema, a cober-tura não seria necessária. Outros produtores, entretan-to, assinalaram que a cobertura “alimenta o solo”. Emgrande medida, isso é verdade, uma vez que ela fornecebiomassa, que é fonte de energia e nutrientes para osorganismos heterótrofos do solo (macro-, meso- emicrofauna). De fato, os solos com alta atividade biológi-ca apresentam maiores taxas de decomposição da maté-ria orgânica, o que resulta, indiretamente, numa maiordisponibilidade de nutrientes para as plantas. Essa maioratividade biológica, contudo, não aumenta a quantidadede nutrientes no sistema, somente aumenta a porcenta-

Figura 1. Posicionamento das valetas de drenagem nos parreirais

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Viticultor realizando o corte da cobertura vegetal

Vinhedo da região baixa durante uma inundação

gem de nutrientes assimiláveis pelas plantas do total jáexistente no sistema. Outro papel atribuído à coberturavegetal foi o da retenção temporária dos nutrientes quenão são aproveitados pelo cultivo. Ao ficarem retidos nabiomassa das plantas espontâneas, evita-se que os nu-trientes sejam perdidos nos processos de lixiviação. Essafunção é essencial nesse tipo de solo que inunda e que apre-senta oscilações do lençol freático perto da superfície.

d) Disponibilidade de nutrientes e conteúdo total (ouestoque)

Quando o tema do aumento da disponibilida-de de nutrientes foi abordado nos debates com os produ-tores, foi necessário realizarmos um aprofundamento so-bre o assunto. Esclareceu-se que os nutrientes disponí-veis são apenas os que estão dissolvidos na água do soloe representam somente uma pequena parcela dos nutrien-tes totais do solo. A maior parte deles encontra-se numaforma que as plantas não podem absorver diretamente. Essaparte indisponível1 constitui o que se chama de reserva. Já o

conteúdo total de nutrientes no solo, ou estoque, é a somados nutrientes disponíveis com os de reserva.

Outra noção apresentada aos agricultores foi ade ciclos de nutrientes, em particular o fato de que parte dosnutrientes de reserva se tornam disponíveis quando as plan-tas espontâneas ou as espécies cultivadas os extraem dosolo. Com o retorno da biomassa das plantas espontâneas edos cultivos após a roçagem, as podas e outros manejos, osnutrientes são devolvidos ao solo. A maior parte desses nu-trientes devolvidos passa a formar uma reserva no solo asso-ciada à matéria orgânica. Assim, somente os nutrientes quesão extraídos com a colheita são perdidos do sistema.Enfatizou-se novamente que, nos sistemas da região baixa,o sedimento do rio restitui os nutrientes e permite manter oseu conteúdo total nos vinhedos.

Todos esses esclarecimentos fizeram com queos produtores compreendessem que para manter a pro-dução a longo prazo é importante conservar o conteúdototal de nutrientes no sistema e que os nutrientes dispo-níveis somente são aproveitados no curto prazo.

Conhecimento tradicional ouprática tradicional

O trabalho com o grupo de produtores deu ori-gem a uma série de questionamentos sobre a relação entre oconhecimento tradicional e a existência de uma racio-nalidade ecológica no manejo dos agroecossistemas, talcomo é indicado na literatura especializada em Agro-ecologia. Por meio desse trabalho relacionado ao manejodos nutrientes, foi possível demonstrar que o processode coevolução dos agricultores com o meio natural emque produzem contribui para o desenvolvimento de prá-ticas de manejo dos agroecossistemas adaptadas às con-dições ambientais particulares do local. Isso confirma,portanto, a existência de uma racionalidade ecológica nosmanejos tradicionais (Toledo, 1993).

Os estudos nos vinhedos de Berisso revelaramque, apesar de os cultivos nas partes baixas apresentaremmaior sustentabilidade ecológica (Abbona et al, 2007), os

Encontro com o grupo de viticultores de Berisso

1 Os nutrientes indisponíveis são aqueles que estão em formas insolúveis e associadosà fase sólida do solo. As raízes das plantas somente absorvem nutrientes se eles estive-rem dissolvidos na água do solo. (N. do Ed.)

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Referências bibliográficas:ABBONA, E. A.; SARANDÓN, S. J.; MARASAS,M. E., ASTIER, M. Ecological sustainabilityevaluation of traditional management in differentvineyard systems. Agriculture, Ecosystems andEnvironment, Argentina, n.19, p. 335-345, 2007.

HART, R. Conceptos básicos sobre agroecosistemas.Costa rica: Centro agronómico tropical deinvestigación y enseñanza, 1985. Serie material deenseñanza, n. 1. 159 p.

MARASAS M; VELARDE, I. Rescate del saber tra-dicional como estrategia de desarrollo: los viñaterosde la costa. Leisa. v. 16, n. 2, 2000.

TOLEDO, V. M. La racionalidad ecológica de laproducción campesina. In: Sevilla-Guzmán; MOLINA,González de. Ecología, campesinado y historia. Madrid:Ed. La piqueta, 1993. cap. 5, p. 197-218.

produtores nem sempre sabem por que opta-ram pelo manejo que realizam. No caso parti-cular de Berisso, os produtores mais idososconhecem as razões que estão por detrás doemprego de algumas práticas. Já os mais jo-vens, que herdaram essas práticas dos pais,em geral desconhecem os motivos. Esse fatosugere uma diminuição da capacidade de adap-tação ao ambiente, uma espécie de erosãocultural, que se manifesta claramente quan-do os vinhedos são implantados nas encos-tas. Isso mostra que os agricultores tentaramreproduzir o manejo tradicional adotado naspartes baixas em ambientes que possuem con-dições ecológicas distintas.

Com base no método de “tenta-tivas e erros”, talvez os produtores no futuroacabem incorporando algumas técnicas dereposição de nutrientes que permitam man-ter a fertilidade dos solos dos vinhedos das encostas, substituin-do o trabalho que as enchentes realizam nos solos das partesbaixas da paisagem. Contudo, é importante entender que o errosignifica quedas na produtividade ou mesmo perda total da pro-dução. Portanto, cabe ressaltar que é o entendimento dos prin-cípios ecológicos subjacentes às práticas de manejo que permiti-rá minimizar essas conseqüências negativas e reduzir o tempo deadaptação às novas condições.

Por essa razão, é necessário fazer um esforço siste-mático para que os princípios ecológicos dos manejos sejamcompreendidos, mesmo quando as experiências são bem-suce-didas. Concentrar esforços nesse sentido é mais importante doque conformar-se com a simples difusão de novas técnicas. Ocaso dos produtores de Berisso é um bom exemplo da relaçãoexistente entre as práticas de manejo sustentável dosagroecossistemas e o saber dos agricultores, relação esta bas-tante enfatizada e valorizada pela Agroecologia. A compreen-são desses aspectos é condição fundamental para que se avanceno desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis.

Contribuição deste enfoque aosatores do processo

A partir da experiência em Berisso foi possívelperceber mudanças na atitude dos produtores. Alguns delesse mostraram satisfeitos por conseguirem aprofundar algunsconhecimentos. Por exemplo, ao entenderem por que asplantas espontâneas são um “alimento para o solo”. Outrosviticultores se motivaram e demonstraram interesse em ob-servar e experimentar inovações. Em certa ocasião, um pro-dutor experimentou não colocar sedimentos do rio em algu-mas parreiras e comprovou que elas tiveram menor cresci-mento que aquelas que receberam os sedimentos. Os pro-dutores mais jovens, que antes percebiam o rio como umproblema, começaram a valorizar as enchentes e a sua fun-ção de tornar a produção dos vinhedos mais estável.

Esse enfoque permitiu que os extensionistas e ospesquisadores adquirissem a compreensão de que o manejo tra-dicional dos vinhedos nas partes baixas assegura sua sustenta-ção a longo prazo. Isso porque a reciclagem de nutrientes éotimizada com o manejo e porque existe um equilíbrio entre aextração e o aporte de nutrientes ao sistema. O enfoque sistêmicofoi uma ferramenta imprescindível para esse fim.

Esteban AbbonaFaculdade de Ciências Agrárias e Florestais da UNLP

[email protected] Sarandón e

Mariana MarasasComissão de Pesquisa Científica da Província de Buenos Aires

Figura 2: Esquema simplificado da parcela de cultivo apresentado edebatido durante os encontros com o grupo de viticultores de Berisso

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Publicações

Agroecologia: processosecológicos em agricultu-ra sustentávelGLIESSMAN, Stephen R.Porto Alegre: Ed. Univer-sidade/UFRGS, 2001.653 p.

Trata-se da mais completapublicação editada no Bra-sil sobre a aplicação dosconceitos e métodos daEcologia na agricultura. A

partir da contextualização do surgimento da Agroecologiacomo enfoque científico orientado para a promoção da agri-cultura sustentável, o autor apresenta de forma bastantedidática e exemplificada os princípios-chave necessários paraa compreensão e manejo dos processos ecológicos que ocor-rem nos agroecossistemas.

Paradigmas e princípios ecológicos para a agricul-turaDOVER, Michael J.; TALBOT, Lee M. Rio de Janeiro:AS-PTA, 1992. 42 p. (Texto para Debate, 44)

Texto sintético e de fácil leitura. Em sua primeira parte,apresenta as analogias estruturais e funcionais existentesentre os ecossistemas naturais e os agroecossistemas. Combase nessa apresentação, destaca alguns conceitos bási-cos para a análise da sustentabilidade de sistemas agríco-las. Na segunda parte, enfoca a aplicação desses concei-tos no desenvolvimento de policulturas e sistemasagroflorestais.

Plantas doentes pelouso de agrotóxicos (ATeoria da Trofobiose)CHABOUSSOU, Francis.Porto Alegre: L&PM,1987. 256 p.

O autor expõe de formaclara e bem fundamentadaem estudos empíricos osprincípios do manejo fisi-ológico dos insetos-praga edas doenças das plantas cul-tivadas. Apresenta também

as evidências de que condições ecológicas adequadas sãofundamentais para a manutenção da sanidade nos siste-mas agrícolas. Com isso, comprova o quanto o empregode insumos de síntese química, sobretudo os agrotóxicos,são perniciosos à saúde das plantas.

A reconstrução ecoló-gica da agriculturaKHATOUNIAN, CarlosArmênio. Botucatu:Agroecológica, 2001.348 p.

A obra apresenta concei-tos e métodos para a com-preensão dos processosecológicos na agricultura.Aborda a agricultura tam-bém a partir de sua pers-

pectiva socioeconômica e política, permitindo, por meiode fartos exemplos, a percepção das relações de inter-dependência entre as dimensões ambientais e humanasno condicionamento dos sistemas de produção.Reconceitua a noção de fertilidade empregada convencio-nalmente nas ciências agrárias, apontando estratégias téc-nicas para a restauração e manutenção de sistemas férteise sustentáveis.

O papel da biodiversidade no manejo de pragas.ALTIERI, Miguel A.; SILVA, E.N.; NICHOLLS, Clara.I.Ribeirão Preto: Holos Editora, 2003.

Apresenta estratégias agroecológicas para o estabeleci-mento de equilíbrios naturais das populações de insetosnos sistemas agrícolas, em particular o estabelecimentode ambientes favoráveis ao abrigo e à alimentação de ini-migos naturais dos insetos-praga.

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Páginas na internet

Elaborado a partir do livro-texto escrito por StephenGliessman, esse site oferece conteúdos sobre o enfoqueagroecológico para os interessados na sustentabilidadedos sistemas agrícolas. Além disso, apresenta ferramen-tas para a compreensão dos princípios da Agroecologia,disponibilizando uma série de estudos de caso e um glos-sário de termos.

O site da ONG Remineralize the Earth apresenta informa-ções úteis sobre uso de pós de rocha nos solos agrícolas,assim como estudos de caso realizados em todo o mun-do, inclusive no Brasil, que apontam alguns dos benefíci-os potenciais dessa prática. Uma base de dados de pes-quisas sobre o tema está em desenvolvimento. O usuárioainda poderá ter acesso a uma revista on-line e indicaçõesde outros sites que abordam o assunto. Remineralize theEarth está conectada a uma rede que se estende por to-dos os continentes, tornando-se uma referência para osque desejam se aprofundar no tema.

www.remineralize.org

www.agroecology.org

Este site tem como objetivo divulgar no Brasil os sistemasagroflorestais como alternativa para a agricultura familiar. Oprojeto pretende ser uma fonte de informações e referênciassobre agrofloresta e está sendo construído coletivamente,reunindo conhecimentos adquiridos a partir dos mutirõesagroflorestais e acúmulos das instituições que trabalham coma temática em todo o país. Oferece ao usuário links relacio-nados, bibliografia, fotos, vídeos e áudios.

www.agrofloresta.net

A Aliança Resiliência (Resilience Alliance) é uma organiza-ção de pesquisa que articula cientistas de várias disciplinaspara o estudo de dinâmicas de sistemas adaptativos comple-xos, como os sistemas socioambientais. O site apresentavários estudos de caso realizados em diferentes países, to-dos conduzidos para avaliar a resiliência de sistemas socio-ecológicos. Contém uma seção inteiramente dedicada à apre-sentação de definições conceituais importantes para oenfoque dos ecossistemas a partir da noção de resiliência.Em outra seção são indicadas referências importantes paraos que querem se aprofundar no tema.

www.resalliance.org/1.php

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Revista Brasileira de Agroecologia

A Associação Brasileira de Agroecologia(ABA-Agroecologia) lançou, no último mês de no-vembro, a Revista Brasileira de Agroecologia. A pu-blicação tem por objetivo atuar como veículo de di-vulgação de trabalhos científicos em áreas ligadas àAgroecologia, ocupando uma importante lacunanesse espaço acadêmico de convergência de váriasdisciplinas.

A revista terá periodicidade semestral e es-tará disponível inicialmente apenas em versão eletrô-nica no endereço www.ufrgs.br/rbagroecologia. Con-teúdos originais em português, inglês e espanhol se-rão submetidos à avaliação de pelo menos dois con-

sultores ad hoc nas seguintes áreas de conhecimento:1. manejo de agroecossistemas sustentáveis; 2. de-senvolvimento rural; 3. sociedade e natureza; e 4.uso e conservação de recursos naturais.

As normas para o envio de material podem serencontradas no site www6.ufrgs.br/seeragroecologia/ojs/submissions.php, onde os autores também podem secadastrar. A publicação de artigos e o acesso à Re-vista Brasileira de Agroecologia são totalmente gra-tuitos.

Contribuições voluntárias à revista e afiliação à ABA-Agroecologia podem ser feitas pelosite www.ufrgs.br/agroecologiabr.

polpa, que são vendidos no Espaço Agroecológico dasGraças, em Recife. Em 2004, o casal recebeu um prê-mio pelo trabalho com agrofloresta. O sítio de Jones eLenir é referência para outros (as) agricultores (as) fa-miliares, assim como para universidades, escolas técni-cas e diversas organizações.

Essa e outras iniciativas em agroecologia po-dem ser encontradas no Agroecologia em Rede, um ban-co de dados sobre experiências, pesquisas e contatos depessoas e instituições vinculadas à agroecologia no país.

De livre acesso na internet, o sistema foicriado com o objetivo de divulgar experiências e pes-quisas acadêmicas em Agroecologia e facilitar o con-tato direto entre grupos envolvidos na promoção daagricultura sustentável no Brasil.

Acesse: www.agroecologiaemrede.org.br

Agrofloresta no sítio São Joãorecupera diversidade

(www.agroecologiaemrede.org.br/experiencias.php?experiencia=393)

Jones Severino e Lenir Pereira são casadose moram no sítio São João, na comunidade de Inhamã,município de Abreu e Lima, na Mata Norte pernam-bucana. O casal vive da produção agrícola e da criaçãode abelhas. Desde 1993, eles adotam práticas de ma-nejo ecológico, como plantio em curva de nível e pro-dução de composto orgânico. Em 1994, iniciaram umaagrofloresta com plantações de abacaxi, mamão,leucena e banana. A primeira experiência não foi mui-to bem-sucedida, mas após realizarem visitas de inter-câmbios, a família percebeu que era preciso fazer oplanejamento da área, priorizar a recuperação do soloe plantar adubadoras em consórcio com as culturasmais adequadas ao seu terreno, para só então passar aintroduzir as culturas de luxo. Antes da agrofloresta, osítio tinha poucas espécies e o solo era bastante degra-dado. Hoje já conta com uma diversidade impressio-nante de plantas nativas, adubadoras e agrícolas. Lenirtransforma as frutas em bolos, doces, licores, geléias e

Agroecologia em Rede

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Acesse: http://agriculturas.leisa.info

Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-americana (editadano Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda).

As organizações locais dos produtores familiares têm desem-penhado um papel de importância crescente na construção daalternativa agroecológica no Brasil.Associações e cooperativas de produtores, sindicatos de traba-lhadores rurais, movimentos de mulheres e jovens, pastoraisreligiosas e uma grande multiplicidade de grupos informais nascomunidades e municípios, geralmente em parceria com orga-nizações de assessoria, vêm promovendo processos bastanteintensivos de transição agroecológica nas propriedades e co-munidades dos territórios em que atuam. As iniciativas têm seconcretizado, por exemplo, no fortalecimento de dinâmicassociais de experimentação e de intercâmbio de conhecimentos;no apoio a diferentes modalidades de acesso das famílias arecursos para o financiamento da transição; no estímulo àimplementação de estratégias autônomas de inserção dos pro-dutores familiares nos mercados.Simultaneamente à ampliação da escala social e geográficadas dinâmicas de transição agroecológica, as organizações lo-cais passam a atuar progressivamente como agentescimentadores do aprendizado coletivo, ao procurar apreender evalorizar as experiências singulares das famílias e grupos co-munitários como fontes de inspiração para novas políticas deocupação e uso dos territórios rurais.Ao estabelecer vínculos entre os processos de transformaçãolocal e a dimensão macro em que são formulados e debatidosos projetos coletivos, as organizações locais passam também aexercer o papel de atores políticos. De um lado, se empenham

Organizações de agricultores(as) promovendo desenvolvimento local (v.4, n0.2)

Próximos temas das revistas Leisa

na mobilização de suas bases para incorporar e propor no-vos caminhos para o desenvolvimento local. Ao mesmotempo, procuram construir paulatinamente novas articula-ções, tanto em escala regional quanto nacional. É dainteração entre as experiências particulares, polarizadaspor essas organizações locais, que convergências políti-cas mais amplas vão sendo construídas, conferindo pou-co a pouco à agroecologia o estatuto de um movimentosocial em formação. A partir dessa dinâmica integradorado micro ao macro, as organizações dos produtores exer-citam de forma autônoma a agroecologia e inserem nohorizonte social e político a emergência de um novo mo-delo de desenvolvimento rural fundado na valorizaçãodas diversidades locais.O próximo número da Revista Agriculturas pretende pro-por uma reflexão sobre essa realidade emergente, colocan-do o foco nas experiências concretas de inovação e de pro-moção agroecológica empreendidas por organizações lo-cais dos produtores rurais nas diversas regiões do país. Osartigos poderão apresentar as experiências das organiza-ções em uma ou mais das seguintes dimensões: técnica,sociocultural, metodológica e política

Datas-limite para envio dos artigos:15 de maio (Revista Agriculturas)

15 de abril (Revista Leisa Latino-americana)

Instruções para elaboração de artigos

Sementes da biodiversidade (v.4, n0.3)Datas-limite para o envio dos artigos:03 de agosto (Revista Agriculturas e Revista Leisa Latino-americana)

Saúde pela natureza (v.4, n0.4)Datas-limite para o envio dos artigos:15 de outubro (Revista Agriculturas e Revista Leisa Latino-americana) • 01 de junho (Revista Global / Leisa)

Os artigos deverão descrever e analisar experiências con-cretas, procurando extrair ensinamentos que sirvam de ins-piração para grupos envolvidos com a promoção daAgroecologia. Os artigos devem ter até cinco laudas de2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Os textosdevem vir acompanhados de duas ou três ilustrações (fo-

tos, desenhos, gráficos), com a indicação dos seus autores erespectivas legendas. Os(as) autores(as) devem informardados para facilitar o contato de pessoas interessadas naexperiência. Envie para [email protected] informações no site da revista:http://agriculturas.leisa.info