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INDÚSTRIA DO GÁS NATURAL EM SÃO PAULO ABERTURA DO MERCADO E CRIAÇÃO DO CONSUMIDOR LIVRE Eng. Claudio Paiva de Paula Doutor em Energia, Especialista em Regulação e Fiscalização da ARSESP Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo. [email protected] RESUMO O objetivo deste trabalho reside na avaliação da competência e do alcance do papel das agências reguladoras na viabilização de novas regras de organização das atividades de contratação do fornecimento de gás natural a usuários finais. Estas novas regras poderiam estar contidas no estabelecimento de práticas mais liberais na contratação destes fornecimentos. Avaliouse a possibilidade de se traçar paralelos entre as aberturas dos mercados dos usuários dos setores elétrico e de gás natural. Finalmente desenvolvemse exercícios referentes a modelos de operação de mercados abertos de distribuição de gás canalizado, examinandose as possibilidades, dificuldades e as interações entre as esferas estaduais e federais. O trabalho conclui que não existem limitações regulatórias à implantação do consumidor livre de gás natural canalizado. Avaliase que esta modalidade de contratação poderá ser de grande valia na expansão do mercado de gás natural e na redução de custos de fornecimento. PalavrasChave: Abertura do Mercado, Consumidor Livre, Concorrência no Suprimento. GAS NATURAL INDUSTRY IN SÃO PAULO MARKET DEREGULATION AND FREE CONSUMER CREATION ABSTRACT The objective of the present article was to analyze covering and competence of regulation agencies in order to promote new rules for natural gas supply contracting. These new rules can be appropriate for more fair practices in this business organization. Comparison between electrical and gas distribution deregulation policies were developed and different deregulation cases are showed. The final conclusion is that there are no regulatory restraints to gas distribution rules deregulation and free consumer creation. One can evaluate these new rules can be an improvement of distribution business and certainly can accommodate demand for supply volumes rising in the longterm gas market balance. Key Words: Market Deregulation, Free Consumer, Supply Competition. Área Temática: Gás Canalizado

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INDÚSTRIA DO GÁS NATURAL EM SÃO PAULO ­ ABERTURA DO MERCADO E CRIAÇÃO DO CONSUMIDOR LIVRE

Eng. Claudio Paiva de Paula Doutor em Energia, Especialista em Regulação e Fiscalização da ARSESP ­ Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo.

[email protected]

RESUMO

O objetivo deste trabalho reside na avaliação da competência e do alcance do papel das agências reguladoras na viabilização de novas regras de organização das atividades de contratação do fornecimento de gás natural a usuários finais. Estas novas regras poderiam estar contidas no estabelecimento de práticas mais liberais na contratação destes fornecimentos. Avaliou­se a possibilidade de se traçar paralelos entre as aberturas dos mercados dos usuários dos setores elétrico e de gás natural. Finalmente desenvolvem­se exercícios referentes a modelos de operação de mercados abertos de distribuição de gás canalizado, examinando­se as possibilidades, dificuldades e as interações entre as esferas estaduais e federais. O trabalho conclui que não existem limitações regulatórias à implantação do consumidor livre de gás natural canalizado. Avalia­se que esta modalidade de contratação poderá ser de grande valia na expansão do mercado de gás natural e na redução de custos de fornecimento.

Palavras­Chave: Abertura do Mercado, Consumidor Livre, Concorrência no Suprimento.

GAS NATURAL INDUSTRY IN SÃO PAULO MARKET DEREGULATION AND FREE CONSUMER CREATION

ABSTRACT

The objective of the present article was to analyze covering and competence of regulation agencies in order to promote new rules for natural gas supply contracting. These new rules can be appropriate for more fair practices in this business organization. Comparison between electrical and gas distribution deregulation policies were developed and different deregulation cases are showed. The final conclusion is that there are no regulatory restraints to gas distribution rules deregulation and free consumer creation. One can evaluate these new rules can be an improvement of distribution business and certainly can accommodate demand for supply volumes rising in the long­term gas market balance.

Key Words: Market Deregulation, Free Consumer, Supply Competition.

Área Temática: Gás Canalizado

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1. Introdução O fornecimento de gás natural canalizado é uma atividade em constante evolução. O

conhecimento do efeito das ações de regulação e fiscalização da utilização do gás natural no

mercado energético paulista e nacional tem condições de promover uma sustentabilidade a

esta evolução.

A existência de dispositivos adequados no arcabouço regulatório propicia o alargamento das

condições de atendimento ao mercado. O surgimento da figura do consumidor livre, como

também da atividade de comercializadores de gás natural (“commodity”), disputando com as

concessionárias distribuidoras, são complementos importantes ao aperfeiçoamento dos

serviços de distribuição.

As afirmações e conclusões aqui contidas expressam tão somente opiniões do autor, não

constituindo orientações ou diretrizes da ARSESP ­ Agência Reguladora de Saneamento e

Energia do Estado de São Paulo.

2. Serviços Concedidos de Distribuição de Gás em São Paulo O Estado de São Paulo licitou e outorgou a três empresas a concessão para exploração da

distribuição de gás natural canalizado em sua área de jurisdição, sendo estes serviços

regulados por território de atuação, conforme Figura 1. A Tabela 1 a seguir indica o

desempenho das empresas que exercem a concessão pelo Estado: Companhia de Gás de São

Paulo ­ COMGÁS, Gas Brasiliano Distribuidora S.A. e Gas Natural São Paulo Sul S.A. A

regulação e a fiscalização destes serviços são exercidas em nome do Estado pela ARSESP.

Fig. 1 ­ Concessões de Distribuição de Gás Canalizado no Estado de São Paulo

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Tabela 1. Estado de São Paulo ­ Evolução do Sistema de Distr ibuição de Gás Natural Canalizado.

CARACTERÍSTICAS ANO 2000 2002 2004 2006 2009(*)

REDE (km) COMGÁS Gas Natural Gás Brasiliano

2.712 2.712 ­ ­

3.425 3.200 15372

4.723 3.829 726 168

6.051 4.668 1.002 381

7.215 5.057 1.530 628

Gás Distribuído (MM m 3 ) COMGÁS Gas Natural Gás Brasiliano

1.836 1.836 ­ ­

3.072 3.053

19­

4.057 3.779 20672

5.266 4.728 408 130

7.500 6.571 567 362

Consum. Cogeração e Indústr ias (unid.) COMGÁS Gas Natural Gás Brasiliano

539 539 ­ ­

723 68934 ­

1.016 840 14135

1.213 975 19741

1.565 1.145 296 124

Consum. GNC e Comerciais (unidades) COMGÁS Gas Natural Gás Brasiliano

7.103 7.103

­ ­

7.844 7.812

32 ­

8.898 8.388 44070

9.429 8.667 637 125

13.539 11.158 1.187 1.194

Consumidores Residenciais (1000 unid.) COMGÁS Gas Natural Gás Brasiliano

321,3 321,3 ­ ­

370,7 370,0 0,7 ­

445,3 431,6 13,7­

523,2 500,4 20,6 2,2

630,6 566,3 52,4 11,9

(*) Metas das Revisões Tarifárias de 2004 e 2005. Fonte: ARSESP

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3. O Espaço Regulado da Distribuição de Gás Natural Canalizado em São Paulo

3.1 Arcabouço Regulatório A regulação da indústria brasileira de gás natural baseia­se nos seguintes marcos: a

Constituição Federal, a Lei Federal n o 9.478 de 06 de agosto de 1997 ­ a Lei do Petróleo, a

Lei Federal nº 11.909 de 04 de março de 2009 ­ a Lei do Gás e Constituições Estaduais. A

convivência harmônica dos vários agentes da cadeia de produção, transporte e distribuição do

gás natural é assegurada por um conjunto de portarias, decretos, resoluções e normas apoiados

nestes instrumentos, que incentivam o livre desempenho da indústria e de cada participante

em particular. Também são assegurados modicidade tarifaria e oferta de gás natural a um

maior número de consumidores, sem prejuízo de lucratividades compatíveis aos

investimentos realizados.

O artigo 25 da Constituição Federal merece destaque, uma vez que garante aos Estados e

somente a eles a competência de explorar os serviços locais de gás canalizado. A Lei do Gás

instituiu normas para exploração das atividades de transporte, importação e exportação de gás

natural, como também seu processamento e armazenagem.

A Lei do Petróleo, por outro lado, estabelece os princípios básicos que norteiam as atividades

dos agentes das indústrias do petróleo e gás natural e criou a ANP. Em destaque, o art. 8º

desta lei estabelece que a ANP deverá “promover a regulação, a contratação e a fiscalização

das atividades econômicas integrantes das indústrias do petróleo e gás natural”.

A ANP é, portanto, responsável pela regulação das atividades de produção, importação e

transporte de gás natural, exercida através do processo de publicação de Portarias,

regulamentado pelos princípios e diretrizes estabelecidos nas Leis 9.478 e 11.909. Às

agências estaduais é atribuído o poder de atuar no segmento da Distribuição, incentivando a

competitividade, a eficiência e a modicidade das tarifas, corrigindo imperfeições de mercado

e assegurando o equilíbrio econômico­financeiro das concessões.

Este preceito das agências estaduais está contido no parágrafo único do artigo 122 da

Constituição do Estado de São Paulo, que determina a competência do Estado na exploração

direta, ou mediante concessão, na forma da lei, dos serviços de gás canalizado em seu

território, incluído o fornecimento direto a partir de gasodutos de transporte, de maneira a

atender as necessidades dos setores industrial, domiciliar, comercial, automotivo e outros

(texto da Emenda Constitucional nº 6, de 18 de dezembro 1.998).

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No Estado de São Paulo a Lei Estadual Complementar nº 833, de 17 de outubro de 1997 criou

a Comissão de Serviços Públicos de Energia ­ CSPE objetivando a manutenção da prestação

do serviço de suprimento de gás natural em níveis adequados aos usuários e fornecedores.

Esta autarquia foi sucedida pela ARSESP ­ Agência Reguladora de Saneamento e Energia do

Estado de São Paulo, criada pela Lei Complementar Estadual nº 1.025, de 07 de dezembro de

2007. Suas atribuições passaram a ser:

§ Regular, controlar e fiscalizar os serviços de gás canalizado e saneamento básico

de titularidade estadual;

§ Por delegação da União, regular, controlar e fiscalizar os serviços de energia.

Dentre as atribuições da ARSESP destaca­se a de disciplinar a expansão de redes de

atendimento a unidades de transformação do gás natural, de forma a garantir exclusividade às

concessionárias na operação e manutenção destas redes de distribuição durante o período da

concessão. A relevância desta competência decorre da necessidade de se garantir a

consistência dos planos de expansão das redes de distribuição, evitando­se sobrepor mercados

ou a redução da viabilidade de novos empreendimentos devido a distorções no atendimento a

segmentos em crescimento.A agência atua através de portarias e regulamentos, com o

objetivo de incentivar competitividade, eficácia, eficiência e equilíbrio econômico­financeiro

dos Contratos de Concessão de distribuição de gás natural no Estado.

3.2 Contratos de Concessão O Estado de São Paulo tomou em 1996 a iniciativa de privatizar os serviços locais de

distribuição de gás canalizado. O processo iniciou­se pela privatização de COMGÁS e,

concomitantemente, a outorga de concessões segundo três áreas:

§ Grande São Paulo, Campinas e entorno do Vale do Paraíba ­ Conforme Decreto

Estadual nº 43.888, de 10 de março de 1999;

§ Noroeste e Sudoeste ­ Decreto Estadual nº 44.201, de 24 de agosto de 1999;

§ Sul do Estado ­ Decreto Estadual nº 44.674, de 31 de janeiro de 2000.

O Contrato de Concessão da nova COMGÁS foi celebrado em 31/05/1999. A Concessão da

área Noroeste foi outorgada à Gas Brasiliano Distribuidora Ltda. em 10/12/1999 e da área Sul

do Estado de São Paulo à Gas Natural São Paulo Sul S.A. em 31/05/2000.

Os Contratos de Concessão prevêem metas a serem realizadas pelas respectivas

Concessionárias nos primeiros 10 (dez) anos de concessão, além de projetos que estabeleçam

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critérios de atendimento comercial, de segurança e de qualidade na exploração dos serviços de

distribuição de gás canalizado.

Os Contratos assinados com todas as concessionárias têm prazo de vigência de 30 anos,

podendo eventualmente ser prorrogados. Foi­lhes assegurada exclusividade territorial nos

serviços de distribuição de gás natural canalizado conforme a seguinte divisão: (Conforme

Figura 2)

§ Segmentos Residencial e Comercial: durante todo o período da concessão;

§ Demais segmentos: 12 anos, contados da data da celebração do Contrato de Concessão.

Os contratos estabelecidos contém um arcabouço regulatório que visa assegurar a convivência

harmônica entre os vários agentes da cadeia. Destaca­se, por exemplo, a obrigação da

concessionária implantar novas instalações e ampliar/modificar as existentes, de modo a

garantir o atendimento da atual e futura demanda de seu mercado, observando­se sempre o

equilíbrio econômico­financeiro do contrato. Se o investimento mostrar­se gravoso, assegura­

se a participação financeira de terceiros de maneira a restabelecer­se o equilíbrio almejado.

Destacam­se entre os direitos dos usuários: receber serviço adequado, informações

necessárias à defesa de seus interesses, liberdade de escolha do serviço e a comunicação de

irregularidades/ilícitos no serviço. Dentre os deveres, destacam­se: preservar os bens sob os

quais o serviço lhe é assegurado e pagar pontualmente as faturas emitidas pela concessionária.

Figura 2 ­ Contratos de Concessão ­ Organização e Exclusividades.

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4. O Incentivo da Concorrência na Indústria do Gás Natural

4.1 Monopólio Natural Os Contratos celebrados com as empresas concessionárias lhes asseguram a exclusividade da

prestação dos serviços de distribuição de gás natural canalizado no universo territorial a elas

outorgado. A existência do Monopólio Natural justifica­se pela viabilização de serviços que

só funcionariam em escalas de produção mais avantajadas, possibilidade de redução dos

custos dos serviços, redução do escopo da prestação, dentre outros.

Permeia nestas justificativas o dilema da busca do equilíbrio entre os benefícios alcançados

em contraposição às ineficiências decorrentes de organizações exclusivas. De fato, este tipo

de organização pode inibir o surgimento de novos fornecedores, além de não ajudar na busca

de redução sistemática de custos, sempre presente na organização de livre concorrência.

De qualquer forma, pode­se alinhar como princípio básico da regulação o desenvolvimento

saudável da estrutura de serviços monopolizados, tornando realidade o crescimento das

eficiências produtiva e alocativa, ao lado da maximização do bem­estar social.

O monopólio natural pode ser classificado de duas formas: permanente ou temporário. No

primeiro caso, a principal característica está na condição de que o custo médio de longo prazo

(CMdLP) se apresentar decrescente em função da variação da demanda e, mais, este custo se

apresentar sempre abaixo do custo marginal de longo prazo (CMgLP). Em contraposição, na

condição de monopólio temporário, o custo médio (CMdLP) apresenta inicialmente a

tendência usual de declínio, passando após para uma condição constante. Uma das principais

atividades da agência de regulação consiste então no estabelecimento de um preço ideal que

leve em consideração os pressupostos da regulação, que garanta as eficiências alocativas e

distributivas e o bem­estar do usuário/consumidor. Este preço ideal do serviço relaciona­se

com o modo de atuação do agente econômico, devendo a agência de regulação zelar para que

seja estabelecido com o pressuposto da manutenção do interesse público, como também da

eficiência econômica.

Na ação de precificação, a agência deve exercer sua ação coercitiva na direção de que:

1. Custo marginal linear deverá ser função somente do preço e da quantidade fornecida;

2. Custo marginal não­linear deverá conter uma taxa fixa, independente do nível de

consumo.

A análise pode ser desenvolvida ainda segundo abordagens estática ou dinâmica,

correlacionadas ao comportamento das agências de regulação. Na abordagem estática do

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ambiente de regulação, a ênfase da ação da agência direciona­se ao universo dos regulados,

concentrando­se na determinação da estrutura tarifária que maximize o bem­estar do usuário

final. Esta ação ainda se complementa pelo ato de fiscalização do atendimento da demanda

correspondente.

No ambiente dinâmico a característica mais representativa é a atuação conjunta entre a estrutura de regulação e os agentes econômicos que prestam os serviços. Neste ambiente, as

alterações da demanda normalmente estão correlacionadas com variações no entorno do

consumidor, como mudanças em suas preferências ou na sua renda, como também nas

variações nas demandas de bens complementares, ocasionadas por reduções de preço ou

introdução de novos produtos. No ambiente dinâmico deve­se também se avaliar a influência das alterações na oferta, que poderá ocorrer como conseqüência de inovações tecnológicas,

como também pelo surgimento de novos produtos provenientes de mercados não regulados.

4.2 Tendência Histórica De maneira geral, o desenvolvimento da indústria do gás natural caminhou pela integração

das atividades de seu transporte e distribuição. Nesta configuração costumavam aflorar cartéis

e monopólios regionais, com estatais ou grupos empresariais garantindo suas operações

através de pressões econômicas e subtrações de oferta.

Esta forma de organização do mercado começou a mudar a partir das crises políticas e

institucionais da indústria do petróleo da década de 70/80 e do esforço de desregulamentação

do mercado norte­americano de gás natural.

A liberação do acesso aos ativos de transporte tem relação com a tendência de aumento da

competição para melhoria do serviço de abastecimento de gás natural, modificando o caráter

monopolista da oferta. Em verdade deve­se assegurar que transportadores e distribuidores não

privilegiem entidades de suas organizações ou cartéis relacionados e atendam todos os

solicitantes de acesso através de práticas comerciais sadias. Para garantir este critério de

planejamento deve­se compartimentalizar os tramos desta cadeia de negócios, operando cada

um com critérios de desempenho independentes, porém voltados a uma coordenação

impessoal de aumento da eficiência global da operação.

4.3 A Visão da ANP No site da Agência Nacional do Petróleo existem resultados de estudos internos por ela

conduzidos na direção da concepção de uma nova organização da indústria do gás natural. Os

estudos objetivaram o desenho de estruturas de regulação e apresentam­se como duas

propostas alternativas: modelo Concorrencial ou modelo Cooperativo.

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No modelo Concorrencial se assegurariam monopólios naturais nas atividades de transporte e distribuição e se incentivariam competição aberta nos segmentos de comercialização e

produção de gás natural. Passaria a existir a figura do transportador independente, com

concessões exclusivas para atuação, além de se assegurar mecanismos transparentes para a

permissão de acessos de terceiros às capacidades ociosas dos dutos. Haveria ainda uma

regulamentação dos despachos e uma recomendação para que os Estados se comprometessem

a seguir regras comuns de incentivo à concorrência.

O modelo Cooperativo divide sua implantação em duas fases. Na primeira mantém­se a integração vertical do setor, incentivando­se o desenvolvimento nesta organização ­ esta fase

confunde­se com o período de exclusividade assegurada das distribuidoras. Na segunda fase

incentivar­se­ia a competição com a liberalização da entrada de novos agentes, garantindo­se

concorrência mais fluida.

5. O Exemplo da Implantação da Concorrência na Indústria da Eletricidade

5.1 Desestatização do Setor Elétrico O Governo Federal em meados de 1997 tomou a iniciativa de reorganizar o Setor Elétrico,

propondo medidas para aumentar a competição na Indústria da Eletricidade. A essência das

modificações repousa na dinamização da figura dos Consumidores Livres de Energia, que

recebem sua eletricidade de quem lhes oferece melhores condições comerciais de aquisição,

induzindo­se a livre concorrência e ganhos de produtividade do lado da oferta. Para assegurar

seu crescimento facilitou­se a instalação dos PIE’s ­ Produtores Independentes de Energia

Elétrica, necessários para que se efetive a concorrência do lado da oferta.

A estrutura proposta foi híbrida, com abertura do mercado na geração e manutenção do

monopólio nas atividades de transmissão e distribuição de energia elétrica. A legislação

proposta adotou abordagens específicas a estes segmentos, de maneira a se manter a

consistência da intervenção na indústria da eletricidade.

As novas medidas adotadas estavam consubstanciadas na Lei Federal nº 9.648 de 28 de maio

de 1998. Pelo então novo modelo de comercialização de energia elétrica as empresas

geradoras vendem sua produção através de contratos bilaterais, podendo ainda vender saldos

no MAE ­ Mercado Atacadista de Energia, organização privada que centraliza a liquidação

dos contratos de curto, médio e longo prazo, também à época chamado de mercado Spot.

O mecanismo de comercialização de energia é independente do mecanismo de despacho

operacional do Sistema Elétrico, isto é, o ONS ­ Operador Nacional do Sistema ­ acionará as

usinas de forma a otimizar a operação hidrotérmica interligada. As transações de médio e

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longo prazo entre compradores e vendedores, através de contratos bilaterais, registrados no

MAE, asseguram o relacionamento formal entre as partes e permitem uma menor exposição

aos riscos inerentes à comercialização de sobras no curto prazo.

Os objetivos enunciados pela ELETROBRÁS ao conduzir a elaboração do novo modelo de

liberalização do Setor Elétrico Brasileiro foram: busca da capitalização do setor e redução dos

custos de geração e distribuição. No novo modelo a criação de um mercado aberto de

comercialização de eletricidade seguiria as seguintes condicionantes:

§ Assegurar um sistema eficiente de transações de eletricidade;

§ Assegurar a existência de um mercado onde geradores possam vender sua energia

e ter seus investimentos remunerados, mesmo sem a existência de um contrato

formal de longo prazo;

§ Ampliar a competição no varejo;

§ Fornecer sinais firmes e precisos do valor da eletricidade aos geradores e

consumidores;

§ Ordenar, sob o critério da rentabilidade, as prioridades nos investimentos em novas

unidades de geração.

Surgiram então novos atores na figura dos Comercializadores de Energia, que têm, segundo o

modelo, livre trânsito entre os agentes produtores e consumidores, isto é, entre Geradoras,

Distribuidoras, Produtores Independentes e Consumidores Livres. Esta liberdade de

comercialização pode dinamizar as transações e induzir pressões para reduções dos preços. A

Figura 3 ilustra a formulação das modificações.

5.2 O Equilíbrio das Operações Os contratos bilaterais são elementos chaves para ancorar o funcionamento do modelo de

comercialização. Asseguram, através da formalização do relacionamento entre as partes, uma

menor exposição aos riscos inerentes a um mercado Spot; em outras palavras, permitem uma

diluição dos riscos e oportunidades de ganhos aos Comercializadores, Produtores

Independentes e Geradoras. Como são instrumentos financeiros de alocação de riscos,

garantem o recebimento de um montante de energia a um determinado preço; sendo

negociáveis, permitem a transferência a terceiros de fornecimentos momentaneamente

indesejados, como também, oportunidade de ganhos em condições de escassez.

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Figura 3 ­ A Concepção do Novo Modelo de Organização do setor Elétr ico

A existência de Comercializadores induz à prática da livre competição. De fato, estas

empresas têm a faculdade de poder comprar energia diretamente de Distribuidoras e

Geradoras, vendendo posteriormente a seus clientes. Grandes consumidores podem ainda

adquirir esta energia diretamente, ou através do mercado Spot ­ neste segmento do mercado

encontrar­se­iam ofertas de energia não vendidas através de contratos de longo prazo. O

consumidor cativo que já esteja sendo atendido por uma distribuidora tem a faculdade de

desistir dos seus serviços e buscar quem lhe possa atender em melhores condições de preço e

qualidade. A recíproca, no entanto, não será verdadeira, isto é, uma distribuidora não pode

abandonar seus clientes, uma vez que lhe foi assegurado o monopólio natural da distribuição.

As empresas de distribuição lidam então com dois tipos de clientes: os cativos e os livres.

Pelos cativos se escoa a potência e energia compreendidas nos contratos bilaterais de

aquisição de energia (“PPA”); nos demais se comercializa quilowatts gerados nas empresas

com disponibilidade de atendimento e adquiridos no mercado Spot, ou ainda, quantidades

adicionais provenientes de contratos bilaterais.

5.3 Mecanismos de Contratação de Energia e Combustíveis

5.3.1 Setor Elétr ico A indústria da eletricidade organizou­se então pelo incentivo à competição. Os vários

modelos de organização do sistema elétrico consolidaram­se no atualmente em operação,

regulamentado pelas Leis Federais nos 10.847 e 10.848, ambas de 15 de março de 2004, que

extinguiu o antigo MAE e criou a CCEE ­ Câmara de Comercialização de Energia Elétrica,

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além de preconizar, dentre outras providências, a existência de dois mercados: ACR ­ Ambiente de Contratação Regulado e ACL ­ Ambiente de Contratação Livre. No primeiro ambiente as Geradoras e Distribuidoras se organizam de maneira a transacionar blocos de

energia através de leilões fechados conduzidos pela CCEE sob supervisão da ANEEL,

contratando­se fornecimentos de longo e médio prazo. No ambiente livre os PIE´s,

Consumidores Livres e Comercializadores negociam livremente os fornecimentos, sempre,

porém, com registro dos contratos de fornecimento na CCEE. As Geradoras e Distribuidoras

também vendem no CCEE sobras de contratos e adquirem montantes de energia para atender

imprevistos nas previsões, ou clientes que decidiram alterar seu regime de contratação.

Os empreendimentos termoelétricos de geração autorizados a operar no sistema são obrigados

a comprovar a contratação de fornecimento firme de seu combustível ­ a ANEEL demanda

que sejam apresentados contratos de fornecimento tanto do combustível principal, como do

alternativo, se existente, ao ONS. Adicionalmente, informam ao ONS o regime de

funcionamento da usina: Firme ou Merchant (nesta último a venda será exclusiva ao CCEE ­

operação sem contrato de longo prazo).

5.3.2 O Segmento Termogeração do Mercado de Gás Natural As centrais de geração termoelétrica a gás contratam sua ligação e seu fornecimento junto às

distribuidoras da área onde estão localizadas. Poderão, no entanto, a partir de 2011, conforme

legislação do Estado de São Paulo, por exemplo, transformar­se em Consumidores Livres de

gás natural. As distribuidoras, por outro lado, têm a faculdade de contratar seu suprimento da

Petrobrás ou de outro supridor, como, por exemplo, no caso da COMGÁS, da Britsh Gás ­

BG.

Um aparente paradoxo decorre desta obrigatoriedade de contratação firme de combustível

pelas centrais de geração, pois se sabe que a usina só é despachada em casos de elevação do

Custo Marginal de Operação do sistema hidrotérmico, ou em necessidades específicas do

sistema de transmissão adjacente, eventos de difícil previsibilidade. Conclui­se então que as

distribuidoras têm um montante de gás natural que, em tese, poderia ser oferecido a algum

consumidor no segmento interruptível.

As distribuidoras praticam um regime de contratação também singular, pois têm um contrato

de suprimento de gás importado com a Petrobrás (ou outro supridor) e um complementar de

gás nacional, também com a Petrobrás. A importação pelo GASBOL ­ Gasoduto Bolívia

Brasil, principal adutor dos mercados da região sul, centro oeste e sudeste, está limitada pela

sua capacidade máxima, 30 milhões m 3 /dia. Três alternativas materializam­se para a expansão

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do suprimento: crescimento da produção nacional, expansão do GASBOL e a entrada do GNL

­ Gás Natural Liquefeito importado.

A Petrobrás inovou nos novos contratos estabelecidos para o suprimento de gás nacional e

GNL. Estas novas ofertas tornar­se­ão a parcela principal do suprimento nos anos vindouros.

A diretriz que pretende seguir será uma grade em que os contratos serão divididos em duas

vertentes: curto e longo prazo. Para cada uma destas vertentes serão oferecidas três

modalidades de contrato: firme, interruptível e preferencial.

Como são políticas de negócio que estão sendo debatidas com os clientes e usuários, com

impacto no mercado, acredita­se que o caminho de audiências públicas poderia eventualmente

ser praticado. É importante salientar que modificações no contrato atual de importação pelo

GASBOL não estão sendo cogitadas.

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6. Esboço de um Programa de Abertura do Mercado de Distribuição de Gás Canalizado

6.1 A Oportunidade da Segunda Revisão Tarifária das Distribuidoras de São Paulo

Um novo modelo de organização das relações entre os agentes que operam o sistema de

distribuição de gás natural canalizado deverá ter como princípio a busca de uma melhora da

eficiência de sua operação. Nesta ação buscar­se­á eliminar eventuais restrições que

costumam limitar o desenvolvimento do sistema, além de garantir sua operação tranqüila e

eficaz, consolidando os potenciais das ofertas e demandas de gás natural, bem como a

consistência entre seus fluxos.

O novo modelo poderá ser implantado após os períodos de vigência da exclusividade dos

Contratos de Concessão e estaria baseado na figura do usuário livre, isto é, o consumidor que

poderá adquirir os serviços de comercialização de gás canalizado, tanto das concessionárias,

como de outros fornecedores. O esboço desta organização do mercado foi publicado no site

da ARSESP e será examinado no âmbito da 2ª Revisão Tarifária das Concessionárias de São

Paulo. Nesta modelagem manter­se­á a conexão destes usuários livres à rede da

concessionária, conforme Figura 4.

Figura 4 ­ Contratos de Concessão ­ Eliminação da Exclusividade de Mercado

A abertura certamente levará em consideração a nova Lei do Gás recentemente promulgada ­

Lei Federal nº 11.909, de 04 de março de 2009. Apesar de regular, em princípio, aspectos

voltados a transporte, importação, exportação, processamento, estocagem, liquefação,

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regaseificação e comercialização de gás natural, que escapam da esfera estadual, não deixa de

impactar o serviço de distribuição ­ sua regulamentação certamente contribuirá para o ajuste

dos limites entre as competências federal e estadual. De qualquer forma, uma reformulação na

regulação da distribuição de gás canalizado implicaria em emenda à constituição, de

complexa viabilização.

A Lei do Gás lança novos atores na organização de movimentação e comercialização de gás

natural, as figuras do Transportador, Carregador, Carregador Inicial, Agente Comercializador,

Consumidor Livre, Autoprodutor e Autoimportador. Estes agentes deverão movimentar e

comercializar o gás natural entre produtores e consumidores, podendo dinamizar transações e

induzir pressões para reduções dos preços. Deve­se salientar que a regulação das atribuições

dos Agentes Comercializadores que atuam na distribuição de gás canalizado são de

competência das agências estaduais; estas atribuições, por conseguinte, podem ser distintas

daquelas dos que atuam no suprimento e transporte.

A exploração de gasodutos de transporte de gás canalizado pelos Transportadores passará a se

organizar através do regime de concessão por trinta anos, ou de autorização para fluxos

internacionais. Os Transportadores têm a obrigação de servir aos Carregadores e deverão

informar a qualquer interessado as características de seus sistemas, bem como tarifas e

capacidades disponíveis. Estas informações sofrerão constante auditoria da ANP.

A Lei prevê uma adaptação importante das regras das concessões, uma vez que Consumidores

Livres, Autoprodutores e Autoimportadores poderão implantar dutos específicos para seu uso,

porém repassando às Concessionárias de Distribuição a operação e manutenção destes

sistemas.

O Consumidor Livre ou Usuário Livre poderá adquirir a “commodity” da própria

distribuidora ou optar por uma desagregação total dos serviços. A Figura 5 representa a

primeira alternativa, isto é, ele se estabelece e solicita da distribuidora a conexão e o gás.

Outra alternativa está representada na Figura 6: o Usuário Livre celebra contrato de serviços

de distribuição com a concessionária e adquire a “commodity” do Comercializador. Caso o

usuário estiver conectado anteriormente à abertura, deverá comunicar com antecedência à

concessionária sua decisão de migrar de para o ambiente livre. Os estudos prevêem

alternativas negociais aos usuários que queiram retornar ao ambiente regulado.

Pressupõe­se a aquisição da “commodity” nas ETC’s ­ Estações de Transferência de

Custódia, isto é, os serviços de transporte devem estar incluídos em seu fornecimento.

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Figura 5 ­ Serviço Prestado pelo Distribuidor ­ Tar ifa engloba gás, transpor te e distr ibuição.

Figura 6 ­ Serviço Desagregado ­ Contratos Diferentes com Distr ibuidor e Comercializador .

6.2 Regulamentação de Órgãos Funcionais Os setores de distribuição de gás natural canalizado e de energia elétrica guardam

semelhanças em suas regras operacionais, uma vez que atendem usuários através de redes,

abastecendo­os em tempo real. A diferença mais significativa reside na obrigatoriedade do

atendimento, uma vez que para o gás a dispensa desta obrigatoriedade decorre, em princípio,

da faculdade do usuário sempre poder recorrer a outros combustíveis (óleo, GNC, GLN,

GLP), se não puder contar com o gás natural canalizado.

No presente exercício imagina­se que seria adequado desenhar uma estrutura de distribuição

de gás natural equivalente à existente no setor elétrico, que funciona há mais de 10 anos.

Deve­se observar certo cuidado, por outro lado, ao se estabelecer o paralelismo entre as

composições dos dois setores, uma vez que a regulação exercida pela ANEEL abarca desde a

área da produção até a entrega da eletricidade ao consumidor final, seguindo legislação

federal.

O setor gás canalizado, conforme colocado na Figura 4, contrapõe regulamentações

estruturalmente consolidadas aplicadas em esferas diversas ­ a área de atuação dos Estados

corresponde ao território em que atuam os serviços de distribuição concedidos.

Comercializadores, no entanto, traspassarão as estruturas das esferas distintas.

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As estruturas no modelo estadual desenhado poderão conter os seguintes componentes:

Supridor/Produtor/Comercializador da “commodity”, Distribuidor, Usuário Livre, Usuário

Cativo, Carregador e Transportador. Apesar de ainda não suficientemente regulamentados,

muitos já operam de maneira harmoniosa e garantem uma sinergia para a fundação de um

modelo de mercado aberto.

Como a indústria da distribuição do gás canalizado ainda tem um porte significativamente

mais reduzido quando comparado ao da indústria da eletricidade, as estruturas da Câmara de

Liquidação de Contratos e do Operador de Transporte de Gás Natural terão sua implantação

conduzida a uma velocidade mais reduzida. Não se descarta uma operação futura

independente do despacho físico e da câmara de liquidação de contratos, com rateio de perdas

e ganhos; em todas os modelos ficou claro que a administração do fornecimento, como

medição, faturamento e manutenção, fica a cargo do distribuidor.

O Operador de Transporte de Gás Natural, por outro lado, será uma organização a se

estabelecer em médio prazo, uma vez que propiciará independência à transferência de blocos

de gás, como também auditará permanentemente as nominações nas ETC’s, detectando

eventuais ociosidades e perdas na rede. Acredita­se que seja necessária uma abrangência

interestadual para melhor eficácia de sua atuação.

Dentre suas atribuições poder­se­ia assinalar a de planejar e programar os despachos de

blocos de gás, contratar/administrar os serviços de transporte dutoviário, propor expansões e

modificações de gestão da rede aos órgãos reguladores e divulgar os parâmetros de

desempenho do setor ­ atuaria independente da ANP, embora sob sua supervisão e

fiscalização. Deverá operar buscando consistência com as transações efetivadas na Câmara de

Liquidação de Contratos.

Em São Paulo a ARSESP permanecerá em seu papel de reguladora e fiscalizadora do

mercado de distribuição de gás natural canalizado. A Tabela 2 a seguir correlaciona os

componentes dos dois setores energéticos.

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Tabela 2. Paralelo entre Indústr ias de Energia

Setor Elétrico Setor Gás Natural Contrato Bilateral Contratos de Suprimento e Fornecimento

Geradoras Produtores ou Carregador

Produtor Independente Produtores ou Carregador

Distribuidoras Distribuidoras

Comercializador Comercializador ou Carregador

Empresas de Transmissão Transportador

Consumidor Cativo Usuário Cativo

Consumidor Livre Usuário Livre

CCEE Câmara de Liquidação de Contratos

ONS Operador de Transporte de Gás Natural

Planejamento Indicativo Dimensionamento da Expansão das Redes

ANEEL ANP e Agências Estaduais

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6.3 Cenários de Longo Prazo na Indústria Paulista de Gás Natural O planejamento do abastecimento do mercado de São Paulo deverá ser conduzido sob vários

horizontes. O planejamento de longo prazo, em princípio de 15 anos, deverá ser conduzido a

nível nacional, com a Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo atuando em

conjunto com o CNPE ­ Conselho Nacional de Política Energética; o de médio prazo, 10

anos, deverá também ser conduzido a nível nacional, através da Secretaria em conjunto com a

ANP e CNPE. Para intervalos de tempo maiores que 5 e inferiores a 10 anos, as projeções

deverão ser conduzidas no âmbito da Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São

Paulo, em consonância com os órgãos já assinalados.

As análises e determinações nos horizontes de planejamento quinquenais deverão ser

desenvolvidas pelas estruturas previstas no novo modelo, sob supervisão da ARSESP. A

agência terá condições de avaliar as condições de atendimento do mercado e a consistência

das ofertas colocadas pelos produtores, carregadores e comercializadores independentes.

A administração do abastecimento da Câmara de Liquidação de Contratos será conduzida em

dois ambientes: o de contratação regulada e o de contratação livre. O funcionamento do

sistema de distribuição de gás canalizado será lastreado em contratos de suprimento e

fornecimento, instrumentos que sistematizam as transações, diminuem exposições de risco e

diluem potenciais de realização de lucros entre os vários componentes da cadeia, além de

alavancar recursos para novos investimentos. A ARSESP deverá homologar os instrumentos

de fornecimento.

Os contratos ficariam arquivados na Câmara, que divulgaria os volumes transacionados a

todos os seus integrantes, podendo ou não informar preços e outras condições comerciais.

Adicionalmente esta Câmara poderia adotar sistemáticas de arbitragem para o mercado livre,

evitando que eventuais disputas cheguem à Justiça ­ a dinâmica das transações do mercado

livre certamente será incompatível com os longos prazos da Justiça.

Os contratos de fornecimento transacionados na Câmara então assegurariam o recebimento de

gás a um preço determinado e permitiriam mecanismos de hedge, movimentações entre os

agentes, com transferência de excessos de contratações a terceiros, como ainda

alavancamentos de cotações para viabilização de novos blocos de oferta, até mesmo de GNL

regaseificado. Conclui­se que a implantação da Câmara de Liquidação de Contratos deverá

ser adiantada em relação aos demais órgãos do novo modelo, mantendo­se, porém,

consistência com o funcionamento do despacho centralizado nos gasodutos de transporte e

distribuição.

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Uma vez que se projeta a entrada de novos Produtores, Carregadores e Comercializadores no

sistema de abastecimento de gás natural, avaliar­se­á o momento adequado para se implantar

um sistema de leilões de blocos de abastecimento de gás, de forma a se inibir o “self dealing”

e promover a livre concorrência na oferta.

6.4 Etapas de Implantação Como já colocado anteriormente, o modelo em análise formula ações sobre transações que se

desenvolvem no ambiente do Estado de São Paulo, isto é, nas redes de distribuição de gás

natural. A estruturação deste sistema, no entanto, comportaria nova Lei Federal, uma vez que

os artigos da Lei do Gás que demandam regulamentação pela ANP não avançam nesta

direção. Acredita­se que pelo porte do mercado e das empresas distribuidoras nele

implantadas torna­se factível o estabelecimento do modelo, que apresenta a Câmara de

Liquidação de Contratos e o Operador de Transporte de Gás Natural como suas

externalidades mais significativas.

A formulação deste modelo deveria num primeiro instante ser conduzida por grupo decisório

composto pela Secretaria de Saneamento e Energia e a ARSESP, buscando consistência entre

experiências e políticas de governo com as demandas do mercado. A avaliação das tendências

levantadas e dos esboços de políticas de negócio, no entanto, deveria ser debatida com

empreendedores, clientes e usuários antes das propostas de alteração da legislação ­ o

caminho de audiências públicas parece ser o mais adequado para este debate. A implantação

dos dispositivos do modelo deverá ser paulatina e contínua, avaliando­se que na atual revisão

tarifária as primeiras etapas possam ser estabelecidas.

A Câmara seria inaugurada com os contratos do ambiente de contratação regulada existentes e

em processamento. Em seguida poder­se­ia introduzir o ambiente de contratação livre, com a

homologação dos primeiros Usuários Livres.

A consolidação do ambiente de contratação livre será importante para a implantação do novo

modelo. Nesta linha de raciocínio, deve­se incentivar o lançamento de novas ofertas de gás

que tenham sinergia com estes novos Usuários ­ ofertas corretamente induzidas podem

alavancar fluxos majoritários significativos. Complementarmente, podem­se ainda lançar

incentivos em direção à formação de novos Usuários Livres, que podem também pressionar a

viabilização destas ofertas majoritárias.

De fato, o leque de ofertas de gás importado ficou afunilado após as mudanças regulatórias

ocorridas na Bolívia, além da forte presença da Petrobrás. Acredita­se que o aumento da

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oferta de gás nacional, inclusive com novos produtores, possa viabilizar o funcionamento da

câmara.

Os demais componentes do modelo entram à medida que a câmara torna­se mais operacional,

sempre se avaliando a relação custo/benefício de cada novo membro. O Operador de

Transporte de Gás Natural está incluído neste mecanismo.

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7. Final O atual exercício desenvolvido mostra a aplicação de uma das tendências de mudança da

indústria do gás natural em mercados mais desenvolvidos, por exemplo São Paulo. Este

mercado a médio prazo demandará novas modalidades de fornecimento de maneira a se

adaptar às novas ofertas que se delineiam ­ a abertura do mercado de distribuição de gás

canalizado constitui certamente uma das soluções.

O modelo desenvolvido foi inspirado no existente do setor elétrico, que revolucionou as

transações desta indústria, além de ter permitido a entrada de montante significativo de

investimentos privados. Esta modalidade de contratação e expansão espalhou­se por variados

países e diversos tipos de economias.

No caso do setor de distribuição de gás canalizado em São Paulo o modelo que preconiza a

implantação de uma Câmara de Liquidação de Contratos e despacho centralizado por um

Operador de Transporte de Gás Natural pode tornar­se um sistema eficiente de transações de

suprimentos/fornecimentos de gás natural a distribuidoras, Usuários Livres e

Comercializadores. Tem condições de assegurar o funcionamento de um mercado em que os

Produtores e Carregadores poderão vender seu gás mesmo sem a formalização de um contrato

de longo prazo e, ao incentivar a competição, fornecerá sinais do valor do gás para todos

agentes, podendo ordenar as prioridades nos investimentos de realização das ofertas de

suprimento.

Pode­se concluir que eventuais limitações regulatórias à implantação da abertura do mercado

de distribuição de gás seriam de menor porte face os benefícios que este modelo poderá

agregar. A figura do Usuário Livre industrial certamente surgirá ao fim do período de

exclusividade dos Contratos de Concessão vigentes e demandará condições mais vantajosas

de fornecimento. Em sentido oposto o surgimento de novos Produtores e Carregadores de gás

natural virá de encontro à demanda de fornecimentos mais sofisticados.

Acredita­se que o modelo proposto seja capaz de satisfazer estas demandas, notadamente as

provenientes do segmento geração termoelétrica a gás natural, que envolvem montantes

significativos de energia num mercado de predominância da hidroeletricidade.

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8. Referências Bibliográficas

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­ Audiência Pública, Fevereiro de 2009.

Lei Federal nº 11.909, de 04 de março de 2009.

PAULA, C.P. ­ “Abertura do Mercado de Distribuição de Gás Natural Canalizado em São

Paulo ­ Pressupostos e Perspectivas”. In: II Seminário Internacional sobre Reestruturação e

Regulação do Setor de Energia Elétrica e Gás Natural. NUCA/IE/UFRJ ­ Rio de Janeiro,

2007.

PAULA, C.P. et KANN, Z. ­ “Mercado de Gás Natural em São Paulo ­ Avaliação da

Estrutura de Crescimento”. In: RIO OIL&GAS 2006. IBP ­ Rio de Janeiro, 2006.

ANUATTI, F. et al. ­ “Desafios da Regulação do Mercado de Gás Natural no Estado de São

Paulo”. In: Rio Oil & Gas 2006. IBP ­ Rio de Janeiro, 2006.

PAULA, C. P. ­ “Geração Distribuída e Cogeração no Setor Elétrico ­ Avaliação Sistêmica de

um Plano de Inserção Incentivada” ­ Tese de Doutorado ­ PIPGE/USP, 2004