Indústria Cultural e Internet Aliadas Ou Inimigas
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIS UNIDADE UNIVERSITRIA DE GOINIA-LARANJEIRAS
CURSO DE COMUNICAO SOCIAL/AUDIOVISUAL
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Indstria cultural e internet: aliadas ou inimigas?
Victor Vincius do CARMO1
Universidade Estadual de Gois, GO
RESUMO
O artigo investiga a atualidade do conceito de Indstria Cultural na sociedade, com
exemplos baseados no mercado humorstico surgido recentemente na internet.
Tenta-se mostrar a flexibilidade do conceito de Adorno e Horkheimer devido o
surgimento dessa ferramenta virtual e o quanto tal teoria ainda se faz presente em
nossa sociedade. Alm disso, pretende-se mostrar como a Indstria Cultural se
relaciona com a teoria da cauda longa, de Chris Anderson.
PALAVRAS-CHAVE: Indstria Cultural; Cauda longa; mercado humorstico;
internet.
O conceito de Indstria Cultural surgiu em meados do sculo XX no livro
Dialtica do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer. Lanado nos Estados
Unidos no ano de 1947, a obra dos dois autores alemes uma das maiores
referncias da chamada Escola de Frankfurt.
Adorno e Horkheimer definem Indstria Cultural como sendo um sistema
que tem como funo comercializar a arte, tornando-a uma mera geradora de
lucros. Nesse sentido, tudo aquilo que antes era feito como uma expresso de
sentimento e emoes do prprio autor passa a ser um produto que tem como
nico objetivo ganhar dinheiro. Tal sistema uma juno de instituies sociais
vinculadas produo e distribuio de bens simblicos (MARTINO, p.49, 2007).
No modelo da Indstria Cultural, o produto artstico deixa de ser um bem
individual e passa a ser coletivo. So obras iguais, oriundas de uma reproduo
padronizada e que tem como alvo apenas vender. Em tal sistema, o intuito de se
criar um carter crtico no pblico abandonado para dar lugar criao de uma
1 Estudante do 3 ano do Curso de Comunicao Social Audiovisual. [email protected]
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sociedade de massas, onde as pessoas so manipuladas, ou seja, o objetivo
mais quantitativo que qualitativo.
Os autores ainda sugerem que o pblico no pode se cansar de um
determinado produto sem antes a indstria ter algo como reserva. como se a
empresa fabricasse uma frmula cultural e quando esta deixasse de surtir efeito,
j havia outra pronta para entrar em ao. Como exemplo ntido do sculo XXI,
tem-se as duplas sertanejas, que esto sempre emplacando sucessos um atrs do
outro. As letras e melodias so sempre as mesmas: monossilabismos que
substituem uma letra sria e que fica impregnada na mente do ouvinte, que vez ou
outra se v cantando a msica sem nem perceber. Mais uma vez fica bvia a
inteno da Indstria Cultural em criar simples simbolismos para conquistar e criar
um mercado quando este no existe. Como diz Luiz Martino, onde no existe
demanda, a indstria cultural cria.
A lgica de produo no sistema definido por Adorno e Horkheimer
bem simples: agradar ao pblico. No h muita inovao quando se trata de
querer simplesmente vender e por isso os produtos so todos da mesma forma e
padro. Aqueles responsveis por essa tal experimentao geralmente no caem
no gosto popular e quando isso acontece eles acabam se tornando mais uma pea
no jogo da Indstria Cultural.
Walter Benjamin, tambm terico da Escola de Frankfurt, j havia
trabalhado em cima dessa premissa de repetio padronizada dos produtos
culturais. Em seu artigo A pequena histria da fotografia, ele afirma que antes do
surgimento da mquina fotogrfica, a obra de arte era nica e um privilgio
daqueles que a possuam. Havia inclusive uma espcie de invlucro que rodeava
as obras, ao qual ele deu o nome de aura, e era ela que garantia a pureza da arte.
Com o surgimento de novas tecnologias tornou-se possvel reproduzir em srie os
artigos culturais que antes eram nicos, o que ocasionou o fim da singularidade
cultural e a aura defendida por Benjamin acabou morrendo. a partir desse ponto
que a Indstria Cultural comea a tomar sua fora, pois atravs da
reprodutibilidade tcnica a arte pura abandonada para dar lugar produo em
srie, que visa unicamente o lucro.
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a tcnica da indstria cultural levou apenas padronizao e produo
em srie, sacrificando o que fazia a diferena entre a lgica da obra e a
do sistema social. Isso, porm, no deve ser atribudo a nenhuma lei
evolutiva da tcnica enquanto tal, mas sua funo na economia atual.
(ADORNO E HORKHEIMER, 1986, p.114)
Adorno e Horkheimer so bem pessimistas com relao Indstria
Cultural. Como dois grandes crticos do sistema capitalista, eles utilizam do
argumento e que as obras de arte perdem seu carter artstico para serem
comercializadas e financiadas por uma espcie de elite da comunicao, formada
por pessoas dotadas de poder financeiro e intelectual, que cuidam dos meios e
modos de produo da indstria e que seria responsvel por criar uma sociedade
de massas. Alm de produzir, essa tal elite tambm seria encarregada de
reproduzir e difundir o produto na sociedade, tendo em suas mos a funo de
ditar culturalmente o que as pessoas comprariam no mercado da arte.
A consequncia de toda essa ditadura artstica que Adorno e Horkheimer
pregam so anos de comodismo e sedentarismo cultural pelo qual toda a
populao passa. Isso significa que o povo se acostumou a um mesmo tipo de
produto e se tornou incapaz de pensar uma alternativa para sair desse sistema. O
que Theodor Adorno e Max Horkheimer dizem que as pessoas sabem que so
manipuladas e gostam de ser, por tal motivo que a Indstria Cultural define o que a
sociedade deve consumir em termos culturais. Como retorno, a grande massa que
se torna a populao tem como influncia direta os padres artsticos e estticos
que os meios de comunicao determinam, isto , o que vende e faz sucesso
aquilo que est sendo mostrado no rdio, na TV e recentemente na internet.
Nos ltimos anos a produo de obras audiovisuais2 tem sido realizada
com o objetivo de atingir trs canais de exibio3: a TV, o cinema e a internet.
Algumas delas foram feitas pensando em somente um canal e outras tentando
atingir um maior nmero de pessoas atravs de todos deles. O fato que a
Indstria Cultural, que antes conseguia dominar a TV e o cinema, passou a perder
espao para a internet, local onde as pessoas poderiam expor sua arte sem se
2 Entende-se como obras audiovisuais no somente o cinema, mas tambm aquelas que possuem teor
artstico e no se encaixam na linguagem cinematogrfica. 3 Alm dos trs meios de exibio citados, existem tambm os festivais de cinema que so responsveis por
grande parte da exibio de obras cinematogrficas no Brasil.
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tornarem peas do mercado industrial. Porm, a comercializao da arte parece
ter alcanado o ambiente virtual, o que vem tornando-o um campo de luta
simblica entre arte verdadeira e a arte por dinheiro.
somos levados a acreditar que os recentes fenmenos surgidos pela
internet so frutos, em sua grande maioria, no s da massificao, mas
tambm de uma nova lgica do sistema propcia a esse tipo de criao,
que at poder gerar outros modelos de representao e significao,
mas que por trs desse aparente benefcio, tem como principal objetivo
alimentar a roda-viva da cadeia produtiva imposta pela prpria indstria
cultural. (BORGES, 2009, p.2-3).
Com essa possibilidade de inovao oriunda da internet, as pessoas
passaram a produzir muito mais contedo e uma leva de produtos, bons e ruins,
comeou a ser postada nos diversos canais do universo virtual.
H pessoas que defendem a internet como um espao virtual onde a
democracia existe de maneira legtima e todos tem a chance de realmente expor
seu trabalho e alcanar diversos pontos do mundo sem nem mesmo depender de
uma empresa ligada ao mercado cultural. Mas ser que de fato isso acontece com
todos aqueles que objetivam atingir seu sucesso atravs dessa ferramenta?
Ao que parece a Indstria Cultural j vem conquistando seu espao
tambm na internet. As pessoas esto utilizando as redes virtuais como mercado
para comercializarem sua arte. Exemplo ntido dessa ttica o canal no youtube
que vem fazendo grande sucesso, o Porta dos Fundos.
Formado por um grupo de amigos roteiristas, o Porta dos Fundos surgiu
com o intuito de fazer um humor de situao que fosse de acordo com o
pensamento de seus prprios membros. Eles tentaram fugir da Indstria Cultural
da TV, onde todos trabalhavam antes de fazerem sucesso na internet, para
realizar peas audiovisuais cmicas que eles mesmos gostassem de ver. Segundo
fala do prprio diretor do grupo, Ian SBF, o Porta feito pensando nele prprio
como pblico4, talvez por isso dialogue to bem com seus espectadores.
4 Dado fornecido por Ian SBF no 46 Festival Brasileiro do Cinema de Braslia, em Braslia, em setembro de
2013.
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Com cerca de um ano de existncia o Porta dos Fundos j lanou pouco
mais de 140 esquetes, alcanou 4,5 milhes de assinantes no youtube e teve 375
milhes de visualizaes. Com todos esses animadores dados, o grupo j publicou
um livro e est em fase de pr-produo de um filme. Se Adorno e Horkheimer
ainda estivessem vivos, ficariam impressionados com o poder que a internet
exerce sobre a sociedade, pois em pouco tempo o sucesso comercial do Porta dos
Fundos indiscutvel. Alm da carreira do grupo como um todo, ainda existe o
fator individual de cada um deles que tambm gera muito efeito na indstria do
humor. Fbio Porchat, por exemplo, viaja o Brasil todo fazendo stand-up; Clarice
Falco vende discos e faz shows por todo o pas; e todos os outros membros
tambm possuem suas prprias carreiras.
Se formos comparar o contedo humorstico da TV com o da internet,
veremos que no segundo existe uma liberdade muito maior para se explorar. Foi
justamente esse livre arbtrio de produo que permitiu que o Porta dos Fundos
fizesse tanto sucesso. Boa parte do grupo j fez programas na televiso e sabe
como difcil fazer um humor verdadeiro quando se tm vrios filtros dentro da
emissora para impedir que os contedos sejam produzidos e exibidos. J na
internet eles mesmos regulam o que ser exibido, o que torna o trabalho bastante
autoral. Neste formato, o pblico e a crtica acabam se tornando filtros, porm
estes so ps-exibio.
Segundo o terico Chris Anderson, a internet o melhor lugar onde os
produtos podem ser distribudos. Tudo aquilo que segue a lgica tradicional da
distribuio em um determinado momento acaba, isto , so vendidos enquanto
fazem sucesso e depois saem do mercado. Para Anderson a distribuio s
favorece o que vende mais5, o restante englobado pelo que o autor chama de
cauda longa.
A teoria da Cauda Longa diz que nossa cultura e economia esto
mudando do foco de um relativo pequeno nmero de 'hits" (produtos que
vendem muito no grande mercado) no topo da curva de demanda, para
um grande nmero de nichos na cauda. Como o custo de produo e
distribuio caiu, especialmente nas transaes online, agora menos
5 Dado fornecido por Chris Anderson em uma entrevista concedida por ele Revista poca, em setembro de
2006.
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necessrio massificar produtos em um nico formato e tamanho para
consumidores. Em uma era sem problema de espao nas prateleiras e
sem gargalos de distribuio, produtos e servios segmentados podem
ser economicamente to atrativos quanto produtos de massa.
(ANDERSON, 2006, entrevista concedida revista poca)
O Porta dos Fundos est no topo de uma linhagem de canais de humor que
vm fazendo muito sucesso na internet. Seus antecessores foram os responsveis
pelo desbravamento desse gnero na internet. Mas basta comparar o nmero de
visualizaes dos canais Galo Frito, 5minutos e Parafernalha, antes e depois do
surgimento do Porta, para ver o decrscimo no nmero de visualizaes.
D pra perceber que aps o boom dos canais humorsticos na internet o
sistema de humor da televiso ficou enfraquecido. O que antes j estava se
tornando enfadonho para o pblico devido a uma mesmice fruto da padronizao
cultural que Adorno e Horkheimer pregavam, comeou a ser diversificado por
conta de uma segunda opo que os espectadores ganharam. Agora no mais
preciso assistir aos programas de humor na TV, j que se tem uma srie de
escolhas na internet que podem ser acessadas a qualquer momento atravs de
vrios dispositivos.
Mas ser que o Porta dos Fundos e seus semelhantes duraro por muito
tempo? Tudo indica que sim. A Indstria Cultural de fato est presente nesse
segmento do humor, porm bem difcil que a frmula seja substituda. O que
acontece que agora o pblico tem um leque de possibilidades e a capacidade de
escolher o que ver e quando ver. No que a manipulao e o mercado cultural
tenham sido extintos por conta da internet, de forma alguma. Eles ainda esto l,
mas de maneira muito mais subentendida. que na internet praticamente no h
a influncia direta entre mercado, produto e por ltimo o pblico. H canais no
youtube, por exemplo, que recebem dinheiro de patrocinadores que eles nem
sabem quem so (as famosas propagandas antes dos vdeos), tudo fruto do
sistema do Google. Mas em contrapartida existem canais que recebem patrocnio
direto e precisam fazer merchandisings em seus vdeos para receberem o
dinheiro.
O humor virtual tem se tornado um campo valiosssimo na internet. H
diversas pessoas criando canais e tentando fazer com que d certo. uma disputa
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entre amadores e profissionais que possibilita a escolha do pblico. E justamente
nesse caminho que a Indstria Cultural, no campo humorstico, vem dando seus
passos. No h mais a tentativa de uma imposio de repeties padronizadas
para que o pblico seja forado a escolher. Agora acontece o contrrio, os padres
da TV esto sendo quebrados para que seus programas se paream o mximo
possvel com os da internet. claro que isso se aplica principalmente ao humor,
pois em outras reas no h essa espcie de disputa acirrada entre meios
diversos para a conquista do pblico.
Se considerarmos a msica como exemplo, veramos que a Indstria
Cultural totalmente ativa. Mal surge uma determinada dupla sertaneja e os
produtores musicais j possuem outra para lanar. como se o sucesso fosse
passageiro, pois os produtos frutos desse sistema no so feitos para serem
lembrados, mas consumidos (MARTINO, 2007). Quando o sucesso acaba eles
so descartados e rapidamente outra coisa j os substitui. vlido lembrar que
esse novo produto nem to novo assim, pois no passa de uma mera repetio
do anterior com apenas uma roupagem diferente.
O que se pode perceber que a Indstria Cultural ainda se faz presente na
atualidade, e de maneira fortssima em alguns segmentos, como o musical.
Porm, se formos calcular os efeitos da internet nesse sistema definido por Adorno
e Horkheimer, veremos que o impacto grande. A internet se torna uma espcie
de rival da Indstria Cultural, pois ameaa os padres e frmulas desse sistema
com sua diversificao de opes que permite o pblico escolher e no mais ser
obrigado a comprar as repeties do mercado.
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REFERNCIAS
ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialtica do esclarecimento. Trad. de Guido Antnio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. ANDERSON, Chris. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Campus, 2006. BORGES, Valterlei. A indstria cultural em tempos de popularizao da internet: um olhar sobre a cena musical brasileira. Disponvel em: . Acesso em 23 de Setembro de 2013. MARTINO, Lus M. S. Teoria da comunicao: ideias, conceitos e mtodos. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. PUCCI, Bruno. O riso e o trgico na indstria cultural: a catarse administrada. Disponvel em: < http://www.unimep.br/~bpucci/o-riso-e-o-tragico.pdf>. Acesso em 25 de setembro de 2013. SILVA, Rafael Cordeiro. A atualidade da crtica de Adorno Indstria Cultural. Disponvel em: ZUIN, Antnio lvaro Soares. Sobre a atualidade do conceito de Indstria Cultural. Disponvel em: . Acesso em 13 de setembro de 2013.