INESQUECÍVEL - PerSe · Precisamos aprender a importância de ouvir nosso coração, mas também...
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INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
JOSÉ ARAÚJO
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
Copyright© 2013 José Araújo
Título:
Inesquecível – Um Amor Além da Razão.
Edição: José Araújo
Revisão: José Araújo
Editoração Eletrônica: José Araújo
Capa: José Araújo
1 - Literatura Brasileira. 2 - Romance.
ISBN: 978-85-8196-375-4
A reprodução de qualquer parte desta obra é
vedada sem a prévia autorização do autor.
Esta é uma obra de ficção, portanto é fruto da
imaginação do autor e, quaisquer semelhanças
dos personagens ou coincidências, com nomes e
pessoas reais, são apenas mera casualidade.
A todas as formas de amor e à cumplicidade...
“Em cada um de nós há um segredo, uma
paisagem interior, com planícies invioláveis, vales de
silêncio e paraísos secretos.”
Antoine de Saint-Exupéry
“A esperança é o cabide onde penduramos
todos os nossos sonhos, até que eles sejam
realizados”.
José Araújo
CAROS LEITORES
Uma das vantagens de ser um escritor é
poder, pelo menos durante o tempo que se levar
para escrever um livro, viajar para outros
lugares, outras eras, ter o poder sobre a vida e
sobre a morte, transpor a barreira do tempo,
poder ir ao passado, ao futuro, me transformar
em outras pessoas, “viver” as “vidas” de cada
personagem, sentir seus dramas, suas emoções,
assumir suas personalidades, tomar suas
decisões, fazer suas escolhas e neste processo de
envolvimento total entre o escritor com a trama
e os personagens, acontece algo ainda maior,
mais importante, aprende-se muito mais sobre a
vida com cada um deles, nos tornamos mais
humanos, vivenciando sensações e sentimentos
para nós desconhecidos.
Passamos a aceitar efetivamente os fatos
da vida, exatamente como ela é, descartamos
orgulhos, preconceitos, ignoramos regras e
convenções.
Aprendemos e viver e deixar viver,
simples assim.
São tantos os aprendizados com cada
personagem que na verdade, são “gente” como
a gente, “humanos” criados pela mente do autor
que muitas vezes, traz através de cada um
deles, conhecimentos adormecidos no seu
subconsciente.
A vida é complexa, a mente humana é
ainda algo não totalmente conhecido pelos
homens e a literatura; fruto de nosso poder de
raciocínio, traz com ela grandes segredos,
mistérios e poderes desconhecidos, muito além
da imaginação, que em forma de livro são
passados ao leitor através da mente do autor.
É algo impressionante se pararmos para
refletir que tudo que antes era apenas ficção
criada por mentes brilhantes, hoje fazem parte
do nosso dia a dia, saíram do imaginário para o
mundo real.
É tudo complexo, uma incógnita, mas a
fantasia geralmente vem primeiro através da
mente de um escritor e com ela, as reflexões que
nos levam a aprender a ser mais humanos e
viver melhor.
Às vezes, aquilo que acreditamos ser a
resposta, na realidade, aprendemos que são os
grilhões que prendem o nosso coração e as
aventuras, que sempre viveram em nossa alma.
Às vezes, o que vemos não é aquilo que
nós podemos acreditar, e por vezes, o que
ouvimos não é sempre aquilo que nos foi dito.
Enquanto viajamos pelas estradas da vida,
procurando pelas aventuras com as quais
sempre sonhamos, enfrentando as tempestades
e atribulações da vida, do amor e, infelizmente,
conhecendo tristezas e mágoas, devemos
lembrar que cada cicatriz deixada em nosso
coração, cada lágrima que rolou de nossos olhos
ou, aquela que nossa alma se recusou a liberar
e, cada momento solitário gasto na procura de
respostas, são na verdade aquilo que nos leva à
pessoa que nos tornaremos. Força, verdade e
coragem são valores que devemos levar conosco
para a cama a cada noite e acordar com estes
sentimentos a cada manhã.
Precisamos aprender a importância de
ouvir nosso coração, mas também é preciso
lembrar que Deus nos deu um cérebro por uma
boa razão.
O bom senso deve sempre nos orientar
sim, mas a compaixão e misericórdia,
temperados com força de vontade e confiança
em nós mesmos, devem andar sempre de mãos
dadas.
É preciso que tenhamos aventuras sim,
mas em cada uma delas, vivendo intensamente,
cantando com o coração, brincando e sorrindo
do mais fundo de nossas almas, e registrando
na mente e no coração, imagens que durem por
toda a vida, que farão parte de nossa historia e,
que no futuro, quando contadas a outras
pessoas, possam tocar e inspirar gerações.
Temos que viver intensamente cada
momento, acreditando que é o momento mais
importante de nossas vidas, porque o próximo
momento pode não acontecer e, ter pleno
conhecimento de que o coração, o amor, e a
força que vamos levar para aqueles que
eventualmente forem receber tudo isto, são
presentes que nunca devemos permitir que
possam ser tidos como garantidos.
O amor não é sempre gentil. Não é sempre
suave. Aliás, raramente é suave, e nunca faz
concessões para aqueles que são fracos, que não
se arriscam com receio de sofrer.
É preciso ser forte. Temos que manter o
corpo ereto, a cabeça erguida, ombro na posição
correta, mas isto não basta. Sejamos humildes.
Sejamos honestos. Sejamos justos. Sejamos
corajosos. Sejamos humanos de verdade. Sem
orgulho. Sem preconceito. Compreendendo que
somos matéria e por consequência, sendo
matéria, perecíveis.
E assim, uma vez que a dor, a desilusão e
as lágrimas nos tenham feito conhecer a vida
como ela é, então, amadurecidos e mais
preparados, a maior de todas as aventuras
iremos viver.
A aventura amar de verdade e viver
intensamente um amor além da razão.
Para escrever bem e oferecer aos leitores
um bom livro, acredito que este processo é um
essencial na vida de um autor.
Em Haras, Uma História de Amor, tornei-me
Rodrigo, um executivo bem sucedido, filho do
rei das Usinas de Açúcar e Álcool da região de
Orlândia, interior de São Paulo, um homem que
poderia ter qualquer mulher que desejasse,
tamanho era seu poder de atração, além de ser
lindo, rico e um amante perfeito. Na pele dele,
me apaixonei por Helena, a belíssima filha dos
fazendeiros vizinhos e donos de um haras. Senti
o desejo de Rodrigo, sua atração, seu tesão por
ela e também seu remorso e sentimento de
culpa, após ultrapassar o sinal vermelho e
abusar dela num momento de paixão. Também
vivi o personagem de Helena, senti o amor
inexplicavelmente eterno por um homem que
não tinha o direito de se tornar mais bonito a
cada dia e que ela amava desde que era apenas
uma criança. Enfim, numa trama que acontece
entre a vida no campo, no interior do estado e a
vida agitada da cidade grande, acompanhei o
desenrolar deste romance entre os dois, repleto
de surpresas e momentos da mais pura emoção.
Agora, em Inesquecível – Um Amor Além da
Razão, um romance que acontece no Brasil, em
Belém do Pará, terra da poesia, das Mangueiras
e Portal da Amazônia; “cidade faceira” como
dizem em seus versos os poetas locais, terra que
encanta aos olhos e ao coração de quem a vê
pela primeira vez. Mesmo estando em São
Paulo, tão distante deste lugar mágico que
ilumina a Baia do Guajará, eu estava lá e
enquanto escrevia este novo romance, como não
poderia ser diferente, aos poucos fui me
envolvendo com o cenário local, incorporando
cada personagem e, como sempre acontece
quando estou escrevendo uma nova historia,
“vivi” a “vida” e literalmente senti suas
“emoções”, seus dramas, suas alegrias e
tristezas. Na pele de Roberto, fui um homem
lindo, maduro, sensual, dotado de uma
virilidade que levava Bruna a deseja-lo cada vez
mais. Ela, a mulher por quem ele se apaixonou
quando ela ainda era muito jovem, casando-se
com ela pouco depois, mas que o destino
separou de forma trágica por longos e difíceis
anos de muita dor e sofrimento para ambos.
Na pele de Bruna, após um acidente que
quase a matou, aos poucos, fui “vivendo” sua
“vida” acabei por sofrer de amnésia esquecendo
tudo que acontecera antes da tragédia, menos o
amor o desejo por Roberto, um amor além da
razão pelo homem que a acompanhara por
longos anos em seus sonhos após a tragédia do
acidente, ele, o amante perfeito, na realidade
seu marido, seu grande e único amor que
apesar da doença, era absolutamente
inesquecível.
Espero que vocês gostem, assim como eu
gostei de acompanhar a “vida” desses dois e de
todos à volta deles, à medida que as suas
necessidades vão se alterando lentamente e se
transformando, num alucinante redemoinho de
sentimentos, enquanto Bruna se debate com
pensamentos negativos, vagos momentos de
lembranças de um passado triste, do trauma de
ter sido vitima de preconceito quando criança,
sofrendo agora a agonia de não se lembrar de
nada antes do acidente, as marcas do
preconceito gravadas em seu subconsciente e
em meio a fragmentos mal interpretados de
lembranças do passado, num vendaval de
emoções.
Na pele de Roberto, ainda de coração
partido, após descobrir um terrível engano que
cometeu ha 10 anos atrás, conheci os
verdadeiros motivos pelos quais Bruna o havia
abandonado, sofri com ele o remorso, a dor da
perda, tentei desesperadamente junto com ele
uma nova aproximação com a única mulher que
amou de verdade por toda a sua vida e,
reconquistar seu coração que ao que tudo
indicava a nós dois, seria em vão.
Posso garantir a vocês, caros leitores, que
nem mesmo uma Amnésia total jamais
conseguiria apagar de vez o amor que Bruna
sentia por Roberto. A doença pode ter apagado
de sua memória seu amor por ele, mas não
conseguiu apagar de seu coração. Roberto, o
amante perfeito de seus sonhos, era o homem
de sua vida, aquele que quando a beijava, era o
mesmo que subir aos céus e tocar as nuvens,
sem sair do chão.
Enfrentar a vida e a realidade e ficar ao
lado dele, ignorando os acontecimentos que os
separaram e viver este amor inesquecível ou
fugir para sempre, para nunca mais voltar?
Na verdade, até eu mesmo fiquei na
duvida enquanto escrevia este romance e,
sinceramente, vale a pena descobrir e se
emocionar com acontecimentos que se seguem
numa velocidade cadenciada e envolvente,
descobrindo aos poucos o poder que há num
amor quando verdadeiro e, mais do que tudo,
quando este amor é totalmente, absolutamente,
inesquecível.
José Araújo
JOSÉ ARAÚJO
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Capítulo 1
“Tripulação, preparar para o pouso.”
Soara uma voz masculina no sistema de som da
aeronave.
2012. Muito tempo se passara depois que
um trágico acidente modificou os rumos de sua
vida. Dez longos anos se passaram e agora,
depois de quase cinco horas de viagem de avião
de São Paulo a Belém do Pará, finalmente a
aeronave de aproximava do aeroporto Val de
Cans.
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Pouco antes, a voz firme piloto do Airbus
A380 dando a ordem à tripulação para
prepararem-se para o pouso a despertara e ela
saiu de seu mundo de sonhos e devaneios.
Retornando de uma viagem de férias, Bruna
Toledo apreciava a paisagem pela janela,
absorta em pensamentos.
Lá embaixo, a cidade de Belém
resplandecia naquela bela manhã de sol,
assemelhando-se a uma ilha em meio ao imenso
mar de águas da Baia do Guajará.
Um sorriso encantador distendia seus
lábios e um brilho sonhador e distante alterava
a clareza habitual dos sensuais olhos
amendoados, castanhos da cor de mel. Bruna
tivera aquele sonho novamente na noite
anterior, o sonho em que o via. Ele, o amante
perfeito, o homem de seus sonhos. E dessa vez,
tudo havia sido ainda mais delicioso e real que
antes. Tão real que...
JOSÉ ARAÚJO
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Em seu sonho, numa noite quente de
verão, Bruna acordou com a umidade do ar
colada em sua pele. Transpirava como se
naquele calor estivesse vestindo um manto de
tecido quente e próprio para o inverno. Seus
movimentos eram pesados e até mesmo os
pensamentos eram lentos e nebulosos. O corpo
doía com uma pontada de insatisfação.
O clima de magia do lugar onde estava
provocara seus desejos, seus anseios, de forma
arrebatadora. Mas pudera, não poderia ser
diferente estando naquela região repleta de
encantos naturais.
Pode ser alguma coisa no ar, na linha do
horizonte, no calor que gruda na pele, na
paisagem. Quem conhece o Pará faz uma série
de constatações imediatas: está no Equador, o
mar a sua frente é um rio, a imensidão verde da
floresta chega até ali pertinho, suas referências
do que é o Brasil precisam de várias adaptações.
E Belém pode ser a base para uma experiência
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amazônica diferente, uma espécie de iniciação à
floresta, com as praias de rio a seu redor, a
exótica Ilha de Marajó quase na outra margem
e, mais adiante, a melhor incursão de todas, o
lugar onde estava em seu sonho, Alter do Chão.
A água azul do rio iluminada pelo luar
era a única via de escape. Num impulso, deixou
de lado as inibições naturais do dia-a-dia e
correu para a margem, cabelos soltos e camisola
esvoaçando ao vento que vinha da floresta.
Sentia-se revitalizada. Os pés descalços
dançavam na areia branca e fina da praia de
agua doce e seu coração mergulhava em sonhos
com o homem de seus devaneios, em seus
fantásticos desejos. Ela ansiava para que alguma
coisa acontecesse... Alguma coisa inesperada...
Alguma coisa avassaladora... Ela o desejava...
Foi então que ele surgiu emergindo das
aguas como um Deus Tupiniquim. Tudo
poderia ser produto de sua imaginação. Ela
fechou os olhos por um instante, depois os abriu
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de novo. Ele ainda estava lá. Alto, moreno,
misterioso, sensual, caminhando em sua direção
exibindo aquele corpo perfeito e sua virilidade
perfeitamente visível através de seu short
branco e molhado... E mais; ele era real.
Bruna parecia estar hipnotizada. Sua
vontade era fugir dali, em busca de segurança.
Mas, não conseguia mover-se. A água doce
batia em seus tornozelos, molhando a barra da
camisola, e os pés afundavam na areia.
O homem que parecia ter saído do fundo
do rio vestia apenas um short de banho
molhado. O luar iluminava o dorso nu,
realçando os músculos como uma estátua sob-
holofotes.
Só que ele é real, pensou Bruna,
observando-o caminhar em sua direção. Rosto
sério, o corpo irradiando masculinidade. Ela
baixou o olhar. Estreitou os olhos. O short era
curto e o tecido estava grudado nas coxas
rígidas. A transparência do tecido molhado
ressaltava ainda mais seu evidente estado de
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excitação. Ele estava pronto, Bruna percebeu
com as pulsações aceleradas pela adrenalina.
Ele estava excitado...
Tentou dizer alguma coisa, possivelmente
para protestar, mas não conseguiu. Agora,
parado apenas a alguns passos diante dela, o
homem silenciou-a com poucas palavras.
— Não! Ele disse.
— Sem palavras. Nada de nomes...
Corada, recordando os mínimos detalhes
dos acontecimentos de seu sonho, sentiu
novamente o prazer aquecendo seu corpo. Na
noite anterior, quando ele a abraçara e
acariciara de forma arrebatadora...
Um violento arrepio a sacudiu, ela
estremeceu e se ajeitou no assento na posição
vertical preparando-se para o pouso.
No trabalho, apesar de toda a agitação do
escritório, era extremamente cautelosa, discreta
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e reservada com relação à sua vida pessoal. Por
isso, ninguém naquela empresa suspeitava que
Bruna tinha uma vida noturna secreta, mesmo
que apenas em seus sonhos. Ninguém,
absolutamente ninguém, sonhava que Bruna
Toledo, a bela, mas discreta executiva da
Indústria de Alumínio tinha um amante cujo
nome ignorava.
Dispunha apenas de uma hora após o
pouso para preparar-se antes de ir encontrar
Dora e o marido. Os três sairiam para uma
refeição especial de comemoração em um
restaurante típico da cidade, e era nisso que
devia pensar, não em um homem maravilhoso
criado por sua imaginação, por seus sonhos, por
sua carência e por seus desejos de amor.
Para uma mulher de trinta anos sem
nenhum namorado, a intensidade e a nitidez
dos sonhos eróticos envolvendo o homem que
agora passara a chamar de amante perfeito,
eram absolutamente surpreendentes.
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Seria uma manifestação e consequência da
falta de companhia masculina, ou uma
indicação do poder imenso de sua imaginação?
Não conseguira encontrar a resposta. Tudo que
sabia era que desde o primeiro sonho, nenhum
outro homem conseguira tocar suas emoções a
ponto de excitar-se de forma incontrolável.
Estava ansiosa pelo encontro com os
amigos. Afinal, para Bruna, Dora não era
apenas a amiga mais próxima e uma espécie
de mãe adotiva; também era a médica que
salvara sua vida quando outros menos
dedicados e atentos afirmavam que era um
caso perdido.
Tensa, ela engoliu em seco. Mesmo após
tanto tempo depois do acidente que
acontecera em 2002, tendo se passado 10 anos,
a lembrança de como estivera às portas da
morte ainda tinha o poder de apavora-la.
Sabia que o raciocínio não era lógico, mas
o fato de não se recordar mesmo vagamente
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dos eventos que antecederam e causaram o
acidente e das semanas que passara em coma,
tornava o medo ainda mais assustador, como
se ressaltasse ainda mais a fragilidade da vida.
Ao pisar no primeiro degrau da escada
para desembarcar do avião, Bruna sentiu fra-
queza e apoiou-se com mais firmeza no
corrimão para concluir a descida. Aquele era o
único legado físico do dramático acidente.
Uma das pernas havia sido esmagada, e por
causa da extensão e da gravidade das lesões, o
médico que a recebera no pronto-socorro
estivera a ponto de amputá-la quando,
notando a presença de Dora, pedira sua opi-
nião. Chefe do departamento de
microcirurgia, ela assumira o comando e
decidira que era possível salvar o membro
atingido tão duramente.
O rosto de Dora havia sido o primeiro
que vira logo após recobrar a consciência, mas
só depois de muitas semanas descobrira
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através de outro médico sobre a sorte que
tivera por ser atendida por ela.
Havia sido Dora quem ficara ao seu lado
por horas e horas, falando e incentivando sua
consciência durante o período do coma,
tentando despertá-la com seu amor e sua força
de vontade. Bruna sabia que nunca deixaria de
amá-la e reverenciá-la por tudo que fizera.
— Você não foi a única a ganhar com
aquela experiência. - Dora costumava brincar.
— Não tem ideia de como o mercado
passou a valorizar-me depois da sua cirurgia.
Para mim, sua perna vale mais do que o
próprio peso em ouro. E você, minha querida,
é mais especial para mim do que eu possa
dizer com palavras. É a filha que nunca
imaginei que teria... Ambas haviam chorado
na primeira vez em que Dora fizera a
declaração comovente. Qualificada e
respeitada em seu meio profissional, a médica
perdera o útero e as chances de ser mãe ainda
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muito jovem, e Bruna fora abandonada pela
mãe ainda bebê e criada em um orfanato.
Apesar de ter sido sempre bem tratada, jamais
tivera o amor de uma mãe com o que sonhara
desde os primeiros anos de vida.
Há poucos anos, quando Dora finalmente
aceitara o pedido de casamento de seu sócio
Nuno Falcão, Bruna havia sentido uma imensa
felicidade pelos dois. Até então, ela sempre
recusara as insistentes propostas de Nuno,
dizendo que um dia ele poderia conhecer
alguém especial que fosse capaz de ter filhos, e
que teria de estar livre para quando esse dia
chegasse. Só os esforços em conjunto de Bruna
e Nuno a fizeram mudar de ideia.
No final, lançando mão de um
argumento quase desesperado, Bruna
lembrara que, depois de tê-la praticamente
adotado como filha, Dora não tinha mais
razões para recusar o pedido de Nuno.
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— Muito bem, eu desisto! - ela
respondera rindo.
— Mas, como sua mãe adotiva, eu exijo
que retribua encontrando um marido especial,
alguém que a trate como você merece me
dando muitos netos.
Depois disso, graças à atmosfera
relaxante e ao excelente jantar que haviam
preparado juntas, Bruna encontrara a coragem
necessária para contar à amiga sobre os
sonhos eróticos que passara a ter.
— Consegue lembrar-se de quando
ocorreu pela primeira vez? - Dora indagara
com tom profissional.
— Não tenho certeza... Creio que já os
tinha por algum tempo antes de me dar conta
deles. E quando ficaram mais intensos, tudo
era muito familiar, como se aquele homem
fizesse parte de minha vida. Como se eu o
conhecesse.
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Havia sido difícil explicar a natureza
intensa e inquietante dos sonhos, a sensação
de familiaridade despertada pelas cenas de
sexo ardentes e persistentes.
Diante do espelho, enquanto se
preparava para vestir o traje que ela e Dora
haviam comprado há um mês especialmente
para aquela ocasião, Bruna sorriu. Tivera sorte
por não ter sofrido nenhum ferimento no rosto.
Os traços delicados e sensuais ainda
compunham o mesmo conjunto que via nas
poucas fotos que possuía de quando era bem
mais jovem. Os cabelos ainda eram negros,
como antes, sua pele morena e seus olhos
amendoados, seu corpo escultural, uma herança
dos pais que não conhecera. A maturidade e a
autoconfiança a libertaram em parte da agonia
de não conhecer suas origens e de não saber
quem haviam sido seus pais, mas ainda
carregava consigo, bem enraizado nela, mesmo
inconscientemente, o sentimento de mágoa pelo
preconceito que sentira por parte das pessoas
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que não a adotaram quando ainda era apenas
uma menina vivendo no orfanato. Mas, de
qualquer forma, era suficiente que houvessem
dado a ela o mais precioso de todos os bens: sua
vida.
Tudo que sabia sobre o acidente era o que
ouvira dizer, o que fora relatado no tribunal,
durante o julgamento que resultara na
condenação do motorista que a atropelara.
Preso por dirigir embriagado, ele tivera de
pagar uma indenização significativa por perdas
e danos. Mas o maior lucro do ponto de vista de
Bruna não havia sido a enorme soma em
dinheiro que garantira sua sobrevivência, e sim
a entrada de Dora e Nuno em sua vida.
Como haviam habilmente discutido os
advogados do motorista em audiência, o
acidente não a impedira de concluir o curso
universitário que começaria logo após o
atropelamento, nem a retirara do mercado de
trabalho. Atualmente trabalhava normalmente,
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o que comprovava a teoria dos advogados, mas
as evidências eram esmagadoras. Oito
testemunhas haviam visto quando o motorista
perdeu o controle do automóvel subindo com o
veículo na calçada e atingindo-a em cheio. O
motorista estava embriagado, uma cir-
cunstância que, segundo seus advogados, fora
provocada por problemas pessoais que ele já
havia solucionado.
Bruna suspirou. A esposa do acusado
também comparecera para depor. Chorando,
ela afirmara que, sem o salário do marido e sua
força de trabalho, a vida da família se tornaria
muito difícil. Como uma mulher sozinha
poderia sustentar quatro filhos pequenos?
Bruna lamentara por eles, e ainda era tomada
de assalto pela compaixão sempre que pensava
naquela família, mas, como Dora apontara, a
culpa pela situação em que estavam não era
dela.
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De qualquer maneira, ficara feliz por saber
que o motorista não morava em Belém. Assim,
não corria o risco de encontrá-lo, ou sua família,
numa rua qualquer. Era estranho pensar que
não passara toda a vida naquela cidade
histórica com uma universidade e um rio que,
há muitos anos, havia sido a fonte de todo o
desenvolvimento do lugar.
Com o passar do tempo uma área dos
armazéns do porto de Belém entrou em desuso
e a região encontrava-se afetada duramente pela
marginalização, com assaltos, consumo de
drogas, prostituição frequentes. No entanto, em
2000, a área foi apresentada a cidade totalmente
renovada com uma proposta moderna para um
novo local turístico de Belém. A Estação das
Docas, como passou a ser chamada, foi o
resultado de um cuidadoso processo de
restauração e revitalização dos armazéns que se
localizavam no antigo porto de Belém. Os três
galpões de ferro inglês que compõem o
complexo, característicos da arquitetura do
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século XIX, foram recuperados e agregados a
novos materiais (painéis de vidro, ares-
refrigerados, nova iluminação, aparelhos
tecnológicos), que deram um aspecto totalmente
renovado e valorizando grandiosamente o local.
De alguma forma, Bruna sentia-se parte de
tudo aquilo. Gostava de passar algum tempo
passeando pelo lugar, comprando peças de
artesanato local que simplesmente a
fascinavam. Tinha adoração pela cerâmica
Marajoara e não conseguia se conter, acabando
sempre por levar mais uma peça para sua
coleção. Quantas vezes almoçando no
Boulevard da Gastronomia ficara espantada
consigo mesma com tantas delicias que provara
num só dia. Para ela aquele lugar era um
verdadeiro paraíso.
A Estação das Docas fora inaugurada em
13 de maio de 2000 e é atualmente um dos
espaços da capital paraense que mais remetem a
região amazônica, nos aspectos artístico,
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cultural e gastronômico, trazendo nova vida
para aquela área.
Belém estava enraizada em seu coração,
mas não conseguia lembrar por que havia se
candidatado a uma vaga na Universidade
Federal do Pará, nem quando chegara à cidade.
Era evidente que não tivera tempo para fazer
amigos nem confiar a eles seus sonhos e am-
bições. O acidente ocorrera uma semana antes
do início das aulas, e o único endereço que as
autoridades encontraram foi o do orfanato em
São Paulo onde fora criada.
De acordo com o que Dora pudera
descobrir, Bruna havia sido uma criança muito
ágil e inteligente, embora solitária. E havia sido
Dora quem a levara para casa quando o hospital
finalmente lhe deu alta. Dora cuidara dela com
a dedicação, amor e o carinho de uma
verdadeira mãe. Ela também a encorajara em
sua necessidade de tornar-se independente,
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contribuindo inclusive na busca por uma casa
adequada e próxima da dela.
Enquanto retirava do armário o traje novo,
Bruna suspirou. Percorrera um longo caminho
até esse dia. Muito longo... Confeccionado em
tecido leve todo na cor branca, o vestido era
todo feito de renda transparente com um forro
leve da mesma cor, bordado com linha prateada
e cintilante em locais estratégicos que
evidenciavam sua beleza e sensualidade natural
e, para completar, um casaco leve perfeito para
o calor local. Relutara antes de comprar uma
roupa tão elegante e cara, argumentando que
não saía de casa o bastante para possuir peças
como aquela, mas Dora a convencera a adquirir
o belo vestido. Na opinião da médica, amiga e
mãe postiça, já era hora de Bruna sair mais e
conhecer pessoas diferentes e interessantes.
— Valter faria qualquer coisa para
convencê-la a aceitar um de seus convites - ela
lembrara.
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Valter era um anestesista que fora
admitido recentemente em uma das equipes
chefiadas por Dora. Moreno da cor de Jambo,
atraente, corpo atlético, sensual e muito
simpático, ele se interessara por Bruna desde
que a vira pela primeira vez. Era muito
interessante, educado, gentil, mas...
Mas não era o homem que vivia em seus
sonhos.
Oh, não! E nem chegava aos pés dele.
Apesar dos traços harmoniosos, do sorriso
agradável e das maneiras envolventes, Valter
não tinha a maturidade misteriosa do homem
que perturbava seu sono todas as noites, do
homem que em seus sonhos a fazia tocar o céu
sem sair do chão. Havia um ar de autoridade
em seus gestos, uma masculinidade poderosa e
dominadora, um cheiro próprio e envolvente
que jamais encontrara em nenhum outro
homem que conhecera antes.
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Apesar do preço do vestido, decidira
comprá-lo porque naquela noite participaria de
uma comemoração especial; o aniversário de
Nuno e o aniversário de casamento dele e de
Dora.
Seguindo o conselho da médica, que
havia se preocupado com o desgaste
provocado pela longa batalha judicial travada
nos tribunais antes da sentença que decretara o
pagamento da indenização, Bruna havia tirado
algumas semanas de férias do trabalho para
recuperar-se. No início da semana despedira-se
dos colegas na Indústria de Alumínio, cujos
escritórios centrais funcionavam em um
edifício no centro da cidade.
Para o jantar daquela noite, reservara
uma mesa no mais prestigiado restaurante
típico da região ribeirinha, disposta a organizar
e arcar com os custos da comemoração. Por
isso ia buscar Dora e Nuno em seu novo e
reluzente Toyota prateado.
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O carro havia sido um grande passo em
sua vida. Não pudera dirigir imediatamente
após o acidente, e durante muito tempo tivera
medo até mesmo de chegar perto de um
automóvel. Sentar-se ao volante havia sido
uma ideia que a apavorara. Eventualmente
forçou-se a superar os medos e o trauma
adquirido e fora aprovada no exame. A
fraqueza muscular na perna a convencera a
optar por um modelo de transmissão
automática, e finalmente Bruna comprara seu
primeiro carro.
Pronta, parou diante do espelho e sorriu
satisfeita. Depois da conclusão do processo e da
luta no tribunal, finalmente começava a
recuperar o peso perdido, e a roupa caía ainda
melhor do que no dia em que a comprara. Sim,
tinha motivos para estar contente. A casa onde
vivia, por exemplo. Participara de todo o
trabalho de reforma, opinando e
supervisionando cada mudança, escolhendo
pessoalmente toda a mobília que fez questão
JOSÉ ARAÚJO
43
que lembrasse a cultura da região. A enorme
cama de casal atraiu seu olhar. Ainda não
entendia por que havia comprado aquela cama,
por que nem se dera ao trabalho de examinar
todas as outras opções oferecidas pelo
decorador.
Tudo que sabia era que, ao vê-la, tivera
certeza de que aquela era sem duvida nenhuma
a escolha ideal.
Em seus sonhos, ela e o seu amante
estavam sempre naquela cama, embora apenas
nos sonhos...
Perturbada, lembrou que chegaria
atrasada para apanhar os amigos se não se
apressasse.
Agitada e corada, Bruna desceu a escada e
saiu.
— Deus, como este lugar está cheio! - Dora
comentou.
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
44
Bruna parara o carro na última vaga
disponível no estacionamento do restaurante.
— Quando telefonei para reservar a mesa,
o gerente comentou que esperava ter uma noite
de muito movimento. A Indústria de Alumínio
está oferecendo um jantar para um técnico em
mecânica do solo e também especializado em
biologia florestal.
— Oh, sim, é verdade! Ouvi dizer que eles
encontraram um substituto para o professor
Jorge. Foram buscá-lo em Fortaleza, atraídos
por suas impressionantes qualificações e pela
experiência diversificada em várias áreas de
estudos de minerais e ambientais. E o homem
ainda é jovem, segundo os comentários que
ouvi. Deve ter pouco mais de quarenta anos. E
parece que já trabalhou para a Indústria de
Alumínio no passado.
— É estranho pensar em um biólogo
trabalhando para uma Indústria de Alumínio. -
Nuno apontou.
JOSÉ ARAÚJO
45
— Querido, francamente! - Dora exclamou
sorrindo. - Acha mesmo que os especialistas em
biologia só fazem filmes sobre animais
selvagens, baleias, botos cor-de-rosa ou recifes
de corais?
— É claro que não.
— Hoje em dia todas as grandes empresas,
especialmente as multinacionais, se esforçam
para construir e manter uma imagem de
responsabilidade ambiental. - Bruna explicou. -
Vazamentos de óleo sempre têm efeitos devas-
tadores sobre os mares, oceanos e rios, sobre
suas formas de vida, e é isso que leva
companhias como a Indústria de Alumínio a
empregarem especialistas em geologia que
tenham experiência em biologia e
especializados em várias áreas destes ramos da
ciência.
Estavam fora do carro e a caminho do
restaurante. Os donos do restaurante, marido e
mulher ainda jovens e bastante conhecidos
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
46
pelos frequentadores do local, costumavam
receber os clientes mais próximos pessoalmente.
Selma Duarte sorriu ao vê-los chegar.
— Reservei sua mesa favorita - ela
sussurrou enquanto chamava um garçom para
acompanhá-los. Selma fazia parte de um grupo
de caridade com o qual Bruna colaborava
eventualmente angariando fundos, e a comer-
ciante conhecia a fundo a história em torno do
acidente e sabia de seu relacionamento com
Dora e Nuno.
— Sei que esta é uma noite especial para
todos vocês.
A mesa em questão ficava em um canto
afastado do salão principal, com vista
privilegiada para o rio, ao lado de uma janela de
onde era possível ver todo o jardim. Sentada,
Bruna suspirou invadida por uma súbita
alegria.
JOSÉ ARAÚJO
47
Às vezes sentia que havia renascido
naquela manhã do passado, quando abrira os
olhos e vira Dora parada ao lado do leito
hospitalar, olhando para ela. Embora já pudesse
lembrar boa parte da infância e da adolescência,
as recordações ainda eram confusas como
imagens em um filme mudo e sem foco e, em
alguns momentos, era difícil acreditar que
aquelas lembranças, aqueles períodos, faziam
mesmo parte de sua historia. Para confortá-la
nos momentos de maior preocupação, Dora
sempre dizia que aquele era o efeito do trauma
sofrido pela mente e pelo corpo, um mecanismo
de defesa do qual a mente lançava mão para
protegê-la.
O restaurante estava mesmo cheio. Havia
um salão secundário cujas portas permaneciam
fechadas para garantir o atendimento e pri-
vacidade dos grupos de frequentadores que
eram funcionários da Indústria de Alumínio. As
garotas do escritório haviam passado dias
comentando a chegada do novo técnico e
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
48
especialista, e Bruna ouvira algumas opiniões
antes de ter viajado para São Paulo.
— Ele é dono de uma empresa em
Fortaleza. A Indústria de Alumínio é apenas
uma cliente - revelara com ar importante a chefe
das secretárias, Dulce Faria.
— O homem só virá duas vezes por
semana, quando não estiver em campo.
— Humm... Talvez ele esteja precisando
de uma assistente. Adoraria passar alguns dias
no meio da selva estudando com ele a geologia
local. - suspirara outra funcionária.
— Selva? - protestara outra.
— Você acabaria indo parar no alto
Amazonas! É lá que todos os especialistas em
geologia e biologia gostam de fazer suas
pesquisas.
Bruna ouvira a conversa animada com um
sorriso nos lábios.
JOSÉ ARAÚJO
49
Embora recebesse muitos convites de
colegas de trabalho, nunca aceitara sair com um
deles. Dora a prevenira sobre os riscos de deixar
que o amante imaginário conjurado em seus
sonhos a cegasse para a realidade e impedisse a
aproximação de parceiros reais, mas Bruna
sabia que a relutância não era fruto apenas dos
sonhos românticos.
Era quase como se, de alguma forma, algo
a impedisse de envolver-se com alguém. Como
se esse envolvimento fosse errado. Não sabia de
onde vinha essa sensação, e os sentimentos
eram tão confusos e nebulosos, tão inexplicáveis
e estranhos, que havia preferido não comentá-
los com Dora. Tudo que sabia era que devia
esperar. Mas esperar o quê? Ou quem? Não
tinha ideia. Só sabia que era algo que devia
fazer.
Sua estadia em São Paulo fora revigorante.
Ficara hospedada na casa de Daniel e
Alexandre, duas pessoas que aprendera a amar
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
50
e respeitar desde que fora apresentada a eles
por Dora.
Daniel, irmão mais novo de Dora, desde o
começo da amizade se aproximara mais dela do
que Alexandre e com uma relação de amizade
intima e profunda, conhecia bem a historia de
vida dos dois.
Por instantes, foi como se estivesse
ouvindo novamente tudo o que Dora lhe
contara sobre como foi que tudo aconteceu
entre Daniel e Alexandre e, sorrindo, Bruna
disse mentalmente:
— Meus queridos! Que saudades vou
sentir!
Naquela noite, Bruna e Dora passaram a
noite em claro. Quando perceberam já era
madrugada. Encantada e emocionada, ouvira
toda a historia de amor entre os dois e daí por
diante, a amizade, respeito e admiração por
eles, pela amiga e o marido, só aumentou com o
JOSÉ ARAÚJO
51
passar do tempo e, quando ficavam muito
tempo sem se ver, no reencontro era sempre
uma festa para todos.
Daniel e Alexandre eram ainda jovens
quando o amor verdadeiro os uniu e Bruna se
recorda de cada palavra dita por Dora quando
estavam sentadas lado a lado no sofá na casa da
amiga. Ela iniciou o relato, contando a ela, que
foi com uma frase que Daniel havia dito à mãe
deles ha longos anos atrás que tudo começou e,
com muito carinho, Bruna sentiu como se
estivesse ouvindo a voz de Daniel enquanto
falava com sua mãe:
— Eu simplesmente não acredito que você
esta fazendo isto comigo mãe!
Gritara Daniel para sua mãe que o
chamava da janela de seu apartamento, na Rua
Frei Caneca, ha uma quadra da Avenida
Paulista, a mais paulista de todas as avenidas.
Ele estava na frente do edifício onde morava e
pulava em um pé só, tentando calçar um pé de
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
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seu chinelão, para poder subir e ir se arrumar
para um encontro indesejado. Sua mãe uma
mulher esclarecida e muito especial, sempre
soube de sua opção sexual e quando ele entrou
em casa, ela disse sorrindo num tom de
brincadeira, que ele não precisava ficar nervoso.
Sair com um rapaz para tomar um lanche, não
queria dizer que eles tinham que se casar.
Daniel sorriu para ela e disse que ela não
existia. Três semanas antes, a mãe de Dora e
Daniel reencontrou uma família amiga, que eles
não viam há muitos anos. Eles foram vizinhos
até que Daniel completou seu décimo
aniversário e então, eles se mudaram para o
interior do estado e acabaram por perder o
contato, mas agora, estavam de volta a São
Paulo e desta vez para ficar.
Na tentativa de recuperar o tempo
perdido com a distância, a mãe deles em
conjunto com a mãe do outro garoto que se
chamava Alexandre, combinaram um passeio
JOSÉ ARAÚJO
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deles ao Shopping Frei Caneca, sem consultar
aos dois. Seria um encontro para que a velha
amizade de seus filhos fosse reatada, além do
mais, Alexandre era muito reservado e sendo
praticamente novo na capital paulista,
precisava de um empurrão para se enturmar
novamente. Eles se encontrariam na casa de
Daniel e de lá iriam para o Shopping.
Daniel havia ficado furioso com sua mãe
por ter combinado tudo sem dizer nada. Ele se
lembrava de Alexandre como um garoto chato,
barrigudo e com aparelho nos dentes, o que
fazia da imagem em sua lembrança ainda pior.
Alguém lhe contou que quando ele nasceu
Alexandre fez questão de escolher o presente
que sua mãe iria dar a Daniel como lembrança e
ele, todo orgulhoso e cheio de si, escolheu um
patinho de borracha, daqueles que se põe na
banheira para o bebê brincar enquanto toma
seu banho. Mas ele não escolheu qualquer um.
Ele escolheu um patinho azul que tinha um
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
54
Arco Iris pintado em suas costas. Enquanto
Daniel escovava seus dentes, ele se recordava
de um velho álbum de fotografias de sua
infância.
Nele, havia uma foto antiga onde ele e
Alexandre estavam sentados num banco, em
frente à Paróquia do Divino Espírito Santo, que
ficava na rua de sua casa, enquanto
aguardavam outros amigos de seus pais
chegarem, para a missa dominical. A velha
fotografia mostrava Alexandre com o braço em
volta do pescoço de Daniel, que timidamente
olhava para o chão, mas Alexandre não. Ele
olhava diretamente para a câmera fotográfica,
com um sorriso largo nos lábios e um brilho
intenso em seu olhar.
Naquela época, os dois estudavam na
mesma escola e quando se encontravam pelos
corredores, Daniel fazia de tudo para passar
despercebido aos olhos de Alexandre, mas era
sempre em vão. Ele sempre dava um jeito de se
JOSÉ ARAÚJO
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aproximar. Nem que fosse apenas para dizer
um oi.
Debaixo do chuveiro, enquanto Daniel
deixava a água correr livremente sobre seu
corpo, ele se perguntava, como e porque, ele
acabou se deixando levar pelo arranjo de sua
mãe. Já fora do chuveiro, ele se enxugava
rapidamente, mas na esperança de que
Alexandre não viesse, afinal, eles não tinham
nada em comum. Um era engenheiro
eletrônico, supostamente hetero, o outro um
professor de música e Gay assumido. Do que
eles poderiam falar no encontro? Como Daniel,
sendo um professor de música, poderia
enturmar um engenheiro eletrônico com seus
amigos que eram ligados ao mesmo ramo de
sua profissão e que também compartilhavam na
maioria de sua opção sexual?
— Em que furada eu fui deixar me meter!
Disse Daniel em voz alta.
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
56
Ele saiu do banheiro e foi para seu quarto,
e enquanto trocava de roupa, a campainha
tocou. Em silencio, por uma fresta na porta
entreaberta, ele ouviu quando sua mãe recebeu
Alexandre, como se fosse alguém da família
que ela não via há muito tempo. Ela o abraçou e
beijou no rosto, dizendo que estava muito feliz
de revê-lo depois de tanto tempo. Ele acanhado,
agradeceu seu carinho e sua atenção. Os dois se
dirigiram para a cozinha, aliás, a cozinha era só
para pessoas íntimas da casa e Daniel não
entendeu a atitude de sua mãe. Não podendo
ouvir mais nada, ele começou se trocar, mas
algo dentro dele rezava para que ele não fosse
obrigado a sair com Alexandre.
Desde pequeno, pelo que se lembrava, ele
sentia uma sensação desagradável quando
estava perto dele. Enquanto Daniel calçava o
tênis, seu celular tocou. Era seu amigo mais
chegado, perguntando se ele já havia se
encontrado com o tal "cara" de quem ele havia
falado. Ele disse que não. Disse ao amigo que o
JOSÉ ARAÚJO
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"cara" estava ainda na cozinha com sua mãe e
que iria até lá em poucos instantes e precisava
desligar. Antes de terminar a conversa, ele
pediu ao seu amigo para lhe fazer um favor.
Daniel e Alexandre iriam até o Shopping Frei
Caneca, para tomar um lanche na praça de
alimentação. Isto seria mais ou menos dentro de
uma meia hora. Pediu ao amigo que os
encontrasse lá e inventasse qualquer mentira.
Qualquer coisa para que ele pudesse deixar
Alexandre o mais rápido possível.
Tudo ficou combinado.
Afinal, para seu amigo mais chegado,
aquilo era apenas mais um jogo, pois os dois se
livravam mutuamente de grandes "furadas"
quando necessário. Daniel acabou de se vestir e
ao caminhar pelo corredor que dava para a
cozinha, parecia que seus Tênis eram de
cimento. Ele estava sem a menor vontade de se
encontrar com Alexandre. Ao se aproximar, ia
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
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ouvindo a voz de sua mãe muito alegre e
tagarela tecendo elogios a Alexandre.
Como poderia ela gostar de um "garoto"
como ele; feio, chato e ainda por cima,
barrigudo, convencido e antipático?
Ao entrar na cozinha, foi impossível não
notar a presença de Alexandre. Ele estava
sentado na mesa da cozinha, de frente para sua
mãe. Ele tinha uma postura impecável. Ombros
largos, braços peludos e musculosos. Sua pele
bronzeada, seu cabelo impecavelmente cortado
e penteado. Alexandre usava uma barba muito
bem cuidada e a moldura que ela e seus cabelos
pretos e cacheados davam ao seu rosto, faziam
dele a imagem de um Deus grego. E que olhos
azuis mais lindos ele tinha!
— Não é possível! Pensou Daniel.
Onde foi parar aquele garoto de quem ele
se lembrava? Aquele homem à sua frente, com
porte atlético e que devia ter 1,80m de altura,
JOSÉ ARAÚJO
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não poderia de forma alguma ser aquele
moleque chato. Ele se levantou da cadeira onde
estava sentado para cumprimentar Daniel,
apertou sua mão e sorriu para ele mostrando
seus dentes magníficos. Daniel ficou
boquiaberto com a perfeição de seu sorriso!
Aquilo só poderia ser o resultado de anos de
uso de aparelho corretor. Ao toque da mão de
Alexandre, Daniel estremeceu. Uma energia
elétrica preencheu todo o ambiente. Ele ficou
sem palavras. Apenas sorriu para Alexandre
enquanto aqueles olhos azuis cintilavam ao
olhar para ele.
— É muito bom reencontrar você meu
amigo! Disse o rapaz.
— Muito nervoso; Daniel disse que o
prazer era todo dele, mas pediu licença logo em
seguida, dizendo que havia esquecido algo
ligado, e saiu correndo em direção ao seu
quarto. Em segundos, ele entrou nele e foi
direto para o seu banheiro. Lá ele se trancou.
INESQUECÍVEL Um Amor Além da Razão
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Daniel estava ofegante. Seu coração batia
milhares de vezes por minuto. Parecia que ia
sair por sua garganta. A adrenalina que corria
em seu corpo parecia queimar suas orelhas. Ele
estava excitado como nunca esteve na vida. Sua
mente teimava em afirmar que aquele "cara" na
cozinha, não era o garoto de quem ele se
lembrava. Ele era um homem muito bonito,
simpático, educado, com um charme, que ele
nunca tinha visto em um homem, e mais ainda;
era muito sensual. De virar a cabeça de
qualquer um.
— As mãos de Daniel estavam tremendo
de emoção. Desordenadamente, ele começou a
vasculhar suas gavetas, à procura de outra
roupa para vestir. De repente, ele parou e
pensou consigo mesmo, que aquilo, não seria
uma atitude inteligente. Que seria óbvio demais
para Alexandre, se ele reaparecesse na cozinha
com outra roupa.