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    81Cadernos de Pesquisa, n. 116, julho/ 2002Cadernos de Pesquisa, n. 115, p. 235-264, maro/ 2002

    INFNCIA, TELEVISO E PUBLICIDADE: UMAMETODOLOGIA DE PESQUISA EM CONSTRUO

    RITA MARISA RIBES PEREIRAFaculdade de Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Curso de Especializao em Educao Infantil da [email protected]

    RESUMO

    Este estudo tem como foco principal a relao estabelecida entre criana e publicidade tele-visiva. A perspectiva terica e metodolgica baseada nas idias de Walter Benjamin, Mikhail

    Bakhtin e Oliviero Toscani. O objetivo entender o contexto social e cultural mais amplo noqual essa questo mantida sob permanente tenso, em especial em razo de algumasmudanas que o marcam acentuadamente: a emergncia de novos agrupamentos familiaresque, por diferirem dos arranjos nucleares tradicionais, demandam um reordenamento dasrelaes criana-adulto; a desterritorializao do capitalismo e sua concentrao no consu-mo; a fragmentao da vida cotidiana; a construo de uma poltica de vdeo e a inversosofrida nos mbitos pblicos e privados; o lugar central hoje ocupado pela mdia e a constataode que h uma hegemonia das tecnologias eletrnicas e virtuais nos processos de comunica-o, bem como a pulverizao dos espaos de saber. Nesse contexto, os meios audiovisuais entre eles a televiso tm compartilhado cada vez mais com a famlia e com a escola suafuno educativa, ocasionando para ambas um grande desconforto: faz-se necessrio, maisdo que nunca, repensar o lugar social que ocupam.INFNCIA - TELEVISO - PROPAGANDA - MTODOS DE PESQUISA

    ABSTRACT

    CHILD, TELEVISION AND PUBLICITY: A METODOLOGY IN CONSTRUCTINGRESEARCH. This research has, as its main focus, the relationship established between childand publicity on TV. The theoretical and methodological perspective is based on the ideas ofWalter Benjamin, Mikhail Bakhtin and Oliviero Toscani. The goal is to understand the broadersocial and cultural context within which this issue is kept under permanent tension. Someimportant changes have marked it: the emergence of new family groups which, by differingfrom the traditional nucleus arrangements, asks for the reordering of the child-adult relationship;the loss of a clear delimitation for capitalism and its concentration on consumption; thefragmentation of every-day life; the construction of a video policy and the inversion sufferedby the public and private stages; the central place now occupied by the media and thehegemony of electronic and virtual technologies in communication processes. Last, but notleast, it is worth to mention the pulverisation of knowledge spaces. Within such context,

    audio-visual means television among them have shared the educational function withfamily and school, producing a great discomfort for both of them: it is necessary, more thanever, to rethink the social place that these institutions fulfil.CHILDHOOD - TELEVISION - PUBLICITY - RESEARCH METHODS

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    Este estudo tem por objetivo investigar a relao entre a criana e a publici-dade televisiva, entendendo que essa relao se apresenta como um desviometodolgico (Benjamin, 1984) para a elaborao de uma crtica da cultura con-tempornea. A reflexo que se segue tem como recorte a problematizao da

    relao adulto/criana e dos significados que a cultura miditica especificamente apublicidade assume diante dos processos de subjetivao no contexto contempo-rneo. Apresenta, ainda, o esboo de alguns princpios terico-metodolgicos paraa pesquisa e a interveno, pautados numa perspectiva de alteridade.

    A INFNCIA COMO PERSPECTIVA PARA UMA CRTICA DA CULTURA

    A velocidade das transformaes tecnolgicas tem desencadeado significati-

    vas alteraes no somente nos modos de produo da economia, da cultura, daarte mas tambm nos modos de percepo, gerando assim novas bases para osprocessos de subjetivao do homem contemporneo. A gama de possibilidadesde atividades cotidianas desdobra-se num fluxo incessante, impondo aos sujeitosuma frentica reelaborao das suas experincias da vida, do tempo, da espacialidade,dos modos de relacionar-se. certo que essas experincias cotidianas se apresen-tam indistintamente para adultos e crianas; entretanto, o modo como cada grupo

    d sentidos a elas singular. Para a criana, o desvendamento desse mundo, bemcomo a compreenso das transformaes histricas seja daquilo que a antecedeu,seja daquilo que testemunha em seu (curto) percurso de vida encontra-se circuscritona esfera do ldico e atuando nessa esfera que originariamente a criana passa atomar conscincia das suas intervenes e a ressignificar o lugar social que ocupa.Adultos e crianas constroem sentidos em que se implicam mutuamente: como constitudo o mundo que o adulto oferece criana? Por que o constitui de talmaneira? Quais seus objetivos? Qual o lugar da criana? E o mundo infantil, como seconstitui? Qual o lugar nele reservado ao adulto? O que dizem um ao outro? O queesperam um do outro?

    Na interface dessas indagaes, adultos e crianas estabelecem entre si umarelao por natureza de alteridade: impossvel compreender isoladamente as trans-formaes dos modos de ser adulto ou de ser criana, uma vez que pensar osdesgnios da infncia implica necessariamente pensar as condies e os projetosespecficos da vida adulta e vice-versa. Essa relao de alteridade envolve um pro-

    cesso histrico e social, cuja origem se situa na conscincia da diferenciao entre ainfncia e a vida adulta, e cujos desdobramentos se expressam nas transformaesdos modos como adultos e crianas posicionam-se perante essa diferenciao. Re-

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    cuperar o processo dessas transformaes apresenta-se como premissa bsica paraa compreenso da infncia como perspectiva para uma crtica da cultura, uma vezque esta implica as mudanas mais globais das sociedades.

    Nessa tica, deve-se pontuar que a construo do conceito moderno de

    infncia esboou-se num contexto que testemunhou o prprio surgimento e con-solidao do capitalismo, trazendo, por isso mesmo, junto de si, amplas e profun-das transformaes: a organizao de agrupamentos familiares mais restritos, osprocessos de individualizao e o surgimento da dicotomia indivduo-comunida-de, a delimitao entre as prticas pblicas e as privadas, a substituio das solida-riedades coletivas por prticas individualizadas e segmentadas, o desenvolvimentode uma arquitetura voltada ao recolhimento e introspeco, o pensamentocientfico assumido como critrio de verdade, a hegemonia da leitura e da escritacomo tecnologias de comunicao (Aris, 1981, 1993). Nesse contexto, a crian-a vista como dependente do adulto, na medida em que no est, de fato,inserida no processo de produo central nesse momento do capitalismo e,por isso mesmo, tratada como ser incompleto que precisa ser educado sob algica desse sistema econmico/cultural. Ainda, a exigncia de uma aprendizagemespecfica para a leitura e a escrita, nesse contexto, no somente deu conscinciaao adulto da sua diferenciao em relao criana, como tambm fez por reafir-

    mar seu compromisso com a educao, tarefa assumida pela famlia e pela escola(Postman, 1999). No interior dessas instituies, como pondera Guattari (1987),vamos encontrar ao longo de sua histria diferenciados sistemas de coeromaterial, que se estendem desde o castigo e a palmatria at prticas mais ame-nas como a fila, o falar apenas quando solicitado, a hierarquia etc., necessrios aomundo da vida industrial. Assim sendo, os rituais de iniciao vida adulta sotambm os rituais de preparao para o mundo capitalista da produo, bem

    como para o mapeamento cultural da diviso social do trabalho e das relaes depoder.Reservadas as particularidades das diferentes sociedades e das maneiras como

    cada uma vem se relacionando com os processos de globalizao da economia e dacultura, podemos dizer que, no contexto contemporneo das sociedades ociden-tais, a relao entre adultos e crianas tem sido marcada por um desconforto oriun-do da impreciso dos lugares ocupados pelos indivduos. Deparamo-nos com umacrescente dificuldade em precisar a linha divisria que separa a infncia da idadeadulta: por um lado, percebemos a infncia marcada por um amadurecimento pre-coce, envolvida em prticas at ento prprias ao adulto, seja trabalho, erotizao

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    ou criminalidade. Por outro lado, percebemos um adulto que se recusa a amadure-cer, respaldado nas promessas da eterna juventude proclamada pela esttica doconsumo (Kehl, Calligaris, Sevcenko, 1998). Como desdobramento disso, temosum esvaziamento do lugar do adulto no que se refere s suas responsabilidades

    para com a criana, que, por sua vez, experimenta a controvertida aventura dovirar-se sozinho (Kincheloe, 2001; Souza, 2000).

    O desconforto que permeia a relao adulto/criana na contemporaneidade,no entanto, no se constitui uma experincia isolada, mas traz no seu entorno oscontornos sociopolticos da lgica do capitalismo tardio ou ps-industrial:desterritorializao do capitalismo e centralizao na esfera do consumo, novosagrupamentos familiares distintos dos arranjos nucleares tradicionais, fragmenta-o da vida cotidiana, inverso das instncias pblicas e privadas, centralidade damdia, hegemonia das tecnologias eletrnicas e virtuais nos processos de comuni-cao, pulverizao dos espaos de saber (Jameson, 1996; Sarlo, 1997).

    Na sociedade de consumo (Baudrillard, 1995), a criana no mais colocadacomo dependente do adulto, seja no mbito mais amplo da esfera econmico-poltica, seja no plano mais restrito da vida familiar e escolar, mesmo porque o lugarque o mercado concedeu para a criana tem sua histria intimamente ligada stransformaes das relaes entre adultos e crianas. Olhada inicialmente como

    filho de cliente que se relacionava com o mercado a partir do uso de bens materiaise culturais que se ofereciam a ela margem da sua opinio, a criana elevada aostatusde cliente, isto , um sujeito que compra, gasta, consome e, sobretudo, muito exigente. To exigente que o mercado se moldou a ela, em nome de formar,desde cedo, um cliente fiel: carrinhos de supermercados em tamanho pequeno,shoppingsdedicados somente a crianas, espaos destinados para festas, o reco-nhecimento do seu lugar privilegiado de ser protagonista e espectador dos ann-

    cios publicitrios (Capparelli apud Garcia et al., 1996).Tais transformaes dos modos de ser e de relacionar-se devem-se, segun-

    do Guattari (1987), ao fato de que a modelagem da infncia pelo mundo adulto temsido pautada cada vez mais pelas semiticas dominantes por ele engendradas e setem limitado ao domnio das tcnicas de aquisio da linguagem, escrita, desenhoetc. , sem levar em considerao as questes micropolticas que a constituem.Com isso, os rituais de iniciao aos meandros da vida adulta no mais se circuns-crevem a perodos precisos ou cerimoniais, mas se efetivam em tempo integral. Oautor salienta que a iniciao deixa de ser uma experincia interpessoal orientadapelas demandas da vida adulta e pelas aprendizagens por elas implicadas e se trans-forma num processo de

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    ...iniciao ao sistema de representao e de valores do capitalismo que no maispe em jogo somente pessoas, mas que passa cada vez mais pelos audiovisuais quemodelam as crianas aos cdigos perceptivos, aos cdigos de linguagem, aos modosde relaes interpessoais, autoridade, hierarquia, toda a tecnologia capitalistadas relaes dominantes. (Guattari, 1987, p.51)

    Os sistemas de coero, hoje, colocam-se no plano simblico e revelam-se, segundo o autor, tanto pela inibio da capacidade de expresso quanto pelaadaptao aos valores e comportamentos dominantes, iniciao esta que se d nocampo da linguagem e se apresenta criana cada vez mais cedo.

    PELA TELA, PELA JANELA: O MUNDO NA VITRINE

    Letreiros, luminosos, logotipos, outdoors, bancas de revistas, slogans, mar-cas, panfletos, gingles, imagens, seduo. Na sociedade de consumo a cidade seoferece em forma de vitrine e ser cidado habitar esse mundo com o desprendi-mento de quem vai s compras. Esse desprendimento, mais que revelar uma sim-ples sensao, denunciador do quanto a cultura do consumo, como expresso docapitalismo ps-industrial, tem levado a efeito sua inteno educativa. Essa educa-o no mais se restringe famlia e escola embora tambm acontea no interior

    destas , mas expande-se a todas as esferas da vida cotidiana, desde os discursosinterpessoais at s formas tecnolgicas mais complexas da comunicao humana,entre as quais, especificamente, destacamos as imagens tcnicas e os audiovisuaisem geral. Diferentemente da linguagem escrita, pautada numa lgica linear e nummodelo de abstrao conceitual, cuja aprendizagem situa a criana como depen-dente do ensinamento do adulto, o mundo das imagens tcnicas e dos audiovisuaisno exige nenhuma formao prvia para o seu desvendamento, ainda que impli-

    que maneiras novas de produo e recepo. A seriao, o choque, a descontinui-dade, a sobreposio, a simultaneidade, a virtualidade, a hiper-realidade etc. soelementos paradigmticos da cultura desencadeados pela fotografia e pelo cinema,cujas mudanas operadas talvez s se faam perceber hoje com as tecnologias eletr-nicas e digitais, seja na televiso ou no ciberespao (Machado apud Flusser, 1998).Enquanto para o adulto tais transformaes tecnolgicas se apresentam filosofica-mente como um problema e implicam sempre uma readequao dos modos depensar e de viver, para a criana elas se apresentam como constituintes quase queimediatas da sua vida psquica e tomam a forma de brinquedo a ser explorado demaneira ldica (Flusser, 1998; Souza, 2001).

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    A desenvoltura com que a criana lida com as eternamente novastecnologias audiovisuais no somente a coloca numa posio de independnciadiante do adulto, como a transforma na tradutora, para o adulto, dos significadosde uma criao que sua (adulto) mas que a ele prprio ainda soa como estra-

    nha. certo que isto pode ser compreendido como uma forma nova de dilogoentre adultos e crianas para alm da histrica relao de dominao. Entretanto,no se pode deixar de considerar que, juntamente com isso, est sendo colocadoem xeque o prprio conceito de experincia, que tende a se desvincular da tradi-o (Benjamin, 1987) e a associar-se cada vez mais ao domnio das tcnicas. Quaisas conseqncias ticas que podemos extrair dessa nova condio? Que princ-pios filosficos, econmicos e sociais esto lhe servindo de base? Como se cons-tituem a alteridade, a identidade, o afeto? Como se pe em questo a incompletudedo nosso olhar, a necessidade de um outro que nos confirme e nos desafie? Seuma das caractersticas da cultura humana a transmisso das descobertas dahumanidade para as geraes vindouras, para que estas as possam colocar sob ocrivo de sua poca e se lanar a novos desafios, o que podemos esperar de umagerao condenada a buscar por si prpria suas respostas? Em que lugares encon-trar essas respostas?

    no bojo dessas questes que a televiso, como a mais popular forma de

    mdia, assume um papel fundamental, no somente no que se refere relaoadulto/criana, mas em praticamente todas as reas da vida humana na arte, naproduo de conhecimento, nas ideologias, na poltica. Presente hoje em mais de98% das residncias brasileiras (muitas vezes com mais de um aparelho em cadacasa) a televiso transformou-se em referncia simblica dos sujeitos contempo-rneos. Como pondera Bucci,

    ...a televiso muito mais do que um aglomeramento de produtos descartveisdestinados ao entretenimento de massa. No Brasil, ela consiste num sistema com-plexo que fornece o cdigo pelo qual os brasileiros se reconhecem brasileiros. Eladomina o espao pblico (ou a esfera pblica) de tal forma, que, sem ela, ou sem arepresentao que ela prope do pas, torna-se quase impraticvel a comunicao e quase impossvel o entendimento nacional.[...] O espao pblico, no Brasil, come-a e termina nos limites postos pela televiso. [...] O que invisvel para as objetivasda TV no faz parte do espao pblico brasileiro. O que no iluminado pelo jorromulticolorido dos monitores ainda no foi integrado a ele. (1997, p.9-11)

    A televiso uma janela para o mundo e tambm uma janela sobre o sujeito(Hoinef, 1995). Pela tela chegam sucessivas informaes que exigem um olhar cada

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    vez mais desprendido: informaes sobre o mundo, modelos de comportamento,um guia prtico cultural. Mais que isso, entretanto, a tela passa a ser um lugar alme-jado. Sob a lgica da videopoltica (Sarlo, 1997), visibilidade e fama tanto podemapresentar-se como possibilidades de redeno e de poder como podem transfor-

    mar-se em prtica de controle num contexto marcado pela desigualdade social epela completa inverso das esferas pblicas e privadas.

    A televiso no existe ainda como objeto de pesquisa. A crtica feita porMoreira (2000) refere-se especificamente inexistncia de uma histria siste-matizada da televiso brasileira. Segundo o autor, a escassa bibliografia existentetem-se dedicado basicamente a narrativas memorialsticas ou biografias de per-sonalidades. No que se refere elaborao de uma anlise crtica sobre a tele-viso, as origens institucionais das pesquisas e as especifidades dos enfoquestm desenhado um quadro muito amplo e pulverizado, impedindo uma refle-xo mais complexa. Como exemplo disso, podemos citar o descompasso entreas inmeras pesquisas de carter eminentemente pragmtico, feitas no meiotelevisivo, e as pesquisas acadmicas bastante centradas na programao ounos possveis efeitos da televiso na psique e que nem sempre conseguem es-capar a um olhar maniquesta. Esse descompasso faz com que a televiso, nasua complexidade, continue a ser um objeto no pensado, constatao presen-

    te tambm nas reflexes de Baudrillard (1993), Wolton (1990), Bazalguete eBuckingan (1995), Kehl (1991, 2000) e Sampaio (2000). Uma anlise crtica dateleviso, pondera Bucci,

    ...no pode se acomodar crtica de obras isoladas no interior da programao, pormais que admitamos a existncia de gneros no interior da TV. [...] Acima dos gne-ros, a crtica da televiso a crtica de um novo patamar das relaes sociais e dasrelaes ideolgicas entre os sujeitos, e s a partir da ela ganha seu sentido polti-

    co o que mais interessa. [...] A crtica da televiso no lida (apenas) com a esttica.Ela no tem por objeto uma arte, mas um fato social como a prpria lngua (oucomo a linguagem). Portanto, deve declarar que, discutindo a cultura, est discutin-do a sociedade e seus sujeitos. A crtica da televiso, hoje, uma crtica do poder.(Martins, 2000, p. 37)

    Ampliando as exigncias apontadas por Bucci para a construo de uma cr-tica efetiva da televiso, Moreira (2000) sugere outros elementos a serem levados

    em considerao, tanto no mbito da comunicao social como tambm entrepesquisadores de outros segmentos da sociedade: as relaes sociais que permeiama produo televisiva, a fim de mapear, nos diferentes momentos histricos, quem

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    ou a espetculos de cunho artstico e cultural, a criana tornou-se aos poucos umaimagem bastante presente. Uma segunda mudana diz respeito criao de umnovo conceito de programa infantil, no mais pautado em histrias da literaturaou em apresentaes artsticas, mas em animao e gincanas. Esse novo formato,

    padronizado a partir dos anos 80, faz da apresentadora do programa sua figuracentral e confere criana um novo lugar no espao miditico: transformada emcenrio, ela se alterna entre a imobilidade de ser um mero pano de fundo e oincessante e desconexo movimento das danas coreografadas, brincadeiras com-petitivas que valem prmios, degustao ou exibio de produtos de empresasque patrocinam o programa. Paralelamente, cria-se um mercado de produtosvinculados aos programas e figura das apresentadoras, que variam desde bone-cas e estampas em vesturio at aparelhos eletrnicos, utenslios domsticos ealimentos, e ajudam a consolidar, junto criana, o statusde consumidor. Por fim,uma terceira mudana significativa est ligada ao surgimento de emissoras de tele-viso especificamente dedicadas ao pblico infantil, todas de canais por assinatura,na sua maioria estrangeiros e veiculados em pases com distintos fusos horrios,durante as 24 horas do dia. Passados muitos anos da vinheta que nos avisava ahora de dormir, esses canais , ao contrrio, independentemente do horrio, nosinterpelam a no sair da frente da televiso, seja de maneira ldica, com charadas

    ou anncio de outros programas, seja pela explicitao de um argumento deautoridade: No sai da! A gente volta j!.

    Independentemente das especificidades de pblico das TVs por assinaturae as ditas abertas, a TV o meio de comunicao preferido pelas crianas (88%),que a assistem em mdia trs a quatro horas dirias (Moreno, 1992), interagindomuitas vezes com esse objeto como se fosse um semelhante seu. Embora essamdia seja varivel em diferentes pases, conforme aponta recente pesquisa orga-

    nizada pela Unesco, o tempo dedicado televiso chega muitas vezes a ser supe-rior em at 50% ao dedicado a outras atividades da criana, entre elas fazer deverde casa, ajudar a famlia, brincar fora de casa, ler, usar o computador, ouvir rdio,fitas ou CDs (Carlsson, Von Feilitzen, 2002). Ocupando tempo e espao cada vezmais centrais tanto na vida da criana quanto na do adulto, a televiso acaba porpreencher um lugar deixado vazio: o do dilogo. Essa tem sido uma das afirma-es trazidas por Postman (1999), que v na televiso o aparato tecnolgico quefomenta o desaparecimento da infncia, isto , o desaparecimento da conscinciada diferenciao entre adulto e criana. Segundo o autor, esse instrumentotecnolgico responsvel pelo apagamento de algumas prticas fundamentaispara a delimitao dos lugares sociais da criana e do adulto, a exemplo das per-

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    guntas essenciais do ser humano, ligadas ao seu nascimento e morte e tambmaos mistrios da vida. Postman pondera que cabia ao adulto a responsabilidade deadministrar ao longo da vida da criana os momentos mais adequados de respon-der a essas perguntas; em contrapartida, o adulto significava para a criana uma

    referncia para a busca de respostas s suas indagaes. Com isso, alguns temastornavam-se motivo de segredo e at mesmo de vergonha, exigindo rituais apro-priados para a sua abordagem. Com a macia presena da televiso na vida coti-diana, esse quadro se modificou. Mais do que deixar de reconhecer no adultouma referncia para a busca de repostas, trata-se da inexistncia das indagaes,uma vez que a televiso que fala a todos, sobre todos os temas, num nicotom oferece respostas para perguntas que nem chegaram a ser feitas.

    Compactuando com a tcnica narrativa de Xerazade, os programas de TVtambm interrompem sua histria no ponto culminante, adiando o desenredo dahistria para depois do intervalo comercial. Seu volume sonoro perceptivelmentemais elevado que o do restante da programao como uma autorizao paraque possamos sair da frente da TV, sem que, para isso, deixemos de ser olhadospor ela. Entretanto, tem ficado cada vez mais difcil precisar esses distintos mo-mentos, uma vez que os anncios foram admitidos no interior dos programas emforma de merchandising, assim como os programas no se tm diferenciado muito

    dos filmes publicitrios. At mesmo protagonistas/apresentadores, seu modo deser ou seu estilo de vida transformaram-se em objeto de consumo, pulverizandoos apelos publicitrios nas mincias da vida cotidiana e transformando os sujeitosem anncios ambulantes, como bem ressalta a poesia de Drummond:

    ...desde a cabea at o bico dos sapatos, so mensagens, letras falantes, gritos visuais,ordem de uso, abuso, reincidncia, costume, hbito, premncia, indispensabilidade, efazem de mim homem-anncio itinerante, escravo da matria anunciada1.

    A publicidade, pondera Toscani (1996a), nasceu de um antigo flerte entre aarte e o mercado. Entretanto, num contexto em que a prpria arte foi assumindoa forma de mercadoria, a publicidade acabou por aderir lgica do mercado,consolidando-se como um discurso de adeso ao consumo. Esquecendo-se desua dimenso artstica, a publicidade vem abrindo mo da capacidade de refletirsobre o mundo em prol da incessante busca de uma boa idia, confinando-se s

    1. Extrado do poema Eu Etiqueta, de Carlos Drummond de Andrade (1994). Disponvel em:

    www.suigeneris.pro.br/contos38.htm

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    leis do mercado. Nessa tica, a publicidade autorizou-se a criar, dentro de seuslimites, como que uma outra sociedade, uma sociedade em que todos so felizes,a vida tem mais cor, cada um fica na sua, com a certeza de ter alguma coisa emcomum. Somente esse universo mgico capaz de unir sucesso e cigarro, eco-

    logia e conjunto habitacional, margarina e sade infantil, batom e beleza do eternofeminino. [...] l o lugar em que eu tudo compro e nada devo, e tudo sobra,nada falta. [...] Os descontos anulam gastos, e, pagando, na verdade, economizo(Rocha, 1995, p. 32). Mas essa sociedade l dentro invade nosso cotidiano,deixando-nos muitas vezes na dvida do lugar que ocupamos. Desejamos seradmitidos como seu personagem, metamorfose nada difcil para o homem con-temporneo que anestesia a angstia ou a depresso no simples ato de consumir:a vida real passa a ser cada vez menos real.

    Vista de outro modo, porm, a publicidade tende a revigorar sua origemartstica medida que passa a assumir alguns papis at ento reservados arte,entre eles, o de ser uma produo representativa de uma poca, como pontuaLipovetsky (apud Toscani):

    Onde era possvel encontrar a provocao no sculo passado? Seguramente naarte. E hoje? As vanguardas artsticas pararam de fazer escndalo. Onde est ento a

    transgresso? Paradoxalmente, na expresso mais reconhecvel do capitalismo: apublicidade. (1996, p. 57)

    Numa posio vanguardista, a publicidade tem assumido o papel de sertradutora de uma poca, no entanto, essa traduo tem sido feita margem dareflexo, num discurso genericamente unssono que a descaracteriza como arte.Exigir-lhe outro discurso seria uma forma de reabilitar sua dimenso artsica? apublicidade uma produo artstica?

    Na histria brasileira, a publicidade surge juntamente com a criao da im-prensa, h cerca de 200 anos (Ramos, Marcondes, 1995). Inicialmente consistiana descrio minuciosa de um servio ou produto colocado venda, conformemostram os anncios classificados dos antigos jornais. Esses anncios, por umlado, do a perceber toda a experincia temporal de uma poca menos apressa-da, revelada na infinidade dos detalhes apresentados; por outro, deixam mostrao avesso de uma sociedade que, nos mesmos anncios classificados, vendia e

    comprava, sem distino, cestos, casas, cavalos e escravos adultos e crianas.Os anncios apresentavam-se como comunicados, sem inteno de persuaso,como denuncia a chamada para quem quiser, recorrente em quase todos os

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    anncios da primeira metade do sculo XIX. Aos poucos, passaram a articulartextos (ainda extensos) com imagens ilustrativas, geralmente caricaturas, arte muitoem voga na virada do sculo XIX para o XX. Jornais, revistas, almanaques, pas-quins, cartazes, calendrios, folhinhas. A publicidade do sculo XX estrutura-se

    com imagens coloridas, carter persuasivo e uma linguagem de prontido(Benja-min, 1987; Pasolini, 1990), expressa nos gingles e principalmente nos slogans.Cinema, rdio, televiso, multimdias. Experimentando diferentes formas, supor-tes e linguagens, a publicidade brasileira foi incorporando e redefinindo inmerosaspectos da cultura brasileira marcas, produtos e linguagens que contam nossahistria: as relaes com o estrangeiro, as polticas higienistas, as correntes artsti-cas e os padres estticos de cada poca, enfim, os modos como cada poca sedescrevia. Podemos ver nessa forma de descrio, o que Lipovetsky (1999) apontacomo uma outra perspectiva de produo histrica, tendo por base no mais osaspectos duradouros da cultura, mas o que ela tem de mais efmero.

    J consolidada nas ondas do rdio, a publicidade comeou a ser veiculada nateleviso de maneira tmida, tanto porque as tcnicas e os recursos necessrios paraa construo das peas audiovisuais ainda eram desconhecidos dos profissionais dapublicidade quanto pela incerteza das empresas em oferecerem seus produtos nes-se meio ainda muito novo. Assim, do mesmo modo que a programao das rdios

    foi transposta para a televiso, a publicidade conquistou o espao da tela e lanouuma figura muito particular: a garota propaganda, que continuava a apresentar osprodutos descrevendo-os pormenorizadamente, mas agora podendo mostr-los,acarici-los em frente ao espectador: no uma tentao?2.Os primeiros progra-mas patrocinados da televiso costumavam levar o nome do anunciante, sendo queeste comprava o espao e se responsabilizava pela sua produo. A partir dos anos70 que a programao vai ser assumida exclusivamente pelas emissoras, sem

    vincular o anunciante ao nome do programa (Ramos, Marcondes, 1995). Por umlado, isso ajudou a demarcar as especificidades da produo televisiva e da publicit-ria que no se esgota na televiso. Por outro lado, distanciou por demais o patro-cinador, eximindo-o, de certa maneira, da responsabilidade social pela qualidade daprogramao que financia.

    Embora o meio publicitrio e o mercado tenham assumido definitiva-mente a criana como espectador/consumidor entre as dcadas de 70 e 80, sua

    2. Bordo utilizado por Rosamaria, garota-propaganda de Marcel Modas, que apresentava o

    quadro Tentao do dia, nos anos 50 e 60.

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    imagem, desde h muito, j figura constante da publicidade. Fazendo uso daimagem da infncia, a publicidade tanto oferece produtos destinados a ela (brin-quedos, roupas, doces, parques de diverso etc.) como tambm oferece produ-tos tpicos do mundo adulto (locao de veculos, venda de automveis, amaciante

    de roupas, cadernetas de poupana, seguros de vida etc.), num discurso dirigidoao adulto, porm, mediado pelos discursos que o mundo adulto construiu sobrea infncia. Nessa perspectiva, encontramos tanto os anncios que utilizam a crian-a como protagonista quanto os que elegem a criana como interlocutor ou me-diador para o convencimento de seus pais. Recorrer imagem da infncia ,muitas vezes, um recurso de ilustrao a um discurso no qual a prpria crianano reconhecida como sujeito. Exemplo disso a crena recorrente no meiopublicitrio de que

    ...existem trs apelos muito grandes que, por darem certo, acabam surgindo cons-tantemente nas mensagens: animal, criana e sexo. E criana, especialmente, carre-ga, alm do apelo emocional, o peso de um senso comum, a respeito de que acriana verdadeira, inocente, o que acrescenta mensagem uma grande dose decredibilidade. (Giacomini Filho apud Pacheco, 1998, p. 145)3

    Que lugar esse no qual a criana tem espao cativo? Que outras questes

    esto implicadas na suposta conquista desse lugar? O que essas mudanas noscontam sobre as transformaes mais amplas acontecidas na dinmica social, es-pecificamente na relao entre adultos e crianas? Como podemos relacion-lascom outras esferas da produo cultural as diversas formas de arte, sejam elasdirigidas ao pblico infantil ou no? Que exigncias estticas tm orientado nossocotidiano? no bojo dessas indagaes que se coloca a urgncia de construo debases terico-metodolgicas slidas para as pesquisas sobre a relao entre crian-

    a e televiso e publicidade. Assim como no caso da televiso, tambm no que serefere publicidade as crticas produzidas tm sido marcadas por algumas contro-vrsias, principalmente no que diz respeito origem das questes formuladas.Serpa (1999) classifica dois tipos de crtica existentes hoje envolvendo o tema dapublicidade. Uma delas acontece no interior do sistema e tem carter pragmticoe formal; a outra, acontece fora do sistema, operada pelo leigo e tem sido,segundo o autor, equivocada. O equvoco apontado por Serpa est em que o

    3. Originalmente a citao remete a Silveira, 1985.

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    leigo tem uma tendncia a analisar o anncio do ponto de vista da crtica de arte,da crtica de expresso, posicionamento que pouco tem a ver com a razo de serda propaganda que est na consecuo do efeito desejado(1999, p. 81, nota 6).

    Esse suposto hiato entre o sistema de produo e os modos de compreen-

    so do espectador acaba por fomentar dogmas e maniquesmos que, longe decontribuir para a construo de uma crtica efetiva, fragmentam ainda mais asrelaes sociais implicadas no campo da comunicao, naturalizando seu carterimperativo. Desse modo, tanto a instncia crtica reduzida unicamente ao interiordo prprio sistema quanto a crtica externa elaborada sem levar em considera-o o que especfico ao sistema so insuficientes para esboar o necessriodilogo entre os produtores da comunicao publicitria e os demais segmentosda sociedade. Cindindo as esferas da produo e da recepo televisivo-publicit-ria, torna-se impossvel a elaborao de uma crtica que contemple as contradi-es e as demandas sociais desse campo do saber. Nessa linha de pensamento que as reflexes trazidas por Mikhail Bakhtin e Oliviero Toscani representam umasignificativa contribuio para a construo de uma perspectiva metodolgica depesquisa.

    AS IMAGENS DE TOSCANI E O OLHAR DE BAKHTIN

    O objetivo desta reflexo o de construir um mapeamento inicial das ques-tes centrais que norteiam a anlise bakhtiniana, a fim de buscar elementos queajudem a construir uma metodologia para compreender um outro tipo de produ-o cultural: a publicidade. Para tanto, busca-se um dilogo com o fotgrafo/publi-citrio Oliviero Toscani, responsvel pela criao publicitria dos polmicos ann-cios da Benetton4, cujas indagaes lanadas produo publicitria guardam muitasinterfaces com as reflexes suscitadas por Bakhtin. Buscar um dilogo entre auto-res e obras com diversificadas questes, originadas em espaos e tempos diferen-ciados, uma tarefa um tanto paradoxal. Por um lado, no h como no questio-nar as conseqncias de se buscar um referencial terico especfico para encaminharquestes que originalmente no compunham as inquietaes do autor. Por outrolado, o fato de os autores/produtores envolvidos postularem a necessidade deabertura das obras e reservarem aos leitores/espectadores um papel ativo, queos transforma em co-criadores dessa obra, permite uma certa tranqilidade

    4. Em maio de 2000, o fotgrafo/publicitrio deixou de exercer essa atividade especfica.

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    medida que esses postulados se convertem em autorizao para a construo deoutros textos e intertextos, ou, no dizer de Bakhtin:

    No existe nem a primeira nem a ltima palavra e no existem fronteiras para umcontexto dialgico (ascende a um passado infinito e tende para um futuro igualmen-te infinito). Inclusive os sentidos passados, ou seja, gerados nos dilogos dos sculosanteriores, nunca podem ser estveis (concludos de uma vez para sempre, termi-nados); sempre vo mudar, se renovando no processo posterior do dilogo. Emqualquer momento do desenvolvimento do dilogo existem as massas enormes eilimitadas de sentidos esquecidos, porm, nos momentos determinados do desen-volvimento posterior do dilogo, no processo, sero recordados e revivero emum contexto e num aspecto novo. No existe nada morto de uma maneira absolu-ta: cada sentido ter sua festa de ressurreio. Problema do grande tempo. (1982,

    p.223, traduo nossa)

    Cabe frisar que, resguardadas a historicidade dos conceitos e a atualidadedos constructos tericos de Bakhtin, o que em sua obra se torna mais caro sindagaes aqui expostas a dimenso poltica do olhar que lana realidade,imprescindvel instncia crtica. Ainda, recorrer critica que o autor tece emtorno do campo da arte mostra-se como caminho bastante fecundo para subsi-

    diar a reflexo sobre o contexto histrico em que vivemos, no qual a prpria arteassume um novo estatuto diante da lgica mercantil.Bakhtin reivindica que a reflexo sobre a arte siga os pressupostos do mto-

    do sociolgico em sua acepo marxista como premissa para que a arte sejareconhecida na sua condio de produo social, haja visto que ela se torna arteapenas no processo de interao entre criador e contemplador, como fator essen-cial nessa interao(1976, p.6, trad. Cristvo Tezza, para uso didtico). Tal reivin-dicao deveu-se ao fato de que as clssicas anlises sobre a arte operavam tendo

    como ponto de partida o isolamento de seus elementos constitutivos: a obra, oartista e o contemplador. Inseridas na tradio dualista que ope sujeito e objeto, asteorias sobre a arte viriam tangenciando esses dois plos, favorecendo ora a um,ora a outro. Se tratada unicamente como obra, sem levar em considerao suasrelaes de produo e recepo, acaba por reduzir-se a artefato. Dessa com-preenso objetivista, resulta o que Bakhtin nomeou como fetichizao da obra dearte, concepo buscada na tradio marxista, e sua crtica ao fato de atribuirmos

    aos objetos do mundo material caractersticas que so prprias do homem e dassuas relaes sociais. No caso especfico da arte, implicaria a total autonomia daarte, como objeto de arte diante do seu produtor, seu receptor e s relaes so-

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    ciais. Sob o outro ponto de vista, encontra-se uma postura subjetivista, que, aocontrrio da primeira, restringe a anlise da arte s experincias psquicas de seuprodutor ou receptor. Dessa maneira, retira-a tambm do contexto social, medi-da que a reduz a produto de uma experincia individual.

    Para Bakhtin, ambos os pontos de vista so insuficientes exatamente por pre-tenderem, isolados em seus respectivos ngulos, dar conta da arte como um todo.Com isso, o que conseguem empobrecer o potencial de seus elementosconstitutivos, bem como as teorias sobre a arte. Diz Bakhtin que o que confere acondio de arte a um tipo de produo humana

    ...no se localiza nem no artefato nem na psique do criador e contemplador consi-derados separadamente; ele contm todos esses trs fatores. O artstico uma

    forma especial de inter-relao entre criador e contemplador fixada em uma obrade arte. (1976, p.5, trad. Cristvo Tezza, para uso didtico)

    Bakhtin afirma que a comunicao esttica deriva de uma base social co-mum, da qual tambm derivam outras formas de produo a exemplo da poltica,da jurdica, da moral, da cincia etc. e seus respectivos gneros discursivos , sendoque sua identidade conferida pela singularidade com que se relaciona com essabase comum. O que caracteriza a comunicao esttica o fato de que ela totalmente absorvida na criao de uma obra de arte e nas suas contnuas recria-es por meio da co-criao dos contempladores e no requer nenhum outro tipode objetivao (Bakhtin, 1976, p.6, trad. Cristvo Tezza, para uso didtico). uma forma nica que, por isso mesmo, no existe isoladamente, mas participandodofluxo unitrio da vida social,em permanente troca com outras formas de co-municao.

    Entre as variadas formas de comunicao, Bakhtin dirige seu olhar para a

    comunicao esttica e, nesta, mais especificamente, para a forma artstica a litera-tura e, em especial, a potica. No entanto, o autor pondera que, para compreen-der os enunciados especficos do campo da arte, se torna necessrio buscar auxlioem outras esferas da produo humana o que inclui a vida cotidiana pois osenunciados originados nessas outras esferas j contm em germe a forma artstica,uma vez que a arte dialoga com outros campos da produo (Stam, 1992). Bakhtin(1985) contrape duas concepes de unidade artstica, uma mecnica e puramen-

    te formal, que admite que as diferentes reas da cultura humana e seus elementosse relacionam entre si ligadas por uma relao puramente externa; outra, conceitual,entendendo que essas reas cobram uma unidade que permitida pela atividade

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    arquitetnica da mente, ainda que aparentemente se mostrem distanciadas. Essaunidade dada pela atribuio de sentidos, isto , pela implicao dos sujeitos dian-te das produes da sua cultura. A atribuio de sentidos resulta de um processointerior da conscincia humana, sendo que, para o autor, ela prpria, a conscincia,

    uma construo social (Bakhtin, 1985; Stam, 1992).Exemplificando as distintas concepes, Bakhtin traz para o debate as rela-

    es entre a arte, a cincia e a vida, trs reas da cultura humana que nos permitemcompreender as questes ticas e polticas implicadas com as maneiras que se rela-cionam entre si. Se a produo da arte se afasta da produo da vida cotidiana, oprprio sujeito humano torna-se cindido entre o homem comum e o artista; assim,se o homem se encontra na arte, no est na vida,e vice-versa, tornando a vida ea arte mecanicamente distintas e autnomas. Ao artista caberia a recriao do mun-do pela via da inspirao, sem precisar responder pelos qiproqus da vida cotidia-na; ao homem comum caberia, nesse caso, levar a vida cotidiana, sem ter de res-ponder pela criao. A mesma crtica caberia produo cientfica nas suas formasde se relacionar com a vida e com a arte crtica essa que Bakhtin assume tanto aopropor uma anlise sociolgica da arte quanto ao fazer, junto disso, uma anlisecrtica da prpria Sociologia.

    Uma das conseqncias ticas dessa viso mecanicista, diz Bakhtin, o em-

    pobrecimento das prprias esferas especficas da cultura humana e, com isso, dacompreenso que o homem constri de si mesmo e do outro. Por isso, a necessi-dade de buscar essa unidade que permitida pela responsabilidade, isto , pelaimplicao tica do homem diante de suas atitudes. na unidade da responsabilida-de/respondibilidade, isto , na tomada de postura em relao s demandas da vidasocial que o homem constri sentidos e estabelece os vnculos de unidade entre asdiversas reas da cultura. Ou seja, no interior da unidade da responsabilidade que

    se imbricam a arte, a cincia e a vida. Diz Bakhtin que devo responder com minhavida por aquilo que compreendido na arte, para que todo o vivido e compreendi-do no permanea sem ao na vida.Diz ainda que a responsabilidade se relacionatambm com a culpa. Certamente mais fcil criar sem se responsabilizar pelavida, do mesmo modo que mais fcil viver sem levar em conta a arte. No entan-to, uma vez admitida a ciso entre a arte e a vida, preciso culpar-se, seja pelanegao da sensibilidade ao homem comum, seja pela negao ao artista pelo agircircunstancial do cotidiano. Do mesmo modo, cabe ao artista e ao homem comumassumirem sua responsabilidade perante a arte e a vida, pois um poeta deve recor-dar-se de que sua poesia culpada pela trivialidade da vida, e o homem na vida h

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    de saber que sua falta de exigncia e seriedade em seus problemas existenciais culpada pela esterilidade da arte (Bakhtin, 1985, traduo nossa).

    Ao ponderar acerca da unidade entre as distintas reas da cultura humana,em hiptese alguma Bakhtin est postulando a existncia de uma homogeneidade

    entre elas. Ao contrrio, cada rea da cultura tem sua especificidade e essapluralidade que garante a riqueza da existncia humana. Essas somente se conver-tem em algo unitrio na unidade da responsabilidade, na atribuio de sentidos, natomada de postura por parte de cada um. Responder colocar-se diante do ou-tro e, ao mesmo tempo, recriar-se. preciso ponderar tambm que o conceito deresponsabilidade cunhado por Bakhtin est intimamente associado sua concep-o de autoria. Para o autor, toda criao , por natureza, coletiva, uma vez que aprpria vida humana uma construo que ocorre d na fronteira entre o eu e ooutro. Toda criao ou toda compreenso sempre fruto de um dilogo, sempreparte de uma relao de alteridade, de um contexto em que os eus so autoresuns dos outros, co-autores das suas produes. A autoria tambm criao de simesmo, posto que o selfno existe fora do dialgico, permanente presena dooutro: o eu precisa daquilo que o outro v. Dessa maneira, Bakhtin rejeita veemen-temente o conceito de indivduo trazido tona pelo iderio capitalista, insuficientepara pensar a complexidade da realidade social, porque comprometido com uma

    injusta diviso social do trabalho, do saber, da criao, da recepo, da sensibilidade.Exemplo disso, no contexto capitalista, o conceito de produo visto como posse,e o conceito de contemplao, visto como no-trabalho, no-produo.

    As reflexes de Oliviero Toscani em muito se aproximam dos conceitos tra-zidos por Bakhtin. Segundo Toscani (1996a), h urgncia em se formularem ques-tes que visem recolocar em novas bases a relao da publicidade com a arte. preciso que se lance um olhar poltico para a publicidade, haja vista que esta se

    tornou uma instituio de inegvel poder, formadora de subjetividade. O que, defato, a publicidade comunica? Que outras formas comunicativas so possveis pu-blicidade? O que, efetivamente, est a criar? Como se relaciona com as demaisreas da cultura humana e com os sujeitos que a produzem e a recebem? Procuran-do dar visibilidade dimenso poltica que a publicidade tem, Toscani denuncia,tendo como referncia a realidade italiana, que a despesa com a propaganda deprodutos maior que os investimentos estatais em educao. Pondera que sua tese um pouco difcil de ser comprovada, uma vez que, mesmo se orgulhando do percapitaque movimentam, os rgos responsveis pela regulamentao publicitriaou outros rgos competentes jamais diriam que a despesa com publicidade na

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    Itlia igual despesa para a pesquisa industrial, maior que os investimentos estataisdestinados educao e infinitamente superior aos investimentos na sade pblica(Toscani, 1996a, p. 50).

    Toscani, com seu trabalho, reivindica um outro lugar para a produo publi-

    citria. Em outdoors, revistas, jornais e catlogos apresenta diferentes imagens, assi-nadas pelo sloganUnited Colors of Benetton: negros, brancos, orientais, ociden-tais, portadores de necessidades especiais, condenados pena de morte, crianasrecm-nascidas, roupas de soldados mortos, doentes em fase terminal, tabus, pre-conceitos, utopias. Independentemente de tecer juzos de valor acerca do seu nvelde comprometimento com o mercado, explcita a sua reivindicao de que apublicidade resgate sua dimenso artstica. As polmicas que suscita com as imagensque veicula apresentam-se como uma metalinguagem de um papel que entendeser tambm o da publicidade: deter-se sobre os problemas da realidade humana.

    Qualquer imagem publicitria, mesmo a mais idiota, tem uma significao sociopoltica.No h imagens que no tenham uma mensagem, uma significao. As imagens queprojetam imagens de supermodelos, de supermentiras, so de qualquer forma, ima-gens sociopolticas. [...] Minhas imagens no so diferentes, desse ponto de vista. Sque elas andam com a realidade do mundo. [...] So realidades humanas. (Toscaniapud Calligaris, 1996, p. 76)

    Tais ponderaes aproximam-se, de certa maneira, da reivindicaobakhtiniana de que a arte fosse reconhecida como produo social. Nesse sentido,a crtica de Bakhtin ajuda-nos a formular um outro olhar para a publicidade. Orien-tados por sua reflexo, podemos afirmar que a comunicao publicitria deriva deuma base social comum, da qual tambm derivam outras formas de produo aarte, a poltica, a cincia etc.

    A realidade social que produz carros, pulveres, cremes de beleza a mesma queproduz o preconceito, a aids. A indstria que produz esses produtos e a empresaque faz a comunicao dessa indstria tambm produz realidade e desigualdadesocial. [...] Mas procure o espectador encontrar numa propaganda de nossos diaspobres, imigrantes, acidentados, revoltados [...], desastres ecolgicos, exploses dajuventude e o pnico dos idosos! Foi tudo substitudo por Claudia Schiffer.5

    5. Fragmento transcrito de Entrevista concedida por Oliviero Toscani ao Programa Roda Viva, da

    TV Cultura, em 17.5.95, publicada parcialmente na Folha de S. Paulo, Caderno Mais! de

    30.5.95.

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    O fato de a publicidade consolidar-se como um hegemnico discurso deadeso ao consumo, bem como promessa de um mundo idlico, longe de sernaturalizado, precisa ser revisto sob uma outra tica, que no desconsidere adimenso poltica da realidade social. Urge, portanto, que lancemos a ela um

    olhar crtico, que nos permita compreender essas interfaces. Nesse sentido, Toscanicomplementa:

    Coloco-me perguntas, penso que tudo est ligado. No existe uma oposio clara:monocultura ou pluricultura. H McDonalds e h culturas sem McDonalds. Nomeio, h ns. [...] No h sociedades isoladas. A humanidade uma s, h quemcompra e h quem morre de Aids, quem canalha e quem no , e, muitofreqentemente, esto no mesmo elevador. E no entendo como poderia haver

    expresses, sobretudo artsticas, que sejam destacadas disso. (Toscani apud Calligaris,1996, p.84)

    Construir um outro discurso publicitrio, que vise ao questionamento darealidade humana, visto por Toscani como possibilidade de recuperao da di-menso artstica da publicidade, uma metodologia de trabalho que se apresentacomo forma de resistncia ao padro existente:

    ...estimular uma discusso crtica no interior da comunicao publicitria; introduzirimagens de realidade num sistema que tem, ou teve, o imperativo categrico dedesnaturar a realidade, falsificando-a, tornando-a mais bela, eliminando os conflitosexistentes. [...] bom suscitar dvidas em vez de concordar com o conformismodas certezas. Quando muitos me perguntam o que tm a ver a guerra, o nascimen-to ou a morte com a venda de malhas, respondo que nada. Mas no totalmenteexato. Creio que h cada vez mais gente disposta a discutir sobre os problemassociais que a inquietam sem por isso deixar de comprar, at com certo prazer volup-

    tuoso, uma roupa bem-feita, de boa qualidade, honesta no preo. (Toscani, 1996,p. 59-60)

    Com isso, Toscani pondera que necessrio construir uma crtica dapublicidade para alm de sua aparncia formal, isto , que permita analis-lalevando em considerao sua qualidade tcnica, mas tambm os sujeitos impli-cados com sua produo e recepo. Cabe ao publicitrio responder s exign-cias da realidade social, denunciando o lugar-comum em que a publicidade se

    transformou, pois

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    ...se o lugar-comum denunciado com conscincia, talvez seja mais fcil super-lo.As discusses partiram desse ponto. Descobri que o lugar-comum, que deveria seralgo a que estamos acostumados, no na realidade um dado adquirido. E quepossui uma fora revolucionria, rompedora. (Toscani, 1996a, p.61)

    Tomando como exemplo o tipo de publicidade que vende um creme debeleza, prometendo consumidora que o seu uso a deixar to bela quanto agarota-propaganda, ou a que vende virilidade associada posse de um determi-nado modelo de carro, Toscani questiona a responsabilidade do publicitrio paracom a sua produo e os consumidores das imagens que produz. Acusa ospublicitrios de abdicarem da atividade criadora, em prol da administrao da boaidia, desempenhado pelo chamado diretor de criao. Cobra, ainda, que se

    responsabilizem pela construo de modos de ser sobretudo dos jovens se-duzidos por valores difundidos em produes medocres:

    A publicidade hoje mais formadora de nossa subjetividade do que o ensino escolar.Ela a maior expresso de nossa poca, quantitativamente pelos investimentos quemobiliza, e qualitativamente por seu prottipo cultural, pois o consenso da razocontempornea parece ser feito de imagens de sonho que nos convidam: sejamcomo ns, imagens publicitrias. (Toscani apud Calligaris, 1996, p. 89)

    Toscani traz para o debate a necessidade de se colocarem em questo asconseqncias ticas do trabalho do publicitrio diante da realidade social. Domesmo modo que o arquiteto nos ensina a habitar nossa casa, que o cineasta nosensina a olhar, tambm o publicitrio precisa ter conscincia da dimenso educativada sua profisso. Do mesmo modo, a publicidade precisa ser objeto de indagaode quem a recebe ainda que o espectador mostre sua resistncia aproveitandoa hora dos comerciais para fazer outras atividades. O consumidor precisa exigiruma publicidade de qualidade, mas, para isso, necessrio que seja educado paratal. Toscani menciona, como exemplo dessa necessria tomada de postura, rea-es e boicotes motivados inclusive pela publicidade assinada por ele, a exemplo,principalmente, da campanha em torno dos condenados pena de morte porcrimes ditos hediondos.

    Eu penso que precisaria ensinar a ler a publicidade e em geral a nova comunicao.

    Hoje a leitura no s so os livros. Os professores, alis, deveriam se especializarem comunicao moderna. Precisa saber ler a televiso e ningum ensina isso, quandodeveria ser um dos primeiros ensinos, na prpria escola maternal, ensinar a ler

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    imagens. Parece-me muito claramente que hoje as imagens so a realidade. Mais de90% do que conhecemos, conhecemos por imagens. Temos opinies sobre coisasque s conhecemos por imagens. (Toscani apud Calligaris, 1996, p. 85)

    A preocupao de Toscani em colocar a realidade humana em questo complementada pela afirmao de que esse questionamento precisa ser compar-tilhado pelo publicitrio que precisa ter conscincia daquilo que produz e saberefetivamente o que pretende comunicar e pelo espectador que deve recusarum modelo de publicidade que no o reconhea como sujeito crtico. Nessesentido, pode-se perceber uma outra interface com o pensamento bakhtiniano,em torno do conceito de responsabilidade, tanto no que se refere tomada depostura poltica do produtor ou receptor diante da obra publicitria, quanto na

    recomendao de que se busque criar um outro tipo de comunicao publicit-ria, que, colocando em questionamento a realidade humana, se transforme numaobra/produo a ser complementada pelos seus contempladores e na relaocom outros tipos de produo, sendo recriada no dialogismo.

    Um ponto positivo nessa busca de um outro olhar e de outras condiesde produo/recepo, para a publicidade, o fato de que esta comea a ocupar,efetivamente, outros lugares. Transcendendo os limites do intervalo dos progra-

    mas, passaram a ser tema central de muitos programas. A histria da propagandatem-se apresentado cada vez mais como uma forma reconhecida de memriasocial. Tambm muitas imagens e catlogos tornaram-se objetos de exposioem museus e feiras de arte. Extrapolando seu espao original, a publicidade temconstrudo alguns dilogos com outras reas da cultura. Investigar os sentidos quepermeiam esses dilogos tarefa a ser assumida tambm pelos pesquisadores eeducadores da infncia contempornea. Fundar um debate contundente em tor-no da mdia e, especificamente, da publicidade televisiva , pressuposto bsicopara reinveno de uma postura crtica diante dela, na famlia, na escola, nos dife-renciados espaos sociais.

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