Infinite Jest - Revista Continente

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“Eu estou sentado num escritório, cercado de cabeças e corpos...” Assim se inicia um dos mais prestigiados romances da ficção co passados 18 anos de seu lançamento, é publicado no Brasil pela pri !abilidosa mão de "aetano #alindo, a obra m$%ima do escritor norte& (oster )allace, Graça Infinita não poderia ser lançada em momento mais oportun Antes de entrar em seus meandros, cabe tentar responder * perg cr+tico espan!ol uan (erré- o que é a #raça nfinita/ 0m ordem asc uma citação de amlet, referindo&se a 2oric3 como 4um rapaz de inf fantasia5 na tradução de 6ill7r uma série de filmes inacabados rea ames 9. ncandenza, sendo um deles uma fita, con!ecida como 40ntre espectador fica tão absorto por seu conte:do que não consegue parar de inanição. 0, claro, #raça nfinita é também um romance de 1;8; p delas apenas de notas de rodapé, que faz todas essas lin!as converg =eria um esforço infrut+fero > e um tanto absurdo > tentar res #raça nfinita, especialmente por sua caracter+stica de fractal ond convergem formando uma espécie de padrão matem$tico estrutural em q contido nas partes e vice&versa. 0ntretanto, é poss+vel marcar um p narrativa- ?ustamente o uso do 40ntretenimento5, filme de ames 9ri arma terrorista por e%tremistas do @uébec, enga?ados numa causa sep pano de fundo pol+tico do mundo futuro de #raça nfinita. e%istem duas outras lin!as narrativas que insinuam uma conflu ncia de ames 9. ncandenza, na academia de t nis ?uvenil fundada por s 'on #atelC numa casa de recuperação para viciados, vizin!a da acade (oster )allace situa a questão do entretenimento numa diferentes esferas da cultura contemporânea. 0le identifica que as tecnologias de comunicação contribuem para uma l gica narrativa onde a busca pelo imediato é a dominância. 0star+amos viciados, dispostos a dar nossa algumas !oras de sublimação através da diversão/ =e !avia como dominância na cultura essas formas de entretenim )allace via ?ustamente o contr$rio- a metaficção p s&moderna, esco !erdeiro e que com a qual tenta romper a todo custo, compreendia a mecanismo auto&referencial, encerrando suas discussDes apenas no âm (oi na intersecção desses dois p los da cultura & uma foma de entretenimento altamente identific$vel e uma forma liter$ria altamente alienante & posicionar seu romance, a partir do seguinte questionamento

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resenha

Transcript of Infinite Jest - Revista Continente

Eu estou sentado num escritrio, cercado de cabeas e corpos...

Assim se inicia um dos mais prestigiados romances da fico contempornea, que, passados 18 anos de seu lanamento, publicado no Brasil pela primeira vez. Traduzido pela habilidosa mo de Caetano Galindo, a obra mxima do escritor norte-americano David Foster Wallace, Graa Infinita no poderia ser lanada em momento mais oportuno.

Antes de entrar em seus meandros, cabe tentar responder pergunta proposta pelo crtico espanhol Juan Ferr: o que a Graa Infinita? Em ordem ascendente, aos poucos: uma citao de Hamlet, referindo-se a Yorick como um rapaz de infinita graa, espantosa fantasia na traduo de Millr; uma srie de filmes inacabados realizados pelo falecido James O. Incandenza, sendo um deles uma fita, conhecida como Entretenimento, onde seu espectador fica to absorto por seu contedo que no consegue parar de assisti-lo at morrer de inanio. E, claro, Graa Infinita tambm um romance de 1080 pginas, sendo 130 delas apenas de notas de rodap, que faz todas essas linhas convergirem.

Seria um esforo infrutfero e um tanto absurdo tentar resumir um romance como Graa Infinita, especialmente por sua caracterstica de fractal onde diferentes narrativas convergem formando uma espcie de padro matemtico estrutural em que o todo est contido nas partes e vice-versa. Entretanto, possvel marcar um ponto de partida na narrativa: justamente o uso do Entretenimento, filme de James Orin Incandenza, como arma terrorista por extremistas do Qubec, engajados numa causa separatista que delineia o pano de fundo poltico do mundo futuro de Graa Infinita. Aparte da questo poltica, existem duas outras linhas narrativas que insinuam uma confluncia: a histria de Hal, filho de James O. Incandenza, na academia de tnis juvenil fundada por seu pai, e o priplo de Don Gately numa casa de recuperao para viciados, vizinha da academia.

Foster Wallace situa a questo do entretenimento numa relao complexa entre diferentes esferas da cultura contempornea. Ele identifica que as tecnologias de comunicao contribuem para uma lgica narrativa onde a busca pelo prazer esttico imediato a dominncia. Estaramos viciados, dispostos a dar nossa prpria vida, por algumas horas de sublimao atravs da diverso?

Se havia como dominncia na cultura essas formas de entretenimento, na literatura Wallace via justamente o contrrio: a metafico ps-moderna, escola da qual DFW herdeiro e que com a qual tenta romper a todo custo, compreendia a fico como um mecanismo auto-referencial, encerrando suas discusses apenas no mbito da linguagem.

Foi na interseco desses dois plos da cultura - uma foma de entretenimento altamente identificvel e uma forma literria altamente alienante - que Wallace resolveu posicionar seu romance, a partir do seguinte questionamento: seria possvel realizar uma espcie de arte sria, que no abdicasse de sua auto-referencialidade e princpios estticos, mas que mesmo assim alcanasse uma comunicao efetiva, sem se entregar as formas simples e codificadas do entretenimento?

A soluo de DFW, de certa forma um tanto contra-intuitiva, foi criar um romance gigantesco, intricado e formalmente complexo, com uma profuso de vozes e personagens, desconcertante por sua exuberncia. A forma de adentrar essa simetria catica lanar mo de um engajamento total por parte do leitor. Entretanto, tal engajamento no tem por funo descobrir a forma estrutural do romance ou as arbitrariedades da linguagem e sua inevitvel desconstruo. No horizonte de Graa Infinita esto seus personagens, Hal e Gately.

DFW afirmava que se a fico tinha um papel, este seria o de tentar mostrar o que significa estar vivo hoje em dia. A odisseia formal que Wallace nos prope a enfrentar mimetiza o processo de auto-constituio dolorosa de Hal e Gately para fora de sua dimenso alienada, em comunicao com o outro. Ou seja, apenas atravs do esforo de tentar formalizar as mltiplas vias que constituem o romance que podemos alcanar a alteridade fundamental do estar vivo.

O livro, apesar de seu tom muitas vezes leve e engraado, expressa uma viso de mundo altamente trgica. Estamos, afinal, sempre s margens de uma solido paralisante e alienante. Ao mesmo tempo, essa viso tambm muito altrusta, pois a nica sada o esforo contnuo de engajar-se com o outro - seja esse outro autor, leitor ou personagem. O suicdio de David Foster Wallace em 2008 deu contornos ainda mais trgicos para Graa Infinita, pois mostra a dimenso que transcende a literatura das discusses que ele props. Resta a ns, seguir seus passos e tentar compreend-las.

Entrevista com o tradutor de Graa Infinita, Caetano Galindo. Galindo professor de Lingustica Histrica na Universidade Federal do Paran e doutor em Lingustica pela USP. J traduziu livros de Tom Stoppard, James Joyce e Thomas Pynchon. Galindo manteve um blog sobre a traduo de Graa Infinita no site da editora e aqui expe algumas questes sobre o livro e a traduo.

Qual a sua relao com a obra de David Foster Wallace e qual foram as motivaes em se engajar na traduo de Graa Infinita?

A minha relao com a obra dele diferente. At porque ela existe, existia e era forte antes de eu comear a traduzir. Eu fui atrs de Graa Infinita quando logo depois de ter terminado a traduo do Ulysses, basicamente pra tentar um 'banho de descarrego', e ver o que de mais interessante as pessoas andavam fazendo por a, no mundo ps-Joyce. Viciei. Dali em diante li TUDO que ele publicou, e boa parte do que ele NO publicou. E nesse tempo todo, como uma espcie de vcio profissional, que s se via intensificado pela singularidade da prosa do Wallace, eu ia pensando como seria bom traduzir aquilo, como eu gostaria de tentar.... E ia, claro, ensaiando solues. Ele tem um estilo tremendamente contagiante, e eu me vi durante vrios anos escrevendo ' la Wallace' pra ver como era. Ou seja, quando veio o convite da Companhia das Letras pra fazer o Graa Infinita, eu j estava 'aquecido', por assim dizer.

A ambientao dos espaos em Graa Infinita construda com um uso cuidadoso de lxicos especficos, com utilizao de grias, maneirismos, estrangeirismos, alm de um processo de inveno de um vocabulrio especfico para o mundo poltico no qual a histria se passa. De que forma ocorreu a reconstruo desse "mundo" a partir de sua traduo?

Bom, por partes. Nos campos do tnis e das drogas, teve alguma pesquisa (santo Google, santa Wikipdia.... no d mais pra imaginar como era traduzir offline), alguma colaborao de gente que entende das respectivas reas, especialmente o Paulo Henriques Britto e o Reinaldo Moraes. As grias, bem como as marcas de oralidade em geral, so um campo com que eu gosto de trabalhar. Eu me realizo mesmo traduzindo dilogo, e boa parte da prosa narrativa do Wallace tem um inequvoco tom de oralidade como base. Ento festa. a possibilidade de incluir tudo em que voc presta ateno, tudo que te chama ateno no portugus de hoje, e que nem sempre d pra encaixar nas tradues. No Wallace cabe tudo. Ele PEDE tudo. Voc mencionou, por exemplo, estrangeirismos. E tem uma coisa muito esquisita no Graa Infinita, que o fato de que o Qubec tem um papel importante no livro (eles so a sede de um movimento terrorista), e a francofonia acaba aparecendo em diversas falas, nomes de organizaes etc... mas, quase invariavelmente, o francs que aparece aparece errado... s vezes BEM errado. Wallace era, em diversos sentidos, um americano 'caipira', que praticamente no saiu dos EUA. Posso achar que ele estava simplesmente errado, e corrigir. Mas num livro que no fundo to absolutamente estruturado, apesar de uma aparncia de caos, no seria isso tambm motivado? Depois de uma longa conversa com o tradutor alemo e de alguma troca de ideias com os tradutores portugueses, optei por deixar como estava. Na impossibilidade, ainda mais triste, de consultar o autor...

Que cara tem a Graa Infinita de Caetano Galindo em relao ao Infinite Jest de David Foster Wallace e quais as mudanas de contexto voc v entre o lanamento original e hoje em dia?

O livro, como todo livro bom (excelente, na verdade), s cresce com a anlise profunda. Quando mais voc fua mais voc entende, mais voc v, mais voc admira e mais voc se encanta. O livro, pra mim, saiu ainda mais forte, ainda mais impressionante. A traduo foi a minha terceira (e quarta, e quinta....) leitura. E hoje eu vejo ainda mais qualidades no livro. Fiz o que pude, claro, pra que essas coisas, essas possibilidades e esses encantos todos no morressem na traduo. Insisto sempre com os alunos que o papel do tradutor no o de estabelecer uma leitura, mas o de diagnosticar possibilidades de leitura e manter essas portas abertas pra quem for ler a verso traduzida. Assim, posso ter gastado muito tempo com detalhes que ningum vai perceber (especialmente pequenas correspondncias internas), mas que se algum um dia vir, vai justificar esse 'exagero'. Eu no tenho (ningum tem... mesmo) a exuberncia verbal do Wallace. Mas o prprio fato de que eu vinha lendo a obra dele h muitos anos meio que me acostumou a tentar, a no ter preguia nem vergonha de tentar, de ir mais fundo e mais alto. Claro que tenho um certo receio... S de pensar que muita gente vai conhecer apenas o 'meu' Graa Infinita, e de pensar o quanto eu respeito, amo mesmo esse livro... uma responsabilidade enorme. Mas at por isso um privilgio, tambm. Falar pelo Wallace.

Agora, o que eventualmente mudou, eu acho (apesar de no 'datar' ou 'superar' as discusses no livro), a questo do discurso irnico. Aquele diagnstico que ele faz, magistralmente, no ensaio sobre televiso, e que tem um papel bem central no Graa Infinita, eu acho que continua muito certeiro e muito poderoso: a ideia de que toda uma gerao, especialmente a partir dos anos 80, transformou todo tipo de ironia em um credo e uma muleta que impedia que coisas realmente importantes fossem ditas e, eventualmente, fossem at sentidas. Mas o que o Wallace no poderia ter imaginado era a reviravolta dos anos 2010. O fato de que agora justamente a 'sinceridade', a 'candura', as 'boas intenes' que aparecem instrumentalizadas como instrumento publicitrio, retrico, poltico... a ideia de que o cinismo no foi vencido pela linguagem reta, mas encampou essa mesma linguagem. Ele teria ficado chocadssimo.