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INFLUÊNCIA DE EVENTOS EXTREMOS DE INUNDAÇÃO SOBRE A DINÂMICA DA
PAISAGEM DE VÁRZEA DO BAIXO AMAZONAS
ALVES, J. A.; SILVA, T. S. F.; FURTADO, L. F. A.; STREHER, A. S.
Departamento de Geografia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Rio Claro (SP).
INTRODUÇÃO
As planícies de inundação dos rios de “águas brancas” (ricas em sedimentos) são chamadas de
várzeas (PRANCE, 1979). Estas paisagens são afetadas pelo “pulso de inundação” (JUNK et al.,
1989), processo no qual a precipitação sazonal nos Andes se acumula e gera um influxo anual de
água que percorre e inunda as planícies ao longo do Rio Amazonas e seus grandes tributários. O
pulso de inundação modifica a distribuição e disponibilidade de habitats, e condiciona o
zoneamento dos diferentes tipos de vegetação da várzea, em função das adaptações das espécies
aos diferentes períodos de inundação (JUNK et al. 1989).
Estudos climáticos mostram que a dinâmica do pulso de inundação na Amazônia poderá mudar
nos próximos anos, principalmente pela intensificação da ocorrência de secas extremas (GLOOR
et al., 2013). Projeções de cenários climáticos e mudanças de cobertura da terra sugerem uma
diminuição da vazão dos canais fluviais amazônicos, tanto pela perda de floresta quanto pela
redução na precipitação (COE et al., 2009). Aliado a essa tendência futura, atualmente percebe-se
um aumento na erosão superficial, na instabilidade e no assoreamento de taludes, causado
principalmente pelo crescente desmatamento, dado que não há redução perceptível na quantidade
de chuvas (COE et al., 2009). Amplitudes mais extremas do pulso de inundação na bacia amazônica
poderão impactar significativamente o estabelecimento e crescimento de diversos tipos de
vegetação, e, consequentemente, a dinâmica das várzeas e toda a biodiversidade a elas associada
(PIEDADE et al., 2013). Além dos possíveis impactos na fauna e flora, as várzeas da bacia
Amazônica concentram cerca de 75% da população humana amazônica, que sobrevivem a partir
dos recursos extraídos desse ambiente (MELACK et al., 2004).
O monitoramento do pulso de inundação na várzea é prejudicado pelo difícil acesso às regiões, em
campo, e pela rede pouco densa de estações fluviométricas ao longo da bacia Amazônica. Assim,
o sensoriamento remoto é uma ferramenta importante para a caracterização e monitoramento destes
ambientes (ARRAUT et al., 2013). Neste âmbito, dados de radares de abertura sintética (synthetic
aperture radars – SAR), adquiridos na faixa de micro-ondas, são importantes pela sua capacidade
de gerar imagens em condições de nebulosidade e detectar a presença de inundação mesmo sob o
dossel da vegetação.
Nesse contexto, o presente trabalho teve como objetivos (1) investigar, através de uma série
histórica de imagens SAR de banda L a dinâmica de inundação da várzea do Baixo Amazonas em
eventos de secas e cheias extremas e (2) discutir os possíveis impactos desses eventos sobre a
dinâmica da paisagem.
MATERIAIS E MÉTODOS
A planície de inundação do Lago Grande de Curuai (LGC) está localizada ao sul da cidade de
Óbidos, Pará (2,05ºS, 55,5ºW). Esta região compreende um conjunto de lagos pequenos que,
durante a cheia, se unem e formam grandes lagos contínuos (NOVO et al., 2005). Seu regime de
inundação é anual, monomodal, previsível e de grande amplitude. A sua principal fonte de
inundação é fluvial, onde o Rio Amazonas contribui com cerca de 77% de toda a água do sistema
(BONNET et al., 2008). Entre maio e junho ocorre o máximo de inundação (cheia), e entre outubro
e dezembro o menor nível (seca). A diferença na altura de inundação entre as duas épocas é de 5 a
7 metros, podendo variar inter-anualmente em até 2 m (BARBOSA, 2005).
As imagens de radar de abertura sintética (SAR) do sensor ALOS/PALSAR (banda L,
comprimento de onda de ~23 cm) foram adquiridas em dois modos de imageamento: Fine Beam
Single (FBS), somente com a polarização HH, e Fine Beam Dual (FBD), com as polarizações HH
e HV. As imagens possuem um ângulo de incidência médio de 38.7º, swath de ~ 70km e 12.5m de
resolução espacial (ROSENQVIST et al., 2007). Mosaicos com duas cenas SAR foram compostos
para cobrir a extensão do LGC, combinando cenas de diferentes anos, mas com as cotas de
inundação mais próximas entre si. As imagens foram então filtradas usando um filtro Gamma de
janela de 3x3, com três passagens consecutivas (SHI e FUNG, 1994), a fim de reduzir o efeito do
ruído speckle, e convertidas para uma escala radiométrica de 8 bits.
Tabela 1: Data de aquisição das imagens ALOS/PALSAR das respectivas cotas de inundação.
Cota (cm) Data de aquisição
13/37 23/11/2010 25/10/2010
313/313 28/12/2006 25/01/2011
477/468 23/02/2011 19/01/2009
725/724 23/05/2010 9/6/2010
782/782 17/5/2008 3/6/2008
A classificação baseou-se na metodologia de Silva et al. (2010) e Arnesen et al. (2013),
combinando imagens multitemporais SAR e técnicas de análise de imagens baseada em objetos
(object based image analysis, OBIA, BLASCHKE, 2010). Métodos OBIA iniciam o processo de
análise agrupando pixels através de algum critério de homogeneidade, segmentando a imagem em
polígonos (objetos), e permitindo o uso de outros atributos além do valor numérico do pixel na
classificação (BLASCHKE, 2010). A segmentação foi realizada utilizando-se as imagens SAR e a
máscara de áreas alagáveis de Hess et al. (2003), editada por Ferreira et al. (2013), com o objetivo
de gerar objetos que refletissem a dinâmica da inundação do LGC. Utilizou-se o algoritmo multi-
resolução do software eCognition 8.0 (Definiens 2009), e a média do sinal retroespalhado (𝜎0) foi
computada para cada objeto da imagem, para cada uma das datas e polarizações disponíveis.
O mapa de extensão da inundação foi gerado com base no aumento esperado do retroespalhamento
da superfície no momento em que há inundação, por conta do aumento da reflexão do tipo double-
bounce (HESS et al. 2003; SILVA et al., 2008). Este mecanismo de espalhamento é caracterizado
por um forte sinal de retorno, sendo registrado nas imagens como pixels claros. Regiões de
macrófitas ou vegetação menos densa apresentam comportamento contrário, com pixels de valores
escuros, pela menor densidade das folhas e menor ocorrência de double-bounces. Os valores dos
limiares das classes de inundação foram determinados com base na análise gráfica dos valores de
retroespalhamento na cena PALSAR e em valores observados em artigos científicos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cenários de cheia e seca extremas alteram o volume de áreas inundadas, não inundadas e de água
ao longo da planície. Em uma cheia comum, representada pela cota 725cm/724cm, a área
inundada foi de cerca de 83% da área total, enquanto em uma situação de cheia extrema,
representada pela cota 782cm/782cm, a área inundada atingiu 97%, apresentado uma diferença de
14%. Em secas extremas (cota 13cm/37cm), a área inundada ocupou 53% do total, enquanto em
uma seca comum (cota 313cm/313cm), atingiu 76%, acarretando em uma diferença de 23% entre
as cotas. Quanto às áreas não inundadas, a seca extrema e a seca comum também alcançaram 23%
de variação, e entre a cheia comum e a cheia extrema, essa variação foi de 14%. Durante a época
seca, as áreas mapeadas como inundadas compreendem principalmente os leitos dos lagos de
várzea, enquanto que durante as cheias a água extravasa os limites dos lagos e rios, recobrindo
quase toda a paisagem.
Tabela 2: Área (%) das classes identificadas em cada cota de inundação.
Cotas de inundação
Classes (%) 13cm/37cm 313cm/313cm 477cm/468cm 725cm/724cm 782cm/782cm
Água 47.64 44.19 52.19 57.86 64.93
Vegetação Inundada 5.39 32.03 29.03 25.26 31.79
Total Inundado 53,03 76,22 81,22 83,12 96,72
Total-Não Inundado 46.97 23.78 18.78 16.88 3.28
Com base nesses resultados, nota-se que os efeitos da seca extrema são mais evidentes do que oos
efeitos da cheia extrema. Entretanto, seriam necessários dados que cubram a grande amplitude
existente entre a seca extrema e a seca comum, cerca de 3 metros de inundação (a diferença entre
a cheia extrema e a cheia comum é de menos de 60 centímetros), para melhor interpretação dos
impactos da inundação nesses cenários.
Na Figura 1, é possível observar a troca de água e, consequentemente, de nutrientes e sedimentos,
entre o Lago de Curuai e o Rio Amazonas. No caso de uma seca extrema, ilustrado no item (a), o
lago fica isolado do canal fluvial quase em sua totalidade. Em cenários futuros, onde secas extremas
poderão ser mais frequentes, o maior período de isolamento da planície e dos lagos interiores
poderia causar impactos negativos na biodiversidade e biogeoquímica, e alterar de maneira
significativa os ciclos fenológicos da vegetação e as dinâmicas da fauna relacionadas à inundação.
Estudos ecofisiológicos indicam que florestas de várzea baixa seriam menos afetadas em relação
às florestas de várzea alta, uma vez que as últimas ocorrem em áreas de topografia mais elevada e
sofrem inundações irregulares e por um período curto de tempo. Essas áreas mais elevadas são
primariamente influenciadas pela precipitação e, em cenários de diminuição da pluviosidade,
sofreriam com a diminuição das taxas de fotossíntese, produtividade e aumento da mortalidade
(TIAN et al., 1998).
Figura 1: Mapas de inundação da várzea do Lago Grande de Curuai, Pará, Brasil. Em (a), cota de
inundação 13cm/37cm; (b), 313cm/313cm; (c), 477cm/468cm; (d), 725cm/724cm; e em (e),
782cm/782cm.
Eventos de secas mais intensas podem afetar diretamente a composição das comunidades vegetais
e o deslocamento de animais na planície. Esse aumento da área de solo exposto permite a
colonização de áreas maiores por vegetação herbácea (ARRAUT et al., 2013). Uma vez que esses
vegetais têm como característica a conversão de dióxido de carbono atmosférico em biomassa, a
qual pode ser posteriormente decomposta na forma de metano (CH4), gás com maior capacidade
de aquecimento global do que o CO2, é possível que a recorrência de secas extremas afete a
contribuição deste tipo de vegetação para o balanço de carbono na planície de inundação e evasão
de gases estufa atmosféricos (ARRAUT et al., 2013). Quanto à fauna aquática, o aumento da área
de solo exposto e consequente isolamento de algumas regiões da planície dificulta a mobilidade
dos animais e a obtenção de alimento. Diversas espécies de peixes e o peixe-boi-da-amazônia, por
exemplo, poderão ser reduzidas em função do isolamento, impactando diretamente a população
humana local que vive da pesca (ARRAUT et al., 2013). A exposição do solo também acarreta em
um possível aumento da ocupação humana na várzea e, atrelado a isso, do crescimento de práticas
como a pecuária.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRAUT, E. M. et al. Secas extremas na planície de inundação amazônica: alguns impactos sobre
a ecologia e a biodiversidade. In: BORMA, L. S.; NOBRE, C. (org.). Secas na Amazônia: causas
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