Infografia 2 2010

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54 Classroom Criação & Design Por Denise Ouriques* N ós somos uma sociedade predomi- nantemente visual. Todos os dias, a todo momento, olhamos e ab- sorvemos informação. Também nos comu- nicamos, enviando informação. Tornou-se habitual a sarcástica frase: entendeu ou quer que eu desenhe? E assim são gerados cada vez mais diagramas, quadros, mapas, guias, tabelas, gráficos... O professor Joan Costa diferencia ver de visualizar: o ato de ver está ligado ao mundo visível, compos- to da realidade diretamente percebida; já a ação de visualizar faz “visíveis e compreen- síveis ao ser humano aspectos e fenômenos da realidade que não são acessíveis ao olho”. O professor espanhol e dirigente do evento Visualizar, plataforma de divulga- Apostar em linguagens híbridas pode ser opção de especialização para o designer gráfico edição 112 2011 www.publish.com.br ção e investigação dedicada a explorar a cultura de dados e seu impacto atual sobre a ciência, sociedade e cultura, José Luis de Vicente, que participou da última edição do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (File), nos apresenta os seguin- tes dados, que se tornam mais defasados a cada dia: - Os jornais de todo o mundo lançam diaria- mente mais de seis mil terabytes de dados; - Só o serviço de hospedagem de imagens, Flickr, acumulou em dois anos mais de 200 milhões de fotos, etiquetadas e classificadas; - Todos os dias, são postados 70 mil víde- os no Youtube. O Google acessa 9 milhões (isso mesmo) de documentos e sites; - Os enciclopedistas voluntários do Wiki- pédia escreveram em cinco anos 1 milhão e 400 mil artigos – multiplicando por 15 a extensão da Enciclopédia Britânica. Com tanta informação disponível, a competição dos meios de comunicação, não importando a interface, é pela eficiên- cia na apresentação de dados, tornando, de forma clara, a informação compreensível. Mas será que os dados mostrados gra- ficamente teriam o mesmo efeito se apre- sentados de forma discursiva? Essa é uma questão levantada pelo professor e pesqui- sador da área de design da informação e comunicação visual de Yale, Edward Tufte. Parece que já estamos irremediavelmente comprometidos e apaixonados pela info- grafia para voltar atrás. Infográficos O visual da informação – parte 2 Dados apresentados graficamente facilitam a compreensão do todo

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Segundo artigo de três produzido por Denise Ouriques Medeiros sobre infografia para a Revista Professional Publish, 2010

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ClassroomCriação & DesignPor Denise Ouriques*

Nós somos uma sociedade predomi-nantemente visual. Todos os dias, a todo momento, olhamos e ab-

sorvemos informação. Também nos comu-nicamos, enviando informação. Tornou-se habitual a sarcástica frase: entendeu ou quer que eu desenhe? E assim são gerados cada vez mais diagramas, quadros, mapas, guias, tabelas, gráficos... O professor Joan Costa diferencia ver de visualizar: o ato de ver está ligado ao mundo visível, compos-to da realidade diretamente percebida; já a ação de visualizar faz “visíveis e compreen-síveis ao ser humano aspectos e fenômenos da realidade que não são acessíveis ao olho”.

O professor espanhol e dirigente do evento Visualizar, plataforma de divulga-

Apostar em linguagens híbridas pode ser opção de especialização para o designer gráfico

edição 112 • 2011 • www.publish.com.br

ção e investigação dedicada a explorar a cultura de dados e seu impacto atual sobre a ciência, sociedade e cultura, José Luis de Vicente, que participou da última edição do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (File), nos apresenta os seguin-tes dados, que se tornam mais defasados a cada dia:- Os jornais de todo o mundo lançam diaria-mente mais de seis mil terabytes de dados;- Só o serviço de hospedagem de imagens, Flickr, acumulou em dois anos mais de 200 milhões de fotos, etiquetadas e classificadas;- Todos os dias, são postados 70 mil víde-os no Youtube. O Google acessa 9 milhões (isso mesmo) de documentos e sites;- Os enciclopedistas voluntários do Wiki-

pédia escreveram em cinco anos 1 milhão e 400 mil artigos – multiplicando por 15 a extensão da Enciclopédia Britânica.

Com tanta informação disponível, a competição dos meios de comunicação, não importando a interface, é pela eficiên-cia na apresentação de dados, tornando, de forma clara, a informação compreensível.

Mas será que os dados mostrados gra-ficamente teriam o mesmo efeito se apre-sentados de forma discursiva? Essa é uma questão levantada pelo professor e pesqui-sador da área de design da informação e comunicação visual de Yale, Edward Tufte. Parece que já estamos irremediavelmente comprometidos e apaixonados pela info-grafia para voltar atrás.

InfográficosO visual da informação – parte 2

Dados apresentados graficamente facilitam a compreensão do todo

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Da floresta para a porta de casa: infográfico mostra a produção do jornal

Arte mostra detalhes da escuderia da Ferrari

Gráficos revelam dados e padrões, or-ganizam informação complexa, densa ou a simplificam. Às vezes a imagem é o dado. Gráficos também podem parametrizar dados multivariados e podem ser apresen-tados à relação de tinta, ou seja, pela pro-porção de tinta gráfica dedicada à exibição não-redundante de dados.

Segundo Tufte, o essencial em visuali-zação gráfica é: mostrar os dados, induzir o leitor/espectador a pensar sobre o con-teúdo ao invés da metodologia, incentivar olho para comparar diferentes amostras de dados, evitar a distorção que os dados re-presentam, apresentar muitos números em um espaço pequeno, fazer grandes conjun-tos de dados coerentes e revelar os dados em vários níveis de detalhe – visão ampla e fina estrutura. Em teoria, há diversos méto-dos para a organização da informação. Este é um dos fatores que mais influenciam o modo como as pessoas percebem o design e sua forma de interatividade. Para Richard Saul Wurman, e outros autores citados no livro Information Anxiety, há cinco modos de fazê-lo. A escolha desta organização tem a ver com a busca das pessoas, ou seja, a informação que o usuário necessita:- categoria: similaridade ou relação;- tempo: organização cronológica;- localização: organização geográfica ou espacial;- ordem alfabética: referencial, de acesso eficaz a temas específicos, e- continuidade: por magnitude (do baixo ao alto, do pior ao melhor etc).

A organização hierárquica e a sensi-bilidade pelo contexto são boas soluções na hora de controlar a complexidade na visualização de dados, ao mesmo tempo em que se conserva a visibilidade. É impor-tante reparar na comparação de dados. Ela é o método para ilustrar as relações e os padrões nos sistemas de comportamento mediante a representação de duas ou mais variáveis de um modo controlado. É assim que entendemos o mundo. Diz-se “maçãs com maçãs” para referir-se à ideia de que os dados devem apresentar-se com o uso de medidas e unidades comuns e também em um único contexto. Também é interes-

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O ataque de Napoleão à Rússia teve estatísticas projetadas em infográficos

sante ter parâmetros para essa comparação – não adianta saber que determinado edi-f ício é o mais alto do mundo, por exemplo, se não pudermos compará-lo com outros edif ícios ou objetos em escala.

Acesso à infinitude visualO grande boom da infografia na mídia im-pressa aconteceu em 1991, com a Guerra do Golfo. Já na internet, em 2001, com os atentados de 11 de setembro. A partir daí, difundiu-se cada vez mais.

Numa projeção inicial, sua tipologia poderia ser: barras, torta ou pizza, febre ou linha, tabela ou mapa. A partir daí po-deriam ser mistos e bem complexos. Mas

a criatividade extrapolou esses métodos, e, atualmente, há diferentes formatos. Os jornais espanhóis El Mundo e El País tor-naram-se referências mundiais da matu-ridade da infografia. Se anteriormente, na década de 80, ela desenvolveu-se por con-ta da difusão do acesso aos computadores como o Macintosh, agora ela transforma-se pelos aplicativos animados e 3D, além do acesso às redes de alta velocidade. Sen-do então multimídia, pode agregar outros valores, como a interatividade, hipertextu-alidade, customização, atualização e mul-timidialidade, como é o exemplo da com-plementação com a realidade aumentada.

Na visualização de dados, há diversos

autores e muitos sites na internet com di-cas, exemplos, opiniões e um pouco da his-tória. Um videoclipe que ficou famoso é o da música Remind Me, da dupla de música eletrônica norueguesa Röyksopp e foi pro-duzido em perspectiva isométrica pelo es-túdio francês H5 – disponível no site deles, dentre outros trabalhos interessantíssimos. Nas redes sociais, há aplicativos que geram automaticamente infográficos variados. No Flickr há o Graph, e no Facebook, por exemplo, há o TouchGraph, que gera uma imagem de círculos sociais.

Para ter um infográfico da sua vida, com informações como: quantos passos você já deu, quantas escovas de dente usou ou quantos orgasmos já teve, basta entrar com seus dados no site da cerveja Estrella Galicia.

Para celebrar os 120 anos da Torre Ei-ffel, em março de 2009, o jornal O Estado de São Paulo publicou a primeira infografia do mundo feita com a tecnologia de reali-dade aumentada. Quem perdeu a edição, pode conferir o trabalho na rede, ela mos-tra o Dirigível nº 6 circundando a Torre.

Organizada pela Society for News De-sign e pela Universidade de Navarra, acon-tece todos os anos, desde 1993, na cidade espanhola de Pamplona (a mesma da Guer-ra de tomates e dos touros soltos nas ruas), uma grande reunião de infográficos e info-grafistas do mundo. Denominada Malofiej, em homenagem ao cartógrafo argentino pioneiro da infografia, é considerada o Pu-litzer da infografia. No evento, acontecem a oficina para profissionais, chamada Show, Don’t Tell!, e a oficina de infografia multi-mídia, chamada Interact, Don’t Show!

O novo profissional gráficoSe a infografia é uma convergência de lin-guagens (textos, vídeos, fotos, imagens em movimento, 3D etc), é natural agora pensar como a convergência de mídias pode ser orquestrada. Isso significa que o produtor gráfico deve pensar na combinação de di-versas mídias para melhor incrementar a narrativa visual, ou seja, deve extrapolar as interfaces tradicionais. Exemplos não faltam, embora ainda incipientes: a inser-ção da realidade aumentada, a exemplo do pioneiro Estadão; o uso de tintas especiais e com nanotecnologia, ou da eletrônica, como fez a revista norte-americana Esqui-re quando lançou, em 2008, a primeira capa Publicado no New York Time, infográfico mostra atentado à bomba

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*Denise Ouriques Medeiros é jornalista, arquiteta e docente da área de design.

Para falar com a autora, escreva para:[email protected]

Shakira: detalhes do show em arte no jornal espanhol La Vanguardia

com animação; ou a interatividade com teclas de toque e sensibilidade ao movi-mento, como no iPad.

Está ainda gritante a falta de visão dos dirigentes educacionais para a pre-paração deste novo profissional. Os luga-res de ensino deveriam ser os inovadores e incentivadores de pesquisa nessa área. Na maioria das escolas de artes gráficas e

design gráfico do Brasil os alunos ainda estão dando os primeiros passos na edi-toração eletrônica para o papel (e mais especificamente apenas para offset), ca-ducando nos velhos e ultrapassados con-ceitos de regras áureas. As referências teóricas são sempre importantes, mas há que se estar “antenado” às inovações que correm à grande velocidade. O aluno tem

que estar preparado para dar saída a mí-dias diversificadas, como os diversos dis-positivos móveis, além da internet – mas a maioria ainda não chegou a esta etapa.

A maioria dos profissionais forma-se dentro das próprias empresas ou por conta própria, nos raros cursos oferecidos na área. Alguns, como Ma-rio Kanno e Alberto Cairo, disponibi-lizam parcialmente ou integralmente seu material na rede.

Os infográficos que operam na logís-tica do impresso são passíveis de criação com os programas tradicionais de ilus-tração e tratamento de imagens, mas o cenário 3D permite uma visualização bem mais eficaz, em muitos casos.

Já o aplicativo Flash permite a criação de imagens em movimento e adição de som, o que permite simular um cenário de hiper-realidade. Aqui a interatividade já é uma possibilidade.

Por último, no meio digital, a fer-ramenta Mashup é uma aplicação web que usa conteúdo de mais de uma fonte para criar um novo serviço completo. Em se tratando de infografia em bases de dados e visibilidade no ambiente web, destaca-se a brasileira Fernanda Viegas, que desenvolveu a plataforma Many Eyes para a criação de apresen-tações gráficas com dados de diversas origens. Nessa área, projetos como Visualization Lab, Datavisualization e Information Aesthetics também são o que há. Muitas outras ferramentas de visualização de dados para designers e desenvolvedores web estão disponí-veis na rede, especialmente para ma-pas colaborativos.

De qualquer forma, para quem tem visão e quer apostar na área, vale estudar a linguagem híbrida, como já foi ressalta-do, e sair da produção gráfica convencio-nal. É um grande salto e esse profissio-nal terá um grande espaço nesse mundo cada vez mais digital – sem abandonar o conhecimento já fundamentado – de re-tículas e lineaturas.

Até a próxima!

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