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Conteudo

Introducao iv

1 Os Bits Quanticos 1

1.1 Mecanica Quantica em Dimensao Finita . . . . . . . . 21.1.1 Estados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.1.2 Medicoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.1.3 Depois das Medicoes . . . . . . . . . . . . . . 61.1.4 O que os bits classicos nao tem . . . . . . . . . 71.1.5 Aplicacao Comercial . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.2 Hopf, Riemann e Bloch . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.3 Dois Qubits . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

1.3.1 Espaco de Estados . . . . . . . . . . . . . . . . 141.3.2 Medicoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161.3.3 Depois da Medicao . . . . . . . . . . . . . . . 201.3.4 Estados fisicamente distintos . . . . . . . . . . 21

1.4 Mais Qubits . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231.5 Um pouco alem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

1.5.1 Definicao geral de Estado . . . . . . . . . . . . 251.5.2 Estados Reduzidos . . . . . . . . . . . . . . . . 271.5.3 Medicoes generalizadas . . . . . . . . . . . . . . 291.5.4 Evolucao temporal . . . . . . . . . . . . . . . . 301.5.5 Espacos de Hilbert e Quantizacao . . . . . . . 31

2 Teleportacao e Emaranhamento 33

2.1 Teleportacao nao e so ficcao cientıfica . . . . . . . . . 332.1.1 Mais rapido que a velocidade da luz? . . . . . . 37

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CONTEUDO iii

2.1.2 Como teleportar sistemas macroscopicos . . . . 382.2 O papel do Emaranhamento . . . . . . . . . . . . . . . 392.3 Um pouco de Teoria do Emaranhamento . . . . . . . . 40

3 Computacao Quantica 46

3.1 Computacao Quantica via Circuitos . . . . . . . . . . 463.1.1 Portas Logicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473.1.2 Circuitos Quanticos . . . . . . . . . . . . . . . 50

3.2 Algoritmos Quanticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 523.2.1 O Algoritmo de Deutsch . . . . . . . . . . . . . 533.2.2 O Algoritmo de Grover para Busca . . . . . . . 553.2.3 O Algoritmo de Shor para Fatoracao . . . . . 57

3.3 Simulacao de Sistemas Quanticos . . . . . . . . . . . . 63

4 Criptografia Quantica 65

4.1 A primeira ideia e a que fica: BB84 . . . . . . . . . . . 674.2 Criptografia com Emaranhamento . . . . . . . . . . . 71

4.2.1 Desigualdades de Bell . . . . . . . . . . . . . . 734.3 Bases Ortonormais Mutuamente Neutras . . . . . . . . 76

5 Pout Pourri 78

5.1 Entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 785.2 Alguns quantificadores de emaranhamento . . . . . . . 81

5.2.1 Estados puros: o mundo parece simples . . . . 815.2.2 Emaranhamento de formacao . . . . . . . . . . 825.2.3 Criar e Destilar . . . . . . . . . . . . . . . . . . 845.2.4 Entropia Relativa de Emaranhamento . . . . . 875.2.5 Negatividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 875.2.6 Outros quantificadores . . . . . . . . . . . . . . 88

5.3 Geometria dos Estados Quanticos . . . . . . . . . . . . 885.4 O Teorema da Nao-Clonagem . . . . . . . . . . . . . . 905.5 Outros modelos de computacao quantica . . . . . . . . 91

5.5.1 Computacao quantica irreversıvel . . . . . . . . 925.5.2 Computacao quantica adiabatica . . . . . . . . 935.5.3 Computacao quantica como geometria . . . . . 945.5.4 Computacao quantica topologica . . . . . . . . 96

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Introducao

O texto

Este livro se propoe a guiar os primeiros passos de qualquer estu-dante ou pesquisador em Ciencias Exatas, rumo a Teoria Quanticada Informacao. Seja para aumentar o repertorio cultural, seja para seespecializar na area. Se pretende uma introducao concisa, razoavel-mente ao gosto dos matematicos, de uma area vasta e frutıfera.

Escrito para o 26o Coloquio Brasileiro de Matematica, em prin-cıpio, cada capıtulo corresponde a uma aula. Por gosto e formacaodo autor, a Quantica falou mais alto que a Informacao. O capıtulo 1introduz a Mecanica Quantica em espacos de dimensao finita. Talrestricao so se tornou natural quando os bits quanticos tomaramposicao de destaque. Para nosso minicurso, e para muito mais emTeoria Quantica da Informacao, e so o que precisamos.

O capıtulo 2 apresenta um conceito inspirado pela ficcao cientıfica:a teleportacao. Neste fenomeno, um importante ingrediente vem daalgebra multi-linear: o emaranhamento. Um pouco da sua teoria eapresentado.

O capıtulo 3 trata da Computacao Quantica, importante subareada Teoria Quantica da Informacao. Nele apresentamos o modelo decomputacao quantica via circuitos e discutimos os tres algoritmosquanticos mais bem conhecidos: o Algoritmo de Deutsch, que evi-dencia que um computador quantico pode ser mais eficiente que oclassico, de acordo com a tarefa a ser executada; o Algoritmo deGrover para buscas nao-estruturadas; e o famoso Algoritmo de Shor ,que permite a fatoracao de inteiros em tempo polinomial.

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Por falar em fatoracao de inteiros, a Criptografia Quantica e oassunto do capıtulo 4. De fato, tratam-se de estrategias quanticaspara o estabelecimento de chaves privadas para a criptografia usual.Mas como nao e tao usual conhecer sobre criptografia, uma rapidaintroducao e feita. O protocolo BB84 para distribuicao quantica dechaves criptograficas e apresentado, bem como um protocolo de Ekertque utiliza emaranhamento como fonte da seguranca. Aproveitamoseste capıtulo para introduzir as chamadas desigualdades de Bell , quetornam quantitativa uma discussao anteriormente epistemologica. Amotivacao para isso e que elas sao essenciais no protocolo de Ekert,realizado a verificacao da inexistencia de partes nao-autorizadas nacomunicacao.

O capıtulo 5 e destinado ao ultimo dia do curso. Com o seufim eminente, tenta-se apresentar diversos topicos ainda nao cober-tos no texto. Alguns problemas abertos sao apresentados e sera umimenso prazer se, no futuro, um leitor tomar parte na solucao dealgum destes. Como objetivo mais modesto, sentirei-me realizadose este minicurso contribuir para o estabelecimento (ou fortaleci-mento) da Teoria Quantica da Informacao como area de pesquisaem Matematica no Brasil.

A Informacao Quantica

A Teoria Quantica da Informacao surge do casamento de duas dasmais belas paginas cientıficas do seculo XX: a Teoria Quantica e aTeoria da Informacao. E mais difıcil encontrar situacoes do mundoatual onde estas duas teorias nao estao envolvidas do que o contrario.Ao ver um DVD, trocar mensagens instantaneas pela rede, ler o jor-nal do dia (impresso ou em via eletronica), dirigir um carro... estasteorias (e seus resultados tecnologicos) sao aplicados varias vezes.

Para uma definicao mais concisa, a Teoria Quantica da Informacaotrata das aplicacoes da Teoria Quantica ao tratamento da Informacao.Motivacoes para isso nao faltam. A chamada Lei de Moore, querelaciona o ritmo de aumento da capacidade de memoria dos proces-sadores com o tempo, na escala de anos, aponta que nas proximasdecadas estaremos proximos de escalas atomicas para a armazenagemda informacao, e na escala atomica a mecanica quantica e lei. Neste

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vi INTRODUCAO

sentido, do ponto de vista pragmatico, a Teoria Quantica da In-formacao e inevitavel . Uma mente mais otimista pode simplesmentese perguntar se ha vantagens em usar a quantica no processamento dainformacao. No capıtulo 3 veremos que, pelo menos para alguns pro-blemas especıficos, sim. Portanto, e util estudar Teoria Quantica daInformacao. Por fim, de maneira bastante pratica, esforco e dinheirovem sendo investidos na construcao de computadores quanticos, e enatural buscar saber como estas maquinas funcionarao.

Do ponto de vista academico, esta e uma area de pesquisa trans-disciplinar, com destaque para a Fısica, acostumada as propriedadesquanticas, para a Computacao, onde a Teoria da Informacao fezsua casa, e para a Matematica, denominador comum das duas fi-lhas prodigas citadas anteriormente, e onde parte dos problemas quesurgem na teoria podem buscar formulacao consistente e solucao.

O Brasil tem feito progressos em Teoria Quantica da Informacao.Ja ha pesquisadores destas tres origens se dedicando a area. Talveza Matematica seja a que mais tardiamente demonstrou este interes-se. Espero que este minicurso ajude a despertar atencao e a reve-lar vocacoes para a area, em especial da comunidade matematicabrasileira.

Entre os fatos divertidos e pitorescos, esta que, ao ler artigoscientıficos da area (por exemplo, os citados neste texto), voce encon-tra nos enderecos dos autores lugares tradicionais, como Cambridge,Oxford , MIT e Caltech, junto a nomes que costumamos ver em outroslugares, como hp, AT&T , IBM e Microsoft .

Este e apenas o reflexo do fato que empresas ja anunciam com-putadores quanticos comerciais disponıveis no futuro proximo [1]. Deuma maneira mais confiavel, outras empresas ja operam com produ-tos para criptografia quantica e geracao de numeros aleatorios [2], eseus clientes usam estes sistemas.

Alem do investimento privado, ha tambem bastante apoio publico,evidenciado pelos roadmaps produzidos por agencias americana [3] eeuropeia [4], e constantemente atualizados. No Brasil, as duas edicoesdo Instituto do Milenio de Informacao Quantica tambem mostram ovalor dado a area.

Livros sobre Informacao Quantica comecam a se tornar comuns,depois de alguns esforcos pioneiros [5, 6]. Como exemplo de mono-grafia recente e que pode cair no gosto de matematicos (pelo menos

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de fısicos-matematicos), sugerimos este trabalho de Diosi [7].

Para saber mais sobre a area, aventure-se pelas paginas seguintes,ou por qualquer outro bom texto introdutorio!

Agradecimentos

Agradecer e sempre um prazer especial, mas o risco de omissoes esempre grave. Cabe pontuar alguns nomes importantes na minhatrajetoria academica, que de uma forma ou outra contribuıram paraque este livro viesse a ser escrito: Alcibıades Rigas, Francesco Mercurie Marcio Antonio Faria Rosa por um lado, Kyoko Furuya e GuillermoCabrera por outro, merecem destaque pelos primeiros anos. MariaCarolina Nemes, Carlos Monken, Sebastiao de Padua e Ricardo Schorexercem influencia importante de maneira local em meu doutora-mento. Contribuicoes nao-locais de Luiz Davidovich e Nicim Zagurytambem foram muito apreciadas. Jose Geraldo Peixoto de Faria,Stephen Walborn, L.G. Lutterbach, Enrique Solano e Andre R. Car-valho contribuıram de maneira inestimavel para meu aprendizado epara minha diversao, sem ser possıvel separar tais contribuicoes.

Gastao de Almeida Braga, Bernardo N.B. Lima e Leandro M.Cioletti me ajudaram a nao perecer na solidao, e ainda se tornaramco-autores em uma prazeirosa aventura. Os demais colegas de De-partamento tambem merecem agradecimentos, por tantas vezes queme ajudaram. A turma do almoco, um abraco especial.

Marcelo Franca Santos, parceiro de tantas horas, e tambem fun-damental para a criacao do EnLight . Daniel Cavalcanti sabe bem quenunca ficou claro quem era o orientador e quem era o aluno. FernandoBrandao passou pouco tempo perto, mas contribuiu de maneira essen-cial. A todos os constituintes atuais, meu agradecimento pelo que jafoi, e minha esperanca por dias ainda melhores.

Vlatko Vedral me abriu as portas para o seu grupo e para um anomuito proveitoso. Nem vale citar aqui quantos contatos foram feitos,nem tentar explicar a contribuicao de cada um ao longo deste ano,ja que a imensa maioria nao entende portugues. Como importanteexcecao, meu agradecimento ao Yasser Omar, por tantas discussoes(ainda sem que um convenca o outro).

Meu agradecimento muito especial a Mimi e a Tata, nao so por

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viii INTRODUCAO

todos estes anos, mas por me permitirem roubar tanto do nosso pre-cioso tempo de convıvio na realizacao deste projeto. Aos meus pais,agradeco o incentivo e me desculpo por nem sempre lhes dar a atencaomerecida, ou aparecer com o animo desejado.

Sinceros agradecimentos a Barbara Lopes Amaral, Rafael LuizRabelo, Raphael Campos Drumond e Israel Vainsencher por teremdiminuıdo sensivelmente a entropia do texto. Todos os erros restantestem como unico responsavel o criador.

Aos organizadores do Coloquio (academicos e praticos), agradecoa oportunidade de fazer parte desta bela historia semicentenaria.Agradecimentos especiais ao Marcio, a Sonia e ao Artur, pelo convite,estımulo e confianca, nao necessariamente nesta ordem.

Tambem e um prazer agradecer pelos diversos apoios recente-mente concedidos por CNPq (bolsa de pos-doutoramento e Institutodo Milenio de Informacao Quantica), PRPq-UFMG (apoio a pesquisados recem-doutores) e Fapemig (edital Universal), que me permitiramcrescer como pesquisador.

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Capıtulo 1

Os Bits Quanticos

Antes de tratar da Teoria Quantica da Informacao, e necessario in-troduzir o que entendemos por Teoria Quantica. A seccao 1.1 fazisso, com a simplificacao de so tratar sistemas cujo espaco de esta-dos tem dimensao finita. Essa simplificacao e bastante natural emuma primeira abordagem a Informacao Quantica, ja que seu cavalode batalha sao sistemas de varios bits quanticos, e bits quanticos saosistemas cujo espaco de estados tem dimensao 2.

Sem resistir a beleza geometrica que permeia o mais simples sis-tema quantico, na seccao 1.2 introduzimos a Fibracao de Hopf, cujoespaco de base e chamado pelos fısicos de Esfera de Bloch. Mais geo-metria ainda permeia sistemas de dois ou mais bits quanticos, queencerram este capıtulo.

Cabe salientar que normalmente em um bacharelado em Fısicaos estudantes tomam cerca de tres disciplinas de Mecanica Quantica,enquanto este capıtulo e destinado a uma aula de um minicurso.Portanto, embora as definicoes basicas e suas consequencias sejamapresentadas, ha muito mais que nao podera ser discutido. Para isso,o estudante pode adotar textos que capricham na intuicao, como [8],ou textos mais tradicionais, como [9], mais profundos [10], ou maisrelacionados a informacao quantica [5, 6].

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2 [CAP. 1: OS BITS QUANTICOS

1.1 Mecanica Quantica em Dimensao

Finita

Vamos introduzir a Mecanica Quantica partindo de seu exemplo nao-trivial mais simples: o bit quantico. Um bit classico e uma variavelaleatoria que pode assumir dois valores, por exemplo 0 ou 1. Obit quantico, porem, declara os estados extremais 0 e 1 uma baseortogonal para o espaco de estados do sistema. Essa frase simplesinclui varias afirmacoes nas entrelinhas. Vamos detalha-las.

1.1.1 Estados

Todo sistema quantico possui um espaco de estados que e um espacovetorial complexo1 com produto escalar hermitiano2, E. Na descricaomais simples de mecanica quantica, o estado de um sistema e definidopor um vetor unitario em seu espaco de estados. Toda e qualquerpredicao sobre o sistema pode ser feita a partir do conhecimento deseu estado. Adotemos entao uma:

Definicao 1. (Provisoria) O estado de um sistema e um vetor nor-malizado em seu espaco de estados.

Ha uma notacao mneomonica, devida a Dirac, que e muito uti-lizada. Poderıamos evita-la neste texto, mas isso dificultaria o acessoa muito da bibliografia recomendada. Assim, vamos introduzi-la eutiliza-la. Um vetor de E sera entao denotado |ψ〉, e normalmentereferido como um ket . Assim |ψ〉 usualmente se le ket psi .

A razao para tal terminologia e que tao importante quanto osvetores de E sao os vetores de seu espaco dual , E∗. Os elementosde E∗ sao os funcionais lineares E → C. Um importante resultadoem algebra linear e que se E tem dimensao n, E∗ tambem tem di-mensao n. A demonstracao se faz escolhendo uma base {ei} emE e mostrando que existe uma base dual {fj} para E∗ dada por

1Ha uma piada que diz que a maior descoberta da fısica do seculo XX sao osnumeros complexos.

2Chamamos 〈, 〉 : E × E → C um produto escalar hermitiano se e linear nasegunda componente, 〈w, v〉 = 〈v, w〉∗ e 〈v, v〉 > 0, se v 6= 0.

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[SEC. 1.1: MECANICA QUANTICA EM DIMENSAO FINITA 3

fj (ei) = δij , onde o sımbolo δij significa

δij =

{

1, i = j;0, i 6= j.

Temos portanto o isomorfismo E ∼= E∗, embora sem a existencia, emgeral, de um isomorfismo canonico: cada escolha de base em E geraum isomorfismo distinto E → E∗. Isso muda de figura quando E eum espaco vetorial munido de um produto escalar . Neste caso, pode-se associar a cada vetor v o funcional “fazer produto escalar com v”.Em sımbolos, usando 〈v, w〉 para o produto escalar de v com w,

E −→ E∗

v 7−→ fv,

com

fv : E −→ C

w 7−→ 〈v, w〉 ,

onde convencionamos que (para o caso de espacos vetoriais com-plexos) o produto escalar e linear na segunda variavel.

Rapidamente introduzido o dual, podemos voltar a notacao deDirac e dizer que o vetor dual ao ket |φ〉 sera denotado 〈φ| e ditoo bra fi . Esta notacao tambem costuma ser referida como “notacaode bras e kets”, e agora deve ficar mais claro o artifıcio mneomonicousado por Dirac: o produto escalar entre |φ〉 e |ψ〉 e dado por 〈φ | ψ〉:um bra e um ket juntos, nesta ordem, formam um bracket , parentesesem ingles, que aqui indica o produto escalar.

1.1.2 Medicoes

Um conjunto de alternativas classicamente distintas sera associado avetores ortogonais de E. Assim, a dimensao de E esta naturalmenteassociada a quantidade de tais alternativas. Para os primeiros sis-temas quanticos estudados, tais alternativas comumente formavamum conjunto nao-enumeravel, como de possıveis posicoes de umapartıcula na reta. Por esse motivo, mecanica quantica e analise fun-cional cresceram lado a lado, e, normalmente, os textos mais matem-atizados de mecanica quantica devotam razoavel atencao a alguns

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4 [CAP. 1: OS BITS QUANTICOS

resultados da analise funcional3. A teoria quantica da informacaoinverteu este quadro, passando a dar grande atencao a casos finitos.Assim, podemos voltar ao domınio da algebra linear.

O primeiro caso de interesse (se houver apenas uma alternativanao ha muito o que se estudar) trata dos sistemas quanticos cujoespaco de estados tem dimensao 2: duas alternativas, como em umbit. Por isso sao chamado bits quanticos, ou qubits para adotar anomenclatura internacional.

Existem varios sistemas fısicos que realizam qubits: polarizacaode um foton, spin de um eletron, duas fendas de um aparato deYoung... mas este texto nao quer se dedicar a tais realizacoes. Comomatematicos, apenas postulamos a existencia de sistemas quanticoscom espaco de estados de dimensao 2 e vamos estudar as consequen-cias disso.

O leitor nao deve se esquecer que o espaco de estados e um espacovetorial sobre os complexos. Assim, o espaco de estados de um qubit eisomorfo a C

2. Uma base para o espaco de estados sera dada por doisvetores linearmente independentes, {|e1〉 , |e2〉}. Como as alternativasclassicas de um bit costumam ser denotadas 0 e 1 e a notacao de Diracprescinde de uma letra para designar o vetor (a propria figura do ketja nos indica sua presenca), e comum utilizarmos a base {|0〉 , |1〉}.O leitor deve ter muito cuidado para nao confundir |0〉 com a origemdo espaco vetorial. Claramente este nao e o caso, pois |0〉 e |1〉 saolinearmente independentes. Como tais vetores correspondem a alter-nativas classicas distintas, temos ainda que esta base e ortonormal .Chegamos assim a importante nocao de teste, apresentada aqui paraqubits:

Definicao 2. Um teste com alternativas classicas a e b e associadoa uma base ortonormal, denotada {|a〉 , |b〉}. Aplicar um teste podeser visto como decompor o vetor com relacao a esta base, para emseguida selecionar apenas uma das alternativas.

Definida uma base, todo vetor do espaco de estados pode ser es-crito como combinacao linear destes elementos. Para um qubit, entao,

3E nesse caso passa a ser importante exigir a completude do espaco de es-tados, que este seja um espaco de Hilbert . Vamos evitar tal terminologia aqui,pois nossos espacos de estados, sendo de dimensao finita, sao automaticamentecompletos.

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[SEC. 1.1: MECANICA QUANTICA EM DIMENSAO FINITA 5

seu estado sera descrito por

|ψ〉 = α |0〉 + β |1〉 , (1.1)

onde α e β sao numeros complexos, e a normalizacao exige |α|2 +

|β|2 = 1.

Exercıcio 1. Lembrando que ‖|ψ〉‖2= 〈ψ | ψ〉, obtenha a condicao

de normalizacao apresentada acima.

Uma das grandes novidades da mecanica quantica aparece na suaregra sobre como relacionar o estado |ψ〉 a medicao das alternativasclassicas. Em benefıcio da clareza, vamos continuar com sistemasde dimensao 2, mas o leitor ja pode tentar generalizar esta definicaopara dimensoes arbitrarias.

Postulado 3. Se um sistema quantico no estado |ψ〉 da eq. (1.1) esujeitado a um teste com alternativas classicas 0 e 1, a probabilidadede obter o resultado correspondente a 0 e dada por |α|2, enquanto a

de obter 1 e dada por |β|2.

Os coeficientes α e β da expansao do estado |ψ〉 com respeito abase {|0〉 , |1〉} sao numeros complexos que permitem calcular pro-babilidades. Feynman batizou tais coeficientes amplitudes de proba-bilidades, ou simplesmente amplitudes. Uma vasta gama de efeitosda mecanica quantica esta ligada ao fato que podemos somar am-plitudes nao-nulas e obter um resultado nulo (ou muito pequeno).Este e o chamado fenomeno de interferencia destrutiva, ja conhecidonos fenomenos ondulatorios, mas impossıvel para probabilidades, quesao numeros reais nao-negativos. E o caso, por exemplo, no exper-imento de dupla fenda, onde regioes “escuras” aparecem quando asduas fendas estao abertas, onde haveria contagens para cada uma dasfendas abertas isoladamente.

Mesmo sem querer desviar para discussoes sobre fundamentos demecanica quantica, e necessario dizer que esta foi a primeira vez queuma teoria cientıfica se assumiu probabilıstica a priori . Mesmo queconhecamos o estado |ψ〉 de uma partıcula, o resultado de observacoessera, em geral, probabilıstico. O leitor pode comparar esta situacaocom a da mecanica estatıstica. Nesta, o conceito de probabilidades foiintroduzido com a justificativa que, na pratica, nao podemos dar uma

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6 [CAP. 1: OS BITS QUANTICOS

descricao precisa para um sistema macroscopico. De certa forma,e uma concessao que mentes determinısticas fizeram a dificuldadede trabalhar com 1023 coordenadas, ou mais. Mas mantinha-se aconviccao que em princıpio poderia se descrever microscopicamenteum gas, por exemplo. Na mecanica quantica nao; exceto se α ou βfor zero, a mais completa descricao microscopica e incapaz de prever,senao probabilisticamente, o resultado do teste 0 ou 1.

Esta descricao probabilıstica da mecanica quantica tem uma con-sequencia fundamental: embora gostemos muito de tratar de um sis-tema quantico especıfico, as previsoes desta teoria so podem ser tes-tadas quando preparamos igualmente um grande numero de copiasdo sistema, e agimos igualmente sobre todas elas (e assim poderemoscomparar as frequencias obtidas com as probabilidades previstas).Neste sentido, e comum pensar que o estado de um sistema e a des-cricao de um ensemble4 e que um sistema isolado deve ser pensadocomo um elemento aleatorio deste ensemble.

1.1.3 Depois das Medicoes

Como relacionamos as alternativas classicas 0 e 1 com a base ortonor-mal {|0〉 , |1〉}, e natural introduzir a seguinte

Postulado 4. Apos a realizacao de um teste para discriminar entreas alternativas classicas 0 e 1, se o resultado obtido foi 0, o sistemapassa a ser descrito pelo estado |0〉; se o resultado obtido foi 1, osistema passa a ser descrito pelo estado |1〉.

Este postulado esta naturalmente associado a nocao de repro-dutibilidade de testes. Ou seja, se um teste e realizado e se obtem umresultado, repeticoes deste mesmo teste no mesmo sistema corrobo-rarao com o resultado obtido5. E importante distinguir aqui entre“agir novamente no mesmo sistema” e “realizar o teste em outro e-lemento do ensemble”. Por construcao da ideia de ensemble, seus

4Ensemble e a palavra francesa para conjunto. Ganhou destaque e uso propriona mecanica estatıstica e na mecanica quantica correspondendo a esta nocao deconjunto infinito de realizacoes de um certo estado.

5Ainda nao falamos sobre evolucao temporal de estados. Neste momento,adotamos tacitamente uma lei de inercia: se nada for feito, o sistema continua nomesmo estado.

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[SEC. 1.1: MECANICA QUANTICA EM DIMENSAO FINITA 7

elementos sao independentes. Assim, embora sigam a mesma dis-tribuicao de probabilidade, seus resultados sao independentes. Agirnovamente no mesmo sistema e repetir o mesmo teste duas vezes, nomesmo representante do ensemble. O que a definicao 4 diz e que sefizermos esta repeticao do teste, o ensemble original sera dividido emapenas dois subensembles: aquele onde os dois testes resultaram 0e aquele onde os dois testes resultaram 1. E se repetirmos N vezes,ainda assim so obteremos dois subensembles: aquele onde os N testesresultaram 0 e aquele em que os N resultados foram 1.

Vale notar que submeter um sistema a um certo teste e sele-cionar apenas os resultados “favoraveis” pode ser entendido comouma preparacao: se queremos preparar o estado |0〉, submetemos osistema a um teste que discrimina 0 e 1 e descartamos todos os sis-temas em que o resultado 1 for obtido.

Exercıcio 2. Redescreva o paragrafo acima usando a ideia de sub-ensemble.

1.1.4 O que os bits classicos nao tem

A nocao de teste nao e exclusiva da mecanica quantica. A ideia dereprodutibilidade tambem nao (sempre ignorada a evolucao temporaldo sistema). O que realmente distingue a mecanica quantica da suacontrapartida classica e a existencia de testes incompatıveis.

Definicao 5. Um teste B e dito compatıvel com um teste A se a rea-lizacao de B entre duas repeticoes de A nao afeta a reprodutibilidadedo teste A.

Classicamente, o unico teste (nao-trivial) que podemos fazer comum bit e verificar se ele vale 0 ou 1. Lembremos que sua versaoquantica esta associada a uma base ortonormal {|0〉 , |1〉} do espacode estados E. Mas podemos escolher livremente outra base para E.A exigencia de serem alternativas classicamente distinguıveis impoeortonormalidade.

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8 [CAP. 1: OS BITS QUANTICOS

Como um exemplo, podemos definir os vetores:

|+〉 =1√2

(|0〉 + |1〉) ; (1.2)

|−〉 =1√2

(|0〉 − |1〉) .

Exercıcio 3. Mostre que {|+〉 , |−〉} e uma base ortonormal.

Podemos aplicar o teste + ou −, que corresponde a esta base.Devemos aplicar a este teste as mesmas regras que antes usavamospara 0 e 1, com sua correspondente base. Chamemos o teste 0 ou 1de Z e o teste + ou − de X, devido a uma convencao que ficara clarana 1.2.

Exercıcio 4. Relacao entre os testes X e Z.

1. Considere o estado inicial |0〉. Quais as probabilidades de cadaalternativa para o teste Z? E para o teste X?

2. Suponha que foi realizado o teste X e obtido o resultado +.Qual a probabilidade de obter 0 em uma realizacao subsequentedo teste Z?

O que o exercıcio acima mostra e que os testes X e Z nao sao com-patıveis! Se fizermos sequencialmente os testes Z, X e Z, e possıvelobter respectivamente as respostas 0, + e 1. Se nao fosse realizado oteste X entre as duas realizacoes de Z, jamais poderıamos obter 0 e1 como respostas, devido a reprodutibilidade dos testes.

Exercıcio 5. Bases mutuamente neutras.

1. Descreva um teste com resultados a e b, onde o estado |0〉 daprobabilidades p e 1 − p.

2. Seja |a〉 o estado correspondente a alternativa a do teste ante-rior. Qual a probabilidade de obter 0 se um teste Z for aplicadoa este estado?

3. Duas bases B = {|b0〉 , |b1〉} e C = {|c0〉 , |c1〉} sao ditas mutua-mente neutras se |〈bi | cj〉| e independente de i e j. Mostre queas bases Z = {|0〉 , |1〉} e X = {|+〉 , |−〉} sao bases ortonormaismutuamente neutras.

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4. Obtenha uma nova base, Y, mutuamente neutra tanto com Xquanto com Z.

5. Mostre que nao existe outra base mutuamente neutra com X ,Y e Z.

Veremos no capıtulo 4 que estas bases podem ser utilizadas paraenviar um segredo.

1.1.5 A maior aplicacao comercial da Informacao

Quantica

Algumas tarefas muito simples do ponto de vista abstrato podem sermuito difıceis na pratica6. Por exemplo, gerar numeros aleatorios.Um pensamento inocente diz que lancar uma moeda para cada bit(cara ou coroa) seria o suficiente. Mas nao! Como garantir que amoeda e realmente honesta? Ou ainda, que seu lancamento e hones-to?

Novamente atingimos o paradigma teorico onde aleatoriedade naosurge a priori, mas da dificuldade de definir as condicoes iniciais comprecisao, e de uma dinamica muito sensıvel a tais condicoes. Osgeradores de numeros “aleatorios” mais utilizados sao sofisticacoesdeste lancamento da moeda. Computadores calculam funcoes deter-minısticas mas extremamente sensıveis as condicoes iniciais, e estascondicoes iniciais envolvem dados razoavelmente aleatorios, como osultimos dıgitos do relogio interno do computador, ou bits escolhidosdentro de um arquivo do qual nada se sabe... O que se obtem daısao numeros “suficientemente aleatorios” para a imensa maioria dasaplicacoes: jogos de computador, simulacoes de Monte Carlo, geracaode numeros primos muito grandes...

Mas a nocao de “suficientemente aleatorios” e sutil. O que e sufi-cientemente aleatorio para quem so quer gerar numeros primos paracriar uma chave RSA [11, 12] e usar na sua correspondencia eletronicaprivada pode nao ser suficientemente aleatorio para um banco queopera pela internet. O que e suficientemente aleatorio para quem soquer se divertir com um jogo pode nao ser suficientemente aleatoriopara uma empresa de jogos de azar on line! E curiosamente esta e,

6E vice-versa.

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no momento, a maior clientela das empresas que aplicam a teoriaquantica da informacao comercialmente: a industria de apostas! [2]

Se lembrarmos que os jogos de azar serviram de inspiracao paravarios matematicos desenvolverem teorias como probabilidades e a-nalise combinatoria, nao devemos nos envergonhar que esta mesmamanifestacao social agora se valha de uma das mais interessantesconquistas recentes da ciencia. E, por fim, se as pessoas querem jogar,que o jogo seja honesto, com sorteios o mais aleatorios possıveis.

Exercıcio 6. Usando o que voce ja aprendeu ate o presente mo-mento, proponha uma maquina quantica de gerar bits aleatorios.

1.2 Hopf, Riemann e Bloch

Uma bela construcao matematica, a fibracao de Hopf , aparece natu-ralmente na descricao dos estados de um qubit. Esta seccao e dedi-cada a explica-la.

O primeiro ponto a ser levantado e que, em mecanica quantica, ovetor de estado (correspondente a uma preparacao) permite calculartodas as probabilidades dos possıveis resultados de testes realizadosnaquele sistema. Cada teste e associado a uma base ortonormal e asprobabilidades sao dadas pelos modulos ao quadrado das amplitudesde probabilidade, ou seja, dos coeficientes da expansao do vetor comrespeito aquela base ortonormal especıfica.

Exercıcio 7. Dois vetores |ψ〉 e eiφ |ψ〉, com φ ∈ R, representamestados equivalentes, no sentido que as mesmas probabilidades saoprevistas para todos os testes realizados.

Vamos, a seguir, explorar as consequencias desta identificacao,no caso de um qubit. Antes, um pouco de nomenclatura: tanto umnumero complexo unitario eiφ quanto o numero real φ sao comumentechamados de fase. O exercıcio acima e normalmente fraseado como“uma fase global e irrelevante”.

Comecamos por considerar todos os vetores unitarios de C2. Te-

mos entao pares ordenados de numeros complexos, (a, b) tais que

|a|2 + |b|2 = 1.

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Exercıcio 8. O conjunto destes vetores pode ser identificado coma esfera tridimensional, S3, que pode ser visualizada como a esferaunitaria do R

4 euclidiano.

Agora procedemos a identificacao do exercıcio 7. A famılia depares da forma

(

eiφa, eiφb)

caracteriza um mesmo estado. Queremosentao descrever o conjunto de todos os vetores de estado fisicamentedistintos, F . Matematicamente falando, queremos descrever o con-junto das classes de equivalencia [(a, b)] onde cada classe descreveum estado fisicamente distinto, ou ainda, queremos descrever o quo-ciente do conjunto dos vetores unitarios de C

2 modulo a relacao deequivalencia dada por descrever estados fısicos indistinguıveis.

Exercıcio 9. Fibracao de Hopf

1. Cada classe da forma [(a, b)], com a 6= 0, e unicamente identi-ficada pelo numero complexo h1 (p) = b/a.

2. Cada classe da forma [(c, d)], com d 6= 0, e unicamente identi-ficada pelo numero complexo h2 (p) = c/d.

3. (Projecao estereografica equatorial)Considere a esfera unitaria S2 ⊂ R

3. Cada ponto P = (x, y, z)com z 6= 1 pode ser levado bijetivamente ao numero complexo

e1 (P ) =

√1 − z2

1 − zexp {i arg (x+ iy)}.

4. Cada ponto P ∈ S2 com z 6= −1 pode ser levado bijetivamente

ao numero complexo e2 (P ) =

√1 − z2

1 + zexp {i arg (x− iy)}.

5. Relacione os dois primeiros itens aos dois ultimos. E recomen-davel fazer uma figura onde o plano z = 0 e identificado como plano complexo, e reconhecer as retas que passam por P eei (P ).

A solucao do exercıcio acima mostra que o quociente obtido podeser visto como a esfera S2. Esta e a construcao da chamada fibracaode Hopf 7, para a qual se usa a notacao S1 ↪→ S3 → S2, e a seguinte

7Ou, pelo menos, do seu exemplo mais simples.

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nomenclatura: o espaco total S3 se projeta sobre S2, com fibra S1 emcada ponto. Ou seja, as funcoes e−1

1 ◦h1 e e−12 ◦h2 do exercıcio anterior

sao restricoes locais (com coordenadas) de uma projecao π : S3 → S2,onde para todo ponto P ∈ S2 temos π−1 (P ) ∼= S1. Uma versao maissofisticada do exercıcio 9 inclui mostrar que π e contınua com respeitoas topologias adequadas.

Incidentalmente, outra construcao matematica de muita beleza eutilidade apareceu no exercıcio 9. Um ponto p generico, correspon-dente a uma classe [(a, b)] que agora ja foi identificada com um pontode S2, possui imagem h1 (p) = ζ e h2 (p) = ζ−1. Os pontos ex-cepcionais correspondem a h1 (p) = 0 e h2 (p) = 0. Ou seja, esta euma dupla realizacao do famoso homeomorfismo entre o plano e aesfera menos um ponto. Mas, neste caso, utilizando variaveis com-plexas e respeitando varias de suas propriedades. Assim, ao passardo plano complexo da variavel ζ para o plano mais um ponto, ondecada ponto admite a coordenada ζ ou ζ−1, dizemos que foi feita acompactificacao do plano complexo, acrescentando o chamado pontode infinito, correspondente a ζ−1 = 0, e esta compactificacao e nor-malmente chamada esfera de Riemann.

Embora tenhamos introduzido a fibracao de Hopf e a esfera deRiemann a partir do problema de identificar o conjunto de todosos estados de um qubit fisicamente distintos, nao e assim que estadiscussao costuma ser feita em livros de fısica. Neles, o “dono dabola” e outro. E, ao inves de usar uma variavel complexa estendida aoinfinito como parametro, e mais comum usar angulos de (co-)latitudee longitude.

Se voltarmos a pensar nas classes [(a, b)], vemos que os pontosespeciais sao aqueles que tem a = 0 ou b = 0. E se voltarmos maisum pouco, associamos este representante ao vetor de estado

|ψ〉 = a |0〉 + b |1〉 ,

onde estes pontos especiais correspondem aos vetores da base Z. Aparametrizacao mais comum e fazer

|ψ〉 = cosθ

2|0〉 + eiϕ sen

θ

2|1〉 , (1.3)

com θ ∈ [0, π] e ϕ ∈ [0, 2π]. A esfera dos estados de um qubit enormalmente chamada esfera de Bloch.

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Exercıcio 10. Esfera de Bloch

1. Verifique que a parametrizacao (1.3) cobre todas as classes devetores de estado fisicamente distintos.

2. Interprete os angulos θ e ϕ de um ponto arbitrario e verifiqueque todos os pontos da esfera foram utilizados na parametrizacao.

3. Calcule o produto escalar 〈0 | ψ〉 e discuta a diferenca entreos vetores da esfera de Bloch serem ortogonais e a posicao devetores de estado ortogonais na esfera de Bloch.

Aproveitemos esta discussao para introduzir outras ferramentasbastante uteis na discussao de um qubit, as chamadas matrizes dePauli . Estas sao matrizes de automorfismos de C

2, que escritas comrespeito a base Z tomam a forma

σz = Z =

[

1 00 −1

]

, (1.4a)

σx = X =

[

0 11 0

]

, (1.4b)

σy = Y =

[

0 −ii 0

]

. (1.4c)

Note que as bases X , Y e Z sao as respectivas bases de autovetores dosoperadores descritos acima. E comum (pelo menos como artifıcio denotacao) considerar que estas matrizes formam um vetor de matrizes~σ = (σx, σy, σz), de modo que, para um vetor ~v ∈ R

3, o produto~v · ~σ representa a matriz

i viσi. A dupla notacao utilizada (e.g.:

σx e X) se deve a uma ser a notacao padrao em textos de mecanicaclassica, a outra a notacao padrao em textos de informacao quantica.Vamos utilizar ambas.

Exercıcio 11. 1. Obtenha autovalores e autovetores para X, Y eZ.

2. Para um vetor unitario ~u ∈ S2, diagonalize ~u · ~σ. Representeseus autovetores na esfera de Bloch.

3. Qual a relacao entre os autovetores de ~u · ~σ e de −~u · ~σ?

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O exercıcio acima mostra uma maneira canonica de relacionarum operador a cada base ortonormal de C

2. Sendo mais preciso,relacionamos um operador a cada decomposicao de C

2 em dois subes-pacos unidimensionais ortogonais. Por sua vez, nos ajuda a entendermelhor todos os possıveis testes a serem realizados com um qubit ea visualiza-los na esfera de Bloch: cada teste corresponde a escolhade um eixo, com seus pontos antıpodas sendo os vetores da basecorrespondente. A nomenclatura para as bases X , Y e Z tambemdeve estar mais clara agora.

1.3 Dois Qubits

Pouco se faz em computacao com um unico bit. Da mesma formaem computacao quantica. Nesta seccao discutimos o conjunto dosestados de dois qubits, ainda mais rico e belo que seus constituintesvistos isoladamente, e as possıveis medicoes a serem realizadas, bemcomo suas consequencias.

1.3.1 Espaco de Estados

Dois bits classicos podem assumir quatro valores: 00, 01, 10 e 11.Deve ser claro da propria maneira de escrever que os dois bits traba-lhados sao distintos: existem o primeiro bit e o segundo bit, ou aindao bit A e o bit B.

Fazer mecanica quantica em um sistema de dois bits e consideraro espaco de estados gerado por {|00〉 , |01〉 , |10〉 , |11〉}, ou seja, umespaco de estados de dimensao (complexa) 4, isomorfo, portanto, aC

4. Esta base que acabamos de escolher tem uma estrutura bas-tante especial, relacionada a escolha das bases computacionais paraos qubits A e B. Vamos explicitar esta estrutura usando apenasalgebra linear (mais precisamente, multilinear).

Definicao 6. Sejam V e W espacos vetoriais complexos, |v〉 ∈ V e|w〉 ∈ W . Criamos um novo elemento |v〉 ⊗ |w〉, chamado produtotensorial de |v〉 com |w〉. O produto tensorial dos espacos vetoriaisV e W , denotado V ⊗W , sera o espaco vetorial gerado pelos vetoresda forma |v〉 ⊗ |w〉, sujeito as relacoes

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1. (λ |v〉) ⊗ |w〉 = λ |v〉 ⊗ |w〉 = |v〉 ⊗ (λ |w〉);

2. (|u〉 + |v〉) ⊗ |w〉 = |u〉 ⊗ |w〉 + |v〉 ⊗ |w〉;

3. |v〉 ⊗ (|w〉 + |z〉) = |v〉 ⊗ |w〉 + |v〉 ⊗ |z〉,

para todos |u〉 , |v〉 ∈ V e |w〉 , |z〉 ∈W .

Exercıcio 12. Base produto. Sejam {|vi〉}mi=1 e {|wj〉}nj=1 bases paraV e W , respectivamente.

1. Mostre que {|vi〉 ⊗ |wj〉} e uma base para V ⊗W .

2. Determine a dimensao de V ⊗W .

Em particular, este exercıcio deve deixar clara a diferenca entreo produto tensorial de dois espacos, V ⊗W , e a soma direta de doisespacos vetoriais V ⊕ W , fortemente relacionada ao produto carte-siano. Em particular, compare as dimensoes de V ⊗W e V ⊕W .

Exercıcio 13. E possıvel ter Cm ⊗ C

n ∼= Cm ⊕ C

n?

Definicao 7. Considere agora que V e W possuem produtos es-calares, a partir dos quais faz sentido a notacao de bras e kets. Para|u〉 , |v〉 ∈ V e |w〉 , |z〉 ∈ W , define-se o produto escalar em V ⊗Wpor

(〈u| ⊗ 〈z|) (|v〉 ⊗ |w〉) = 〈u | v〉 〈z | w〉 .

Exercıcio 14. Se {|vi〉} e {|wj〉} sao bases ortonormais para V e W ,respectivamente, mostre que a base produto {|vi〉 ⊗ |wj〉} e ortonor-mal.

Com o produto tensorial em maos, podemos agora dizer que a baseanteriormente apresentada para o espaco de estados de dois qubitse a base produto, onde em cada espaco de um qubit foi escolhida abase computacional Z.

E importante fazer uma ressalva sobre notacao, que em parteja apareceu aqui. Embora a notacao mais precisa para o produtotensorial de dois vetores seja |v〉⊗|w〉, ela facilmente se torna pesada.Ha duas outras notacoes bastante utilizadas:

|v〉 ⊗ |w〉 ≡ |v〉 |w〉 ≡ |vw〉 .

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Como e natural, a notacao mais economica e bastante adequada,desde que evite riscos de ma compreensao.

Embora V ⊗W seja gerado por vetores da forma |v〉 ⊗ |w〉, elenao se restringe a estes. Em verdade, esta e uma das principaisrazoes para resultados interessantes como a teleportacao de estadosquanticos (cap. 2) e o algoritmo de Shor para fatoracao em tempopolinomial (cap. 3). Vetores da forma |v〉⊗ |w〉 sao chamados decom-ponıveis, ou simplesmente fatoraveis. Os demais vetores sao ditosnao-decomponıveis, ou emaranhados, uma nomenclatura que vemda mecanica quantica. Da mesma forma que aprendemos (talvezde maneira contra-intuitiva) que os numeros racionais sao “muitopoucos”, quando comparados com os numeros reais, tambem o con-junto dos vetores decomponıveis em V ⊗W e muito pequeno, desdeque os espacos vetoriais V e W tenham ambos dimensoes maiores que1.

Voltando aos estados de dois qubits, existem alguns vetores nao-decomponıveis que desempenham papel de destaque. Sao eles

|Φ±〉 =1√2

(|00〉 ± |11〉) , (1.5a)

|Ψ±〉 =1√2

(|01〉 ± |10〉) . (1.5b)

Os estados representados por estes vetores sao normalmente referidoscomo estados de Bell , e estao relacionados a violacoes das chamadasdesigualdades de Bell [13], que desempenham importante papel emdiscussoes sobre fundamentos de mecanica quantica.

Exercıcio 15. Verifique que a notacao

|Ψab〉 =1√2

(

|0a〉 + (−1)b |1a〉

)

,

onde a e b sao bits com valores 0 ou 1 e a denota a negacao de a (ouseja, 1+a, onde a adicao e feita modulo 2) resume os quatro estadosde Bell.

1.3.2 Medicoes

Vamos agora discutir as possıveis medicoes a serem realizadas emum sistema de dois bits quanticos. Para isso, devemos generalizar a

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definicao 3.Continua valendo a nocao de que alternativas classicamente dis-

tintas estao relacionadas a vetores ortogonais. Uma grande diferenca,porem, e que agora e possıvel que o numero de alternativas seja menorque a dimensao do espaco de estados. Neste caso, pelo menos umaalternativa deve ser degenerada, no sentido de possuir mais de um ve-tor independente associado a ela. Quando isso acontece, temos todoum subespaco vetorial associado a esta alternativa classica. Portanto,um teste com alternativas classicas corresponde a uma decomposicaodo espaco de estados em subespacos ortogonais, com cada subespacoassociado a uma das alternativas.

Definicao 8. Sejam E um espaco de estados e |ψ〉 ∈ E um vetornormalizado. Um teste com alternativas distintas indexadas por icorresponde a uma decomposicao ortogonal E =

iEi. Sejam aindaPi : E → E os projetores ortogonais sobre cada Ei. A probabilidadede obter o resultado i e dada por 〈ψ|Pi |ψ〉.

Exercıcio 16. Projetores ortogonais e notacao de Dirac

1. Seja |φ〉 um vetor normalizado. O que faz o operador |φ〉 〈φ|?

2. Seja {|vi〉}ni=1 uma base ortonormal. Defina Pi = |vi〉 〈vi|.Mostre que PiPj = δijPj.

3. Para J ⊂ {1, . . . , n} defina PJ =∑

i∈J Pi. Mostre que PJPK =PJ∩K . Em particular, P 2

J = PJ .

4. Qual a forma diagonal de PJ? Interprete TrPJ , o traco de PJ .

Exercıcio 17. Mostre que a definicao 3 e um caso particular da 8.

A definicao 8 e o exercıcio 16 podem ser unidos para chegar aforma mais comum de se descrever tais medicoes. Para cada Ei,escolha uma base ortonormal

{∣

∣vki⟩}

, onde o ındice k corre de 1 ate

ni = dimEi. Temos entao uma base ortonormal para E,{∣

∣vki⟩}

.Se escrevemos o vetor de estado |ψ〉 com respeito a essa base, temos|ψ〉 =

i

∑ni

k=1 αki

∣vki⟩

.

Exercıcio 18. 1. Mostre que pi, a probabilidade de obter a alter-

nativa i, e dada por∑ni

k=1

∣αki∣

2.

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18 [CAP. 1: OS BITS QUANTICOS

2. Refaca esta discussao para o caso nao-degenerado (i.e.: ni =1,∀i) e compare com a definicao 3.

Deve ficar claro porque esse tipo de medicao e normalmente cha-mada uma medicao projetiva. Medicoes mais gerais que estas seraodiscutidas na seccao 1.5.

Alguns exemplos sao bem-vindos. Primeiramente, se

|ψ〉 = α00 |00〉 + α01 |01〉 + α10 |10〉 + α11 |11〉 ,

e submetemos o sistema a um teste que ditingue entre essas quatroalternativas classicas, a probabilidade de obter o par ij e |αij |2. Noteque este teste pode ser entendido como medicoes na base Z em cadaqubit. Alguns refinamentos deste exemplos vem a seguir:

Exercıcio 19. Considere ainda |ψ〉 = α00 |00〉+α01 |01〉+α10 |10〉+α11 |11〉.

1. Quais as probabilidades dos possıveis resultados de um teste queapenas distingue 0 de 1 no primeiro qubit? E no segundo?

2. E para um teste que verifica se os dois resultados sao iguais oudiferentes?

3. Considere agora um teste onde os quatro possıveis resultadossao +0, −0, +1, −1, correspondendo a discriminar entre + e− no primeiro qubit (ou seja, a base X ) e 0 ou 1 no segundoqubit. Quais as probabilidades de cada resultado?

Agora vamos apresentar uma das principais propriedades dos es-tados de Bell.

Exercıcio 20. Considere o estado |Ψ−〉, da eq. (1.5b).

1. Obtenha as probabilidades dos possıveis resultados de uma me-dicao projetiva na base Z ⊗ Z.

2. Faca o mesmo para as bases X ⊗ X e Y ⊗ Y.

Cada um dos resultados que voce obteve acima mostra que os bitsgerados pelas respostas de cada teste aplicado aos qubits estao cor-relacionados. Cada um destes resultados sozinho nao e surpreendente.

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Exemplos assim acontecem em nosso “mundo classico” frequente-mente. Considere que uma moeda foi cortada ao meio, de modoque uma semi-moeda so tem cara e a outra coroa. Voce poe cadauma em um envelope e manda cada envelope para um amigo, massem saber qual semi-moeda foi colocada em cada um. Os bits ge-rados por este teste classico tem o mesmo tipo de correlacao que osbits obtidos por cada um dos testes do exercıcio 20. Porem, os doisqubits preparados em |Ψ−〉 possuem algo que as semi-moedas naopossuem: a possibilidade de realizacao de testes diferentes (medircom respeito a outras bases). Para realcar ainda mais esta situacao,lembremos que um dado padronizado possui seis faces numeradas de1 a 6 e que faces opostas sempre somam 7. Inspirados no exemploda moeda, podemos considerar a possibilidade de cortar um dadodestes paralelamente a um par de faces, colocar cada metade em umenvelope aleatorio e mandar para dois amigos. Conhecendo a regrada brincadeira, apos abrir seu envelope, cada amigo sabe o que ooutro recebeu. Mas note que se o corte foi realizado paralelamenteas faces 2 e 5, nenhum amigo pode receber a face 4 completa. O queos qubits nos permitem, de certo modo, e enviar os semi-dados paracada amigo antes de fazer o corte! De posse dos seus envelopes, elespodem decidir sobre qual corte fazer. E, se fizerem os mesmos cortes,obterao bits complementares, da mesma forma que no exemplo damoeda.

Exercıcio 21. Ainda com o estado |Ψ−〉, quais as probabilidades sefor feita uma medicao na base X ⊗ Z?

A esta altura, deve comecar a ficar claro que estes estados de Bell,ou, mais geralmente, estados emaranhados, possuem propriedadesinteressantes. Tais propriedades devem ser suficientes para motivar ointeresse por um outro possıvel teste para se realizar com dois qubits:podemos “medir na base de Bell”.

Exercıcio 22. Considere o teste associado a base {|Ψij〉}. Obtenhaas probabilidades dos diferentes resultados para os seguintes estados:|00〉, |++〉 e 3

5 |00〉 + 45 |11〉.

Medicoes na base de Bell terao um papel destacado no processode teleportacao, a ser discutido no capıtulo 2.

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1.3.3 Depois da Medicao

O postulado 4 tambem precisa de generalizacao adequada.

Postulado 9. Considere um teste com alternativas classicas i, dadopela decomposicao E =

iEi, com respectivos projetores ortogonaisPi. Se o teste foi aplicado ao estado |ψ〉 e a alternativa i foi obtida,

apos o teste o sistema sera descrito pelo estado |ψi〉 =Pi |ψ〉

‖Pi |ψ〉‖.

Exercıcio 23. Mostre que Pi |ψ〉 = 0 nao representa qualquer pro-blema para o postulado acima.

O postulado 9 retem a principal propriedade do postulado 4: areprodutibilidade dos testes.

Exercıcio 24. Demonstre a afirmacao acima.

Por outro lado, traz uma diferenca marcante (e natural): o estadoapos a medicao, |ψi〉, depende do estado antes da medicao, |ψ〉.

Exercıcio 25. Mostre que o postulado 4 pode ser visto como casoparticular do postulado 9 se acrescentarmos a nocao de equivalenciade estados do exercıcio 7.

Ja sabemos, portanto, ao menos em teoria, como preparar esta-dos de Bell: basta fazermos um teste que discrimine entre os quatroestados de Bell e selecionar a saıda desejada.

Exercıcio 26. Para se acostumar com as propriedades do postulado9, obtenha o estado apos as seguintes situacoes:

1. No estado |00〉, e feita uma medicao na base Z do primeiroqubit. No mesmo estado, e feita uma medicao na base X doprimeiro qubit, que resulta +.

2. No estado |Ψ−〉, e feita uma medicao na base Z do primeiroqubit; quais os possıveis resultados, com que probabilidades,e qual o estado apos a medicao? As mesmas perguntas paramedicoes nas bases X e Y do primeiro qubit.

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Todos os testes do exercıcio 26 agem apenas em um dos qubits.Com a ideia que, em princıpio, estes dois qubits podem ocupar lugaresdiferentes no espaco (mesmo dois laboratorios afastados), tais testessao chamados testes locais. Note que o sentido de local nao e o sentidomais usual em matematica, ligado a vizinhancas. Aqui e um conceitoligado a algebra multilinear. Talvez fosse melhor chama-los testesdecomponıveis, mas vamos aderir a denominacao padrao da area.

Se um teste local distingue entre duas alternativas para o qubit A,e tais alternativas sao relacionadas a base {|a0〉 , |a1〉}, apos o teste,o estado do sistema sera ou |a0〉 ⊗ |b0〉, ou |a1〉 ⊗ |b1〉. Nao podemosafirmar nada geral sobre |b0〉 e |b1〉, como voce deve ter aprendido doexercıcio 26. O que esta sendo afirmado e que, em ambos os casos, oestado apos a medicao e um estado produto, o que nos permite falardo estado do qubit B, condicionado ao resultado obtido na medicaode A.

Exercıcio 27. Demonstre a seguinte propriedade que distingue es-tados emaranhados (nao-decomponıveis) de estados fatoraveis (de-componıveis) de dois qubits. Um teste local no qubit A e aplicadoao sistema em um estado |ψ〉. O estado do qubit B apos o teste eindependente da escolha e do resultado do teste local aplicado se, esomente se, o estado |ψ〉 e fatoravel.

1.3.4 Estados fisicamente distintos

Agora queremos generalizar o que foi apresentado na seccao 1.2 sobrea fibracao de Hopf e a chamada esfera de Bloch. Nao deve ser surpresaque outras construcoes matematicas classicas aparecam: desta vez, oespaco projetivo complexo e o mergulho de Segre [14].

Devemos lembrar que o ponto de partida naquele caso foi a afir-macao que fases globais sao irrelevantes (exercıcio 7), ou, mais pre-cisamente, que vetores da forma eiφ |ψ〉 representam o mesmo es-tado fısico, independente do valor de φ, ou seja, formam uma classede equivalencia que podemos denotar [|ψ〉]. Este resultado continuavalido e sera novamente nosso ponto de partida.

Para qualquer sistema quantico com espaco de estados de di-mensao finita n, os possıveis vetores de estado sao vetores de norma1 em E ∼= C

n, um conjunto naturalmente identificado com a esfera

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S2n−1 (lembrando que neste caso, a dimensao indicada e com respeitoaos reais). O conjunto das classes de equivalencia [|ψ〉] pode ser vistocomo o conjunto de todos os subespacos unidimensionais (complexos)de E ∼= C

n. Mas esta e exatamente a definicao do espaco projetivocomplexo CP

n−1. Em particular, o conjunto dos vetores de estadofisicamente distintos para dois qubits e homeomorfo a CP

3, enquantoa esfera de Riemann (ou de Bloch, dependendo do contexto) e home-omorfa a CP

1, a chamada linha projetiva complexa (sua dimensaocomplexa e 1, por isso linha, sua dimensao real e 2, condizente comesfera).

Uma boa maneira de trabalhar em CPm e usar as chamadas coor-

denadas homogeneas. Assim, uma classe e definida por coordenadas[x0 : x1 : . . . : xm], entendido que [λx0 : λx1 : . . . : λxm] representa amesma classe, para todo λ 6= 0. As componentes de um vetor deestado podem entao ser vistas como coordenadas homogeneas quedefinem um ponto em CP

m, mesmo que isso nao seja normalmentedito em livros de mecanica quantica.

Entendido que os estados fisicamente distintos de dois qubits for-mam um CP

3, enquanto os estados de um qubit formam um CP1

cada, uma pergunta natural e onde se encontram os estados fatoraveisneste CP

3? Esta pergunta pode ser respondida de maneira constru-tiva. Em termos de kets, considere os estados |a〉 = α0 |0〉 + α1 |1〉para o qubit A e |b〉 = β0 |0〉 + β1 |1〉 para B. Temos entao o estadoproduto |a〉⊗|b〉 = α0β0 |00〉+α0β1 |01〉+α1β0 |10〉+α1β1 |11〉. Todovetor de estado produto (de dois qubits) e desta forma. Em termosde coordenadas homogenas, aproveitando a mesma notacao, temos

CP1 × CP

1 → CP3

([α0 : α1] , [β0 : β1]) 7→ [α0β0 : α0β1 : α1β0 : α1β1] (1.6)

que e conhecido como mergulho de Segre. Do ponto de vista dageometria algebrica, o mergulho de Segre e uma maneira de tornarum produto cartesiano de espacos projetivos em uma subvariedade deum espaco projetivo maior, usando para isso uma aplicacao algebrica(expresso por polinomios homogeneos).

Exercıcio 28. Calcule a dimensao sobre os reais do conjunto dosestados fatoraveis de dois qubits e do conjunto dos estados emaranha-dos de dois qubits. Com isso, responda a pergunta: se voce sortear

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aleatoriamente (com distribuicao uniforme) um estado em CP3, qual

a probabilidade de ele representar um estado emaranhado?

Exercıcio 29. Considere agora dois espacos projetivos complexos,CP

m e CPn. Construa o mergulho de Segre destes dois espacos, ou

seja, construa uma aplicacao semelhante a (1.6) no espaco projetivocom a dimensao adequada.

1.4 Mais Qubits

Quanto mais qubits agregamos, mais rica fica a estrutura geometricasubjacente. Tambem aumentam as possibilidades, seja do ponto devista de emaranhamento, seja da aplicacao a tarefas especıficas decomunicacao ou processamento de informacao.

As definicoes apresentadas na seccao 1.3 nao precisam ser genera-lizadas nesta seccao, apenas aplicadas. Para tres qubits, por exemplo,teremos um espaco de estados dado por C

2 ⊗ C2 ⊗ C

2, com espacode estados fisicamente distintos CP

7. Ja a decomposicao em estadosfatoraveis se torna mais divertida. Se rotulamos os qubits por A,B e C, podemos buscar estados fatoraveis com respeito a qualquerparticao do conjunto {A,B,C}. Desta forma, chamamos um estadode {{A,B} , {C}}−fatoravel (ou fatoravel com respeito a particao{{A,B} , {C}}) se |ψ〉 = |φ〉AB⊗|ϕ〉C , ou seja, se ele e decomponıvelcom relacao a decomposicao C

8 ≡ C4 ⊗ C

2, onde o primeiro fator serefere aos qubits A e B, enquanto o segundo fator se refere a C.

Exercıcio 30. 1. Mostre que os estados {{A,B} , {C}}−fatora-veis correspondem a imagem do mergulho de Segre CP

3×CP1 →

CP7.

2. Mostre que todo estado simultaneamente fatoravel com respeitoas particoes {{A,B} , {C}} e {{A,C} , {B}} e tambem fatoravelcom respeito as particoes {{A} , {B,C}} e {{A} , {B} , {C}}(sugestao: utilize o exercıcio 27).

3. Interprete o item anterior em termos das posicoes relativas dasimagens dos diferentes mergulhos de Segre envolvidos.

4. Obtenha a dimensao de cada conjunto envolvido nos itens an-teriores.

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Uma pergunta natural e quais estados de varios qubits genera-lizam os estados de Bell? Tal pergunta, porem, e muito vaga. Havarias famılias de estados com propriedades interessantes, que genera-lizam as propriedades dos estados de Bell. Apenas como um exemploclassico para tres qubits, sejam os estados

|GHZ〉 =1√2

(|000〉 + |111〉) , (1.7a)

|W 〉 =1√3

(|001〉 + |010〉 + |100〉) , (1.7b)

cujos nomes sao homenagens a Greenberger, Horne e Zeilinger [15] ea Wootters [16].

Exercıcio 31. Diferenca entre |GHZ〉 e |W 〉

1. Mostre que cada qubit de |GHZ〉 esta emaranhado com os de-mais.

2. Qual o estado dos qubits A e B apos cada possıvel resultado deum teste Z no qubit C? Ha emaranhamento nestes estados?

3. Mostre que cada qubit de |W 〉 esta emaranhado com os demais.

4. Qual o estado dos qubits A e B apos cada possıvel resultado deum teste Z no qubit C? Ha emaranhamento nestes estados?

Se voce quiser se divertir, generalize os resultados apresentadosaqui para o caso de quatro qubits. Antes de encerrar, apenas umartifıcio notacional: denotamos E⊗n o produto tensorial de n copiasdo espaco vetorial E. Em particular, C

2⊗n denota o espaco de estadosde n qubits.

1.5 Um pouco alem

Nesta seccao tratamos alguns aprofundamentos da teoria quantica,que nem foram abordados nas seccoes anteriores, nem devem ser omi-tidos em uma primeira apresentacao desta teoria. O restante do livrodependera muito pouco destes aprofundamentos. A ideia e que a“parte principal” de cada capıtulo so dependa do que ja foi a “parte

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principal” deste primeiro, mas que alguns aprofundamentos tambemsejam apresentados. Nos proximos capıtulos, exercıcios (ou itens)precedidos de ∗ dependerao desta seccao.

1.5.1 Definicao geral de Estado

Desde a apresentacao da definicao 1 deixamos claro sua precariedade,ao apresenta-la como provisoria. Tal definicao provisoria sera usadana maior parte deste texto, mas vamos apresentar aqui uma definicaomais geral, motivando-a por aquilo que ja vimos neste capıtulo.

Sabemos que apos uma medicao caracterizada pela decomposicaoE =

iEi, se o resultado i e obtido, o estado do sistema sera dado

por |ψ〉i = Pi|ψ〉‖Pi|ψ〉‖ (definicao 9). Uma situacao muito natural e que

um teste como este seja realizado, mas (por algum motivo) nao tenha-mos acesso a alternativa i obtida. Como descrever o estado do sistemanesta situacao? Devemos lembrar que o estado antes da medicao nospermite calcular as probabilidades pi = 〈ψ|Pi |ψ〉 de cada alternativa.A melhor descricao que podemos dar entao e de um conjunto dealternativas, cada qual com sua probabilidade e a cada alternativaassociado um estado. Em sımbolos, temos {(pi, |ψi〉)}.Exercıcio 32. Mostre que se um sistema descrito por {(pi, |ψi〉)} esujeitado a um teste descrito por E =

j Fj, com respectivos proje-tores Qj, cada resultado aparecera com probabilidade

qj =∑

i

pi 〈ψi|Qj |ψi〉 , (1.8)

e, se o resultado j for obtido, o sistema passara a ser descrito por{(

pi,Qj |ψi〉

‖Qj |ψi〉‖

)}

.

Lembrando agora que o significado fısico de cada vetor de estadoesta apenas relacionado ao subespaco unidimensional (complexo) porele gerado, tanto faz descrevermos um estado por {(pi, |ψi〉)} ou por{(pi, |ψi〉 〈ψi|)}, lembrando do significado de um operador |φ〉 〈φ| (e-xercıcio 16). A equacao (1.8) motiva entao a definicao do operadorρ =

i pi |ψi〉 〈ψi|, chamado operador densidade do sistema.

Exercıcio 33. 1. Verifique que a equacao (1.8) pode ser reescritacomo qj = Tr (Qjρ).

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2. Mostre que o conjunto de probabilidades e estados associado aobtencao do resultado j esta relacionado ao operador densidadeρj = QjρQj/qj.

Com isso vemos que o operador densidade e uma excelente descri-cao para o estado de um sistema, e que generaliza as propriedades dosvetores de estado. Note que ρ foi definido como uma soma convexade operadores semi-definidos positivos8. Isso garante que da formaque foi apresentado, ρ e semi-definido positivo e de traco 1. E agorapodemos tomar estas propriedades como a essencia da definicao deestado, e considerar

Definicao 10. O estado de um sistema quantico e descrito por umoperador semi-definido positivo de traco 1, usualmente chamado o-perador densidade.

Para evitar confusao quanto a qual definicao esta sendo usada (1ou 10), os estados que podem ser descritos por um vetor de estadosao chamados estados puros. Esta nomenclatura coincide com a deponto puro de um conjunto convexo: sao aqueles que nao podem serescritos como combinacao convexa de outros elementos do conjunto[17].

Uma nomenclatura comum, mas a qual nao vamos aderir, e cha-mar estados que nao sao puros de misturas estatısticas, ou ainda deestados mistos. Por outro lado, outras axiomatizacoes da mecanicaquantica partem da definicao de estado agora apresentada (ou varia-coes dela), e consideram os estados puros apenas como casos parti-culares importantes [18].

Outro caso particularmente importante, mas no extremos oposto,e o estado chamado de mistura completa, ρm, que para um espacode estados de dimensao d e dado por 1

dI, onde I denota o operadoridentidade.

Exercıcio 34. Mostre que todo teste que discrimina entre d alter-nativas classicamente distintas aplicado a um sistema no estado ρmobtera respostas equiprovaveis. Justifique daı o nome mistura com-pleta.

8Podemos tomar como definicao de semi-definido positivo ser diagonalizavelcom autovetores ortogonais e ter autovalores nao-negativos.

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Tambem bastante interessante e voltar aos qubits. O conjunto dosoperadores auto-adjuntos9 2× 2 e um espaco vetorial real, tendo porbase (I, σx, σy, σz). Se notarmos que apenas I tem traco nao-nulo,concluımos que os operadores auto-adjuntos de traco 1 tem a forma:

ρ =1

2

{

I +~b · ~σ}

, (1.9)

onde ~σ = (σx, σy, σz).

Exercıcio 35. A condicao de ser semi-definido positivo se traduz

como∥

~b∥

∥≤ 1, com

~b∥

∥= 1 se, e somente se, ρ for um estado puro.

O vetor ~b e chamado vetor de Bloch e agora entendemos que osvetores da superfıcie da esfera representam estados puros, enquantoo interior da esfera representa as misturas.

Esta decomposicao pode ser generalizada para mais qubits. Paramais detalhes, consulte a ref. [18].

1.5.2 Estados Reduzidos

Agora temos uma questao interessante para tratar. Suponha quetenhamos um sistema de duas partes, ou seja, seu espaco de estadostem a forma EA⊗EB . O estado do sistema e descrito por um operadordensidade ρAB neste espaco. Temos dois tipos de testes locais quepodem ser aplicados a este sistema, aqueles descritos por {Pi ⊗ I}(locais em A) e os da forma {I ⊗Qj} (locais em B). A questao quese levanta e: podemos definir um operador densidade ρA de formaque os resultados de testes {Pi} em ρA coincidam com os resultadosda respectiva extensao {Pi ⊗ I} em ρAB? Explicitando a pergunta,o que queremos e definir ρA tal que

Tr (PiρA) = pi = Tr (Pi ⊗ IρAB) , (1.10)

para todo projetor Pi.

Exercıcio 36. Qualquer teste local da forma {I ⊗Qj} e compatıvelcom {Pi ⊗ I}.

9A definicao de um operador auto-adjunto e apresentada na 1.5.3.

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Consideremos entao a possibilidade de um teste local ser real-izado em B, mas sem que tenhamos o registro do resultado. As-sim, podemos descrever o sistema por

{

qj , ρAB|j}

, com ρAB|j =I ⊗ QjρABI ⊗ Qj/qj o estado do sistema AB condicionado ao re-sultado j na medicao realizada.

Exercıcio 37. Seja ρAB =∑

j qjρAB|j. Mostre que

pi := Tr (Pi ⊗ IρAB) = pi.

(Sugestao: escreva ρAB =∑

kl cklAk ⊗Bl.)

Dessa forma, medicoes em A sao incapazes de distinguir se houvemedicao em B, exceto se o resultado de tal medicao for revelado.Portanto, no espırito da questao que queremos responder, eq. (1.10),podemos considerar qualquer teste arbitrario em B. Em particular,considere Qj = |j〉 〈j|, ou seja, {Qj} sendo um conjunto de proje-tores ortogonais unidimensionais. Neste caso, ρAB|j = ρA|j ⊗ |j〉 〈j|.Podemos escolher uma base ortonormal {|µ〉} para EA, de modo quevale a decomposicao

ρAB =∑

µνkl

ρµk,νl |µ〉 〈ν| ⊗ |k〉 〈l| .

Exercıcio 38. Calcule ρAB|j e ρA|j.

Obtemos entao ρA =∑

j qjρA|j , que responde a pergunta formu-lada. Resta ainda mostrar que tal construcao nao depende da escolhade {Qj}. Para isso, vamos buscar uma interpretacao geometrica parao processo ρAB 7→ ρA.

Vamos denotar por L (E) o espaco vetorial dos operadores linearesde E.

Exercıcio 39. 1. L (E ⊗ F ) ∼= L (E) ⊗ L (F ).

2. Seja Qj = |j〉 〈j| um projetor unidimensional em F . Defina ξj :L (E ⊗ F ) → L (E ⊗ F ) estendendo linearmente ξj (A⊗B) =A⊗ (QjBQj). Mostre que ξj e idempotente, i.e.: ξ2j = ξj.

3. Para uma base ortonormal {|j〉}, mostre que a aplicacao ξ =∑

j ξj tambem e idempotente.

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4. Mostre que ξ preserva o traco, ou seja Tr (X) = Tr (ξ (X)).

5. Seja πj : L (E ⊗ F ) → L (E) definida implicitamente por

ξj (A⊗B) = πj (A⊗B) ⊗Qj

e seja π =∑

j πj. Mostre que π preserva o traco.

6. Seja Tr2 : L (E ⊗ F ) → L (E) definida por Tr2 (A⊗B) =(TrB)A e denominada traco parcial (na segunda componente).Mostre que Tr2 = π.

Temos entao ρA = Tr2ρAB . Como o traco nao depende da escolhada base, o estado ρA cumpre com o requisito de ser independente damedicao feita (ou nao) na parte B. Na pratica, toda essa discussaodeve ser vista como a justificativa para se fazer o traco parcial, umatarefa operacionalmente muito mais simples do que a obtencao dosestados condicionais e sua posterior soma ponderada. Deve ser claroque analogamente se define ρB = Tr1ρAB .

Exercıcio 40. 1. Obtenha os estados reduzidos ρA e ρB para osseguintes estados de dois qubits: |01〉 〈01| e |Ψ−〉 〈Ψ−|.

2. Reformule o criterio de fatorabilidade apresentado no exercıcio27 em termos da nocao de estados reduzidos.

Voce deve ter notado no exercıcio acima que mesmo que insistısse-mos em trabalhar com estados globais puros, ao introduzir a nocaode estados reduzidos somos obrigados a considerar a nocao mais geralde estado.

1.5.3 Medicoes generalizadas

Agora que ja generalizamos a nocao de estado, podemos tambempropor medicoes generalizadas.

Antes, porem, lembramos a definicao da adjunta de uma trans-formacao linear. Se temos T : V → W , W e V espacos vetoriaiscom produtos escalares, definimos10 T † : W → V exigindo que, para

10Para ser mais preciso, esta propriedade define T † : W ∗ → V ∗, mas ja estamosaproveitando a existencia de isomorfismo canonico entre cada espaco vetorial comproduto escalar e seu dual para simplificar esta definicao.

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todo par v ∈ V , w ∈ W , valha 〈Tv,w〉 =⟨

v, T †w⟩

. Para o caso deT : V → V , T e dita auto-adjunta se T = T †.

Definicao 11. Uma medicao generalizada sera dada por um con-junto {Mi} de operadores de medicao no espaco de estados tais que∑

iM†iMi = I, onde I denota o operador identidade. Se o estado do

sistema antes da medicao e ρ, a probabilidade de obter o resultado

i e dada por pi = Tr(

MiρM†i

)

, e caso o resultado i seja obtido, o

estado do sistema apos a medicao sera ρi =MiρM

†i

TrMiρM†i

.

Os operadores M †iMi sao (semi-definidos) positivos. Desta forma,

uma medicao generalizada esta associada a uma particao do operadoridentidade em soma de operadores (semi-definidos) positivos. Poreste motivo, esta definicao esta ligada ao conceito de medida a valo-res em operadores positivos, com a sigla em ingles POVM - medidaaqui tendo seu sentido matematico usual (e nao o sentido fısico deuma medicao). De fato, a definicao 11 pede um pouco mais que umaPOVM, uma vez que os operadoresMi sao dados. O conhecimento daPOVM permite obter as probabilidades dos possıveis resultados pos-teriores, mas nao permite definir o estado do sistema apos a medicao.

Exercıcio 41. Mostre que as medicoes generalizadas incluem asmedicoes projetivas da definicao 8.

1.5.4 Evolucao temporal

Entre as coisas que nao foram tratadas e como passar do conhe-cimento de um estado no instante t0 para seu conhecimento em uminstante posterior t1. Vamos fazer alguns comentarios a esse respeito.

O mais comum e apresentar tal evolucao em termos da equacaode Schrodinger , uma equacao diferencial ordinaria da forma

d

dt|ψ〉 =

H

i~|ψ〉 ,

onde H e um operador H : E → E, chamado hamiltoniano do sis-tema, i a unidade imaginaria e ~ a famosa constante de Planck. Ooperador H e a versao quantica da funcao hamiltoniana da mecanica

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classica. Em ambos os casos desempenham o papel de geradores in-finitesimais da evolucao temporal.

Para um hamiltoniano independente do tempo (ou seja, umaequacao diferencial autonoma), a solucao desta equacao pode serobtida atraves da exponencial do operador.

Exercıcio 42. Verifique que |ψ (t)〉 = exp

(−iH~

)

|ψ (0)〉 e a solucao

do problema de Cauchy dado pela equacao de Schrodinger e o estadoinicial |ψ (0)〉.

Define-se entao um operador de evolucao temporal U (t) tal queU (t) |ψ (0)〉 = |ψ (t)〉, para todo estado inicial |ψ (0)〉. O exercıciomostra que no caso de hamiltoniano independente do tempo,

U (t) = exp

(−iH~

)

.

Em particular, U (t) e um operador unitario (i.e.: U †U = UU † = I).Assim como a descricao do estado de um sistema por um vetor

de estado assume que podemos ter conhecimento completo sobre oestado, a descricao da sua evolucao temporal a partir de um hamilto-niano assume o conhecimento preciso de todas as interacoes envolvi-das. Isto deve ser visto como uma idealizacao e, em varios casos, umponto de vista mais realista se faz necessario.

Em particular, ao inves de um operador unitario para a evolucaotemporal, podemos apenas assumir um mapeamento Λt : L (E) →L (E), com Λtρ0 = ρt. Naturalmente, algumas condicoes sobre Λt seaplicam, como, por exemplo, ele levar operadores densidade em op-eradores densidade (pode-se entao exigir separadamente que o mapapreserve positividade e traco). Novamente, a discussao pode ir muitomais longe, mas nao e o espırito do presente texto.

1.5.5 Espacos de Hilbert e Quantizacao

E importante dizer que neste texto nao tratamos daquele que podeparecer o problema conceitualmente mais simples de mecanica quan-tica, que e estudar a quantizacao do movimento unidimensional deuma partıcula de massa m sujeita a uma energia potencial V (x).

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Neste problema, o espaco de estados a ser considerado e o com-pletamento do espaco das funcoes ψ : R → C de quadrado integravel,L2 (R,C), que e um espaco vetorial de dimensao infinita. Os vetoresde estado sao as chamadas funcoes de onda e as variaveis dinamicasusuais (posicao, momentum, energia...) sao adequadamente repre-sentadas por operadores auto-adjuntos sobre estas funcoes de onda.

Para tais problemas conceitualmente “simples” e necessario trocaro domınio da Algebra (Multi)Linear pelo da Analise Funcional. Nestesentido, vemos mais um merito da Teoria Quantica da Informacao:permitir que os casos matematicamente mais simples da MecanicaQuantica ganhem interesse proprio. Ao longo de todo o texto tratare-mos de espacos de estado de dimensao finita, e cabera ao leitor julgarse os problemas encontrados serao interessantes ou nao.

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Capıtulo 2

Teleportacao e

Emaranhamento

Uma das grandes surpresas da Mecanica Quantica e o processo deteleportacao de estados quanticos [19]. Mais precisamente, pelo es-tabelecimento previo de correlacoes quanticas entre duas partes (quepodem estar distantes), o estado quantico de uma nova partıcula podeser transferido de um lugar para outro.

Se nao fosse suficientemente curioso, este processo tambem podeser visto como um ingrediente importante na computacao quantica.As correlacoes quanticas a que nos referimos sao o chamado emara-nhamento, que e consumido na execucao desta tarefa. Desta formae que ele passou a ser visto como um recurso a ser entendido e uti-lizado. Aproveitaremos o capıtulo para introduzir alguns conceitosda chamada teoria do emaranhamento.

2.1 Teleportacao nao e so ficcao cientıfica

O seriado Star Trek (Jornada nas Estrelas) popularizou a ideia deviajar no espaco atraves de sinais eletromagneticos, onde um tripu-lante da nave (o Dr. Spock, por exemplo) posicionava-se em umaestacao, artisticamente vıamos suas moleculas “desaparecerem”, epouco tempo depois Spock era reconstituıdo no destino desejado,

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eventualmente com algum mal estar devido a interferencias no meiodo caminho.

Claro que tal nıvel de precisao, incluıda ainda a possibilidade deescolher o destino final de maneira essencialmente arbitraria, aindae um sonho distante. Mas o passo fundamental daquilo que poderiaparecer mera ficcao cientıfica ja foi alcancado. Trata-se do processode teleportacao de estados quanticos. Vamos descreve-lo aqui.

Para que o efeito tenha a surpresa necessaria, queremos telepor-tar algo entre duas partes remotas, de A para B. Na Teoria daInformacao (incluıda aı Comunicacao e Criptografia), e comum con-siderarmos personagens ativos nesta historia. Assim, Ana trabalhaem um laboratorio em A (digamos, em Aracaju), enquanto Bernardotrabalha em um laboratorio na parte B, digamos, em Brasılia. O ob-jetivo e enviar um qubit de Ana para Bernardo. Qubit aqui significaa informacao referente a um qubit, ou seja, seu estado.

Claro que a solucao simples seria enviar o portador deste qubitdiretamente. Mas aı nao haveria surpresa nenhuma.

Do mesmo modo, se Ana tem uma receita para produzir estequbit, ela poderia enviar esta receita para Bernardo, que poderiaconstruir qubits em Brasılia seguindo a mesma receita. Mas, nova-mente, nao ha qualquer aplicacao direta da Mecanica Quantica aoprocesso de transmissao de informacao. Ao inves de enviar a receitade como preparar o qubit, Ana poderia enviar a receita de um bolo,talvez com vantagens praticas.

No processo que sera descrito, Ana recebe apenas uma realizacaodo qubit (e nao uma fonte capaz de gerar varios deles) a ser tele-portado. Mais ainda, Ana nao precisa saber nada sobre este qubit(apenas que se trata realmente de um qubit, ou seja, ela possui umsistema com espaco de estados bidimensional sobre C). Portanto,nossa situacao se inicia com Ana possuindo um qubit no estado |ϕ〉que ela deseja enviar para Bernardo.

Pelo que discutimos no capıtulo 1, se Ana fizer qualquer teste comduas alternativas distintas em seu qubit, ela deixara de ter o estado|ϕ〉 e a unica certeza que ela ganhara e que |ϕ〉 nao correspondia aalternativa que ela nao obteve. Assim, fazer um teste no qubit a sertransmitido nao e uma boa ideia.

Vamos agora construir a maquina de teleportacao propriamentedita. Deixando a ficcao de lado, vamos construir aquilo que cos-

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tuma ser chamado um canal quantico, ou seja, um sistema fısico ca-paz de transmitir informacao quantica (no mesmo sentido que se usaa palavra canal para um meio pelo qual se transmite informacaoclassica). Nosso canal quantico sera constituıdo de duas partes: umpar de Bell |Ψ−〉 e um canal classico capaz de transmitir dois bits deinformacao. Detalhemos melhor esta afirmacao.

Dizer que o canal inclui um par de Bell |Ψ−〉 e dizer que Ana eBernardo compartilham um sistema de dois qubits no estado |Ψ−〉(ou seja, alem do qubit no estado |ϕ〉, Ana tem outro qubit, que ea sua parte do par de Bell compartilhado com Bernardo). Como vi-mos no capıtulo anterior, este estado possui correlacoes “mais fortes”que as classicas, e destas correlacoes e que surge a possibilidade derealizar esta tarefa nao-classica. E importante que fique claro quaisos sistemas quanticos envolvidos no processo: Ana recebeu um qubitno estado |ϕ〉 e alem disso ela compartilha com Bernardo um parde Bell. Ou seja, ha tres qubits em questao: dois com Ana e umcom Bernardo. Ao final do processo, a correlacao quantica presenteno par de Bell sera destruıda, enquanto o qubit de Bernardo termi-nara o processo no estado |ϕ〉. A importancia do canal classico decomunicacao sera enfatizada posteriormente.

Vamos convencionar que consideraremos o qubit recebido por Anaem |ϕ〉 como o primeiro fator do produto tensorial, o outro qubit deAna como o segundo fator e o de Bernardo como o terceiro. Assim,o estado inicial do sistema e

|Γ〉 = |ϕ〉 ⊗ |Ψ−〉 . (2.1)

Exercıcio 43. Suponha |ϕ〉 = α |0〉 + β |1〉 e denote por B a base deBell (1.5) para dois qubits.

1. Escreva a decomposicao de |Γ〉 com respeito a base Z ⊗ B.

2. Escreva a decomposicao de |Γ〉 com respeito a base B ⊗ Z.

O passo essencial vem agora: Ana realiza um teste que discriminaentre os quatro estados de Bell com seus dois qubits (aquele do estado|ϕ〉 e a sua parte do par de Bell compartilhado com Bernardo).

Exercıcio 44. Escreva o estado do sistema de tres qubits condi-cionado a cada uma das possıveis alternativas para a medicao feita

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por Ana. (Sugestao: use o exercıcio 43.2.) Qual a probabilidade deobter cada resultado?

No exercıcio 44 voce deve ter descoberto que, se Ana obtiver aalternativa correspondente a |Ψ−〉, o estado do sistema passa a ser|Ψ−〉 ⊗ |ϕ〉 e, portanto, a “magica” ja esta feita: Bernardo tera emmaos o estado |ϕ〉 totalmente descorrelacionado dos qubits de Ana.Dois detalhes sao importantes, porem: ate aqui, o sucesso e condi-cionado ao resultado correto da medicao de Bell, o que voce deveter concluıdo (no mesmo exercıcio 44) que acontece um quarto dasvezes; outro que Bernardo precisa ser avisado do resultado e aı jadeve comecar a ficar claro o papel do canal de comunicacao classico.

O primeiro detalhe sera superado. Ja o segundo tem relevanciapropria e sera discutido oportunamente.

Exercıcio 45. Usando a notacao do exercıcio 15, verifique que aresposta do exercıcio 43.2 pode ser escrita

|Γ〉 =∑

ij

|Ψij〉 ⊗ ZjXi |ϕ〉 , (2.2)

onde i, j tomam os valores 0 ou 1 e Z, X sao transformacoes linearescujas matrizes com respeito a base Z foram definidas em 1.4.

Agora, precisamos apenas adicionar uma informacao (apresentadana seccao 1.5 e que sera discutida no cap. 3) sobre evolucao tempo-ral de estados quanticos: operadores como X e Z que aparecem naequacao (2.2) podem ser aplicados a vetores de estados. Ou seja, emum laboratorio, e possıvel impor tal evolucao temporal a um qubit.

Exercıcio 46. Mostre que X2 = Z2 = I e que(

ZjXi)−1

= XiZj,onde i, j valem 0 ou 1.

Dessa forma, apos fazer a medicao de Bell em seu par de qubits,Ana precisa enviar para Bernardo o par de bits ij que caracterizaunicamente qual das quatro alternativas foi obtida. De posse destes,Bernardo deve aplicar X iZj no seu qubit, e o resultado obtido sera|ϕ〉. Pronto, o qubit foi teleportado!

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2.1.1 Mais rapido que a velocidade da luz?

Algumas perguntas devem surgir a partir da apresentacao do conceitode teleportacao de estados quanticos. Uma delas e se este processonao permite o envio de informacao com velocidades arbitrariamentegrandes. Em particular, tal informacao poderia ser enviada maisrapido que a velocidade da luz?

A resposta, naturalmente, e negativa. Teleportacao e uma grandenovidade, mas nao se opoe a questoes como causalidade... A jus-tificativa e muito simples: alem da medicao na base de Bell feitano laboratorio de Ana, e necessario que ela comunique o resultadoa Bernardo! Conforme definimos, o canal quantico e composto dopar de Bell e do canal classico de comunicacao. Este canal classicoestara sujeito a todas as restricoes usuais. Ele pode, por exemplo,usar sinais luminosos, que viajarao a velocidade da luz. Mas nao seconhece atualmente nenhuma maneira de fazer a informacao viajarmais rapido que isso.

Para podermos tornar estas afirmacoes mais precisas e quantita-tivas, vamos precisar do conceito de estados reduzidos discutido nasec. 1.5. Se voce nao a tiver estudado, pode passar a proxima sub-seccao.

Exercıcio 47. * Calcule o estado reduzido do qubit de Bernardo emduas situacoes:

1. Antes do processo de teleportacao ser iniciado, ou seja, para oestado global |Γ〉;

2. Apos Ana ter feito as medicoes de Bell, mas sem o conheci-mento do resultado deste teste.

Voce deve ter obtido o mesmo resultado, de maneiras distintas.Isso e natural, pois se o resultado da medicao nao chegou a Bernardo,ele sequer pode decidir se tal medicao foi feita ou nao.

Exercıcio 48. * Calcule o estado reduzido do par de qubits que Anapossui nas seguintes situacoes:

1. Antes do processo de teleportacao ser iniciado, ou seja, para oestado global |Γ〉;

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2. Apos Ana ter feito as medicoes de Bell, mas sem o conheci-mento do resultado deste teste;

3. Condicional ao resultado da medicao.

A interpretacao deste segundo resultado e ainda mais interessante.A unica certeza que temos ao iniciar o processo de teleportacao e queAna destroi o estado |ϕ〉 que ela possuıa. O interessante e que os doisbits de informacao classica que ela obtem da medicao de Bell (aliadoa todo o conhecimento do processo sendo executado e a correlacaoquantica do par de Bell previo), sao suficientes para Bernardo reobtero estado |ϕ〉 no qubit em sua posse. Ao final do processo, Ana nadaaprendeu sobre |ϕ〉. Tampouco Bernardo, que agora tem |ϕ〉 em seuqubit, mas nao tem nenhum outro conhecimento a respeito deste.De certo modo, o processo de teleportacao corresponde a um sistemaideal de correios, onde Ana e Bernardo podem agora ser vistos apenascomo mensageiros que entregam o “pacote”, sem nada intuir sobreseu conteudo.

2.1.2 Como teleportar sistemas macroscopicos

Feita a teleportacao do estado de um qubit, e natural a questao: pode-mos montar um sistema de transporte de passageiros similar ao daEnterprise? Uma das dificuldades ja comentamos: a arbitrariedadedo destino. Mas poderıamos nos contentar com uma rede de estacoesde teleporte, similar as boas malhas de metro disponıveis no mundo(mas em escala planetaria, ou mesmo maior). Seria necessario terpares de qubits emaranhados entre estas estacoes, e devemos lembrarque o emaranhamento entre partes distantes e consumido durante oprocesso. Precisarıamos, entao, de um bom provedor de emaranha-mento entre pares de qubits das estacoes do nosso sistema. Quantospares de qubits seriam necessarios?

Exercıcio 49. Considere agora que Ana recebeu um estado |Φ〉 emum sistema com espaco de estados de dimensao 4. Exiba um protocolocapaz de teleportar |Ψ〉 por um canal quantico constituıdo de doispares de Bell mais um canal classico de transmissao de informacao.

O sistema com espaco de estados de dimensao 4 e equivalentea um par de qubits. A generalizacao do exercıcio 49 mostra que

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seriam necessarios N pares de qubits emaranhados para transportaro estado de N qubits. Cada atomo precisa de muito mais que umqubit para descreve-lo, e temos em nosso corpo mais de 1027 atomos.Precisarıamos de um numero muito grande de pares de Bell entrecada par de estacoes...

Mas o pior ainda nao foi dito. Tudo o que fizemos considerou asituacao ideal, sem erros. Mas erros sao inerentes a qualquer pro-cesso de transmissao ou de deteccao. Assim, alem dos riscos ine-rentes a este processo (lembre que Bernardo depende de todos osresultados das medicoes de Ana para completar a teleportacao), se-ria necessario utilizar estrategias de correcao de erros, que natural-mente involvem redundancias na transmissao. Portanto, e bom pen-sarmos em aplicacoes interessantes da teleportacao de poucos qubits,ja que aplica-la para o transporte de seres humanos parece bem maisperigoso do que viajar de po de flu [20].

2.2 O papel do Emaranhamento

Como ja afirmamos, o emaranhamento funciona como o “combustı-vel” da teleportacao. O processo de teleportar o estado de um qubitpode ser visto como uma troca: ao inves de enviar diretamente umqubit (o portador do estado |ϕ〉), podemos enviar dois bits classicose consumir o emaranhamento de um par de Bell previamente estabe-lecido.

A teleportacao e algumas outras tarefas fizeram com que o emara-nhamento passasse a ser visto como um recurso a ser estudado e ex-plorado. Um desejo natural e buscar formas de quantificar o emara-nhamento. Dada a importancia dos pares de Bell, uma destas quan-tificacoes consiste em responder quantos pares de Bell podemos obtera partir do estado em questao. Trata-se do emaranhamento de des-tilacao.

Daqui ate o fim do capıtulo vamos precisar de alguns conceitosintroduzidos na sec. 1.5.

Para ser mais preciso, o que queremos e quantificar o emaranha-mento de um estado ρ. Se este estado descrever um sistema de doisqubits, o maximo emaranhamento que ele pode ter corresponde aum estado de Bell (voltaremos a esta questao do maximamente e-

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maranhado em breve). A maneira de dar sentido a ideia de des-tilacao e considerar n copias do estado ρ, ou, mais precisamente, npares de qubits descritos, cada um, pelo estado ρ. Denotamos estesistema por ρ⊗n. Passamos entao por um protocolo de destilacao,onde estes qubits sao manipulados de maneira separada por Ana eBernardo (cada um tem n qubits), mas incluindo a possibilidade decomunicacao classica entre as partes. Ao final deste processo, elespodem obter m pares de Bell (e mais n − m pares de qubits nao-emaranhados). Dizemos entao que o emaranhamento destilavel doestado ρ e, no mınimo, m/n. Permitindo m e n arbitrariamentegrandes, e tomando o supremo sobre todos os possıveis protocolos dedestilacao chega-se na definicao do emaranhamento destilavel [21].

Um grande inconveniente deste quantificador de emaranhamentoesta na sua dependencia sobre todos os possıveis processos de des-tilacao. E essencialmente impossıvel pensar em todos os processospossıveis iniciando por estados arbitrarios. Claro que, conforme a-presentamos, cada protocolo representa uma cota inferior para estevalor. Em alguns casos e possıvel obter cotas superiores (como nocaso de estados maximamente emaranhados), e se estas cotas coinci-dem, obtem-se o emaranhamento destilavel do referido estado. Masisso so acontece em casos realmente especiais...

2.3 Um pouco de Teoria do

Emaranhamento

Ja falamos algumas vezes do emaranhamento, mas ainda nao apresen-tamos sequer sua definicao geral, quando nao temos estados puros.Esta seccao vai tratar disso. Naturalmente, ela depende da nocaogeral de estado, dada na definicao 10. Trabalharemos no caso em queo espaco de estados tem a forma E = EA ⊗EB , comumente referidocomo um sistema bipartite.

Um estado da forma ρ = ρA⊗ρB e chamado um estado fatoravel ,um estado produto, ou ainda um operador decomponıvel .

Exercıcio 50. * Mostre que um estado e fatoravel se, e somentese, para todo par de medicoes locais, uma em A outra em B, a dis-tribuicao conjunta de probabilidades dos resultados e independente.

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E comum dizer que estes estados nao apresentam correlacoes. Emcontra-partida, somas convexas destes estados gerarao distribuicoesde probabilidades conjuntas genericas (nao-independentes). Estadosda forma

ρ =∑

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λiρAi ⊗ ρBi, (2.3)

sao ditos classicamente correlacionados ou separaveis. A interpreta-cao que se da para tais estados e que os nossos personagens Ana eBernardo podem prepara-los apenas com aparatos quanticos locais ecomunicacao classica. Para isso, Ana precisa ser capaz de prepararqualquer dos estados ρAi, assim como Bernardo dispoe de protoco-los para preparar ρBi. Em algum lugar ha um gerador de numerosaleatorios que sera usado para sortear as alternativas i com proba-bilidades pi. Cada vez que i for obtido, Ana prepara Ai e Bernardoprepara Bi. Temos entao uma descricao do tipo {(pi, ρAi ⊗ ρBi)},que e associada ao operador densidade (2.3), se o resultado i nao foracessıvel.

A grande novidade e que nem todos os estados ρAB sao da forma(2.3).

Definicao 12. Estados ρAB que nao podem ser escritos na forma daeq. (2.3) sao chamados estados emaranhados, ou nao-separaveis, ouainda quanticamente correlacionados.

Exercıcio 51. * Mostre que os estados de Bell (1.5) sao emaranha-dos com respeito a definicao 12. Mais precisamente, mostre que todoestado puro nao-fatoravel e emaranhado com respeito a esta novadefinicao.

Um problema importante surge do fato que a definicao 12 e nao-operacional, no sentido que ela nao inclui um criterio de simples veri-ficacao para decidir se um estado e emaranhado ou separavel. Dadoum estado quantico (se ele nao for puro), nao e facil, em geral, decidirse ele pode ou nao ser escrito na forma (2.3). Neste sentido, estadefinicao e similar a outros problemas de decidibilidade como se umaequacao diferencial e integravel, se uma sequencia e convergente, seum numero e primo. Em todos estes casos, as definicoes sao precisas,mas nao-operacionais, e criterios que ajudem a decidir tal questao saobem-vindos. Fiel ao espırito do texto e do curso, vamos apresentar

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apenas alguns exemplos, com relevancia historica, teorica e pratica,mas afirmamos que o problema ainda nao e completamente resolvido.

Testemunhas de Emaranhamento

Para introduzir este conceito, devemos antes analisar a situacao geo-metrica em que nos encontramos:

Exercıcio 52. *

1. Mostre que o conjunto D de todos os estados de um sistemaquantico e um conjunto convexo fechado.

2. Mostre que o conjunto S dos estados separaveis e um subcon-junto convexo fechado.

Em analise convexa mostra-se um importante teorema de sepa-racao [22], cuja intuicao geometrica e bastante simples (faca umafigura): se temos um conjunto convexo fechado, C, e um ponto Pfora de C, existe um hiperplano que separa P de C. Explicitamente,existe um polinomio de primeiro grau p com p (x) ≤ 0 para todox ∈ C e p (P ) > 0.

Este resultado inspira a nocao de testemunha de emaranhamento.De maneira geral, uma funcao w com w (σ) ≤ 0 para todo σ ∈ S ecom w (ρ) > 0 e dita uma testemunha do emaranhamento de ρ. Oteorema de separabilidade citado acima garante a existencia de umaw que e um polinonio de primeiro grau, para todo ρ nao-separavelarbitrariamente escolhido. Como tanto S quanto ρ estao no hiper-plano caracterizado por Trχ = 1, podemos exigir que tal polinonio seanule na origem. Com isso, w se torna um funcional linear e pode serrepresentado por w (χ) = Tr (Wχ), para algum W auto-adjunto. Poreste motivo, um operador W tal que Tr (Wσ) ≤ 0 para todo σ ∈ S eTr (Wρ) > 0 tambem e normalmente referido como (operador) teste-munha do emaranhamento de ρ.

Mesmo que nao chegue a ser uma solucao para o problema daseparabilidade, uma vez que encontrar uma testemunha tambem naoe a tarefa mais simples, esta nocao permite olhar o problema sob umoutro prisma, e buscar novas ferramentas para serem aplicadas.

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O Criterio de Peres-Horodecki

Um criterio operacional bastante simples foi proposto por Peres [23]e as condicoes para sua validade descritas pela famılia Horodecki [24],em 1996.

A ideia comeca com a nocao de transpor uma matriz com respeitoa uma base pre-escolhida. Como a transposicao preserva autovalores,se ρ e um estado, ρt tambem o e. Peres definiu entao a nocao detransposicao parcial de um operador em um espaco de estados bi-partite. Trata-se de transpor (com respeito a alguma base) apenasuma das partes. Assim, se fizermos a transposicao na segunda parte,teremos (A⊗B)

t2 = A ⊗ Bt. A observacao essencial e que, se ρ eum estado separavel, entao

ρt2 =

(

i

λiρAi ⊗ ρBi

)t2

=∑

i

λiρAi ⊗ ρtBi,

que tambem e um estado possıvel. Em particular, se ρ e separavel,ρt2 e semi-definido positivo.

O criterio obtido e: se ρt2 possuir autovalor negativo, entao ρ eum estado emaranhado.

Em seu trabalho original, Peres conjecturava que esta implicacaoseria, de fato, uma equivalencia. A famılia Horodecki mostrou queeste era o caso apenas para as duas situacoes mais simples possıveis:E = C

2⊗C2 ou E = C

2⊗C3. Para isso eles perceberam a propriedade

essencial da transposicao que estava sendo usada: ela e uma aplicacaot : End (E) → End (E) que respeita a positividade de operadores emE. Dito de outra forma, se π : E → E e um operador positivo,entao t (π) tambem o e. Operadores com esta propriedade sao trata-dos como mapas positivos. Mas uma extensao trivial de t pode naorepeitar positividade. De fato, t2 = t⊗ id, onde id denota a aplicacaoidentidade, nao e um mapa positivo (ver exercıcio 53). Um mapa po-sitivo tal que toda extensao trivial sua tambem e mapa positivo e ditocompletamente positivo. Existe uma classificacao de mapas positivosque diz que nos dois casos citados, e apenas neles, a transposicao eessencialmente o unico mapa positivo nao-completamente positivo.Daı a suficiencia do criterio de Peres-Horodecki apenas nestes doiscasos.

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Exercıcio 53. * Use o criterio de Peres-Horodecki para mostrar queos estados de Bell sao emaranhados. Conclua que a transposicao eum mapa positivo que nao e completamente positivo.

Exercıcio 54. * Os estados da forma ρ (λ) = λ |Ψ−〉 〈Ψ−|+(1 − λ) I4 ,onde λ ∈

[−13 , 1

]

e I denota o operador identidade, sao chamados es-tados de Werner. Para quais valores de λ este estado e emaranhado?

Impondo ordem ao emaranhamento

Estabelecido que o emaranhamento pode ser visto como um recurso,e natural querer comparar dois estados: dados ρ e τ , qual funcionamelhor como recurso para desempenhar alguma tarefa? Uma maneira(nao necessariamente a unica) de responder a esta questao e im-por uma relacao de ordem no conjunto D. Neste caso, os estadosseparaveis seriam os mınimos com respeito a este ordenamento. Seraque existem maximos?

Uma relacao de ordem bastante natural e definir as operacoes quenao podem criar emaranhamento (operacoes locais1 e comunicacaoclassica). Um estado ρ e mais emaranhado que τ se τ pode ser obtidode ρ atraves destas operacoes.

Para dois qubits pode-se mostrar que os estados de Bell sao maxi-mamente emaranhados, ou seja, qualquer outro estado de dois qubitspode ser obtido a partir destes por operacoes que nao criam emara-nhamento. Esse resultado nao se generaliza para sistemas bipartitesque nao envolvam qubits, e nem para sistemas de mais partes. Nestescasos, o ordenamento e apenas parcial.

O problema se torna mais rico quando levamos em consideracaoque podemos trabalhar com alguns regimes diferentes. O mais sim-ples e o regime determinista de uma copia: ou seja, devemos sercapazes de criar uma estrategia que dado ρ obtem τ sem usar aschamadas “operacoes conjuntas”, tıpicas de quando queremos desti-lar emaranhamento, por exemplo. Outro caso e o chamado regime es-tocastico com uma copia. Neste caso podemos considerar estrategiascom varias possıveis respostas. Desde que obtenhamos τ com proba-bilidade positiva (e tenhamos uma maneira de auferir o sucesso sem

1Operacoes locais sao quaisquer manipulacoes que so envolvam uma parte

do sistema, ou seja, tudo aquilo que Ana ou Bernardo podem fazer sozinhos:essencialmente operacoes unitarias e medicoes.

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destruir τ), ficamos satisfeitos. Tanto o regime determinista quantoo estocastico podem ser levados para a situacao assintotica, onde apergunta se torna se e possıvel obter n copias de τ a partir de n copiasde ρ, com n→ ∞.

Novamente, esbarramos em perguntas nao-operacionais. Criteriossao bem-vindos. Existem alguns (veja [18]), mas nao vamos aborda-los agora.

Quantificando o emaranhamento

A maneira mais simples de responder se um estado tem mais emara-nhamento que outro e adotar um quantificador. Quantificados osemaranhamentos de cada estado, faz-se a comparacao numerica. Ofato de o ordenamento ser apenas parcial mostra que esta estrategiapode ser muito perigosa: ao quantificar tornamos comparaveis esta-dos nao naturalmente comparaveis.

Feita esta ressalva, devemos dizer que existe uma vasta gama dequantificadores, o que, por si so, indica a inexistencia de um quan-tificador otimo. Ja comentamos sobre o emaranhamento destilavel.Voltaremos ao tema na 5.2.

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Capıtulo 3

Computacao Quantica

Neste capıtulo vamos apresentar alguns dos principais resultados daComputacao Quantica. Para isso vamos introduzir o modelo queprimeiramente foi proposto, baseado em portas logicas com qubits,que generalizam portas logicas classicas. Entre estes resultados, umdos mais famosos e o algoritmo de Shor [25] para fatoracao em tempopolinomial. Este algoritmo sera apresentado na seccao 3.2.3. Outrosmodelos para a Computacao Quantica apareceram mais recentementee serao abordados rapidamente na seccao 5.5.

3.1 Computacao Quantica via Circuitos

Para os efeitos deste texto, podemos definir uma computacao como ocalculo de uma funcao de um conjunto de bits. Naturalmente, isso sefaz manipulando bits de um certo registrador (a memoria de um com-putador). Um fato muito interessante e que este calculo pode ser feitomanipulando bits isolados, ou pares arbitrarios de bits. Este resul-tado se estende para a computacao quantica. Nela, trabalhamos comqubits, aplicando portas logicas a eles, e realizando medicoes. Estesingredientes podem ser concatenados, criando um circuito quantico,como passamos a descrever.

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3.1.1 Portas Logicas

Formalmente, uma porta logica (classica) tem m bits de entrada e nbits de saıda. Essencialmente, e uma funcao f : {0, 1}m → {0, 1}n.Claramente, se n < m, tem que se tratar de uma computacao irre-versıvel , no sentido que tal funcao nao pode possuir inversa1.

O modelo mais simples de computacao quantica considera apenasevolucoes temporais ditadas por operadores unitarios. Para o leitordesacostumado com algebra linear sobre os numeros complexos, osoperadores unitarios sao a generalizacao dos operadores ortogonais.Enquanto estes devem obedecer OtO = I, aqueles obedecem U †U =I. Em ambos os casos, eles podem ser considerados como aquelesoperadores que respeitam o produto escalar, no sentido que

(Ov,Ow) = (v, w) , ∀v, w,(Uv,Uw) = (v, w) , ∀v, w,

a primeira se referindo a espacos vetoriais reais, enquanto a segunda,a complexos.

Exercıcio 55. Mostre que todo operador unitario e inversıvel.

Com isso, todas as portas logicas da computacao quantica saoreversıveis. Elas podem entao ser vistas como operadores unitariosU : C

2⊗n → C2⊗n. A seguir, vamos fazer um estudo detalhado das

portas de um e dois bits, sejam eles classicos ou quanticos.

Portas de um qubit

Para bits classicos, so existem quatro portas de um bit, duas re-versıveis e duas irreversıveis. Entre as duas portas reversıveis, umae a identidade, e a outra e a porta NOT. O nome vem de identificaros valores 0 e 1 do bit com as nocoes de verdadeiro e falso: se umaafirmacao tem o valor 0, sua negacao tem o valor 1 (e vice-versa).

Quanticamente isto e mais divertido. Temos todo o grupo U (2)como possıveis portas logicas (U (n) e o grupo das transformacoesunitarias em C

n).

1Se n > m tambem nao ha inversa bilateral, mas enfatizamos o caso anteriorpor haver perda de informacao ao aplicar a funcao. No caso n > m, a informacaoainda estaria disponıvel, apenas “diluıda.”

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Exercıcio 56. 1. Quantos parametros reais sao necessarios parase parametrizar2 U (2)? E para U (n)? Em outras palavras,qual a dimensao real destes grupos?

2. As transformacoes de U (n) com determinante 1 formam o sub-grupo especial unitario, SU (n). Qual a dimensao de SU (n)?

3. Obtenha uma parametrizacao para SU (2).

4. Mostre que todo elemento de SU (2) pode ser escrito comoexp (i~v · ~σ), onde ~σ = (σx, σy, σz).

Entre as portas de um qubit, algumas se destacam. Primeira-mente, temos a versao quantica da porta NOT, dada por

NOT |0〉 = |1〉 ,NOT |1〉 = |0〉 .

Uma inspecao um pouco mais cuidadosa mostra que a matriz de taltransformacao com respeito a base Z e X, definida em (1.4b). Poreste motivo, esta porta logica tambem e tratada como porta X.

Outro destaque e a chamada porta Hadamard , denotada H, porvezes chamada de raiz quadrada de NOT, e definida por

H |0〉 =1√2

(|0〉 + |1〉) ,

H |1〉 =1√2

(|0〉 − |1〉) .

Exercıcio 57. 1. Escreva a matriz da transformacao H com res-peito a base Z.

2. Justifique o fato da porta Hadamard ser chamada raiz quadradade NOT.

3. Ela e a unica raiz quadrada de NOT? Caso contrario, exibaoutras.

2Parametrizacao aqui pode ser entendida no sentido de integrais de superfıcieno calculo vetorial, e nao necessariamente no sentido das parametrizacoes locaisda geometria diferencial; ou seja, alguns pontos podem ser imagem de mais deum ponto no espaco de parametros, desde que este conjunto tenha medida nula.

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A porta Hadamard tem como importante caracterıstica gerar con-tribuicoes de igual peso dos estados computacionais. Por este mo-tivo ela sera muito comum como primeiro passo de varios algoritmosquanticos.

Portas de dois qubits

Exercıcio 58. Quantas sao as portas classicas com dois bits de en-trada e dois bits de saıda? Quantas delas sao inversıveis?

Entre as portas inversıveis, uma tem grande destaque. Ela echamada nao controlado, e denotada cNOT3. Nela, um bit e con-siderado controle e outro alvo, no sentido que o primeiro controla aexecucao da porta NOT no segundo. Passando diretamente a suacontra-partida quantica, e usando o primeiro qubit como controle, osegundo como alvo, temos

cNOT |00〉 = |00〉 ;

cNOT |01〉 = |01〉 ;

cNOT |10〉 = |11〉 ;

cNOT |11〉 = |10〉 .

Note que o controle sai no mesmo estado que entrou, enquanto oestado do alvo depende dos qubits de entrada.

Exercıcio 59. 1. Escreva a matriz da transformacao cNOT comrespeito a base Z ⊗ Z.

2. Obtenha a inversa da cNOT.

3. Considere um par de qubits no estado |00〉. Aplique a porta Hao primeiro qubit e, em seguida, cNOT. Qual o estado obtido?Ha emaranhamento neste estado? Onde foi criado este emara-nhamento?

4. Descreva a acao da cNOT nos qubits da base X ⊗ X .

3Do ingles, controlled NOT.

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De fato, cNOT e apenas um importante exemplo de porta contro-lada. Uma generalizacao natural e a porta U controlado, cU , ondeum primeiro qubit age como controle:

cU |0〉 ⊗ |ψ〉 = |0〉 ⊗ |ψ〉 ;

cU |1〉 ⊗ |ψ〉 = |1〉 ⊗ U |ψ〉 .

Deve ficar claro que aplicar portas controladas a estados fatoraveisonde o qubit de controle se encontra em um estado com componentesnao-nulas para ambos os vetores da base computacional resulta emestados emaranhados. Por isso, portas controladas tambem sao in-gredientes muito comuns em algoritmos quanticos.

Alias, um pouco de vocabulario: estados que sao escritos comocombinacao linear de outros sao chamados (em mecanica quantica)de superposicoes. Assim, portas cU agindo em estados fatoraveisonde o qubit de controle esta em uma superposicao dos estados com-putacionais leva (genericamente) a estados emaranhados.

3.1.2 Circuitos Quanticos

Ja temos os blocos fundamentais para fazermos computacao quantica.Agora queremos “brincar de Lego”. Para isso, fazemos algumas con-vencoes. Na representacao grafica dos circuitos quanticos, o tempopassa da esquerda para a direita. Cada qubit e representado por umalinha e cada porta por um bloco; dentro do bloco representamos oefeito da porta. Assim,

X

denota uma porta X agindo em um qubit. Para uma porta cU anotacao e

•U ,

onde a linha superior e o qubit de controle, enquanto a linha inferior eo alvo. Dada a importancia da cNOT, ela tem uma notacao especial

•X

≡ •ÂÁÀ¿»¼½¾ .

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Salvo mencao em contrario, adota-se a convencao que todo qubit einicializado em |0〉. Do contrario, explicita-se o estado de entradaantes da linha que denota o qubit:

|ψ〉 U

representa a porta U agindo no estado |ψ〉 de um qubit. No extremooposto, medicoes sao necessarias para extrair informacao (classica)do circuito. O sımbolo para medicoes na base computacional e

FE°°°.

Exercıcio 60. O que representa o circuito quantico abaixo?

HFE

°°°

Alguma relacao com o exercıcio 6?

Algumas propriedades de circuitos sao particularmente impor-tantes. Um grande bloco de operacoes unitarias pode ser visto comouma unica porta unitaria, agindo em varios qubits: U = U1U2 . . . Uk.Mais ainda, como U−1 = U−1

k . . . U−12 U−1

1 , o circuito inverso e essen-cialmente a reflexao do circuito original, trocando cada porta por suainversa.

Em particular, se a e b tomam valores 0 ou 1, o circuito

|a〉 ÂÁÀ¿»¼½¾

|b〉 H •|Ψab〉

cria estados de Bell (exercıcio 15), a sua reflexao tem a seguinte pro-priedade: quando entram estados de Bell, obtem-se estados da basecomputacional na saıda. Portanto, o circuito

ÂÁÀ¿»¼½¾FE

°°°

• HFE

°°°

pode ser visto como um circuito de medicao na base de Bell .As portas controladas que vimos ate agora podem ser considera-

das portas com controle quantico: e o estado quantico do qubit de

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controle que define a acao da porta, e superposicoes quanticas saorespeitadas. Tambem pode haver controle classico em um circuitoquantico: de acordo com o resultado de uma medicao, decide-se o quefazer. No pedaco de circuito abaixo, faremos a medicao do segundoqubit na base computacional; se o resultado 1 for obtido, a porta Usera aplicada ao primeiro qubit:

U

FE°°°

• .

Exercıcio 61. Reconheca o circuito a seguir:

|ϕ〉 ÂÁÀ¿»¼½¾FE

°°°

|1〉 ÂÁÀ¿»¼½¾ • HFE

°°°

|1〉 H • Z X

A seccao 2.1 pode ajudar...

Apenas a tıtulo de informacao, ha outros circuitos com notacoesproprias. O exercıcio a seguir introduz um tal circuito, seu nome esua notacao:

Exercıcio 62. Justifique o fato do circuito abaixo ser chamado swap.

|ϕ〉 • ÂÁÀ¿»¼½¾ •|ψ〉 ÂÁÀ¿»¼½¾ • ÂÁÀ¿»¼½¾ ≡ |ϕ〉 ×

|ψ〉 ×

3.2 Algoritmos Quanticos

Agora que ja sabemos como fazer computacao quantica, vem a per-gunta natural: para que serve? Ou seja, para quais tarefas a com-putacao quantica apresenta alguma vantagem sobre sua contra-parti-da classica? Vamos apresentar tres algoritmos, em ordem crescentede complexidade.

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3.2.1 O Algoritmo de Deutsch

O mais simples algoritmo quantico com clara vantagem sobre seuanalogo classico e o algoritmo de Deutsch [26]. Nele, duas nocoes saoimportantes: a de funcao a ser computada, ja introduzida na seccaoanterior, e a nocao de oraculo. Cientistas da computacao usam estanocao com o sentido de uma “caixa preta” capaz de calcular a funcaoem questao. Assim, voce faz “perguntas” ao oraculo e ele respondecom o valor da funcao.

A tarefa que e resolvida de forma extremamete eficiente pelo algo-ritmo de Deutsch trata de uma funcao f : {0, 1} → {0, 1}. Lembre-seque ha quatro funcoes possıveis, duas constantes e duas inversıveis.Ja com vistas a generalizacao do problema, note que as duas funcoesinversıveis de um bit sao tambem balanceadas, ou seja, assumem osvalores 0 e 1 no mesmo numero de pontos do seu domınio. O proble-ma entao e decidir se uma dada f e constante ou balanceada.

Dito de outra maneira, o que se quer e decidir se f (0) = f (1)ou se f (0) 6= f (1), o que pode ser obtido, neste caso, pela soma(modulo 2) f (0) + f (1). Acontece que, classicamente, terıamos queconsultar o “oraculo” duas vezes: uma para obter f (0), outra paraobter f (1). Nao temos como aprender sobre a soma destes valoressem antes calcula-los.

Quanticamente isto muda de figura, e foi exatamente o que Deutschmostrou. Com apenas uma consulta ao oraculo, seremos capazes dediscriminar funcoes constantes de balanceadas.

Como ja comentamos, no modelo de computacao quantica por cir-cuitos so consideramos portas logicas reversıveis (operacoes unitarias).Assim, precisamos de uma maneira de trocar funcoes nao neces-sariamente inversıveis por funcoes inversıveis. Isso pode ser atingidofacilmente e vamos discutir este passo de maneira geral. Seja g :{0, 1}m → {0, 1}n. Construa G : {0, 1}m+n → {0, 1}m+n

dada porG (x, y) = (x, y + g (x)), onde a soma e uma soma de vetores (com-ponente a componente) modulo 2 (em cada componente).

Exercıcio 63. Obtenha a inversa de G.

Dizemos que o segundo conjunto de bits e o registrador. Se que-remos obter g (x), devemos aplicar G ao par (x, 0). Do exercıcio 63voce tambem pode concluir que outra forma de obter g (x) e somar

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G (x, y) a (x, y).Voltando ao caso de funcoes de um bit, dada f que o oraculo sabe

calcular, temos entao F : {0, 1}2 → {0, 1}2, F (x, y) = (x, y + f (x)).

Esta F origina uma porta logica UF , que atua em dois qubits e edefinida na base computacional por

UF |i〉 ⊗ |j〉 = |i〉 ⊗ |i+ f (j)〉 .

Exercıcio 64. Mostre que UF e unitaria.

A notacao para uma porta de dois qubits como esta e

UF .

O segredo para o algoritmo de Deutsch esta no estado de entrada.Note que, entrando com |x〉⊗|0〉, apenas calculamos f (x) e guardamoseste resultado no segundo registrador.

Exercıcio 65. 1. Usando a notacao padrao da base X , calculeUF |+〉 ⊗ |−〉.

2. Verifique que seu resultado pode ser resumido no diagrama

|+〉UF

(−1)f(0)

√2

|0〉 + (−1)f(1)

√2

|1〉

|−〉 |0〉−|1〉√2

(3.1)

Uma curiosidade e que, assim como a base X transforma o papelde alvo e controle com respeito a cNOT, no exercıcio 65 vemos que oqubit do registrador sai no mesmo estado em que entrou.

O algoritmo esta quase em seu fim. Devemos agora examinar oestado do primeiro qubit, sempre tendo em mente o exercıcio 7.

Exercıcio 66. Mostre que, se f e constante, o primeiro qubit encon-

tra-se em (−1)f(0) |+〉, enquanto se f e balanceada, temos (−1)

f(0) |−〉.

Assim, uma medicao do primeiro qubit na base X e suficientepara decidir se a funcao e balanceada ou constante, com apenas uma

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consulta ao “oraculo” (mesmo que agora precisemos de um oraculoquantico).

Ha um importante detalhe nesta discussao: o algoritmo de Deutschresponde a pergunta se f e balanceada ou constante, sem aprendermais nada sobre a funcao! Nao sabemos quanto vale f (0) ou f (1)!Embora esta questao pareca algo entre uma brincadeira de crianca,um jogo de bar ou um problema academico, ela tem sim aplicacoespraticas, como o chamado comprometimento de bits, um importanteproblema em criptografia.

Exercıcio 67. Construa um circuito que resuma todo o algoritmode Deutsch, usando os elementos ja apresentados e a convencao quetodos os qubits sao inicializados em |0〉.

3.2.2 O Algoritmo de Grover para Busca

Outro problema interessante pode ser fraseado em termos de oraculos.Trata-se do problema de busca, que pode ser exemplificado pelofamoso “procurar uma agulha em palheiro” ou por buscar o donode um numero de telefone, dispondo de um catalogo em ordem al-fabetica.

Se, no passado, estes problemas poderiam parecer academicos, nomundo atual, com o sucesso da Google, fica evidente sua aplicabili-dade4. Para frasea-lo em termos de um oraculo, usa-se uma funcaomuito simples. O domınio de tal funcao e o conjunto {0, 1}n quefunciona como base de dados - neste caso, uma base de dados de nbits, ou seja, N = 2n registros. Como buscamos apenas um objeto,a funcao que o oraculo calcula e a funcao indicadora deste objeto, ouseja, f (x) = δxq, onde q e o objeto procurado.

Note que, fazendo perguntas ao oraculo, so vamos encontrar oobjeto q fazendo N perguntas (no pior dos casos). Em media, faremosN/2 perguntas. Se o catalogo telefonico tiver um milhao de registros,precisaremos de algo em torno de 500 mil consultas ate encontrar odono do telefone. Normalmente nos referimos a um numero de passosassim como O (N).

4E importante distinguir que a Google faz as chamadas buscas estruturadas,um problema razoavelmente diferente do que e resolvido pelo algoritmo de Grover,que trata de buscas nao estruturadas.

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Na versao quantica temos uma base computacional para C2⊗n e a

funcao indicadora pode ser vista como o projetor |q〉 〈q|. Como ja foidiscutido, projetores estao associados a medicoes enquanto as portaslogicas quanticas sao operadores unitarios. Nao adianta usarmos ooraculo como projetor, uma vez que nao sabemos q (e justamentea resposta que esta sendo buscada). Mas podemos usar o operadorunitario G = 1 − 2 |q〉 〈q|, onde 1 e o operador identidade.

Exercıcio 68. Mostre que os vetores da base computacional sao au-tovetores de G e escreva os respectivos autovalores em termos def (x).

O que Grover conseguiu [27] foi obter uma maneira de chegar a

q, com alta probabilidade, com O(√

N)

consultas ao oraculo. Bas-

tariam mil consultas ao mesmo catalogo telefonico para obter o nomeprocurado. Como veremos, ao final do processo, teremos um resul-tado q′ que, muito provavelmente, sera q. Em contraste com o casoclassico, nao aprenderemos qualquer outro numero durante este pro-cesso.

Para isso, vamos usar um registrador quantico do mesmo tamanhoque a base de dados, inicializado em um estado especial (a ser dis-cutido), |S〉. Depois, vamos aplicar um certo numero de vezes acombinacao de duas portas: a porta G, ja definida, e S = 1−|S〉 〈S|.Antes porem, um pouco de algebra linear.

Exercıcio 69. Considere um espaco vetorial bidimensional. Paranao perder o habito, seja {|0〉 , |1〉} uma base ortonormal.

1. Interprete os operadores 1 − 2 |0〉 〈0|, 1 − 2 |1〉 〈1| e(1 − 2 |1〉 〈1|) (1 − 2 |0〉 〈0|).

2. Agora seja |u〉 = cos θ |0〉 + sen θ |1〉. Interprete(1 − 2 |0〉 〈0|) (1 − 2 |u〉 〈u|).

Sugestao: use matrizes.

O resultado deste exercıcio nao depende de qual espaco bidimen-sional estamos. Conclui-se apenas que o operador corresponde a umarotacao de 2θ no plano gerado pelos vetores em questao.

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Vamos agora a escolha inteligente de |S〉. Um desejo natural eque o algoritmo funcione igualmente, qualquer que seja o elemento qa ser encontrado. Assim, escolhe-se

|S〉 =1√N

N−1∑

i=0

|i〉 , (3.2)

onde fizemos uso de uma notacao bastante comum e adequada: se i =∑n−1k=0 ik2

k (ou seja, a expansao binaria do numero i), |i〉 representa|in−1 . . . i2i1i0〉 ∈ C

2⊗n.Com isso, percebemos que cos θ = 〈S | q〉 = 1√

N, e o efeito de cada

‘consulta’ ao oraculo (representada pela aplicacao de G), seguida daaplicacao de S, sera fazer uma rotacao de π − δ no plano gerado por|S〉 e |q〉.

Exercıcio 70. Mostre que δ ≈ 2√N

.

Lembrando ainda do exercıcio 7, moralmente o que fazemos e umarotacao de δ no sentido horario. Para os casos de interesse, N e muitogrande. Assim, como o registrador inicia em |S〉, o que queremos eessencialmente fazer uma rotacao de π

2 . Se repetimos estes passosπ√N

4 vezes, teremos o registrador em um estado muito proximo a |q〉.Isso significa que uma medicao na base computacional sobre todos osqubits resultara na expansao binaria de q com probabilidade proximade 1.

Deve ser claro que um algoritmo que funciona com probabilidade

grande em O(√

N)

passos e muito vantajoso quando comparado com

um que funciona de maneira determinıstica com O (N) passos. Con-siderando apenas erros independentes, ao repetir o algoritmo proba-bilıstico muitas vezes (e tomando como resposta aquela que aparecermais vezes), a probabilidade de acerto fica ainda mais proxima de 1.

3.2.3 O Algoritmo de Shor para Fatoracao

O algoritmo de Shor para fatoracao de inteiros e famoso. Partedesta fama vem do fato que se P1 e P2 sao numeros primos grandes,N = P1P2 pode ser utilizado para estabelecer uma chave publicapara criptografia. A essencia da criptografia de chave publica e que,

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mesmo de posse da chave que foi usada para criptografar uma men-sagem, um criptoanalista (um “quebrador de codigos”) tem poucaschances de decodificar a mensagem. No caso da chamada RSA [29],a chave publica e N , mas para decodificar e necessario possuir Pi.Neste sentido, a seguranca da RSA reside na dificuldade de se fatorarnumeros compostos muito grandes (em especial, os que sao produtode dois primos).

Vamos aqui apresentar a “parte quantica” do algoritmo, ja que suaparte classica demandaria um bom curso de teoria dos numeros [11].Cabe salientar que o algoritmo de Shor e probabilıstico: ao entrarum numero C, ele retorna um numero F que provavelmente seja umfator de C. Deve-se entao proceder a divisao C/F para verificar serealmente foi obtido um fator (e imediatamente obter outro).

E difıcil resistir a uma digressao sobre a questao P -NP . Um pro-blema5 e classificado P se pode ser resolvido em um numero de passosque cresce polinomialmente com um parametro natural do problema.Obter o maximo divisor comum de dois numeros inteiros e um bomexemplo de problema P , ja que o algoritmo de Euclides o resolve “demaneira eficiente” (que, em computacao, significa que a dependenciado numero de passos do algoritmo com o parametro e polinomial).Por outro lado, um problema e classificado como NP se, apresentadauma candidata a solucao, pode-se verifica-la em um numero de passosque cresce polinomialmente. Claramente, a fatoracao e um problemaNP , ja que o algoritmo de divisao de inteiros e eficiente. A questaocentral e saber se as classes P e NP coincidem, ou se existem pro-blemas genuinamente complexos, mas de verificacao simples. Este eum dos sete problemas do milenio, com premiacao estipulada em 1milhao de dolares cada [30].

De fato, o que o algoritmo de Shor faz e resolver eficientementeo problema de encontrar a ordem de um elemento em um grupo6.Assim, para fatorar o numero N , escolhe-se aleatoriamente um y <N , coprimo com N .

Exercıcio 71. Conclua que se o y escolhido aleatoriamente nao forcoprimo com N o seu problema se tornou mais facil.

5Mais precisamente, uma famılia de problemas dependendo de um parametro.6Um grupo e um conjunto G com uma multiplicacao G × G → G associativa,

com elemento neutro, e tal que todo g ∈ G possui inverso.

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A cada numero inteiro N associa-se um grupo formado por todosos inteiros menores queN e coprimos com ele, U (N). A multiplicacaoe o produto de numeros inteiros modulo N . A estrutura deste grupotraz informacao sobre os fatores de N . Em particular, obter a ordem7

de elementos deste grupo permite (com probabilidade grande) obterfatores de N . Mas nao se conhece algoritmo classico eficiente paraobtencao da ordem.

Exercıcio 72. Mostre que calcular a ordem e um problema NP ,exibindo um algoritmo eficiente para calcular ya modN . (Sugestao:comece pelo caso em que a e potencia de 2.)

Uma ferramenta especial no algoritmo de Shor (para encontrar aordem de y no grupo U (N)) e a chamada transformada de Fourierdiscreta, DFT por sua sigla em ingles. Nao vamos entrar em detalhessobre a transformada de Fourier padrao. Quem a conhece vai reco-nhece-la em sua versao discreta. Quem nao conhece, talvez ache maisfacil entende-la depois. Vamos defini-la diretamente em sua versaoquantica, com a definicao classica sendo analoga.

Seja q a dimensao do espaco de estado, com {|0〉 , |1〉 , . . . , |q − 1〉}uma base ortonormal. Definimos

DFTq |a〉 =1√q

q−1∑

c=0

γacq |c〉 , γq = e2πi

q .

Exercıcio 73. DFT

1. Mostre que a matriz8 da transformada de Fourier discreta comrespeito a base computacional e uma matriz de Vandermonde(i.e.: cada linha e uma progressao geometrica).

2. Mostre que DFTq e unitaria.

Se q = 2k, ha uma maneira simples e eficiente de implementar atransformada de Fourier discreta em um computador quantico. Para

7A ordem de um elemento e a menor potencia a que devemos eleva-lo de modoa obter o elemento neutro do grupo.

8A transformada classica leva funcoes complexas do conjunto {0, 1, . . . q − 1}a outras funcoes do mesmo tipo, escrevendo tais funcoes como vetores e atuandocom esta mesma matriz.

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isso usam-se portas Hadamard, ja discutidas, e uma chamada portade fase controlada, que, quando age nos qubits j (controle) e k (alvo),e descrita pela matriz

1 0 0 00 1 0 00 0 1 00 0 0 eiθjk

, θjk =π

2k−j.

Ao inves de descrever em detalhe a implementacao da DFTq para kqubits, apresentamos abaixo seu circuito para o caso k = 4, portanto,q = 16:

H • • •

B01 H • •

B02 B12 H •

B03 B13 B23 H

Exercıcio 74. Verifique que o circuito apresentado implementa DFT16.Desenhe o circuito para DFT32.

Vamos agora passar a uma mımica do algoritmo de Shor, ondea ordem r de y em U (N) seja fator de q = 2k. Os ingredientesessenciais estao todos aqui, mas o argumento fica facilitado. Paramais detalhes, o leitor pode buscar [28] ou outras referencias.

Novamente, o algoritmo usa dois registradores, um de tamanho ke outro menor. De fato, precisamos de q ≥ N 2, enquanto o segundoregistrador pode ter tamanho da ordem de logN . Uma vez que pode-mos calcular potencias modulo N de maneira eficiente (exercıcio 72),existe um circuito quantico atuando nestes dois registradores como

|a〉ya modN

|a〉|y〉 |ya modN〉

A parte quantica do algoritmo comeca pelo circuito acima, atuandocom o bit de controle no estado

|S〉 =1√q

q−1∑

a=0

|a〉 , (3.3)

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[SEC. 3.2: ALGORITMOS QUANTICOS 61

que leva ao estado emaranhado

1√q

q−1∑

a=0

|a〉 ⊗ |ya modN〉 .

Exercıcio 75. Sugira duas maneiras de obter o estado (3.3) a partirdo estado |0〉.

Suponha agora que uma medicao e feita no segundo registrador,com respeito a base computacional, encontrando o resultado que cor-responde a

∣yl modN⟩

. Como y tem ordem r, temos que yl ∼=yl+mr mod N para todo inteiro m. Dessa forma, ya ∼= yl mod Npermite a ∼= l mod r, mas nao permite determinar m. Assim, apostal medicao, o estado do sistema sera

1√A+ 1

A∑

m=0

|l +mr〉 ⊗∣

∣yl modN⟩

,

onde A e o maior inteiro tal que a+Ar < q. Com a hipotese simpli-ficadora que r e um fator de q, temos A = q

r − 1. Note que este e umestado produto e que agora passaremos a operar apenas no primeiroregistrador, cujo estado pode ser escrito como

|φl〉 =

r

q

q/r−1∑

m=0

|l +mr〉 =

q−1∑

a=0

f (a) |a〉 ,

onde f (a) =√

rq se a ∼= l mod r e f (a) = 0, caso contrario. Note

que f (a) e uma funcao periodica de perıodo r. A transformada deFourier serve justamente para identificar periodicidade.

Exercıcio 76. Calcule DFTq |φl〉. Voce deve obter∑q−1c=0 f (c) |c〉,

onde o valor de l apenas determina uma fase global e f e uma funcaoperiodica de perıodo q

r .

O essencial ja foi feito. Isso significa que repetidas medicoes doregistrador darao diferentes multiplos de q

r . Basta obter o mmc destesresultados para ter, muito provavelmente, qr , onde q e conhecido. Comprobablilidade arbitrariamente proxima de 1 estara determinada aordem de y em U (N), informacao que pode ser usada para encontrarum fator de N .

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Exercıcio 77. Precisamos mesmo medir o segundo registrador, ou oalgoritmo funciona independente de tal medicao?

O verdadeiro algoritmo de Shor e similar a esta mımica aqui apre-sentada, com a diferenca que a transformada de Fourier de f (a) naodara uma funcao periodica, mas uma funcao que tem picos que sedistribuem periodicamente. Isso torna necessario um maior trabalhoestatıstico nos dados obtidos, mas a ordem r pode ser obtida damesma forma, sem aumentar tanto a complexidade.

Paralelismo Quantico

Existe um ingrediente comum nos tres algoritmos aqui estudados eque merece destaque. O estado inicial |+〉 do algoritmo de Deutschpode ser visto como um caso especial do estado |S〉 do algoritmode Grover, (3.2), que nao por acaso tem a mesma notacao que o dode Shor (3.3). Estes estados sao superposicoes quanticas de todosos valores classicos do registrador. E como se, quanticamente, fossepossıvel rodar um algoritmo simultaneamente com varias entradaspossıveis. Isso e a essencia da chamada computacao em paralelo:diferentes hardwares rodam essencialmente o mesmo algoritmo comdiferentes entradas, para depois se trabalhar com os resultados obti-dos de maneira distribuıda. Este fenomeno e chamado paralelismoquantico.

E importante notar que, alem do paralelismo quantico, e sem-pre necessaria uma maneira adequada de ler a informacao tratada.Como todas as possibilidades do registrador foram “rodadas” parale-lamente, uma leitura direta do registrador nao podera revelar todosos valores da funcao calculada. Aı reside a essencia do algoritmode Deutsch: ele nos ensina que se quisermos fazer a pergunta certa(distinguir entre funcoes constantes e balanceadas), podemos obtero resultado com apenas uma consulta ao oraculo. Os algoritmos deGrover e Shor trataram de questoes diferentes, mas tambem usaramde estrategias adequadas para se aproveitar do paralelismo quanticoe, por outro lado, obter a pergunta adequada para ser respondida, oua medicao certa para ser realizada.

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3.3 Simulacao de Sistemas Quanticos

Todos os algoritmos tratados na seccao anterior sao algoritmos quan-ticos criados para resolver problemas classicos. Existe uma outraaplicacao da computacao quantica muito natural e interessante. Taonatural que pode ser vista, em parte, como responsavel pelo surgi-mento da ideia de computacao quantica.

A questao central e que a complexidade de sistemas quanticoscresce exponencialmente com o numero de constituintes. Em meca-nica classica, se queremos descrever o movimento de um sistema de Npartıculas em um espaco de dimensao 3, precisamos de 6N numerosreais para descrever um estado puro. Em mecanica quantica, se qui-sermos descrever um estado puro de N qubits precisaremos de umvetor em C

2⊗n, portanto, essencialmente 2n numeros reais. Assim,a quantidade de memoria necessaria para um computador classicodescrever um sistema quantico torna tais simulacoes proibitivas muitorapidamente.

De certo modo, a computacao quantica “vira de cabeca parabaixo” este problema: ao inves de ver neste crescimento exponen-cial um inimigo, ve-se nele uma solucao. Ele passa a ser um recursoa ser explorado, e os algoritmos de Grover e de Shor o fazem muitobem.

Mas, voltando a questao de simular sistemas quanticos, a alterna-tiva natural e usar computadores quanticos. Tornando essa afirmacaomais precisa, um computador quantico para simulacao de sistemasfısicos sera visto como um sistema sobre o qual se tem razoavel con-trole. Tanto que, com ele, se possa fazer com que a sua hamiltonianaaproxime bem uma hamiltoniana que se queira estudar. Em mais de-talhes, cada sistema fısico e ditado por uma hamiltoniana; modelossao construıdos para descrever os sistemas de interesse; mesmo assim,e comum que um modelo “simples” nao tenha sua solucao conhecidapara valores arbitrarios dos parametros envolvidos; um computadorquantico para simulacao permite testar estes modelos com valorescontrolaveis dos parametros.

Em particular, podemos citar aplicacoes para a nanotecnologia epara fabricacao de moleculas especıficas. Pode ser mais pratico simu-lar o comportamento de certos dispositivos em sistemas mais simples(do ponto de vista tecnologico) para ter certeza dos valores adequa-

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dos dos parametros a serem utilizados na fabricacao, por exemplo, deum certo polımero capaz de atacar uma bacteria, ou de um nanofiltropara dessalinizar a agua.

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Capıtulo 4

Criptografia Quantica

O algoritmo de Shor e muito famoso pela possibilidade de quebrara criptografia RSA. Mas, do ponto de vista pratico, ele ainda naorepresenta risco: seria necessario um computador quantico capaz deoperar com muitos qubits (da ordem de centenas). Ainda nao temostecnologia para isso.

As contribuicoes da Teoria Quantica da Informacao para a Crip-tografia vao em duas direcoes: por um lado, estimular a busca deproblemas (ao menos supostamente) difıceis do ponto de vista com-putacional, mesmo para computadores quanticos; por outro, a areanormalmente conhecida por Criptografia Quantica se propoe a ofere-cer estrategias para distribuicao de chaves privadas com a utilizacaode canais quanticos de informacao. Este capıtulo trata apenas destaultima contribuicao.

Antes de comecar, vamos contextualizar as duas principais formasde criptografia existentes: as de chave privada e as de chave publica.Para uma abordagem historica muito competente, recomendamos olivro de Simon Singh [12].

Criptografia de chave privada

Na criptografia de chave privada, o segredo e guardado por uma re-gra de trocas de (conjunto de) sımbolos por outros. Uma forma bas-tante antiga de criptografia e simplesmente escolher sımbolos dife-

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rentes para o alfabeto (varias revistas de passatempo usam esta es-trategia). Como um caso bom exemplo, podemos usar o proprioalfabeto, e apenas definir uma permutacao de seus sımbolos. Emprincıpio, apenas quem conhece a “chave”, ou seja, a regra usadapara trocar os sımbolos, e capaz de ler a mensagem. Na pratica, essaestrategia possui uma grande fragilidade: mensagens costumam serescritas em algum idioma e os idiomas possuem estruturas impor-tantes. Em particular, as frequencias com que certas letras aparecemsao caracterısticas da lıngua, e a maioria dos textos longos tende arefletir esta distribuicao. Mais ainda, regras como a existencia devogais em cada sılaba, ou da letra ‘u’ apos toda letra ‘q’, permitemrapidamente inferir o significado de varios sımbolos e assim decifrar amensagem (e toda futura mensagem encriptada sob a mesma regra).

Tornando uma longa historia curta, a unica maneira de tornara criptografia de chave privada segura e trocar de chave constante-mente, de modo que nao se possa usar qualquer estrategia frequencis-ta para aprender sobre a chave. Para realmente garantir seguranca,agora ja pensando que nosso alfabeto e binario1, devemos trocar deregra a cada caractere. Isso equivale a produzir uma sequencia de bitsaleatorios do mesmo tamanho que a mensagem a ser enviada, e somar(modulo 2) cada bit da mensagem com o bit da chave. Assumindoque so o destinatario da mensagem conhece a chave, bastara a elenovamente somar os bits da mensagem criptografada com os bits dachave para obter a mensagem original, e ninguem mais tera acesso amensagem secreta. A seguranca deste protocolo e tao grande quantoa seguranca das chaves, e ele e normalmente referido como one timepad , enfatizando que cada chave so deve ser usada uma vez.

Qual o inconveniente deste protocolo? Existe a necessidade deproduzir chaves seguras, e protege-las, o que remonta a filmes deespioes com seus codigos secretos valiosıssimos.

Criptografia de chave publica

Um grande salto conceitual ocorreu com o estabelecimento da crip-tografia de chave publica. A ideia central e usar a complexidade dese resolver um problema especıfico, como a fatoracao de um inteiromuito grande. Assim, quem possui a solucao deste problema, dada a

1E as mensagens sao sequencias de bits.

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sua complexidade, possui um segredo. E este segredo (que apenas elepossui) pode ser utilizado para que outras pessoas enviem mensagenscodificadas para ele.

A criptografia de chave publica se faz entao com duas chaves: umapublica e outra privada. No caso da RSA, de maneira simplificada,podemos dizer que a chave privada e o par de primos P1 e P2, en-quanto a publica e o inteiro N = P1P2. Para encriptar mensagens,o emissor usa N , divulgado pelo receptor. Para decripta-las, o re-ceptor usa Pi. A seguranca deste protocolo reside na dificuldade de,conhecido N , obter P1 e P2.

Criptografia Quantica

O que a criptografia quantica permite e o estabelecimento de chavespara a criptografia de chave privada atraves de um canal quantico.Ou seja, nao e necessario que as partes se encontrem previamente paracompartilhar uma chave, que depois teria que ser guardada com todaseguranca ate o momento de sua utilizacao (e, idealmente, destruıdalogo apos, para evitar que caia em maos inimigas). Por este motivo,a nomenclatura mais precisa para o servico prestado e distribuicaoquantica de chave criptografica2.

O que faremos e descrever o primeiro exemplo de distribuicao dechave quantica, na sec. 4.1. Em seguida, na sec. 4.2, apresentare-mos uma versao diferente de QKD, que utiliza o emaranhamentocomo ingrediente essencial. Aproveitaremos esta seccao para apre-sentar as chamadas desigualdades de Bell , que alem de seu interesseproprio, desempenham papel importante no protocolo criptografico.As bases mutuamente neutras sao rediscutidas na sec. 4.3. Nestecapıtulo aparecem, pela primeira vez no texto, problemas abertos dateoria quantica da informacao.

4.1 A primeira ideia e a que fica: BB84

Nao deixa de ser interessante que a distribuicao quantica de chavescriptograficas tenha surgido antes do algoritmo de Shor. Nao poracaso, tambem, ela ja e comercialmente utilizada, ao contrario do

2No ingles, quantum key distribution, com sigla QKD.

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algoritmo de Shor, que apenas foi utilizado para demonstrar que 15 =3 × 5 [31].

Mesmo ja havendo a ideia de usar mecanica quantica na dis-tribuicao de chaves desde os anos 70, tal intencao so ganhou destaquecom a proposta de Bennett e Brassard [32], apresentada no final de1984, que passou a ser conhecida como BB84. Vamos apresenta-laaqui com o mesmo nıvel de rigor da proposta original, baseada emestados puros. A demonstracao de sua seguranca e um problemadelicado, pois em geral precisa assumir que tipo de ataque a espiapode realizar. Fato e, no caso ideal (dicutiremos adiante o que sig-nifica caso ideal), o protocolo tem sua seguranca baseada nas regrasda mecanica quantica. Enquanto estas perdurarem, e se o proto-colo funcionar sem erros, uma chave criptografica tera sido obtida. Aquestao se torna mais delicada quando lembramos que nenhum proto-colo pratico e livre de erros, e buscamos um limiar de erros permitidopara que a chave criada possa ser considerada segura.

Antes de comecar, um exercıcio de revisao do capıtulo 1:

Exercıcio 78. Para cada estado da base Z, quais as probabilidadesde cada resultado possıvel em uma medicao na base X? E na baseZ?Para cada estado da base X , quais as probabilidades de cada resultadopossıvel em uma medicao na base Z? E na base X?

Este exercıcio e a base do protocolo: as bases X e Z sao tais queos vetores de uma geram bits certos quando medimos na mesma basee aleatorios quando sao feitas medicoes na outra base.

Voltamos aos personagens Ana e Bernardo. A intencao e que,ao final do processo, Ana e Bernardo compartilhem uma chave crip-tografica, ou seja, que ambos (e somente eles) possuam uma sequencia{xi} de bits. O aparato necessario para isso e dado por qualquer fontede qubits e aparelhos de medicao onde Ana e Bernardo concordemsobre quem sao a base X e a base Z. O qubit mais comum e a po-larizacao do foton, a partıcula associada a um “atomo de luz”3. Vale

3O conceito de foton aparece em 1905, com Einstein o utilizando na explicacaodo chamado efeito foto-eletrico. Nao e simples responder o que e um foton - havarias respostas nao exatamente equivalentes, mas igualmente bem motivadas.Aqui adotamos simplesmente a visao que o foton e uma “partıcula de luz” quecarrega consigo um estado quantico de polarizacao, e este estado de polarizacao

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ressaltar que polarizacao e um conceito do eletromagnetismo classico,que, para o caso de polarizacoes lineares, corresponde a direcao docampo eletrico oscilante no fenomeno ondulatorio entendido comoluz . Quanticamente, o conceito de polarizacao e mantido. Nao pre-cisamos entende-lo aqui, apenas acreditar que ele corresponde a umqubit, onde a base Z significa polarizacoes horizontal (|0〉) ou verti-cal (|1〉), enquanto as polarizacoes cruzadas +45o (|+〉) e −45o (|−〉)correspondem a base X . Na descricao, vamos usar de maneira indis-criminada qubit ou foton, base Z ou horizontal/vertical, assim comoX ou diagonais.

Feitos os ajustes correspondentes ao alinhamento dos eixos..., oprocesso se inicia de verdade com Ana sorteando um par de bitsaleatorios, que designaremos α e a. O bit α determinara a escolhada base: Z para 0 e X para 1; o bit a correspondera a escolha de umdos dois vetores de cada base. Portanto, de acordo com o sorteio dedois bits, Ana preparara um de quatro estados de polarizacao:

α a |ψ〉0 0 |0〉0 1 |1〉1 0 |+〉1 1 |−〉 .

Bernardo tambem sorteara um bit aleatorio, β, que definira a basecom respeito a qual ele medira a polarizacao do foton enviado porAna, mantendo a convencao Z para 0 e X para 1. O resultado destamedicao vai determinar o bit b, mantendo a mesma convencao databela para relacionar cada um dos dois possıveis resultados a 0 ou1.

Exercıcio 79. Mostre que, seguindo o esquema descrito, α = β ⇒a = b. Por outro lado, se α 6= β, a e b sao independentes.

O primeiro estagio do BB84 corresponde a repetir este procedi-mento um grande numero de vezes. Ao final dele, Ana possui duassequencias geradas aleatoriamente, {αi} e {ai}, enquanto Bernardopossui as sequencias {βi}, gerada aleatoriamente, e {bi}, parcialmentedeterminada pelo exercıcio 79.

e o qubit que nos interessa.

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O segundo estagio e uma comunicacao publica, onde Ana informaBernardo sua sequencia {αi}. Bernardo entao verifica para quaisvalores de i vale a igualdade αi = βi e manda a sequencia destesvalores i para Ana.

Exercıcio 80. Sugira duas outras maneiras, mais economicas emtermos de comunicacao, de Bernardo fazer com que Ana saiba osvalores de i para os quais αi = βi.

Ana e Bernardo descartam todos aqueles bits das posicoes ondeαi 6= βi, preservando aqueles que foram preparados e medidos nasmesmas bases. Com isso eles terao um par de sequencias reduzidas{aj} e

{

bj}

, idealmente iguais. No mundo perfeito, a chave crip-tografica ja esta estabelecida: Ana e Bernardo possuem um par desequencias identicas de bits aleatorios.

Verificacao de Erros

Mas no mundo perfeito ninguem faz criptografia. Ana e Bernardo pre-cisam de mais indıcios de que a chave obtida por eles e, por um lado,boa (no sentido dos dois terem, essencialmente, sequencias identicas),por outro, segura (ninguem mais a conhece). Essas duas tarefas po-dem ser atingidas de uma so vez.

Bernardo escolhe, ao acaso, uma pequena4 fracao dos seus bits bj ,e envia para Ana a sequencia de pares

{(

j, bj)}

. Ana verifica a taxade coincidencia entre os bits enviados por Bernardo e aqueles que elaja possuia. Novamente, no mundo ideal, essa taxa e 1. No mundoem que vivemos, todos os processos envolvidos sao sujeitos a erros: oalinhamento dos eixos pode nao ser preciso; cada medicao pode daro resultado errado; o canal quantico, por onde o qubit se propaga,pode permitir erros; a comunicacao classica dos eixos e das posicoespode incutir falhas. Tudo isso faz com que esta taxa de coincidenciaseja menor que 1.

Entre todos os erros citados, ha um especialmente perigoso: aque-les erros permitidos pelo canal quantico. Entre estes erros, pode havera presenca de uma espia, Eva5. Para garantir seguranca precisarıamos

4Pequena para nao tornar o processo muito dispendioso, mas grande o suficentepara ser uma amostragem boa da estatıstica dos bits obtidos.

5O nome padrao na literatura em ingles e Eve, por lembrar eavesdropper.

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pensar em todos os possıveis ataques que Eva poderia fazer a comu-nicacao entre Ana e Bernardo. Nao vamos fazer isso. Vamos apenascitar um importante resultado da teoria quantica, fundamental paraa sugestao do BB84: o chamado teorema da nao-clonagem, que dizque nao podemos fazer copias perfeitas de estados arbitrarios (vejaa sec. 5.4). Assim, Eva nao pode tomar os qubits enviados por Ana,fazer copias deles, e envia-los para Bernardo, esperando depois pelasequencia de eixos onde deve medi-los.

Uma maneira inocente de concluir pela seguranca do protocolo elimitar Eva a ataques individuais (ou seja, ela so pode fazer algo comum qubit por vez), e seus ataques sao apenas medicoes nas propriasbases Z ou X , seguidas pelo envio do estado correspondente aqueleque Eva obteve na medicao.

Exercıcio 81. Ignorando todas as demais fontes de erro, calcule ataxa de coincidencias entre os bits de Ana e Bernardo, no caso emque Eva toma o procedimento citado acima com cada qubit enviadopor Ana.

Mesmo nao sendo um argumento suficiente, este calculo serve paraindicar que, ao adquirir informacao sobre o qubit que viaja, Evainflui na taxa de coincidencias. Se esta taxa estiver acima de umcerto limiar, isto implica que a quantidade de informacao obtida porEva (mesmo que aqui nao seja claro o significado de quantidade deinformacao, veja sec. 5.1, use a nocao intuitiva que todos devemoster) e insuficiente para ameacar a seguranca da chave estabelecida.

Por fim, cabe mencionar que, independente da criptografia quan-tica, existem os chamados protocolos de ampliacao de privacidade,que podem ser usados para, apos o estabelecimento da candidatafinal a chave criptografica, destilar uma chave um pouco menor, mascom maior taxa de coincidencias, sem, com isso, permitir que Evaaprenda sobre a chave.

4.2 Criptografia com Emaranhamento

Uma importante variacao do BB84 foi proposta por Ekert, em 1991[34]. Importante por varios motivos, sendo o artigo mais citado daarea. Para nos, sera importante por fazer distribuicao quantica de

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chave criptografica usando emaranhamento. De fato, a seguranca doprotocolo reside no emaranhamento, e na violacao de uma desigual-dade de Bell [13]. Por sinal, este trabalho pode ser visto como aprimeira aplicacao pratica (e nao apenas conceitual) destas desigual-dades, originalmente concebidas para por em termos quantitativos aquestao se a descricao probabilısitica oriunda da mecanica quanticapoderia ser fruto da ignorancia de uma realidade classica microscopicacom comportamento local (ver 4.2.1).

Este protocolo se inicia com o compartilhamento de pares no es-tado de Bell |Ψ−〉 por Ana e Bernardo. Para cada par gerado, Anae Bernardo escolhem eixos, aleatoria e independentemente, e fazemsuas medicoes. Voce ja calculou as probabilidades dos resultadosnos exercıcios 20 e 21 para diferentes combinacoes das bases Z e X .Do ponto de vista de gerar a chave criptografica, e tudo o que pre-cisamos. Como queremos tambem verificar se os pares sao descritos(pelo menos em boa aproximacao) pelo estado |Ψ−〉, usa-se aindamais uma base intermediaria (nao mutuamente neutra - ver ex. 5),de modo que um subconjunto dos dados gerados possa ser utilizadopara um experimento de violacao de desigualdade de Bell - que podeser visto como uma especie de certificacao da qualidade da fonte depares - enquanto outro subconjunto sera realmente guardado comochave. E interessnate notar que a certificacao e a criacao da chave saoprocessos simultaneos. Apenas ao final do processo, comparando oseixos em que as medicoes foram feitas, os bits serao separados entreaqueles que constituirao a chave e aqueles usados na certificacao dafonte. Isso impede que Eva permita a certificacao da fonte e so depoispasse a atuar nela.

Uma maneira bastante simples de entender a seguranca do pro-tocolo de Ekert reside na chamada monogamia do emaranhamento.Considere o par de qubits no qual temos interesse como parte de umsistema maior. Este sistema pode incluir a espia, Eva, que tantopode ser descrita como um sistema quantico, quanto por variaveisclassicas relativas a informacao adquirida por ela. Se o par de qubitsencontra-se maximamente emaranhado, entao este par e descrito porum vetor de estado |Ψ〉. Mas isso significa que ele nao pode ter qual-quer correlacao com Eva, uma vez que, se houvesse correlacao, o parde qubits seria descrito por estados condicionais |Ψi〉, correlacionadoscom diferentes respostas i de possıveis acoes de Eva. Esse ensemble

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de diferentes estados puros nao seria capaz de violar maximamenteuma desigualdade de Bell. Nesse sentido, a verificacao de qualidadedo par de Bell funciona, indiretamente, como uma verificacao daausencia (ou da ineficacia) de espioes, garantindo a qualidade dosdados correlacionados que serao obtidos quando as medicoes foremfeitas nos mesmos eixos (vale lembrar que obter uma sequencia comtodos os bits diferentes da sequencia do parceiro e tao bom quantouma sequencia com todos os bits iguais aos do interlocutor).

4.2.1 Desigualdades de Bell

Como vimos, o protocolo de Ekert se baseia em uma desigualdadede Bell. Vamos descrever tal desigualdade [35] e contextualizar seuaparecimento, desenvolvimento e seu status atual.

Alguns fundadores da teoria quantica (Einstein, Schrodinger ede Broglie entre eles) gostavam de entender que as probabilidadespresentes na teoria tinham a mesma origem que as da mecanica es-tatıstica, quais sejam, nossa ignorancia do micro-estado do sistema, oque leva a necessidade de tratar um ensemble de possıveis condicoesiniciais. Outros (Bohr, Heisenberg, Pauli...) preferiam ver a mecanicaquantica como um novo paradigma, propondo ate mesmo revisoes emconceitos filosoficos para adapta-los a esta nova epistemologia.

Podemos dizer que a mecanica quantica teve uma gestacao decinco anos (1900-1905), um rapido desenvolvimento/amadurecimentoate 1927, para tornar-se vigorosa e rebelde na sua juventude, ao finaldos anos 20 e durante os anos 30. Nestes tempos de vigor e rebeldia,o debate entre as duas visoes apontadas foi intenso, sendo posterior-mente abandonado sem que nenhuma parte realmente convencesse aoutra, mas com a comunidade adotando uma postura mais proximada de Bohr, no que ficou conhecida por interpretacao de Copenha-gue. Nas decadas seguintes, tal discussao passou a ser consideradaum tema marginal, quase maldito.

A situacao comeca a mudar (mas apenas comeca) quando Bellse propoe a discutı-la em termos quantitativos, e assim obtem suadesigualdade (em 1964), que traz a discussao do mundo das ideias eopinioes para o ambiente mensuravel dos laboratorios. A inspiracaocentral e assumir que ha uma realidade local pre-determinada, apenasdesconhecida, e que as medicoes apenas revelam tal realidade. Neste

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sentido, para um qubit individual, os resultados de todas as possıveismedicoes (ou seja, todas as possıveis escolhas de base) ja estariampre determinados. Apenas na media, consideradas varias preparacoesidenticas, mas com diferentes “elementos de realidade,” e que os va-lores esperados da mecanica quantica apareceriam. Tal visao pareceirrefutavel quando consideramos apenas um objeto quantico. Comodiscutir se os resultados observados foram “naturalmente” proba-bilısticos ou se ja estavam pre-determinados por uma variavel ocultaa qual nao temos acesso?

O que Bell percebeu e que, no estudo da correlacao de resultadosem sistemas de duas (ou mais) partıculas, tais visoes poderiam levar aresultados distintos. Em particular, o realismo local impoe restricoesa estas correlacoes mais severas que aquelas impostas pela mecanicaquantica. As desigualdades de Bell sao exatamente estas restricoes.Neste sentido, elas nao sao parte da teoria quantica. Justamente pelocontrario: elas sao restricoes impostas a qualquer teoria realista lo-cal, e sao frutos do estudo de probabilidades condicionais: queremosestudar correlacoes entre escolhas de possıveis medicoes e seus resul-tados, condicionados aos elementos de realidade que predeterminamtais resultados.

Hora de fazer como Bell, e tornar esta discussao mais quantitativa.Vamos considerar a situacao mais simples: um sistema tem duaspartes (Ana e Bernardo aparecem aqui, novamente), em cada parte,duas possıveis escolhas de medicao: Ai, Bj , com i, j ∈ {0, 1}, e paracada medicao, dois resulados sao possıveis: ak, bl,com k, l ∈ {0, 1}.Para facilitar a discussao, vamos considerar as possıveis respostas ake bl como os valores 0 e 1 tambem, para fazer sentido falar em ak = bl.

Os objetos essenciais com que vamos trabalhar sao correlacoesassim definidas6:

Cij = p (ak = bl|Ai, Bj) − p (ak 6= bl|Ai, Bj) , (4.1a)

que claramente variam entre −1 e 1. Mais precisamente, queremoscalcular a grandeza

CHSH = C00 + C01 + C10 − C11, (4.1b)

6Onde p (x|y) e a probabilidade condicional de x, dado y. Se o termo lhe forinedito, consulte a ref. [36]

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com a hipotese de realismo local, ou, como se tornou mais comum nocontexto de informacao quantica, aleatoriedade compartilhada.

A hipotese essencial entao e que existe uma outra variavel aleato-ria λ que determina completamente os resultados das medicoes, sejamelas quais forem, de maneira local - ou seja, o resultado de Ana medirAi e independente de Bernardo decidir medir B0 ou B1, bem como doresultado de tal medicao. As correlacoes obtidas nos resultados seraocompletamente explicadas pela aleatoriedade compartilhada, descritapor p (λ). Assim,

p (ak, bl|Ai, Bj) =∑

λ

p (λ) p (ak|Ai, λ) p (bl|Bj , λ) , (4.1c)

onde λ determina completamente os resultados, portanto, para cadavalor7 de λ, p (x|Y, λ) assume os valores 0 ou 1.

Exercıcio 82. Mostre que, com a hipotese de aleatoriedade compar-tilhada (4.1c), a expressao (4.1b) toma a forma

CHSH =∑

λ p (λ) {∆Pλ (A0) (∆Pλ (B0) + ∆Pλ (B1)) (4.1d)

+ ∆Pλ (A1) (∆Pλ (B0) − ∆Pλ (B1))} ,

onde ∆Pλ (Xi) = p (0|Xi, λ) − p (1|Xi, λ).

O ponto essencial do argumento vem agora: como λ determina oresultado das medicoes, ∆Pλ (Xi) = ±1. Com isso, dos termos entreparenteses na eq. (4.1d), para cada valor de λ, um e nulo e o outroe ±2, e o termo entre chaves e, necessariamente, ±2. Logo, CHSHobedece

−2 ≤ CHSH ≤ 2.

Esta e a versao de Clauser, Horne, Shimony e Holt para a desigual-dade de Bell.

Exercıcio 83. Defina a matriz de rotacao

Rθ =

[

cos θ − sen θsen θ cos θ

]

7Nao estamos discutindo onde λ toma seus valores. Se necessario, deve-sesubstituir os somatorios por integrais, definindo uma σ-algebra adequada..., masvamos manter os somatorios, por simplicidade.

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e entenda RθB como a nova base obtida pela aplicacao de Rθ a cadavetor de B. Sejam A0 = Z, A1 = X , B0 = RθX e B1 = RθZ.Considere o estado |Ψ−〉 e as regras da mecanica quantica.

1. Calcule CHSH como funcao de θ;

2. Obtenha o maximo para |CHSH (θ)|;

3. Em particular, calcule CHSH(−π

8

)

.

O exercıcio acima mostra que a mecanica quantica viola desigual-dades de Bell. Portanto, se a mecanica quantica descreve bem aNatureza, esta nao pode ser determinada por um contexto de rea-lismo local. Desde 1991, podemos dizer isso de outra maneira: sea mecanica quantica descreve bem a Natureza, entao ela pode serusada para criar uma chave criptografica segura compartilhada porAna e Bernardo, desde que eles compartilhem estados que violam adesigualdade de Bell.

Recentemente, Gisin publicou um artigo [37] mostrando quaoativo se tornou o tema desigualdades de Bell nos ultimos 15 anos,e listando 25 questoes ainda por serem respondidas, gentilmente di-vididas entre questoes fundamentais, relacionadas a experimentos, ede utilizacao de nao-localidade como recurso.

4.3 Bases Ortonormais Mutuamente

Neutras

Retornando ao BB84, devemos notar que grande parte de sua forcase encontra na escolha das bases trabalhadas. No exercıcio 5 voce jase deparou com o conceito de bases ortonormais mutuamente neutraspara um qubit. Por definicao, bases ortonormais {|ei〉} e {|fj〉} saomutuamente neutras (no ingles, mutually unbiased, com a sigla MUB)se |〈ei | fj〉| e independente de i e j.

Exercıcio 84. Considere um espaco de estados com dimensao D.Quanto vale |〈ei | fj〉|, se {|ei〉} e {|fj〉} sao bases ortonormais mu-tuamente neutras?

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No exercıcio 5 voce mostrou que so existem 3 bases mutuamenteneutras para um qubit (a menos de equivalencias, ou seja, a menos deoperacoes unitarias em todas essas bases). Dizendo de outra maneira,voce mostrou que, se D = 2, o numero maximo de bases ortonormaismutuamente neutras, M , e 3.

Exercıcio 85. Mostre que, para D arbitrario, o numero de basesortonormais mutuamente neutras e M = D + 1.

Se voce conseguir resolver este exercıcio, deve escrever um artigoexplicando sua solucao e enviar para alguma revista. De fato, esteresultado ja foi demonstrado quando D e um numero primo, mas naose sabe o que acontece para D composto. Este e o Problema 13 dalista de Werner [39], que espero ter tornado acessıvel com este mini-curso. Lendo a descricao do problema e a bibliografia relacionada,voce vai poder aprender sobre o problema do “mean king”, algo comoo “rei malvado”, que adora gatos e detesta fısicos8.

Cabe realcar um fato curioso: espacos vetoriais de dimensao primanao admitem estrutura de produto tensorial.

Exercıcio 86. Mostre a afirmacao acima.

A estrutura de produto tensorial e que permite discutir o emara-nhamento, um dos mais interessantes efeitos da mecanica quantica.Nao deixa de ser instigante cogitar que a possibilidade de emaranha-mento tem relacao com a dificuldade de definir a maxima quantidadede bases mutuamente neutras em espacos vetoriais de dimensao com-posta...

No proximo capıtulo, alguns outros problemas da lista de Wernerserao discutidos.

8Esta passagem e uma referencia ao famoso gato de Schrodinger , que se en-contra em um estado superposto de vivo e morto.

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Capıtulo 5

Pout Pourri

“Para nao dizer que nao falei de flores.”Geraldo Vandre

Este capıtulo sera muito diferente dos demais. Se os outros, essen-cialmente, tinham comeco, meio e fim, este e todo comeco. Suasseccoes nao possuem um forte encadeamento logico, tratando-se, naverdade, de topicos omitidos pelas naturais restricoes impostas ao for-mato deste livro. Foramos tratar cada topico com o devido cuidado eterıamos uma disciplina completa em lugar de um minicurso. Comoo espırito do texto e introduzir uma area de pesquisa, nada mais na-tural que rapidas pinceladas em outros resultados interessantes, queremetem a subareas vigorosas da Teoria Quantica da Informacao.

5.1 Entropia

Seria uma heresia escrever um livro de Teoria da Informacao semfalar de entropia. O conceito surgiu na termodinamica, foi reinter-pretado pela mecanica estatıstica e novamente recriado por Shan-non [38], quando transformou nocoes vagas sobre o funcionamento deaparelhos de comunicacao, como o telefone e o telegrafo, em ideiasquantitativas, sobre as quais teoremas poderiam ser demonstrados,e que seriam a base para a revolucao tecnologica do fim seculo XX.Uma introducao rapida, com espırito similar ao deste curso, pode ser

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obtida na ref. [36].Aqui nos contentamos em definir a entropia de uma variavel alea-

toria X, com distribuicao de probabilidade pi, como

H (X) = −∑

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pi log pi,

onde, por conveniencia, o logaritmo e calculado na base 2 e, porconvencao, 0 log 0 = 0.

Na sec. 1.5 definimos o operador densidade de um sistema. VonNeumann definiu a entropia de um sistema A no estado quantico, ρ,como

S (A) = −Tr {ρ log ρ} ,onde e necessario calcular a funcao de um operador, antes de obter suaentropia. Como ρ e semi-definido positivo, e adotamos a convencao0 log 0 = 0, S esta bem definida para todo ρ.

Exercıcio 87. * Para um qubit, calcule a entropia do sistema nosestados |ψ〉 〈ψ|, e 1

21.

A entropia1 tem uma serie de propriedades interessantes, mas naovamos apresenta-las aqui. Em particular, ela e um excelente quantifi-cador de informacao. E com ela que se pode provar a seguranca de umprotocolo criptografico [40], garantindo que a informacao disponıvelpara a espia e insuficiente para ameacar a seguranca da chave.

Entre as propriedades da entropia esta aquela que em teoria dainformacao e chamada aditividade e em termodinamica ou mecanicaestatıstica, extensividade.

Exercıcio 88. 1. Sejam pi e qj distribuicoes de probabilidadespara variaveis aleatorias X e Y . Seja (X,Y ) a variavel alea-toria obtida por realizacoes independentes de X e Y . Mostreque

H (X,Y ) = H (X) +H (Y ) .

1Para ser mais preciso, as entropias de Shannon e von Neumann sao apenasas filhas mais famosas de uma grande famılia de entropias. Diferentes entropiaspossuem diferentes interpretacoes. Para varios casos, pode ser mais interessanteescolher uma entropia diferente, seja pela facilidade de calculo, ou realmente porsuas propriedades serem mais adequadas ao problema discutido.

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2. * Sejam ρA e ρB operadores densidade para sistemas quanticosA e B, com o sistema composto descrito por ρA ⊗ ρB. Mostreque

S (A,B) = S (A) + S (B) .

Algumas quantidades “filhas” da entropia servem para quantificara independencia de variaveis. Em especial, chamam-se entropias con-juntas as entropias de sistemas compostos. No exercıcio 88, o que foimostrado e que a entropia conjunta de sistemas independentes e asoma das entropias dos constituintes. Isso inspira a definicao de en-tropia condicional . SejamX e Y variaveis aleatorias; defina a variavelaleatoria Z com distribuicao p (xi|yj), ou seja, a probabilidade condi-cional de X, dado Y . A entropia condicional de X, dado Y , denotadaH (X|Y ), e a entropia da variavel aleatoria Z.

Exercıcio 89. Mostre que

H (X|Y ) = H (X,Y ) −H (Y ) .

Se X e Y representam bits, em que situacoes H (X|Y ) e maxima? Emınima?

Exercıcio 90. * Tome como definicao da entropia condicional quan-tica

S (A|B) = S (A,B) − S (B) ,

onde ρB = TrAρAB e ρAB e o estado do sistema composto. Se A eB sao qubits, em que situacoes S (A|B) e maxima? E mınima?

Se voce fez os exercıcios 89 e 90 corretamente, descobriu umadas principais diferencas entre a entropia condicional de Shannon ede von Neumann. Enquanto a primeira e nao-negativa, a segundaadmite valores negativos. Tais valores negativos estao justamenterelacionados ao emaranhamento, como discutiremos na 5.2.

Para encerrar esta seccao, vamos apresentar mais um filho danocao de entropia: a entropia relativa. Suas versoes classica e quan-tica sao dadas pelas expressoes

H ({pi} ‖ {qi}) =∑

pi (log pi − log qi) ,

S (ρ ‖ σ) = Tr {ρ (log ρ− log σ)} .

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Comecemos por explicar a mudanca de notacao, que vem junto como significado atribuıdo a entropia relativa. Antes tratavamos devariaveis aleatorias (ou sistemas quanticos) distintos. Agora, a questaoe outra. Essencialmente, temos {pi} e {qi} como duas candidatas adistribuicao da variavel X. Analogamente, ρ e σ sao dois possıveisoperadores densidade para o sistema quantico A. Estas entropias re-lativas aparecem na resposta as seguintes perguntas: se a variavel Xsegue a distribuicao {pi}, qual a probabilidade de, apos n realizacoesda variavel, assumirmos que sua distribuicao e {qi}? Analogamente,se o estado de um sistema e ρ, qual a probabilidade de atribuirmos aele o estado σ apos um conjunto de n medicoes?

As distribuicoes de probabilidade das perguntas formuladas seconcentram, respectivamente, em {pi} e ρ. O ritmo com que alargura destas distribuicoes vai para zero e ditada por H ({pi} ‖ {qi})e S (ρ ‖ σ). Neste sentido, estas grandezas sao interpretadas como“distancias” no sentido informacional entre distribuicoes de proba-bilidade, ou entre operadores densidade.

Exercıcio 91. Obtenha exemplos que mostram que a entropia rela-tiva nao e simetrica.

5.2 Alguns quantificadores de

emaranhamento

Nesta seccao vamos falar um pouco mais sobre quantificadores deemaranhamento. Para um excelente trabalho recente de revisao,veja [41]; para uma introducao suave ao tema, veja o capıtulo 1 daref. [18]. Um tema encantador, mas que nao sera abordado, e o estudodo emaranhamento em sistemas multipartites. Assim, nesta seccaotratamos de sistemas cujo espaco de estados e dado por E = EA⊗EB .

5.2.1 Estados puros: o mundo parece simples

Entre as varias aplicacoes da entropia, esta a primeira nocao de quan-tificacao de emaranhamento. Se temos |ψ〉 ∈ E, o emaranhamentopode ser quantificado pela entropia de cada estado reduzido. A justi-ficativa desta definicao reside em um teorema devido a Schmidt: para

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cada vetor |ψ〉 ∈ EA⊗EB , existem bases ortonormais {|ai〉} para EAe {|bj〉} para EB , tais que

|ψ〉 =∑

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λi |ai〉 ⊗ |bi〉 .

Existem varias demonstracoes para este teorema, e voce pode procu-rar a sua (e, essencialmente, um teorema de diagonalizacao reescrito).O seu significado e bastante curioso. Em particular, ha apenas umındice no somatorio. Mais ainda, se as dimensoes de EA e EB sao,respectivamente, d e D, com d ≤ D, sem perda de generalidade, osomatorio tera apenas d termos. Se d = 2, por exemplo, nao importao valor de D, que o estado |ψ〉 sera efetivamente um estado de doisqubits.

Exercıcio 92. * Use o teorema de Schmidt para mostrar que o espec-tro de ρA = TrB |ψ〉 〈ψ| coincide com o de ρB = TrA |ψ〉 〈ψ|. Concluaque a definicao

E (|ψ〉) = −Tr {ρA log ρA}

e boa.

Ha varias interpretacoes possıveis para esta expressao. Em par-ticular, ela coincide com os quantificadores que serao apresentadosem 5.2.2 e 5.2.3.

5.2.2 Emaranhamento de formacao

O emaranhamento de formacao [42] faz uso da nao-unicidade da des-cricao por ensembles de estados nao-puros. Ao mesmo tempo que temaı seu merito, tem tambem sua desgraca, pois acaba por envolver umprocesso de minimizacao bastante complicado.

Se ρ =∑

pi |ψi〉 〈ψi|, com pi > 0, definimos o emaranhamentomedio desta decomposicao como

piE (|ψi〉). Como ha varias possı-veis decomposicoes de ρ, toma-se o ınfimo desta quantidade sobretodas as possıveis decomposicoes:

Ef (ρ) = infρ=

P

pi|ψi〉〈ψi|

piE (|ψi〉) .

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Exercıcio 93. * Considere o estado de dois qubits com operadordensidade ρ = 1

41.

1. Encontre mais de uma decomposicao de ρ na forma

ρ =∑

pi |ψi〉 〈ψi| , com pi > 0;

2. Mostre que Ef (ρ) = 0.

Uma interpretacao natural do Emaranhamento de Formacao, queinspira seu nome, inclusive, e que se conhecermos uma decomposicaoda forma ρ =

pi |ψi〉 〈ψi|, com pi > 0, que realize o valor Ef (ρ),ganhamos uma receita para produzir n realizacoes de ρ (no sentidode realizacoes de uma variavel aleatoria), usando, em media, Efunidades de emaranhamento por realizacao. No regime nÀ 1, este setorna um excelente quantificador para o emaranhamento necessariopara criar o estado ρ.

Um resultado surpreendente foi a obtencao de um algoritmo (es-sencialmente uma formula, mas melhor escrita como um algoritmo)para calcular o Emaranhamento de Formacao para um par de qubits[43]. Nao vamos descreve-lo aqui, mas apenas citar que uma passagemintermediaria neste algoritmo e o calculo da chamada Concorrencia,que assim tornou-se outro bom quantificador de emaranhamento.

Um problema aberto com relacao ao Emaranhamento de Forma-cao e garantir sua aditividade (problema 7 de [39], que pode ser vistocomo um caso particular do problema 10). Aditividade aqui significaque se ρ e τ sao dois estados em EA⊗EB , entao podemos consideraro estado ρ⊗ τ no espaco E⊗2

A ⊗ E⊗2B .

Exercıcio 94. *

1. Faca um diagrama em que fique claro onde o produto tensorialρ⊗τ e feito, e com respeito a qual biparticao estamos discutindoo emaranhamento;

2. Mostre que Ef (ρ⊗ τ) ≤ Ef (ρ)+Ef (τ) (subaditividade de Ef );

3. Mostre que Ef (ρ⊗ τ) = Ef (ρ) + Ef (τ) (aditividade de Ef ,problema aberto).

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5.2.3 Criar e Destilar

Na interpretacao de Ef , ja passamos pela ideia de “quanto custa”,em unidades de emaranhamento, produzir um estado ρ. Existe outroquantificador ainda mais adequado para traduzir esta ideia. Antesporem, vamos as regras do jogo.

Protocolos assintoticos LOCC

LOCC e a sigla em ingles para operacoes locais e comunicacao clas-sica. Um princıpio da teoria do emaranhamento e que estas operacoesnao podem aumentar o emaranhamento, ao menos em media. Asmaneiras tıpicas de “criar” emaranhamento sao pela interacao diretaou pela selecao de subensembles - assim, mesmo que nao se ganheemaranhamento em media, ele pode ser concentrado em pares es-pecıficos; quando selecionarmos apenas estes pares, eles terao maisemaranhamento (em media) que o estado inicial.

Assintotico aqui significa que queremos trabalhar no regime ondetemos um grande numero n de pares emaranhados gerados indepen-dentemente por uma fonte que gera o estado ρ. Neste caso, descreve-mos o conjunto dos n pares pelo estado ρ⊗n. Note que estamos quaserompendo nossa promessa de tratar apenas sistemas bipartites. Masnao, a unica particao importante neste caso e entre A e B (Ana eBernardo). Alem disso, e muito importante que os pares sejam rotu-lados, pois o qubit2 numero 5 de Ana so estara emaranhado com oqubit numero 5 de Bernardo.

Protocolos assintoticos LOCC sao, portanto, sequencias de opera-coes locais e comunicacoes entre Ana e Bernardo, que podem levarum estado a outro. Ana e Bernardo sao autorizados a operar con-juntamente em todos os qubits que possuem. Dessa forma, estesprotocolos nao precisam preservar o formato n copias de um mesmoestado ρ. Dois casos particulares sao importantes: quando queremosdistribuir o emaranhamento entre mais partıculas do que tınhamosoriginalmente, e quando queremos concentrar este emaranhamentoem um numero menor de partıculas. Veremos que estes sao os ca-

2E comum que estas discussoes assintoticas sejam feitas em termos de qubits.Vamos aderir a este habito. Ha algumas sutilezas na passagem a dimensoesarbitrarias, mas os princıpios continuam os mesmos.

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sos que dao origem aos dois quantificadores de emaranhamento quequeremos discutir.

Custo do Emaranhamento

No primeiro caso, comecamos com n pares de Bell3 e encontramos umprotocolo LOCC capaz de criar m copias do estado ρ que estamosinteressados, i.e.: ρ⊗m. Usando entao um princıpio de aditividadedo emaranhamento (E (ρ⊗m) = mE (ρ)) e o emaranhamento de cadapar de Bell como unidade de emaranhamento (normalmente chamadoum ebit , ou seja, um bit de emaranhamento), concluımos que

Ec (ρ) ≤ n

m.

A desigualdade e devida ao fato de que pode haver outro protocolo“mais economico”, e portanto o custo do emaranhamento de ρ podeser menor. Assim entendido, o Custo do Emaranhamento e o quan-tificador definido por [42, 44]

Ec (ρ) = inf|Ψ−〉〈Ψ−|⊗nLOCC7−→ ρ⊗m

lim infn→∞

n

m,

onde o ınfimo e utilizado em busca do protocolo mais economico(mesmo que ele nao exista, ou seja, que o ınfimo nao seja um mınimo)e o lim inf e tomado para indicar o regime assintotico.

Emaranhamento Destilavel

A contrapartida ao Custo do Emaranhamento e o EmaranhamentoDestilavel . Ao inves de estarmos preocupados em produzir ρ quere-mos agora responder a pergunta complementar: o que ρ nos permitefazer? Por exemplo, quantos qubits podem ser teleportados usandoρ? Para isso, buscamos um protocolo LOCC capaz de transformar mcopias de ρ em n′ pares de Bell, ja que sabemos que um par de Belle suficiente (enquanto recurso quantico) para teleportar um qubit.

3Alem de quantos outros qubits inicialmente fatorados quisermos. So estamospreocupados com o custo do emaranhamento; pares fatorados sao considerados“gratuitos”.

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Novamente, a existencia de um tal protocolo mostra que

Ed (ρ) ≥ n′

m,

enquanto a definicao do Emaranhamento Destilavel passa pelo limiteassintotico e pela busca pelo melhor protocolo de destilacao:

Ed (ρ) = supρ⊗mLOCC7−→ |Ψ−〉〈Ψ−|⊗n′

lim supm→∞

n′

m,

com as mesmas justificativas que o Custo do Emaranhamento.Protocolos LOCC nao sao necessariamente reversıveis, ja que eles

podem envolver medicoes e operacoes posteriores condicionadas aosresultados de medicoes. Mas, claramente, dois protocolos podem sercompostos, realizando um apos o outro, e o resultado e um novoprotocolo LOCC4. Como estes protocolos nao podem gerar emara-nhamento (exceto por pos-selecao), segue de

|Ψ−〉 〈Ψ−|⊗n custo7−→ ρ⊗mdest7−→ |Ψ−〉 〈Ψ−|⊗n

que n ≥ n′ e, consequentemente, Ec (ρ) ≥ Ed (ρ). Se os protocolosfossem todos reversıveis, terıamos a igualdade entre estes quantifi-cadores, e isso esta ligado ao problema 20 da lista ja citada. Voltare-mos a este problema mais adiante.

Para dois qubits (assim como para estados puros em dimensoesquaisquer), vale a igualdade Ec (ρ) = Ed (ρ), um resultado normal-mente referido como todo emaranhamento entre dois qubits e des-tilavel . Apos varias tentativas de mostrar a generalidade deste re-sultado, a nocao de bound entanglement5 foi descoberta [45]. Haum bom argumento intuitivo para a existencia de emaranhamentopreso, baseado na conjectura que o Emaranhamento de Formacaoe o Custo do Emaranhamento sao identicos, embora definidos demaneiras muito diferentes: se conhecemos uma decomposicao otima

4Isso mostra que protocolos LOCC formam um semi-grupo, uma estruturaalgebrica muito comum no estudo de fenomenos irreversıveis.

5Ainda nao ha uma clara traducao para bound entanglement em portugues.Emaranhamento preso e uma tentativa, emaranhamento limitado (enquanto re-curso) outra. O significado, porem, deve ser claro: emaranhamento nao-destilavel.

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ρ =∑

pi |ψi〉 〈ψi|, temos (exercıcio 95) um protocolo para criar ρusando Ec unidades de emaranhamento e um gerador de numerosaleatorios capaz de gerar a distribuicao pi. Ao “mistura-los”, descar-tamos esta ultima informacao relativa aos sorteios. Ao destilar oemaranhamento, a informacao correspondente a esta mistura podeestar relacionada a existencia de emaranhamento preso.

Exercıcio 95. * Considere o sistema de dois qubits em um estadopuro |ψ〉. Obtenha uma protocolo de LOCC capaz de, assintotica-mente, obter nE (|ψ〉) pares de Bell a partir de |ψ〉⊗n.

5.2.4 Entropia Relativa de Emaranhamento

Definido um sistema quantico bipartite, seja S o conjunto dos estadosseparaveis deste sistema. Para um estado ρ, define-se a EntropiaRelativa de Emaranhamento de ρ como [46]

Er (ρ) = infσ∈S

S (ρ ‖ σ) .

Como ja discutimos que, em um certo sentido informacional, S (ρ ‖ σ)pode ser visto como uma distancia entre os estados, Er foi criada coma inspiracao de medir a distancia entre ρ e o conjunto dos estadosseparaveis.

Entre os grandes meritos da Entropia Relativa de Emaranhamentoesta a sua natural generalizacao para qualquer tipo de emaranhamen-to em sistemas multipartites.

E entre os desafios, obter uma formula fechada, pelo menos parao caso de dois qubits (problema 8 [39]).

5.2.5 Negatividade

Ja apresentamos o criterio de Peres-Horodecki, na sec. 2.3, segundoo qual, se a transposta parcial de um operador densidade bipartitepossui algum autovalor negativo, entao este operador representa umestado emaranhado. Para passar de um criterio capaz apenas de de-tectar emaranhamento para um quantificador , foi proposta a Nega-tividade de um estado [47], que, a menos de escolhas de normalizacao,corresponde a soma dos valores absolutos dos autovalores negativosda transposta parcial de um estado.

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A Negatividade tem varias boas propriedades. A melhor delas eser relativamente facil de calcular. Por outro lado, seu maior limitantee o fato de existirem estados emaranhados com transposta parcialpositiva, normalmente referidos como estados PPT-emaranhados, ouainda, estados com emaranhamento PPT6. De fato, estados PPT-emaranhados possuem emaranhamento preso [45]. Por outro lado, arecıproca desta afirmacao e mais um problema aberto (problema 2[39]).

Em uma direcao complementar, os estados com transposta par-cial positiva (separaveis ou emaranhados) formam um conjunto taoimportante e interessante que ha estudos sobre as propriedades dasoperacoes que preservam tal conjunto (chamadas operacoes PPT ).Dessa forma, alem de estudar protocolos LOCC, ha tambem estudode protocolos que envolvam operacoes PPT. Em particular, o proble-ma 20 da referida lista trata da existencia de uma classe de trans-formacoes reversıveis, capazes de descrever emaranhamento. Comrespeito a tais transformacoes, uma vasta classe de quantificadoresde emaranhamento coincidiria, como consequencia da coincidenciado Emaranhamento Destilavel (com respeito a estas operacoes), como Custo do Emaranhamento (idem).

5.2.6 Outros quantificadores

A lista de quantificadores existentes e muito maior do que os queforam aqui apresentados. Vamos parar por aqui, fieis ao espırito e aspossibilidades do texto. Apenas como forma de registro, poderıamoscitar ainda a Robustez , a Robustez Randomica, a Robustez Genera-lizada, ou ainda o quantificador relacionado a Melhor AproximacaoSeparavel . Todos esses sao casos particulares de uma excelente ideia:o Emaranhamento Testemunhado, que transforma as testemunhas deemaranhamento em ferramentas para a sua quantificacao [48].

5.3 Geometria dos Estados Quanticos

Este e um topico que mereceria ate mais que um capıtulo. De fato,um excelente livro foi recentemente lancado para trata-lo [17]. No-

6Da sigla, em ingles, Positive Partial Transpose.

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vamente, no espırito deste capıtulo, so poderemos passar rapida-mente por pequena parte dele. Entre as questoes centrais esta en-tender como sao os subconjuntos de estados emaranhados e nao-emaranhados.

Para estados puros, ja abordamos o assunto com razoavel atencaono cap. 1. Emaranhamento e regra, e os estados fatoraveis formamsubvariedades proprias, com codimensao que cresce com a dimensaodas partes envolvidas.

Ja para estados mistos, a definicao 12 determina o conjunto S dosestados separaveis como um subconjunto convexo e fechado do con-junto D, de todos os operadores densidade para um sistema bipartitefixo (exercıcio 52).

Exercıcio 96. Em R3 e com a nocao euclidiana de volume, de exem-

plos de conjuntos convexos e limitados, D, com subconjuntos convexosproprios, S, tais que:

1. S tenha volume positivo;

2. S tenha volume zero.

O conjunto dos estados separaveis tem volume positivo [49]. De-vemos notar a beleza desta situacao:

Exercıcio 97. * Todo estado separavel pode ser escrito como com-binacao convexa de estados puros fatoraveis.

Portanto, os estados puros geram uma subvariedade de dimensaobem pequena, mas cujo fecho convexo possui volume. Geometrica-mente, esse e, ao mesmo tempo, um resultado generico, mas con-trastante com a intuicao que usualmente considera exemplos super-simplificados: se tomarmos uma curva fechada γ : [a, b] → R

n, gene-ricamente o traco7 de γ nao estara contido em nenhum subespacoproprio de R

n, e isso e suficiente para que seu fecho convexo tenhavolume. Mas nossa intuicao adora pensar em curvas planas, e con-siderar a cubica reversa8 como um exemplo muito especial.

7O traco de uma curva e o seu conjunto imagem.8A cubica reversa pode ser parametrizada por γ (t) =

`

t, t2, t3´

e costuma sero primeiro exemplo de curva nao-plana em R3. Ela e, de fato, uma curva muitoespecial, mas nao (apenas) por nao ser plana.

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Outro problema interessante e entender as fronteiras destes con-juntos:

Exercıcio 98. * Primeiramente para dois qubits, e depois para sis-temas bipartites gerais:

1. Como sao os operadores densidade que estao na fronteira doconjunto D?

2. E na fronteira do conjunto S?

3. E na interseccao ∂D ∩ ∂S?

A fronteira de S e uma subvariedade diferenciavel por pedacos.Isso tem consequencias em diversos quantificadores de emaranhamen-to. Por analogia com a termodinamica e com a mecanica estatıstica,podemos separar o conjunto D como uma especie de diagrama defases, com a passagem de uma fase a outra sendo caracterizada porsingularidades no quantificador, quando calculado ao longo de cur-vas suaves [50]. Recentemente, um experimento foi construıdo paraverificar estas singularidades em um exemplo simples (dois qubits)[51].

Entre os bons exemplos de curvas no conjunto D encontram-se aspossıveis evolucoes temporais de um sistema (ver 1.5.4). Um resul-tado que teve razoavel destaque na imprensa nacional [52] foi o exper-imento realizado na UFRJ para verificar a chamada “morte subita doemaranhamento” [53]. Um tipo bastante comum de evolucao tem-poral faz com que certos elementos da matriz do operador densi-dade decaiam exponencialmente. Naturalmente, tal decaimento so secompleta assintoticamente no tempo. Porem, este mesmo operadorpode perder todo seu conteudo de emaranhamento em tempo finito.Uma interpretacao geometrica para este resultado foi apresentada naref. [54].

5.4 O Teorema da Nao-Clonagem

Eis um bom exemplo de exercıcio simples com interpretacao inte-ressante. Reconhecer isto, no tempo certo, vale uma publicacao naNature [55].

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Exercıcio 99. Mostre que nao existe operacao unitaria capaz de im-plementar uma “maquina copiadora” quantica. Ou seja, para umsistema com espaco de estados E⊗2, um operador que para |ϕ〉 ∈ Earbitrario e |0〉 ∈ E fixo faca |ϕ〉 ⊗ |0〉 7→ |ϕ〉 ⊗ |ϕ〉 nao pode serunitario.

As consequencias deste resultado sao imensas. Ele serve de ins-piracao para a teleportacao, por exemplo. Alem disso, ao proibircopias, torna as principais estrategias classicas de correcao de errosinviaveis. Novamente, um problema se mostra uma grande oportu-nidade, e com isso nasceu a subarea de correcao de erros quanticos.

Do ponto de vista fundamental, e este teorema que mantem aber-tas questoes interpretativas sobre o que a mecanica quantica pode ounao dizer sobre sistemas unicos (lembre que um estado descreve essen-cialmente uma preparacao, e que as previsoes sao probabilısticas, sopodendo ser verificadas apos um grande numero de repeticoes).

Do ponto de vista pratico, e ele que permite a distribuicao dechaves quanticas e mesmo uma curiosa proposta de se usar “dinheiroquantico,” a prova de falsificacoes.

5.5 Outros modelos de computacao

quantica

No cap. 3 apresentamos o modelo de computacao quantica via cir-cuitos. Ha varias vantagens em dispor de mais modelos. Por umlado, se eles nao forem equivalentes, estudar suas diferencas e umprojeto natural. Por exemplo, diferentes modelos podem levar a dife-rentes classes de complexidade, uma questao relacionada ao problemaP = NP . Por outro, se forem todos equivalentes, cada modelo per-mite pensar a computacao de uma maneira diferente, o que podeajudar na busca por novos algoritmos, de uma linguagem de pro-gramacao, ou ainda na realizacao experimental dos computadoresquanticos.

Historicamente, o primeiro modelo foi a Maquina de Turing quan-tica, que generaliza a Maquina de Turing usual. Depois, o modelopor circuitos tornou-se o “modelo padrao.” Vamos aqui apresentaralguns outros modelos, apresentando suas inspiracoes e um pouco

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de suas peculiaridades. Nesta seccao, a ultima do livro, perdemosum pouco o pudor com relacao a pre-requisitos, assumindo algunsconhecimentos matematicos mais profundos, em benefıcio do leitor.

5.5.1 Computacao quantica irreversıvel

Conforme apresentamos aqui, o unico processo irreversıvel em meca-nica quantica sao as medicoes9. Por este motivo, o modelo de com-putacao quantica irreversıvel e tambem chamado computacao quan-tica baseada em medicoes.

Em linhas bem gerais, podemos descrever tais computacoes comouma sequencia onde primeiro se prepara um estado emaranhado, paradepois fazer medicoes envolvendo um ou dois qubits cada, readap-tando o estado com operacoes locais dependentes dos resultados dasmedicoes10.

Um primeiro modelo de computacao quantica baseada em medi-coes e fundamentado no conceito de teleportacao, nao apenas de esta-dos, mas de operacoes. O primeiro passo e reconhecer na teleportacaousual esta estrutura emaranhar - medir - operar localmente de acordocom o resultado da medicao realizada (o exercıcio 61 pode ajudar).Em seguida, devemos notar que se, ao inves de medir com respeito abase de Bell B, medıssemos com respeito a base U † ⊗ 1 B, ao invesde receber |ϕ〉, Bernardo receberia U |ϕ〉. Assim, o conceito de tele-portacao pode ser adaptado, de modo que, entrando com |ϕ〉, tele-portarıamos U |ϕ〉, para qualquer transformacao unitaria escolhidaU .

O passo seguinte e generalizar para a teleportacao de mais deum qubit. Desta forma, portas de dois qubits tambem podem serimplementadas atraves de medicoes com respeito a bases adequadas.Mais detalhes podem ser obtidos na ref. [56].

Um outro modelo, com algumas semelhancas e algumas diferencasem relacao ao de teleportacao, e chamado computacao quantica basea-

9Nao por acaso, os processos pelos quais extraımos informacao do sistema. Porsinal, outro tipo de irreversibilidade, relacionada a dinamica dissipativa, e muitasvezes interpretado como uma evolucao temporal sujeita a “medicoes” realizadaspelo ambiente.

10Esta readaptacao condicionada aos resulados de medicoes e, por vezes,tratada como uma computacao adaptativa.

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da em estados de grafos. O primeiro passo e criar um chamado estadode grafo, para depois fazer apenas operacoes unitarias e medicoes deum qubit, novamente definindo as medicoes a serem feitas de acordocom os resultados das medicoes anteriores.

A regra para definir um estado de grafo e simples, mas depende deantes definirmos um grafo. Este e dado por um conjunto de vertices,V , e de elos, E. Cada elo e definido por um par de vertices. Uma re-presentacao pictorica e dada por um ponto para cada vertice, com elosrepresentando ligacoes entre os vertices correspondentes. Um grafoe dito conexo quando quaisquer dois vertices podem ser unidos porum caminho de elos. Dado um grafo G, o estado de grafo correspon-dende a este e obtido considerando-se um qubit para cada vertice,no estado |+〉, e para cada elo aplica-se uma porta cZ aos qubitscorrespondentes11.

Exercıcio 100. 1. Mostre que a porta cZ e simetrica com relacaoaos qubits envolvidos.

2. Mostre que a definicao de estado de grafo nao depende da ordemem que se aplicam as portas cZ.

3. Quais sao os estados de grafo para dois qubits?

4. E para tres qubits, quais sao os estados de grafo correspondentesa grafos conexos?

A computacao consiste entao em criar um estado de grafo (umexcelente exemplo de emaranhamento em muitas partes) e depois rea-lizar operacoes em cada qubit individualmente. Para mais detalhes,recomendamos a ref. [57].

5.5.2 Computacao quantica adiabatica

Outra ideia, bastante diferente, e baseada no chamado teorema adia-batico. Nele, considera-se um sistema cujo hamiltoniano dependa deparametros. Ao se percorrer uma curva neste espaco de parametros,γ (τ), se o hamiltoniano for nao-degenerado para todo valor de τ ,

11Um caso particular importante sao os chamados estados de aglomerados(cluster states), quando o grafo correspondente e um subgrafo do reticulado d-dimensional Zd.

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havera funcoes λi (τ) correspondendo ao i-esimo autovalor de cadahamiltoniano. Diferencas de energias correspondem a frequencias emmecanica quantica (com a constante de Planck fazendo a conversaodimensional): E = hν. Se a variacao dos autovalores do hamiltonianoem escalas de tempo correspondentes a ν−1 forem pequenas, comgrande probabilidade, a evolucao temporal de um autovetor |λi (0)〉sera (a menos de fases) |λi (τ)〉.

A ideia e usar um tal caminho em espaco de parametros paraimplementar algoritmos quanticos, onde um hamiltoniano inicial, defacil preparacao, seria levado a outro, cujo estado fundamental (aque-le de mais baixa energia) traria a codificacao da resposta a um proble-ma computacional [58]. Algumas exigencias sao naturais. Primeiro,a traducao de “facil preparacao”: o estado fundamental do hamil-toniano inicial deve ser fatoravel. Depois, uma condicao para todosos hamiltonianos do caminho: eles devem ser “locais,” em um sen-tido bastante particular: deve haver um limite pequeno, k, para onumero que qubits diretamente interagentes. Tal exigencia faz sen-tido do ponto de vista pratico (interacoes diretas de muitos corposnao sao nem comuns, nem facilmente controlaveis), e do pondo devista teorico (se nao impusermos restricoes, o problema se trivializa).Idealmente, deverıamos ter k = 2, pois interacoes binarias sao as maisfacilmente encontradas.

Na ref. [59] encontra-se a demonstracao que este modelo e polino-mialmente equivalente ao modelo padrao, via circuitos. Isso significaque qualquer computacao realizada em um modelo pode ser simuladano outro, com o numero de passos tendo um acrescimo, no maximo,polinomial.

5.5.3 Computacao quantica como geometria

Uma outra maneira completamente diferente de interpretar com-putacao quantica e apresentada na ref. [60]. Inspirado no modelo decircuito, uma computacao12 com n qubits e vista como uma portalogica unitaria, U , no grupo de Lie SU (2n). A ideia e impor aeste grupo uma geometria que traduza a complexidade de realizaruma computacao como distancia geodesica entre 1 e U . A metrica e

12Ou, pelo menos, a parte que antecede a medicao.

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construıda a partir da ideia que interacoes entre mais de dois qubitssao “mais caras” que as de dois qubits. Assim, para cada pontode SU (2n), define-se a estrutura de produto tensorial induzida noespaco tangente aquele ponto, e um produto escalar que respeita estaestrutura, que considera “maiores” todos os vetores que envolvammais que dois fatores diferentes de 1.

Tentando esclarecer as afirmacoes anteriores, a algebra de Liesu (N), que corresponde ao espaco tangente a SU (N) em 1, e for-mada por operadores anti-auto-adjuntos (i.e.: A† = −A). A mul-tiplicacao por i faz a correspondencia destes com operadores auto-adjuntos. Estes formam um espaco vetorial real, para o qual temosa base de Pauli (se N = 2n), {ΣI}, onde I = (i1, . . . , in) e um multi-ındice, com cada ij = 0, 1, 2, 3, e ΣI = σi1 ⊗ . . . ⊗ σin . Note quese I = 0, ΣI e descartado, pois detU = 1 implica que os elementosda algebra de Lie possuem traco nulo13. O que o produto escalarfaz e declarar esta base ortogonal, com os vetores ΣI onde apenasum ou dois dos valores ij sao nao-nulos unitarios, enquanto os de-mais possuem norma constante p. Em geral, considera-se p À 1,sendo considerado uma punicao por utilizar (localmente, no sentidogeometrico) portas logicas muito nao locais (no sentido de informacaoquantica). Este produto escalar na algebra de Lie e transportado paratoda a variedade impondo invariancia a direita pela acao de SU (N)por multiplicacao14.

Com estas ideias, os autores conseguem aproximar qualquer ope-racao unitaria U ∈ SU (2n) por um circuito de portas de um edois qubits, cuja quantidade de portas depende polinomialmente dadistancia entre 1 e U . A aproximacao e feita com erro pre-determi-nado e arbitrario. Curiosamente, o problema de obter a geodesicaminimal entre 1 e U esta relacionado ao problema de encontrar omenor vetor em uma rede, um problema para o qual nao se conhecesolucao eficiente sequer usando computacao quantica, e que, por issomesmo, vem sendo proposto como uma alternativa para a criptografiade chave publica.

13Dito de outra forma, exp (iθΣ0) = eiθ1, que nao e uma curva em SU (N).

14Se o leitor achou que a invariancia a direita e bem justificada geometrica-mente, mas nao do ponto de vista da informacao quantica, estamos de acordo.

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5.5.4 Computacao quantica topologica

Uma imensa convergencia de teorias aparentemente distintas aparecena chamada computacao quantica topologica. Naturalmente, naopoderemos tocar senao na ponta deste iceberg. Para uma densa in-troducao, recomendamos [61], para algo mais suave, [5, cap. 9].

A chamada teoria topologica de campos quanticos15 abriu espacono seculo XX para varias contribuicoes da fısica a matematica [62].Entre outras coisas, motivou a possibilidade de se calcular invariantestopologicos de nos em variedades tridimensionais, como o polinomiode Jones16, de maneira algorıtmica. Curiosamente, estes algoritmosnao sao eficientes, e, aqui, um novo modelo de computacao realmentese mostrou efetivo: um novo algoritmo quantico foi criado, para ocalculo de invariantes topologicos.

Um importante passo, dado por M. Freedman17, A. Kitaev e Z.Wang, foi mostrar que teorias topologicas de campos quanticos pode-riam ser simuladas em um computador quantico. O mesmo Kitaev jahavia proposto o uso de anyons como um sistema para computacaoquantica tolerante a erros [64]. A principal razao e uma estabili-dade topologica: em lugar de codificar a informacao em qubits “lo-cais”, este espaco de codificacao seria global, com uma certa rigideztopologica.

Anyons sao consideradas partıculas de estatıstica exotica, no con-texto de partıculas indistinguıveis em mecanica quantica. Seu “e-xotismo” esta diretamente relacionado a vivermos em um ambientetridimensional, e o grupo SO (3) ser topologicamente muito diferentede SO (2), por exemplo. A diferenca essencial esta na estrutura dogrupo fundamental , que em um caso e finito (Z2) e no outro nao (Z).Tais partıculas com estatıstica exotica ja encontravam aplicacao naexplicacao de alguns fenomenos efetivamente bidimensionais. Agorapassam a ser desejaveis, dado a possibilidade de utilizacao na cons-trucao de computadores quanticos!

Nesta rapida contextualizacao ja passamos pela ideia essencial domodelo: ao inves de usar qubits locais, que para proteger a informacao

15Seu nome de maior destaque e E. Witten, Medalha Fields em 1990.16V. Jones tambem recebeu a Medalha Fields em 1990.17Medalha Fields em 1994, por provar a Conjectura de Poincare em dimensao

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quantica de erros costumam ser combinados em qubits logicos maisrobustos, a computacao quantica topologica busca usar a topologiade sistemas fısicos (mesmo que apenas dentro de um limite energeticode validade) como inspiracao para a robustez da informacao.

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