Informação e desenvolvimento: conhecimento, inovação e ...

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Brasília, outubro de 2007

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  • Braslia, outubro de 2007

  • Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia (IBICT)

    DiretorEmir Jos Suaiden

    Coordenao de Ensino e Pesquisa, Cincia e Tecnologia da InformaoClia Ribeiro Zaher

    Coordenao EditorialRegina Coeli S. Fernandes

    IBICT Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)Laboratrio Interdisciplinar sobre Informao e Conhecimento (Liinc)

    Representao da UNESCO no Brasil

    Representante Vincent Defourny

    Coordenao do Centro de Comunicao e PublicaesClio da Cunha

    Oficial de Projetos para a rea de Cincias NaturaisAry Mergulho

    Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos nestelivro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente asda UNESCO e IBICT, nem comprometem as instituies. Nenhuma parte destelivro pode ser reproduzida, seja quais forem os meios empregados, a no ser conformea permisso escrita dos autores e das editoras, conforme a Lei n. 9610, de 19 defevereiro de 1998.

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  • edies UNESCO/IBICT

    2007. Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia (IBICT) e Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (UNESCO).

    Reviso: Francisco de Paula e Oliveira Filho e Margaret de Palermo SilvaReviso Tcnica: Jeanne SawayaCapa e Projeto Grfico: Edson FogaaEditorao Eletrnica: Paulo Selveira

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    Informao e desenvolvimento : conhecimento, inovao e apropriao social / Maria Lucia Maciel, Sarita Albagli (Org.). - Braslia : IBICT, UNESCO,

    2007.388 p.; 23 cm.

    ISBN 978-85-7013-064-8

    1. Informao. 2. Inovao. 3. Apropriao social. 4. Inovao. 5.Desenvolvimento social. I. Ttulo. II. Maciel, Maria Lcia. III. Albagli, Sarita. IV.IBICT. V. UNESCO.

    CDU 025.5:316.3

    Representao no Brasil

    SAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6,Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar70070-914 Braslia/DF BrasilTel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) [email protected]

    Instituto Brasileiro de Informao emCincia e Tecnologia IBICTSAS Quadra 05 Lote 06 Bloco H 5 andarCep: 70070-912 Braslia DFTel: (55 61) 3217-6360 / 6350Fax: (+55) (xxx) (61) 3217-6490Site: www.ibict.br

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    mailto:[email protected]://www.unesco.org.brhttp://www.ibict.br

  • SUMRIO

    Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .07

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .09

    Prefcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

    Abstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13

    Captulo 1: Informao, conhecimento e desenvolvimento . . . . . . . . . .15Sarita Albagli e Maria Lucia Maciel

    PARTE I. APROPRIAO SOCIAL DAS TECNOLOGIASDA INFORMAO E COMUNICAO E OSDESAFIOS AO DESENVOLVIMENTO

    Captulo 2: A construo do objeto de estudo digitalizado . . . . . . . . . .35Saskia Sassen

    Captulo 3: Conhecer para participar da sociedade do conhecimento . . . .55Luis Alberto Quevedo

    Captulo 4: A apropriao das tecnologias da informaoe comunicao: mitos e realidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71Rosala Winocur

    Captulo 5: Transformaes nas culturas e polticas institucionais:as universidades na sociedade da informao edo conhecimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89Susana Finquelievich

    Captulo 6: O potencial das microempresas de telecomunicaes:experincias na Amrica Latina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .121Hernan Galperin e Franois Bar

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  • PARTE II. INFORMAO, CONHECIMENTO E INOVAO

    Captulo 7: Cincia da informao, economia e tecnologias deinformao e comunicao: a informao nos entremeios . . . .149Maria Nlida Gonzlez de Gmez

    Captulo 8: Invisibilidade, injustia cognitiva e outros desafios compreenso da economia do conhecimento . . . . . . . . .185Helena M. M. Lastres

    Captulo 9: A apropriao do conhecimento e o desenvolvimentode vantagens competitivas dinmicas:dilema nos pases subdesenvolvidos . . . . . . . . . . . . . . . . .213Gabriel Yoguel, Anala Erbes, Vernica Robert e Jos Borello

    Captulo 10: Inovao localizada e eficincia coletiva:do territrio como suporte ao territrio como recursopara o desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .247Ricardo Mndez

    Captulo 11: C&T na semiperiferia e inovao social: desigualdades,excelncia e competitividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .271Mara Baumgarten

    Captulo 12: A concentrao da produo do conhecimentono mundo contemporneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .297Fernando Antnio Ferreira de Barros

    PARTE III. TRABALHO E CAPITAL NA ERA DA INFORMAO

    Captulo 13: Economia do conhecimento, lgica rentista ea superao do capitalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .317Csar Ricardo Siqueira Bolao

    Captulo 14: Capital intangvel, trabalho e direitos de propriedade intelectual: elementos de anlise . . . . . . . . . . . . . . . . . . .329Alain Herscovici

    Captulo 15: Crnicas de autmato: o infotaylorismo comocontratempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .355Ruy Braga

    Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .385

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    AGRADECIMENTOS

    Nossos agradecimentos ao Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientfico e Tecnolgico (CNPq), Financiadora de Estudos e Projetos(Finep), Fundao Carlos Chagas de Amparo Pesquisa no Rio de Janeiro(Faperj), ao Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia(IBICT), ao Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas (CBPF) e UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ), que forneceram os meios financeirose materiais que permitiram a realizao do seminrio internacional Desen-volvimento em questo: que sociedade da informao e do conhecimento?,do qual resultou a maior parte dos textos publicados neste livro.

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  • O desafio do desenvolvimento reside hoje, em grande medida, no acessoa conhecimento e informao. E, mais ainda, na capacidade de aprender e deinovar, fazendo da informao e da competncia informacional, que lhe intrnseca vetor indispensvel circulao do conhecimento e sua apropriaosocial. A esto tambm os elementos-chave dos fundamentos educacionais eculturais das sociedades contemporneas.

    No por acaso este tem sido um dos enfoques privilegiados de atuao daUNESCO: monitorar a Sociedade da Informao na direo da Sociedadedo Conhecimento.

    Significa dizer que as novas mediaes e aparatos tecnolgicos que hojepermitem o fluxo de informaes em grandes volumes, velocidade e alcanceespacial so cruciais, porm respondem a apenas parte desse desafio. Implicatambm compreender que o papel da inovao vai alm de promover o dinamismoeconmico, com a introduo de novos produtos e processos, devendo con-tribuir ainda para a melhoria do bem-estar, a elevao da qualidade de vida eo fortalecimento da cidadania, a partir do desenvolvimento de novas prticassociais, novos formatos organizacionais e novas maneiras de pensar e agir.

    Este livro debrua-se sobre essa questo, da perspectiva dos pases emdesenvolvimento, em especial da Amrica Latina e do Brasil. fruto dacolaborao de pesquisadores de realidades nacionais diversas, reconhecidospor sua contribuio ao tema em seus diferentes campos do conhecimento,permitindo uma viso abrangente e interdisciplinar.

    Com esta publicao, a UNESCO e o IBICT do mais um passo em suafrutfera parceria, no campo editorial, somando esforos no sentido de pro-mover novas abordagens, disseminar o conhecimento e consolidar um campode reflexo que hoje estratgico para pensar e desenhar novos caminhospara o desenvolvimento.

    Vincent DefournyRepresentante da UNESCO no Brasil

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    APRESENTAO

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    Compreender o significado e o alcance da chamada sociedade ou erada informao e do conhecimento representa hoje um desafio pesquisaacadmica, sendo tambm objeto de interesse e ateno de formuladores depolticas pblicas, agentes privados e sociedade em geral. Modificam-setanto as prticas sociais, polticas e econmicas, quanto os modos de pensar,interagir, produzir e consumir, colocando em xeque aparatos institucionais eestruturas organizacionais anteriores.

    A velocidade e a profundidade das mudanas sinalizam a extenso doesforo necessrio ao desenvolvimento de um instrumental analtico adequadoao avano do conhecimento cientfico nesse campo, assim como a elaboraode estratgias econmicas e sociais orientadas para a insero positiva de indi-vduos, organizaes, regies e naes no atual cenrio.

    Este livro traz contribuies significativas para tal esforo. Rene abordagensde diferentes campos do conhecimento cincia da informao, sociologia,filosofia, geografia, economia, antropologia , apresentando e discutindo osresultados de pesquisas empricas e tericas desenvolvidas sobre esse tema,em diferentes partes do Brasil e do exterior, principalmente na Amrica Latina.Tm-se, na interdisciplinaridade, a chave cognitiva para propiciar uma visointegrada dos diferentes aspectos e dimenses que o tema envolve em todasua complexidade e, na perspectiva internacional, a possibilidade de umaviso comparada desse processo, ao mesmo tempo globalizado e situado emcontextos histrico-culturais especficos e territorializados.

    O fio condutor do amplo temrio tratado no livro o binmio informao-desenvolvimento, visto sob trs grandes ngulos ou conjuntos temticos quecorrespondem s trs partes em que se organizam seus 15 captulos.

    O captulo 1 apresenta uma viso de conjunto da obra, estabelecendo odilogo entre as diferentes contribuies.

    A primeira parte focaliza a questo da apropriao social das tecnologias dainformao e comunicao, recolocando as bases conceituais dessa discusso

    PREFCIO

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    e analisando seus desdobramentos em diferentes contextos sociais dafamlia, das comunidades locais, das microempresas, das universidades e dasestratgias nacionais.

    A segunda parte ressalta as mtuas relaes entre informao, conheci-mento e inovao, sob diferentes prismas: as questes epistemolgicas, osaspectos metodolgicos, a perspectiva econmica e da competitividade, adimenso territorial e as implicaes geopolticas, tendo como referncia ascondies para a apropriao social dos bens materiais e imateriais na era doconhecimento e suas relaes com as estratgias de desenvolvimento.

    A terceira parte, sob a tica da economia poltica da informao, analisaas caractersticas atuais e a nova dinmica do mundo do trabalho, particular-mente o trabalho intelectual e o trabalho informacional, bem como os novosmecanismos de apropriao de seus resultados pelo capital.

    Em vez de procurar retratar um posicionamento uniforme sobre essacomplexidade de aspectos, o livro apresenta um panorama de diversificadose, por vezes, conflitantes pontos de vista, oferecendo ao leitor vasto leque depercepes.

    Esta publicao resultado das discusses realizadas no primeiro grandeevento internacional promovido pelo Laboratrio Interdisciplinar sobreInformao e Conhecimento (Liinc), iniciativa em rede de formao interinsti-tucional coordenada pelo Instituto Brasileiro de Informao em Cincia eTecnologia (IBICT) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

    O IBICT amplia e consolida assim sua linha editorial, em parceria com aUNESCO, procurando difundir a reflexo crtica e a pesquisa qualificada,dentro de seu escopo de atuao. Pretende, desse modo, contribuir para alargara base de conhecimentos e fomentar o debate atualizado e informado, tantono ambiente acadmico, quanto no mbito de um pblico mais amplo ediverso, com o propsito de melhor compreender e, assim, atuar sobre osrumos da sociedade da informao e do conhecimento no Brasil.

    Emir Jos SuaidenDiretor do IBICT

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  • This book places itself in the debate on theoretical and practical challenges ofthe so-called Information or Knowledge Era, from an interdisciplinary and aninternational perspective. The aim is to understand how such contemporarytransformations are specified and unfolded in developing countries, particularlyin Latin America, arguing if and to what extent the notions of InformationSociety and Knowledge Society are valid in those countries, especially consideringthe conditions and the processes of circulation and social appropriation ofinformation and knowledge. The discussion here centers on 1) ICTs and the issuesthey pose to social and economic development; 2) the articulation of information,knowledge and innovation with its geopolitical implications; and 3) newconfigurations of the labour/capital relation within the political economy ofinformation and knowledge.

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    ABSTRACT

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  • INTRODUO

    Este livro prope-se a contribuir ao debate sobre os desafios tericos eprticos compreenso das transformaes na chamada era da informao edo conhecimento, contando com o aporte de pesquisadores de diferentes for-maes, do Brasil e do exterior1, dentro de uma perspectiva interdisciplinar.

    Entender como essas transformaes desdobram-se, alteram-se e especifi-cam-se em sociedades diversas, particularmente na Amrica Latina, requerexaminar a legitimidade e o alcance da noo de que vivemos em umasociedade da informao ou do conhecimento e refletir sobre estratgiasde desenvolvimento econmico e social nesse contexto.

    Esse debate ganha projeo a partir das transformaes na base tcnico-cientfica desde as ltimas dcadas do sculo XX, com o desenvolvimento deum conjunto de tecnologias genricas, particularmente as tecnologias dainformao e comunicao (TICs), viabilizando aplicaes e inovaes dediferentes tipos e em diversos campos e prticas da vida social. Da que, nasdcadas de 1980 e 1990, boa parte dos pases passou a adotar polticas eestratgias com o objetivo de estabelecer condies que permitissem melhorcapitalizar tais inovaes.

    O mote principal que motivou esta publicao debruar-se sobre asquestes Que desenvolvimento desejamos e pretendemos? e Quesociedade da informao e do conhecimento almejamos construir, ante tais

    1. INFORMAO, CONHECIMENTOE DESENVOLVIMENTOSarita AlbagliMaria Lucia Maciel

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    1. Os textos resultam, em sua maior parte, dos debates realizados no seminrio internacional Desenvolvimentoem questo: que sociedades da informao e do conhecimento?, promovido de 30 de agosto a 1 de setembrode 2006, no Rio de Janeiro, pelo Laboratrio Interdisciplinar sobre Informao e Conhecimento (Liinc)http://www.liinc.ufrj.br, coordenado em parceria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e oInstituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia (IBICT).

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    http://www.liinc.ufrj.br

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    objetivos? remete-nos a duas ordens de consideraes, que tm mtuasimplicaes e desdobramentos.

    Uma de carter exploratrio: de que se trata? preciso alargar e apro-fundar o arcabouo terico-conceitual que norteia esse debate e, especialmente,desenvolver um olhar prprio sobre tais processos, com base nas caractersticase perspectivas de cada contexto socioterritorial. Cabe reconhecer que, emboraessas noes envolvam uma diversidade de aspectos e de interpretaes arespeito de seu significado e alcance, elas so emblemticas de alguns traosfundamentais que caracterizam nosso tempo, evidenciando o papel estratgicoque informao e conhecimento desempenham no cenrio atual.

    Outra ordem de consideraes de carter poltico-estratgico: que caminhosdesejamos seguir? Trata-se de superar a perspectiva da inevitabilidade de umnico e determinado curso de ao. Impe-se que nos coloquemos a possibi-lidade, mesmo que dentro de alguns marcos, de diferentes alternativas futuras,particularmente considerando nossa posio de pases perifricos (ou semi-perifricos) no sistema de poder mundial. Isto requer a elaborao de polticasde desenvolvimento pautadas em interesses e objetivos especficos a nossospases, considerando as mltiplas variveis (geo) poltica, econmica, socio-cultural e ambiental.

    Interessa-nos no apenas a produo de informao e conhecimento, mastambm, sua circulao e apropriao. A difuso do uso e o amplo acesso sTICs so estratgicos, mas podem ser tambm instrumentos de dependncia(de tecnologias, equipamentos, contedos, estilos de vida e consumo) e dereproduo de desigualdades. Da que a participao (pro)ativa na sociedadeda informao requer mais do que simplesmente incluso digital. neces-srio criar condies de apropriao social tanto desse aparato tecnolgico o que implica capacidade de os diferentes grupos sociais fazerem uso dos novosmeios, contribuindo para a melhoria de suas condies de vida e de trabalho ,quanto da capacidade de apropriao da informao e do conhecimento hojeestratgicos do ponto de vista da capacidade de aprendizado, inovao edesenvolvimento. Isto requer o amplo acesso aos meios materiais, s oportu-nidades de educao, trabalho e renda, como tambm o direito cidadania, democracia poltica e diversidade cultural.

    Tendo como pano de fundo essa amplitude e complexidade de questes,o livro organiza-se em trs partes que tratam respectivamente dos seguintesgrandes blocos temticos:

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    (i) a apropriao social das tecnologias da informao e comunicao e osdesafios ao desenvolvimento, focando especialmente a perspectiva dos pasesda Amrica Latina;

    (ii) a articulao entre informao, conhecimento e inovao, incluindosuas implicaes geopolticas no cenrio contemporneo;

    (iii) novas configuraes na dualidade trabalho e capital no mbito daeconomia poltica da informao e do conhecimento.

    APROPRIAO SOCIAL DAS TICs

    A distino entre as noes de incluso digital e de apropriao social dasTICs fundamental quando se pensa na relao entre informao e desen-volvimento. Incluso remete idia de insero ou de participao em umdado padro preestabelecido. J apropriao investe-se de um carter de maiorproatividade, tanto no sentido de capacitao para o uso dessas tecnologias emfavor de objetivos e projetos prprios, contribuindo para a emancipao socialdaqueles segmentos e territrios marginalizados no cenrio hegemnico, quantono sentido de capacidade para o desenvolvimento desse aparato tecnolgico.

    Os captulos 2 e 3 deste livro, ainda que no abordem diretamente essaquesto, discutem sobre a necessidade de os parmetros para se desenvolvere adotar um arcabouo terico-metodolgico que permita analisar o progressotcnico como processo social.

    Como destaca Luis Alberto Quevedo (cap. 3), novas tecnologias transfor-mam a maneira de se fazerem coisas, mas no modificam as relaes de origemde uma sociedade planetariamente desigual e competitiva. So velhas questes,que fundaram a nossa modernidade, mas que agora, segundo o autor, prin-cipalmente a partir das novas tecnologias da informao e de novas prticas ehbitos culturais, modificaram-se, deslizaram para outros campos e nos obrigama repensar alguns conceitos. nesse sentido que Quevedo traa um panoramade conceitos e questes que so tanto fundacionais quanto atuais, com oobjetivo de estimular uma reflexo original sobre a contemporaneidade.Salienta ainda a necessidade de uma reflexo mais crtica e aprofundada dosindicadores que usualmente so utilizados com o objetivo de fornecer um pano-rama quantitativo das modificaes trazidas com o desenvolvimento das TICs.

    O autor chama a ateno para a importncia de se atentar para os diferentesmodos de apropriao dessas tecnologias, inclusive e particularmente diferenas

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    geracionais, bem como a maneira especfica de apropriao (quase sempremonopolista) pelo mercado. Conclui ressaltando a importncia de se desen-volverem polticas pblicas que considerem essas especifidades e se orientempara lidar com elas.

    Por sua vez, procurando contribuir na tarefa de avanarmos na formulaodas questes centrais e na construo de suas respostas sobre essas transfor-maes, Saskia Sassen (cap.2) recomenda que avancemos alm da noo deque entender essas tecnologias pode reduzir compreenso de seus impactos,para incorporar o estudo das relaes e domnios sociotcnicos em que elas seinserem e se desenvolvem.

    Nesse sentido, sugere a pertinncia da abordagem de formaes digitais,entendidas como uma imbricao entre o digital e o no-digital; como ummisto de propriedades endgenas tcnicas das estruturas digitalizadas, de umlado, e, de outro, da lgica social endogeneizada moldada a partir de condiessociais geralmente externas ou que transcendem a esfera tecnolgica.

    Sassen assinala a importncia de as cincias sociais debruarem-se sobre osusos dessas tecnologias (que mais do que o mero acesso), no tanto do pontode vista das competncias para faz-lo, mas das culturas de uso, como culturasmediadores que articulam o espao digital e usurios, inclusive usurios con-siderados tradicionais. A tem-se uma perspectiva interessante para a discussosobre a apropriao social das TICs.

    Os dois captulos seguintes trazem contribuies significativas para areflexo sobre como a modificao nos papis do Estado e da sociedade poderepercutir nas estratgias e polticas de apropriao social das TICs e deampliao do alcance social da sociedade da informao.

    Nos casos relatados por Hernan Glperin e Franois Bar (cap.6), temos aoportunidade de observar solues e iniciativas criativas, por parte da socie-dade civil, para o problema do acesso e da distribuio da informao. Aover a sociedade substituindo-se ao Estado para resolver problemas e satisfazerdemandas, facilitando at mesmo as condies para a implantao de umgoverno eletrnico, ficam no ar questes incontornveis: at onde vai a respon-sabilidade social do Estado? Qual o significado poltico, no longo prazo, dofato de associaes de cidados e/ou microempresas substiturem o Estado nodesempenho de funes sociais?

    Glperin e Bar verificam que os subsdios pblicos concedidos soperadoras tradicionais para cobrir a diferena entre as tarifas cobradas e seu

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    custeio no tm sido suficientes para sanar o dficit permanente de redes eservios de TICs que no esto chegando aos mais carentes, principalmente osque residem em reas rurais. A partir dessa constatao, eles analisam o possvelpapel de um grupo geralmente ignorado de atores: microempresas de teleco-municaes (microtelcos) operadoras de telecomunicaes de pequenoporte que renem empresariado local, modelos inovadores de negcios e tec-nologias de baixo custo, oferecendo servios de TICs em regies de poucointeresse para as operadoras tradicionais. Esses mecanismos locais de coopera-o funcionam apesar do poder pblico: eles concluem sugerindo formas desuperar os entraves reguladores de maneira que as microtelcos possam servirde meios para superar a persistente lacuna no que diz respeito ao acesso.

    Apontam-se mais uma vez os limites estreitos da ao do Estado, quandose observam polticas pblicas elaboradas sem conhecimento suficiente tantodos seus alvos quanto das alternativas tericas, estratgicas e prticas possveis.O estudo de Rosala Winocur (cap.4) sobre o caso mexicano vai nessa direoe mostra que h muitas semelhanas entre nossos pases, quando critica a nfaseirrefletida nas polticas pblicas de difuso e alfabetizao em tecnologias deinformao. De fato, sabemos que a propalada incluso digital pode ser umafalcia, quando serve principalmente s empresas do setor e propaganda po-ltica, mas no apropriao real pelas camadas mais carentes da populaodos processos sociais regidos pela informao e o conhecimento.

    nesse sentido que Winocur critica polticas e programas governamentais,que no costumam incluir a preocupao com a investigao sobre a experin-cia da apropriao prtica e simblica das novas tecnologias no cotidiano dediversas camadas socioculturais de nossas sociedades, nem se interessampor saber de que maneira essa experincia afeta as relaes no meio social,familiar, de trabalho e poltico. A pesquisa de carter socioantropolgico sobreas prticas e sobre o imaginrio acerca dessas tecnologias ocorre paralelamenteaos esforos para definir, dos pontos de vista terico, poltico e filosfico, asociedade da informao e do conhecimento, raramente se cruzando entre si.Diz a autora parecendo tambm descrever a situao de outros pases latino-americanos que

    [...]esto mais interessados, por um lado, em desenhar polticas pblicasde difuso e alfabetizao em tecnologias de informao e comunicao(TICs); e, por outro, em conjecturar sobre seu impacto social, poltico,cultural e econmico como estratgia para o desenvolvimento.

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    Uma anlise da complexidade dessas condies locais na Amrica Latinaprecisa, portanto, levar em conta as contradies de uma sociedade queencontra solues criativas para suas carncias, mas produz um Estado maisou menos inoperante. Vemos que, muito freqentemente, sinergias locaisdinamizam processos de desenvolvimento ou, pelo menos, resolvem problemasligados era da informao a partir de iniciativas coletivas e de aes quepartem de baixo para cima.

    Enquanto Glperin, Bar e Winocur tratam da apropriao social das TICsnas camadas mais carentes e menos informa(tiza)das das nossas sociedades,Susana Finquelievich (cap. 5) mostra que tambm necessrio considerarcomo os setores mais instrudos podero lidar com as transformaes pro-fundas na circulao da informao assim, ela examina o caso da adequaodas universidades argentinas aos novos tempos. Considerando que as uni-versidades tradicionais esto limitadas ao espao (quanto sua localizaogeogrfica e s condies edilcias) e ao tempo (faixa etria dos estudantespresenciais variando dos 18 aos 27 anos), a autora indica o desenvolvimentodas TICs como fator para que

    o prprio futuro das universidades dependa de sua capacidade para seadaptarem sociedade da informao e do conhecimento e para satisfazeras necessidades cada vez mais exigentes do universo profissional que, porsua vez, encontra-se geograficamente disperso e abarca diversas faixas etrias.

    Como aponta Finquelievich,

    as TIC so consideradas por muitos estabelecimentos de ensino superiorcomo imprescindveis para alcanar uma populao estudantil maisampla, dispersa e variada, ao mesmo tempo em que se reduzem os custoscom a infra-estrutura fsica.

    Mas preciso tambm lembrar que a incorporao de novas tecnologiasde informao no resolver os problemas das nossas universidades latino-americanas sem que haja uma reflexo mais aprofundada sobre suas falnciasatuais que no dizem respeito apenas ao pequeno pblico alcanado e reduo de gastos com infra-estrutura; as razes do mal-estar universitrioatual vo mais fundo. Este resulta das limitaes na transmisso, discusso ereflexo do contedo (s vezes at obsoleto), e no das tcnicas utilizadas paratransmiti-lo. O texto de Mara Baumgarten, discutido mais adiante, revelauma viso contrastante da produo do conhecimento nas universidades,mostrando que os problemas, de fato, so mais complexos e estruturais.

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    INFORMAO, CONHECIMENTO E INOVAO

    Outra questo relevante nesse debate a distino entre as noes desociedade da informao e sociedade do conhecimento, que, por sua vez,remete distino entre os conceitos de informao e de conhecimento,assim como as diferenas nas condies de acesso e uso desses bens intan-gveis, projetando a importncia da inovao. Avanar nessa questo, do pontode terico-conceitual, pode gerar contribuies significativas para o desenhodas estratgias de desenvolvimento. Mais uma vez, ressalta-se a importnciade se superar uma abordagem estritamente cognitivista, para se adotaruma perspectiva sociocognitiva, olhando os processos informacionais comoprocessos sociais.

    O fato de que hoje o fenmeno informacional perpassa e objeto deinteresse e anlise de diferentes campos do saber torna ainda mais funda-mental avanar em seus fundamentos epistemolgicos. Da o papel das teoriasda informao, o que o foco do trabalho de Maria Nlida Gonzlez deGmez (cap. 7). A autora parte da perspectiva e do objeto da cincia dainformao, para discutir as relaes da informao com o campo econmico a economia da informao , bem como o olhar da cincia econmicasobre o fenmeno informacional e sua apropriao pelas cincias sociais.Gonzlez de Gmez ressalta tambm a importncia da materialidadeou objetivao da informao, seja na forma de mercadoria, seja na figurade documento, como condio de sua imerso em aes, interaes erelaes sociais, ao mesmo tempo que assinala o papel dos mecanismos deinscrio de sentido, dos usos sociais e culturais da informao as prticas(ou pragmticas) informacionais que recriam e respondem a princpiosdiferenciais de constituio e mobilidade: expressivos, estticos, tradicionaise locais, sempre temporais.

    A autora sugere o uso da abordagem de regimes de informao, por consistir,de seu ponto de vista, em um instrumento analtico que permite tratar, demodo abrangente e dinmico: (i) elementos heterogneos (grupos, prticas,interesses, discursos, instrumentos, artefatos...); (ii) mltiplas dimenses(poltica, econmica, epistmica, cultural); diferentes configuraes (sistemas,redes, instituies, atores, aes, discursos e meios), remetendo mais propria-mente a um modo informacional. Ficam ento explcitas, mais uma vez, asinterfaces entre os fundamentos epistemolgicos, configuraes institucionaise ao poltica no campo da informao.

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    Partindo do ponto de vista da economia do conhecimento e da inovao,Helena Lastres (cap. 8) ressalta a ausncia e a importncia de desenvolverinstrumentos terico-conceituais que permitam melhor compreender as atuaismudanas: a caracterstica intangvel da informao e do conhecimento;o novo papel que desempenham na dinmica econmica e de inovao;as implicaes dessas mudanas, nem sempre claras ou visveis, nos planospoltico e institucional.

    Lastres diferencia claramente acesso informao, acesso tecnologia eacesso ao conhecimento, assinalando que, embora o acesso a tecnologias venhaocupando o centro das atenes visando superao da diviso digital, omais grave a diviso do aprendizado, o que requer desenvolver a capacidadede produzir e fazer uso das informaes e conhecimentos a economia doaprendizado. Outro aspecto assinalado pela autora que a crescente pro-teo e privatizao do conhecimento seja do conhecimento tcito, pormeio das redes e ambientes organizacionais, seja do conhecimento explcito,por meio de instrumentos legais de proteo da propriedade intelectual cadavez mais rigorosos dificulta o processo de gerao coletiva do conhecimento,algo essencial dinmica inovadora.

    Lastres parte ainda para a crtica do que, inspirada em Boaventura de SouzaSantos, qualifica de injustia cognitiva, pautada na hierarquia entre cinciamoderna e conhecimentos tradicionais e locais, entre mundo desenvolvido esubdesenvolvido e entre o centro e a periferia do sistema mundial..

    De uma perspectiva distinta, Gabriel Yoguel, Anala Erbes, Vernica Roberte Jos Borello (cap. 9) discutem a relao entre difuso e apropriao deconhecimento e suas conseqncias na obteno de quase-rendas e vanta-gens comparativas no atual cenrio tcnico-produtivo. Tal como Gonzlezde Gmez, os autores adotam o conceito de regime, por considerarem queeste d conta de uma viso sistmica que incorpora um conjunto de normase regras que permitem explicar e dar coerncia ao comportamento dos agentes,considerando, em sua abordagem, a inter-relao entre os regimes tecnolgico,de competio e de gesto do conhecimento.

    Os autores realizam uma reviso da literatura recente e representativa dodebate, no campo da economia, sobre a relao entre conhecimento e inovao.Em seguida, propem uma taxonomia de empresas, pautada na importnciado conhecimento, por um lado; e, por outro, na importncia da rede na orga-nizao da produo e na obteno de vantagens competitivas. Consideram

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    que, da perspectiva dos pases em desenvolvimento, a apropriabilidade umelemento fundamental e significa a possibilidade de obter vantagem dasjanelas de oportunidade, sendo que tal apropriabilidade depende do graude complexidade das capacidades cognitivas dos agentes. Alm disso, pre-conizam a adoo de polticas e estratgias que permitam o equilbrio entredifuso e apropriao de conhecimentos, bem como entre conhecimentoscomo bens pblicos e conhecimentos como bens clube (conhecimentos quecirculam somente no mbito de uma rede ou de uma comunidade epistmica).Concluem que os trs regimes considerados (tecnolgico, de competio e degesto do conhecimento), atuando em conjunto, determinam uma relaoinversa entre difuso de conhecimento e apropriao de quase-rendas. Estaposio distinta da desenvolvida por Lastres e por Herscovici (no cap. 14),que consideram que a proteo (e, logo, a no difuso) do conhecimento gera,para o conjunto do sistema de inovao, perda de dinamismo.

    Outra idia-fora nesse mesmo bloco temtico do livro a da importnciae atualidade da dimenso territorial da dinmica inovadora, contrapondo-seao ponto de vista de que as TICs representam o fim da geografia. A dimensoterritorial fundamental para entender a dinmica no-linear da relao infor-mao/conhecimento/inovao e da interao entre os atores protagonistasdesses processos. Essas interaes no dizem respeito apenas s redes, mastambm s interaes no territrio, na vida cotidiana, na realidade maisprxima, mais presente, no mundo da vida. O territrio espao privile-giado de interao, de aprendizagem social e de inovao. a partir dessasbases especficas de informao e conhecimento de cada territrio que as estra-tgias de ao e de desenvolvimento tm de ser pensadas e implementadas(ALBAGLI; MACIEL, 2004).

    Para Ricardo Mndez (cap. 10), o territrio constitui um processo empermanente construo; no pode ser visto como simples cenrio inerte,mas como acumulao histrica de recursos, atores e relaes sociais comcaractersticas diversas, que condicionam de forma positiva ou negativa osprocessos de inovao e desenvolvimento. Dessa tica, a mudana tcnico-econmica considerada como processo ao mesmo tempo social e local, apartir de sua territorialidade.

    O autor ressalta que o territrio no , entretanto, uma realidade homo-gnea, do mesmo modo que os resultados do processo inovador no se difun-dem homogeneamente, originando freqentemente territrios duais. Um

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    territrio verdadeiramente inovador, na opinio de Mendez, se, alm dainovao no mbito empresarial, estiverem presentes outros aspectos, comomelhoria da qualidade de vida, mobilizao social e governana eficaz. Daressaltar a importncia de polticas pblicas e de parcerias pblico-privadasque promovam a cooperao entre os atores da inovao.

    O tema das polticas tambm est presente em anlises sobre as dimensesnacional e internacional no campo da cincia e tecnologia (C&T), tanto emquestes relativas Amrica Latina e ao Brasil no mundo, quanto nas que sereferem a polticas (atuais e possveis futuras) nos nossos pases. H umarelao consensualmente inegvel entre (geo)poltica de cincia e tecnologiae as estratgias de desenvolvimento (MACIEL, 2003). Os autores que sevoltaram para essa temtica concentraram-se em polticas e estratgias dedesenvolvimento centradas em informao e conhecimento, reforando commaterial de pesquisa emprica os argumentos favorveis anlise em termosdo capitalismo contemporneo. Dados apresentados mostram que a distri-buio da produo de C&T no mundo tende a acompanhar a acumulao(e concentrao) de capital (F. Barros, cap.12) e respaldam a proposta deplanejamento estratgico e inovao social (M. Baumgarten, cap.11), espe-cialmente considerando o problema atual da comercializao do conhecimentoe do que alguns chamam de capitalismo acadmico.

    O tema das desigualdades internas no pas retomado por MaraBaumgarten, que mostra como polticas nacionais podem ser prejudiciais gerao e distribuio do conhecimento no plano intranacional. Asdesigualdades regionais e sociais vm se acentuando no Brasil em grande partecomo resultado de reestruturao seletiva da base de produo com polticasimplcitas e explcitas, apoiadas na idia da excelncia e visando competi-tividade para insero na economia mundial, particularmente a partir dosanos 1990. Argumenta-se que o discurso produtivista dos rgos estatais seinfiltra na prpria coletividade cientfica termo considerado mais apro-priado, pela autora, do que comunidade cientfica , que participa da formulao,definio dos rumos e gesto da cincia e tecnologia nacionais, mas no dasdecises sobre alocao de recursos, o que resulta em uma perspectiva endgenae baseada em disciplinas estanques. O encolhimento do Estado e a reduode recursos reforam a concentrao regional, assim como desigualdadesdentro das regies e das instituies. O sistema de avaliao por pares pro-tegeu a produo cientfica de influncias poltico-partidrias, mas ao mesmotempo reforou as disparidades j existentes.

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    O modelo implcito nas nossas polticas de C&T o da cadeia linear, rela-cionada ao atraso ou ao avano da sociedade. Baumgarten dispara perguntasprovocativas: as tecnologias so ou no so produzidas socialmente?Respondem s carncias das sociedades perifricas? H no Brasil mediaesque possibilitem a apropriao do conhecimento pelas empresas, por exemplo?Em que direo deveriam ir as polticas?

    Argumenta que necessrio relacionar as polticas com as necessidades,carncias, e com uma real incluso social que abrangeria as coletividadescientficas e outras redes diretamente implicadas que incorporam conheci-mentos e tcnicas. So, ainda, necessrios os contrabandos entre disciplinas,entre campos e entre as coletividades tendo como objetivo ltimo no acompetitividade no mercado internacional, mas sim a dignidade humana e asustentabilidade social e natural. Com isso, retoma-se o argumento funda-mental de Vilma Figueiredo (1989) sobre as escolhas entre emancipao edominao. O fator indispensvel de um novo modelo de poltica cientficae tecnolgica seria, ento, a relao entre produtores (universidades e centrosde pesquisa) e consumidores (coletividades sociais), incluindo-se a a difusoe a divulgao cientficas como instrumentos cruciais do desenvolvimento.Essas consideraes desembocam em opes e sugestes de polticas que seriammais adequadas s nossas especificidades histrico-culturais.

    A concentrao da produo e da circulao de conhecimento cientficoe tecnolgico a preocupao central de Fernando Barros. Ele ressalta, comoum fator que favorece sobremaneira o aumento da produo concentrada emplos mais dinmicos de desenvolvimento, a ausncia de polticas regionaisde cincia e tecnologia adequadas s diferentes realidades dos pases emdesenvolvimento. Os dados que apresenta evidenciam que essa concentraode investimentos em grandes regies est tambm manifesta na perspectivaintra-regional. No caso da Amrica do Norte, as participaes do Mxico edo Canad so diminutas, se comparadas com a dos Estados Unidos; essagrande diferena de investimentos est tambm presente no mbito da UnioEuropia; e o volume de recursos investidos tende, do mesmo modo, a apre-sentar concentrao em determinadas regies de cada pas.

    Em contrapartida, o autor indica que a concentrao mais contundentequando se verificam dados relativos ao desenvolvimento tecnolgico: quaseum tero da populao global est tecnologicamente desconectada; nem inovainternamente, nem capaz de absorver tecnologias estrangeiras. Mesmo aquelas

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    sociedades que apresentam desempenhos razoveis no campo cientfico, masque no conseguem ainda dar um encaminhamento mais gil para a trans-formao do conhecimento em tecnologia, em inovao, no conseguemdinamizar suas economias de acordo com as novas foras de mercado e, muitomenos, romper o crculo de dependncia tecnolgica.

    TRABALHO E CAPITAL NA ERA DA INFORMAO

    As novas relaes entre trabalho e capital ante as atuais transformaestcnico-produtivas so o foco dos captulos 13, 14 e 15.

    O esforo de caracterizao da atual reestruturao produtiva em torno daeconomia do conhecimento o pano de fundo do trabalho de Csar RicardoSiqueira Bolao (cap. 13). Ele aponta, na relao entre cincia e capital, acrescente imbricao entre pesquisa cientfica bsica, mercado e estruturasglobais de poder, bem como o esforo de validao social da cincia na esferapblica. Bolao tem como base emprica a anlise do Projeto Genoma Humanodo Cncer de So Paulo (PGHC), por considerar que a bioinformtica o caso mais emblemtico da relao entre dinmica cognitiva e dinmicacompetitiva na atual economia, em que informao e conhecimento entramdiretamente no processo produtivo.

    Segundo o autor, o crescente movimento em direo codificao doconhecimento tcito corresponde subsuno do trabalho intelectual etambm, s caractersticas da atual dinmica competitiva, que requer aexistncia de um espao de dilogo no interior do qual um determinadocdigo compreensvel, seja entre os trabalhadores intelectuais das diferentesempresas em concorrncia, seja entre comunidade cientfica e indstria. Aomesmo tempo, salienta que o conhecimento tcito pode ser tambm umafonte de vantagens competitivas para a empresa que seja capaz de manter emseus quadros os trabalhadores-chave para a dinmica do mercado especficoem que est inserida.

    Retomando a teoria do valor de Marx, Bolao assinala que o trabalhocientfico participa indiretamente no processo de produo do valor, pormeio da mobilizao de uma esfera pblica produtiva, tratada na literaturamarxiana como intelecto geral (general intelect) ou trabalhador coletivo.A remunerao pelo resultado desse trabalho s ocorrer no momento da suarealizao como mercadoria, sendo que tal processo difcil ou impossvel dequantificar, tornando indeterminada a relao entre preo e valor.

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  • O autor ento lana a crtica de que

    na conscincia dos capitalistas esta produtividade se manifesta comoprodutividade do capital, sem nenhuma relao aparente com o trabalho.Por isso, a ideologia da literatura empresarial atual falar recorrentementeem capital intelectual, mas jamais, como seria mais correto, em trabalhointelectual.

    Olhando outro aspecto dessa questo, Alain Herscovici (cap. 14)sinaliza a dificuldade que sempre existiu nas cincias econmicas e sociaispara compreender e lidar com as atividades imateriais ligadas cultura, informao e ao conhecimento e ressalta tambm a inexistncia de instru-mentos tericos que sejam capazes de analisar a natureza e o alcance dastransformaes no atual capitalismo cognitivo.

    Partindo dessa constatao, o autor sugere uma explicao alternativa teoria do valor trabalho para a fase atual do capitalismo, que caracteriza comops-industrial. Na segunda parte, discute as caractersticas do capitalismoatual, analisando suas novas modalidades concretas de criao e de apropriaodo valor. Ressalta o predomnio da lgica financeira e especulativa e sua expansopara os diversos campos da vida social, incluindo a prpria vida, por meiodas combinaes genticas, e o meio ambiente.

    Ao final, procura desconstruir a legitimidade dos atuais instrumentos deproteo da propriedade intelectual, com base na perspectiva da antropolo-gia e da histria cultural. Conclui que quanto mais aberto o conhecimento,mais cumulativa a produo de conhecimento e mais dinmica a sociedade,do ponto de vista tecnolgico, cientfico, antropolgico e cultural e at deum ponto de vista mais estritamente econmico.

    J Ruy Braga (cap. 15) dedica-se anlise do trabalho informacional,partindo da crtica do que considera serem vises excessivamente otimistas eidealizadas sobre as caractersticas desse tipo de trabalho, que se desenvolvemcom o revigoramento das velhas promessas progressistas da superao dascontradies capitalistas pelo desenvolvimento tecnolgico sob o emblemada sociedade da informao. Segundo o autor:

    Se, por um lado, correto afirmar que a fora ideolgica da sociedadeda informao radica exatamente na promessa de uma insero socialemancipada no e pelo trabalho, tambm verdade que somente pelaanlise do campo das relaes capitalistas de trabalho poderemos apreenderos fundamentos praxiolgicos da dialtica do trabalho informacional aomesmo tempo contemporneo e retrgrado, oportuno e inoportuno....

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    Braga tem como pano de fundo dois aspectos que se acentuam ante oaprofundamento da mundializao capitalista: primeiro, a fragmentao dacondio operria, a desestruturao dos grandes coletivos de trabalho ea despolitizao das relaes sociais na produo; segundo, a tendncia hegemonia da empresa neoliberal em rede com dominncia financeira,paralelamente intensificao dos fluxos informacionais. Partindo dessequadro, o autor faz uma anlise empiricamente fundamentada em pesquisasobre o trabalho dos teleoperadores em centrais de teleatividades CTAs (oscall centers), por consider-lo expressivo do modelo produtivo emergente.Com esse estudo, o autor procura evidenciar como essa atividade produtivaapresenta caractersticas do que denomina misria do trabalho informacionalautntico, que se apresenta sob as vestes de modernidade tpicas da economiainformacional.

    UMA NOVA AGENDA PARA VELHAS QUESTES

    A emergncia da sociedade, era ou economia da informao e do conheci-mento tem sido usualmente associada ao desenvolvimento e difuso dastecnologias da informao e comunicao. Da que a universalizao doacesso a essas tecnologias colocou-se, de incio, como questo central, respon-dendo s novas exigncias de acumulao, em que a produo e a circulaode bens particularmente os intangveis, inclusive o prprio capital baseia-se cada vez mais na expanso e na intensificao do uso das redes telemticas(ALBAGLI, 2006).

    Progressivamente, tende-se a compreender esse processo de um ponto devista mais amplo, em que a dimenso tecnolgica (ainda que fundamental)constitui apenas um dos aspectos considerados, entre variveis (geo) polticas,sociais, econmicas e culturais.

    Informao e conhecimento representam hoje fundamentalmente elementosestratgicos no binmio incluso-excluso social e fonte de hegemonia(geo)poltica e econmica, tornando-se, alm de objetos de financiamento ede polticas pblicas, alvos de crescente privatizao. Os resultados da ativi-dade cientfica avanada, dada sua complexidade e os seus elevados custos,encontram-se cada vez mais sob o controle de grandes agentes econmicos,sediados nos principais plos de poder mundial, tendendo-se a aprofundaro fosso que separa os pases centrais e perifricos. Tal desigualdade expressahoje fundamentalmente a desigual distribuio socioespacial de conhecimentos

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  • e informaes estratgicas, bem como da capacidade de inovao (ALBAGLI,1998; LASTRES; ALBAGLI, 1999).

    Talvez o elo principal que liga o conjunto de textos que compem estelivro, na discusso e anlise dessas transformaes, seja o da decomposio dedicotomias simplificadoras aliada relativizao de conceitos sedimentados.Mostrou-se que existe muito mais do que supe a nossa v filosofia nosespaos situados entre, por exemplo, pblico e privado, Estado e mercado,global e local e at mesmo entre a tecnologia e o usurio (Sassen). Identifi-caram-se novos atores no cenrio da produo e apropriao da informaoe do conhecimento, nascidos das transformaes nos processos de suaproduo. Discutiram-se os diversos aspectos tanto da privatizao, quantoda difuso do conhecimento. Viu-se a riqueza de solues e iniciativas dasociedade em suas diversas dimenses e em suas diversas culturas.

    A diversidade de perspectivas para a variedade de temas que foi proposital ,contribuindo para a riqueza das anlises e das discusses, comprovou maisuma vez a hiptese de que s a interdisciplinaridade propicia os instrumentosnecessrios e indispensveis para se compreender toda a complexidadedeste vasto campo de estudo. Como escreve Quevedo, Qualquer enfoque nosobriga a incorporar pontos de vista mltiplos, a combinar os temas econmicoscom os culturais, os tecnolgicos com os jurdicos e as novas linguagens comos dados que a globalizao nos impe. Confirmou-se, tambm, a relevnciade teorias e metodologias clssicas, para alm da bibliografia do momento,que ainda so pertinentes e frutferas para o exame da contemporaneidade(MACIEL, 2007).

    Ficou claro ainda que algumas posies so praticamente unnimes amaioria dos textos dirige-se, na essncia, a velhas perguntas. Isso ocorre porquequem faz pesquisa no campo da relao entre informao, conhecimento edesenvolvimento se depara inevitavelmente com questes gerais similares:que no se pode entender nem, muito menos, planejar o desenvolvimentosem um conhecimento da trama social em que se d a urdidura econmica,como diria Lipietz (1989), ou tecnolgica; que o conhecimento crucial noprocesso de desenvolvimento; e que o Estado tem um papel fundamental nacoordenao e no apoio ao processo, por meio de polticas pblicas.

    Quevedo tambm evidenciou a necessidade de desenvolver novo arcabouoterico, que lance novo olhar sobre questes antigas que se recolocam antenovos processos, em uma dinmica de continuidades e rupturas .

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    Mas h tambm diferentes vises muitas das quais conflitantes entreos autores, o que enriquece o debate e estimula a reflexo. Entre essas,destacam-se particularmente dois grandes conjuntos de questes:

    a) o potencial transformador da incluso digital e do acesso s TICs ouseja, a incluso na sociedade da informao para a insero positiva oua participao proativa de segmentos sociais excludos ou marginalizadosna atual reestruturao sociotcnico-econmica;

    b)as implicaes da difuso do conhecimento, de um lado, e da proteo eprivatizao do conhecimento, de outro, sobre o dinamismo do processoinovador.

    Sobre o primeiro conjunto temtico, perceptvel a existncia de umaviso mais otimista (ainda que minoritria) sobre o carter socialmente posi-tivo da incorporao das atuais transformaes tcnico-produtivas relacionadas difuso das TICs 1.

    predominante, no entanto, a preocupao com o provvel aumento dasdesigualdades entre pases mais e menos desenvolvidos, ricos e pobres, aorefletir sobre as conseqncias da difuso das TICs no contexto da chamadaglobalizao, seja sob o prisma da injustia cognitiva, conforme Lastres(cap. 8), seja pelo aprofundamento da subsuno do trabalho intelectual,segundo Bolao (cap. 13), ou ainda pela misria do trabalho informacional,nas palavras de Braga (cap. 15). Este alargamento do fosso existente refere-seno apenas ao acesso e uso das novas tecnologias (a diviso digital), mas tambme, sobretudo, capacidade de aprender, absorver e gerar conhecimento novo2.H uma convergncia no sentido de considerar que a mera promoo douso de TICs nos pases em desenvolvimento no soluo suficiente j quepode contribuir apenas para tornar os atores sociais, nesta parte do mundo,passivos e dependentes diante do processo de globalizao.

    As tecnologias de informao e comunicao so apenas instrumentosde acesso a dados e informaes e no necessariamente implicam aquisiode conhecimento. Isto , no implicam automaticamente aprendizagem, que um processo social de aquisio, construo, processamento, acumulaoe compartilhamento do conhecimento ou seja, os vrios momentos doprocesso de apropriao social do conhecimento.

    1. cf. (FINQUELIEVICH, s.d.)2. A learning data discutida por (AROCENA; SUTZ, 2003)

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  • Ao contrrio, a difuso das TICs tende a criar novas formas de polarizaoe excluso social entre pases e dentro de pases. Esta a realidade por trsda expresso sociedade da informao ou sociedade do conhecimento, jque o conhecimento tambm pode ser mais um instrumento que reproduzou mesmo refora estruturas de dominao existentes, internas e externas,como conseqncia de sua concentrao e privatizao. Em registro umpouco mais otimista, seria possvel dizer, como Sassen, que esses sistemaspossuem capacidades endgenas que talvez lhes permitam fugir, em parte, docondicionamento dos sistemas existentes e transform-los, ou at constituirdomnios inteiramente novos.

    Sobre o segundo conjunto temtico, h os que defendam que o aumentoda parcela de conhecimentos pblicos em detrimento do estoque de conhe-cimentos clube diminuem as vantagens competitivas dos agentes econmicosem concorrncia (cf. YOUGUEL et alii); j outros argumentam que as cadavez maiores restries circulao ampla do conhecimento so prejudiciaisao desenvolvimento de inovaes .

    Nesse sentido, esto aqui algumas contribuies importantes para umapercepo mais aguda de dois fatores que determinam a capacidade e as formasde desenvolvimento inovador:

    1. as especificidades histrico-culturais e polticas das sociedades em queocorre o processo de desenvolvimento de cada sociedade;

    2. as relaes e estruturas de poder locais, nacionais e internacionais quedelimitam e definem as possibilidades de desenvolvimento de cada uma.

    No primeiro eixo, est posta a idia de que cada sociedade ter de encon-trar seus caminhos peculiares, adequados a suas especificidades. No segundo,encontra-se o nervo exposto das desigualdades estruturais internas e interna-cionais que colocam necessariamente em choque o dinamismo econmico ea distribuio social dos benefcios do desenvolvimento. So estes os nossosdesafios. Os do seminrio que resultou neste livro foram enfrentados aoreunir saberes conhecimento de alto nvel para discutir as questes geraisque se colocam para o desenvolvimento perifrico, desafios mais especficos,mais complexos, mais difceis. E destaca-se, por fim, a relevncia de questesno-respondidas, que podem e devem constituir um roteiro para uma agendade pesquisa.

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    REFERNCIAS

    ALBAGLI, S. Conhecimento, incluso social e desenvolvimento local.Incluso Social, v. 1, n. 2, p. 17-22, abr./set. 2006. Disponvel em:. Acesso em: 2007.

    __________. Geopoltica da biodiversidade. Braslia: Ibama, 1998.

    __________; MACIEL, M. L. Informao e conhecimento para a inovaoe o desenvolvimento local. Cincia da Informao, v. 33, n. 3, p. 9-16,set./dez. 2004. Disponvel em: .Acesso em: 2007.

    AROCENA, R.; SUTZ, J. Subdesarollo e innovacin: navegando contra elviento. Madrid: Cambridge University Press, 2003.

    CHESNAIS, F.; SAUVIAT, C. The financing of innovation-related invest-ment in the contemporary global finance-dominated accumulation regime.In: CASSIOLATO, L. (Org.). Systems of innovation and development in theknowledge Era. Londres: Edward Elgar Publishers, 2003.

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    LASTRES, H. M. M.; ALBAGLI, S. (Org.). Informao e globalizao naera do conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

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    MACIEL, M. L. Interdisciplinaridade: perdas e ganhos. In: SARTI, I.;SOUZA, J. V. T. de; RIDENTI, M. (Org.). Cincia, poltica e sociedade: ascincias sociais na Amrica do Sul. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2007.

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    http://www.ibict.br/revistainclusaosocialhttp://www.ibict.br/cienciadainformacao

  • PARTE I.APROPRIAO SOCIAL DAS

    TECNOLOGIAS DA INFORMAO

    E COMUNICAO E OS DESAFIOS

    AO DESENVOLVIMENTO

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    INTRODUO

    Boa parte dos estudos em cincias sociais sobre as novas tecnologias dainformao (abreviadas aqui como TIs) trata de sua capacidade de produzirmudanas. Por outro lado, explicaes mais genricas a respeito do desen-volvimento e das transformaes contemporneas vem a tecnologia como amola propulsora das tendncias e mudanas sociais mais fundamentais.1

    Essas abordagens acadmicas se sobrepem e parecem entender as novas TIsquase que exclusivamente em termos de propriedades tcnicas, construindosua relao com o mundo social em termos de aplicaes e impactos. Atecnologia funciona assim como uma espcie de caixa-preta no examinada,um dado, e o foco da pesquisa concentra-se nos seus impactos sobre objetosde estudo conhecidos famlia, educao, sistema poltico, economia. No extremooposto, talvez esteja o campo de estudos sociais da tecnologia (EST): trata-seda crtica radical daqueles que vem a tecnologia como algo indeterminadoe atuando em ecologias sociotcnicas.

    O projeto do Conselho de Pesquisa em Cincia Social (Social ScienceResearch Council SSRC) sobre TIs, iniciado em 2000, representa umaposio intermediria nesse espectro.2 A fim de contribuir para o objetivomaior de desenvolver uma cincia social da tecnologia da informao, oprojeto buscou elaborar categorias visando analisar a interseo entre o que

    2. A CONSTRUO DO OBJETO DE ESTUDO DIGITALIZADO *Saskia Sassen

    * Traduo do original em lngua inglesa por Elizabeth Hart. 1. Para anlises que revelam as limitaes especficas das explicaes pautadas pelo determinismo tecnolgico, ver

    Wajcman (2002), Loader (1998), Mackenzie (1999), Dutton (1999), Mackenzie e Wajcman (1999); Bowker eStar (1999) e Avgerou (2002). Ver tambm a excelente compilao em Lievrouw e Livingstone (2002).

    2. Os resultados dessa iniciativa se encontram em Latham e Sassen (2005) e Dean e Lovink (2006). Detalhes sobreos diversos componentes da iniciativa encontram-se no site do comit sobre tecnologia da informao e cooper-ao internacional em . Ver tambm Items (publicao oficial do ssrc), spring, 2004.Agradecemos fundao ford pelo generoso apoio.

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    http://www.ssrc.org

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    poderamos simplificar como tecnologia e sociedade. Seu foco recai nosdomnios interativos centrados no computador, dada a preocupao com osocial, incluindo a possibilidade de surgimento de novos tipos de sociabilidadeemergentes dos domnios interativos eletrnicos. Embora aceitando muitasdas proposies apresentadas na literatura crtica dos EST sobre tecnologiacomo uma instncia particular da sociedade a sociedade congelada(LATOUR, 1991) , nosso trabalho baseou-se no fato de que, em determinadomomento, uma tecnologia poder se estabilizar como uma entidade distintacom propriedades especficas e suas respectivas conseqncias. Um dos objetivosfoi desenvolver categorias analticas para anlise das complexas imbricaesentre o produto social que chamamos de tecnologia e a dinmica social,econmica, poltica e cultural por meio da qual a tecnologia utilizada.

    Do ponto de vista metodolgico, essa abordagem exige que avancemosalm da noo de que o entendimento dessas tecnologias pode reduzir-se compreenso de seus impactos. Os impactos so apenas uma das diversasformas de interseo entre sociedade e tecnologia, compreendida no sentidoespecfico anteriormente discutido. Outras tm a ver com a constituio deuma nova srie de relaes e domnios sociotcnicos que, por sua vez, devemser construdos como objetos de estudo. Isso significa examinar as maneirasespecficas em que tais tecnologias esto enraizadas em contextos muitasvezes altamente especializados e diversos. Exige tambm analisar as culturasmediadoras que organizam a relao entre essas tecnologias e seus usurios dentre as quais podemos citar questes to diversas quanto gnero ou lgicade uso. Tais culturas mediadoras podem ser altamente diversas e especficas.Por exemplo, quando os objetivos so controle e vigilncia, as prticas e dis-posies envolvidas provavelmente sero diferentes daquelas envolvidas emmercados eletrnicos ou em teleconferncias de larga escala.

    A seguir, apresentarei alguns detalhes do Projeto SSRC, para depois abordarum conjunto especfico de estratgias analticas que seriam teis nesse esforo.

    MAPEAMENTO DO CAMPO DE PESQUISA

    O Projeto SSRC foi elaborado visando captar a singularidade e o pesovarivel da lgica social em domnios eletrnicos interativos centrados no com-putador. Os modelos que utilizam a tecnologia como varivel explicativa opo comum conseguem captar a intensidade do impacto (fraco, forte),mas no captam adequadamente outras caractersticas dessa variabilidade

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  • (por exemplo, a formao de novos domnios interativos). Para compreenderessas novas tecnologias centradas no computador e suas capacidades, doponto de vista das cincias sociais, preciso evitar uma interpretao pura-mente tecnolgica, bem como reconhecer o imbricamento e os resultadosdessas tecnologias em diferentes ordens econmicas, polticas e sociais. Elaspodem realmente ser constitutivas de uma nova dinmica social, mas tambmpodem ser derivativas ou simplesmente reproduzir condies anteriores.Alm disso, embora algumas de suas capacidades sejam distintas e exclusivas,outras simplesmente amplificam os efeitos de tecnologias mais antigas.

    Se essas tecnologias conseguem transformar domnios interativos existentese at constituir outros inteiramente novos, no podemos limitar o desenvol-vimento analtico deste campo de pesquisa a anlises estruturadas em termosde variveis independentes e dependentes, que sem dvida a abordagemmais comumente usada nas cincias sociais. Precisamos tambm desenvolvercategorias analticas capazes de captar formaes que incorporem, em umanica entidade, o que poderia ser concebido como condies ou atributosmutuamente excludentes nesse quadro de variveis independentes-depen-dentes, questo qual voltarei mais adiante.

    Um elemento-chave do projeto a construo das formaes digitaiscomo objeto de estudo. Existem vrios vocabulrios analticos que podemser utilizados para isso. A identificao e o desenvolvimento desses vocabu-lrios fazem parte do mapeamento conceitual do campo de investigao e datentativa de gerar agendas de pesquisas sobre o tema. Cada pesquisador doprojeto trabalhou em uma disciplina especializada, empregando, portanto,vocabulrios analticos distintos e focados em diferentes dilemas ou temas.3

    Abordarei aqui simplesmente algumas estratgias iniciais visando situar umaformao digital em um campo conceitual que nos permita captar tantoas propriedades tcnicas endgenas, quanto a lgica social externa. Saberquais dessas lgicas sociais externas se tornaro endgenas depender dodomnio especfico estudado.

    Estabelecemos o que poderamos chamar de condies disciplinadoraspara nossa anlise. Primeiro, limitamos nosso projeto a domnios interativos

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    3. Evidentemente seria impossvel resumir aqui esse material e um resumo seria de pouca utilidade. Indicamosao leitor interessado o trabalho j publicado (LATHAM; SASSEN, 2005). Cada captulo desse trabalho, queresultou do projeto, trata de uma formao digital distinta e ilustra uma determinada estratgia de pesquisa,bem como sua especificao terico-emprica.

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    eletronicamente estruturados.4 Segundo, selecionamos domnios que estorealmente operando, em vez de utilizar ambientes simulados, uma vez quenosso interesse no est em modelos tericos de jogos e, sim, em compreen-der as propriedades de contextos reais interativos, inclusive sua possvelnatureza errtica. Finalmente, restringimos as opes dos pesquisadores efocos de anlise a um campo substantivo especfico: os domnios interativosque fazem ou comeam a fazer parte do mundo das relaes transnacionais einternacionais.

    Trabalhar indutivamente pareceu ser a melhor opo, j que nosso objeti-vo era compreender as caractersticas-chave de domnios efetivamente emoperao a fim de desenvolver uma categoria ou um modelo analtico quepudesse ser ento aplicado anlise de outros domnios interativos eletrni-cos. Como uma de nossas maiores preocupaes era chegar s propriedadesde novos domnios interativos possibilitadas por essas tecnologias, decidimosnos concentrar nas mltiplas e bastante distintas manifestaes empricasdesses domnios interativos. Para tanto, selecionamos pesquisadores (docampo das cincias sociais e da rea de informtica) que, entre outros temas,estudam conversas por internet em grande escala, sistemas globais de comu-nicao de grandes empresas multinacionais, sistemas de alerta avanado deconflitos, mercados financeiros eletrnicos, redes de ativistas eletrnicos,espaos de conhecimento e comunidades de desenvolvimento de software decdigo-fonte aberto (open source). So todos domnios interativos estruturadoseletronicamente e constituem casos empricos reais.

    Uma forma de chegar aos objetivos de nosso projeto foi dar maior nfase interao varivel existente entre as diversas capacidades (tcnicas e sociais)envolvidas. Primeiro, definimos como capacidades tcnicas aquelas que soendgenas s estruturas de informao e comunicao eletrnicas. Sempreque essas estruturas eletrnicas interativas envolvem pessoas (algumas no ofazem), ns as definimos como contendo uma lgica social endogeneizadaque afeta diretamente as transaes por exemplo, as lgicas e as funesdefinidas pelos usurios, comerciantes, desenvolvedores de software de cdi-go-fonte aberto ou os demais atores estudados no projeto. Cada um dosdomnios selecionados contm um tipo especfico de interao entre capaci-dades tcnicas endgenas e a lgica social endogeneizada. Segundo, reconhe-

    4. H importantes tipos de capacidades inerentes a essas tecnologias que no esto no escopo deste projeto: espe-cialmente robtica, processamento de dados e o projeto de ambientes virtuais.

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  • cemos que o peso de cada componente os tcnicos e os sociais ir variarde acordo com o domnio e com a causalidade cumulativa ou de dependnciado padro (path dependence) mobilizados em cada uma dessas combinaes;ou seja, fechando todo o leque de possibilidades alternativas que poderia terexistido inicialmente. As tcnicas e mtodos especficos, utilizados para cap-tar essa variabilidade, iro depender em parte da formao digital particularestudada. O importante que devero levar em conta a variabilidade dainterao entre fatores tcnicos e sociais (conforme definidos em nosso pro-jeto), bem como as tendncias dependncia do padro (path dependence) nodesenvolvimento dessas interaes.

    Analisemos mais detalhadamente o que foi dito acima. Para ns, conformeindicado antes, era importante evitar o determinismo tecnolgico, mas, aomesmo tempo, reconhecer as capacidades especficas das tecnologias intera-tivas centradas no computador. Uma das razes para isso, novamente, quetais tecnologias podem constituir novos domnios para a interao social eno podem ser restritas ao status de variveis independentes, como ocorrecom freqncia. Na sua forma digitalizada, esses domnios apresentam pro-priedades intrnsecas derivadas das capacidades tcnicas que possibilitampadres especficos de interao. Essas propriedades, ento, sero endgenass prprias estruturas digitalizadas, e no o produto de um contexto exgeno ou seja, o sistema financeiro, o sistema educativo, o sistema interestadual ,embora as tecnologias propriamente ditas geralmente surjam por lgicasno-tcnicas (por exemplo, grande parte do desenvolvimento de domniosinterativos eletrnicos foi motivado pelo setor financeiro e seus objetivos). Dentreessas propriedades endgenas, temos a simultaneidade da troca de informao,resultados distributivos, capacidade de armazenagem e memria eletrnicas,juntamente com as novas possibilidades de acesso e disseminao que carac-terizam a internet e outros sistemas de informao baseados no computador.

    Na medida, no entanto, em que esses so domnios sociais interativos,caracterizam-se tambm por uma endogeneizao dalgica social. Lgica socialaqui se refere a toda uma ampla gama de condies, atores e projetos, inclu-sive lgica especfica dos usurios, bem como s racionalidades substantivasnos planos institucional e ideacional. Essas lgicas sociais endogeneizadasiro (a) variar de um domnio a outro (por exemplo, tanto os mercadosfinanceiros eletrnicos como as redes de ativistas eletrnicos utilizam as trscapacidades tcnicas descritas anteriormente, mas o fazem com finalidadesbastante distintas) e (b) alterar de maneiras diversas o efeito tcnico, que

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    muito direto ou seja, podero reduzir, aumentar ou distorcer as capacidadestcnicas.5 Alm disso, a lgica social pode ainda produzir toda uma srie denovas possibilidades e agilizar os avanos tcnicos, como evidentementeocorreu nos mercados financeiros eletrnicos, por exemplo.

    Essa maneira de abordar nosso problema permite, tanto conceber taisestruturas de informao e comunicao eletrnicas como resultantes devrias combinaes de capacidades tcnicas centradas em computadores,quanto considerar o amplo espectro de contextos sociais que configuramlgicas de uso, racionalidades substantivas e significados culturais para ostipos particulares de interao digital envolvidos. Nesse sentido, os espaosdigitais que nos interessam neste projeto so sociodigitais.

    Formao digital o construto que definimos no projeto para designaresses tipos especficos de estruturas de informao e comunicao. Formaesdigitais devem ser portanto diferenciadas de tecnologia digital. Alm do mais,nem todas as redes digitais so formaes digitais. Essas ltimas so resultadosmistos, uma vez que decorrem de propriedades tcnicas endgenas e delgicas sociais endogeneizadas. So estruturas digitalizadas, porm so par-cialmente moldadas e providas de significado por condies sociais, polticas,econmicas, ideacionais e muitas vezes visuais, condies essas que existemtipicamente fora da esfera tecnolgica ou, pelo menos, transcendem-na como tal.

    Formaes digitais podem assumir uma variedade de formas. Entre asmais conhecidas no campo das cincias sociais, esto as redes, os mercados eas comunidades, mas h outras maneiras de tipificar essas formaes, tantodentro quanto fora do arcabouo conceitual das cincias sociais. de se prevertambm que surjam novos tipos de formas medida que se amplia o usodessas tecnologias. A multiplicao de formaes digitais durante a ltimadcada significa que elas podem, por sua vez, vir a operar como condicio-nantes sociais, embora digitalizadas, para novos desenvolvimentos tcnicos.Da perspectiva das cincias sociais, se comparada com o ponto de vistapuramente da engenharia, essas estruturas e dinmicas de comunicao einformao digitalizadas so domnios mistos, uma vez que filtram e soprovidas de significado pela lgica social.

    5. Considerar a lgica social endogeneizada e captar seu efeito sobre as propriedades tcnicas um elementometodolgico essencial ao projeto. Analisei algumas dessas questes (SASSEN, 2005). Esse tipo de conceitocontestaria tambm a premissa, ainda muito aceita, de que a nova tecnologia ipso facto substituir todas asantigas tecnologias menos eficientes ou mais lentas na execuo das tarefas em que a nova tecnologia as supera.

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  • A presena da lgica social na estruturao dessas formaes significa,da perspectiva das cincias sociais, que as capacidades tcnicas dessas novastecnologias so caracterizadas tanto pela variabilidade quanto pela especifici-dade. As capacidades tcnicas so acionadas ou utilizadas de maneira varivele contraditria no mbito das diversas formaes digitais. Elas desdobram-seem contextos especficos, ou seja, no existem como eventos puramentetecnolgicos. Isso, por sua vez, dificulta a generalizao de seus efeitos trans-formadores. A variabilidade e a especificidade so dimenses essenciais queemergem dos diversos focos de anlise em nosso projeto. A escolha depesquisadores no projeto buscou abordar isso, j que cada um focalizadetalhadamente um determinado tema. Enquanto a variabilidade e a especi-ficidade dificultam a generalizao, seu estudo detalhado poder evidenciarpadres e estruturas teis para a elaborao de hipteses a respeito de tendnciasfuturas e o desenvolvimento de agendas de pesquisa, medida que as TIscontinuam a evoluir. 6

    SITUANDO FORMAES DIGITAIS:UMA ESTRATGIA ANALTICA TRIDIMENSIONAL

    Os trs tipos de operaes analticas examinadas a seguir nos permitemconsiderar tambm a interseo entre essas tecnologias e a lgica social. Taisoperaes analticas deveriam se sustentar, sejam essas tecnologias derivativas,transformadoras ou constitutivas. Devem se sustentar, inclusive, para uma gamaampla de casos especficos de interseo entre a sociedade e a tecnologia. Issoincluiria esquemas em termos de variveis independentes-dependentes, mastambm estratgias que procuram captar imbricaes e interaes mtuas.

    Novamente, essas operaes analticas podem, elas prprias, assumirmltiplas formas. As trs operaes discutidas aqui surgiram a partir deminha prpria prtica de pesquisa. So suficientemente complexas paraenglobar uma ampla gama de resultados e me permitiram incluir, guisa decomprovao, a maioria dos projetos da iniciativa do SSRC. Especifico essastrs operaes analticas como uma primeira aproximao para constituir as

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    6. O carter irregular e freqentemente contraditrio dessas tecnologias e suas respectivas estruturas de infor-mao e comunicao tambm nos leva a propor que essas tecnologias no deveriam ser vistas simplesmentecomo dotao de fatores. Esse tipo de viso est muito presente na literatura, muitas vezes implicitamente, erepresenta essas tecnologias como uma funo dos atributos de determinada regio ou ator indo desderegies e atores plenamente dotados, ou com pleno acesso, at aqueles sem qualquer acesso.

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    formaes digitais como objeto de estudo. Construdas como objetos de estudo,as formaes digitais podem tambm operar como categorias analticas.

    Um primeiro conjunto de operaes analticas procura captar as com-plexas imbricaes existentes entre as capacidades contidas nas tecnologiascentradas em computadores (ou simplesmente tecnologias digitais) e oscontextos nos quais so acionadas ou utilizadas. Um segundo conjunto deoperaes analticas trata das prticas e culturas mediadoras que organizam arelao entre essas tecnologias e seus usurios. At pouco tempo, no havianenhuma elaborao crtica dessas mediaes. A premissa dominante era a deque as questes de acesso, competncia e design de interface captavam todoo conjunto total de experincias mediadoras. Um terceiro conjunto de opera-es analticas pretende reconhecer as questes de escala, uma rea em queessas tecnologias especficas vm demonstrando enormes capacidades trans-formadoras e constitutivas. Nas cincias sociais, escala tem sido concebidaem grande medida como um dado ou um contexto e, dessa tica, no temsido uma categoria crtica. As novas tecnologias trouxeram a noo de escalapara o primeiro plano justamente por causa da desestabilizao que causaramnas hierarquias de escalas preexistentes, bem como pelo conceito de hierar-quias embutidas. Assim, contriburam para deslanchar uma heurstica total-mente nova, a qual, interessante notar, tambm ecoa em desenvolvimentos nascincias naturais, nas quais as questes de escala vm emergindo sob novas formas.

    A. As imbricaes digitais/sociais.

    Restringir a interpretao a uma leitura tecnolgica das capacidadestcnicas das novas tecnologias neutraliza ou torna invisveis as condies eprticas sociais, inclusive as materiais, o vnculo com o lugar (place-boundedness)e os ambientes densos nos quais e atravs dos quais essas tecnologias operam.7

    Essas leituras, ironicamente, tambm levam a uma dependncia permanentede categorizaes analticas desenvolvidas sob outras condies espaciais ehistricas, ou seja, condies anteriores atual era digital. Portanto, a tendncia conceber o digital como algo exclusiva e simplesmente digital, e o no-digital(seja representado em termos do fsico/material ou de suas reais e totalmenteproblemticas, embora comuns, conceituaes) como algo exclusiva e simples-mente no-digital. Esse tipo de categorizao ou/ou exclui outras conceituaes

    7. Outra conseqncia desse tipo de leitura supor que uma nova tecnologia necessariamente ir substituir tec-nologias antigas e menos eficientes ou mais lentas na execuo das tarefas em que a nova tecnologia se destaca.Sabemos que, historicamente, isso no ocorre.

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  • alternativas, impedindo uma leitura mais complexa da interseo e interaoda digitalizao com as condies sociais, materiais e de vnculo com o lugar(place-bound).

    Como uma primeira aproximao, podemos identificar trs caractersticasdesse processo de imbricao. Para fins de exemplificao, podemos usaruma das principais capacidades dessas tecnologias, que a de aumentar amobilidade do capital e, portanto, alterar as relaes entre empresas mveise os Estados-Naes territoriais. Isso ainda mais acentuado pelo efeitofluidificante da digitalizao na maioria das atividades econmicas. A digi-talizao aumenta a mobilidade daquilo que nos acostumamos a entendercomo imvel ou minimamente mvel. Tanto a mobilidade quanto a digitali-zao so vistas normalmente como meros efeitos ou, na melhor das hipteses,como funes das novas tecnologias. Tais concepes ignoram o fato de quealcanar esse resultado exige uma multiplicidade de condies, inclusive coisasto diversas como infra-estrutura e transformaes do marco regulador.

    A primeira caracterstica, ento, que a produo tanto da mobilidadedo capital como da digitalizao requer fixidez do capital: ambientes fsicosconstrudos com tecnologia de ponta, uma fora de trabalho profissionale talentosa atuante durante pelo menos algum tempo, sistemas jurdicos einfra-estrutura convencional desde estradas at aeroportos e ferrovias.Todas essas so condies parcialmente vinculadas ao lugar. Uma vez reco-nhecido que a hipermobilidade do instrumento, ou a digitalizao da pro-priedade fundiria real por meio de um instrumento financeiro, teve de serproduzida, estaremos introduzindo variveis no-digitais em nossa anlise dodigital. Tal interpretao gera certas implicaes tericas e prticas. Por exem-plo, o simples acesso a essas tecnologias no altera necessariamente a posiode pases ou organizaes pobres em um sistema internacional com enormesdesigualdades em termos de recursos.8

    Uma segunda caracterstica a ser resgatada aqui que a prpria fixidez decapital necessria para que haja hipermobilidade e digitalizao se transformanesse processo. A indstria imobiliria ilustra bem alguns desses problemas.

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    8. Grande parte dos estudos sobre as cidades globais (SASSEN 1991; 2001) tem sido um esforo de conceituar edocumentar o fato de que a economia digital global exige grandes concentraes de recursos materiais e sociaispara poder ser o que . O setor financeiro um importante intermedirio nesse sentido: representa a capacidadede liquefazer vrias formas de riqueza no lquida e de aumentar a mobilidade (ou seja, dar hipermobilidade) doque j lquido. Para tanto, porm, at o mundo financeiro precisa de importantes concentraes de recursosmateriais.

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    Empresas de servios financeiros inventaram instrumentos que liquefazema propriedade imobiliria, facilitando assim o investimento e a circulaodesses instrumentos nos mercados globais. No entanto, parte do que consti-tui um bem imobilirio continua sendo algo extremamente fsico. Ao mesmotempo, porm, o que permanece fsico v-se transformado pelo fato de estarrepresentado por instrumentos de altssima liquidez que podem circular nosmercados globais. Pode parecer a mesma coisa, pode consistir do mesmocimento e argamassa, pode ser velho ou novo, mas trata-se de uma entidadetransformada.

    Resumindo, a hipermobilidade alcanada por um objeto por meio dadigitalizao to-somente um momento de uma condio mais complexa.Representar esse objeto como hipermvel, portanto, apenas uma represen-tao parcial. Grande parte do que circula nas redes digitais depende decondies no-digitais para alguns de seus componentes. A natureza dessevnculo ao lugar, por sua vez, difere do que teria sido cem anos atrs,quando provavelmente constitua uma forma de imobilidade. Atualmente,trata-se de um vnculo com lugares que, por sua vez, sofre a inflexo ou ficainscrita pela hipermobilidade de alguns de seus componentes, produtos eresultados. Tanto a fixidez do capital quanto sua mobilidade encontram-seem um marco temporal em que a velocidade ascendente e conseqente.Esse tipo de fixidez do capital no pode ser totalmente capturado por meiode uma descrio restrita s suas caractersticas materiais e de localizao.

    Uma terceira caracterstica nesse processo de imbricao pode sercapturada mediante a noo da lgica social como organizadora do processo.Vrios componentes digitais dos mercados financeiros sofrem a inflexo dasagendas que ditam os rumos das finanas globais, e estas no so em si tec-nolgicas (KNORR CETINA; PREDA, 2004). As mesmas propriedadestecnolgicas so capazes de produzir resultados diferentes dos oferecidospelos mercados financeiros eletrnicos (SASSEN, 2005). Muito do que pen-samos a respeito do espao digital perderia totalmente seus significadosou referenciais, se exclussemos o mundo no-digital (HOWARD; JONES2004; WELLMAN; HAYTHORNTHWAITE, 2002). Grande parte do queacontece no espao eletrnico sofre profundas inflexes das culturas, dasprticas materiais, dos sistemas jurdicos, dos imaginrios, que ocorrem foradesse espao eletrnico. preciso, ento, distinguir entre as tecnologias e asformaes digitais para cujo surgimento elas contribuem. Tais formaes noso exclusivamente condies tcnicas que permanecem externas ao social.

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  • Encontram-se imbricadas nas estruturaes maiores de natureza societria,cultural, subjetiva, econmica e imaginria da experincia vivida e dos sistemasnos quais existimos e atuamos 9.

    A digitalizao polivalente. Traz com ela a amplificao de capacidadestanto mveis como fixas. Inscreve o no-digital, mas tambm, por sua vez,inscrita pelo no-digital. Os contedos, implicaes e conseqncias espec-ficos a cada uma dessas variantes so uma questo emprica, um objeto deestudo, assim como o que condiciona o resultado das tecnologias digitais emoperao e o que condicionado por esse resultado. Temos dificuldade decapturar essa polivalncia mediante nossas categorias convencionais, quetendem a dualizar e impor a excluso mtua: se imvel, imvel, e se mvel, mvel. Voltando ao exemplo da propriedade imobiliria, vemos quea representao parcial do imvel por meio de instrumentos financeiroslquidos causa uma complexa imbricao dos momentos material e digitaldaquilo que continuamos a chamar de propriedade imvel. O mesmo ocorrecom a endogenia parcial da infra-estrutura fsica nos mercados financeiroseletrnicos.

    As formaes digitais, portanto, so estruturas de comunicao e infor-mao moldadas tanto pelas capacidades tcnicas endgenas, quanto pelalgica social endogeneizada. Capturar as imbricaes entre o digital e o no-digital permite-nos capturar esse elemento endogeneizante do social.

    B. Prticas e culturas mediadoras

    Uma das conseqncias da proposta desenvolvida acima sobre o espaodigital como algo imbricado e no exclusivamente tecnolgico que as arti-culaes entre o espao digital e os usurios sejam eles atores sociais,polticos ou econmicos so constitudas em termos de culturas mediado-ras. O uso no simplesmente uma questo de ter acesso e aprender a usaros equipamentos e o software. As culturas mediadoras por meio das quais ouso se constitui surgem em parte dos valores, culturas, sistemas de poder eordens institucionais nas quais os usurios se encontram imbricados.

    H forte tendncia na literatura de se entender o uso como um evento nomediado, uma atividade no problematizada. H de fato uma literatura muitomais crtica quando se trata de questes de acesso. Na melhor das hipteses,

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    9. Para vrios exemplos, ver Wellman e Haythornthwaite (2002), Mansell e Steinmueller (2002), Olesen (2005),Rogers (2004), Warkentin (2001), Woolgar (2002) e Yang (2003).

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    o reconhecimento de uma cultura mediadora tem sido limitada cultura techie,que foi naturalizada em vez de ser reconhecida como um tipo particular decultura mediadora. Fora do mbito dessa densa cultura de uso centrada nocomputador, a tendncia reduzir as prticas dos usurios a questes decompetncia e utilidade. Do ponto de vista das cincias sociais, o uso da tec-nologia deveria ser problematizado10. No deveria ser encarado simplesmentecomo algo determinado por requisitos e competncia tcnica, embora essatalvez seja a perspectiva do especialista em informtica e do engenheiro quea conceberam.

    Uso que deve ser diferenciado de acesso construdo ou constitudoem termos de culturas e prticas especficas mediante e no interior das quaisos usurios articulam a experincia e/ou utilidade da tecnologia digital. Logo,minha preocupao aqui no reside somente nas caractersticas tcnicas dasredes digitais e seu significado para os usurios, nem apenas no seu impactosobre os usurios. A preocupao , sobretudo, com essa zona intermediriaque constri as articulaes entre usurios e o espao digital. Essa anlise poderiademonstrar que o que poderamos chamar de usurios tradicionais talvezestejam trazendo para a tecnologia uma cultura de uso passvel de resultar emmaiores benefcios do que os oferecidos por algum sujeito moderno11.

    As prticas por meio das quais o uso se constitui derivam em parte seussignificados dos objetivos, valores, culturas, sistemas de poder e ordens insti-tucionais dos usurios e seus respectivos entornos 12. Essas culturas mediadoraspodem tambm produzir um sujeito e uma subjetividade que se tornamparte dessa mediao. Por exemplo, grande parte do significado das redescom cdigo-fonte aberto 13 deriva do fato de que seus praticantes contestamum sistema econmico-jurdico dominante centrado na proteo proprie-dade privada; os participantes se tornam sujeitos ativos de um processo quevai alm de seu trabalho individual e que produz uma cultura. As redesorientadas a usurios de zonas rurais analisadas por Garcia (2005) so emparte resultado de uma conscientizao das persistentes carncias histricase institucionais das reas rurais, em comparao com reas urbanas, alm deuma orientao no sentido de superar essas carncias.

    10. Por exemplo, Howard (2006), Shaw (2001), Schuler (1996), Howard e Jones (2004) e Robinson (2004).11. Ver Anderson (2003), Fisher (2006) e Consalvo e Paasonen (2002).12. Por exemplo, Dutton (1999), Anderson (2003), Kuntze (2002) e Monberg (1998).13. Por exemplo, Weber (2005) e Coleman (2004).

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  • Uma problemtica emergente refere-se extenso em que a combinaode acesso descentralizado e multiplicidade de opes presente em muitasredes tender a produzir distribuies de poder, em vez da distribuio deresultados que associamos a essas tecnologias. Assim sendo, as organizaesda sociedade civil podero produzir resultados nos quais um pequenonmero de organizaes concentra parcela desproporcional de influncia,visibilidade e recursos. Uma maneira de olhar isso seria em termos de for-matos polticos 14. Em outras palavras, as organizaes da sociedade civil tmsofrido presses que as obrigam a assumir um formato semelhante ao deempresas estabelecidas, com requisitos convencionais de prestao contas que as impede de utilizar as novas tecnologias de maneiras mais radicais.Argumento que o mundo financeiro consegue fugir aos formatos conven-cionais quando duas ou mais trocas financeiras se fundem para constituiruma plataforma em rede, que lhes permite maximizar os benefcios dastecnologias de rede (SASSEN, 2006, caps. 7-8). Nesse sentido, argumentoainda que a cultura de uso evidente nas finanas est muito frente dacultura da sociedade civil em termos do uso de tecnologias de rede. O campofinanceiro na verdade inventou novos formatos para adaptar sua utilizao:plataformas em rede distribudas em vrios locais, onde cada centro finan-ceiro constitui um n da rede. As organizaes da sociedade civil tmenfrentado um sem-nmero de obstculos com relao a esses esquemas emrede. Elas tm sido, de vrias maneiras, obrigadas a assumir culturas de usotpicas das grandes corporaes em vez daquelas das plataformas em rede.

    Existem vrias formas de se analisar como as culturas mediadoras organi-zam o uso. Podem incluir desde