Informação Ivan Aquino · 2018-09-23 · Louco: E por causa de um ponto, que você não prestou...
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AGRADECIMENTOS
À minha esposa Victória Corália, ao amigo e incentivador
Mário Silva, aos confrades e confreiras da Academia Jaco-
binense de Letras - AJL Cledson Sady, Vera Jacobina e
Geferson Carvalho, aos professores e amigos Ata Barros,
José Orlando, Simão Barros e Jucileide Souza e a turma do
Grupo de Teatro Dionísio Artes que abraçou a ideia.
Esta obra foi baseada no texto: “Morte acidental de um
anarquista” do escritor italiano Dario Fo. Qualquer seme-
lhança com fatos reais é mera coincidência , ou não.
Imagens da capa: Google imagens.
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PREFÁCIO
O escritor e teatrólogo italiano Dario Fo, sempre foi um
indivíduo antenado com seu tempo e, através de sua arte,
um incansável contestador o “status quo” . Não é atoa que
de vez em quando estava metido em problemas com os diri-
gentes da sociedade. Também não foi por acaso que os
EUA negaram visto para sua entrada naquele pais e ficou
proibido por vinte anos de aparecer em programas televi-
sivos da Itália. Lendo um de seus textos , “Morte acidental
de um anarquista”, baseado em fatos verídicos e escrito na
década de 70, imaginei como seria se esses fatos estivessem
ocorridos aqui no nosso Brasil. Com essa ideia, observei
como o texto se enquadra no momento político pelo qual
passamos. O que veremos é um trabalho de ficção, mas que
não é impossível de acontecer nas dependências de órgãos
públicos pelo nosso país afora. Imagine se estivéssemos em
um regime ditatorial, como alguns almejam? Eu, com cer-
teza, estaria em maus lençóis. Mas como estamos em um
regime democrático, segue o texto. Espero que se deleitem
com a leitura deste livreto e com as montagens dos grupos
teatrais pelo Brasil afora.
Ivan Aquino.
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De policial e louco
todo mundo tem um pouco.
Personagens:
Louco
Delegado Regional
Delegado Guimarães
Delegado Barbosa
Investigador Paulão
Escrivão Ari
Jornalista
Primeiro Ato
(Cenário : Sala de uma delegacia: 02 Mesas, armário, 04 cadeiras, computador, telefone, 01 janela ao fundo, 02 por-tas, 01 espécie de cabide, 01 mala - / música circense - luz acendendo - em cena Guimarães, Louco e Investigador)
Delegado Guimarães: (Folheando uma pasta, dir ige-se ao
indiciado que está sentado, tranquilo, numa cadeira). - Ah,
mas essa não é a primeira vez que você é denunciado por usar
disfarces... aqui diz que você já se passou duas vezes por médi-
co, uma vez por tenente do Exército, duas vezes por bispo,
uma vez por engenheiro, uma por advogado, uma vez por edu-
cador... Seu currículo é grande. E está é a décima segunda vez
que você é detido
Louco: Isso mesmo, doze detenções, mas nunca fui conde-
nado, minha ficha está mais limpa do que a de muitos políticos
por aí...
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Guimarães: (pega um borr ifador e borr ifa nas mãos) -
Quer álcool para desinfetar as mãos? Bem, não sei que histó-
rias você inventou para escapar, mas pode ter certeza de que,
desta vez, sujo sua ficha.
Louco: Eu entendo. Sr . Delegado. Uma ficha assim dá água
na boca de qualquer um.
Guimarães: Isso, vá dando uma de engraçadinho. A denún-
cia diz que dessa vez você se fez passar por psiquiatra. Você
sabia que falsa identidade dá cadeia?
Louco: Falsa identidades sustentado por alguém são, mas
eu sou louco. Olha aqui nos relatórios, já fui internado várias
vezes. Tenho a mania de personagens, chama-se histriomania.
Guimarães: E tem mais, aqui diz que você cobrou quinhen-
tos reais por uma consulta.
Louco: É o preço normal de um psiquiatra de pr imeira,
que estudou muitos anos para se formar plenamente.
Guimarães: E em quais universidades você estudou?
Louco: Estudei em vár ios manicômios, observei centenas,
milhares de loucos, todos os dias. Sou até melhor que os outros
psiquiatras pois estudava os loucos até quando eles dormiam.
Guimarães: E foi lá que você aprendeu a cobrar tão caro?
Louco: Não, isso eu aprendi com os médicos daqui da cida-
de. Quanto mais o médico mete a faca, os pacientes levam fé.
Sabe que isso é bom, tem gente que se cura só em ouvir o pre-
ço da consulta.
Guimarães: Mas você é muito cara de pau!
Louco: Tome aqui meu car tão, quem sabe o senhor não po-
de precisar...
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Guimarães: É br incadeira uma coisa dessas. Ainda tem
cartão? E está escrito aqui Juliano Moreira Jr. – Psiquiatra...
isto é uma prova contra você.
Louco: Estou percebendo que você não sabe ler cor reta-
mente...
Guimarães: Como não sei ler cor retamente?
Louco: Está escr ito aqui, Juliano Moreira J r ., ponto, psi-
quiatra. Mas não diz que sou psiquiatra. O nome psiquiatra está
depois do ponto, não quer dizer nada.
Investigador Guimarães: É, realmente tem um ponto antes
de psiquiatra.
Louco: E por causa de um ponto, que você não prestou
atenção, já quer me jogar na cadeia?
Guimarães: Mas é realmente um louco!
Louco: Me diga, onde você se formou? É muito grave dar
um diploma a uma pessoa que nem sabe ler direito. Para me-
lhorar sua leitura procure esse professor! (Dá um outro cartão
ao delegado)
Guimarães: (lendo) Professor , Saulo Freire.
Louco: Na verdade sou professor de desenho, aposentado,
mas também, posso lhe dar aulas de gramática, redação, até
melhorar sua dicção.
Guimarães: O senhor já está me tirando do sér io. Vamos
parar de gracinha, se não mando algemá-lo e colocá-lo atrás
das grades...
Louco: Não pode.
Guimarães: Como não posso?
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Louco: Eu sou um louco, ou camisa de força ou nada!
(Puxa do bolso um livreto) Veja só aqui no Estatuto dos
Loucos e Dementes!
Guimarães: E esse Estatuto existe?
Louco: Já vi que você precisa voltar para sala de aula.
(“lê”) ar tigo 122: o oficial que contiver um doente mental,
no caso eu, utilizando instrumentos não clínicos, no caso as
algemas, incorre em crime punível com pena de cinco a quinze
anos, perda do cargo e da aposentadoria , se bem que nosso
presidente já tá querendo acabar com a aposentadoria de todo
mundo.
Guimarães: Ah, estou vendo também que entende de leis!
Louco: Como você viu aí na ficha, já me passei por advoga-
do. Quer meu cartão? (procura na bolsa) ...
Guimarães: sabe de uma? Não vou ficar aqui perdendo
tempo com um maluco. Eu tenho mais o que fazer. Paulão.
Paulão: Pois não senhor .
Guimarães: Leve ele para a sala de espera, e deixe ele sob
vigilância.
Louco: Não saio daqui. Tente me tirar a força e eu mordo!
Guimarães: Meu Deus do céu, isso não está acontecendo.
Vamos, leve o homem.
Paulão: Mas doutor , ele morde.
Louco: E mordo mesmo, e estou doente de raiva. Ontem fui
mordido por um cachorro raivoso.
Guimarães: Eu não acredito nisso que está acontecendo.
(Tentando acalmar-se). Vamos fazer o seguinte, sente ali, fique
calmo, vou registrar a ocorrência e, depois, te mando embora...
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Louco: Não, por favor , não me mande embora. Estou gos-
tando tanto daqui. Lá fora é tão perigoso. Os bandidos matam,
a polícia mata.
Guimarães: Olha lá, você já está passando dos limites...
Louco: A polícia mata, mas só os bandido, delegado...
Guimarães: Ah, sim...
Louco: Mas me deixe ficar aqui. Eu lhe ajudo, eu conheço
as leis. Eu posso ajudar o senhor a torturar os indiciados. Faço
eles confessarem até o que não fizeram.
Guimarães: Agora chega, eu não aguento mais...
Louco: Se você não me deixar ficar , eu me atiro pela jane-
la. Estamos no terceiro andar, se na queda eu não morrer eu
conto aos jornalistas que foi você quem me jogou...
Guimarães: pelo amor de Deus, pare com isso... Paulão,
feche a janela...
Louco: Então, eu me atiro do alto da escada (se dir ige para
a escada).
Guimarães: Paulão, feche a por ta...
Louco: Paulão, tranca e tira a chave... (investigador vai
atendendo aos comandos rapidamente)
Guimarães: Isso...
Louco: Paulão, jogue a chave pela janela...
Guimarães: É, jogue pela janela (investigador se dir ige pa-
ra a janela) ... não, não...
Louco: Paulão, põe a chave na gaveta... (o investigador co-
loca a chave na gaveta) ...
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Guimarães: Agora chega, agora chega... (levanta-se pega o
louco pelo braço). Você vai sair daqui imediatamente... Paulão,
abra a porta.
Louco: Não me empur re, me deixe ficar só mais um pou-
quinho... (vai saindo empurrado por Guimarães).
Guimarães: Fora... (consegue colocar o louco para fora) ...
Paulão: Senhor delegado não esqueça da reunião com Dr .
Vital...
Guimarães: É verdade, esse maluco me fez perder a noção
de tempo, vamos para reunião.
(Saem pela porta da esquerda – logo depois alguém bate na
porta da direita)
Louco: (Colocando a cabeça na sala) Sr . Delegado, posso
entrar? (Entra) . Mas aqui não tem ninguém... (vai até a mesa
do delegado e pega uns papeis). Vejamos o que é isso aqui...
meu B.O. Mas isso já está resolvido (rasga o documento e joga
no lixo). Deixe eu ver esse outro, furto numa farmácia, que é
isso? O rapaz devia estar doente sem dinheiro pra comprar re-
médio (rasga e joga no lixo). Pronto está livre... (pega outra
ficha). Desacato a autoridade. As autoridades desacatam a gen-
te o tempo inteiro (rasga e joga no lixo). Livre... (lê nova fi-
cha). Opa, esse não, quem bate em mulher e maltrata criança
tem quer pegar cana mesmo. (Vê uma pasta maior) Vejamos o
que é isso... (Lê) Inquérito da morte do pichador. Ah, esse é o
inquérito do pichador que morreu aqui na delegacia e deu a
maior confusão. (Lê algumas páginas do inquérito se espantan-
do com o que vê - nesse momento o telefone toca – tranquilo o
louco atende) – Alô, sala do delegado Guimarães, quem fala?...
Delegado Barbosa, aqui é o Paulão, o delegado Guimarães está
atendendo uma pessoa e está perguntando o que você
quer... Quem está chegando? O Dr. Pedro Rocha Pedreira
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Da Corregedoria Geral? Vem especialmente revisar o caso da
morte do pichador? Quer dizer que estão desconfiando da nos-
sa versão? ... o Dr. Guimarães disse que você se lascou...
(fingindo que fala com Guimarães) ... Dr. Guimarães, o Dr.
Barbosa disse que o senhor está no mesmo barco que ele... Dr.
Barbosa, o Dr. Guimarães disse que vai tirar o dele da reta,
pois o ocorrido foi no seu plantão... Dr. Guimarães, o Dr. Bar-
bosa tá perguntando pela sua amizade com ele... Dr. Barbosa, o
Dr. Guimarães disse que continua seu amigo e quando a corre-
gedoria lhe mandar pra trás das grades, ele vai lhe levar cigar-
ro... Como? Quando encontrar Dr. Guimarães vai meter a por-
rada nele?... Desligou... deixa eu estudar melhor esse processo,
pois o Dr. Pedreira vai entrar em ação. ( Música “Maluco Bele-
za - de Raul Seixas - anda pela sala e vai pegando algumas coi-
sas e colocando na mala - uma lupa, o celular do delegado, o
borrifador, uma peça parecendo um gatilho com um adesivo
onde ele lê alguma coisa, uma capa e um chapéu que está no
cabide – vê uma caixa em cima do armário – quando vai pegá-
la a porta se abre).
Guimarães: (Sem reconhecer o louco) Bom dia, o senhor
deseja alguma coisa?
Louco: Nada, delegado. Só vim buscar minha bagagem que
esqueci aqui.
Guimarães: Mas você ainda está por aqui? Fora...
Louco: Mas o senhor anda muito nervoso, não é atoa que
querem lhe dar um murro...
Guimarães: Um murro, mas que baboseira é essa? Quem
quer me dar um murro?
Louco: Um tal de Dr . Barbosa...
Guimarães: Por que o Barbosa ir ia me dar um murro?
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Guimarães: Isso deve ser mais uma de suas histór ias malu-
cas. Dá o fora daqui, vamos, dá o fora.
Louco: Tá bom, tá bom, já vi que não sou bem vindo aqui.
Mas como simpatizei com você vou lhe dar um conselho,
quando encontrar o Dr. Barbosa é melhor se abaixar.
(O louco sai levando a mala. O delegado senta-se procura
os papeis e não acha).
Guimarães: Achei que tinha deixado os B.Os e o inquér ito
da morte do pichador aqui. O Paulão deve ter guardado.
(levanta-se e nota que seu casaco e seu chapéu não estão lá)
Mas é um desgraçado, além de louco, ladrão. (Vai na porta e
grita) Paulão vai lá embaixo e vê se encontra aquele louco. Ele
pegou minha capa e meu chapéu. (Alguém bate na porta – o
delegado abre) ... Oi, Barbosa, entre. Acabou de sair um malu-
co daqui dizendo que quando você me encontrasse ia me dar ...
(nesse momento entra um braço em cena e dá um soco no dele-
gado Guimarães, que cai, levanta a cabeça e diz) ...murro (e
desmaia).
(Blackout – música circense - mudança de cenário: uma
sala quase idêntica a outra, (com a mala) – acrescenta-se
uma mesa redonda e mais três cadeiras – em cena o louco
olhando a janela de costa para o público, o escrivão no
computador – entra o delegado Barbosa)
Segundo ato
Delegado Barbosa: (massageando a mão, fala em voz baixa
para o policial) E aquele ali, quem é? O que quer?
Escrivão Ariovaldo: Não sei senhor . Chegou aqui como se
fosse o dono do mundo. Disse que quer falar com o senhor e
com o delegado regional...
Barbosa: Bom dia, o que o sr . Deseja?
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Louco: (com um bigode, jaqueta e chapéu de Guimarães.
Enquadra-o impassível, faz um gesto com o chapéu) Bom
dia. O que aconteceu com sua mão?
Barbosa: Ah, nada. Não foi nada demais. Mas quem é o
senhor?
Louco: Como não foi nada? Então, por que está massage-
ando desse jeito?
Barbosa: Eu perguntei com quem estou falando.
Louco: Isso é sintoma de desequilíbr io. O senhor dever ia
procurar um psiquiatra (dá o cartão), procure esse, diga que é
meu amigo que ele lhe dará um desconto.
Barbosa: Dr . Juliano Moreira J r .?
Louco: Ele é ótimo. Essa sua atitude pode ser sinal de inse-
gurança, sentimento de culpa, insatisfação sexual. O senhor
tem dificuldade com as mulheres?
Barbosa: Ah, pera aí (desfere um murro na mesa) ...
Louco: Está vendo aí? Impulsivo, aposto que o senhor deu
um murro em alguém há pouco tempo, confesse.
Barbosa: Confesso nada. Eu quero é saber com quem estou
falando. E por favor, queira tirar o chapéu...
Louco: Desculpe, não tirei o chapéu por falta de respeito,
foi pela corrente de ar daquela janela aberta. Não pode fechar?
Barbosa: Não, não posso...
Louco: Sem problema, mas deixe-me apresentar: Dr. Pedro
Rocha Pedreira, da Corregedoria Geral...
Barbosa: (espantado) Dr . Pedreira?
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Louco: ... da Corregedor ia Geral.
Barbosa: Sim, sim, entendo.
Louco: Entende o que?
Barbosa: Não, nada.
Louco: Vim revisar o processo da mor te do pichador ...
Barbosa: Ah, sei.
Louco: Sabe?
Barbosa: Quer dizer , não.
Louco: Afinal, sabe ou não sabe?
Barbosa: Quero dizer eu sabia, mas não achava que o se-
nhor viria tão cedo.
Louco: Resolvemos antecipar . Surpreso?
Barbosa: Não, imagine só.
Louco: É melhor nem pensar em mentir para mim, se não...
(levanta o dedo ameaçadoramente). E então? Surpreso?
Barbosa: Sim, bastante... sente-se, sente-se, sinta-se à vonta-
de. Quer me dar seu chapéu? Não. Não, talvez prefira ficar
com ele.
Louco: Tome, pode até ficar com ele, não é meu mesmo...
Barbosa: Como? ... quer que eu feche a janela?
Louco: Não, está bom assim. Eu gostar ia que o senhor
mandasse chamar o delegado regional, quero começar meu tra-
balho o quanto antes.
Barbosa: Cer tamente. O senhor não prefere ir à sala dele?
Lá é mais confortável...
Louco: Lá pode ser até mais confor tável, mas que eu saiba
foi nessa sala que vocês suicidaram o pichador, não é verdade?
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Barbosa: Nós não... quero dizer , foi nessa sala mesmo...
Louco: (abr indo os braços) Então meu quer ido... (senta-se e
tira o processo da bolsa. Ele traz outra bolsa maior de onde tira
algumas bugigangas: uma lupa, um grampeador, um código
penal e um martelo de juiz – ao lado da porta o delegado está
falando em voz baixa com o agente). Eu prefiro delegado que
em minha presença se converse em voz alta.
Barbosa: Queira desculpar Dr . Pedreira. (Para o agente)
Diga ao Delegado para ele vir o quanto antes para cá, assim
que puder...
Louco: Mesmo se não puder ...
Barbosa: Claro, mesmo se não puder ...
Ari: (saindo) Às suas ordens...
Barbosa: deixe-me ligar para o Guimarães. Vou pedir para ele
trazer o processo.
Louco: Não precisa, já tenho tudo aqui comigo...
(Ouve-se lá fora a voz do delegado, nervoso – já entra fa-
lando – o agente fica do lado de fora)
Delegado Regional: Que negócio é esse de eu ter que vir ,
mesmo se não puder?
Barbosa: Queira me desculpar senhor , mas é que...
Delegado: Mas por ra nenhuma, o super ior aqui sou eu, e
tem mais, já estou sabendo do soco que você deu em seu cole-
ga. Isso é coisa que se faça?
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Barbosa: Eu posso explicar senhor . Foi por causa do telefo-
nema...
Delegado: Já não basta o problema que estamos enfrentan-
do por causa da morte do maldito pichador, e você ainda vem
me arranjar problemas com um colega de trabalho. (Barbosa
pede que o delegado faça silêncio, apontando para o louco que
está mexendo em sua pasta fingindo que não presta atenção na
conversa), Como é, você está pedindo para eu calar a boca?
(Barbosa aponta mais uma vez para o louco – o delegado regi-
onal nota a presença do louco, pega Barbosa pelo braço e leva
para um canto). Quem é aquele ali, um jornalista? Pelo amor
de Deus, por que você não me avisou logo?
Louco: (Sem tirar a atenção do que estava fazendo) Não se
preocupe, senhor delegado, não sou jornalista, posso lhe asse-
gurar que daqui não sairá nenhum comentário...
Delegado: Agradeço-lhe muito...
Louco: Inclusive já chamei a atenção do seu subordinado,
que por sinal parece que anda um pouco estressado ultima-
mente...
Delegado: Mas, afinal, com quem devo a honra de estar
falando?
Barbosa: Senhor delegado este é o Dr . Pedreira da Corre-
gedoria Geral. Ele está aqui para conduzir a revisão da morte
do pichador...
Delegado: Ah, mas claro, nós já estávamos esperando o se-
nhor...
Louco: (Para Barbosa). Está vendo como seu super ior é
mais sincero? Bem, mas vamos deixar de conversa e vamos
diretamente aos fatos...
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Delegado: Pois não Dr . Pedreira...
Louco: (folheando os relatór ios). De acordo com os relató-
rios, na noite do último natal, um pichador, segundo vocês,
estava sendo interrogado nesta sala, acusado de fazer picha-
ções nos muros da cidade contra nossa autoridade maior... até
aqui estou correto?
Delegado e Barbosa: Sim senhor .
Louco: (Sempre folheando o relatór io). Quando, por volta
da meia-noite, tomado por um raptus, de acordo com o texto
aqui, raptus é uma angústia violenta, suicida e repentina que
atinge até mesmo pessoas sãs, correto?
Delegado e Barbosa: Sim senhor .
Louco: Por volta da meia-noite, o pichador, tomado por um
raptus, se atirou pela janela se esfacelando no chão, certo?
Delegado e Barbosa: Cer to Senhor .
Louco: Então, sr . Delegado, me mostre como foi a sua fa-
mosa entrada.
Delegado: Famosa entrada?
Louco: Sim, a que fez o pichador praticar o raptus.
Barbosa: Dr . Pedreira, foi uma daquelas táticas que recor-
remos em interrogatórios para fazer o indiciado confessar.
Louco: Mas quem foi que lhe perguntou alguma coisa?
Deixe seu superior falar.
Delegado: Foi mais ou menos assim. O pichador estava sen-
tado, justamente onde o senhor está agora, quando eu entrei de
surpresa, gritando com ele.
Louco: Bravo, muito bem.
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Delegado: (Empolgado) Peguei ele pela aber tura...
Louco: É assim que eu gosto.
Delegado: E fui logo dizendo: “Você me acha com cara de
otário? Temos as provas que foi você quem fez as pichações”.
Louco: E vocês tinham realmente estas provas?
Delegado: Não, mas como o Barbosa falou, é uma daquelas
técnicas as quais recorremos em interrogatórios.
Louco: Muito, esper to, muito esper to. (Dá um tapa nas cos-
tas do delegado). Bem aqui diz, (lendo o relatório) “O pichador
não se intimidou com as acusações, até riu um pouco”. Quem
escreveu isso?
Barbosa: Eu, Dr . Pedreira.
Louco: Logo depois está escr ito “sem dúvida, o medo de
ficar sem trabalhar contribuiu para a crise suicida”.. Eu só não
entendi como ele sorria e logo depois, de repente, tinha medo.
Me digam, o que vocês fizeram, de verdade para o pichador
ficar tão amedrontado?
Barbosa: Dr . Pedreira, juro, eu não fiz nada.
Louco: Vocês estão de br incadeira comigo. Todo mundo
sabe que vocês pegam pesado. Todo bandido tira policial do
sério, só vocês que são bonzinhos, pegam leve?
Delegado: Na verdade, pegamos pesado Dr. Pedreira. primeiro
chamamos ele de coxinha.
Louco: Coxinha?
Delegado: Coxinha é quem defende atual governo.
Louco: E quem não defende?
Guimarães: É pão com mortadela, ou só mortadela.
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Louco: Mortadela? Não ser ia presunto, peito de peru?
Delegado: Não, mor tadela mesmo.
Louco: e nessa histór ia como fica a empada, o pastel, o pão
com ovo?
Delegado: Como assim?
Louco: Deixa pra lá. Então o pichador era um pão com
mortadela e vocês o acusaram de ser coxinha?
Delegado e Guimarães: Sim Dr . Pedreira
Louco: Realmente pegaram pesado. Chamar um pichador ,
mortadela convicto, de coxinha é demais. Aliás, qual o era o
trabalho dele?
Barbosa: Era pintor de painéis, muros e quadros.
Louco: E o que ele fazia no momento da pr isão?
Guimarães: Ele estava com mater ial de pintura na mão.
Louco: Pichando o que?
Guimarães: Ele não estava pichando, no momento ele disse
que ia escrever um poema.
Louco: E vocês prenderam o rapaz só por que ele ia escre-
ver um poema?
Guimarães: não, é que ao lado tinha uma pichação escr ito
“Fora Temer, vampiro do Brasil”.
Louco: e vocês acreditam em vampiro?
Delegado: Não Dr . Pedreira, é que...
Louco: Deixa para lá. Quer dizer então que o pichador era
um artista, só podia ser. Esse pessoal envolvido com arte é tu-
do metido a revolucionário. Mas voltando ao caso, depois que
você o chamou de coxinha ele pulou a janela.
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Delegado: Ainda não. Ele ficou pálido, pediu um cigar ro...
Louco: ... E se jogou.
Delegado: Ainda não. Nós acusamos ele de colocar cocô na
mão da estátua de Castro Alves na praça da Matriz.
Louco: E foi ele?
Barbosa: Não sabemos, mas tínhamos que pressioná-lo de
alguma maneira.
Louco: Vocês exageraram. Pr imeiro não houve flagrante;
depois usaram técnicas de tortura para que ele confessasse;
acusaram-no de colocar cocô na mão de Castro Alves, e o pior,
chamaram ele, um esquerdista convicto, um verdadeiro morta-
dela, de coxinha.
Delegado: Realmente Dr . Pedreira, exageramos.
Louco: Se fosse nos bons tempos da ditadura, quando a
gente podia descer a madeira e não era preciso prestar conta de
nada. Mas agora, com essa tal de democracia, acabou a festa.
Barbosa: Verdade, basta dar um bom cor retivo no melian-
te que aparece imprensa, direitos humanos, jogam na internet.
Louco: Sinto muito, mas as circunstâncias me levam a con-
cluir que vocês são culpados pela morte do pichador, passíveis
de incriminação imediata por instigação ao suicídio!
Delegado: Mas Dr ., o senhor mesmo sabe que é nossa obr i-
gação interrogar os indiciados, e para conseguir que eles fa-
lem, algumas vezes é preciso recorrer a estratagemas, armadi-
lhas e um pouco de violência psicológica.
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Louco: Um pouco pode até ser , mas vocês ultrapassaram
todos os limites. E sabe de uma coisa? A imagem da polícia está
muito desgastada perante a população, precisamos de uns bodes
expiatórios para mudar isso.
Delegado e Barbosa: Mas logo nós?
Delegado: Mas o senhor acha que nos condenarão?
Louco: Claro, se sou eu quem vai dar o veredito.
Barbosa: Dr . Pedreira, maneire para o nosso lado.
Louco: Já estou vendo as manchetes dos jornais: “Policiais
torturadores vão parar no xilindró”.
Delegado: Isso é uma injustiça.
Barbosa: É sacanagem, só inventamos umas mentir inhas.
Louco: Depois da notícia se espalhar , vocês cor rem até o r is-
co de serem linchados na rua.
Delegado: É nisso que dá, a gente se dedica tanto a uma cor -
poração para chegar a esse fim.
Barbosa: Dr . Pedreira o que o senhor nos aconselha?
Louco: (Pensativo) Eu, no lugar de vocês... ( vai até a janela)
Delegado e Barbosa: No nosso lugar ...
Louco: Me jogar ia pela janela...
Delegado e Barbosa: O quê?
Louco: Vocês me pediram um conselho. Nessa situação não
vejo outra saída. Família, colegas de trabalho, imprensa, todo
mundo vai condenar vocês.
Barbosa: Mas Dr . Pedreira...
Louco: Vamos (empurrando-os para a janela), pulem, pulem,
não vai doer nada, coragem.
Delegado: Mas deve ter uma saída.
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Louco: E tem.
Delegado e Barbosa: Qual?
Louco: A janela.
Delegado: Eu ainda tenho esperança.
Louco: Não existe mais esperança, vocês estão perdidos,
não entendem? Perdidos (empurrando-os).
Delegado e Barbosa: Não empurre por favor .
Louco: (empurra os dois até ficarem sentados na janela) É
melhor pular juntos. Não se preocupem, depois digo à todos
que foi um duplo raptus.
Delegado e Barbosa: (se agarrando na janela para não
cair) Socorro, socorro.
(Entra Ari)
Ari: Mas o que está acontecendo?
Louco: Nada, nada, não aconteceu nada não é delegado,
não é Barbosa?
Delegado: Não foi nada, foi só...
Louco: ...Um duplo raptus.
Ari: Um duplo raptus?
Louco: É. Os dois quer iam se jogar da janela.
Ari: Eles também?
Louco: Pois é, quando bate o desespero qualquer um pode
cometer um raptus. Olhe a cara deles, ainda estão assustados.
Ari: É verdade. Será se não se borraram?
Delegado: Mas o que é isso escr ivão, perdeu o respeito pe-
los superiores?
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Louco: Vamos esquecer tudo isso, águas passadas.
Barbosa: Para o senhor é fácil falar .
Delegado: Eu estava quase pulando.
Barbosa: Eu também.
Louco: Foi bom para vocês entenderem como é o raptus.
Delegado: Tudo culpa daqueles que querem nos usar como
bodes expiatórios.
Louco: Nada disso, a culpa é toda minha.
Delegado e Barbosa: Sua?
Louco: Totalmente minha.
Delegado: Não estou entendendo mais nada.
Barbosa: Nem eu.
Ari: Nem eu.
Delegado: Por que o senhor montou essa farsa?
Louco: Farsa não, são armadilhas e truques que utilizamos
para mostrar quanto esses métodos são incivilizados, para não
dizer criminosos.
Delegado: Então, o senhor acha mesmo que fomos nós que
empurramos o pichador pela janela?
Louco: Foi o que vocês deram a entender .
Delegado: Mas no relatór io eu disse que não estava presen-
te na hora em que ele se jogou.
Barbosa: Nem eu...
Louco: Quer dizer então que se um assaltante acende um
estopim de uma bomba para estourar um caixa eletrônico, e
sai, não é culpado por não estar no momento da explosão?
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Delegado: Dr . Pedreira, está havendo uma confusão, pois
existe uma segunda versão.
Louco: Eu também tenho o relatór io da segunda versão.
Delegado: Como o senhor pode ver , na segunda versão,
corrigimos o horário. Informamos que o interrogatório aconte-
ceu às oito da noite e o suicídio à meia-noite.
Barbosa: Tinha um jornalista no pátio, ele viu o baque e
anotou o horário.
Louco: Pelo que estou entendendo, ele pulou às oito e só
caiu à meia-noite?
Delegado: Não é isso Dr . Informamos que o inter rogatór io
aconteceu às oito e que ele pulou à meia-noite. Ninguém vai
nos culpar de ter pressionado o pichador para ele pular, pois se
passaram quatro horas...
Louco: Pensando bem, foi uma boa ideia.
Barbosa: Assim ninguém pode nos culpar de ter jogado o
pichador.
Louco: Parabéns, vocês ar ranjaram uma boa saída.
Delegado: Obr igado Dr . Pedreira. Até pensei que o senhor
estava determinado a nos culpar de qualquer jeito.
Louco: Muito pelo contrár io. Se eu pressionei vocês foi pa-
ra encontrar argumentos para suas defesas.
Delegado: Obr igado Dr . Pedreira. Estou até comovido com
suas palavras...
Louco: Mas vocês devem me ajudar a preparar melhor su-
as defesas. Não pode restar nenhuma dúvida de que vocês são
inocentes...
24
Barbosa: Estamos aqui prontos para colaborar totalmente
com o senhor.
Louco: A pr imeira coisa que devemos provar é que o rap-
tus do pichador não foi causado pela pressão psicológica de
vocês.
Delegado: Nós tr ês confirmamos que, depois de um mo-
mento de desânimo, o pichador se recuperou.
Louco: Sim, está aqui nos relatór ios. Mas tem alguns pro-
blemas. Por exemplo, na primeira versão vocês disseram que o
pichador pediu um cigarro a vocês. Isso aconteceu mesmo?
Delegado: Na verdade, não. Mas o Barbosa aqui achou que
ficaria bom a gente colocar isso.
Louco: Realmente tem muitas contradições. Temos que
consertar isso.
Barbosa: A gente pode tirar essa histór ia do cigarro.
Louco: Não, essa histór ia deve continuar . Isto mostra que
já havia uma intimidade entre vocês e o pichador, e isso é bom.
Delegado: Pode até mudar nossa imagem perante a im-
prensa.
Louco: Isso, demonstrem mais intimidade com o pichador .
O que vocês fizeram mais?
Ari: Eu dei um chiclete para ele.
Louco: Ótimo,(para o delegado e para Barbosa) e vocês?
Delegado: Mas nessa hora eu não estava mais aqui.
Louco: Claro que estava, vocês estavam batendo papo com
o indiciado.
Ari: Estavam que eu vi.
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Louco: Vocês já estavam se convencendo que o pichador
era inocente.
Barbosa: Eu já estava começando a sentir pena do rapaz.
Louco: Isso. Delegado, você, comovido, colocou a mão no
ombro dele
Delegado: Acho que não fiz isso não.
Ari: Fez que eu vi.
Delegado: Bem, se ele viu.
Louco: (Para Barbosa) Você deu até um beliscão car inhoso
na bochecha do pichador (imita como foi).
Barbosa: Ah não, isso eu não fiz não.
Ari: Fez sim, eu vi, foram dois beliscões.
Louco: Está vendo aí? O clima estava tão bom que não ha-
via motivo para suicídio.
Barbosa: Ok, ok, se o senhor fica contente.
Louco: E para livrar a cara de vocês de uma vez, vamos
botar uma música na história.
Delegado e Barbosa: Música?
Louco: Sim, vocês cantaram com o pichador .
Delegado: Dr . Pedreira, assim o senhor já está exagerando.
Barbosa: É verdade Dr . Pedreira. Essa de cantar com o
pichador ninguém vai engolir.
Louco: Quer dizer que eu estou aqui me acabando para
livrar a cara de vocês e vocês não estão nem aí. Quer dizer que
preferem ser condenados que cantar com o indiciado?
26
Ari: Eles cantaram que eu vi.
Louco: Está vendo? Até o Ari quer livrar a cara de vocês.
Delegado: Eu acho que a gente está exagerando, mais se é
para livrar a nossa cara.
Barbosa: E qual a música?
Louco: o Hino Nacional da esquerda: “Para não dizer que
não falei das flores”.
Delegado e Barbosa: Não.
Ari: Sim, eu ouvi.
Louco: Senhores, música comove. Depois que souberem
que vocês cantaram com o pichador ninguém mais vai acredi-
tar que vocês jogaram ele pela janela.
Delegado e Barbosa: Mas nós não jogamos.
Ari: Jogaram que eu vi.
Delegado e Barbosa: Como é que é?
Ari: Desculpe, eu não vi nada.
Louco: Vamos fazer o seguinte, Ari, faça o papel do picha-
dor, fique aqui na cadeira.
Ari: Mas e se eles me jogarem pela janela.
Louco: Não se preocupe, eu não deixo. Vamos lá todo mun-
do cantando... (regendo) “Caminhando e cantando e seguindo a
canção / somos todos iguais braços dados ou
não...” (Delegado, Barbosa e Ari começam timidamente e vão
se animando) ... Parem, parem, parem, está uma desgraça, ou-
vindo vocês cantarem assim até eu estou querendo pular da
janela. Vamos tentar um rock.
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Todos: Um rock???
Louco: Isso, pichador gosta muito de rock, me acompanhem: a
música é “Polícia”, dos Titãs.. vamos lá, som na caixa.
Dizem que ela existe pra ajudar / Dizem que ela existe pra proteger /
Eu sei que ela pode te parar / Eu sei que ela pode te prender
Polícia! Para quem precisa! / Polícia! Para quem precisa de polícia!
Polícia! Para quem precisa! / Polícia! Para quem precisa de polícia!
Louco: (pausa na música). Está muito sem graça. Vamos dançar!
Todos: Dançar?
Louco: Isso, vamos lá., não tem ninguém olhando. (todos come-
çam a dançar timidamente, depois começam a se soltar)
Dizem pra você obedecer / Dizem pra você responder
Dizem pra você cooperar / Dizem pra você respeitar
Polícia! Para quem precisa! / Polícia! Para quem precisa de polícia!
Polícia! Para quem precisa! / Polícia! Para quem precisa de polícia!
(Fim da música – luz apaga de vez - Música circense)
Segundo ato
(Luz acende - todos congelados na posição da dança —
recomeçam os diálogos)
Louco: (aplaudindo) Bravo, bravo, meio desengonçados mas dá
para enrolar. Agora ninguém vai duvidar que o clima estava bom
entre vocês e o pichador...
Ari: Mas então porque o pichador se matou?
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Louco: Boa pergunta.
Delegado: Eu acho que foi...
Louco: ...Nada de acho, vamos juntos tentar achar um mo-
tivo plausível.
Delegado: Vamos.
Barbosa: É melhor mesmo.
Louco: Vocês estavam, consta em todos relatór ios, com
mais duas pessoas.
Ari: Eu e o investigador Paulão.
Louco: O que estavam fazendo?
Barbosa: Inter rogando o meliante, digo, o pichador .
Louco: Mas isso não foi às oito da noite?
Ari: Eles que mudaram os horár ios no relatór io, foi tudo
perto da meia-noite.
Delegado e Barbosa: Cala a boca Ari...
Louco: Que essa conversa não saia daqui.
Barbosa: De jeito nenhum.
Louco: Foi nessa hora que o delegado entrou pesado?
Ari: Foi, eu vi.
Louco: Não, não, não. Estou preparando um novo relatór io
e nesse não pode ter violência. Só estou instigando vocês para
se não entram em contradição.
Ari: Na verdade o inter rogatór io parecia mais um bate-
papo de amigos.
Delegado: Estava até diver tido.
29
Ari: Verdade, a gente r ia muito, o delegado Barbosa, não
parece, mas é um gozador, faz cada interrogatório divertido,
faz todo mundo morrer de rir.
Louco: É melhor não usarmos a palavra mor rer .
Barbosa: Ar i, se atenha ao que lhe for perguntado.
Louco: Mas o que o Ari falou já se espalhou por aí. Dizem
que os interrogatórios aqui são muito divertidos, tanto que tem
gente que nem é bandido e pratica crime só para ser interroga-
do por vocês.
Delegado: Dr . Pedreira, deixe de gozação.
Barbosa: Parece que o Dr . está querendo nos r idicular izar .
Louco: Vamos voltar aos fatos. Vocês estavam inter rogan-
do o pichador e ele, do nada, se levantou e jogou-se da janela.
Ari: Foi assim, eu vi.
Delegado e Barbosa: Cala a boca Ari.
Louco: Mas pode ter sido isso. Todo pichador tem raiva de
policial. Ele pode ter pulado só para morrer e incriminar vocês.
Agora mesmo ele deve estar no túmulo rindo de vocês.
Delegado: Mas Dr . Pedreira, quem vai acreditar numa his-
tória dessa?
Louco: Realmente, ninguém vai acreditar , nem eu. (pode
perguntar a algumas pessoas na plateia)
Barbosa: Eu também tenho algumas reservas.
Ari: Eu também (todos olham para ele). Nada, nada podem
continuar.
Louco: Na verdade eu estou tentando salvar a versão de
vocês que é mais desastrosa ainda.
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Delegado: (Esfregando os braços) Por favor , posso fechar a
janela? De repente bateu um frio.
Louco: Claro, claro, está fazendo fr io.
Barbosa: É que o sol acabou de se por . (Dá um sinal para
Ari fechar a janela.)
Louco: Mas então, naquela noite o sol não se pôs.
Barbosa: Como assim?
Louco: Estou dizendo que na noite que o pichador se ati-
rou, o sol permaneceu alto, não se pôs.
(Delegado, Barbosa e Ari se olham, atônitos)
Delegado: Como assim?
Barbosa: Não estou entendendo.
Louco: Se agora vocês estão pedindo para fechar a janela,
pois está fazendo frio, naquela noite, que era um período mais
frio que agora, estava fazendo calor. Então se fazia calor na-
quele período é porque o sol não tinha se posto... é melhor vo-
cês pensarem antes de falar, estão se embananando todos.
Delegado: Realmente, temos que achar um motivo para a
janela estar aberta, mesmo com o frio que estava fazendo.
Barbosa: Já sei, foi devido à fumaça dos cigar ros. Além do
pichador eu também estava fumando.
Ari: Eu também.
Louco: Você não. Só os super iores fumam. Ok, acho que dá
para engolir esta história, mas vamos a história do pulo.
Delegado: Vamos.
Louco: Quem fez escadinha?
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Barbosa: Como?
Louco: Escadinha, para o pichador pular . Vejam a altura
da janela, o pichador só tinha um metro e sessenta, então al-
guém teve que fazer escadinha para ele pular.
Barbosa: O senhor não está insinuando que nós...
Louco: ... Não, não, de jeito nenhum. Só quero que expli-
quem como ele, tão baixinho, deu um pulo tão grande que foi
parar no meio do pátio.
Barbosa: Eu não tinha pensado nisso.
Louco: Já sei, já sei, o pichador tinha aqueles sapatos de
mola que dá impulso.
Delegado: Que é isso Dr . Pedreira? o assunto é sér io.
Louco: Desculpe, eu não resisti. Mas fica difícil justificar
que um baixinho pule uma janela tão alta, ainda mais com a
sala cheia de gente que poderia impedir.
Ari: Eu tentei impedir Dr . Pedreira, segurei ele pelo pé,
ainda fiquei com o sapato dele na mão.
Delegado: Ótima saída Ar i.
Barbosa: Muito bem.
Ari: obr igado senhores.
Louco: Mas vocês esqueceram de colocar uma coisa no re-
latório.
Delegado: O que?
Louco: De colocar no relatór io que o pichador tinha três
pernas.
Delegado: Que é isso Dr . Pedreira? Assim o senhor está
querendo sacanear.
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Louco: No relatór io está escr ito que encontraram o picha-
dor morto no pátio com os dois sapatos.
Delegado: É verdade.
Barbosa: Não entendo como pode ter acontecido.
Louco: Mas eu entendo.
Delegado, Barbosa e Ari: Entende?
Louco: Prestem atenção, quando o louco se jogou, o Ari
tentou segura-lo, mas só conseguiu pegar o sapato, ok?
Delegado, Barbosa e Ari: Ok.
Louco: Quando viu que o pichador ia cair sem o sapato, o
Ari, preocupado, desceu correndo até o terceiro andar, e, quan-
do o pichador estava passando pela janela colocou o sapato no
pé dele.
Delegado, Barbosa e Ari: Dr . Pedreira.
Delegado: Assim o senhor está sacaneando com a gente.
Louco: Desculpe, eu não resisti novamente.
Barbosa: Por favor , nos ajude ao invés de ficar nos sacane-
ando.
Louco: Tudo bem, tudo bem, vamos procurar uma saída.
(Neste momento o telefone toca, todos ficam imóveis – Bar-
bosa atende)
Barbosa: Pois não... um minuto... está procurando saber se
o delegado está aqui, pois tem uma jornalista que marcou uma
entrevista e está aguardando.
Delegado: É a jornalista do site “Notícias e fofocas urgen-
te”. Dispensa, dispensa, não dá para atender agora.
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Louco: Mas de jeito nenhum. Dispensar a imprensa é uma
afronta. A jornalista pode fazer uma daquelas matérias maldo-
sas e deixar as coisas feias para o lado de vocês.
Delegado: (ao telefone) Aguarde um pouco.
Barbosa: E a investigação?
Louco: Pode esperar , a imprensa é sempre pr ior idade.
Delegado: Então, o senhor espera aqui, enquanto eu a aten-
do em minha sala.
Louco: Nem pensar , traga ela para cá. Eu ajudo vocês.
Nunca abandono os amigos em momentos de aperto.
Delegado: Ela não vai achar estranho a sua presença aqui?
Louco: Não se preocupem, vou mudar de personagem. Ela
não vai sabe quem eu sou.
Barbosa: Então vou mandar ela vir . (Ao telefone) Peça pa-
ra a jornalista subir.
Delegado: obr igado por nos ajudar Dr . Pedreir a.
Louco: De agora em diante não me chamem mais de Dr .
Pedreira, me chamem de Inspetor Geral Dourado...
Barbosa: Mas o inspetor Dourado existe, ele é o nosso supe-
rior e trabalha na central...
Louco: Melhor assim, pois se a jornalista disser alguma coi-
sa contra nós, o próprio inspetor Dourado vai dizer que nunca
esteve com ela...
Delegado: Genial Dr . Pedreira, melhor dizendo, Inspetor Dourado.
Terceiro Ato
(Neste instante o louco vai para um canto da sala, fica de
costa para o público e muda algumas roupas tiradas de
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sua maleta – a luz se apaga aos poucos – depois de alguns
instantes a luz se acende dando continuidade à cena)
(Alguém bate na porta)
Delegado: Ar i, abra a por ta.
Jornalista: O Delegado Regional, por favor .
Delegado: Pois não, senhor ita.
Jornalista: Tainara Silva, do site “Notícias e fofocas ur-
gente”.
Delegado: Estes são o Delegado Barbosa, o escr ivão Ar i e o
Inspetor Geral Dourado.
(O louco vira-se totalmente diferente: além do bigode falso,
um cavanhaque, um tapa olho, uma mão de madeira e uma
perna de madeira (que inicialmente ninguém deve notar) –
o delegado, o inspetor e o agente ficam surpresos)
Delegado: Vamos sentar -nos (sentam-se todos em volta de
uma mesa redonda – só o Ari fica em pé) .
Louco: (Se apresentando à jornalista) Inspetor Geral Olde-
mário Dourado, muito prazer senhorita Tainara.
Jornalista: o prazer é todo meu. (Ela pega na mão dele e
afasta rapidamente)
Louco: Não se preocupe, a mão é de madeira, resultado de
uma missão no Rio de Janeiro, quando caiu um helicóptero...
Jornalista: Aquele derrubado pelos traficantes?
Louco: Está é a histór ia que foi para a imprensa, mas os
verdadeiros motivos foram outros.
Ari: Quais foram Dr., quero dizer Inspetor Dourado?
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Louco: Na verdade o piloto descobr iu que o copiloto tinha
tido um caso com sua mulher e começaram a brigar, tapa pra
lá tapa pra cá e o helicóptero acabou caindo.
Jornalista: Mas disseram que morreram todos na queda,
como o senhor sobreviveu e como ninguém soube da sua pre-
sença?
Louco: Eu estava numa missão secreta. Nem os pilotos sa-
biam que eu estava lá. Quando vi que o helicóptero ia cair
mesmo, pulei com meu guarda-chuva e consegui me salvar.
(Delegado, Barbosa e Ari se olham incrédulos – repórter
fica de boca aberta)
Louco: Mas chega de conversa, vamos à entrevista.
Jornalista: Que bom que estão todos aqui, pois eu ia procu-
rar também o Delegado Barbosa para alguns esclarecimentos.
Louco: Não se acanhe, pode perguntar o que quiser .
(recebe o olhar furioso do delegado e de Barbosa) .
Jornalista: Se não tiverem nada contra irei gravar .
Delegado: Eu acho melhor ...
Louco: (Cor tando) ...Ver se as pilhas estão carregadas...
Delegado: (Para o louco – em voz “baixa”). Mas assim ela
pode nos ferrar...
Jornalista: Algum problema?
Louco: Não, não, muito pelo contrár io, o delegado estava
elogiando seu profissionalismo.
Jornalista: Bem, vou fazer a pr imeira pergunta ao delega-
do Barbosa: Por que o senhor é chamado de delegado maníaco
da janela?
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Barbosa: Maníaco da janela, eu?
Jornalista: Sim, um estudante que foi preso por estar par ti-
cipando de uma passeata de protesto disse que o senhor o trou-
xe para interrogatório e fez ele subir na janela e por pouco ele
não caiu lá de cima.
Louco: (Para Barbosa) Se fer rou.
Jornalista: Por favor , Inspetor Dourado, eu perguntei ao
Delegado Barbosa.
Barbosa: Não me lembro de nenhuma pr isão de estudante.
Louco: (Para Barbosa). Essa mulher é uma cobra, ela está
armando um bote.
Jornalista: (Para o louco). É impressão minha ou o senhor
está querendo tumultuar?
Louco: Eu só estava comentando com meu colega inspetor
que a senhorita é uma mulher muito inteligente para cair numa
conversinha de estudante.
Jornalista: O senhor é muito hábil, Inspetor Dourado.
Barbosa: (Para o louco) Obr igado, me tirou da maior en-
rascada (Dá um tapa nas costas do louco) .
Louco: Cuidado com esses tapas, meu olho pode cair .
Ari: O olho pode cair?
Louco: É que ele é de vidro, resultado de uma missão em
um presídio de Natal, no Rio Grande do Norte.
Ari: Foi tiro?
Louco: Não, eu estava cur iando uma visita íntima na sala
reservada no presídio, quando o detento descobriu e enfiou um
arame pela fechadura e foi bem dentro do meu olho.
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Ari: Kkkkkkkk...
Delegado: Escr ivão Ar iovaldo, tenha modos.
Jornalista: Eu quero tir ar também umas dúvidas quanto ao
horário da queda. Vejamos, (lendo umas anotações) aqui diz
que o pretenso suicídio foi à meia-noite, mas tem um relatório
que diz que uma ambulância foi chamada as onze e cinquenta,
portanto dez minutos antes do pulo.
Louco: Na verdade nós sempre chamamos a ambulância
preventivamente, nunca sabemos o que pode acontecer. Vá lá
que algum maluco resolva pular de uma janela. Mas por que a
insinuação, será se é crime se previdente?
Barbosa: Genial Dr .(dá outro tapa no louco e ouve-se um
barulho de uma bola de vidro caindo no chão).
Louco: Eu não falei para ter cuidado com o olho? agora ele
caiu.
Barbosa: Não se preocupe, nós vamos encontra-lo. Ari me
ajude a procurar.
(Ari e Barbosa se abaixam procurando o “olho” do louco)
Jornalista: Se eu não me engano o Barbosa chamou ele de
Doutor?
Delegado: É que nós soubemos que o Dourado vai ser pro-
movido e já estamos nos acostumando a chama-lo assim...
Jornalista: Senhor delegado, outro esclarecimento que eu
preciso é sobre hematomas em volta do pescoço do pichador...
Delegado: Hematomas no pescoço?
Louco: Eu também ouvi falar sobre isso, expliquem para a
senhorita Tainara o que aconteceu...
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Delegado: (Para Barbosa e Ar i – que desistem de procurar o
olho). Mas é um louco, ao invés de nos ajudar está colocando
mais lenha na fogueira.
Barbosa: (Para o delegado e para Ari) Agora ela nos encur-
ralou de vez.
Jornalistas: Meus colegas jornalistas que viram o corpo
confirmaram as manchas escuras no pescoço.
Delegado: (Para o louco) Nos ajude, agora a situação ficou
feia.
Louco: Deixem comigo. A senhor ita Tainara sabe qual era
a profissão de pichador?
Jornalista: Sei sim, era pintor .
Louco: Pois é, por isso as manchas de tinta no pescoço dele.
Inclusive nos laudos do IML não consta nada disso.
Jornalista: Mas os técnicos do IML são da mesma corpora-
ção de vocês.
Louco: A senhora está fazendo uma acusação?
Delegado: Obr igado Dr ., quero dizer Inspetor Dourado...
Jornalista: Deixa para lá, mas que essa histór ia está mal
contada, está.
Louco: (Neste momento o louco se levanta e se descobre
que ele tem uma perna de pau – todos olham surpresos) ....
Ah, isso foi desativando uma bomba que sobrou de um assalto
em um caixa eletrônico.
(Neste momento alguém abre a porta e entra . É o Delegado
Guimarães com uma caixa que estava em cima do armário
de sua sala. Ele está com uma venda no olho – o louco vai
para o fundo da cena e fica de costa)
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Guimarães: Me desculpem se atrapalho.
Delegado: Venha, venha Guimarães, se acomode.
Guimarães: Só vim mesmo trazer isto aqui. (Mostra uma
caixa)
Delegado: Do que se trata?
Guimarães: É uma das bombas que não detonou no assalto
ao carro forte na semana passada.
Jornalista: Oh, meu Deus, uma bomba?
Guimarães: Não se preocupe , retiramos o detonador .
Delegado: Está bem, coloque a caixa ali em cima e agora
venha fazer as pazes com seu colega.
Guimarães: Eu só quer ia entender por que, do nada, ele me
deu um soco.
Barbosa: Esqueceu do telefonema?
Guimarães: Que telefonema?
Delegado: Calma, calma, depois conversamos, não vê que
temos visitas?
Guimarães: Eu só quer ia saber por que ele entrou e nem
mesmo deu uma boa tarde e já foi me dando um soco.
Louco: (Voltando ao grupo) Ele dever ia pelo menos ter da-
do uma boa tarde, nisso ele tem razão.
Guimarães: Nem isso. Me desculpe, o seu rosto é familiar .
Louco: Vai ver que é pelo tapa-olho (todos riem).
Guimarães: Não, não, juro que o conheço de algum lugar .
Delegado: Guimarães, esse é o Inspetor Geral Dourado.
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Guimarães: Dourado, não, não é possível, eu conheço o
Dourado.
Delegado: (Dá um chute em Guimarães) Não, você não o
conhece.
Guimarães: Mas claro que conheço.
Barbosa: (Dá outro chute) Mas claro que não conhece.
Guimarães: Vai começar é? Agora você não me pega des-
prevenido não.
Delegado: Guimarães, deixa as coisas como estão (chute).
Guimarães: Mas Dourado foi meu companheiro de curso.
Louco: Se o delegado disse para deixar as coisas como es-
tão, é melhor você ficar quieto. (dá um chute e aponta pra Bar-
bosa) Foi ele.
Delegado: (Puxa Guimarães para apresentar à jornalista)
Guimarães, essa é a jornalista responsável pelo site “ Notícias
e fofocas urgente”, senhora Tainara.
Guimarães: Muito prazer , Delegado Guimarães.
Delegado: Entendeu agora?
Guimarães: Não, não entendi.
(Começa um festival de chutes – no fim o louco dá um tapa
na bunda da jornalista)
Jornalista: Mas o que é isso? Afinal o que está acontecendo
aqui?
Delegado: queira desculpar , é que houve um desentendi-
mento interno entre os delegados e estamos tentando resolver...
Guimarães, vamos parar com isso, estamos no meio de uma
entrevista muito importante, entendeu (dá mais um chute)?
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Guimarães: Aí, entendi.
Delegado: Se a senhora quiser pode fazer perguntas a ele
também, ele é especialista em bombas.
Jornalista: Essa bomba não tem o per igo de explodir?
Guimarães: Não, senhora. Ela só explodir ia se fosse coloca-
do o detonador que nós retiramos.
Louco: É um detonador com ativador duplo, só com esse
detonador é que se pode ativar esse explosivo.
Guimarães: Mas aquele não é o Dourado mesmo.
Delegado: (Para Guimarães) Claro que não, idiota, mas
fique na sua.
Jornalista: Bem, já que o delegado e o inspetor disseram
que não tem perigo, eu acredito. Mas vamos voltar ao caso do
pichador. Estão dizendo que o pichador era apenas um bode
expiatório que vocês pegaram para amedrontar esses jovens
que estão cada vez mais presentes nos protestos. O problema é
que vocês pegaram muito pesado e a situação fugiu do controle
culminando, com a morte do rapaz.
Louco: Senhor ita Tainara, essa é a versão dos coxinhas.
Para eles quanto pior melhor. Esses coxinhas não sabem o que
querem, uma hora é fora fulano, outra hora pedem a ditadura,
depois reclamam das reformas do vampiro.
Delegado: Muito bem, r esumiu bem toda situação (aper ta a
mão de madeira que se solta do braço do louco). Queira des-
culpar, parece que desparafusou. (Louco pega e fica segurando
a com a outra mão)
Jornalista: Mas o pessoal da esquerda está denunciando
que a polícia não está tão empenhada em combater as passeatas
quando essas são dos coxinhas.
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Delegado: Quem denuncia isso são os mor tadelas que só
querem tumultuar as coisas.
Jornalistas: Mas convenhamos, senhor delegado, a socieda-
de está um caos, quando as manifestações vão para as ruas é
para reclamar do que está errado.
Barbosa: E porque não falam do que está cer to?
Louco: E tem alguma coisa cer ta?
Guimarães: Esse cara está do nosso lado ou contra a gente?
Delegado: Calma que ele resolve tudo, espera só um pou-
quinho.
Louco: Os mortadelas têm razão, a polícia está do lado dos
coxinhas.
Guimarães: É assim que ele resolve tudo?
Delegado: Mas é um louco.
Guimarães: (Para si mesmo) Louco? Isso mesmo, agora eu
sei quem é ele, é o louco. (Para o delegado) Delegado, eu sei
quem é ele, eu posso lhe dizer.
Delegado: Nós também sabemos quem é ele, e sabemos que
não é o Inspetor Geral Dourado, agora fique calado.
(Guimarães levanta-se e puxa Barbosa para um canto)
Guimarães: Barbosa, aquele ali não é o Dourado, ele está
disfarçado.
Barbosa: Você não está nos dizendo nenhuma novidade. Já
sabemos que ele não é o Dourado, agora fica quieto homem de
Deus.
Jornalista: Mas sua declaração é muito comprometedora
senhor Inspetor.
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Louco: E um grande furo de repor tagem para você.
Guimarães: (Aproxima-se por trás e arranca a venda do
louco) Estão vendo, estão vendo, ele tem olho, ele tem
olho...
(A jornalista fica surpresa – o delegado pega Guimarães
pelo braço e puxa-o para um canto)
Delegado: Mas é claro que ele tem olho idiota. Fica na tua
que depois eu explico tudo. (Delegado coloca Guimarães senta-
do numa cadeira no canto). Não levante daí.
Jornalista: Que engraçado, a venda era só charme?
Louco: É que um dos meus olhos tem alergia a luz, mas sua
beleza curou meu olho.
Jornalista: Quanta gentileza. Mas vamos aos fatos. Senhor
delegado a sociedade está um caos, alguma coisa tem que ser
feita para resolver essa situação.
Delegado: Pois é o que estamos fazendo, e a imprensa ao
invés de ajudar, só nos acusa de violência, de abuso de poder,
disso e daquilo, só dificulta nosso trabalho.
Guimarães: Posso falar?
Delegado, Barbosa e Ari: Não.
(Enquanto a conversa continua Guimarães escapa da cadei-
ra e, abaixado, se aproxima do louco)
Jornalista: Mas o senhor não pode negar que algumas de-
núncias são verdadeiras...
Louco: Senhor ita Tainara. nós estamos numa democracia,
mas convenhamos, essas denúncias contam com um certo exa-
gero...
44
(Neste momento Guimarães se agarra as pernas do louco e
descobre que uma é de madeira)
Guimarães: Estão vendo, estão vendo, a perna dele é de
madeira, é postiça.
Delegado: Guimarães, todos nós já sabíamos...
Barbosa: Larga o homem, está querendo desmontá-lo?
Guimarães: Vocês não estão vendo que ele não é o Doura-
do, ele está enganando todos vocês, na verdade ele é.... (neste
momento Barbosa pega o telefone e empurra na boca de
Guimarães impedindo ele de falar)
Barbosa: Guimarães, telefone para você.
Delegado: Me desculpe senhora, mas querem falar com ele
ao telefone.
Jornalista: Tem alguma coisa estranha acontecendo aqui,
desde que o delegado Guimarães entrou o tumulto começou...
Delegado: Desculpe senhora, é por causa de um desenten-
dimento entre ele e o Barbosa, continue falando com o Inspe-
tor Dourado que vou tentar resolver.
(O louco puxa a jornalista para um canto e ficam conver-
sando enquanto no outro canto está o outro grupo)
Delegado: Mas você enlouqueceu de vez, está querendo nos
arruinar, uma jornalista aqui e você criando o maior tumulto?
Guimarães: Mas ele não é o Dourado.
Barbosa: Nós já sabemos disso, só que a repór ter não pode
saber se não vai estragar toda a investigação interna do proces-
so da morte do pichador...
Guimarães: Que investigação interna?
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Delegado: Cala a boca e telefona (empurra o telefone para
Guimarães)
Guimarães: Alô, alô, quem está falando...
(Jornalista e o louco - sem o bigode e cavanhaque - voltam
ao centro da cena onde encontram o delegado)
Ari: Cadê o bigode dele?
Barbosa: Sei lá...
Jornalista: Mas que confusão, senhor delegado, eu já estava
ficando preocupada com o tumulto, mas agora já entendi tudo...
Delegado: Entendeu?
Jornalista: Entendi, o Inspetor , ou melhor ex-inspetor, me
contou tudo.
Delegado: Tudo. Você contou para ela?
Louco: Contei, não podia continuar mentindo, vai contra
meus princípios.
Delegado: Pelo menos pediu que ela não fizesse nenhuma
matéria sobre isso.
Jornalista: Mas é claro que vou fazer uma matér ia, e já te-
nho até o título. Vejam só: “Bispo visita prédio da polícia”.
Delegados e Ari: Bispo?
Louco: É, bispo, me desculpe se escondi de vocês também.
(Tira da sacola uma batina e começa a se vestir) .
Guimarães: Pelo amor de Deus, Bispo já é demais.
Louco: Deixe-me apresentar, Bispo Constantino designado
pela Diocese de São José para averiguar se houve maus tratos
a um de nossos fiéis tratados aqui por pichador.
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Guimarães: Só faltava essa, o pichador ser da Paróquia.
Delegado: Cala a boca Guimarães, o Dr . Pedreira está se
passando por bispo para nos salvar..
(O louco tira um grande anel da bolsa e estende a mão para
todos beijarem - todos beijam, quando chega a vez de Gui-
marães ele se nega – eles forçam-no a beijar o anel)
Barbosa: Beija o anel seu herege (empurra a cabeça de
Guimarães que, sem alternativa, beija o anel) .
Jornalista: Mas o que deu nele?
Louco: Ele está passando por uma cr ise, deve ser o estresse
do trabalho, já vi acontecer muito isso. Inclusive trago sempre
comigo um calmante preparado no nosso mosteiro para esses
casos (tira uma grande seringa da mala).
Guimarães: Não, não, pelo amor de Deus, não, ele vai me
matar (os colegas seguram e o louco aplica a injeção – Guima-
rães fica inerte na cadeira).
Louco: (Olha a ampola) Sobrou um pouquinho, o Ari está
muito agitado também, tome um pouquinho (aplica rapidamen-
te no Ari que vai bem devagar se escorando em Guimarães)
vão ficar bem, já já vão se recuperar mais calmos.
Delegado: Eminência, em que podemos ajudar?
Louco: Nós, da igreja, achamos que, com tantos acidentes,
suicídios e fatos inexplicáveis acontecendo aqui, vocês deveri-
am ter um padre de plantão para realizar extremas unções.
Barbosa: Que é isso eminência, o senhor está exagerando.
Louco: Br incadeira, br incadeira, é só para descontrair o
ambiente.
Jornalista: (Rindo) Essa é boa...
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Louco: Na verdade acho que o ambiente espir itual aqui
está muito carregado, vou espargir uma água benta nesta sala
(pega da mala um borrifador e sai borrifando toda a sala,
inclusive nas pessoas – por fim da uma esborrifada na cara de
Guimarães e do agente que vão acordando sonolentos – como
se estivessem meio bêbados) .
Delegado: (Cheirando o liquido) Mas isso é álcool.
Louco: Álcool bento.
Jornalista: Deixe-me aproveitar a oportunidade para uma per-
gunta. Eminência, diante de todo esse caos que está acontecen-
do como a igreja se coloca?
Louco: A igreja já se meteu muito nessas questões de esta-
do, desde a idade média. No momento estamos esperando para
ver no que vai dar essa merda toda , desculpe o palavreado...
Delegado: Respeitamos muito as autor idades religiosas..
(Enquanto se desenrola diálogo, Guimarães vai saindo bem
devagar da cadeira e pega uma arma na gaveta da mesa) ...
Guimarães: (Com a arma na mão, apontando para todos) .
Mãos para o alto, ninguém se mexe.
Barbosa: O homem enlouqueceu de vez.
Delegado: Fique calmo Guimarães, vamos conversar .
Guimarães: Fiquem calmos vocês, eu já explico tudo que
está acontecendo. Ari pegue as algemas e prenda todo mundo
no cabide (algema o delegado e Barbosa). Ela também... e você
se algeme também. (para o louco) Agora é entre nós dois.
Delegado: Guimarães, o que você vai fazer?
Barbosa: Homem, não faça nenhuma besteira.
Guimarães: (Apontando a arma para o louco) Se você não
disser quem é a todos aqui, vou lhe meter uma bala.
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Louco: Mas eles podem não acreditar , acho melhor eu
mostrar os documentos.
Guimarães: E onde estão os documentos?
Louco: Naquela maleta ali.
Guimarães: Vá buscar , mas não tente nenhuma gracinha
se não acabo com você agora mesmo.
(Enquanto se levanta para pegar a mala, sem que
“ninguém” veja, pega a bomba em cima da mesa e coloca
na mala ... volta com a mala e senta na cadeira)
Guimarães: Mostre os documentos (louco pega um envelo-
pe e entrega a Guimarães, que vai tirando os documentos e en-
tregando aos algemados) .
Delegado: Nãããão, ex-professor de desenho, aposentado, com
exaltação paranoica... mas é completamente louco.
Guimarães: Mas não é isso que estou querendo dizer desde
a hora que entrei aqui?
Barbosa: O por tador deste documento sofre de for tes
transtornos mentais, incapacitado de exercer qualquer ativida-
de profissional.
Delegado: Me solta aqui Guimarães que ele vai se ver é co-
migo, vou dar uns corretivos nesse, nesse, sei lá o que.
Louco: (Balançando a cabeça negativamente) Tsc, tsc, tcs...
Nem pense, conte para ele Guimarães...
Guimarães: Segundo o ar tigo 122 do Estatuto dos Loucos e
Dementes, ou camisa de força ou nada... podemos até sermos
presos se o maltratamos.
Delegado: Mas Estatuto de Loucos e Dementes não existe.
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Barbosa: Mais uma mentira dele Guimarães...
Jornalista: Isso vai dar um bom ar tigo...
Delegado: Nem pense em publicar nada sobre isso, vou de-
clarar que a senhora também foi enganada pelo louco junto
com todos nós.
Jornalista: É uma pena, eu já estava com uma histór ia tão
boa na cabeça...
Barbosa: E pensar que com as histór ias que inventou aqui
nos meteu tanto medo...
Louco: Vocês ainda não sabem o que é medo...
Jornalista: O que o senhor quer dizer com isso?
Louco: Que medo, vocês vão sentir é agora (puxa a bomba
de dentro da mala)
Jornalista: Mas o delegado Guimarães disse que isso só
funciona...
Louco: (Cor tando e completando a frase) ... com um deto-
nador com ativador duplo... (Puxa da bolsa um pequeno equi-
pamento parecendo um gatilho) ... igual a esse...
Delegado: Com cer teza ele está blefando...
Louco: Estou blefando Guimarães?
Guimarães: (Com a cara espantada) ... Pior que não. Onde
você achou isso?
Louco: Na sua mesa, e é melhor você soltar essa arma, você
sabe que sou louco e é melhor não duvidar que eu detono essa
bomba... e aí nossa conversa vai continuar no mundo espiritu-
al... (Guimarães coloca a arma sobre a mesa) ... e agora se al-
geme com junto com os seus colegas... A cidade, a Bahia, o
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Brasil e o mundo vão saber dessa história, pois desde a hora
que cheguei aqui estou filmando todas as conversas...
Guimarães: Mas é o meu celular ...
Louco: Vou entregar esta gravação ao Dr . Sérgio Loro ...
Delegado: Não, não, ao Sérgio Loro não...
Barbosa: Pelo amor de Deus, não faça isso, ele vai nos fer -
rar...
Guimarães: Entregue ao supremo...
Ari: Não jogue a merda no ventilador ...
Jornalista: Senhor , por favor , vamos abafar esse caso...
Louco: E tem mais, vou deixar vazar tudo para a impren-
sa, vou jogar no Facebook, WhatsApp. O destino de vocês já
não está em minhas mãos, não percam amanhã, mais detalhes
desta sórdida história em toda internet, em todos os jornais,
sites, blogs, emissoras...(citar programas e blogs locais). Vai
ser o maior escândalo, adeus autoridades, adeus cara jornalista,
adeus respeitável público, adeus. (Faz uma reverência e sai do
palco com a mala, a bomba e o celular)
Todos: Socorro...
(Blackout - música animada de circo e depois acende com
todos em cena agradecendo ao público).
FIM.