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Informativo 623-STJ (04/05/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 623-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO PODER DE POLÍCIA Competência do DNIT para fiscalizar trânsito nas rodovias e estradas federais. DIREITO CIVIL POSSE Ação possessória entre particulares e possibilidade de oposição do ente público. PARENTESCO Necessidade de consentimento do indivíduo maior de 18 anos para que possa ser reconhecido como filho. DIREITO PENAL HOMICÍDIO O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo eventual. Juiz da 1ª fase do Júri deve examinar se o agente que conduzia o veículo embriagado praticou homicídio doloso ou culposo. PECULATO Depositário judicial que vende os bens não pratica peculato. DIREITO PROCESSUAL PENAL INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO Não é permitido o ingresso na residência do indivíduo pelo simples fato de haver denúncias anônimas e ele ter fugido da polícia. PROVAS Possibilidade de utilizar os dados da Receita Federal para instruir processo penal. DIREITO TRIBUTÁRIO ICMS É devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. Não incidência de ICMS sobre operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE. DIREITO PREVIDENCIÁRIO AUXÍLIO-DOENÇA Segurado não precisa estar incapacitado para todo e qualquer trabalho para ter direito ao auxílio-doença.

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Informativo 623-STJ (04/05/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

PODER DE POLÍCIA Competência do DNIT para fiscalizar trânsito nas rodovias e estradas federais.

DIREITO CIVIL

POSSE Ação possessória entre particulares e possibilidade de oposição do ente público. PARENTESCO Necessidade de consentimento do indivíduo maior de 18 anos para que possa ser reconhecido como filho.

DIREITO PENAL

HOMICÍDIO O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo eventual. Juiz da 1ª fase do Júri deve examinar se o agente que conduzia o veículo embriagado praticou homicídio doloso ou

culposo. PECULATO Depositário judicial que vende os bens não pratica peculato.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO Não é permitido o ingresso na residência do indivíduo pelo simples fato de haver denúncias anônimas e ele ter fugido

da polícia. PROVAS Possibilidade de utilizar os dados da Receita Federal para instruir processo penal.

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS É devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base

de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. Não incidência de ICMS sobre operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

AUXÍLIO-DOENÇA Segurado não precisa estar incapacitado para todo e qualquer trabalho para ter direito ao auxílio-doença.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

PODER DE POLÍCIA Competência do DNIT para fiscalizar trânsito nas rodovias e estradas federais

Apenas concursos federais!

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT detém competência para a fiscalização do trânsito nas rodovias e estradas federais, podendo aplicar, em caráter não exclusivo, penalidade por infração ao Código de Trânsito Brasileiro, consoante se extrai da conjugada exegese dos arts. 82, § 3º, da Lei nº 10.233/2001 e 21 da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro).

STJ. 1ª Seção. REsp 1.588.969-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 623).

Imagine a seguinte situação hipotética: João estava dirigindo seu veículo a 150km/h em uma rodovia federal quando, então, foi multado por excesso de velocidade. Ocorre que esta multa foi aplicada por um servidor do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte). Inconformado, João ingressou com ação na Justiça Federal pedindo a anulação da sanção sob o argumento de que a competência para aplicar multas de trânsito nas rodovias federais é exclusiva da Polícia Rodoviária Federal. Teria havido, assim, violação da competência para praticar o ato administrativo. A tese de João pode ser aceita? A competência para aplicar multas de trânsito nas rodovias federais é exclusiva da PRF? O DNIT está impedido de aplicá-las? NÃO.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT detém competência para a fiscalização do trânsito nas rodovias e estradas federais, podendo aplicar, em caráter não exclusivo, penalidade por infração ao Código de Trânsito Brasileiro, consoante se extrai da conjugada exegese dos arts. 82, § 3º, da Lei nº 10.233/2001 e 21 da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). STJ. 1ª Seção. REsp 1.588.969-RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 623).

As atribuições do DNIT estão previstas no art. 82 da Lei nº 10.233/2001 (Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação...). Se você ler os incisos do art. 82, não irá realmente encontrar a atribuição de aplicar multas. No entanto, veja o que diz o § 3º do art. 82:

§ 3º É, ainda, atribuição do DNIT, em sua esfera de atuação, exercer, diretamente ou mediante convênio, as competências expressas no art. 21 da Lei nº 9.503, de 1997, observado o disposto no inciso XVII do art. 24 desta Lei.

A Lei nº 9.503/97 é o Código de Trânsito brasileiro e o art. 24 elenca as competências dos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Dentre as competências previstas aos órgãos e entidades executivos rodoviários pelo art. 21 da Lei nº 9.503/97, seu inciso VI determina, de forma clara:

Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

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(...) VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as penalidades de advertência, por escrito, e ainda as multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;

Portanto, se analisarmos o art. 82, § 3º da Lei nº 10.233/2001 combinado com o art. 21, VI, da Lei nº 9.503/97, veremos que o DNIT detém competência para fiscalização do trânsito nas rodovias e estradas federais.

DIREITO CIVIL

POSSE Ação possessória entre particulares e possibilidade de oposição do ente público

Importante!!!

Em ação possessória entre particulares é cabível o oferecimento de oposição pelo ente público, alegando-se incidentalmente o domínio de bem imóvel como meio de demonstração da posse.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.134.446-MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/03/2018 (Info 623).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de reintegração de posse alegando que Pedro invadiu o seu sítio. Foi, então, que o INCRA (autarquia federal) apresentou oposição alegando que nenhum dos dois tinha direito. Isso porque o terreno em discussão pertenceria a ele (INCRA), de forma que os particulares em questão não teriam a posse sobre o bem. O juiz não admitiu a intervenção do INCRA no processo alegando que, em ação possessória não se admite oposição, mesmo que se trate de bem público, porque nesse tipo de demanda discute-se a posse do imóvel, de forma que o INCRA não poderia intervir discutindo o domínio (propriedade). O magistrado invocou, como fundamento legal, o art. 557 do CPC/2015:

Art. 557. Na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.

O argumento utilizado pelo magistrado é aceito pela jurisprudência atual do STJ? NÃO.

Em ação possessória entre particulares é cabível o oferecimento de oposição pelo ente público, alegando-se incidentalmente o domínio de bem imóvel como meio de demonstração da posse. STJ. Corte Especial. EREsp 1.134.446-MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21/03/2018 (Info 623).

Acesso à justiça O STJ afirmou que, neste caso, não se deve aplicar o art. 557 do CPC/2015, sob pena de o Poder Público ficar sem ter como defender sua propriedade, o que violaria a garantia constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF/88). Não se poderia conceber que o Poder Público, sendo titular do bem público, possa ser impedido de postular em juízo a observância do seu direito simplesmente pelo fato de que particulares se anteciparam e estão discutindo entre eles a posse.

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Oposição discute também posse e, apenas incidentalmente, o domínio do bem público Quando se trata de bens públicos, não se pode exigir do Poder Público que demonstre o poder físico sobre o imóvel, para que se caracterize a posse sobre o bem. Esse procedimento é incompatível com a amplitude das terras públicas, notadamente quando se refere a bens de uso comum e dominicais. A posse do Estado sobre seus bens deve ser considerada permanente, independendo de atos materiais de ocupação, sob pena de tornar inviável conferir aos bens do Estado a proteção possessória. Disso decorre que a ocupação dos bens públicos por particulares não significa apenas um ato contrário à propriedade do Estado, mas também um verdadeiro ato de esbulho contra a posse da Administração Pública sobre esses bens. Desse modo, se dois particulares estão discutindo a posse de um bem público e há a oposição do Poder Público, este também estará discutindo a posse do Estado sobre a área. Não significa que o proprietário irá vencer Não se está a afirmar que o proprietário haverá de se sagrar sempre vencedor da demanda possessória. Tanto assim que o parágrafo único do art. 557 do CPC/2015 veio a dispor que “Não obsta à manutenção ou à reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa”. Com efeito, a tutela possessória há de ser concedida àquele que tenha melhor posse, que poderá ser não o proprietário, mas o arrendatário, o cessionário, o locatário, o depositário etc.

PARENTESCO Necessidade de consentimento do indivíduo maior de 18 anos

para que possa ser reconhecido como filho

É imprescindível o consentimento de pessoa maior para o reconhecimento de filiação post mortem.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.688.470-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/04/2018 (Info 623).

Imagine a seguinte situação hipotética: Lucas é filho biológico de Francisca e Pedro. Ocorre que Lucas, desde que tinha 2 anos, foi criado por Maria em razão do precoce falecimento de Francisca e Pedro. Perante a sociedade, o trabalho, os amigos, a escola etc., Lucas sempre foi conhecido como sendo filho de Maria. Lucas, que era oficial do Exército, faleceu aos 30 anos, sem deixar filhos ou esposa. Maria foi orientada no sentido de que ela poderia receber pensão por morte decorrente do falecimento de seu filho socioafetivo Lucas. Isso porque o direito, atualmente, reconhece efeitos jurídicos para a filiação socioafetiva. No entanto, para isso, Maria deveria ingressar com uma ação de reconhecimento de filiação post mortem. Diante disso, Maria ingressou com ação de reconhecimento judicial de maternidade socioafetiva pedindo para ser declarada como mãe de Lucas. Essa ação teve êxito? NÃO. Isso porque o STJ entendeu que seria indispensável a manifestação de vontade de Lucas (suposto filho) e, como ele está morto, o pedido deveria ser julgado improcedente.

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Maternidade socioafetiva possui proteção do ordenamento jurídico A socioafetividade é contemplada pelo art. 1.593 do Código Civil, que prevê:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

Ao falar em “outra origem”, o legislador permite que a paternidade/maternidade seja reconhecida com base em outras fontes que não apenas a relação de sangue. Logo, permite a paternidade/maternidade com fundamento no afeto. Assim, a paternidade/maternidade socioafetiva é uma forma de parentesco civil. Nesse sentido, confira o Enunciado nº 256 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:

Enunciado 256-CJF: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.

Quais são os requisitos para que se reconheça a filiação socioafetiva? Para que seja reconhecida a filiação socioafetiva, é necessário que fiquem demonstradas duas circunstâncias bem definidas: a) vontade clara e inequívoca do apontado pai ou mãe socioafetivo de ser reconhecido(a), voluntária e juridicamente, como tal (demonstração de carinho, afeto, amor); e b) configuração da denominada “posse de estado de filho”, compreendida pela doutrina como a presença (não concomitante) de tractatus (tratamento, de parte à parte, como pai/mãe e filho); nomen (a pessoa traz consigo o nome do apontado pai/mãe); e fama (reconhecimento pela família e pela comunidade de relação de filiação), que naturalmente deve apresentar-se de forma sólida e duradoura. STJ. 3ª Turma. REsp 1.328.380-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/10/2014 (Info 552). É possível o reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva mesmo após a morte do genitor (post mortem)? SIM. É possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem, ou seja, mesmo após a morte do suposto pai/mãe socioafetivo. Em outras palavras, é possível que o suposto filho ingresse com ação pedindo para ser reconhecido como filho socioafetivo do pai ou mãe que já faleceu. STJ. 3ª Turma. REsp 1.500.999-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/4/2016 (Info 581). Por que, no caso analisado, a ação de Maria foi julgada improcedente? Porque o filho (Lucas) não deu seu consentimento antes de morrer. Consentimento do(a) filho(a) é indispensável Para que haja o reconhecimento da paternidade ou maternidade, é necessário o consentimento do suposto filho? • Se este filho for menor de 18 anos: NÃO. Pode reconhecer sem o consentimento do filho, mas depois que este completar 18 anos, terá até 4 anos para questionar esse reconhecimento. • Se este filho for maior de 18 anos: SIM. Será indispensável o consentimento do filho.

É o que determina o Código Civil:

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

Não havia dúvidas de que o relacionamento entre Maria e Lucas desenvolveu-se como mãe e filho, na base do puro e fraterno afeto, ternura e amor. Apesar disso, não se pode, sem o consentimento do pretenso filho – que é impossível no caso concreto –, reconhecer a existência da maternidade socioafetiva pleiteada por Maria, sob pena de se promover um injustificado ataque à memória e à imagem póstuma de Lucas e também de sua genitora biológica Francisca.

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DIREITO PENAL

HOMICÍDIO O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo eventual

Juiz da 1ª fase do Júri deve examinar se o agente que conduzia o veículo embriagado praticou homicídio doloso ou culposo

O simples fato do condutor do veículo estar embriagado não gera a presunção de que tenha havido dolo eventual

A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte.

A embriaguez do agente condutor do automóvel, sem o acréscimo de outras peculiaridades, não pode servir como presunção de que houve dolo eventual.

Juiz da 1ª fase do Júri deve examinar se o agente que conduzia o veículo embriagado praticou homicídio doloso ou culposo

Na primeira fase do Tribunal do Júri, ao juiz togado cabe apreciar a existência de dolo eventual ou culpa consciente do condutor do veículo que, após a ingestão de bebida alcoólica, ocasiona acidente de trânsito com resultado morte.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, dirigindo embriagado, bateu na traseira de outro veículo, causando a morte do outro condutor. O Ministério Público denunciou o sujeito por homicídio doloso (art. 121 do CP), sob a alegação de que agiu com dolo eventual de matar. Procedimento do Tribunal do Júri Quando a pessoa é denunciada por crime doloso contra a vida, ela responde a um processo penal que é regido por um procedimento especial próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP). Procedimento bifásico do Tribunal do Júri O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou escalonado) porque se divide em duas etapas: 1) Fase do sumário da culpa (iudicium accusationis): é a fase de acusação e instrução preliminar (formação da culpa). Inicia-se com o oferecimento da denúncia (ou queixa) e termina com a preclusão da sentença de pronúncia. 2) Fase de julgamento (iudicium causae). Sentença que encerra o sumário da culpa Ao final da 1ª fase do procedimento do júri (sumário da culpa), o juiz irá proferir uma sentença, que poderá ser de quatro modos:

PRONÚNCIA IMPRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DESCLASSIFICAÇÃO O réu será pronunciado quando o juiz se convencer de que existem prova da

O réu será impronunciado quando o juiz não se convencer:

O réu será absolvido, desde logo, quando estiver provado (a):

Ocorre quando o juiz se convencer de que o fato narrado não é um crime

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materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação. O juiz, ao pronunciar, deverá utilizar linguagem sóbria e comedida, a fim de não exercer nenhuma influência nos jurados. Deve evitar adjetivos ou outras palavras de censura contra o réu, sob pena de ser nula por excesso de linguagem (“eloquência acusatória”).

• da materialidade do fato; • da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Ex.: a única testemunha que havia reconhecido o réu no IP não foi ouvida em juízo.

• a inexistência do fato; • que o réu não é autor ou partícipe do fato; • que o fato não constitui crime; • que existe uma causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Ex.: todas as testemunhas ouvidas afirmaram que o réu não foi o autor dos disparos.

doloso contra a vida, mas sim um outro delito, devendo, então, remeter o processo para o juízo competente. Ex.: juiz entende que não houve homicídio doloso, mas sim latrocínio.

Recurso cabível: RESE. Recurso cabível: APELAÇÃO. Recurso cabível: APELAÇÃO. Recurso cabível: RESE.

Voltando ao nosso exemplo: O juiz, ao fim da 1ª fase do procedimento do júri, pronunciou o acusado por homicídio doloso, designando dia para julgamento do réu pelo Plenário popular. Diante disso, o réu interpôs recurso em sentido estrito argumentando que a embriaguez ao volante não é suficiente para configurar o dolo eventual. Requereu a desclassificação do fato típico imputado para o crime de homicídio tipo culposo, previsto no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro. A primeira pergunta que surge é a seguinte: a embriaguez ao volante, por si só, já justifica considerar a existência de dolo eventual? NÃO.

A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte. STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623).

O que isso quer dizer? Nem todo mundo que, dirigindo embriagado, causar a morte de outra pessoa, terá que responder por homicídio doloso (dolo eventual). Não há uma correlação obrigatória, automática, entre embriaguez ao volante e dolo eventual. A embriaguez ao volante é uma circunstância negativa que deve ser levada em consideração no momento de se analisar se o réu agiu ou não com dolo eventual. No entanto, não se pode estabelecer como premissa que qualquer sempre haverá dolo eventual nesse caso. Desse modo, não existe uma presunção de que o condutor que mata alguém no trânsito praticou o crime com dolo eventual. Embriaguez ao volante + outros elementos = dolo eventual Para que fique configurado o dolo eventual, além da embriaguez ao volante é necessário que haja outros elementos nos autos de que o condutor estivesse dirigindo de forma a assumir o risco de provocar acidente sem se importar com eventual resultado fatal de seu comportamento. Ex1: condutor, além de embriagado, dirigia o automóvel em velocidade muito acima do permitido. Ex2: condutor, além de embriagado, dirigia o automóvel, propositalmente, em zigue-zague na pista ou fazendo sucessivas ultrapassagens perigosas. Ex3: condutor do automóvel, além de embriagado, dirigia desrespeitando sinal vermelho. Ex4: condutor do automóvel, além de embriagado, “jogou” o veículo contra pedestres para assustá-los ou passou por outros automóveis “tirando fino” e freando logo em seguida. Ex5: recentemente, o STF decidiu que configura dolo eventual o caso do condutor embriagado que entrou na contramão e atingiu uma motocicleta, causando a morte da vítima:

Verifica-se a existência de dolo eventual no ato de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na contramão. Esse é, portanto, um caso específico que evidencia a diferença entre a culpa

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consciente e o dolo eventual. O condutor assumiu o risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco de, eventualmente, causar lesões ou mesmo a morte de outrem. STF. 1ª Turma. HC 124687/MS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/5/2018 (Info 904).

Enfim, além da embriaguez, deve haver um plus, isto é, uma circunstância a mais que caracterize o dolo eventual. Segunda pergunta: o juiz, no fim da 1ª fase do procedimento, pode desclassificar a conduta do réu que dirigia o carro embriagado para homicídio culposo ou isso seria uma forma de usurpar do Júri a competência para decidir o tema (art. 5º, XXXVIII, “d”, da CF/88)? Chegando um caso de homicídio causado por condutor embriagado, o juiz deverá obrigatoriamente pronunciar o réu para que o Tribunal do Júri decida se houve dolo eventual ou culpa consciente? O juiz pode desclassificar sim. Ele não é obrigado a remeter para o Plenário do Júri e isso não viola o art. 5º, XXXVIII, “d”, da CF/88. Conforme decidiu o STJ:

Na primeira fase do Tribunal do Júri, ao juiz togado cabe apreciar a existência de dolo eventual ou culpa consciente do condutor do veículo que, após a ingestão de bebida alcoólica, ocasiona acidente de trânsito com resultado morte. STJ. 6ª Turma. REsp 1.689.173-SC, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 21/11/2017 (Info 623).

A primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri tem o objetivo principal de avaliar a suficiência ou não de razões (justa causa) para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (iudicium accusationis) funciona, assim, como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). Não é uma tarefa fácil distinguir, na prática, o que seja dolo eventual ou culpa consciente, especialmente em homicídios causados na direção de automóvel. Isso porque é sempre muito difícil ter certeza sobre o elemento anímico que move a conduta do agente. Se essa dificuldade existe para o julgador togado, “que emite juízos técnicos apoiados em séculos de estudos das ciências penais, o que se pode esperar de um julgamento realizado por pessoas que não possuem esse saber e que julgam a partir de suas íntimas convicções, sem explicitação dos fundamentos e razões que definem seus julgamentos?” Se o legislador criou um procedimento bifásico para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, em que a primeira fase se encerra com uma avaliação técnica, empreendida por um juiz togado, o qual se socorre da dogmática penal e da prova dos autos, e mediante devida fundamentação, não se pode, então, desprezar esse “filtro de proteção para o acusado” e submetê-lo ao julgamento popular sem que se façam presentes as condições necessárias e suficientes para tanto.

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PECULATO Depositário judicial que vende os bens não pratica peculato

Importante!!!

O depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o crime de peculato (art. 312 do CP).

O crime de peculato exige, para a sua consumação, que o funcionário público se aproprie de dinheiro, valor ou outro bem móvel em virtude do “cargo”.

Depositário judicial não é funcionário público para fins penais, porque não ocupa cargo público, mas a ele é atribuído um munus, pelo juízo, em razão do fato de que determinados bens ficam sob sua guarda e zelo.

STJ. 6ª Turma. HC 402.949-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 13/03/2018 (Info 623).

Obs: vale ressaltar que o STJ decidiu apenas que a conduta do depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o crime de peculato, pois não é funcionário público e não ocupa cargo público. No entanto, a depender das peculiaridades do caso concreto, a conduta pode configurar, em tese, os tipos penais dos arts. 168, § 1º, II, 171 ou 179 do Código Penal.

Imagine a seguinte situação hipotética: A Fazenda Pública estadual ingressou com execução fiscal contra a empresa JC Calçados. Foram penhorados 200 pares de sapatos, avaliados em R$ 10 mil. O juiz da execução determinou que João (sócio da empresa) deveria ficar como depositário judicial desses sapatos. Alguns meses depois o juiz expediu mandado de constatação e reavaliação dos bens (sapatos). O oficial de justiça certificou ser inviável o cumprimento da determinação judicial porque o estabelecimento comercial encontrava-se fechado. Houve, então, determinação judicial para que João apresentasse os bens penhorados ou o dinheiro correspondente. Ele informou que os havia vendido. Interrogado no inquérito policial, João declarou que vendeu os pares de calçados porque ele necessitava de dinheiro para pagar seus funcionários. Diante disso, o Ministério Público denunciou João pela prática do crime de peculato (art. 312 do CP):

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Segundo o MP, João, na condição de depositário judicial, é um “auxiliar do juízo” (art. 149 do CPC/2015), devendo, portanto, ser considerado como funcionário público para os fins penais, nos termos do art. 327 do CP:

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

A tese do MP foi acolhida pelo STJ? NÃO.

O depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o crime de peculato. STJ. 6ª Turma. HC 402.949-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 13/03/2018 (Info 623).

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Comete peculato o funcionário público que se apropria de bem móvel de que tem a posse em razão do cargo. A definição legal de cargo público é fornecida pela Lei nº 8.112/90:

Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Cargo, segundo Nucci, “é o posto criado por lei na estrutura hierárquica da Administração Pública, com denominação e padrão de vencimentos próprios, ocupado por servidor com vínculo estatutário (ex.: cargo de delegado de polícia, de oficial de justiça, de auditor da receita etc.)”. (Código penal comentado. 13ª ed., São Paulo: RTJ, 2013, p. 1.203). O depositário judicial não ocupa cargo criado por lei, não recebe vencimento nem tem vínculo estatutário. Trata-se de uma pessoa que, embora tenha que exercer uma função no interesse público do processo judicial, é estranha aos quadros da justiça e, pois, sem ocupar qualquer cargo público, exerce um encargo por designação do juiz (munus público). Não ocupa, de igual modo, emprego público nem função pública. É, na verdade, um auxiliar do juízo que fica com o encargo de cuidar de bem litigioso. Desse modo, a conduta não se enquadra na figura típica do art. 312 do CP, porque não há funcionário público, para fins penais, nos termos do art. 327 do CP, em razão da ausência da ocupação de cargo público. Observação Vale ressaltar que o STJ decidiu apenas que a conduta do depositário judicial que vende os bens sob sua guarda não comete o crime de peculato, pois não é funcionário público e não ocupa cargo público. No entanto, a depender das peculiaridades do caso concreto, a conduta pode configurar, em tese, os tipos penais dos arts. 168, § 1º, II, 171 ou 179 do Código Penal:

Apropriação indébita Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena § 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: (...) II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

Estelionato Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

Fraude à execução Art. 179. Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Responsabilização civil do depositário No âmbito cível, o depositário infiel poderá ser responsabilidade pelas perdas e danos que causou. No entanto, este ressarcimento deverá ser feito em processo autônomo, não podendo ocorrer dentro da própria execução fiscal onde o depósito foi originalmente decretado. Nesse sentido:

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(...) O depositário judicial possui o dever de guarda e conservação dos bens penhorados, arrestados ou arrecadados, caso não cumpra com diligência o seu mister, responde pelos prejuízos advindos do seu dolo ou culpa. Contudo, a legislação não possibilita que o depositário seja responsabilizado na própria Ação de Execução Fiscal e, muito menos, que seja deferida a penhora eletrônica dos seus ativos financeiros, via BACENJUD. (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1581272/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 05/04/2016.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO Não é permitido o ingresso na residência do indivíduo pelo simples fato

de haver denúncias anônimas e ele ter fugido da polícia

Importante!!!

A existência de denúncias anônimas somada à fuga do acusado, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou determinação judicial.

STJ. 6ª Turma. RHC 83.501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623).

Imagine a seguinte situação hipotética: Os policiais se deslocaram para o bairro Bom Jesus para verificar “denúncias anônimas”, recebidas pelo “disque denúncia”, de que estaria sendo praticado tráfico de drogas. Ao chegarem no local, viram que João correu quando avistou a polícia. Os policiais perseguiram João e entraram na casa para onde ele correu. Ao revistarem a residência, encontraram 132 pedras de crack, 84 papelotes de cocaína e ainda 26 trouxinhas de maconha. João foi preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006). O Ministério Público ofereceu denúncia na qual sustentou que a prisão foi legal considerando que o crime de tráfico de drogas é permanente quando praticado nas modalidades “ter em depósito” e “guardar”. Dessa forma, João estava em flagrante delito sendo permitido o ingresso na residência sem autorização, conforme previsto no art. 5º, XI, da CF/88. No presente caso acima narrado, o ingresso dos policiais na casa foi legal? NÃO. Vamos entender com calma. Inviolabilidade de domicílio A CF/88 prevê, em seu art. 5º, a seguinte garantia:

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Entendendo o inciso XI: Só se pode entrar na casa de alguém sem o consentimento do morador nas seguintes hipóteses:

Durante o DIA Durante a NOITE

• Em caso de flagrante delito; • Em caso de desastre;

• Em caso de flagrante delito; • Em caso de desastre;

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• Para prestar socorro; • Para cumprir determinação judicial (ex: busca e apreensão; cumprimento de prisão preventiva).

• Para prestar socorro.

Assim, guarde isso: não se pode invadir a casa de alguém durante a noite para cumprir ordem judicial. O que é considerado "dia"? Não há uma unanimidade. Há os que defendem o critério físico-astronômico, ou seja, dia é o período de tempo que fica entre o crepúsculo e a aurora. Outros sustentam um critério cronológico: dia vai das 6h às 18h. Existem, ainda, os que sustentam aplicar o parâmetro previsto no CPC, que fala que os atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas. O mais seguro é só cumprir a determinação judicial após as 6h e até as 18h. O que se entender por "casa"? O conceito é amplo e abrange: a) a casa, incluindo toda a sua estrutura, como o quintal, a garagem, o porão, a quadra etc. b) os compartimentos de natureza profissional, desde que fechado o acesso ao público em geral, como escritórios, gabinetes, consultórios etc. c) os aposentos de habitação coletiva, ainda que de ocupação temporária, como quartos de hotel, motel, pensão, pousada etc. Veículo é considerado casa? Em regra não. Assim, o veículo, em regra, pode ser examinado mesmo sem mandado judicial. Exceção: quando o veículo é utilizado para a habitação do indivíduo, como ocorre com trailers, cabines de caminhão, barcos etc. Flagrante delito Vimos acima que, havendo flagrante delito, é possível ingressar na casa mesmo sem consentimento do morador, seja de dia ou de noite. Um exemplo comum no cotidiano é o caso do tráfico de drogas. Diversos verbos do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 fazem com que este delito seja permanente:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Assim, se a casa do traficante funciona como boca-de-fumo, onde ele armazena e vende drogas, a todo momento estará ocorrendo o crime, considerando que ele está praticando os verbos “ter em depósito” e “guardar”. Diante disso, havendo suspeitas de que existe droga em determinada casa, será possível que os policiais invadam a residência mesmo sem ordem judicial e ainda que contra o consentimento do morador? SIM. No entanto, no caso concreto, devem existir fundadas razões que indiquem que ali está sendo cometido um crime (flagrante delito). Essas razões que motivaram a invasão forçada deverão ser posteriormente expostas pela autoridade, sob pena de ela responder nos âmbitos disciplinar, civil e penal. Além disso, os atos praticados poderão ser anulados.

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O STF possui uma tese fixada sobre o tema:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 (repercussão geral) (Info 806).

Voltando ao nosso exemplo: O STJ, ao analisar um caso semelhante ao que foi narrado como exemplo, entendeu que o ingresso na residência de João foi ilegal. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Os policiais procederam à abordagem de João tão somente com base em denúncias anônimas recebidas por meio de canal telefônico. Não havia, contudo, referência a prévia investigação policial para verificar a possível veracidade das informações recebidas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Ainda, o fato de haverem avistado o investigado João empreender fuga não poderia, de igual forma, justificar a invasão da residência considerando que os policiais não viram se ele estava na posse de substância entorpecente, tendo havido a perseguição pelo simples fato de ele ter corrido. Dessa forma, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da CF/88, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão da droga após a invasão desautorizada do domicílio do réu. Resumindo:

A existência de denúncias anônimas somada à fuga do acusado, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou determinação judicial. STJ. 6ª Turma. RHC 83.501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623).

PROVAS Possibilidade de utilizar os dados da Receita Federal para instruir processo penal

Importante!!!

Os dados do contribuinte que a Receita Federal obteve das instituições bancárias mediante requisição direta (sem intervenção do Poder Judiciário, com base nos arts. 5º e 6º da LC 105/2001), podem ser compartilhados, também sem autorização judicial, com o Ministério Público, para serem utilizados como prova emprestada no processo penal. Isso porque o STF decidiu que são constitucionais os arts. 5º e 6º da LC 105/2001, que permitem o acesso direto da Receita Federal à movimentação financeira dos contribuintes (RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016. Info 815). Este entendimento do STF deve ser estendido também para a esfera criminal.

Assim, é possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal, em regular procedimento administrativo fiscal, para fins de instrução processual penal.

STF. 1ª Turma. RE 1043002 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 01/12/2017.

STF. 2ª Turma. RHC 121429/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/4/2016 (Info 822).

STJ. 6ª Turma. HC 422.473-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/03/2018 (Info 623).

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Imagine a seguinte situação adaptada: Samuel era sócio administrador de uma empresa. A Receita Federal instaurou procedimento fiscal contra a sociedade empresária sob a suspeita de que estaria havendo sonegação de tributos. No curso do procedimento, a Receita, sem autorização judicial, requisitou diretamente do banco os extratos bancários da empresa. A título de curiosidade, essa determinação é chamada de requisição de informações sobre movimentação financeira (RMF). A Receita fundamentou sua requisição no art. 6º da LC nº 105/2001:

Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

De posse dos extratos, o Fisco constatou que realmente houve sonegação de tributos e, por conta disso, autuou a pessoa jurídica e fez a constituição definitiva do crédito tributário. Ação penal A Receita Federal encaminhou cópia integral do processo administrativo-fiscal, inclusive dos extratos bancários, e o MPF, com base nesses elementos informativos (“provas emprestadas”), denunciou Samuel como incurso no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Alegação de prova ilícita Ao se defender, Samuel sustentou a ilicitude da "prova" colhida (extratos bancários), alegando que teria havido uma quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. Desse modo, essa "prova" não poderia ser utilizada no processo penal. A tese do réu é aceita pela jurisprudência do STF? É necessária prévia autorização judicial para que a Receita Federal compartilhe com o Ministério Público dados bancários do contribuinte que ela obteve mediante requisição direta dos bancos? NÃO.

Os dados do contribuinte que a Receita Federal obteve das instituições bancárias mediante requisição direta (sem intervenção do Poder Judiciário, com base nos arts. 5º e 6º da LC 105/2001), podem ser compartilhados, também sem autorização judicial, com o Ministério Público, para serem utilizados como prova emprestada no processo penal. Isso porque o STF decidiu que são constitucionais os arts. 5º e 6º da LC 105/2001, que permitem o acesso direto da Receita Federal à movimentação financeira dos contribuintes (RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016. Info 815). Este entendimento do STF deve ser estendido também para a esfera criminal. Assim, é possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal, em regular procedimento administrativo fiscal, para fins de instrução processual penal. Ora, se o meio pelo qual a Receita Federal obteve tais informações do processo administrativo fiscal foi legítimo, mostra-se lícita sua utilização para fins da persecução criminal. STF. 1ª Turma. RE 1043002 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 01/12/2017. STF. 2ª Turma. RHC 121429/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/4/2016 (Info 822). STJ. 6ª Turma. HC 422.473-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/03/2018 (Info 623).

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DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS É devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária

para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida

Em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.

STJ. 1ª Turma. REsp 687.113-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por unanimidade, julgado em 05/04/2018 (Info 623).

ICMS O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II — operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

Principais características do imposto:

plurifásico: incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não-cumulatividade;

real: as condições da pessoa são irrelevantes;

proporcional: não é progressivo;

fiscal: tem como função principal a arrecadação. Fatos geradores Eduardo Sabbag afirma que, resumidamente, o ICMS pode ter os seguintes fatos geradores (Manual de Direito Tributário. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1061):

circulação de mercadorias;

prestação de serviços de transporte intermunicipal;

prestação de serviços de transporte interestadual;

prestação de serviços de comunicação. Regra da não cumulatividade O art. 155, § 2º, I, da CF/88 determina que o ICMS “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”. Ricardo Alexandre explica a regra da não cumulatividade: “A cada aquisição tributada de mercadoria, o adquirente registra como crédito o valor incidente na operação. Tal valor é um “direito” do contribuinte (“ICMS a recuperar”), que pode ser abatido do montante incidente nas operações subsequentes. A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor incidente na operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor devido aos cofres públicos estaduais (ou distritais) ou compensá-los com os créditos obtidos nas operações anteriores (trata-se do “ICMS a recolher”). Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Caso os créditos sejam maiores, a

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diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento.” (Direito Tributário esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 580). SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PARA A FRENTE E RESTITUIÇÃO DO ICMS PAGO A MAIS

Substituição tributária para a frente (progressiva) A substituição tributária progressiva, também chamada de substituição tributária para a frente ou subsequente, é uma técnica de arrecadação de alguns impostos, em especial o ICMS. Na substituição tributária para a frente, a lei prevê que o tributo deverá ser recolhido antes mesmo que ocorra o fato gerador. Desse modo, primeiro há o recolhimento do imposto e, em um momento posterior, ocorre o fato gerador. Diz-se, então, que o fato gerador é presumido porque haverá o pagamento do tributo sem se ter certeza de que ele irá acontecer. Previsão A substituição tributária progressiva é prevista na própria CF/88:

Art. 150 (...) § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Incluído pela EC 3/93)

Vale ressaltar que, mesmo antes da EC 3/93, que incluiu esta previsão na CF/88, os Estados já adotavam a técnica da substituição tributária progressiva e o STF considerava legítima. Assim, mesmo antes da EC 3/93 era possível a substituição tributária para a frente. Exemplo “A” é uma refinaria de combustíveis que vende gasolina para os distribuidores (“B”). Os distribuidores revendem para os postos de gasolina (“C”) que, por fim, vendem ao consumidor final (“D”). Para o Estado é mais fácil cobrar de “A” todo o tributo que irá incidir sobre a cadeia produtiva. Assim, “A” pagará o imposto por ele devido como contribuinte e também os impostos que irão incidir sobre as vendas futuras (nesse caso, pagará como substituto tributário/responsável tributário). (ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 10ª ed. São Paulo: Método, 2016, p. 317-319).

Veja como fica a cadeia de vendas e a incidência do imposto:

Refinaria vende para distribuidores (refinaria paga o tributo como contribuinte e também já paga, como responsável tributário, o imposto relacionado com as vendas futuras).

Distribuidores vendem para postos de gasolina (distribuidores não irão mais recolher o imposto, uma vez que este já foi pago pela refinaria, como substituto tributário).

Postos de gasolina vendem para os consumidores (postos não pagarão o imposto, uma vez que este já foi pago pela refinaria, como substituto).

Assim, todo o tributo é pago de uma só vez pela refinaria ("A"), sendo o imposto calculado sobre o valor pelo qual se presume que a mercadoria será vendida ao consumidor (ALEXANDRE, Ricardo, p. 319). E se o fato gerador presumido não ocorrer? Ex: a refinaria pagou o imposto relacionado com as vendas futuras na qualidade de responsável tributário; suponhamos, no entanto, que houve um acidente no distribuidor e ele perdeu toda a gasolina que revenderia; logo, o FG que se presumiu que ocorreria não aconteceu, apesar de o imposto já ter sido pago. O que fazer neste caso? A CF/88 determina expressamente que, se o fato gerador presumido não se realizar, a Administração Pública deverá restituir a quantia paga, de forma imediata e preferencial (art. 150, § 7º).

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E se o fato gerador presumido ocorrer, mas com um valor diverso do que foi presumido e calculado? Ex: a refinaria pagou o imposto relacionado com as vendas futuras na qualidade de responsável tributário; suponhamos que o imposto foi calculado presumindo que o distribuidor venderia o combustível por R$ 1,00 o litro, mas, na realidade, diante de uma crise no mercado, ele só conseguiu vender por R$ 0,70; logo, a base de cálculo do imposto (valor da mercadoria efetivamente vendida) foi inferior àquela que havia sido presumida; diante disso, na prática, pagou-se um valor de imposto maior do que o que seria realmente devido. O que fazer neste caso? Haverá direito à restituição do valor pago a mais de imposto? SIM. O STF decidiu que:

É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pago a mais, no regime de substituição tributária para a frente, se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. STF. Plenário. ADI 2675/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski e ADI 2777/SP, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgados em 19/10/2016 (Info 844). STF. Plenário. RE 593849/MG, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 19/10/2016 (repercussão geral) (Info 844).

A substituição tributária, prevista no art. 150, § 7º, da CF/88, tem como fundamento o princípio da praticidade. Por meio desta técnica, o Estado consegue comodidade, economicidade e eficiência na execução administrativa das leis tributárias. No entanto, a praticidade tributária encontra freio nos princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação do confisco, bem como na arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS. Desse modo, é papel do Poder Judiciário tutelar situações que extrapolem o limite da razoabilidade, como é o caso em tela, no qual o contribuinte paga um valor maior do que efetivamente devido, tendo, portanto, direito de ser restituído. Para o Min. Edson Fachin, a tributação não pode se transformar em uma ficção jurídica, em uma presunção absoluta (juris et de jure) na qual o fato gerador presumido assuma um caráter definitivo e sejam desprezadas as variações decorrentes do processo econômico. Não permitir a restituição nestes casos representaria injustiça fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, fundado em legítimas expectativas emanadas de uma relação de confiança e justeza entre Fisco e contribuinte. Desse modo, a restituição do excesso atende ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, haja vista a não ocorrência da materialidade presumida do tributo. E o STJ? O STJ passou a acompanhar o STF:

Em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. STJ. 1ª Turma. REsp 687.113-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, por unanimidade, julgado em 05/04/2018 (Info 623).

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ICMS Não incidência de ICMS sobre operações financeiras

realizadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE

Não incide ICMS sobre as operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

STJ. 1ª Turma. REsp 1.615.790-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 20/02/2018 (Info 623).

Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) é uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e que tem por objetivo viabilizar e gerenciar a comercialização de energia elétrica. Sua criação foi autorizada pela Lei nº 10.848/2004 e se materializou com a edição do Decreto nº 5.177/2004. Seu funcionamento é regulado e fiscalizado pela ANEEL. A CCEE tem a natureza jurídica de uma associação civil, sendo composta pelos agentes que fazem a geração, distribuição e comercialização de energia elétrica. Mercado Cativo É a forma tradicional de “compra” da energia elétrica. O consumidor adquire e recebe a energia elétrica que é fornecida exclusivamente pela Distribuidora local, com o preço e as demais condições de fornecimento reguladas pela ANEEL. Não existe negociação. O consumidor paga a “tarifa de energia” definida pela ANEEL e só irá receber energia da Distribuidora que atua naquela cidade e que está “conectada” à unidade consumidora (casa, empresa, loja etc.). Mercado Livre de Energia O Mercado Livre de Energia é uma permissão dada pela Lei segundo a qual “vendedores” e “compradores” podem negociar energia elétrica livremente entre si, respeitada a regulamentação do setor. Assim, a lei permitiu que determinados consumidores passassem a contratar o seu fornecimento de energia elétrica diretamente com Geradores e Comercializadores, independentemente de sua localização geográfica. A maioria das indústrias do país “compra” sua energia elétrica do Mercado Livre de Energia. Vale ressaltar que as transações de compra e venda de energia do Mercado Livre são registradas e contabilizadas pela CCEE. Essas contratações podem ser feitas por um período de curto ou longo prazo. Quais são as vantagens da empresa comprar energia no Mercado Livre? Em geral, ela pagará um preço menor (em virtude da possibilidade, em tese, de negociação). Ela poderá prever de forma mais exata os seus custos porque existe a possibilidade de ser estabelecido um preço fixo para a energia comprada. Qualquer um pode passar a comprar energia no Mercado Livre? NÃO. É necessário o preenchimento de alguns requisitos. Ex: consumidores especiais (aqueles que possuem demanda igual ou superior a 0,5 MW) podem comprar no Mercado Livre. Consumidores cativos e livres Por conta disso, diz-se que existem dois tipos de consumidores: • Consumidores cativos: são aqueles que recebem a energia diretamente de distribuidora, sem margem de negociação ou escolha. Correspondem aos consumidores “comuns”, ou seja, as residências e os empreendimentos de pequeno e médio portes. • Consumidores livres: são aqueles que possuem condições e passam a adquirir a energia do Mercado Livre.

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Os consumidores livres devem pagar ICMS sobre a chamada tarifa de energia? SIM. O ICMS pode ter os seguintes fatos geradores: • Circulação de mercadorias; • Prestação de serviços de transporte intermunicipal; • Prestação de serviços de transporte interestadual; • Prestação de serviços de comunicação. A energia elétrica é considerada “mercadoria”, havendo, portanto, o pagamento de ICMS. Em verdade, a própria CF/88 catalogou a energia elétrica como mercadoria para fins de ICMS (art. 155, § 2º, X, “b” e § 3º). Incide o ICMS mesmo no caso do Mercado Livre? Em regra, sim. Incide ICMS sobre as operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)? NÃO.

Não incide ICMS sobre as operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). STJ. 1ª Turma. REsp 1.615.790-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 20/02/2018 (Info 623).

Mercado de Curto Prazo da CCEE As operações do Mercado de Curto Prazo da CCEE envolvem as sobras e os déficits de energia elétrica que foi contratada bilateralmente entre os consumidores livres e os agentes de produção e/ou comercialização, tendo a CCEE o papel de intermediar, de forma multilateral, os consumidores credores e devedores, realizando a liquidação financeiras dessas posições, utilizando como parâmetro o Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) por ela apurado. Em outras palavras, imagine que uma empresa havia contratado comprar X de energia no Mercado Livre. Ocorre que ela precisou de mais energia do que havia contratado. Diante disso, ela poderá pedir da CCEE para adquirir as sobras de contratos realizados por outros consumidores no Mercado de Curto Prazo. Seria bis in idem O STJ entende que as operações financeiras acertadas no Mercado de Curto Prazo da CCEE estão fora do campo de incidência do ICMS sobre o serviço de fornecimento de energia elétrica. Isso porque as operações realizadas no Mercado de Curto Prazo não se caracterizam propriamente como “contratos de compra e venda de energia elétrica”, mas sim como uma “cessão de direitos entre consumidores”, intermediadas pela CCEE, para a utilização de energia elétrica adquirida no Mercado Livre, mediante a celebração de contratos bilaterais, e cujo valor total já sofreu a tributação do imposto estadual, o que permite inclusive concluir que nova tributação dessas sobras implicaria indevido bis in idem. Exemplo: a empresa “A” adquiriu 1 MW de energia elétrica no Mercado Livre. Ocorre que ela só utilizou 0,7 MW. Ela irá ceder os 0,3 MW restantes e a empresa “B”, que precisa disso porque seu consumo foi maior do que o previsto, vai no Mercado de Curto Prazo e adquire esses 0,3 MW. Nessa operação não será preciso pagar ICMS. Isso porque a empresa “A”, quando adquiriu 1 MW, já pagou o ICMS e agora ela está apenas cedendo parte dessa energia para a empresa “B”. Assim, tais operações não decorrem propriamente de contratos de compra e venda de energia elétrica, mas sim de cessões de direitos entre consumidores, intermediadas pela CCEE, para a utilização de energia elétrica adquirida no mercado livre cujo valor total já sofreu a tributação do ICMS.

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Informativo 623-STJ (04/05/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

Consumidores que atuam no Mercado de Curto Prazo não são agentes do setor elétrico O fato de os consumidores poderem operar no Mercado de Curto Prazo, como credores ou devedores em relação ao volume originalmente contratado, não os transforma em agentes do setor elétrico aptos a realizar alguma das tarefas imprescindíveis ao processo de circulação física e jurídica dessa riqueza, relativas à sua geração, transmissão ou distribuição, de tal modo que nenhum deles, consumidor credor ou devedor junto ao CCEE, podem proceder a saída dessa “mercadoria” de seus estabelecimentos, o que afasta a configuração do fato gerador do imposto nos termos do art. 2º e 12 da LC 87/96. O que se quer dizer: o consumidor que está cedendo seu excesso de energia adquirida não está vendendo efetivamente considerando que essa energia não sai do seu estabelecimento. Ela está apenas cedendo o crédito que ela tinha e que não vai mais utilizar.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

AUXÍLIO-DOENÇA Segurado não precisa estar incapacitado para todo

e qualquer trabalho para ter direito ao auxílio-doença

Não encontra previsão legal a exigência de comprovação de que o segurado esteja completamente incapaz para o exercício de qualquer trabalho para concessão do benefício de auxílio-doença.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.474.476-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/04/2018 (Info 623).

Em que consiste o benefício Auxílio-doença é... - um benefício previdenciário - pago, mensalmente, pelo INSS - ao segurado do regime geral da previdência social (RGPS) - que ficar incapacitado - de exercer o seu trabalho ou a sua atividade habitual - por mais de 15 dias consecutivos. Assim, para que seja concedido o auxílio-doença é necessário que o segurado, após cumprida a carência, seja considerado incapaz temporariamente para o exercício de sua atividade laboral habitual. Esse benefício encontra-se previsto nos arts. 59 a 63 da Lei nº 8.213/1991. Perícia Deve ser realizada uma perícia para se aferir a capacidade do segurado de exercer a sua função habitual. A análise se restringirá em verificar se a doença ou lesão compromete (ou não) sua aptidão para desenvolver suas atividades laborais habituais. Incapacidade não precisa ser para qualquer trabalho Para a concessão de auxílio-doença não se exige comprovação de que o segurado esteja completamente incapaz para o exercício de qualquer trabalho, requisito este que só é necessário para a concessão de aposentadoria por invalidez. Para a concessão do auxílio-doença, exige-se a incapacidade para exercício da atividade laboral habitual do segurado.

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Informativo 623-STJ (04/05/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

Exemplo: João trabalhava como estivador (atividade braçal). João está com enfermidade na coluna que o impede de exercer atividades físicas pesadas. Apesar disso, ele poderia, em tese, desempenhar atividades intelectuais. Desse modo, João não está completamente incapaz para o exercício de qualquer trabalho (ele está incapacitado apenas para atividades físicas pesadas). Mesmo assim, João terá direito ao auxílio-doença considerando que ele se encontra incapacitado para o exercício de sua atividade laboral habitual. Reabilitação Em situações assim, em que o segurado apresenta incapacidade para o exercício de sua atividade habitual, mas permanece com capacidade laboral para o desempenho de outras atividades, o trabalhador terá direito à concessão do benefício de auxílio-doença até ser reabilitado para o exercício de outra atividade compatível com a limitação laboral diagnosticada. Em suma:

Não encontra previsão legal a exigência de comprovação de que o segurado esteja completamente incapaz para o exercício de qualquer trabalho para concessão do benefício de auxílio-doença. STJ. 1ª Turma. REsp 1.474.476-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/04/2018 (Info 623).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) O DNIT não possui competência para fiscalizar trânsito nas rodovias e estradas federais. ( ) 2) Em ação possessória entre particulares não é cabível o oferecimento de oposição pelo ente público,

alegando-se incidentalmente o domínio de bem imóvel como meio de demonstração da posse. ( ) 3) É imprescindível o consentimento de pessoa maior para o reconhecimento de filiação post mortem, salvo

se, durante a vida, ele deu demonstrações públicas do afeto. ( ) 4) A embriaguez do agente condutor do automóvel, por si só, não pode servir de premissa bastante para a

afirmação do dolo eventual em acidente de trânsito com resultado morte. ( ) 5) Na primeira fase do Tribunal do Júri, ao juiz togado cabe apreciar a existência de dolo eventual ou culpa

consciente do condutor do veículo que, após a ingestão de bebida alcoólica, ocasiona acidente de trânsito com resultado morte. ( )

6) O depositário judicial que vende os bens sob sua guarda comete o crime de peculato (art. 312 do CP). ( ) 7) A existência de denúncias anônimas somada à fuga do acusado configuram fundadas razões a autorizar

o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou determinação judicial. ( ) 8) É possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal, em regular procedimento

administrativo fiscal, para fins de instrução processual penal. ( ) 9) Não é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS

pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida. ( )

10) Não incide ICMS sobre as operações financeiras realizadas no Mercado de Curto Prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). ( )

11) Não encontra previsão legal a exigência de comprovação de que o segurado esteja completamente incapaz para o exercício de qualquer trabalho para concessão do benefício de auxílio-doença. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. E 4. C 5. C 6. E 7. E 8. C 9. E 10. C 11. C