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Informativo 624-STJ (18/05/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 624-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA SUBJETIVA DAS SANÇÕES Súmula 615-STJ. LICITAÇÃO Flexibilização da Lei 8.666/93 no “Minha Casa, Minha Vida”. SERVIDORES PÚBLICOS Termo inicial do adicional de insalubridade. VPNI: incorporação pelo subsídio e incidência do teto. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Súmula 611-STJ. DIREITO CIVIL SEGURO Súmula 610-STJ. CONDOMÍNIO Ação de cobrança de débitos condominiais proposta contra o arrendatário. PODER FAMILIAR Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco. ALIMENTOS Dedução das despesas pagas in natura. DIVÓRCIO Mesmo já havendo um acordo homologado sobre a partilha de bens, é possível que seja feito um novo ajuste posteriormente. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PODER FAMILIAR Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco. DIREITO AMBIENTAL FATO CONSUMADO Súmula 613-STJ. DIREITO PROCESSUAL CIVIL AÇÃO CIVIL PÚBLICA Legitimidade do MP para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE

DIREITO ADMINISTRATIVO

PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA SUBJETIVA DAS SANÇÕES Súmula 615-STJ. LICITAÇÃO Flexibilização da Lei 8.666/93 no “Minha Casa, Minha Vida”. SERVIDORES PÚBLICOS Termo inicial do adicional de insalubridade. VPNI: incorporação pelo subsídio e incidência do teto.

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Súmula 611-STJ. DIREITO CIVIL

SEGURO Súmula 610-STJ. CONDOMÍNIO Ação de cobrança de débitos condominiais proposta contra o arrendatário. PODER FAMILIAR Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco. ALIMENTOS Dedução das despesas pagas in natura. DIVÓRCIO Mesmo já havendo um acordo homologado sobre a partilha de bens, é possível que seja feito um novo ajuste

posteriormente.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

PODER FAMILIAR Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco.

DIREITO AMBIENTAL

FATO CONSUMADO Súmula 613-STJ. DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Legitimidade do MP para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos.

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DIREITO PENAL

LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS Delito do art. 54 da Lei 9.605/98 é formal.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

SUJEITOS DO PROCESSO Nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica e dispensa de procuração.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Súmula 612-STJ. IPTU Súmula 614-STJ. PIS / COFINS É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF 247/2002 e 404/2004.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA Segurado que tenha desempenhado serviço rurícola antes da Lei nº 8.213/91. PREVIDÊNCIA PRIVADA Desligamento de participante e fim do direito ao rateio do superávit.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA SUBJETIVA DAS SANÇÕES Súmula 615-STJ

Súmula 615-STJ: Não pode ocorrer ou permanecer a inscrição do município em cadastros restritivos fundada em irregularidades na gestão anterior quando, na gestão sucessora, são tomadas as providências cabíveis à reparação dos danos eventualmente cometidos.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018.

Imagine a seguinte situação adaptada: O Estado do Amapá celebrou convênio com a União (Ministério das Cidades). Por meio desse convênio, o Estado receberia determinadas verbas para realizar projetos de interesse social, assumindo o compromisso de prestar contas junto ao Ministério e ao TCU da utilização de tais valores. A União detectou supostas irregularidades no convênio e, em razão disso, o Estado foi inserido no SIAF, que é uma espécie de cadastro federal de inadimplência. Com a referida inscrição, o Estado-membro ficou impedido de contratar operações de crédito, celebrar convênios com órgãos e entidades federais e receber transferências de recursos. O Estado-membro não concordou com a inclusão no cadastro e ajuizou ação ordinária contra a União alegando que houve violação ao princípio da intranscendência subjetiva das sanções, uma vez que o inadimplemento ocorreu em gestão anterior (era outro Governador).

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O que é o princípio da intranscendência subjetiva das sanções? O princípio da intranscendência subjetiva significa que não podem ser impostas sanções e restrições que superem a dimensão estritamente pessoal do infrator e atinjam pessoas que não tenham sido as causadoras do ato ilícito. Na jurisprudência do STF encontramos dois exemplos de aplicação desse princípio em casos envolvendo inscrição de Estados e Municípios nos cadastros de inadimplentes da União: 1ª acepção: quando a irregularidade foi praticada pela gestão anterior Existem julgados do STF afirmando que se a irregularidade no convênio foi praticada pelo gestor anterior e a gestão atual, depois que assumiu, tomou todas as medidas para ressarcir o erário e corrigir as falhas (exs: apresentou todos os documentos ao órgão fiscalizador, ajuizou ações de ressarcimento contra o antigo gestor etc.), neste caso, o ente (Estado ou Município) não poderá ser incluído nos cadastros de inadimplentes da União. Assim, segundo esta acepção, o princípio da intranscendência subjetiva das sanções proíbe a aplicação de sanções às administrações atuais por atos de gestão praticados por administrações anteriores. Segundo o Min. Luiz Fux, “não se pode inviabilizar a administração de quem foi eleito democraticamente e não foi responsável diretamente pelas dificuldades financeiras que acarretaram a inscrição combatida”. Logo, deve-se aplicar o princípio da intranscendência subjetiva das sanções, impedindo que a Administração atual seja punida com a restrição na celebração de novos convênios ou recebimento de repasses federais. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. AC 2614/PE, AC 781/PI e AC 2946/PI, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 23/6/2015 (Info 791). Assim, “o princípio da intranscendência subjetiva das sanções inibe a aplicação de severas sanções às administrações por ato de gestão anterior à assunção dos deveres públicos.” (STF. 1ª Turma. ACO 3014 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/05/2018). A própria AGU admite esta tese:

Súmula 46-AGU: Será liberada da restrição decorrente da inscrição do município no SIAFI ou CADIN a prefeitura administrada pelo prefeito que sucedeu o administrador faltoso, quando tomadas todas as providências objetivando o ressarcimento ao erário.

O STJ comunga também desse entendimento exigindo sempre que a gestão sucessora tenha tomado as providências cabíveis à reparação dos danos eventualmente cometidos. Por isso, editou a súmula 615:

Súmula 615-STJ: Não pode ocorrer ou permanecer a inscrição do município em cadastros restritivos fundada em irregularidades na gestão anterior quando, na gestão sucessora, são tomadas as providências cabíveis à reparação dos danos eventualmente cometidos.

2ª acepção: quando a irregularidade foi praticada por uma entidade do Estado/Município ou pelos outros Poderes que não o Executivo Além do caso acima explicado, o princípio da intranscendência subjetiva das sanções pode ser aplicado também nas situações em que uma entidade estadual/municipal (ex: uma autarquia) descumpriu as regras do convênio e a União inscreve não apenas essa entidade, como também o próprio ente (Estado/Município) nos cadastros restritivos. Nesse sentido:

(...) O postulado da intranscendência impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator. Em virtude desse princípio, as limitações jurídicas que derivam da inscrição, em cadastros públicos de inadimplentes, das autarquias, das empresas governamentais ou das entidades paraestatais não podem atingir os Estados-membros, projetando, sobre estes, consequências jurídicas desfavoráveis e gravosas, pois o inadimplemento obrigacional – por revelar-se unicamente imputável aos entes menores integrantes da administração descentralizada – só a estes pode afetar.

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Os Estados-membros e o Distrito Federal, em consequência, não podem sofrer limitações em sua esfera jurídica, motivadas pelo só fato de se acharem administrativamente vinculadas a eles as autarquias, as entidades paraestatais, as sociedades sujeitas a seu poder de controle e as empresas governamentais alegadamente inadimplentes e que, por tal motivo, hajam sido incluídas em cadastros federais (CAUC, SIAFI, CADIN, v.g.). (...) STF. Plenário. ACO 1848 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 06/11/2014.

Também viola o princípio da intranscendência quando o Estado-membro é incluído nos cadastros de inadimplentes da União por irregularidades praticadas pelos outros Poderes que não o Executivo:

A imposição de sanções ao Executivo estadual em virtude de pendências dos Poderes Legislativo e Judiciário locais constitui violação do princípio da intranscendência, na medida em que o Governo do Estado não tem competência para intervir na esfera orgânica daquelas instituições, que dispõem de plena autonomia institucional a elas outorgadas por efeito de expressa determinação constitucional. STF. Plenário. ACO 2995 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 23/02/2018.

LICITAÇÃO Flexibilização da Lei 8.666/93 no “Minha Casa, Minha Vida”

Importante!!!

As regras gerais previstas na Lei nº 8.666/93 podem ser flexibilizadas no Programa Minha Casa Minha Vida, por força do art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 10.188/2001, desde que se observem os princípios gerais da administração pública.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.687.381-DF, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/04/2018 (Info 624).

Lei nº 10.188/2001 A Lei nº 10.188/2001 criou o Programa de Arrendamento Residencial. O objetivo desse Programa foi o de garantir moradia à população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. A gestão do Programa cabe ao Ministério das Cidades e sua operacionalização à Caixa Econômica Federal (CEF). Tendo em vista o caráter social do programa, o legislador decidiu que as regras de licitação poderiam ser flexibilizadas. Confira:

Art. 4º (...) Parágrafo único. As operações de aquisição, construção, recuperação, arrendamento e venda de imóveis obedecerão aos critérios estabelecidos pela CEF, respeitados os princípios da legalidade, finalidade, razoabilidade, moralidade administrativa, interesse público e eficiência, ficando dispensada da observância das disposições específicas da lei geral de licitação.

Pergunta: esse art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 10.188/2001, que flexibiliza as regras de licitação, pode ser aplicado também para o programa “Minha Casa, Minha Vida”? SIM.

As regras gerais previstas na Lei nº 8.666/93 podem ser flexibilizadas no Programa Minha Casa Minha Vida, por força do art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 10.188/2001, desde que se observem os princípios gerais da administração pública. STJ. 2ª Turma. REsp 1.687.381-DF, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/04/2018 (Info 624).

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Programa Minha Casa, Minha Vida “Minha Casa, Minha Vida” é um programa habitacional que tem por objetivo criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (art. 1º da Lei nº 11.977/2009). Trata-se hoje da principal política habitacional do país que objetiva o desenvolvimento urbano e o acesso à moradia para famílias de baixa renda, a fim de reduzir o enorme déficit habitacional brasileiro e também os impactos ambientais e sociais decorrentes das ocupações irregulares e das habitações precárias. O interesse social desse Programa é inegável, principalmente na perspectiva da efetivação do direito fundamental à moradia digna, da inserção desse direito entre as necessidades básicas dos brasileiros e da competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para promover programas de construção de moradias e melhorias das condições habitacionais, nos termos dos arts. 1º, III, 7º, IV, e 23, IX, da Constituição Federal. Em face da peculiaridade de sua natureza e do flagrante interesse social envolvido no “Programa Minha Casa, Minha Vida”, por força do art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 10.188/2001, eventualmente, as regras gerais previstas na Lei nº 8.666/93 podem ser flexibilizadas, desde que se observem os princípios gerais da administração pública, isto é, aqueles previstos no art. 37 da Constituição Federal e que se consubstanciam em legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

SERVIDORES PÚBLICOS VPNI: incorporação pelo subsídio e incidência do teto

O direito à percepção de VPNI não impede a sua eventual absorção pelo subsídio e, do mesmo modo, não inviabiliza a aplicação do teto constitucional, que inclui a vantagem de caráter pessoal no cômputo da remuneração do servidor para observância do teto.

STJ. 1ª Turma. RMS 33.744-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2018 (Info 624).

TETO REMUNERATÓRIO

A CF/88 prevê, em seu art. 37, XI, o chamado “teto remuneratório”, ou seja, o valor máximo que os agentes públicos podem receber no país. O objetivo do constituinte foi o de evitar que alguns agentes públicos recebessem os chamados “supersalários”, que são incompatíveis com o serviço público. Além de um teto geral (nacional), o dispositivo constitucional prevê limites específicos para o âmbito dos Estados e Municípios (chamados de subtetos). O teto geral do serviço público no Brasil é o subsídio dos Ministros do STF que, atualmente, está em R$ 33.763,00 (bruto). A quem se aplica o teto? O teto é aplicado aos agentes públicos independentemente do tipo de vínculo: estatutário, celetista, temporário, comissionado, político. O teto vale também para a Administração direta e indireta?

Agentes públicos da administração direta: SEMPRE

Agentes públicos das autarquias e fundações: SEMPRE

Empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista: o teto somente se aplica se a empresa pública ou a sociedade de economia mista receber recursos da União, dos Estados, do DF ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (art. 37, § 9º).

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Quais as parcelas incluídas nesse limite? Regra: o teto abrange todas as espécies remuneratórias e todas as parcelas integrantes do valor total percebido, incluídas as vantagens pessoais ou quaisquer outras. Exeções: Estão fora do teto as seguintes verbas: a) parcelas de caráter indenizatório previstas em lei (§ 11 do art. 37); b) verbas que correspondam aos direitos sociais previstos no art. 7º c/c o art. 39, § 3º da CF/88, tais

como 13º salário, 1/3 constitucional de férias etc. (Fernanda Marinela); c) quantias recebidas pelo servidor a título de abono de permanência em serviço (§ 19 do art. 40); d) remuneração em caso de acumulação legítima de cargos públicos. O STJ entende que se o servidor

acumular dois cargos públicos nas hipóteses previstas na CF/88, a remuneração de cada cargo não poderá ser superior ao teto constitucional, sendo possível, no entanto, que a soma dos dois ultrapasse esse limite (STJ. 2ª T. AgRg no AgRg no RMS 33.100/DF, Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 07/05/2013). Ex.: se determinado Ministro do STF for também professor da UnB, ele irá receber seu subsídio integral como Ministro e mais a remuneração decorrente do magistério. Nesse caso, o teto seria considerado especificamente para cada cargo, sendo permitido que ele recebesse acima do limite previsto no art. 37, XI da CF, se considerarmos seus ganhos globais.

Obs.: esse quadro de exceções é a posição atualmente majoritária, mas o STF ainda irá examinar e definir o tema em um recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral e que aguarda julgamento. Os proventos recebidos pelo agente público aposentado também estão submetidos ao teto? Sim. A redação do art. 37, XI, menciona expressamente os proventos. O teto remuneratório existe desde quando? A redação originária da CF/88 já previa a existência de um teto remuneratório, mas o dispositivo constitucional não era autoaplicável. Assim, na prática, o teto só foi implementado com a EC nº 41/2003. Confira a evolução histórica do tema:

Redação original da CF/88: previa, no inciso XI do art. 37, que cada ente da Federação deveria editar sua própria lei fixando o teto remuneratório dos servidores públicos. Na prática, o teto não era exigido porque, segundo a jurisprudência, o inciso XI não era autoaplicável, já que dependia de lei para produzir todos seus efeitos.

EC 19/98: alterou esse inciso estabelecendo que o teto remuneratório seria um só para todos os servidores públicos do país, sendo este limite o subsídio mensal dos Ministros do STF. Na prática, o teto continuava não sendo exigido porque ainda não havia lei.

EC 41/2003: alterou novamente o inciso XI trazendo duas novidades importantes: 1) passou a admitir que os Estados e Municípios instituíssem subtetos estaduais e municipais; 2) previu que, mesmo sem lei regulamentando, o teto remuneratório deveria ser imediatamente aplicado, utilizando-se como limite o valor da remuneração recebida, na época, pelo Ministro do STF (art. 8º da EC 41/2003).

EC 47/2005: acrescentou o § 11 ao art. 37 estabelecendo que estão fora do limite do teto as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.

Dessa forma, na prática, o teto passou a vigorar no Brasil a partir da EC nº 41/2003, que foi publicada em 31/12/2003. Isso porque, como vimos acima, essa Emenda afirmou expressamente que, enquanto não houvesse lei regulamentando o inciso XI, o valor do teto seria a remuneração do Ministro do STF na época. O primeiro valor do teto remuneratório foi de R$ 19.115,19, remuneração do Ministro do STF naquele momento.

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REMUNERAÇÃO DAS PESSOAS QUE RECEBIAM ACIMA DO TETO

Quando o teto foi finalmente implementado na prática (EC 41/2003), o que aconteceu com a remuneração das pessoas que recebiam acima do teto que foi instituído? Essas pessoas tiveram direito adquirido de continuar recebendo acima do teto? NÃO. O art. 9º da EC nº 41/2003 determinou que quaisquer remunerações ou proventos que estivessem sendo recebidos acima do teto deveriam ser imediatamente reduzidos ao limite fixado, não podendo a pessoa invocar direito adquirido. Assim, em 01/01/2004, se o servidor público tinha uma remuneração de R$ 25.000,00, por exemplo, passou a receber apenas R$ 19.115,19. Obviamente, tal situação gerou reação das pessoas prejudicadas, que recorreram ao Poder Judiciário questionando a constitucionalidade dessa previsão. O que decidiu o STF? Era possível aplicar imediatamente o teto previsto na EC nº 41/2003, reduzindo a remuneração de quem ganhava acima desse valor? SIM. O STF decidiu, em sede de repercussão geral, que o teto fixado pela EC nº 41/2003 é de eficácia imediata e todas as verbas de natureza remuneratória recebidas pelos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios devem se submeter a ele, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior. A aplicação imediata da EC nº 41/2003 e a redução das remunerações acima do teto não afrontou o princípio da irredutibilidade nem violou a garantia do direito adquirido. Em outras palavras, com a EC nº 41/2003, quem recebia acima do teto fixado teve a sua remuneração reduzida para respeitar o teto. Essa redução foi legítima. STF. Plenário. RE 609381/GO, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 2/10/2014 (Info 761). Mas isso não viola o princípio da irredutibilidade da remuneração/proventos? NÃO. Segundo o STF, a garantia da irredutibilidade de remuneração/proventos não impede a aplicação imediata do teto. Isso porque o próprio texto constitucional, ao tratar sobre o princípio da irredutibilidade, ressalva expressamente o inciso XI do art. 37, deixando claro que é possível a redução da remuneração/proventos para aplicação do teto. Nesse sentido, confira o art. 37, XV, art. 95, III e art. 128, § 5º, I, “c”. Nas palavras do Min. Teori Zavascki, ao condicionar a fruição da garantia de irredutibilidade de vencimentos à observância do teto (art. 37, XI, da CF/88), a literalidade dos citados dispositivos constitucionais deixa fora de dúvida que o respeito ao teto representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Não há violação ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito? NÃO. O art. 5º, XXXVI (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”), também não pode ser invocado para excepcionar a imposição do teto. Segundo o STF, a cláusula da irredutibilidade somente pode ser invocada se a remuneração que estava sendo recebida pelo servidor estava em conformidade com a CF/88. Desse modo, os vencimentos acima do teto constitucional, ainda que com o beneplácito de disciplinas normativas anteriores, não estão amparados pela regra da irredutibilidade. O pagamento de remunerações superiores ao teto, além de se contrapor aos princípios da moralidade, da transparência e da austeridade na administração dos gastos com custeio, representa gravíssima quebra da coerência hierárquica essencial à organização do serviço público. O Min. Zavascki lembrou, por fim, que o fato de o art. 9º da EC 41/2003 ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade ainda pendente de apreciação, não impediria, contudo, que o STF fizesse impor a força normativa do próprio art. 37, XI, da CF, cujo enunciado seria suficiente para coibir situações inconstitucionais de remuneração excessiva.

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VANTAGENS PESSOAIS TIVERAM QUE FICAR DENTRO DO TETO?

Mesmo após a decisão do STF no RE 609381/GO, alguns servidores continuavam tentando excluir do teto as vantagens pessoais que haviam adquirido antes da EC 41/2003 (que implementou, na prática, o teto no funcionalismo). Argumentavam que a garantia da irredutibilidade de vencimentos, modalidade qualificada de direito adquirido, impediria que as vantagens percebidas antes da vigência da EC 41/2003 fossem por ela alcançadas. O STF acolheu esse argumento? As vantagens pessoais anteriores à EC 41/2003 estão fora do teto? NÃO. Computam-se, para efeito de observância do teto remuneratório do art. 37, XI, da CF/88, também os valores percebidos pelo servidor público anteriormente à vigência da EC 41/2003 a título de vantagens pessoais. O art. 37, XI, da CF/88, na redação da EC 41/2003, é expresso ao incluir as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza para fins de limitação dos ganhos ao teto remuneratório do serviço público. A EC 41/2013 não violou a cláusula do direito adquirido, porque o postulado da irredutibilidade de vencimentos, desde sua redação original, já indicava que deveria ser respeitado o teto remuneratório (art. 37, XI, da CF/88). Em outras palavras, a Constituição assegurou a irredutibilidade, mas no mesmo dispositivo já mencionou que deveria ser respeitado o teto remuneratório. Assim, a Constituição não só autoriza, como exige, o cômputo, para efeito de incidência do teto, de adicionais por tempo de serviço, sexta parte, prêmio de produtividade e gratificações, ainda que qualificados como vantagens de natureza pessoal percebidas antes do advento da EC 41/2003. STF. Plenário. RE 606358/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/11/2015 (repercussão geral) (Info 808).

E os servidores que receberam vantagens pessoais acima do teto antes dessa decisão do STF deverão devolver os valores? A Administração Pública poderá ingressar com ações cobrando o ressarcimento dessas quantias recebidas acima do teto a título de vantagens pessoais? NÃO. O STF afirmou que os servidores não estão obrigados a restituir os valores eventualmente recebidos em excesso e de boa-fé até o dia 18/11/2015 (data da decisão do STF).

Em todos os julgamentos de recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida o STF elabora uma frase que resume a tese adotada pelo Tribunal. A tese fixada pela Corte neste caso foi a seguinte: Computam-se para efeito de observância do teto remuneratório do artigo 37, XI, da Constituição da República, também os valores percebidos anteriormente à vigência da EC 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição de valores eventualmente recebidos em excesso e de boa-fé até o dia 18/11/2015. STF. Plenário. RE 606358/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/11/2015 (repercussão geral) (Info 808).

VPNI

A Vantagem Pessoal Nominalmente Identificável (VPNI) era uma vantagem de caráter pessoal que era paga a determinados servidores que tinham direito aos antigos quintos/décimos. Ela foi extinta. Ocorre que as pessoas que recebiam a VPNI pretendiam continuar recebendo a quantia indefinidamente e, inclusive, acima do teto, sob o argumento de que foram adquiridas antes de o teto ser instituído e, portanto, constituiriam direito adquirido. Essa tese não foi acolhida pela jurisprudência, que entende que a verba que antes era paga a título de VPNI: • deve ser absorvida pelo subsídio (o servidor que recebe subsídio não tem direito a outras parcelas remuneratórias mensais); • deve estar sujeita ao teto, considerando que as vantagens de caráter pessoal não devem ultrapassar o teto).

O direito à percepção de VPNI não impede a sua eventual absorção pelo subsídio e, do mesmo modo, não inviabiliza a aplicação do teto constitucional, que inclui a vantagem de caráter pessoal no cômputo da remuneração do servidor para observância do teto. STJ. 1ª Turma. RMS 33.744-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/04/2018 (Info 624).

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SERVIDORES PÚBLICOS Termo inicial do adicional de insalubridade

Atenção! Concursos federais

O termo inicial do adicional de insalubridade a que faz jus o servidor público é a data do laudo pericial.

STJ. 1ª Seção. PUIL 413-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 11/04/2018 (Info 624).

Imagine a seguinte situação hipotética: João é Professor Engenheiro Agrônomo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em abril de 2011, por meio de Laudo Técnico Pericial, foi constatado que suas atividades são desempenhadas sob condições insalubres. Assim, foi reconhecido administrativamente o direito ao pagamento de adicional de insalubridade em grau médio. Ocorre que João está nessa função desde 2009, razão pela qual requereu o pagamento retroativo dessa gratificação. Ele terá direito? NÃO.

O termo inicial do adicional de insalubridade a que faz jus o servidor público é a data do laudo pericial. STJ. 1ª Seção. PUIL 413-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 11/04/2018 (Info 624).

O adicional de insalubridade é vantagem pecuniária decorrente do exercício de funções especiais, devendo haver o efetivo trabalho, de forma habitual, em locais insalubres ou o contato contínuo com substâncias toxicas para ter direito ao referido adicional. Essa verba encontra fundamento, antes de mais nada, na própria Constituição Federal que, em seu art. 7º, XXIII, prevê o pagamento de “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”. Para os servidores públicos federais, esse adicional veio a ser regulamentado pela Lei nº 8.112/90 que, em seus arts. 68 e 70 preconizam:

Art. 68. Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo. Art. 70. Na concessão dos adicionais de atividades penosas, de insalubridade e de periculosidade, serão observadas as situações estabelecidas em legislação específica.

Por sua vez, o art. 6º do Decreto nº 97.458/89, que regulamenta a concessão dos adicionais de insalubridade e periculosidade, estabelece textualmente que a “execução do pagamento somente será processada à vista de portaria de localização ou de exercício do servidor e de portaria de concessão do adicional, bem assim de laudo pericial, cabendo à autoridade pagadora conferir a exatidão desses documentos antes de autorizar o pagamento”. Como se denota, o pagamento do adicional de insalubridade é feito conforme laudo pericial expedido por autoridade competente, estando os servidores que fazem jus ao referido acréscimo sujeitos à atualização permanente do respectivo laudo.

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Dessa forma, o STJ tem reiteradamente decidido no sentido de que “o pagamento do adicional de insalubridade está condicionado ao laudo que prova efetivamente as condições insalubres a que estão submetidos os Servidores. Assim, não cabe seu pagamento pelo período que antecedeu a perícia e a formalização do laudo comprobatório, devendo ser afastada a possibilidade de presumir insalubridade em épocas passadas, emprestando-se efeitos retroativos a laudo pericial atual” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.400.637/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 24/11/2015).

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Súmula 611-STJ

Súmula 611-STJ: Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018.

O que é a chamada "denúncia anônima"? Denúncia anônima ocorre quando alguém, sem se identificar, relata para as autoridades que determinada pessoa praticou uma infração, um ilícito. Essa “denúncia anônima” pode relatar a ocorrência de crimes e/ou de infrações administrativas. Ex1: uma pessoa liga para a polícia e avisa que em determinado local está ocorrendo o comércio ilegal de drogas (denúncia anônima de um crime). Ex2: uma pessoa envia mensagem para a ouvidoria do órgão público, sem se identificar, relatando que o servidor João não trata os usuários do serviço com urbanidade e gentileza (trata-se de uma denúncia anônima envolvendo a prática de uma infração administrativa). Ex3: um indivíduo envia mensagem para a corregedoria do Fisco, sem se identificar, narrando um episódio no qual o Fiscal exigiu vantagem ilícita para não fazer o lançamento tributário (neste caso, teremos uma denúncia anônima revelando uma infração administrativa que também configura crime). É possível instaurar processo administrativo disciplinar com base em “denúncia anônima”? SIM, mas a jurisprudência afirma que, antes, a autoridade deverá realizar uma investigação preliminar ou sindicância para averiguar o conteúdo e confirmar se a “denúncia anônima” possui um mínimo de plausibilidade. Anonimato x Princípios da administração pública A Constituição Federal assegura a livre manifestação do pensamento, mas proíbe o anonimato (art. 5º, IV). Por essa razão, algumas pessoas defendiam a ideia de que a denúncia anônima seria proibida. Os Tribunais Superiores, contudo, não concordaram com essa tese. Isso porque existem outros valores constitucionais que devem ser ponderados, ou seja, devem também ser levados em consideração, não se podendo ter essa regra do art. 5º, IV, como absoluta. O art. 37, caput, da CF/88 determina que a Administração Pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade. Dessa forma, tais princípios exigem que o administrador público, ao ser informado de uma possível infração administrativa, tome providências. Essas providências devem ser adotadas porque a Administração Pública está submetida ao poder-dever da autotutela. A autotutela obriga que o administrador público corrija, mesmo de ofício, atos ilegais que estejam sendo praticados no âmbito da administração pública. Logo, mesmo a informação tendo chegado sem identificação do remetente, o administrador público não pode ser omisso e ignorá-la, sob pena de ele (administrador) ser responsabilizado nas esferas civil (art. 37,

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§ 6º, da CF/88), penal (prevaricação – art. 319 do CP; condescendência criminosa – art. 320 do CP), administrativa (art. 117, XV, Lei nº 8.112/90 - proceder de forma desidiosa) e também por ato de improbidade (art. 11, II, Lei nº 8.429/92 - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício). Lei nº 8.112/90 Isso que foi explicado acima vale para todas as esferas da administração pública (União, Estados/DF e Municípios). No caso da União, contudo, é importante ressaltar que existe previsão expressa na Lei nº 8.112/90:

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

Desse modo, a Lei nº 8.112/90 prevê dois instrumentos para a apuração das infrações administrativas praticadas pelos servidores públicos federais: a) a sindicância e b) o processo administrativo disciplinar. Quando se instaura um ou o outro? • Sindicância: quando o administrador percebe que há a necessidade de que alguns fatos sejam esclarecidos antes, ou seja, quando ainda não há muitos elementos para se instaurar diretamente o processo. É uma espécie de investigação prévia. • PAD: deve ser instaurado quando a existência do fato está plenamente caracterizada e a autoria é conhecida. Como explica Ivan Barbosa Rigolin, existem situações que são tão graves e evidentes “que nem mesmo é preciso a sindicância para apontar a necessidade de processo disciplinar. Nessa hipótese, deve ser logo de início instaurado aquele processo, convocando-se todas as pessoas, bem como invocando-se todos os meios de provas necessários à boa condução do trabalho e à elucidação do fato apontado.” (Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 350). Denúncia anônima exige prévia sindicância ou investigação prévia O STJ afirmou que, no caso de denúncia anônima, não se deve instaurar imediatamente (diretamente) o processo administrativo disciplinar. Antes disso, por precaução e prudência, o administrador deverá realizar uma sindicância, ou seja, uma investigação prévia para examinar se essa denúncia anônima não é completamente infundada. Ex: chega à Administração Pública a denúncia anônima de que Pedro, fiscal do Município, teria recebido vantagem indevida para a emissão de alvará de funcionamento da empresa X. A informação que chegou foi apenas esta. O administrador público deverá instaurar para confirmar minimamente a procedência dos fatos. Durante essa investigação prévia, constata-se que Pedro nunca atuou neste processo. Logo, a sindicância será arquivada e não será instaurado processo administrativo disciplinar. Instauração do PAD, devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância Por outro lado, suponhamos que, na sindicância que foi aberta para apurar a denúncia anônima, constata-se que Pedro atuou realmente como fiscal no pedido de alvará da empresa X e que ele não exigiu alguns documentos que seriam obrigatórios. Neste caso, constatando-se a existência de indícios de que houve a prática de uma infração administrativa grave, deverá a autoridade administrativa, de forma devidamente motivada, ou seja, expondo essas razões, instaurar processo administrativo disciplinar.

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Cuidado com a redação do art. 144 da Lei nº 8.112/90 O art. 144 da Lei nº 8.112/90 prevê o seguinte:

Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade. Parágrafo único. Quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto.

Esse art. 144 era muito utilizado como tese de defesa para tentar invalidar os processos administrativos iniciados com base em denúncia anônima. O STJ, contudo, afasta esse argumento e afirma que:

(...) 3. Conquanto a Lei n. 8.112/1990, no art. 144, preveja a formulação por escrito, com identificação e endereço do denunciante, não há expressa determinação legal para que denúncias anônimas sejam ignoradas e simplesmente arquivadas, uma vez que a Administração dispõe do poder-dever de autotutela. (...) STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1126789/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 06/08/2013.

Em suma, mesmo com o art. 144 da Lei nº 8.112/90, admite-se a denúncia anônima. Procedimento em caso de denúncia anônima: Assim, o procedimento em caso de denúncia anônima na Administração Pública deverá ser o seguinte: 1) Iniciar uma sindicância ou uma investigação preliminar (obs: a investigação preliminar na Administração Pública federal é chamada de sindicância, mas em outros entes pode não ter esse nome); 2) Arquivamento: quando na sindicância ou investigação ficar demonstrado que a denúncia anônima é completamente infundada e que não há qualquer indício da prática de infração administrativa; 3) Instauração de processo disciplinar: quando for constatada a existência de indícios de que houve a prática de uma infração administrativa. Para a instauração do PAD exige-se ato devidamente motivado. CGU Vale ressaltar que a CGU possui um enunciado administrativo semelhante ao entendimento do STJ:

Enunciado nº 3-CGU: A delação anônima é apta a deflagrar apuração preliminar no âmbito da Administração Pública, devendo ser colhidos outros elementos que a comprovem.

DIREITO CIVIL

SEGURO Súmula 610-STJ

Súmula 610-STJ: O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada.

STJ. 2ª Seção. Aprovada em 25/04/2018, DJe 07/05/2018.

RELEMBRANDO: NOMENCLATURAS UTILIZADAS NOS CONTRATOS DE SEGURO Risco: é a possibilidade de ocorrer o sinistro. Ex.: risco de morte. Sinistro: o sinistro é o risco concretizado. Ex.: morte.

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Apólice (ou bilhete de seguro): é um documento emitido pela seguradora no qual estão previstos os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. Prêmio: é a quantia paga pelo segurado para que o segurador assuma o risco. O prêmio deve ser pago depois de recebida a apólice. O valor do prêmio é fixado a partir de cálculos atuariais e o seu valor leva em consideração os riscos cobertos. Indenização: é o valor pago pela seguradora caso o risco se concretize (sinistro). SEGURO E SUICÍDIO Imagine a seguinte situação: João fez um seguro de vida por meio do qual paga R$ 50 por mês (prêmio) e, se vier a falecer na vigência do contrato, a seguradora terá que pagar R$ 500 mil reais (indenização) ao seu filho (beneficiário). O prazo de vigência do contrato é de 5 anos. Se João se matar, mesmo assim a seguradora terá que pagar a indenização ao beneficiário? No seguro de vida, se o segurado se suicidar, a seguradora continua tendo obrigação de pagar a indenização? Depende:

Se o suicídio ocorreu ANTES dos dois primeiros anos do contrato:

Se o suicídio ocorreu DEPOIS dos dois primeiros anos do contrato:

NÃO

O beneficiário não terá direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato ou nos dois primeiros anos depois de o contrato ter sido reiniciado (recondução) depois de um tempo suspenso (art. 798 do CC). Obs: o beneficiário não terá direito à indenização, mas receberá o valor da reserva técnica já formada, ou seja, terá direito à quantia que o segurado pagou a título de prêmio para a seguradora. A seguradora será obrigada a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada mesmo que fique provado que o segurado premeditou o suicídio.

SIM

Se o suicídio ocorrer depois dos dois primeiros anos do contrato será devida a indenização, ainda que exista cláusula expressa em contrário. Obs: é nula a cláusula contratual que exclua a indenização da seguradora em caso de suicídio ocorrido depois dos dois primeiros anos do contrato (art. 798, parágrafo único). Assim, se o suicídio ocorre depois dos dois primeiros anos, é devida a indenização ainda que exista cláusula expressa dizendo que a seguradora não deve indenizar.

SEGURO E SUICÍDIO NOS DOIS PRIMEIROS ANOS Se o suicídio acontecer nos dois primeiros anos, o beneficiário poderá receber o seguro provando que o segurado não agiu de forma premeditada? Se o suicídio acontecer nos dois primeiros anos, tem alguma relevância discutir-se a premeditação do segurado? NÃO. A redação do art. 798 do CC é muito clara e direta: se o suicídio ocorrer dentro dos dois primeiros anos do contrato, a seguradora não está obrigada a indenizar o beneficiário. Em outras palavras, durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, o suicídio é risco não coberto por força de lei. Perceba que o legislador estabeleceu um critério objetivo para regular a matéria, sendo, portanto, irrelevante a discussão a respeito da premeditação da morte. O art. 798 adotou critério objetivo temporal para determinar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação.

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Acontecendo o suicídio nos dois primeiros anos de contrato, o beneficiário não terá direito à indenização, quer tenha sido o suicídio premeditado, quer tenha ocorrido sem premeditação. Essa escolha do legislador teve como objetivo conferir maior segurança jurídica evitando discussões sobre o elemento subjetivo, ou seja, a respeito da intenção do segurado. Esse é o entendimento do STJ. 2ª Seção. AgRg nos EDcl nos EREsp 1076942⁄PR, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 27⁄5⁄2015. Suicídio premeditado x Suicídio não premeditado Para fins de contrato de seguro, suicídio premeditado é aquele no qual o segurado já faz o seguro de vida pensando na ideia de se suicidar para deixar a indenização para o beneficiário. Em outras palavras, o segurado agiu de má-fé porque, quando fez o seguro, já tinha essa intenção. Suicídio não premeditado, por sua vez, é aquele no qual o segurado, quando assinou o contrato, não tinha a intenção de se matar, tendo a vontade surgido posteriormente. Como se percebe, provar essa intenção do agente é algo extremamente difícil, razão pela qual o CC-2002, de forma acertada, abandonou esse critério. Enunciado 187 Cuidado com o enunciado 187 da Jornada de Direito Civil, que diz o seguinte:

187 – Art. 798: No contrato de seguro de vida, presume-se, de forma relativa, ser premeditado o suicídio cometido nos dois primeiros anos de vigência da cobertura, ressalvado ao beneficiário o ônus de demonstrar a ocorrência do chamado "suicídio involuntário”

O referido enunciado está em sentido contrário à jurisprudência do STJ e NÃO deve ser adotado em provas de concurso. Risque ele dos seus materiais de estudo para não se confundir. Reserva técnica Vimos acima que, se o suicídio ocorrer nos dois primeiros anos, o beneficiário não terá direito à indenização, mas receberá o valor da reserva técnica já formada, ou seja, ele terá direito de receber a quantia que o segurado pagou a título de prêmio para a seguradora. Isso está previsto na parte final do art. 798 c/c art. 797, parágrafo único do CC. Importante ressaltar que a seguradora será obrigada a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada mesmo que fique provado que o segurado premeditou o suicídio. SEGURO E SUICÍDIO DEPOIS DOS DOIS PRIMEIROS ANOS Após o período de carência de dois anos a seguradora será obrigada a indenizar mesmo diante da prova mais cabal de premeditação. Mesmo que a seguradora prove que o segurado, no momento da contratação do seguro já pensava em se suicidar, se esse suicídio aconteceu após os dois primeiros anos de contrato, ela terá sim que indenizar. Perceba, mais uma vez, que não importa mais essa discussão sobre premeditação. O critério atual é apenas temporal: • Suicídio nos dois primeiros anos: SEM direito à indenização. • Suicídio após os dois primeiros anos: TEM direito à indenização. SÚMULAS SOBRE O TEMA Existiam duas súmulas que tratavam sobre o tema:

Súmula 105-STF: Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro. Súmula 61-STJ: O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.

O STJ, no dia 25/04/2018, ao aprovar a Súmula 610, decidiu cancelar a Súmula 61. A Súmula 105 do STF, apesar de formalmente não estar cancelada, encontra-se superada.

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As Súmulas 105-STF e 61-STJ foram aprovadas ainda sob a égide do CC/1916. Com a redação do art. 798 do CC/2002, tais súmulas passaram a estar em confronto com o ordenamento jurídico. Isso porque, conforme já explicado, o critério adotado pelo Código Civil atual é meramente temporal (menos ou mais de 2 anos). O CC/2002 abandonou o critério da premeditação. A premeditação do suicídio não serve para nada e não deve nem sequer ser trazida para a discussão. Alguns de vocês podem estar pensando: mas como o entendimento do STJ vai fazer com que uma súmula do STF deixe de ser aplicada (torne-se superada)? É simples. A Súmula 105 foi editada pelo STF em 13/12/1963. Nesta época, não existia STJ (que só foi criado com a CF/88). Isso significa que a tarefa de interpretar a legislação federal (interpretar o Código Civil, por exemplo) cabia ao STF. Com a CF/88, a competência para interpretar a legislação infraconstitucional passou para o STJ. Logo, a competência para definir esse tema (interpretar se a regra do Código Civil sobre suicídio e contrato de seguro) é atualmente do STJ, considerando que não há questão constitucional envolvida. Resumindo: No seguro de vida, se o segurado se suicidar, a seguradora continua tendo obrigação de pagar a indenização? • Se o suicídio ocorreu ANTES dos dois primeiros anos do contrato: NÃO. O beneficiário não terá direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato ou nos dois primeiros anos depois de o contrato ter sido reiniciado (recondução) depois de um tempo suspenso (art. 798 do CC). Obs: o beneficiário não terá direito à indenização, mas receberá o valor da reserva técnica já formada, ou seja, terá direito à quantia que o segurado pagou a título de prêmio para a seguradora. A seguradora será obrigada a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada mesmo que fique provado que o segurado premeditou o suicídio. • Se o suicídio ocorreu DEPOIS dos dois primeiros anos do contrato: SIM. Se o suicídio ocorrer depois dos dois primeiros anos do contrato será devida a indenização, ainda que exista cláusula expressa em contrário. Obs: é nula a cláusula contratual que exclua a indenização da seguradora em caso de suicídio ocorrido depois dos dois primeiros anos (art. 798, parágrafo único). Assim, se o suicídio ocorre depois dois primeiros anos, é devida a indenização ainda que exista cláusula expressa dizendo que a seguradora não deve indenizar. Principal precedente que deu origem à súmula: STJ. 2ª Seção. REsp 1.334.005-GO, Rel. originário Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 8/4/2015 (Info 564). Está cancelada a Súmula 61 do STJ e encontram-se superados a Súmula 105 do STF e o Enunciado 187 da Jornada de Direito Civil.

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CONDOMÍNIO Ação de cobrança de débitos condominiais proposta contra o arrendatário

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A ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta contra o arrendatário do imóvel.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.704.498-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/04/2018 (Info 624).

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa LM é proprietária de uma unidade comercial em um edifício empresarial. Em outras palavras, a empresa LM é proprietária de uma sala para fins comerciais localizada neste edifício. A empresa LM arrendou esta unidade comercial para a empresa RC vestuário, que montou uma loja no local. Vale ressaltar que todas as unidades comerciais desse edifício devem pagar taxa condominial para a administradora que gerencia as áreas comuns. Faz três meses que a empresa LM não paga essa taxa condominial. Diante disso, o condomínio ingressou com ação de cobrança contra a empresa LM e contra a empresa RC vestuário, em litisconsórcio passivo. A empresa RC vestuário contestou a demanda afirmando que não é parte legítima para figurar no polo passivo da ação de cobrança, considerando que a responsabilidade pelas despesas condominiais é do proprietário (no caso, a empresa LM). A arrendatária de um imóvel pode figurar no polo passivo de ação de cobrança de débitos condominiais? SIM.

A ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta contra o arrendatário do imóvel. STJ. 3ª Turma. REsp 1.704.498-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/04/2018 (Info 624).

As despesas condominiais constituem-se em obrigações “propter rem” e são de responsabilidade não apenas daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária. As cotas condominiais podem ser também de responsabilidade da pessoa que, mesmo sem ser proprietária, é titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo ou a fruição, desde que esta tenha estabelecido relação jurídica direta com o condomínio. No caso concreto, a empresa RC, embora não seja a proprietária do ponto comercial, é arrendatária, exercendo a posse direta sobre o imóvel. É ela, inclusive, quem usufrui dos serviços prestados pelo condomínio, não sendo razoável que não possa ser demandada para o pagamento das despesas condominiais em atraso. Assim, a ação de cobrança de débitos condominiais pode ser proposta contra qualquer um daqueles que tenha uma relação jurídica vinculada ao imóvel, o que mais prontamente possa cumprir com a obrigação. Podemos dizer que existe uma solidariedade entre o proprietário e a arrendatária? NÃO. Não se está a falar de solidariedade entre proprietário e arrendatário para o pagamento dos débitos condominiais em atraso, até mesmo porque, como se sabe, a solidariedade decorre da lei ou da vontade das partes. O que se está a reconhecer é a possibilidade de a arrendatária do ponto comercial figurar no polo passivo da ação de cobrança, ou seja, só se está reconhecendo que ela também é devedora, mas sem que isso se caracterize como solidariedade passiva.

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PODER FAMILIAR Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco

Para que haja a decretação da perda do poder familiar da mãe biológica em razão da suposta entrega da filha para adoção irregular (“adoção à brasileira”), é indispensável a realização do estudo social e avaliação psicológica das partes litigantes.

Por envolver interesse de criança, a questão deve ser solucionada com observância dos princípios da proteção integral e do melhor interesse dela e do adolescente, previstos na CF e no ECA.

Para constatação da “adoção à brasileira”, em princípio, o estudo psicossocial da criança, do pai registral e da mãe biológica não se mostra necessário. Contudo, como o reconhecimento de sua ocorrência (“adoção à brasileira”) foi fator preponderante para a destituição do poder familiar, a realização da perícia se mostra imprescindível para aferição da presença de causa para a excepcional medida de destituição e para constatação de existência de uma situação de risco para a infante, caracterizando cerceamento de defesa o seu indeferimento.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.674.207-PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 17/04/2018 (Info 624).

Veja comentários em Estatuto da Criança e do Adolescente.

ALIMENTOS Dedução das despesas pagas in natura

Importante!!!

É possível, em sede de execução de alimentos, a dedução na pensão alimentícia fixada exclusivamente em pecúnia das despesas pagas "in natura", com o consentimento do credor, referentes a aluguel, condomínio e IPTU do imóvel onde residia o exequente.

Vale ressaltar que a regra geral é a incompensabilidade da dívida alimentar (art. 1.707 do CC) e eventual compensação deve ser analisada caso a caso, devendo-se examinar se houve o consentimento, ainda que tácito, do credor, e se o pagamento in natura foi destinado, efetivamente, ao atendimento de necessidade essencial do alimentado e não se configurou como mera liberalidade do alimentante.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.501.992-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/03/2018 (Info 624).

Imagine a seguinte situação hipotética: O juiz condenou João a pagar, todos os meses, R$ 2.000,00 de pensão em favor de seu filho Lucas. Alguns meses depois, João começou a pagar também o aluguel, o condomínio e o IPTU do apartamento onde Lucas mora com a sua mãe. Tais despesas chegam a R$ 1.200,00. Em outras palavras, João estava pagando R$ 3.200,00, sendo R$ 2.000,00 em espécie e R$ 1.200,00 in natura. Vale ressaltar que esses R$ 1.200,00 não estavam previstos na sentença que o condenou a pagar os alimentos. João começou a ter dificuldades para arcar com todas essas despesas. Ele continuou pagando o aluguel, condomínio e IPTU, mas passou a atrasar o pagamento dos R$ 2.000,00 que estava obrigado. Depois de 4 meses sem pagar os R$ 2.000,00, Lucas, representado por sua mãe, ajuizou execução cobrando os R$ 8.000,00 (4 x 2.000) acrescidos de juros e correção monetária. Em sua defesa, o executado alegou que arcou, durante todo o período do débito exigido, com o pagamento do aluguel, taxa de condomínio e IPTU do imóvel onde o exequente reside com a mãe.

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Informativo 624-STJ (18/05/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

Diante disso, pediu para compensar (deduzir) esse valor que ele pagou in natura da quantia que ele deveria pagar em espécie. O exequente refutou o pedido afirmando que o executado pagou o aluguel porque quis e que essa mera liberalidade não pode influenciar na dívida. O exequente invocou, ainda, o art. 1.707 do Código Civil:

Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

Qual das duas teses foi acolhida: a do exequente ou do executado? Do executado.

É possível, em sede de execução de alimentos, a dedução na pensão alimentícia fixada exclusivamente em pecúnia das despesas pagas "in natura", com o consentimento do credor, referentes a aluguel, condomínio e IPTU do imóvel onde residia o exequente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.501.992-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 20/03/2018 (Info 624).

Mas e o art. 1.707 do Código Civil? Segundo o STJ, o objetivo desse art. 1.707 é o de evitar que o credor, ao ser obrigado a compensar, fique sem recursos para poder suprir suas necessidades básicas (STJ. 3ª Turma. HC 109416/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 18/02/2009). Por essa razão, em regra, não se admite a compensação de alimentos fixados em pecúnia com aqueles pagos in natura. Em regra, se o devedor pagou de forma diferente da estipulada pelo juízo, isso deve ser entendido como mera liberalidade (STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp. 1257779/MG, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 12/11/2014). Art. 1.707 do CC não é absoluto Por outro lado, deve-se ponderar que o princípio da não compensação do crédito alimentar não é absoluto. O art. 1.707 do CC “deve ser aplicado ponderadamente, para que dele não resulte enriquecimento sem causa da parte do beneficiário” (CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: RT, 2009, p. 89). Nesse sentido, já decidiu o STJ:

(...) Esta Corte tem manifestado que a obrigação de o devedor de alimentos cumpri-la em conformidade com o fixado em sentença, sem possibilidade de compensar alimentos arbitrado em espécie com parcelas pagas in natura, pode ser flexibilizada para afastar o enriquecimento indevido de uma das partes. (...) STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1560205/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/05/2017.

Custeio direto de despesas alimentares Se o devedor custeou despesas de natureza alimentar (exs: educação, habitação e saúde), mesmo sem que isso estivesse no título judicial, neste caso não se pode considerar que houve uma mera liberalidade do alimentante. Houve sim o cumprimento efetivo, ainda que parcial, da obrigação alimentar, com o atendimento de necessidades essenciais do alimentado que, certamente, teriam de ser suportadas pela pensão mensal fixada em pecúnia. Ora, se o pai paga o colégio do filho, por exemplo, isso deve sim ser abatido porque é intuitivo que o dinheiro da pensão serviria necessariamente para custear essa despesa. Vale ressaltar, ainda, que, no âmbito das relações de família, é comum a realização de acordos informais entre os pais do alimentado, alterando-se a forma de pagamento da pensão fixada em juízo e passando o alimentante a realizar o pagamento direto de algumas obrigações alimentares. Voltando ao caso concreto: Em nosso exemplo, o pai, embora não estivesse obrigado a custear diretamente as despesas de moradia do alimentado, devendo tão somente pagar uma quantia em pecúnia, arcou com o valor do aluguel, taxa de condomínio e IPTU do imóvel onde residiam o exequente e sua genitora, com o consentimento desta.

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Neste cenário, deve ser relativizada a regra da incompensabilidade da verba alimentar para reconhecer a quitação parcial do débito exequendo. Ainda que não adimplida integralmente a parcela mensal fixada em pecúnia, o pagamento in natura efetivamente foi destinado à subsistência do filho, mostrando-se razoável o seu abatimento no cálculo da dívida, sob pena de obrigar o executado ao duplo pagamento da pensão, gerando enriquecimento ilícito do credor. Possibilidade de compensação deve ser analisada de acordo com as peculiaridades do caso concreto O STJ enfatizou que eventual compensação deve ser analisada caso a caso, pois a regra continua sendo a incompensabilidade da dívida alimentar. Deve-se examinar se houve o consentimento, ainda que tácito, do credor, e se o pagamento in natura realizado foi destinado, efetivamente, ao atendimento de necessidade essencial do alimentado e não se configurou como mera liberalidade do alimentante.

DIVÓRCIO Mesmo já havendo um acordo homologado sobre a partilha de bens,

é possível que seja feito um novo ajuste posteriormente

A coisa julgada material formada em virtude de acordo celebrado por partes maiores e capazes, versando sobre a partilha de bens imóveis privados e disponíveis e que fora homologado judicialmente por ocasião de divórcio consensual, não impede que haja um novo acordo sobre o destino dos referidos bens.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.623.475-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/04/2018 (Info 624).

Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria eram casados. Em 2013, Maria ajuizou ação de divórcio e, no bojo deste processo, eles celebraram um acordo no qual ficou estabelecido que os três bens imóveis do casal seriam vendidos e partilhados em 50% para cada parte. O juiz homologou este acordo e extinguiu o processo. Em 2014, João e Maria apresentaram petição conjunta ao juízo afirmando que estão tendo dificuldades de vender os bens por um bom preço. Diante disso, requereram a homologação de novo acordo por meio do qual Maria ficaria com a mansão onde moravam e João com os dois apartamentos menores. O juiz indeferiu o pedido sob o fundamento de que o acordo homologado anteriormente transitou em julgado. Afirmou, ainda, que as partes se arrependeram e que eventual alteração das cláusulas do acordo deveria ser examinada em ação anulatória, em que se precisaria demonstrar a existência de eventual erro ou vício de consentimento. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. No caso concreto, a questão envolve pessoas maiores e capazes, que dissolveram o casamento de modo consensual e que fizeram um acordo inicial e que, posteriormente, resolveram se ajustar de outra forma sobre a partilha de bens imóveis privados e disponíveis. A nova forma de partilhar os bens, aliás, foi expressamente justificada pela dificuldade encontrada pelas partes em cumprir o acordo da forma inicialmente avençada. Nessas circunstâncias, é possível concluir que as partes podem, livremente e com base no princípio da autonomia da vontade, renunciar ou transigir sobre um direito ou um crédito reconhecido judicialmente em favor de uma delas, mesmo após o trânsito em julgado da decisão judicial que os reconheceu ou fixou,

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do mesmo modo que podem, por exemplo, dar início à fase de cumprimento da decisão judicial ou à execução do título extrajudicial. Diante desse cenário, não se afigura correto indeferir o pedido de homologação de acordo que versa sobre o novo modelo de partilha de bens que as partes entenderam ser mais vantajoso e interessante para elas próprias, ao fundamento de que haveria violação à coisa julgada, que se trataria de mero arrependimento ou, ainda, que a modificação da avença estaria condicionada à propositura de ação anulatória, com demonstração de existência de erro ou de vício de consentimento. Em suma:

A coisa julgada material formada em virtude de acordo celebrado por partes maiores e capazes, versando sobre a partilha de bens imóveis privados e disponíveis e que fora homologado judicialmente por ocasião de divórcio consensual, não impede que haja um novo acordo sobre o destino dos referidos bens. STJ. 3ª Turma. REsp 1.623.475-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/04/2018 (Info 624).

ECA

PODER FAMILIAR Adoção à brasileira e realização de perícia para constatar situação de risco

Para que haja a decretação da perda do poder familiar da mãe biológica em razão da suposta entrega da filha para adoção irregular (“adoção à brasileira”), é indispensável a realização do estudo social e avaliação psicológica das partes litigantes.

Por envolver interesse de criança, a questão deve ser solucionada com observância dos princípios da proteção integral e do melhor interesse dela e do adolescente, previstos na CF e no ECA.

Para constatação da “adoção à brasileira”, em princípio, o estudo psicossocial da criança, do pai registral e da mãe biológica não se mostra necessário. Contudo, como o reconhecimento de sua ocorrência (“adoção à brasileira”) foi fator preponderante para a destituição do poder familiar, a realização da perícia se mostra imprescindível para aferição da presença de causa para a excepcional medida de destituição e para constatação de existência de uma situação de risco para a infante, caracterizando cerceamento de defesa o seu indeferimento.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.674.207-PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 17/04/2018 (Info 624).

Imagine a seguinte situação hipotética: Francisca estava grávida quando conheceu Pedro. Eles começaram a namorar. Nasceu Júlia, filha de Francisca. Júlia foi registrada como sendo filha de Francisca e de Pedro. No dia em que a criança nasceu, Pedro foi até o registro civil de pessoas naturais e, de posse da DNV (declaração de nascido vivo) fornecida pela maternidade, declarou que a menor recém-nascida (Júlia) era sua filha e de Francisca, sendo o registro de nascimento lavrado nesses termos. Vale relembrar que, na verdade, Júlia não era filha biológica de Pedro. O que aconteceu, no presente caso, foi a chamada “adoção à brasileira”. O que é a chamada “adoção à brasileira”? “Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem ou a mulher declara, para fins de registro civil, um menor como sendo seu filho biológico, sem que isso seja verdade.

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Por que recebe esse nome? Essa prática é chamada pejorativamente de “adoção à brasileira” porque é uma espécie de “adoção” feita sem observar as exigências legais, ou seja, uma adoção feita segundo o “jeitinho brasileiro”. Tecnicamente, contudo, não se trata de adoção, porque não segue o procedimento legal. Consiste, em verdade, em uma perfilhação simulada. A “adoção à brasileira” é permitida? NÃO. Formalmente, esta conduta é até mesmo prevista como crime pelo Código Penal:

Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena — reclusão, de dois a seis anos. Parágrafo único — Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena — detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

Vale ressaltar, entretanto, que, na prática, dificilmente alguém é condenado ou recebe pena por conta desse delito. Isso porque, no caso concreto, poderá o juiz reconhecer a existência de erro de proibição ou, então, aplicar o perdão judicial previsto no parágrafo único do art. 242 do CP. É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta porque, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode ela ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças. Voltando ao nosso exemplo: Algum tempo depois, o relacionamento não deu mais certo. Pedro conheceu Letícia e casou-se com ela. Francisca ficou revoltada com a separação e “entregou” Júlia, que tinha 1 ano, para ser criada por Pedro e Letícia. Alguns meses depois, Francisca contou toda a história ao Promotor de Justiça da cidade. O Ministério Público ingressou, então, com ação de destituição de poder familiar da menor Júlia contra Francisca e Pedro. O Parquet sustentou que a conduta de Francisca de entregar a filha para terceiras pessoas com as quais ela não tem vínculo sanguíneo representa infração aos direitos individuais e fundamentais da criança, pois a mãe biológica deixou de cumprir com os deveres inerentes ao poder familiar, de sustento, guarda e educação da filha. Alegou, ainda, que houve simulação da condição de parentesco entre Júlia e Pedro, tendo constado falsamente no assento de nascimento ser este o pai daquela. Pediu, ao final, a procedência do pedido para destituir Francisca do poder familiar sobre Júlia, encaminhando a criança para acolhimento institucional (“abrigo”) e inscrição dela no cadastro nacional de adoção de crianças em condições jurídicas de serem adotadas. O pedido foi julgado procedente para declarar que Pedro não era o pai biológico de Júlia e decretar a perda do poder familiar de Francisca, mãe biológica, em relação à criança, determinando a aplicação de medida protetiva de colocação dela em família substituta. Francisca e Pedro recorreram alegando, em síntese, que, para a destituição do poder familiar, era imprescindível a realização do estudo psicossocial. O recurso dos requeridos deve ser provido? O estudo psicossocial era necessário neste caso? SIM. A destituição do poder familiar da mãe biológica e do pai registral de Júlia se deu em razão da ocorrência da denominada “adoção à brasileira”, pois não ficou comprovado que a criança seria fruto da relação de Francisca com Pedro.

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Nesse caso, era indispensável a realização de estudo psicossocial e de avaliação psicológica dos envolvidos na lide. O estudo psicossocial é peça informativa extremamente útil ao juiz para aferir a possível existência de uma situação de risco para o menor e balizar eventual pedido de aplicação de alguma medida protetiva à criança ou ao adolescente. Não se pode retirar a criança do local da casa da família onde ela convive e levá-la a um abrigo institucional sem que exista prova de que ela estivesse em situação de risco, sendo esta uma medida drástica e excepcional. Por se tratar de medida extrema, a perda do poder familiar somente é cabível após esgotadas todas as possibilidades de manutenção da criança no seio da família natural (art. 19 do ECA), pressupondo a existência de um procedimento contraditório, no qual deve ser apurado se a medida efetivamente atende o melhor interesse da criança ou do adolescente. Por cautela e prudência, antes da análise meritória pelo juiz da causa, deveria ter sido realizado um estudo psicossocial nos requeridos e na criança, de modo a verificar a atual situação em que ela se encontrava, se efetivamente estava em situação de perigo e, principalmente a efetiva possibilidade, apesar dos indícios de prática da “adoção à brasileira”, de se preservarem os deveres inerentes ao poder familiar. Cabe ressaltar que a comprovação da prática de “adoção à brasileira” tem por consequência, em regra, a possibilidade de condenação penal e a nulidade do registro civil do adotado, mas não enseja a destituição do poder familiar por parte da mãe biológica que também figura no registro. Em suma:

Para que haja a decretação da perda do poder familiar da mãe biológica em razão da suposta entrega da filha para adoção irregular (“adoção à brasileira”), é indispensável a realização do estudo social e avaliação psicológica das partes litigantes. Por envolver interesse de criança, a questão deve ser solucionada com observância dos princípios da proteção integral e do melhor interesse dela e do adolescente, previstos na CF e no ECA. Para constatação da “adoção à brasileira”, em princípio, o estudo psicossocial da criança, do pai registral e da mãe biológica não se mostra necessário. Contudo, como o reconhecimento de sua ocorrência (“adoção à brasileira”) foi fator preponderante para a destituição do poder familiar, a realização da perícia se mostra imprescindível para aferição da presença de causa para a excepcional medida de destituição e para constatação de existência de uma situação de risco para a infante, caracterizando cerceamento de defesa o seu indeferimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1674207/PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 17/04/2018.

DIREITO AMBIENTAL

FATO CONSUMADO Súmula 613-STJ

Súmula 613-STJ: Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018.

O que é a teoria do fato consumado? Segundo a teoria do fato consumado, as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais (STJ. REsp 709.934/RJ).

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Assim, de acordo com essa posição, se uma decisão judicial autorizou determinada situação jurídica e, após muitos anos, constatou-se que tal solução não era acertada, ainda assim não deve ser desconstituída, para que não haja insegurança jurídica. Em suma, trata-se de uma espécie de convalidação da situação pelo decurso de longo prazo. A teoria do fato consumado não se aplica para violações ao meio ambiente Ex: João construiu uma casa em uma área de proteção ambiental (APA), com a autorização do Município. Muitos anos mais tarde, o Ministério Público ajuizou ação civil pública requerendo a demolição da construção e a recomposição da vegetação do local. João não poderá invocar a teoria do fato consumado. Se fosse aceita essa teoria, isso significaria que se estaria admitindo a perpetuação do direito de poluir, degradar o meio ambiente. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1355428/MS, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 12/12/2017. Esse é também o entendimento do STF: RE 609748 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/08/2011. Haverá a demolição mesmo que a construção irregular tenha sido feita com autorização dos órgãos ambientais? SIM. Constatado que houve edificação irregular em área de preservação permanente, o fato de ter sido concedido licenciamento ambiental, por si só, não afasta a responsabilidade pela reparação do dano causado ao meio ambiente, mormente quando reconhecida a ilegalidade do aludido ato administrativo (STJ. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 359.140/MS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 07/12/2017). A licença, espécie de ato administrativo autorizativo, está submetida ao regime jurídico administrativo. Isso significa que se esta licença foi irregular, deve ser declarada a sua nulidade, o que significa, por sua vez, que não poderão ser produzidos efeitos válidos nem se poderá aceitar que haja a consolidação de qualquer direito adquirido. Vale dizer, declarada a sua nulidade, a situação fática deve retornar ao estado ex ante, sem prejuízo de eventual reparação civil do lesado caso presentes os pressupostos necessários para tal. Essa circunstância se torna ainda mais acentuada tendo em vista o bem jurídico tutelado no caso em tela, que é o meio ambiente, e a obrigação assumida pelo Estado brasileiro em diversos compromissos internacionais de garantir o uso sustentável dos recursos naturais em favor das presentes e futuras gerações (STJ. 2ª Turma. REsp 1362456/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 28/06/2013). O STJ possui precedentes negando a aplicação da teoria mesmo em casos envolvendo residências familiares localizadas em área de proteção ambiental

(...) 1. Os impetrantes buscam o reconhecimento da ilegalidade no procedimento de desocupação perpetrado pelo Secretário de Administração de Parques do Distrito Federal, objetivando que a autoridade coatora abstenha-se de praticar qualquer ato tendente a remover os moradores do Parque das Copaíbas. (...) 6. Não prospera também a alegação de aplicação da teoria do fato consumado, em razão de os moradores já ocuparem a área, com tolerância do Estado por anos, uma vez que tratando-se de construção irregular em Área de Proteção Ambiental-APA, a situação não se consolida no tempo. Isso porque, a aceitação da teoria equivaleria a perpetuar o suposto direito de poluir, de degradar, indo de encontro ao postulado do meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à qualidade sadia de vida. (...) STJ. 1ª Turma. AgRg no RMS 28.220/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 18/04/2017.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Legitimidade do MP para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos

Importante!!!

O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

STJ. 1ª Seção. REsp 1.682.836-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 624).

Delimitação da matéria O presente julgado não trata sobre a possibilidade de o Ministério Público propor demandas envolvendo direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, até porque inexiste qualquer dúvida da sua legitimidade nestes casos, sendo tema pacífico. De igual forma, este julgado não trata sobre a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ações em favor de interesses de menores, incapazes e de idosos em situação de vulnerabilidade. Em tais hipóteses, a legitimidade do órgão ministerial decorre expressamente da lei (art. 201, VIII, da Lei nº 8.069/90 e art. 74, II e III, da Lei nº 10.741/2003). O presente julgado discute a legitimidade do Ministério Público para ingressar com demandas de saúde, contra os entes federativos, em favor de beneficiários individuais. Em outras palavras, o que se discute aqui é o seguinte: o Ministério Público poderia ajuizar uma ação pedindo tratamento de saúde ou a entrega de medicamento em favor de uma só pessoa? A resposta é SIM. Direitos individuais indisponíveis O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direitos individuais indisponíveis, conforme previsão expressa no art. 127 da CF/88 e no art. 1º da Lei nº 8.625/93:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 1º O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O pedido para tratamento médico ou para a entrega de medicamento em favor de uma pessoa é uma demanda que envolve direito individual INDISPONÍVEL? SIM. O direito à saúde é um direito indisponível. Isso porque está relacionado com o próprio direito à vida. O direito à saúde foi previsto, pela Constituição Federal de 1988, como direito fundamental do cidadão, corolário do direito à vida, bem maior do ser humano. A propósito do tema, o STF, ao interpretar os arts. 5º, caput, e 196 da CF/88, consagrou o direito à saúde como consequência indissociável do direito à vida, assegurado a todas as pessoas (STF. 2ª Turma. ARE 685.230 AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 25/03/2013).

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Nesse contexto, conclui-se o caráter indisponível do direito à saúde, por estar diretamente associado ao direito à vida. Assim, o Ministério Público detém legitimidade ad causam para pleitear tratamento de saúde ou fornecimento de medicamento a beneficiários individualizados, por força do disposto no art. 1º da Lei 8.625/93, que incumbiu ao Parquet a defesa dos direitos individuais indisponíveis. O MP, nestes casos, não estaria “pegando o lugar” da advocacia privada e da Defensoria Pública? NÃO. Conforme já decidiu o STF:

(...) A Constituição do Brasil, em seu artigo 127, confere expressamente ao Ministério Público poderes para agir em defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis, como no caso de garantir o fornecimento de medicamentos a hipossuficiente. 2. Não há que se falar em usurpação de competência da defensoria pública ou da advocacia privada. (...) STF. 2ª Turma. RE 554088 AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 03/06/2008.

Em suma:

O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1º da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). STJ. 1ª Seção. REsp 1.682.836-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 624).

DIREITO PENAL

LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS Delito do art. 54 da Lei 9.605/98 é formal

Importante!!!

Mudança de entendimento!

O delito previsto na primeira parte do art. 54 da Lei nº 9.605/98 possui natureza formal, sendo suficiente a potencialidade de dano à saúde humana para configuração da conduta delitiva, não se exigindo, portanto, a realização de perícia.

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1.417.279-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/04/2018 (Info 624).

A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) prevê o seguinte delito:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Em que consiste o delito: O agente causa poluição que...

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- resulta em danos à saúde humana (crime de dano); - pode resultar danos à saúde humana (crime de perigo); - provoca mortandade de animais (crime de dano); - provoca a destruição significativa da flora (crime de dano). Para que se configure esse delito, é necessária a realização de perícia? NÃO.

O delito previsto na primeira parte do artigo 54 da Lei nº 9.605/1998 possui natureza formal, sendo suficiente a potencialidade de dano à saúde humana para configuração da conduta delitiva, não se exigindo, portanto, a realização de perícia. STJ. 3ª Seção. EREsp 1417279/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 11/04/2018 (Info 624).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

SUJEITOS DO PROCESSO Nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica e dispensa de procuração

Importante!!!

A nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica para patrocinar a defesa de réu dispensa a juntada de procuração.

STJ. 3ª Seção. EAREsp 798.496-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/04/2018 (Info 624).

O que são os Núcleos de Prática Jurídica? O Núcleo de Prática Jurídica, também chamado de “escritório modelo”, é um espaço mantido pelas faculdades de direito no qual os alunos, geralmente finalistas do curso, sob a supervisão de um Professor que é advogado, oferecem assistência jurídica gratuita às pessoas economicamente carentes. O Núcleo funciona, portanto, como uma prática jurídica real, matéria curricular obrigatória dos cursos de Direito. Esta atividade tem duplo objetivo: a) finalidade pedagógica: considerando que os alunos irão aplicar, na prática, os conhecimentos teóricos que receberam ao longo do curso, atuando como se fossem advogados, sempre com a supervisão e sob a responsabilidade de um Professor advogado; b) finalidade social: contribuindo com a sociedade carente ao oferecer assistência jurídica gratuita. Guardadas as devidas proporções, apenas para que você entenda o sentido geral, os núcleos de prática jurídica prestam um serviço assemelhado ao da Defensoria Pública. Vale ressaltar, contudo, que o modelo oferecido pela Defensoria Pública é o ideal para o assistido porque se trata de um serviço mais organizado, estruturado e com garantias institucionais que os núcleos infelizmente não possuem. Apenas a título de curiosidade, veja o que diz a Portaria nº 1.886/94-MEC, que trata, entre outros temas, sobre os núcleos de prática jurídica:

Art. 10. O estágio de prática jurídica, supervisionado pela instituição de ensino superior, será obrigatório e integrante do currículo pleno, em um total de 300 horas de atividades práticas simuladas e reais desenvolvidas pelo aluno sob controle e orientação do núcleo correspondente.

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§ 1º O núcleo de prática jurídica, coordenado por professores do curso, disporá instalações adequadas para treinamento das atividades de advocacia, magistratura, Ministério Público, demais profissões jurídicas e para atendimento ao público. § 2º As atividades de prática jurídica poderão ser complementadas mediante convênios com a Defensoria Pública outras entidades públicas judiciárias empresariais, comunitárias e sindicais que possibilitem a participação dos alunos na prestação de serviços jurídicos e em assistência jurídica, ou em juizados especiais que venham a ser instalados em dependência da própria instituição de ensino superior. Art. 11. As atividades do estágio supervisionado serão exclusivamente práticas, incluindo redação de peças processuais e profissionais, rotinas processuais, assistência e atuação em audiências e sessões, vistas a órgãos judiciários, prestação de serviços jurídicos e técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação, sob o controle, orientação e avaliação do núcleo de prática jurídica.

Como funcionam, na prática? A pessoa carente que precisa de uma assistência jurídica procura o Núcleo; é atendida por um acadêmico (estagiário) que, supervisionado pelo Professor, identifica o caso e a providência jurídica. Se for necessário, o acadêmico recolhe cópias dos documentos fornecidos pelo assistido e prepara uma peça judicial que será assinada pelo Professor advogado. Imagine agora a seguinte situação: João recebeu, em sua casa, a citação de uma denúncia criminal que foi oferecida contra ele pelo Ministério Público, imputando-lhe a prática do crime de furto. O denunciado procura o Núcleo de Prática Jurídica. O acadêmico atende João e prepara a sua resposta à acusação (art. 396 do CPP). O Professor revisa e corrige a peça de defesa, assina e protocoliza. O Promotor de Justiça alega que a resposta à acusação apresentada não pode ser conhecida considerando que João não outorgou procuração para o Professor advogado. Pede que a defesa seja intimada para apresentar o instrumento do mandato. O Professor refuta a alegação do MP afirmando que, assim como ocorre com a Defensoria Pública (art. 128, XI, da LC 80/94), não se exige procuração para que o Núcleo de Prática Jurídica atue em favor do réu. A alegação do MP está correta? Exige-se que a parte outorgue procuração para que o Núcleo de Prática Jurídica atue em favor do réu no processo criminal? SIM. Em regra, o advogado integrante do Núcleo de Prática Jurídica não está dispensado de apresentar procuração, por ausência de previsão legal. Neste ponto, não há equiparação com a Defensoria Pública. A Defensoria Pública, por força de lei expressa, pode atuar na defesa de seus assistidos mesmo sem procuração. No caso dos Núcleos de Prática Jurídica, embora prestem relevantes serviços, não existe previsão legal semelhante. Por essa razão, seus poderes de representação em juízo dependem necessariamente de procuração. O Núcleo de Prática Jurídica, por não se tratar de entidade de direito público, precisa apresentar instrumento de mandato para comprovar que o réu hipossuficiente escolheu seu defensor, em consonância com o princípio da confiança. É possível que a procuração seja outorgada para o Núcleo de Prática Jurídica? Ex: em vez de outorgar a Procuração para o Professor advogado, João poderia conferir o mandato para o Núcleo de Prática Jurídica? NÃO. A procuração não pode ser outorgada para o Núcleo de Prática Jurídica.

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O Núcleo de Prática Jurídica não possui capacidade para receber nomeação ou mandato. É necessário que, na procuração, seja especificado o advogado a quem são atribuídos os poderes de representação (STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 11.931/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 19/03/2013). E se fosse uma nomeação judicial, haveria necessidade de procuração? Ex: o juiz nomeou o advogado Rui Salgado, Professor do Núcleo de Prática Jurídica, para fazer a defesa do réu no plenário do Tribunal do Júri. Além desta nomeação, será necessário que o réu outorgue uma procuração? NÃO.

A nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica para patrocinar a defesa de réu dispensa a juntada de procuração. Isso porque, neste caso, não há uma atuação provocada pelo assistido, mas sim o exercício de um munus público por determinação judicial. STJ. 3ª Seção. EAREsp 798.496-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/04/2018 (Info 624).

Além disso, não se mostra razoável a exigência de procuração porque na maioria das vezes, em caso de nomeação judicial, não há um contato prévio do advogado com o acusado. A exigência de procuração acarretaria gravosos prejuízos à defesa da população necessitada, inviabilizando o acesso à Justiça. Em suma: O advogado integrante de Núcleo de Prática Jurídica, para representar os interesses do réu no processo penal, precisará de: • procuração outorgada pelo réu; ou • ato de nomeação judicial.

O advogado integrante de Núcleo de Prática Jurídica, no que tange aos poderes de representação em juízo, não está dispensado de apresentar procuração ou ato de nomeação apud acta, haja vista que somente é equiparado à Defensoria Pública quanto à intimação pessoal dos atos processuais. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1199054/DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 07/06/2018.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Súmula 612-STJ

Súmula 612-STJ: O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018.

Imunidade tributária Imunidade tributária consiste na determinação feita pela Constituição Federal de que certas atividades, rendas, bens ou pessoas não poderão sofrer a incidência de tributos. Trata-se de uma dispensa constitucional de tributo. A imunidade é uma limitação ao poder de tributar, sendo sempre prevista na própria CF.

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As normas de imunidade tributária constantes da Constituição objetivam proteger valores políticos, morais, culturais e sociais essenciais e não permitem que os entes tributem certas pessoas, bens, serviços ou situações ligadas a esses valores. Onde estão previstas as hipóteses de imunidade tributária? Como já dito, a imunidade tributária deverá ser sempre prevista na Constituição Federal. As hipóteses mais conhecidas estão listadas no art. 150, VI, da CF/88. Existem, contudo, inúmeras outras imunidades previstas ao longo do texto constitucional. Veja alguns exemplos: • Art. 5º, XXXIV, “a” e “b”, LXXIII, LXXIV, LXXVI e LXXVII: imunidade que incide sobre “taxas”. • Art. 149, § 2º, I: imunidade referente a “contribuições sociais” e CIDE. • Art. 195, § 7º: imunidade incidente sobre “contribuições sociais”. Imunidade para entidades beneficentes de assistência social A Constituição Federal conferiu imunidade para as entidades beneficentes de assistência social afirmando que elas estão dispensadas de pagar contribuições para a seguridade social. Veja:

Art. 195 (...) § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

Obs: apesar de a redação do parágrafo falar em “isentas”, a doutrina afirma que se trata, efetivamente, de uma hipótese de imunidade. Não é um caso de “isenção”. O § 7º do art. 195 da CF/88 traz dois requisitos para o gozo desta imunidade: 1) que se trate de pessoa jurídica que desempenhe atividades beneficentes de assistência social. Obs: a assistência social é tratada no art. 203 da CF/88. O STF, contudo, confere um sentido mais amplo e afirma que os objetivos da assistência social elencados nos incisos do art. 203 podem ser conseguidos também por meio de serviços de saúde e educação. Assim, se a entidade prestar serviços de saúde ou educação, também poderá, em tese, ser classificada como de “assistência social”. 2) que esta entidade atenda a parâmetros previstos na lei. A lei a que se refere o § 7º é lei complementar ou ordinária? Lei complementar. Essa foi a conclusão do STF:

Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar. STF. Plenário. RE 566622, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 23/02/2017 (repercussão geral) (Info 855).

As imunidades tributárias são classificadas juridicamente como “limitações constitucionais ao poder de tributar” e a CF/88 exige que este tema seja tratado por meio de lei complementar. Confira:

Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

Isso gera alguma confusão porque aprendemos, logo no início da faculdade, que, quando a Constituição Federal fala apenas em "lei", sem especificar mais nada, ela está se referindo à lei ordinária. Ex: art. 5º, XXXII ("o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor"). Trata-se do Código de Defesa do Consumidor, uma lei ordinária (Lei nº 8.078/90).

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Também aprendemos que a Constituição, quando quer exigir lei complementar, o faz expressamente. Ex: art. 18, § 2º ("Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar."). O § 7º do art. 195, contudo, deve ser interpretado em conjunto com o art. 146, II. Assim, a Constituição exigiu sim lei complementar, mas não diretamente no § 7º do art. 195 e sim na previsão geral do art. 146, II. Além disso, o STF afirmou que a imunidade de contribuições sociais serve não apenas a propósitos fiscais, mas também para a realização dos objetivos fundamentais da República, como a construção de uma sociedade solidária e voltada para a erradicação da pobreza. Logo, esta espécie de imunidade não pode ficar à mercê da vontade transitória de governos. As regras para gozar dessa imunidade devem ser respeitadas por todos os governos, não sendo, portanto, correto que o regime jurídico das entidades beneficentes fique sujeito a flutuações legislativas constantes, muitas vezes influenciadas pela vontade de arrecadar. Assim, um tema tão sensível como esse não pode ser tratado por lei ordinária ou medida provisória. Assim, diante da relevância das imunidades de contribuições sociais para a concretização de uma política de Estado voltada à promoção do mínimo existencial, deve incidir nesse caso a reserva legal qualificada prevista no art. 146, II, da CF/88 (lei complementar). Existe alguma lei que preveja os requisitos que deverão ser atendidos pela entidade para gozar da imunidade de que trata o § 7º do art. 195 da CF/88? SIM. Os requisitos legais exigidos na parte final do § 7º, enquanto não editada nova lei complementar sobre a matéria, são somente aqueles previstos no art. 14 do CTN. Assim, para gozarem da imunidade, as entidades devem obedecer às seguintes condições: a) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; b) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; c) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. Mas o CTN (Lei nº 5.172/66) é uma lei ordinária ou complementar? O CTN foi editado em 1966 como sendo uma lei ordinária. No entanto, ele foi "recepcionado com força de lei complementar pela Constituição Federal de 1967, e mantido tal status com o advento da Constituição Federal de 1988, visto que, tanto esta quanto aquela Magna Carta reservavam à lei complementar a veiculação das normas gerais em matéria tributária, a regulação das limitações ao poder de tributar e as disposições sobre conflitos de competência." (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 249). Em suma, atualmente, o CTN possui status de lei complementar e, portanto, atende o requisito do art. 146, II, da CF/88. Observação: Este entendimento acima explicado (RE 566622) vale também para a imunidade prevista no art. 150, VI, "c", da CF/88:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

Assim, a lei de que trata o art. 150, VI, "c", da CF/88 é uma lei complementar (atualmente, é o art. 14 do CTN).

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Certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS) O CEBAS é um certificado concedido pelo Governo Federal, por intermédio dos Ministérios da Educação, do Desenvolvimento Social e Agrário e da Saúde, às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social que prestem serviços nas áreas de educação, assistência social ou saúde. Têm direito ao CEBAS as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social e que prestem serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação e que atendam às regras previstas na Lei nº 12.101/2009. Efeito ex tunc do CEBAS O certificado que reconhece a entidade como filantrópica, de utilidade pública, tem efeito ex tunc, por se tratar de ato declaratório. Assim, as entidades beneficentes possuem direito à imunidade desde quando preencheram os requisitos previstos na lei complementar (e não desde a data em que foi conferido o CEBAS). Ex: se o CEBAS só foi concedido em março de 2018, mas desde agosto de 2017 a entidade já havia preenchido os requisitos previstos na lei, a imunidade deve ser reconhecida desde agosto de 2017. Isso porque, como já dito, o CEBAS tem natureza declaratória (e não constitutiva). O STJ possui precedentes afirmando, inclusive, que o fato de a entidade “não possuir o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS), não é suficiente a impedir o reconhecimento da imunidade tributária no caso concreto pois, a teor da jurisprudência desta Corte, referido certificado trata-se de ato declaratório.” (STJ. 1ª Turma. REsp 1517801 SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 17/09/2015). No mesmo sentido:

Se a instituição de assistência social conseguiu, por meio de uma perícia contábil, provar que atende os requisitos do art. 150, VI, “c”, da CF/88 e do art. 14, do CTN, ela terá direito à imunidade tributária, mesmo que não apresente certificado de entidade de assistência social, documento emitido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Não é possível condicionar a concessão de imunidade tributária prevista para as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos à apresentação de certificado de entidade de assistência social na hipótese em que prova pericial tenha demonstrado o preenchimento dos requisitos para a incidência da norma imunizante. STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 187.172-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 18/2/2014 (Info 535).

IPTU Súmula 614-STJ

Súmula 614-STJ: O locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado nem para repetir indébito desses tributos.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018.

IPTU O IPTU (Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana) é um tributo de competência dos Municípios, estando previsto no art. 156, I da CF/88:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana;

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O fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado na zona urbana do Município. O locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado (1ª parte da súmula) Imagine a seguinte situação hipotética: João (proprietário) alugou seu imóvel para Pedro (inquilino). No contrato, havia uma cláusula prevendo que a obrigação pelo pagamento do IPTU do imóvel competia a Pedro (locatário). Houve um aumento do valor do IPTU por meio de decreto do Prefeito. Diante disso, Pedro ajuizou ação contra o Município alegando que este aumento violou o princípio da legalidade tributária e pedindo a volta do antigo valor. Esta ação terá êxito? NÃO. Pedro não tem legitimidade ativa para a causa, uma vez que ele não é o proprietário do imóvel. O locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado (1ª parte da súmula). O locatário não possui legitimidade ativa para pedir a repetição de indébito do IPTU e das taxas referentes ao imóvel alugado (2ª parte da súmula) Exemplo: a empresa JM Ltda. é locatária de um imóvel. Pelo contrato, a obrigação de pagar o IPTU é dela. Durante três anos, a JM Ltda. pagou ao Município o IPTU. Ocorre que a lei municipal que fundamentava a cobrança do imposto foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça. Com base nisso, a JM Ltda. ajuizou ação ordinária contra o Município pedindo a restituição dos valores indevidamente recolhidos a título de IPTU nos anos de 2012, 2013 e 2014 em virtude da inconstitucionalidade da lei. Esta ação não será conhecida, considerando que a JM Ltda. é mera locatária. O locatário não possui legitimidade ativa para pedir a repetição de indébito do IPTU e das taxas referentes ao imóvel alugado (2ª parte da súmula) Mas, nos dois casos, o contrato de locação diz que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU e das taxas é do locatário... O locatário é quem está pagando os tributos... Isso não importa. O Fisco não tem nada a ver com isso, ele não participou desse ajuste. Um contrato entre particulares não tem a força de interferir na relação jurídico-tributária com o Fisco. É o que prevê o art. 123 do CTN:

Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

Em outras palavras, não se pode invocar contra o ente público o contrato firmado entre locador e locatário, sendo o proprietário do imóvel o sujeito passivo da obrigação tributária. Correta interpretação do art. 34 do CTN O art. 34 do CTN prevê quem são os contribuintes do IPTU:

Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

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Diante disso, alguns leitores podem estar pensando: o locatário detém a posse do imóvel. Logo, ele também poderia ser considerado contribuinte do IPTU. Sendo contribuinte do imposto, teria legitimidade para ajuizar ações questionando esse tributo. Essa interpretação, contudo, não é acolhida pela jurisprudência. O STJ, ao interpretar o art. 34 do CTN, afirma que a posse tributária é a que exterioriza o domínio, não aquela exercida pelo locatário ou pelo comodatário. Assim, o possuidor até pode ser considerado contribuinte do IPTU, mas, para isso, é necessário que ele seja um possuidor que tenha animus domini. Desse modo, contribuinte do IPTU, na visão do STJ, é: • o proprietário do imóvel; • o titular do domínio útil do imóvel; ou • o possuidor do imóvel, a qualquer título, desde que tenha animus domini. Posse animus domini (com ânimo de dono) é aquela posse demonstrada por quem se considera o dono do imóvel. É a posse que gera direito à usucapião. Mesmo que o contrato de locação dure 20 anos e que o locatário permaneça todo esse tempo no imóvel, ele não terá direito de adquiri-lo por usucapião. Isso porque a sua posse não tem animus domini, ou seja, ele sabe que não é o proprietário do imóvel e que só está na posse em virtude do contrato. Logo, a súmula 614 do STJ não é incompatível com o art. 34 do CTN. Seria possível que o locatário pedisse a repetição de indébito do IPTU com base no art. 166 do CTN, alegando que foi ele quem sofreu o encargo econômico do tributo? NÃO. O art. 166 do CTN prevê o seguinte:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Ocorre que este art. 166 do CTN é aplicado apenas para tributos indiretos, não sendo regra válida para os tributos diretos, como é o caso do IPTU e das taxas que incidem sobre o imóvel. Nesse sentido:

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que o art. 166 do CTN não tem aplicabilidade aos tributos diretos, como via de regra, são o IPTU e as taxas incidentes sobre o imóvel, vez que referidas exações não podem ser enquadradas no rol de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do referido encargo. STJ. 1ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1294961/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 12/04/2016.

Taxas referentes ao imóvel Ex: taxa de lixo (SV 19).

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PIS / COFINS É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas

Instruções Normativas da SRF 247/2002 e 404/2004 (Julgado que só interessa para quem estuda Direito Tributário

de forma muito profunda para a área federal)

É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003 e o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.221.170-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 22/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 624).

Creditamento de PIS e COFINS A legislação autoriza que, ao pagar o PIS e a COFINS, a pessoa jurídica possa “descontar” alguns créditos que ela vai adquirindo nas hipóteses previstas no art. 3º da Lei nº 10.637/2002 e art. 3º da Lei nº 10.833/2003. Veja: Lei nº 10.637/2002 (PIS/PASEP)

Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º (valor da contribuição para o PIS/PASEP) a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: a) no inciso III do § 3º do art. 1º desta Lei; e b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei; II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI; (...)

Lei nº 10.833/2003 (COFINS)

Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º (valor da COFINS) a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: a) no inciso III do § 3º do art. 1º desta Lei; e b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei; II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi; (...)

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Desse modo, a legislação autoriza que a pessoa jurídica abata do valor que irá pagar de PIS e COFINS algumas despesas que ela realizou com determinadas atividades consideradas essenciais para a sua atividade empresarial. Isso é chamado de “direito de creditamento de PIS e COFINS”. Uma dessas despesas que podem ser abatidas são os bens e serviços “utilizados como insumo”. Instruções normativas da SRF 247/2002 e 404/2004 A Receita Federal editou as Instruções Normativas 247/2002 e 404/2004 tratando sobre a Contribuição para o PIS/Pasep e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Tais instruções deram uma definição muito restritiva para o que seja insumo. STJ entendeu ilegal a definição de insumo das instruções normativas A definição restritiva de insumo dada pela IN 247/2002 e pela IN 404/2004 violou o art. 3º, II, da Lei nº 10.637/2002 e do art. 3º, II, da Lei nº 10.833/2003, que contêm rol exemplificativo. A conceituação de insumo prevista nas referidas leis está atrelada ao critério da essencialidade para a atividade econômica da empresa, de modo que devem ser considerados todos os bens e serviços que sejam pertinentes ou que viabilizem o processo produtivo, de forma que, se retirados, impossibilitariam ou, ao menos, diminuiriam o resultado final do produto. Em resumo, a adequada compreensão de insumo, para efeito do creditamento relativo às contribuições usualmente denominadas PIS/COFINS, deve compreender todas as despesas diretas e indiretas do contribuinte, abrangendo, portanto, as que se referem à totalidade dos insumos, não sendo possível, no nível da produção, separar o que é essencial (por ser físico, por exemplo), do que seria acidental, em termos de produto final. Talvez acidentais sejam apenas certas circunstâncias do modo de ser dos seres, tais como a sua cor, o tamanho, a quantidade ou o peso das coisas, mas a essencialidade, quando se trata de produtos, possivelmente será tudo o que participa da sua formação. Deste modo, a definição restritiva proposta pelas Instruções Normativas ns. 247/2002 e 404/2004, da Secretaria da Receita Federal - SRF, efetivamente não se concilia e mesmo afronta e desrespeita o comando contido no art. 3º, II, da Lei nº 10.637/2002 e no art. 3º, II, da Lei nº 10.833/2003, que explicitam rol exemplificativo. A tese definida pelo STJ foi a seguinte:

É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003 e o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte. STJ. 1ª Seção. REsp 1.221.170-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 22/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 624).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

APOSENTADORIA Segurado que tenha desempenhado serviço rurícola antes da Lei nº 8.213/91

O segurado que tenha provado o desempenho de serviço rurícola em período anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, embora faça jus à expedição de certidão nesse sentido para mera averbação nos seus assentamentos, somente tem direito ao cômputo do aludido tempo rural,

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no respectivo órgão público empregador, para contagem recíproca no regime estatutário se, com a certidão de tempo de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento das respectivas contribuições previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o dispositivo do art. 96, IV, da Lei nº 8.213/91.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.682.678-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 624).

O § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/91 estabelece o seguinte:

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

O art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, que dispensa o pagamento de contribuições previdenciárias para fins de comprovação do tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, estende-se ao caso em que o beneficiário pretende utilizar o tempo de serviço para contagem recíproca no regime estatutário, ou está restrito ao regime geral de previdência? Exemplo: João foi trabalhador rural de 1980 a 1990. Nesse período ele não recolheu contribuições previdenciárias para o regime geral de previdência social (RGPS). Em 1995, João foi aprovado em um concurso público e passou a ocupar cargo público, passando a ficar vinculado ao regime próprio de previdência social (RPPS). João poderá usar o tempo de serviço em que trabalhou como rural para somar com o tempo de contribuição no regime próprio de previdência social? Ele poderá “aproveitar” esse tempo de serviço rural quando for se aposentar como servidor público? O segurado que tenha provado o desempenho de serviço rurícola em período anterior à vigência da Lei nº 8.213/91 terá direito de obter uma certidão do INSS para ser averbada nos seus assentamentos do órgão público onde exerce suas funções. Verificado o tempo rural, não pode o INSS abster-se de expedir a certidão de tempo de serviço. Uma coisa é ter direito à certidão, a qual, simplesmente, atesta a ocorrência de um fato (o segurado trabalhou como rural antes da Lei nº 8.213/91). Outra coisa, inteiramente diversa, é se esse tempo rural poderá ser utilizado para fins da aposentadoria no RPPS. O STJ decidiu que somente terá direito de computar esse tempo rural para contagem recíproca no regime estatutário se o segurado recolher as contribuições previdenciárias relativas ao período em que trabalhou como rural e que não haviam sido pagas. Isso por força do art. 96, IV, da Lei nº 8.213/91:

Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes: (...) IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de zero vírgula cinco por cento ao mês, capitalizados anualmente, e multa de dez por cento.

Assim, para a contagem recíproca mediante a junção do período prestado na administração pública com a atividade rural exercida sem pagamento de contribuição antes da Lei nº 8.213/91, faz-se necessária a indenização do período rural exercido anteriormente à Lei nº 8.213/91. Em outras palavras, nas hipóteses em que o segurado busca computar tempo de serviço prestado como trabalhador rural para fins de contagem recíproca, faz-se necessário o recolhimento das contribuições previdenciárias pertinentes que se buscam averbar.

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A tese fixada pelo STJ foi a seguinte:

O segurado que tenha provado o desempenho de serviço rurícola em período anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, embora faça jus à expedição de certidão nesse sentido para mera averbação nos seus assentamentos, somente tem direito ao cômputo do aludido tempo rural, no respectivo órgão público empregador, para contagem recíproca no regime estatutário se, com a certidão de tempo de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento das respectivas contribuições previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o dispositivo do art. 96, IV, da Lei nº 8.213/91. STJ. 1ª Seção. REsp 1.682.678-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/04/2018 (recurso repetitivo) (Info 624).

PREVIDÊNCIA PRIVADA Desligamento de participante e fim do direito ao rateio do superávit

O desligamento de participante de plano de previdência complementar faz cessar o direito ao rateio de eventual superávit de ativos apurados em posterior liquidação extrajudicial da entidade.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.441.411-AM, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/04/2018 (Info 624).

Entidades de previdência privada Existem duas espécies de entidade de previdência privada (entidade de previdência complementar): as entidades de previdência privada abertas e as fechadas.

ABERTAS (EAPC) FECHADAS (EFPC)

As entidades abertas são empresas privadas constituídas sob a forma de sociedade anônima, que oferecem planos de previdência privada que podem ser contratados por qualquer pessoa física ou jurídica. As entidades abertas normalmente fazem parte do mesmo grupo econômico de um banco ou seguradora. Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A., Itaú Vida e Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto Seguro Vida e Previdência S/A., Sul América Seguros de Pessoas e Previdência S.A.

As entidades fechadas são pessoas jurídicas, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, mantidas por grandes empresas ou grupos de empresa, para oferecer planos de previdência privada aos seus funcionários. Essas entidades são conhecidas como “fundos de pensão”. Os planos não podem ser comercializados para quem não é funcionário daquela empresa. Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa Bosch).

Possuem finalidade de lucro. Não possuem fins lucrativos.

São geridas (administradas) pelos diretores e administradores da sociedade anônima.

A gestão é compartilhada entre os representantes dos participantes e assistidos e os representantes dos patrocinadores.

O julgado analisado refere-se a um plano de previdência privada fechada. "Entidades patrocinadoras" (patrocinador) Patrocinador (ou entidade patrocinadora) é a empresa ou grupo de empresas que oferece plano de previdência privada fechada aos seus funcionários. Funciona da seguinte forma: os empregados pagam uma parte da mensalidade e o patrocinador arca com a outra.

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Obs: existem alguns entes públicos que também oferecem plano de previdência privada aos servidores. Neste caso, este ente público é que será o patrocinador. A entidade patrocinadora oferece o plano de previdência privada por meio de uma entidade fechada de previdência privada. Enfim, só existe entidade patrocinadora no caso de plano fechado de previdência privada. Os benefícios mais comuns que são oferecidos pela previdência complementar fechada são os seguintes: aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Participante Participante é a pessoa física que adere ao plano de previdência complementar oferecido por uma entidade fechada de previdência complementar (EFPC). O participante, para poder aderir a esse plano, tem que estar vinculado à entidade patrocinadora (ex: ser funcionário do patrocinador). O valor das contribuições vertidas pelo participante para a entidade de previdência é descontado de seu salário no momento do pagamento. Imagine a seguinte situação hipotética: João era funcionário do Banco do Estado do Amazonas (sociedade de economia mista) e, nesta condição, era participante do plano de previdência complementar oferecido para os funcionários da empresa. João foi demitido do banco em 2001. Ao ser demitido, João tinha a opção de permanecer no plano submetendo-se ao regime do benefício diferido ou ao do autopatrocínio, conforme prevê o art. 14, I e IV, da LC 109/2001:

Art. 14. Os planos de benefícios deverão prever os seguintes institutos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador: I - benefício proporcional diferido, em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador ou associativo com o instituidor antes da aquisição do direito ao benefício pleno, a ser concedido quando cumpridos os requisitos de elegibilidade; (...) IV - faculdade de o participante manter o valor de sua contribuição e a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total da remuneração recebida, para assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela remuneração ou em outros definidos em normas regulamentares.

Apesar dessa possibilidade legal de permanecer no plano de previdência, João optou por se desligar, efetuando o resgate das respectivas contribuições. Isso porque caso uma pessoa que seja filiada a um plano de previdência privada decida se desligar, ela terá o direito de resgatar (receber de volta) as parcelas que pagou. Em 2003, houve a liquidação extrajudicial do plano de previdência em virtude da retirada do patrocinador. A possibilidade de retirada do patrocinador está prevista no art. 25 da LC 109/2001:

Art. 25. O órgão regulador e fiscalizador poderá autorizar a extinção de plano de benefícios ou a retirada de patrocínio, ficando os patrocinadores e instituidores obrigados ao cumprimento da totalidade dos compromissos assumidos com a entidade relativamente aos direitos dos participantes, assistidos e obrigações legais, até a data da retirada ou extinção do plano.

Como o plano de previdência seria extinto, uma das medidas foi pagar todas as contas e fazer o rateio dos valores que sobraram. Assim, elaborou-se uma lista dos participantes aos quais seria destinado, em rateio, o excedente do ativo. Nessa lista, não constou o nome de João. Diante disso, ele ajuizou ação pedindo que também participasse desse rateio e recebesse o excedente do ativo. O pedido de João foi julgado procedente? Ele tem direito de participar do rateio?

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NÃO.

O desligamento de participante de plano de previdência complementar faz cessar o direito ao rateio de eventual superávit de ativos apurados em posterior liquidação extrajudicial da entidade. STJ. 3ª Turma. REsp 1.441.411-AM, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/04/2018 (Info 624).

A condição de participante de um plano de previdência complementar traz consigo ônus e bônus. Exemplo de bônus é o rateio de superávit. Exemplo de ônus é ter de contribuir para a satisfação de eventual déficit da entidade de previdência. No caso concreto, o plano de previdência era superavitário e, portanto, os participantes tiveram direito de participar do rateio. Por outro lado, se o plano de previdência tivesse sido deficitário, ou seja, se tivesse dívidas para pagar, estas seriam pagas pelos participantes. Os ex-participantes não seriam chamados a arcar com isso. É o que prevê o art. 21 da LC 109/2001. O que se quer dizer com isso é que o resgate das contribuições faz cessar o vínculo do participante com a entidade de previdência. Assim, os ex-participantes, depois que saem do plano, não irão mais participar nem dos “prejuízos” nem dos “lucros”. Eles não terão mais ônus nem bônus. Ora, se os ex-participantes não são chamados a arcar com o déficit da entidade, também não podem se beneficiar de eventual superávit, pois isso equivaleria ao que se diz, em linguagem popular, desfrutar do “melhor dos dois mundos”.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Não pode ocorrer ou permanecer a inscrição do município em cadastros restritivos fundada em

irregularidades na gestão anterior quando, na gestão sucessora, são tomadas as providências cabíveis à reparação dos danos eventualmente cometidos. ( )

2) As regras gerais previstas na Lei nº 8.666/93 não podem ser flexibilizadas mesmo em se tratando do Programa Minha Casa Minha Vida. ( )

3) O termo inicial do adicional de insalubridade a que faz jus o servidor público é a data do início do serviço. ( ) 4) Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a

instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração. ( )

5) O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada. ( )

6) A ação de cobrança de débitos condominiais não pode ser proposta contra o arrendatário do imóvel. ( ) 7) É possível, em sede de execução de alimentos, a dedução na pensão alimentícia fixada exclusivamente

em pecúnia das despesas pagas "in natura", com o consentimento do credor, referentes a aluguel, condomínio e IPTU do imóvel onde residia o exequente. ( )

8) A coisa julgada material formada em virtude de acordo celebrado por partes maiores e capazes, versando sobre a partilha de bens imóveis privados e disponíveis e que fora homologado judicialmente por ocasião de divórcio consensual, não impede que haja um novo acordo sobre o destino dos referidos bens. ( )

9) Para que haja a decretação da perda do poder familiar da mãe biológica em razão suposta entrega da filha para adoção irregular (“adoção à brasileira”) é indispensável a realização do estudo social e avaliação psicológica das partes litigantes. ( )

10) Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental. ( ) 11) O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas

demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo

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beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). ( )

12) O delito previsto na primeira parte do art. 54 da Lei nº 9.605/98 possui natureza material, exigindo-se a realização de perícia. ( )

13) A nomeação judicial de Núcleo de Prática Jurídica para patrocinar a defesa de réu dispensa a juntada de procuração. ( )

14) O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade. ( )

15) O locatário possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado. ( )

16) O segurado que tenha provado o desempenho de serviço rurícola em período anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, embora faça jus à expedição de certidão nesse sentido para mera averbação nos seus assentamentos, somente tem direito ao cômputo do aludido tempo rural, no respectivo órgão público empregador, para contagem recíproca no regime estatutário se, com a certidão de tempo de serviço rural, acostar o comprovante de pagamento das respectivas contribuições previdenciárias, na forma da indenização calculada conforme o dispositivo do art. 96, IV, da Lei nº 8.213/91. ( )

17) O desligamento de participante de plano de previdência complementar faz cessar o direito ao rateio de eventual superávit de ativos apurados em posterior liquidação extrajudicial da entidade. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. E 4. C 5. C 6. E 7. C 8. C 9. C 10. C

11. C 12. E 13. C 14. C 15. E 16. C 17. C