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Informativo 643-STJ (29/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 643-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO FUNDEF É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF. DIREITO MILITAR Nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação. DIREITO AMBIENTAL CÓDIGO FLORESTAL A legislação municipal não pode reduzir a proteção conferida às áreas de preservação permanente previstas pelo Código Florestal. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Suspensão das ações individuais que tratem do caso de chumbo da mineradora Plumbum, em Adrianópolis (PR). DIREITO CIVIL CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS A abusiva a resilição unilateral e imotivada do contrato de prestação de serviços advocatícios na hipótese em que houver cláusula de êxito. DIVÓRCIO Ação de partilha posterior ao divórcio deve tramitar no juízo que decretou o divórcio, mesmo que um dos ex- cônjuges tenha mudado de domicílio e se tornado incapaz. DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL PROTESTO DE CDA É possível o protesto de CDA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIA Compete à 1ª Seção do STJ (e não à 3ª Seção) julgar MS impetrado contra Portaria do Ministro da Justiça que regulamenta o direito dos presos à visita íntima nas penitenciárias federais. JUSTIÇA GRATUITA Caso a parte faça o requerimento da gratuidade da justiça no recurso e o relator indefira o pedido, deverá intimar o recorrente para realizar o preparo antes de decretar a deserção. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

FUNDEF É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF. DIREITO MILITAR Nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar e o militar

temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação.

DIREITO AMBIENTAL

CÓDIGO FLORESTAL A legislação municipal não pode reduzir a proteção conferida às áreas de preservação permanente previstas pelo

Código Florestal. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Suspensão das ações individuais que tratem do caso de chumbo da mineradora Plumbum, em Adrianópolis (PR).

DIREITO CIVIL

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS A abusiva a resilição unilateral e imotivada do contrato de prestação de serviços advocatícios na hipótese em que

houver cláusula de êxito. DIVÓRCIO Ação de partilha posterior ao divórcio deve tramitar no juízo que decretou o divórcio, mesmo que um dos ex-

cônjuges tenha mudado de domicílio e se tornado incapaz.

DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL

PROTESTO DE CDA É possível o protesto de CDA.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Compete à 1ª Seção do STJ (e não à 3ª Seção) julgar MS impetrado contra Portaria do Ministro da Justiça que

regulamenta o direito dos presos à visita íntima nas penitenciárias federais. JUSTIÇA GRATUITA Caso a parte faça o requerimento da gratuidade da justiça no recurso e o relator indefira o pedido, deverá intimar

o recorrente para realizar o preparo antes de decretar a deserção. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF.

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ASTREINTES A Súmula 410 do STJ continuou válida mesmo após a edição das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006 e mesmo depois

que entrou em vigor o CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO A decisão interlocutória que rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência é uma decisão de mérito, que enseja

a agravo de instrumento com base no inciso II do art. 1.015 do CPC/2015. Se a parte ajuizou ação urgente sem juntar procuração (art. 37 do CPC/1973), ela também poderá, dentro do prazo

de 15 dias previsto neste dispositivo, interpor recurso sem procuração. EXECUÇÃO É possível a cumulação da verba honorária fixada nos embargos à execução com a arbitrada na própria execução

contra a Fazenda Pública, vedada a compensação entre ambas. DIREITOS DIFUSOS Transportadora pode ser condenada, em ACP, a não trafegar com excesso de peso nas rodovias, sob pena de multa

civil (astreinte), e, além disso, ser condenada a pagar indenização por danos morais coletivos e danos materiais.

DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA A existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar o aumento da pena-base como

personalidade voltada para o crime.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Compete à 1ª Seção do STJ (e não à 3ª Seção) julgar MS impetrado contra Portaria do Ministro da Justiça que

regulamenta o direito dos presos à visita íntima nas penitenciárias federais.

DIREITO TRIBUTÁRIO

COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA Comprovação que é necessária para o MS impetrado objetivando a declaração do direito à compensação tributária. PROTESTO DE CDA É possível o protesto de CDA. DIREITO ADUANEIRO O termo inicial para fins de multa e juros moratórios que decorrem da não exportação de produtos que foram isentos

do recolhimento de tributos em razão do Drawback-suspensão é a data em que se encerra a condição suspensiva.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

DECADÊNCIA O prazo decadencial de 10 anos (art. 103 da Lei 8.213/91) aplica-se para o requerimento de benefício previdenciário

mais vantajoso, cujo direito fora adquirido em data anterior à implementação do benefício previdenciário ora em manutenção.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

FUNDEF É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais

sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF

Mudança de entendimento!

Atualize o Info 585-STJ

Importante!!!

É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF.

Os valores relacionados ao FUNDEF, hoje FUNDEB, encontram-se constitucional e legalmente vinculados ao custeio da educação básica e à valorização do seu magistério, sendo vedada a sua utilização em despesa diversa, tais como honorários advocatícios contratuais.

Ex: determinado Município do interior do Estado ingressou com ação contra a União com o objetivo de conseguir o repasse integral de verbas do FUNDEF. Como o Município não possuía procuradores municipais concursados, foi contratado um escritório de advocacia privado para patrocinar a causa. No contrato assinado com os advogados ficou combinado que, se o Município vencesse a demanda, pagaria 20% do valor da causa ao escritório. O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado. O Município requereu, então, que 20% do valor da condenação (verbas do FUNDEF a serem pagas pela União) fosse separado para pagamento dos honorários contratuais dos advogados que atuaram na causa, nos termos do art. 22, § 4º da Lei nº 8.906/94. Esse pedido não deve ser acolhido. Não é possível a aplicação do art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994 nas execuções contra a União em que se persigam quantias devidas ao FUNDEF/FUNDEB, devendo o advogado credor buscar a satisfação de seu crédito por outros meios.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.703.697-PE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 10/10/2018 (Info 643).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

DIREITO MILITAR Nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço

militar e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação

O militar temporário não estável, considerado incapaz apenas para o serviço militar, somente terá direito à reforma ex officio se comprovar o nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação das atividades militares.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.123.371-RS, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. Acd. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19/09/2018 (Info 643).

Militar estável x militar temporário

MILITAR ESTÁVEL MILITAR TEMPORÁRIO

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Existem dois grupos de militares estáveis: a) militares de carreira; e os b) praças com estabilidade. Militar de carreira: são os da ativa que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar, tenham vitaliciedade assegurada ou presumida. Ex: o oficial militar de carreira oriundo da Academia Militar de Agulhas Negras. Praça com estabilidade: é aquele com 10 anos ou mais de efetivo serviço.

O militar temporário é aquele que permanece na ativa por prazo determinado e enquanto for da conveniência da administração militar. Destina-se a completar as Armas e os Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de Praças. Está previsto no art. 3º, II, da Lei nº 6.391/76 (Lei que trata sobre o Pessoal do Ministério do Exército.

Possuem um vínculo permanente com as Forças Armadas.

Possuem um vínculo precário e por tempo determinado com as Forças Armadas.

Importante destacar a definição dada pelo Min. Mauro Campbell Marques:

O militar temporário é aquele que permanece na ativa por prazo determinado e enquanto for da conveniência do Administrador, destinando-se a completar as Armas e Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de Praças, nos moldes do art. 3º, II, da Lei 6.391/1976, de sorte que, o término do tempo de serviço implica no seu licenciamento quando, a critério da Administração, não houver conveniência na permanência daquele servidor nos quadros das Forças Armadas (ex vi do art. 121, II e § 3º, da Lei 6.880/1980), a evidenciar um ato discricionário da Administração Militar, que, contudo, encontra-se adstrito a determinados limites, entre eles a existência de higidez física do militar a ser desligado, não sendo cabível o término do vínculo, por iniciativa da Administração, quando o militar se encontrar incapacitado para o exercício das atividades relacionadas ao serviço militar, hipótese em que deve ser mantido nas fileiras castrenses até sua recuperação ou, não sendo possível, eventual reforma.

No caso de o militar temporário contar com mais de 10 anos de efetivo serviço e preencher os demais requisitos legais autorizadores ele adquirirá a estabilidade no serviço militar (art. 50, IV, “a”, da Lei nº 6.880/80), não podendo ser livremente licenciado ex ofício:

Art. 50. São direitos dos militares: IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas: a) a estabilidade, quando praça com 10 (dez) ou mais anos de tempo de efetivo serviço;

No entanto, antes de alcançada a estabilidade, o militar não estável poderá ser licenciado ex officio, sem direito a qualquer remuneração posterior. Reforma, licenciamento e reserva remunerada A reforma, o licenciamento e a reserva remunerada são formas de exclusão do serviço ativo das Forças Armadas, podendo ocorrer a pedido ou ex officio. Vejamos as diferenças entre elas:

REFORMA LICENCIAMENTO RESERVA REMUNERADA

Arts. 104 a 114 da Lei 6.880/80. Art. 121 da Lei nº 6.880/80. Art. 121 da Lei nº 6.880/80.

Ocorre quando o militar passa para definitivamente para a inatividade quando atinge a idade prevista em lei ou caso se enquadre em alguma das hipóteses do art. 106.

Em regra, refere-se apenas aos militares temporários. É, portanto, a extinção do vínculo do militar temporário com a Administração.

Ocorre quando o militar passa para definitivamente para a inatividade por livre vontade (a pedido) ou, de ofício, por se enquadrar em uma das hipótese do art. 121, § 3º.

Pode ser a pedido ou ex officio. Pode ser a pedido ou ex officio. Pode ser a pedido ou ex officio.

Situações mais comuns de reforma: por idade e por incapacidade.

Situações mais comuns: a) por conclusão de tempo de serviço ou

Situações mais comuns de reserva: a) a pedido do militar; b) por conclusão de tempo de serviço; c)

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A reforma por incapacidade pode atingir tanto militares estáveis como temporários.

de estágio; b) por conveniência do serviço; c) a bem da disciplina.

por conveniência do serviço; d) a bem da disciplina.

Em regra, não é possível o retorno. Em regra, não é possível o retorno. É possível o retorno ao serviço ativo (o reservista pode ser convocado).

É sempre remunerada (militar reformado continuará recebendo).

Não é remunerada (o licenciado não continuará recebendo).

Como o próprio nome indica, o reservista continuará recebendo.

Acidente, doença, moléstia ou enfermidade e incapacidade para o serviço militar O militar pode se tornar incapaz definitivamente para o serviço militar em razão de diversas causas, como, por exemplo, acidente, doença, moléstia, enfermidade etc. Vale aqui pontuar uma diferença:

Militar com estabilidade Militar temporário

Os militares com estabilidade assegurada terão direito à reforma ainda que o resultado do acidente ou moléstia seja meramente incapacitante.

Os militares temporários e sem estabilidade somente terão direito à reforma neste caso se forem considerados inválidos tanto para o serviço do Exército como para as demais atividades laborativas civis.

Assim, a lei faz distinção entre:

Incapacidade definitiva para o serviço ativo do Exército Invalidez

Conceito que não abrange incapacidade para todas as demais atividades laborais civis. O indivíduo não consegue exercer as atividades militares, mas pode continuar desempenhando outras profissões.

Conceito que abrange a incapacidade para o serviço ativo do Exército e para todas as demais atividades laborais civis. O indivíduo está impedido, de forma completa, de exercer as atividades.

Relação do acidente ou doença com o serviço Quando o acidente, doença, moléstia ou enfermidade não tiver relação de causa e efeito com o serviço, a situação será diferente caso se trate de militar com estabilidade ou militar temporário.

O que acontece com o militar que apresenta doença, moléstia ou enfermidade que não tenha relação de causa e efeito com o serviço?

Militar com estabilidade Militar temporário

Os militares com estabilidade assegurada terão direito à reforma ex officio ainda que o resultado do acidente ou moléstia seja meramente incapacitante (INCAPACIDADE).

Os militares temporários e sem estabilidade, apenas se forem considerados inválidos tanto para o serviço do Exército como para as demais atividades laborativas civis (INVALIDEZ).

Reforma do militar temporário não estável em caso de incapacidade A reforma do militar temporário não estável é devida nos casos de incapacidade: 1) adquirida em função dos motivos constantes dos incisos I a V do art. 108 da Lei nº 6.880/80, que o incapacite apenas para o serviço militar e independentemente da comprovação do nexo de causalidade com o serviço militar; 2) quando a incapacidade decorre de acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço militar, que impossibilite o militar, total e permanentemente, de exercer qualquer trabalho (invalidez total). Incisos I a V do art. 108 da Lei 6.880/80: nexo de causalidade Haverá nexo de causalidade nos casos de: a) ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública (inciso I do art. 108);

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b) enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações (inciso II do art. 108); c) acidente em serviço (inciso III do art. 108); e d) doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço (inciso IV do art. 108). Portanto, nos casos em que não há nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação do serviço militar e o militar temporário não estável é considerado incapaz somente para as atividades próprias do Exército, é cabível a desincorporação, nos termos do art. 94 da Lei nº 6.880/80 c/c o art. 31 da Lei de Serviço Militar e o art. 140 do seu Regulamento - Decreto nº 57.654/1966. Em suma:

O militar temporário não estável, considerado incapaz apenas para o serviço militar, somente terá direito à reforma ex officio se comprovar o nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação das atividades militares. STJ. Corte Especial. EREsp 1.123.371-RS, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. Acd. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19/09/2018 (Info 643).

DIREITO AMBIENTAL

CÓDIGO FLORESTAL A legislação municipal não pode reduzir a proteção conferida às áreas de preservação

permanente previstas pelo Código Florestal

A legislação municipal não pode reduzir o patamar mínimo de proteção marginal dos cursos d'água, em toda sua extensão, fixado pelo Código Florestal.

A norma federal conferiu uma proteção mínima, cabendo à legislação municipal apenas intensificar o grau de proteção às margens dos cursos d'água, ou quando muito, manter o patamar de proteção (jamais reduzir a proteção ambiental).

STJ. 2ª Turma. AREsp 1.312.435-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 07/02/2019 (Info 643).

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa SW guardou, em um terreno de sua propriedade, entulhos, ou seja, restos de uma construção que realizou. Ocorre que uma parte deste terreno está localizada a menos de 30 metros das margens de um pequeno rio. Logo, era uma área de preservação permanente (APP), nos termos do art. 2º, da Lei nº 4.771/65 (antigo Código Florestal – atualmente revogado):

Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; (...)

Diante disso, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra a empresa pedindo que ela fosse condenada a:

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a) retirar todos os materiais depositados no local; b) fazer a recuperação ambiental da área. A empresa contestou a ação afirmando que existe lei municipal considera como área de preservação permanente a faixa de 15 metros de largura para os cursos d’água de menos de 10 metros de largura. Em outras palavras, o antigo (e o atual) Código Florestal previa/prevê que a APP é de 30 metros e a lei municipal de 15 metros. A ré, contudo, invocou o parágrafo único do art. 2º do antigo Código Florestal, que dizia o seguinte:

Art. 2º (...) Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

Assim, para a empresa, em razão deste parágrafo único, deveria prevalecer o critério escolhido pelo legislador municipal. O argumento da empresa-ré foi acolhido pelo STJ? NÃO. Antinomia A antinomia ocorre quando existem duas normas jurídicas conflitam entre si fazendo com que surja uma dúvida no intérprete sobre qual delas deverá ser aplicada no caso concreto. Existem duas espécies de antinomia: a) antinomia APARENTE: ocorre quando a incompatibilidade entre as duas normas pode ser resolvida por meio de um dos critérios de solução dos conflitos. É chamada de aparente porque, na verdade, só uma das normas será aplicada, fazendo com que a incompatibilidade desapareça. Há três critérios para solução das antinomias aparentes. i) critério cronológico: a norma posterior prevalece sobre a anterior; ii) critério da especialidade: a norma especial (específica) prevalece sobre a geral; iii) critério hierárquico: a norma superior prevalece sobre a inferior. b) antinomia REAL: ocorre quando o conflito entre as normas não pode ser resolvido mediante a utilização dos critérios acima explicados. Ex: norma X (superior, mas geral) conflita com a norma Y (inferior, porém especial). Veja que há uma mistura entre os critérios e não se pode apontar qual norma venceria esta disputa com base apenas nos critérios para solução de antinomias. Desse modo, a antinomia real torna impossível a convivência normativa, gerando o afastamento de uma das normas por meio da interpretação ab-rogante. Já a antinomia aparente permite a conciliação entre os dispositivos supostamente diversos por meio da técnica da interpretação corretiva. Antinomia real Nesta situação, temos uma hipótese de antinomia real entre a norma federal e a norma municipal. Nesse diapasão, cumpre verificar o valor jurídico-positivo apto a elucidar a antinomia. A competência legislativa em matéria ambiental é concorrente entre a União, Estados e os Municípios. Compete à União a competência para legislar sobre normas gerais, e aos Estados, ao Distrito Federal e aso Municípios a competência para suplementar estas normas gerais. Existindo omissão legislativa por parte da União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem editar as normas gerais.

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Proteção ambiental conferida pelo Código Florestal As áreas de preservação permanente têm o papel de abrigar a biodiversidade e promover a propagação da vida, assegurar a qualidade do solo e garantir o armazenamento de recurso hídrico em condições favoráveis de quantidade e qualidade. O sistema normativo brasileiro já protegia as áreas de preservação permanente desde o antigo Código Florestal, tendo essa proteção sido mantida pela Lei nº 12.651/2012. Correta interpretação do parágrafo único do art. 2º do antigo Código Florestal O parágrafo único do art. 2º do antigo Código Florestal dizia que, nos casos de áreas urbanas, deveria ser observada a legislação local. Entretanto, mediante leitura atenta do diploma legal, percebe-se que, ao excepcionar a tutela das edificações, a norma impôs essencial observância aos princípios e limites insculpidos no Código Florestal. Logo, o que este dispositivo fez foi autorizar que o legislador municipal impusesse mais restrições ambientais (e não menos). Em outras palavras, permitiu-se que a lei municipal aumentasse o patamar protetivo. Desse modo, como a lei municipal diminuiu a proteção ambiental, ela deve ser afastada. Reduzir o tamanho da área de preservação permanente afastando a aplicação do Código Florestal implicaria verdadeiro retrocesso em matéria ambiental. Em suma:

A legislação municipal não pode reduzir o patamar mínimo de proteção marginal dos cursos d'água, em toda sua extensão, fixado pelo Código Florestal. A norma federal conferiu uma proteção mínima, cabendo à legislação municipal apenas intensificar o grau de proteção às margens dos cursos d'água, ou quando muito, manter o patamar de proteção (jamais reduzir a proteção ambiental). STJ. 2ª Turma. AREsp 1.312.435-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 07/02/2019 (Info 643).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Suspensão da ações individuais que tratem do caso de

chumbo da mineradora Plumbum, em Adrianópolis (PR)

Até o trânsito em julgado das Ações Civis Públicas n. 5004891-93.2011.4004.7000 e n. 2001.70.00.019188-2, em tramitação na Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba, atinentes à macrolide geradora de processos multitudinários em razão de suposta exposição à contaminação ambiental decorrente da exploração de jazida de chumbo no Município de Adrianópolis-PR, deverão ficar suspensas as ações individuais.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.525.327-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

O caso concreto, com algumas adaptações, foi o seguinte: A mineradora Plumbum explorou, durante anos, uma jazida de chumbo no Município de Adrianópolis (PR), que fica na Região Metropolitana de Curitiba. Jazida mineral é um local que contenha grande concentração de um determinado minério ou outra substância natural de valor econômico, que se encontra na superfície ou no interior da terra. Em 1995, as reservas de chumbo esgotaram-se no local e a mineradora decidiu encerrar as suas atividades.

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Ocorre que, segundo alega o Ministério Público, toneladas de rejeitos de minérios (com elevado teor de chumbo) foram deixadas no local, à céu aberto, sem a menor proteção. Esses rejeitos foram carregados pelas chuvas até o leito do Rio Ribeira, causando graves danos ambientais. Além disso, a poeira tóxica foi levada pelo vento e aspirada pela população da cidade e dos arredores, gerando danos para a saúde da população local. Diversos moradores da região se contaminaram com chumbo, conforme apontam estudos científicos realizados com amostras de sangue coletadas.

Imagem das ruínas da mineradora Plumbum, em Adrianópolis (PR)

Ações civis públicas Diante do cenário acima descrito, em 2001, foram propostas duas ações civis públicas contra a Plumbum pedindo a condenação da ré: a) a uma série de obrigações de fazer e não fazer para reparação in natura do meio ambiente; b) ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, difusos e também individuais homogêneos. Onde essas ações foram propostas? Na Justiça Federal, mais especificamente na 11ª Vara Federal de Curitiba (vara federal especializada em matéria ambiental e agrária). Ações individuais As ações coletivas ganharam grande destaque na imprensa e os moradores passaram a ter consciência do risco e dos danos que estiveram submetidos. Assim, além das ações coletivas, os moradores do local passaram a ingressar com ações individuais pedindo indenização por danos morais. Tais ações individuais foram propostas na Justiça Estadual. Curiosidade: até 2016, havia mais de 2.230 ações individuais sobre o tema. O que fizeram os Juízes de Direito que receberam essas ações individuais? Determinaram o sobrestamento das ações individuais até que as ações civis públicas ajuizadas na Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba transitem em julgado. Agiram corretamente os Juízes estaduais? SIM. Condenação genérica Em caso de procedência do pedido formulado nas ações civis públicas, a condenação da empresa será genérica, fixando a responsabilidade da ré pelos danos causados, nos termos do art. 95 do CDC:

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Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.

Obs: o art. 95 do CDC aplica-se, indiscutivelmente, ao presente caso considerando que os artigos presentes no Capítulo II do Título III do CDC (onde está o art. 95) e a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) formam, em conjunto, um microssistema próprio do processo coletivo, devendo ser, portanto, interpretados sistematicamente. É o que prevê o art. 21 da LACP:

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

Suspensão das ações individuais O STJ, no recurso repetitivo REsp 1.110.549/RS, leading case sobre o tema, consolidou o entendimento no sentido de que:

Ajuizada ação coletiva atinente à macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. STJ. 2ª Seção. REsp 1110549/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 28/10/2009.

Assim, é possível determinar a suspensão do andamento de processos individuais até o julgamento, no âmbito das ações coletivas, da responsabilidade da empresa. Deve-se considerar que as ações coletivas implicam redução de atos processuais, configurando-se, assim, um meio de concretização dos princípios da celeridade e economia processual. A coletivização da demanda, seja no polo ativo, seja no polo passivo, é um dos meios mais eficazes para o acesso à justiça, porquanto, além de reduzir os custos, consubstancia-se em instrumento para a concentração de litigantes em um polo, evitando-se, assim, os problemas decorrentes de inúmeras causas semelhantes. Assim, o mais prudente é o sobrestamento dos feitos individuais até a solução definitiva do litígio coletivo. Assistência Vale ressaltar que, em tese, seria possível que os lesados ingressassem nas ações coletivas como litisconsortes, conforme prevê o art. 94 do CDC:

Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

Essa possibilidade de litisconsórcio, contudo, é excepcional, e deverá ser examinada com temperamento, uma vez que existem peculiaridades processuais que deverão ser adequadas à respectiva tutela coletiva, pois, apesar de assumir a condição de litisconsorte (facultativo e unitário - em que a decisão deverá ser uniforme com relação a todos), não poderá apresentar novas demandas, ampliando o objeto litigioso da ação coletiva à consideração de seus direitos pessoais, o que contrariaria todo o espírito de “molecularização” da causa. Em suma:

Até o trânsito em julgado das Ações Civis Públicas n. 5004891-93.2011.4004.7000 e n. 2001.70.00.019188-2, em tramitação na Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba, atinentes à macrolide geradora de processos multitudinários em razão de suposta exposição à contaminação ambiental decorrente da exploração de jazida de chumbo no Município de Adrianópolis-PR, deverão ficar suspensas as ações individuais. STJ. 2ª Seção. REsp 1.525.327-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

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DOD Plus: JUSTIÇA MULTIPORTAS Um tema que não constou no informativo original, mas foi mencionado no voto do Min. Luis Felipe Salomão diz respeito à chamada “Justiça Multiportas”. Você já ouviu falar nesta expressão? Conciliação, mediação e arbitragem A conciliação, mediação e arbitragem eram tradicionalmente chamadas de métodos alternativos de solução dos conflitos. Com o advento do CPC/2015, contudo, a doutrina afirma que elas não devem mais ser consideradas uma “alternativa”, como se fosse acessório a algo principal (ou oficial). Segundo a concepção atual, a conciliação, a mediação e a arbitragem integram, em conjunto com a jurisdição, um novo modelo que é chamado de “Justiça Multiportas”. Conceito A ideia geral da Justiça Multiportas é, portanto, a de que a atividade jurisdicional estatal não é a única nem a principal opção das partes para colocarem fim ao litígio, existindo outras possibilidades de pacificação social. Assim, para cada tipo de litígio existe uma forma mais adequada de solução. A jurisdição estatal é apenas mais uma dessas opções. Como o CPC/2015 prevê expressamente a possibilidade da arbitragem (art. 3, §1º) e a obrigatoriedade, como regra geral, de ser designada audiência de mediação ou conciliação (art. 334, caput), vários doutrinadores afirmam que o novo Código teria adotado o modelo ou sistema multiportas de solução de litígios (multi-door system). Vejamos como Leonardo Cunha, com seu costumeiro brilhantismo, explica o tema:

“Costumam-se chamar de ‘meios alternativos de resolução de conflitos’ a mediação, a conciliação e a arbitragem (Alternative Dispute Resolution - ADR). Estudos mais recentes demonstram que tais meios não seriam ‘alternativos’: mas sim integrados, formando um modelo de sistema de justiça multiportas. Para cada tipo de controvérsia, seria adequada uma forma de solução, de modo que há casos em que a melhor solução há de ser obtida pela mediação, enquanto outros, pela conciliação, outros, pela arbitragem e, finalmente, os que se resolveriam pela decisão do juiz estatal. Há casos, então, em que o meio alternativo é que seria o da justiça estatal. A expressão multiportas decorre de uma metáfora: seria como se houvesse, no átrio do fórum, várias portas; a depender do problema apresentado, as partes seriam encaminhadas para a porta da mediação, ou da conciliação, ou da arbitragem, ou da própria justiça estatal. O direito brasileiro, a partir da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e com o Código de Processo Civil de 2015, caminha para a construção de um processo civil e sistema de justiça multiportas, com cada caso sendo indicado para o método ou técnica mais adequada para a solução do conflito. O Judiciário deixa de ser um lugar de julgamento apenas para ser um local de resolução de disputas. Trata-se de uma importante mudança paradigmática. Não basta que o caso seja julgado; é preciso que seja conferida uma solução adequada que faça com que as partes saiam satisfeitas com o resultado.” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 637).

Vantagens Marco Aurélio Peixoto e Renata Peixoto, citando a lição de Rafael Alves de Almeida, Tânia Almeida e Mariana Hernandez Crespo apontam as vantagens do sistema multiportas: a) o cidadão assumiria o protagonismo da solução de seu problema, com maior comprometimento e responsabilização acerca dos resultados; b) estimulo à autocomposição; c) maior eficiência do Poder Judiciário, porquanto caberia à solução jurisdicional apenas os casos mais complexos, quando inviável a solução por outros meios ou quando as partes assim o desejassem;

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d) transparência, ante o conhecimento prévio pelas partes acerca dos procedimentos disponíveis para a solução do conflito. (PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura; PEIXOTO, Renata Cortez Vieira. Fazenda Pública e Execução. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 118). Origem da expressão A origem dessa expressão “Justiça Multiportas” remonta os estudos do Professor Frank Sander, da Faculdade de Direito de Harvard, que mencionava, já em 1976, a necessidade de existir um Tribunal Multiportas, ou “centro abrangente de justiça”.

DIREITO CIVIL

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS A abusiva a resilição unilateral e imotivada do contrato de prestação de

serviços advocatícios na hipótese em que houver cláusula de êxito

Configura abuso de direito a denúncia imotivada pelo cliente de contrato de prestação de serviços advocatícios firmado com cláusula de êxito antes do resultado final do processo, salvo quando houver estipulação contratual que a autorize ou quando ocorrer fato superveniente que a justifique.

Em situações como essa, o STJ tem afirmado que deverão ser arbitrados honorários para remunerar o advogado pelo trabalho desempenhado até o momento da resilição unilateral e imotivada do contrato pelo cliente, a fim de evitar o locupletamento ilícito deste com a atividade realizada por aquele.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.724.441-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/02/2019 (Info 643).

Imagine a seguinte situação hipotética: João contratou Dr. Rui (advogado) para ingressar com ação de indenização por danos morais contra determinada empresa. No contrato de prestação de serviços advocatícios ficou previsto que os honorários contratuais seriam pagos por João somente ao final da causa, se esta fosse exitosa. Assim, se a ação de indenização a ser proposta por João fosse julgada procedente, este deveria pagar ao advogado 30% do valor da condenação. Se não obtivesse êxito, João não pagaria nada. Vale ressaltar que o contrato previa que o pagamento só deveria ocorrer com o trânsito em julgado da sentença de procedência. Cláusula quota litis Quando a situação acima ocorre, diz-se que o contrato de honorários possui uma cláusula ad exitum ou quota litis. Na hipótese de prestação de serviços advocatícios com cláusula de remuneração quota litis, o compromisso do advogado, que, em regra, é uma obrigação de meio porque não depende do sucesso da causa, torna-se uma obrigação de resultado, já que o advogado somente irá receber os honorários contratuais se o julgamento for favorável ao seu cliente. Como tradicionalmente a doutrina sempre disse que a obrigação do advogado é de meio (e não de resultado), existia uma resistência do Conselho Federal da OAB em aceitar a validade da cláusula quota litis, havendo muitas vozes afirmando que ela violaria o Código de Ética e Disciplina da OAB. Em outras

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palavras, existia uma pressão muito forte da OAB para proibir que os advogados fizessem contratos de honorários com cláusula ad exitum. Em 2010, o Conselho Federal da OAB decidiu que o contrato de prestação de serviços jurídicos com cláusula quota litis, em princípio, por si só, não fere o regime ético-disciplinar. No entanto, segundo a OAB, este tipo de contrato deve ser excepcional (quando a parte não tiver condições de pagar antecipadamente), não podendo o advogado transformá-lo em algo corriqueiro (Consulta 2010.29.03728-01). Voltando ao nosso exemplo: A ação foi proposta e o juiz julgou o pedido procedente. A empresa apelou, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença. Ainda inconformada, a ré interpôs recursos especial e extraordinário. Foi, então, que João disse ao advogado (Rui) que não queria mais seus serviços e que agora quem cuidaria do acompanhamento do processo seria seu sobrinho, que acabou de ser aprovado no exame da OAB. Vale ressaltar que no contrato assinado não havia nenhuma cláusula tratando sobre a resilição do pacto. A conduta de João foi lícita? NÃO. Houve abuso de direito por parte do cliente. O contrato de prestação de serviços advocatícios firmado com cláusula de êxito está baseado numa verdadeira relação de confiança, na medida em que, se os riscos inicialmente assumidos pelas partes estão atrelados ao resultado final do julgamento, há uma expectativa legítima de que o vínculo entre elas irá perdurar até a extinção do processo, o que, evidentemente, pressupõe um dever de fidelidade estabelecido entre o advogado e o seu cliente. Por essa razão, salvo quando houver estipulação contratual que a autorize ou quando ocorrer fato superveniente que a justifique, inclusive relacionado à atuação do profissional (ex: o advogado está sendo desidioso), a denúncia imotivada, pelo cliente, do contrato de prestação de serviços advocatícios firmado com cláusula de êxito, antes do resultado final do processo, configura abuso do direito, nos termos do art. 187 do Código Civil:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

O cliente, ao fazer a resilição unilateral e injustificada do contrato praticou um ato antijurídico porque violou o dever que ele tinha de agir segundo os padrões de lealdade e confiança previamente estabelecidos, frustrando, assim, inesperadamente, a justa expectativa criada na outra parte (advogado) de que iria acompanhar o processo até o fim. O cliente, ao fazer a resilição unilateral, prejudica também o advogado, ao menos de forma potencial, porque tira deste profissional a possibilidade de continuar fazendo todo o esforço necessário para conseguir ter êxito na ação e, assim, receber a remuneração combinada. Com esse comportamento, enfim, o cliente impõe infundado obstáculo ao implemento da condição – êxito na demanda – estipulada no contrato de prestação de serviços advocatícios, impedindo que o advogado faça jus à devida remuneração. Em suma:

Configura abuso de direito a denúncia imotivada pelo cliente de contrato de prestação de serviços advocatícios firmado com cláusula de êxito antes do resultado final do processo, salvo quando houver estipulação contratual que a autorize ou quando ocorrer fato superveniente que a justifique. STJ. 3ª Turma. REsp 1.724.441-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/02/2019 (Info 643).

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Diante deste fato, o que deve ser feito? O advogado terá direito à remuneração? SIM. Em situações como essa, o STJ tem afirmado que deverão ser arbitrados honorários para remunerar o advogado pelo trabalho desempenhado até o momento da resilição unilateral e imotivada do contrato pelo cliente, a fim de evitar o locupletamento ilícito deste com a atividade realizada por aquele. Aplica-se, por analogia, o art. 22, § 2º do Estatuto da OAB:

Art. 22 (...) § 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.

Nas hipóteses em que a revogação do mandato dá-se por iniciativa do constituinte (mandante), é facultado ao advogado mandatário propor ação de arbitramento judicial dos honorários advocatícios contratuais, ainda que avençados sob a cláusula ad exitum. STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 1138656/RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/08/2018.

(...) 6. Não se aplica o art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/1994 quando o advogado não mais representa a parte, devendo para tal fim ajuizar ação autônoma para cobrança dos valores. 7. Os advogados têm direito ao arbitramento judicial de honorários na hipótese de resilição unilateral do contrato por parte do cliente. Precedentes. 8. Possibilidade de arbitramento judicial em ação de conhecimento que versa sobre o próprio contrato de prestação de serviços advocatícios. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1632766/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/06/2017.

Vale ressaltar que, mesmo ainda não tendo havido o julgamento definitivo do processo, já será possível ocorrer o arbitramento dos honorários a serem pagos ao advogado. Em outras palavras, João já poderá ser condenado a pagar os honorários pelos serviços desempenhados por Dr. Ruy mesmo antes do trânsito em julgado da ação de indenização.

DIVÓRCIO Ação de partilha posterior ao divórcio deve tramitar no juízo que decretou o divórcio, mesmo

que um dos ex-cônjuges tenha mudado de domicílio e se tornado incapaz

Importante!!!

A incapacidade superveniente de uma das partes, após a decretação do divórcio, não tem o condão de alterar a competência funcional do juízo prevento.

Assim, a ação de partilha posterior ao divórcio deve tramitar no juízo que decretou o divórcio, mesmo que um dos ex-cônjuges tenha mudado de domicílio e se tornado incapaz.

Não se aplica, no caso a regra do art. 50 do CPC/2015, que prevê a competência do domicílio do incapaz (competência territorial especial). Isso porque a competência funcional, decorrente da acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta. Por outro lado, a competência territorial especial conferida ao autor incapaz, apesar de ter como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual, possui natureza relativa.

As regras de competência absoluta preponderam em relação às das de competência relativa.

STJ. 2ª Seção. CC 160.329-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/02/2019 (Info 643).

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Imagine a seguinte situação hipotética: João e Maria eram casados e resolveram se divorciar. O processo de divórcio tramitou na 5ª Vara de Família da comarca de Belo Horizonte (MG), considerando que este era o local de domicílio do casal. Como estavam com pressa, João e Maria se divorciaram, mas não realizaram, nesta ocasião, a partilha de bens. É possível fazer o divórcio sem a partilha de bens? SIM. Quando um casal está se divorciando, são muitos os conflitos que surgem envolvendo os mais diversos aspectos da vida da pessoa: a questão sentimental, a guarda dos filhos, a discussão acerca da alteração ou manutenção do patronímico e, como não se pode esquecer, há também o debate sobre o patrimônio e a divisão (partilha) dos bens, de acordo com o regime matrimonial adotado. Algumas vezes, a vontade do casal de se divorciar é muito intensa e eles querem que isso ocorra logo. No entanto, a discussão sobre a divisão dos bens pode ser complexa e acabar atrasando a formalização do divórcio. Diante deste problema da vida prática, o Código Civil previu a possibilidade de os cônjuges realizarem o divórcio e que a discussão sobre a divisão dos bens fique para ser resolvida em um momento posterior. Confira:

Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.

Flávio Tartuce explica que a partilha posterior dos bens pode ser efetivada por meio de três caminhos (Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo: Método, 2011, p. 1.075): • nos próprios autos da ação de divórcio; • em ação autônoma de partilha de bens (que também deverá tramitar na vara de família); • por escritura pública de partilha extrajudicial (Lei nº 11.441/2007). Voltando ao caso concreto Maria mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ) e João continuou morando em Belo Horizonte (MG). Determinado dia, Maria sofreu um acidente de carro e ficou em coma. Como Maria ficou sem poder exprimir sua vontade, seu irmão (Pedro) ajuizou ação de interdição e o juiz o nomeou como curador de Maria, nos termos do art. 1.767, I, do CC:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I — aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

Diante do estado em que se encontra, Maria é considerada relativamente incapaz:

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (...) III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

Ação de partilha posterior Maria, assistida por Pedro, ajuizou ação de partilha posterior contra João, pedindo a divisão dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento. A ação de partilha de bens posterior ao divórcio está prevista no art. 731, parágrafo único, c/c 647 a 658 do CPC/2015:

Art. 731 (...) Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658.

Qual é o juízo competente para julgar a ação de partilha posterior? A ação de partilha posterior é de competência do juízo que decretou o divórcio.

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Havendo partilha posterior ao divórcio, surge um critério de competência funcional do juízo que decretou a dissolução da sociedade conjugal, em razão da acessoriedade entre as duas ações (art. 61 do CPC/2015):

Art. 61. A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal.

Há, entre as duas demandas (divórcio e partilha), uma interligação decorrente da unidade do conflito de interesses, pois a partilha é decorrência lógica do divórcio. Existe uma relação de conexão substancial entre as ações, o que gera a prevenção do juízo que julgou a ação de divórcio. Em outras palavras, o legislador permitiu a partilha posterior, mas esta deverá ser feita no mesmo juízo do divórcio. Ação foi proposta por Maria no RJ Maria, assistida por Pedro, ajuizou a ação de partilha posterior contra João na comarca do Rio de Janeiro (e não na 5ª Vara de Família de Belo Horizonte). A autora argumentou que ela e o seu curador (Pedro) possuem domicílio no Rio de Janeiro e, como ela está incapaz, possui o direito de propor a ação neste domicílio, nos termos do art. 50 do CPC/2015:

Art. 50. A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente.

Trata-se de regra especial de competência territorial que protege o incapaz, por considerá-lo parte mais frágil na relação jurídica. João, por sua vez, insistiu que a competência seria da 5ª Vara de Família de BH em razão da prevenção. Temos, então, no caso, um conflito entre uma regra de competência funcional (prevenção por acessoriedade) e outra de competência territorial especial (domicílio do incapaz). O que prevaleceu? Qual o juízo competente para essa ação de partilha posterior? Prevaleceu a regra de competência funcional (prevenção por acessoriedade). Será competente para essa ação o juízo da 5ª Vara de Família de Belo Horizonte. Natureza dessas regras de competência • A competência funcional, decorrente da acessoriedade entre as ações de divórcio e partilha, possui natureza absoluta. • Por outro lado, a competência territorial especial conferida ao autor incapaz, apesar de ter como efeito o afastamento das normas gerais previstas no diploma processual, possui natureza relativa. Regras de competência absoluta preponderam As regras de competência absoluta preponderam em relação às das de competência relativa. Isso porque: • as regras de competência absoluta estão submetidas a um regime jurídico cogente, respaldado no interesse público. • as regras de competência relativa seguem um regime dispositivo, em que o defeito somente pode ser arguido pela própria parte e está sujeito à preclusão. A competência absoluta não admite, em regra, derrogação, prorrogação ou modificação, sendo que a ulterior incapacidade de uma das partes (regra especial de competência relativa) não altera o Juízo prevento. Em suma:

A incapacidade superveniente de uma das partes, após a decretação do divórcio, não tem o condão de alterar a competência funcional do juízo prevento. STJ. 2ª Seção. CC 160.329-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/02/2019 (Info 643).

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DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL

PROTESTO DE CDA É possível o protesto de CDA

Importante!!!

A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997, com a redação dada pela Lei nº 12.767/2012. STJ. 1ª Seção. REsp 1.686.659-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

O que é um protesto de título? Protesto de título é o ato público, formal e solene, realizado pelo tabelião, com a finalidade de provar a inadimplência e o descumprimento de obrigação constante de título de crédito ou de outros documentos de dívida. Regulamentação: O protesto é regulado pela Lei nº 9.492/97. Quem é o responsável pelo protesto? O tabelião de protesto. Quais são as vantagens do credor realizar o protesto? Existem inúmeros efeitos que decorrem do protesto, no entanto, as duas principais vantagens para o credor são as seguintes: a) Serve como meio de provar que o devedor está inadimplente; b) Funciona como uma forma de coerção para que o devedor cumpra sua obrigação sem que seja necessária uma ação judicial (como o protesto lavrado gera um abalo no crédito do devedor, que é inscrito nos cadastros de inadimplentes, a doutrina afirma que o receio de ter um título protestado serve como um meio de cobrança extrajudicial do débito; ao ser intimado do protesto, o devedor encontra uma forma de quitar seu débito). Qual é o procedimento do protesto? 1) O credor (ou outra pessoa que esteja portando o documento) leva o título até o tabelionato de protesto e faz a apresentação, pedindo que haja o protesto e informando os dados e endereço do devedor; 2) O tabelião de protesto examina os caracteres formais do título; 3) Se o título não apresentar vícios formais, o tabelião realiza a intimação do suposto devedor no endereço apresentado pelo credor (art. 14 da Lei de Protesto); 4) A intimação é realizada para que o apontado devedor, no prazo de 3 dias, pague ou providencie a sustação do protesto antes de ele ser lavrado; Após a intimação, poderão ocorrer quatro situações: 4.1) o devedor pagar (art. 19);

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4.2) o apresentante desistir do protesto e retirar o título (art. 16); 4.3) o protesto ser sustado judicialmente (art. 17); 4.4) o devedor ficar inerte ou não conseguir sustar o protesto. 5) Se ocorrer as situações 4.1, 4.2 ou 4.3: o título não será protestado; 6) Se ocorrer a situação 4.4: o título será protestado (será lavrado e registrado o protesto). Qual é o objeto do protesto? O que pode ser protestado? Segundo o art. 1º da Lei nº 9.492/97:

Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.

Assim, conclui-se que podem ser levados a protesto: a) Títulos de crédito; b) Outros documentos de dívida. O que é um documento de dívida? Documento de dívida é todo e qualquer meio de prova escrita que comprove a existência de uma obrigação líquida, certa e exigível. Protesto extrajudicial de certidão de dívida ativa (CDA) Como a Lei nº 9.492/97 inovou o tratamento jurídico sobre o tema e permitiu, em seu art. 1º, que o protesto fosse realizado não apenas sobre títulos, como também com relação a outros documentos de dívida, iniciou-se uma intensa discussão acerca da possibilidade e conveniência do protesto da certidão de dívida ativa da Fazenda Pública. Havia decisões permitindo o protesto de CDA e outras negando. Lei nº 12.767/2012 A fim de espancar quaisquer dúvidas, foi publicada a Lei nº 12.767/2012 incluindo um parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 9.492/97 e permitindo, expressamente, o protesto de certidões da dívida ativa. Confira:

Art. 1º (...) Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 12.767/2012)

Desse modo, foi incluída expressa previsão do protesto de CDA na Lei nº 9.492/97. Constitucionalidade Como vimos acima, a Lei nº 12.767/2012 incluiu um parágrafo único ao art. 1º da Lei nº 9.492/97 prevendo expressamente a possibilidade de haver protesto de CDA. A mudança, contudo, não agradou a todos. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra este dispositivo. O STF, contudo, julgou improcedente a ADI decidindo que:

O protesto das certidões de dívida ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política. STF. Plenário. ADI 5135/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 3 e 9/11/2016 (Info 846).

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Não são proibidos mecanismos extrajudiciais de cobrança Realmente, a execução fiscal constitui o mecanismo próprio (típico) de cobrança judicial da Dívida Ativa. Apesar disso, não podem ser considerados proibidos os mecanismos extrajudiciais de arrecadação tributária. O protesto é justamente isso, ou seja, um instrumento extrajudicial que pode ser empregado para a cobrança dos valores inscritos na dívida ativa, com expressa previsão legal, nos termos do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/97. Não há, assim, qualquer incompatibilidade entre a execução fiscal e o protesto da CDA. Eles são até mesmo complementares. Frustrada a cobrança pela via do protesto, o executivo fiscal poderá ser normalmente ajuizado pelo Fisco. Vale ressaltar, ainda, que em relação à cobrança de créditos de pequeno valor, o protesto será, muitas vezes, a única via possível. Isso porque um processo de execução fiscal tem elevado custo e com frequência não vale a pena economicamente propor a ação para cobrar dívidas de baixo montante. Assim, diversas Fazendas Públicas optaram por autorizar o não ajuizamento de execuções fiscais nos casos em que o custo da cobrança judicial seja superior ao próprio valor do crédito. Nestas hipóteses, o protesto da CDA é medida de fundamental importância e que atende ao interesse público. Não há ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição O protesto da CDA é realizado extrajudicialmente, mas não impede que o devedor possa buscar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito tributário ou para sustar o protesto. Além disso, o protestado pode, inclusive, pleitear judicialmente uma indenização por danos morais e materiais, caso o protesto seja indevido. Não existe, assim, qualquer ofensa à inafastabilidade do controle judicial. Por esses motivos, não se vislumbra fundamento constitucional ou legal que impeça o Poder Público de estabelecer, por via de lei, o protesto como modalidade extrajudicial e alternativa de cobrança de créditos tributários. Portanto, o protesto de Certidões da Dívida Ativa não importa em qualquer restrição ao devido processo legal. Não há embaraço ao exercício das atividades empresariais O protesto de Certidões de Dívida Ativa não representa um embaraço ao regular exercício das atividades empresariais e ao cumprimento dos objetos sociais dos administrados. A principal finalidade do protesto é dar ao mercado conhecimento a respeito da existência de débitos fiscais contra aquela pessoa e permitir a sua cobrança extrajudicial. É certo que o protesto irá trazer algumas restrição ou dificuldades para o devedor obter linhas de crédito. No entanto, esta restrição creditícia não atinge o núcleo essencial da atividade empresarial, ou seja, não impede, de forma absoluta, que o contribuinte continue exercendo suas atividades. Desse modo, tal medida não traz um impacto direto na vida da empresa. Abusos poderão ser corrigidos pelo Poder Judiciário Nas hipóteses de má utilização do protesto de CDA, permanecem os juízes de primeiro grau e os demais tribunais do País com a prerrogativa de promoverem a revisão de eventuais atos de protesto que, à luz do caso concreto, estejam em desacordo com a Constituição e com a legislação tributária, sem prejuízo do arbitramento de uma indenização compatível com o dano sofrido pelo administrado. Desse modo, o protesto de CDA é uma prática compatível com a Constituição Federal, mas os abusos poderão ser corrigidos pelo Poder Judiciário. Protesto como instituto bifronte O protesto é um instituto bifronte que representa: • de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência; e • de outro, constitui modalidade alternativa para cobrança de dívida.

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Não se trata de instituto exclusivamente para títulos cambiais A redação do art. 1º da Lei nº 9.492/97 foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer “títulos ou documentos de dívida”. Assim, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais. Meio alternativo O protesto, além de representar instrumento para constituir em mora e/ou comprovar a inadimplência do devedor, é meio alternativo para o cumprimento da obrigação. Sob essa ótica, não se faz legítima qualquer manifestação do Poder Judiciário tendente a suprimir a adoção de meio extrajudicial para cobrança dos créditos públicos. Mesmo existindo a execução fiscal persiste o interesse da Fazenda Pública no protesto da CDA A circunstância de a Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) disciplinar a cobrança judicial da dívida ativa dos entes públicos não deve ser interpretada como uma espécie de “princípio da inafastabilidade da jurisdição às avessas”, ou seja, engessar a atividade de recuperação dos créditos públicos, vedando aos entes públicos o recurso a instrumentos alternativos (evidentemente, respeitada a observância ao princípio da legalidade) e lhes conferindo apenas a via judicial - a qual, como se sabe, ainda luta para tornar-se socialmente reconhecida como instrumento célere e eficaz. É indefensável, portanto, o argumento de que a disciplina legal da cobrança judicial da dívida ativa impede, peremptoriamente, a Administração Pública de instituir ou utilizar, sempre com observância do princípio da legalidade, modalidade extrajudicial para cobrar, com vistas à eficiência, seus créditos. Contraditório e ampla defesa A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto. Em suma:

A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997, com a redação dada pela Lei nº 12.767/2012. STJ. 1ª Seção. REsp 1.686.659-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Compete à 1ª Seção do STJ (e não à 3ª Seção) julgar MS impetrado contra Portaria do Ministro

da Justiça que regulamenta o direito dos presos à visita íntima nas penitenciárias federais

Compete à Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça o processamento e o julgamento de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança com o objetivo de anular a Portaria nº 718/2017.

STJ. Corte Especial. CC 154.670-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 19/12/2018 (Info 643).

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Mandado de segurança contra Portaria nº 718/2017 O Ministro da Justiça editou, em 2017, a Portaria nº 718, que regulamenta o direito dos presos à visita íntima nas penitenciárias federais. A Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (ABRACRIM) impetrou mandado de segurança pedindo para anular a referida Portaria sob o argumento de que ela violaria os direitos dos detentos. Quem será competente para julgar esse mandado de segurança? O STJ. Isso porque compete ao STJ julgar mandado de segurança impetrado contra ato de Ministro de Estado, nos termos do art. 105, I, “b”, da CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;

Órgãos do STJ Ocorre que o STJ é divido em órgãos julgadores internos da seguinte forma:

CORTE ESPECIAL SEÇÕES TURMAS Composta pelos 15 Ministros mais antigos do STJ.

Existem três Seções no STJ (Primeira, Segunda e Terceira). Cada Seção abrange duas Turmas. 1ª Seção: engloba a 1ª e 2ª Turmas. 2ª Seção: abrange a 3ª e 4ª Turmas. 3ª Seção: inclui a 5ª e 6ª Turmas.

Existem seis Turmas no STJ (da Primeira até a Sexta). Cada Turma é composta por 5 Ministros, sendo divididas por assunto (cada Turma é especializada em certos temas).

Suas competências estão previstas no art. 11 do RISTJ.

Suas competências estão previstas no art. 12 do RISTJ.

Suas competências estão previstas no art. 13 do RISTJ.

Principais competências: • julgar as ações penais de competência originária do STJ (ex: Governadores, Desembargadores, Conselheiros do TCE etc.); • embargos de divergência se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, entre Seções, entre Turma e Seção que não integre ou entre Turma e Seção com a própria Corte Especial.

Principais competências: • mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado; • Conflitos de competência que são de atribuição do STJ (ex: conflito de competência entre juiz de direito e juiz federal); • recursos especiais repetitivos que envolvam os assuntos das Turmas que compõe aquela Seção.

As Turmas julgam todos os processos do STJ que não se enquadram nas competências das Seções e da Corte Especial. Assim, por exemplo, em regra, todos os recursos especiais que não sejam “repetitivos” são julgados pelas Turmas. Da mesma forma, a maioria dos habeas corpus são apreciados pelas Turmas.

COMPETÊNCIAS MATERIAIS DAS TURMAS (E DAS SEÇÕES)

Primeira e Segunda (Primeira Seção)

Terceira e Quarta (Segunda Seção)

Quinta e Sexta (Terceira Seção)

• Licitações e contratos administrativos; • nulidade ou anulabilidade de atos administrativos; • ensino superior; • inscrição e exercício profissionais; • direito sindical; • nacionalidade; • desapropriação; • responsabilidade civil do Estado;

• domínio, posse e direitos reais sobre coisa alheia, salvo quando se tratar de desapropriação; • obrigações em geral de direito privado, mesmo quando o Estado participar do contrato; • responsabilidade civil (sem ser do Estado); • direito de família e sucessões; • direito do trabalho;

À Terceira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos à matéria penal em geral, salvo os casos de competência originária da Corte Especial e os habeas corpus de competência das Turmas que compõem a Primeira e a Segunda Seção. Assim, ficam responsáveis por julgar os processos criminais.

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• tributos de modo geral; • preços públicos e multas de qualquer natureza; • servidores públicos civis e militares; • habeas corpus referentes às matérias de sua competência; • benefícios previdenciários; • direito público em geral.

• propriedade industrial; • sociedades; • comércio em geral, instituições financeiras e mercado de capitais; • falências; • títulos de crédito; • registros públicos, mesmo quando o Estado participar da demanda; • locação predial urbana; • habeas corpus referentes às matérias de sua competência; • direito privado em geral.

Voltando ao caso concreto O MS impetrado contra o ato do Ministro de Estado deverá ser julgado por uma Seção do STJ, conforme vimos acima. Não cabe à Turma julgar MS contra ato de Ministro de Estado. A dúvida ficou, no entanto, quanto à matéria:

Esse MS deve ser julgado pela Primeira Seção (por se tratar de assunto relacionado com “direito público”) ou a competência deve ser da Terceira Seção (por envolver matéria criminal)? Da Primeira Seção:

Compete à Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça o processamento e o julgamento de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança com o objetivo de anular a Portaria nº 718/2017. STJ. Corte Especial. CC 154.670-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 19/12/2018 (Info 643).

A competência interna do STJ é definida de acordo com a natureza da relação jurídica posta em discussão. Nesse sentido é a determinação do art. 9º do RISTJ:

Art. 9º A competência das Seções e das respectivas Turmas é fixada em função da natureza da relação jurídica litigiosa.

No caso do MS contra a Portaria nº 718/2017, trata-se de controvérsia relacionada com Direito Administrativo, com reflexos constitucionais, uma vez que relacionada à separação de poderes e ao limite da intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas executadas, primordialmente, pelo Poder Executivo. Nesse cenário, considerando-se a natureza pública da relação jurídica estabelecida (questionamento da regularidade da Portaria editada pelo Poder Executivo que diz respeito à política pública de segurança), a repercussão da decisão no âmbito do processo de execução da pena (relativo ao direito dos presos à visita íntima nas penitenciárias federais) é desinfluente para a definição da competência interna dos órgãos do STJ.

JUSTIÇA GRATUITA Caso a parte faça o requerimento da gratuidade da justiça no recurso e o relator indefira o pedido, deverá intimar o recorrente para realizar o preparo antes de decretar a deserção

Importante!!!

O interessado deverá ser intimado para a realização do preparo recursal nas hipóteses de indeferimento ou de não processamento do pedido de gratuidade da justiça.

Nesse sentido é o art. 99, § 7º do CPC/2015:

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§ 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento.

STJ. Corte Especial. EAREsp 742.240-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/09/2018 (Info 643).

PREPARO

O que é preparo? Preparo consiste no pagamento das despesas relacionadas com o processamento do recurso. No preparo incluem-se: • taxa judiciária (custas); • despesas postais com o envio dos autos (chamado de “porte de remessa e de retorno” dos autos). Desse modo, “preparar” o recurso é nada mais que pagar as despesas necessárias para que a máquina judiciária dê andamento à sua apreciação. O pagamento do preparo é feito, comumente, na rede bancária conveniada com o Tribunal. O CPC afirma que a parte que está recorrendo da decisão precisa comprovar o preparo no momento da interposição do recurso. Logo, o preparo (recolhimento do valor) deve ser feito antes da interposição do recurso e, junto com o recurso interposto, o recorrente deve juntar o comprovante do pagamento. O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção (art. 1.007, § 4º, do CPC/2015). Deserção é a inadmissibilidade do recurso pela falta de preparo. Se o recurso foi deserto, significa que ele não foi conhecido (não foi sequer apreciado). Gramaticalmente, desertar é mesmo que abandonar. ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA

Garantia de assistência jurídica integral e gratuita A CF/88 prevê a garantia da assistência jurídica integral e gratuita em seu art. 5º, LXXIV: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Esse dispositivo constitucional consagra duas garantias:

I – Assistência jurídica integral e gratuita II – Gratuidade da justiça

(Assistência Judiciária Gratuita – AJG).

Fornecimento pelo Estado de orientação e defesa jurídica, de forma integral e gratuita, a ser prestada pela Defensoria Pública, em todos os graus, aos necessitados (art. 134 da CF). Regulada pela Lei Complementar 80/94.

Isenção das despesas que forem necessárias para que a pessoa necessitada possa defender seus interesses em um processo judicial. Era regulada pela Lei nº 1.060/50, mas o CPC/2015 passou a tratar sobre o tema, revogando quase toda essa lei.

Quem tem direito à gratuidade da justiça? Tem direito à gratuidade da justiça a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios (art. 98 do CPC/2015). Quem está abrangido por ela? • pessoas físicas (brasileiras ou estrangeiras); • pessoas jurídicas (brasileiras ou estrangeiras). A pessoa beneficiada pela justiça gratuita está dispensada do pagamento de quais verbas? A gratuidade da justiça compreende:

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I - as taxas ou as custas judiciais; II - os selos postais; III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais; VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. Dispensa parcial A gratuidade da justiça poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou pode consistir apenas na redução percentual das despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento (§ 5º do art. 98 do CPC/2015). Parcelamento A depender do caso concreto, o juiz poderá conceder ao requerente o direito de parcelar as despesas processuais que tiver de adiantar no curso do procedimento (§ 6º do art. 98 do CPC/2015). Despesas processuais e honorários advocatícios de sucumbência Mesmo sendo beneficiária da justiça gratuita, a pessoa terá que pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência (§ 2º do art. 98 do CPC/2015). No entanto, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade. Em outras palavras, em até 5 anos, o credor deverá demonstrar que o devedor passou a ter condições de custear tais despesas. Passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário são consideradas extintas (§ 3º do art. 98 do CPC/2015). Multas processuais Mesmo sendo beneficiária da justiça gratuita, a pessoa terá o dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe foram impostas (§ 4º do art. 98 do CPC/2015). Ex: multa por litigância de má-fé. O juiz poderá conceder de ofício o benefício da assistência judiciária gratuita? NÃO. É vedada a concessão “ex officio” do benefício de assistência judiciária gratuita pelo magistrado. Assim, é indispensável que haja pedido expresso da parte (STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1740075/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 18/09/2018). Qual é o momento em que deverá ser formulado o pedido de justiça gratuita? Normalmente, o pedido de justiça gratuita é feito na própria petição inicial (no caso do autor) ou na contestação (no caso do réu). No entanto, o certo é que o pedido de justiça gratuita pode ser formulado a qualquer tempo. Veja o que diz o 1º do art. 99 do CPC/2015:

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Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. § 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso. (...)

É possível requerer a assistência jurídica gratuita no ato da interposição do recurso? SIM. Mesmo antes do CPC/2015, o STF já possuía julgado dizendo que era cabível deferir-se a gratuidade na fase recursal, salvo se houvesse fraude, como por exemplo, quando a parte não efetuasse o preparo e, depois, requeresse que se relevasse a deserção. O Min. Marco Aurélio afirmou que é plausível imaginar a situação de uma pessoa que, no início do processo pudesse custear as despesas processuais, e, no entanto, depois de um tempo, com a mudança de sua situação econômica, não tivesse mais condições de pagar o preparo do recurso, devendo então ter direito de pleitear a assistência judiciária nessa fase processual (STF. 1ª Turma. AI 652139 AgR/MG, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 22/5/2012). O CPC/2015 deixou mais clara a possibilidade de o pedido ser feito a qualquer tempo, inclusive no momento do recurso:

Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

Caso o pedido de justiça gratuita seja formulado no momento do recurso, ele deverá ser realizado por meio de petição avulsa ou pode ser feito no corpo do próprio recurso? No corpo do próprio recurso:

É possível a formulação de pedido de assistência judiciária gratuita na própria petição recursal, dispensando-se a exigência de petição avulsa, quando não houver prejuízo ao trâmite normal do processo. STJ. Corte Especial. AgRg nos EREsp 1.222.355-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 4/11/2015 (Info 574). STJ. Corte Especial. EAREsp 693.082/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/11/2018.

Como vimos acima, em regra, a parte que interpuser um recurso precisa comprovar o preparo no momento da interposição. Imagine que o juiz já deferiu para a parte o benefício da justiça gratuita no curso do processo. Se essa parte for interpor um recurso, ela precisará fazer preparo? NÃO. A parte beneficiária da justiça gratuita não precisa de preparo para a interposição de recurso. E se a parte ainda não é beneficiária da justiça gratuita e está formulando esse pedido somente agora, no momento do recurso? Dito de outro modo: se a parte, ao interpor o recurso, está pedindo a concessão do benefício da justiça gratuita, ela precisa fazer o preparo? O preparo prévio é exigido da parte que recorre e, no recurso, pede a justiça gratuita? NÃO. O § 7º do art. 99 do CPC/2015 dispensa o preparo nesses casos:

Art. 99 (...) § 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo (...)

Providências que o relator deverá adotar quando chegar o recurso com pedido de gratuidade O relator, ao receber um recurso no qual há pedido de gratuidade, deverá apreciar imediatamente esse requerimento e adotar uma das seguintes posturas: a) deferir o requerimento de gratuidade; ou a) indeferi-lo se entender que há elementos nos autos que afastem a alegada hipossuficiência do requerente.

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Informativo 643-STJ (29/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

Se o relator indeferir esse requerimento, ele deverá fixar um prazo para que o recorrente realize o recolhimento do preparo. Assim, mesmo que o relator considere que o recorrente não tem direito à gratuidade, ele não pode declarar imediatamente a deserção. No caso de indeferimento, há que se oportunizar à parte o pagamento do preparo. Essa é a previsão da parte final do § 7º do art. 99 do CPC/2015:

Art. 99 (...) § 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento.

É também o entendimento do STJ mesmo em situações envolvendo o Código pretérito:

O interessado deverá ser intimado para a realização do preparo recursal nas hipóteses de indeferimento ou de não processamento do pedido de gratuidade da justiça. STJ. Corte Especial. EAREsp 742.240-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/09/2018 (Info 643).

Essa solução é a que melhor atende os direitos fundamentais de assistência jurídica das pessoas economicamente hipossuficientes (art. 5º, LXXIV, da CF/88) e de amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) para que seja assegurada ao jurisdicionado não somente a possibilidade de protocolizar o pedido de assistência judiciária por qualquer meio processual e em qualquer fase do processo, mas também, caso indeferido o pedido, sua intimação para que realize o recolhimento das custas e porte de remessa e retorno, quando for o caso. Entendimento diverso vai na contramão da evolução histórica do direito processual e dos direitos fundamentais dos cidadãos, privilegiando uma jurisprudência defensiva em detrimento do princípio da primazia do julgamento de mérito.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais

sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF

Mudança de entendimento!

Atualize o Info 585-STJ

Importante!!!

É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF.

Os valores relacionados ao FUNDEF, hoje FUNDEB, encontram-se constitucional e legalmente vinculados ao custeio da educação básica e à valorização do seu magistério, sendo vedada a sua utilização em despesa diversa, tais como honorários advocatícios contratuais.

Ex: determinado Município do interior do Estado ingressou com ação contra a União com o objetivo de conseguir o repasse integral de verbas do FUNDEF. Como o Município não possuía procuradores municipais concursados, foi contratado um escritório de advocacia privado para patrocinar a causa. No contrato assinado com os advogados ficou combinado que, se o Município vencesse a demanda, pagaria 20% do valor da causa ao escritório. O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado. O Município requereu, então, que 20% do valor da condenação (verbas do FUNDEF a serem pagas pela União) fosse separado para pagamento dos honorários contratuais dos advogados que atuaram na causa, nos termos do art. 22, § 4º da Lei nº 8.906/94. Esse pedido

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não deve ser acolhido. Não é possível a aplicação do art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994 nas execuções contra a União em que se persigam quantias devidas ao FUNDEF/FUNDEB, devendo o advogado credor buscar a satisfação de seu crédito por outros meios.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.703.697-PE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 10/10/2018 (Info 643).

FUNDEF FUNDEF significa Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério e vigorou de 1997 a 2006. O FUNDEF foi substituído pelo FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que está em vigor desde janeiro de 2007 e se estenderá até 2020. Em alguns Estados, o FUNDEF era complementado com verbas repassadas pela União; em outros, não era necessária essa complementação. Isso porque o art. 6º da Lei do FUNDEF (Lei 9.424/96, revogada pela Lei nº 11.494/2007) dispunha: “A União complementará os recursos do Fundo, a que se refere o art. 1º sempre que, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.” Atualmente, o FUNDEB é regulado pela Lei nº 11.494/2007, que impõe à União o dever de complementar os recursos do FUNDEF/FUNDEB “sempre que, no âmbito de cada Estado e no Distrito Federal, o valor médio ponderado por aluno, calculado na forma do Anexo desta Lei, não alcançar o mínimo definido nacionalmente, fixado de forma a que a complementação da União não seja inferior aos valores previstos no inciso VII do caput do art. 60 do ADCT”. Imagine agora a seguinte situação: Determinado Município do interior do Estado ingressou com ação contra a União com o objetivo de conseguir o repasse integral de verbas do FUNDEF. Como o Município não possuía procuradores municipais concursados, foi contratado um escritório de advocacia privado para patrocinar a causa. No contrato assinado com os advogados ficou combinado que, se o Município vencesse a demanda, pagaria 20% do valor da causa ao escritório; caso perdesse, não teria nenhum custo com os advogados. O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado. O Município requereu, então, que 20% do valor da condenação (verbas do FUNDEF a serem pagas pela União) fosse separado para pagamento dos honorários contratuais dos advogados que atuaram na causa, nos termos do art. 22, § 4º da Lei nº 8.906/94:

Art. 22 (...) § 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

A União não concordou com o pedido de retenção dos 20% alegando que os recursos do FUNDEF/FUNDEB possuem destinação específica (manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação - art. 60 do ADCT da CF/88), motivo pelo qual não é possível a utilização para pagamento de honorários advocatícios. Para a União, esta retenção violaria o art. 23, I, da Lei nº 11.494/2007:

Art. 23. É vedada a utilização dos recursos dos Fundos: I - no financiamento das despesas não consideradas como de manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme o art. 71 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

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Informativo 643-STJ (29/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

A questão chegou até o STJ. O que foi decidido? É possível a retenção dos valores para pagamento dos honorários advocatícios contratuais? NÃO. Depois de muito polêmica, a 1ª Seção do STJ pacificou o tema decidindo que:

É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF. STJ. 1ª Seção. REsp 1.703.697-PE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 10/10/2018 (Info 643).

Pedido do advogado para reservar os valores dos honorários Em regra, é possível que o patrono (advogado) da parte exequente requeira do juízo que faça a reserva da quantia equivalente à obrigação estabelecida, entre si e o constituinte, para a prestação dos serviços advocatícios. Em outras palavras, o advogado pode pedir para o juiz separar, do valor que a parte irá receber, a quantia referente aos honorários advocatícios combinados no contrato. A condição para isso ocorra é que o advogado faça o pedido, juntando cópia do contrato, antes que seja realizada a expedição do precatório ou antes de ser expedido o mandado de levantamento. É isso que prevê o art. 22, § 4º da Lei nº 8.906/94, acima transcrito. A jurisprudência considera que essa prática, em regra, é lícita:

O destaque da verba honorária contratual em favor dos advogados é permitido mediante a juntada do contrato de prestação de serviços profissionais, nos termos do art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994. STJ. 3ª Seção. AgRg no ExeMS 9.222/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 9/9/2015.

O STF admite essa possibilidade, tendo, inclusive, sumulado a matéria:

Súmula vinculante 47-STF: Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.

Honorários advocatícios destacados do montante principal: são os honorários contratuais que o advogado da parte vencedora pode pedir ao juiz para que sejam “destacados” (reservados, separados) do valor que o seu cliente irá receber da Fazenda Pública. Ex.: João e Dr. Rui celebraram contrato de prestação de honorários advocatícios por meio do qual ficou combinado que o advogado, como remuneração pelo seu trabalho, teria direito a 20% do valor que a parte fosse receber da União caso se sagrasse vencedora na lide. Essa verba constitui-se em honorários advocatícios contratuais. O que nem todos sabem é que o advogado pode pedir que essa quantia seja destacada do montante principal que a parte irá receber. Assim, imagine que a sentença determina que a União pague R$ 1 milhão a João; por força de contrato, Dr. Rui terá direito a 20% disso (R$ 200 mil); a fim de se precaver e evitar um inadimplemento por parte de seu cliente, Dr. Rui poderá pedir que seus honorários sejam destacados do montante principal. Dessa forma, no momento de “sacar” o valor do precatório, João irá receber apenas R$ 800 mil e Dr. Rui poderá, ele próprio, sacar R$ 200 mil. O que vou falar agora não é tecnicamente correto e serve apenas para você entender melhor: esse destaque é como se fosse uma penhora; o cliente do advogado tem um crédito para receber, mas ele também tem uma dívida com seu advogado; logo, o Poder Judiciário autoriza que, antes de a parte receber o valor total da condenação, a quantia que pertence ao advogado já seja separada para ser entregue ao causídico. Vale ressaltar, mais uma vez, que esses R$ 200 mil são apenas os honorários contratuais. Além deles, o advogado irá receber os honorários sucumbenciais que estão incluídos na condenação. Portanto, não restam dúvidas de que a Lei nº 8.906/94 e a jurisprudência do STJ e STF admitem que os honorários advocatícios contratuais possam ser destacados da quantia a ser recebida pelo constituinte na via do precatório ou de requisição de pequeno valor.

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Situação excepcional no caso de verbas do FUNDEF A situação será diferente, contudo, se os valores a que tem direito o constituinte (advogado) se referem a verbas decorrentes de diferenças do FUNDEF que a União deixou de repassar aos Municípios a tempo e modo. A pretendida separação dos valores, se efetivada, recairá sobre recursos do FUNDEF/FUNDEB, já que a ação judicial tinha por propósito a perseguição de diferenças não repassadas ao Município pela União. O fato de determinada obrigação pecuniária não ter sido cumprida espontaneamente, mas somente após decisão judicial com trânsito em julgado, não descaracteriza a sua natureza nem a da prestação correspondente. Exemplificativamente, se uma obrigação trabalhista referente ao “aviso-prévio indenizado” não for cumprida pelo empregador de modo espontâneo, uma eventual decisão judicial que lhe obrigue a essa prestação não desnatura o caráter indenizatório da respectiva verba. Esse raciocínio bem se aplica aos valores relacionados ao FUNDEF, hoje FUNDEB, de modo que a condenação da União ao pagamento das mencionadas diferenças não lhes retira a natureza nem a destinação que lhes são peculiares. As verbas do FUNDEF correspondem a recursos integrantes de fundo contábil destinado à manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e da valorização do magistério. Os recursos do FUNDEF/FUNDEB são vinculados, por força da lei e da CF/88, a uma destinação específica, sendo vedada a sua utilização em despesa diversa da manutenção e desenvolvimento da educação básica. Vale ressaltar que a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que “os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso” (art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2000). Assim, constatada a vinculação constitucional e legal específica dos recursos do FUNDEF/FUNDEB, bem como a manutenção dessa característica mesmo quando referidos valores constarem de título executivo judicial, chega-se à conclusão de que não existe possibilidade jurídica de aplicação do art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/94 nesta situação, sob pena de se utilizar o dinheiro do FUNDEF para uma finalidade diversa (pagar honorários advocatícios), o que é expressamente proibido por lei e não encontra previsão constitucional. Dessa feita, o advogado deverá cobrar seus honorários advocatícios de outro modo, não podendo se valer do art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/94. STF O STF possui o mesmo entendimento do STJ acima exposto:

As verbas do FUNDEF não podem ser utilizadas para pagamento de despesas do Município com honorários advocatícios contratuais. STF. 1ª Turma. ARE 1066281 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 19/11/2018.

Ficam suspensas todas as decisões judiciais que tenham autorizado o destaque de honorários advocatícios contratuais em precatórios expedidos pela União para o pagamento de diferenças de complementação de verbas do FUNDEB. STF. Decisão monocrática. SL 1186 MC, Rel. Min. Presidente Dias Toffoli, julgado em 11/01/2019.

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ASTREINTES A Súmula 410 do STJ continuou válida mesmo após a edição das Leis nº 11.232/2005 e

11.382/2006 e mesmo depois que entrou em vigor o CPC/2015

Importante!!!

É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula n. 410 do STJ.

Súmula 410-STJ: A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer.

STJ. Corte Especial. EREsp 1.360.577-MG, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/12/2018 (Info 643).

Astreintes A multa cominatória, também conhecida como astreinte, é prevista no art. 537 do CPC/2015:

Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

Assim, a multa coercitiva pode ser aplicada pelo magistrado como uma forma de pressionar o devedor a cumprir: • uma decisão interlocutória que concedeu tutela provisória; ou • uma sentença que julgou procedente o pedido do autor. Ex: em uma ação envolvendo contrato empresarial, o juiz determinou que a empresa “X” entregasse para a empresa “Y” 8 mil sacas de soja em determinado prazo, sob pena de multa diária de R$ 16 mil. Essa multa é chamada de astreinte. Principais características da multa cominatória (astreinte) • Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de astreinte em virtude de ser semelhante (mas não idêntica) a um instituto processual previsto no direito francês e que lá assim é chamado. • A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor a realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção indireta. • Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material e também de direito processual. • Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com perdas e danos. • Pode ser imposta pelo juiz de ofício ou a requerimento, na fase de conhecimento ou de execução. • Apesar de no dia-a-dia ser comum ouvirmos a expressão “multa diária”, essa multa pode ser estipulada também em meses, anos ou até em horas. O CPC/2015, corrigindo essa questão, não fala mais em “multa diária”, utilizando simplesmente a palavra “multa”. • O valor da multa deve ser revertido em favor do credor, ou seja, o destinatário das astreintes é a pessoa que seria beneficiada com a conduta que deveria ter sido cumprida (art. 537, § 2º do CPC/2015). Geralmente, as astreintes foram impostas para que o réu cumprisse determinada conduta, de forma que a multa será revertida em favor do autor. No entanto, é possível imaginar alguma situação na qual, durante o processo, o juiz imponha uma obrigação ao autor sob pena de multa. Neste caso, o beneficiário das astreintes seria o réu.

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• A parte beneficiada com a imposição das astreintes somente continuará tendo direito ao valor da multa se sagrar-se vencedora. Se no final do processo essa parte sucumbir, não terá direito ao valor da multa ou, se já tiver recebido, deverá proceder à sua devolução. É possível a imposição de astreintes contra a Fazenda Pública? SIM. É perfeitamente possível ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, fixar multa diária cominatória (astreintes) contra a Fazenda Pública, em caso de descumprimento de obrigação de fazer (STJ. 1ª Seção. REsp 1474665-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/4/2017). A multa pode ser imposta ao agente público pelo descumprimento da obrigação de fazer? Depende. Se ele foi parte na ação, sim. Caso não tenha sido parte, não é possível, por ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Confira:

(...) 1. O ora agravante, à época Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos do Governo do Rio Grande do Norte, foi condenado, ante sua responsabilidade pessoal, pela Corte de origem ao pagamento de astreintes devido ao não cumprimento imediato de determinação judicial no bojo de mandado de segurança do qual ele foi, efetivamente, parte impetrada. (...) 3. As astreintes podem ser direcionadas pessoalmente às autoridades ou aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais, em particular quando eles foram parte na ação. (...) STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1388716/RN, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 23/10/2014.

Não é possível a responsabilização pessoal do agente público pelo pagamento das astreintes quando ele não figure como parte na ação, sob pena de infringência ao princípio da ampla defesa. STJ. 2ª Turma. REsp 1633295/MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 17/04/2018.

É possível que o juiz, após o devedor já ter descumprido a multa fixada, reduza o seu valor? SIM. É possível que o juiz, adotando os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, possa limitar o valor da astreinte, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do exequente. Essa possibilidade está prevista no CPC:

Art. 537 (...) § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva; II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

Diante disso, pode-se dizer que a decisão que comina astreintes não preclui e não faz coisa julgada. Assim, o juiz poderá, mesmo na fase de execução, alterar o valor da multa:

A decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada. A multa cominatória não integra a coisa julgada, sendo apenas um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, podendo ser cominada, alterada ou suprimida posteriormente. STJ. 2ª Seção. REsp 1.333.988-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 9/4/2014 (recurso repetitivo) (Info 539).

Vale ressaltar que, mesmo se a multa foi fixada em sentença transitada em julgado, será possível a modificação de seu valor e/ou periodicidade, considerando que o que se tornou imutável foi a obrigação reconhecida na sentença, mas não a multa. Em outras palavras, o que fez coisa julgada foi a obrigação, sendo a multa apenas uma forma executiva de cumpri-la.

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O autor pode exigir o pagamento das astreintes antes do final do processo (antes do trânsito em julgado)? Em outras palavras, é possível a execução provisória das astreintes fixadas em tutela provisória de urgência? Sim, é possível. Neste caso, o devedor da multa será obrigado a depositar o valor em juízo. Caso não faça voluntariamente, poderão ser tomadas medidas de expropriação (ex: penhora on line). No entanto, o credor não poderá levantar imediatamente a quantia. O valor da multa permanecerá depositado em juízo e o credor somente poderá “sacar” a quantia após o trânsito em julgado da sentença favorável a ele. Veja o dispositivo do CPC/2015 que trata sobre o tema:

Art. 537. (...) § 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. (Redação dada pela Lei nº 13.256/2016)

Para que a multa comece a produzir efeitos, é necessário que o destinatário da ordem seja intimado. Como é feita esta intimação? É interessante analisar o tema tanto sob a égide do CPC/1973 como do CPC/2015. CPC/1973 Intimação do devedor para cumprir a obrigação, sob pena de multa. No CPC/1973, o cenário era o seguinte: • Obrigação de pagar quantia certa: a intimação podia ser feita na pessoa do advogado. • Obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa diferente de dinheiro: a intimação deveria ser pessoal (não era suficiente a intimação na pessoa do advogado). O descumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa diferente de dinheiro gera para o devedor consequências mais graves do que o inadimplemento de uma obrigação de pagar quantia. Por essa razão, é plenamente justificável que se tenha um cuidado maior, exigindo a intimação pessoal. Nesse sentido:

“(...) o devedor de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa, quando tem contra si ordem para cumprimento da decisão judicial, deve ser intimado pessoalmente, justamente pelas múltiplas e graves consequências de seu eventual desatendimento ao mandamento jurisdicional (como as astreintes, contempt of court ou a configuração de crime de desobediência). (...)” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Revista de Processo. Ano 35. nº 182. abr/2010. São Paulo: RT, 2010, p. 188)

Essa exigência a mais no caso das obrigações de fazer e não fazer motivou o STJ a editar, em 25/11/2009, um enunciado explicitando o tema:

Súmula 410-STJ: A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer.

Vale ressaltar um aspecto importante. As Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006 alteraram diversos dispositivos do CPC/1973 a fim de garantir uma maior celeridade e um sincretismo processual. O STJ, contudo, entende que essas leis não alteraram as regras de intimação pessoal do devedor para cumprimento das obrigações de fazer ou de não fazer. Em outras palavras, a Súmula 410 do STJ aplica-se tanto para situações ocorridas antes ou depois das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006. Assim, a edição da Súmula 410 do STJ foi feita em caráter absolutamente genérico, sem nenhuma referência ao aspecto temporal de sua incidência, de sorte que se aplica tanto antes como após a publicação das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006.

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CPC/2015 O CPC/2015 previu o seguinte no art. 513, § 2º:

Art. 513. (...) § 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença: I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos; II - por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV; III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1o do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos IV - por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de conhecimento.

Quando o § 2º fala em “sentença”, ele está utilizando essa expressão em sentido amplo abrangendo toda e qualquer decisão judicial. Assim, diante dessa previsão, a doutrina majoritária passou a sustentar que, agora, com o CPC/2015, tanto na obrigação de pagar como nas obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diferente de dinheiro, a intimação pode ser feita na pessoa do advogado do devedor, na forma do art. 513, § 2º. Desse modo, para a doutrina, a Súmula 410 do STJ estaria superada com o CPC/2015. Nesse sentido: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1202. STJ entende que a súmula 410 continua válida Ocorre que o STJ não acolheu essa conclusão da doutrina e entende que o enunciado continua aplicável:

Mesmo com a entrada do novo CPC, a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1726817/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 04/09/2018.

Repetindo a pergunta: para que a multa comece a produzir efeitos, é necessário que o destinatário da ordem seja intimado. Como é feita esta intimação? • Obrigação de pagar quantia certa: a intimação é feita na pessoa do advogado. • Obrigação de fazer, não fazer e entregar coisa: a intimação deve ser pessoal.

Súmula 410-STJ: A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer.

A Súmula 410 do STJ continuou válida mesmo após a edição das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006 e mesmo depois que entrou em vigor o CPC/2015. Em suma:

É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do CPC/2015. STJ. Corte Especial. EREsp 1.360.577-MG, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/12/2018 (Info 643).

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AGRAVO DE INSTRUMENTO A decisão interlocutória que rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência é uma decisão de

mérito, que enseja a agravo de instrumento com base no inciso II do art. 1.015 do CPC/2015

Importante!!!

A decisão interlocutória que afasta (rejeita) a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, II, do CPC/2015. Isso porque se trata de decisão de mérito.

Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente na sentença, não há óbice para que essas questões sejam examinadas por intermédio de decisões interlocutórias, hipótese em que caberá agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, sob pena de formação de coisa julgada material sobre a questão.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.738.756-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/02/2019 (Info 643).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro. Na contestação Pedro alegou que a pretensão estaria prescrita, pedindo, portanto, a extinção do processo com resolução do mérito. Subsidiariamente, o réu pediu a produção de prova pericial para demonstrar que não devia nada ao autor. O juiz proferiu decisão interlocutória na qual: a) rejeitou a ocorrência de prescrição; b) deferiu a produção da prova pericial. Agravo de instrumento O réu interpôs agravo de instrumento contra esta decisão insistindo na tese de que teria ocorrido a prescrição. O Tribunal de Justiça não conheceu do recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão elencadas exaustivamente no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não há previsão de agravo contra decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

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Agiu corretamente o Tribunal? NÃO. Natureza da decisão interlocutória que reconhece a existência da prescrição ou decadência A doutrina diverge sobre a natureza da decisão interlocutória que reconhece a existência de prescrição ou decadência. Podemos apontar três exemplos de enquadramento: • Cássio Scarpinella Bueno: afirma que se trata de uma “falsa” decisão de mérito; • Teresa Arruda Alvim: sustenta que consiste em uma “atípica” decisão de mérito; • Fredie Didier Jr.: ensina que é uma “preliminar” ou “prejudicial” de mérito. Independentemente da nomenclatura utilizada, o fato indiscutível é que a decisão que pronuncia a prescrição ou a decadência é uma decisão de mérito. Em outras palavras, a decisão que reconhece a existência da prescrição ou da decadência é um pronunciamento jurisdicional de mérito. E a decisão que REJEITA a ocorrência de prescrição ou decadência? Também se pode dizer que é uma decisão de mérito?

Decisão interlocutória que REJEITA a ocorrência de prescrição ou decadência é uma decisão de mérito?

CPC/1973: NÃO CPC/2015: SIM

Havia o entendimento de que não se tratava de uma decisão de mérito. Isso por causa da redação do art. 269, IV, que falava apenas em pronunciar: Art. 269. Haverá resolução de mérito: IV - quando o juiz pronunciar (reconhecer) a decadência ou a prescrição;

Não há mais dúvidas de que também se trata de uma decisão de mérito. Isso por causa da redação expressa que foi dada ao art. 487, II, do CPC/2015: Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

O conceito de “decidir sobre a ocorrência” é claramente mais amplo do que apenas “pronunciar”, motivo pelo qual é correto afirmar que o art. 487, II, do CPC/2015, passou a abranger, indiscutivelmente, o acolhimento e também a rejeição da alegação de prescrição ou decadência, com aptidão inclusive para, em ambas as hipóteses, formar coisa julgada material sobre essas questões. Mas a prescrição ou decadência não tem que ser decididas apenas ao final, na sentença? NÃO. Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente por ocasião da prolação da sentença, não há vedação alguma para que essas questões sejam antecipadamente examinadas, por intermédio de decisões interlocutórias. A praxe forense, aliás, revela que as hipóteses de rejeição da alegação de prescrição ou de decadência ou de reconhecimento de sua ocorrência sobre parte ou sobre algum dos pedidos, na verdade, normalmente ocorrem antes da sentença, mais precisamente na decisão saneadora, ocasião em que usualmente são decotadas as questões de fato e de direito relevantes da controvérsia para a subsequente fase instrutória. Agravo de instrumento com base no inciso II do art. 1.015 Desse modo, a decisão interlocutória que rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência é uma decisão de mérito, que enseja a interposição de agravo de instrumento com base no inciso II do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...)

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II - mérito do processo;

Assim, tendo sido proferida uma decisão interlocutória que diga respeito à prescrição ou à decadência (art. 487, II), o recurso de agravo de instrumento é cabível com base no inciso II do art. 1.015, pois a prescrição e a decadência são, na forma da lei, questões de mérito. Se o juiz, por meio de decisão interlocutória, rejeitar a ocorrência de prescrição e decadência, e a parte prejudicada não interpuser agravo de instrumento, ela poderá impugnar novamente isso no momento da apelação? NÃO. Se o juiz rejeitar a alegação de prescrição ou decadência por meio de decisão interlocutória e a parte prejudicada não recorrer de imediato mediante agravo de instrumento haverá coisa julgada e esse tema não poderá ser novamente debatido na apelação. Veja a lição da doutrina:

“No curso do procedimento, é possível haver decisões de mérito. O juiz pode, por exemplo, rejeitar a alegação de prescrição ou de decadência, determinando a instrução probatória. De decisões assim cabe agravo de instrumento, tal como prevê o art. 1.015, II, do CPC. O disposto no art. 1.015, II, do CPC, confirma a possibilidade de ser proferida, no processo civil brasileiro, decisão interlocutória de mérito definitiva. Se o dispositivo prevê agravo de instrumento contra decisão de mérito, está, em verdade, a admitir a existência de decisão interlocutória que trate do mérito com caráter de definitividade. Se o agravo de instrumento não for interposto, haverá coisa julgada. Não será possível impugnar a decisão interlocutória de mérito ou a decisão parcial de mérito na apelação a ser interposta da sentença que ainda será proferida.” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 252/253).

“4.1. Outrossim, as decisões que rejeitarem incidentalmente questões afeitas ao mérito permitem o manejo do agravo de instrumento. Cogite-se da situação em que o juiz rejeite a alegação de prescrição em decisão interlocutória, tal provimento será atacável na via do agravo de instrumento, sob pena de ser coberto pela coisa julgada no particular.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1.072)

Em suma:

A decisão interlocutória que afasta (rejeita) a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, II, do CPC/2015. Isso porque se trata de decisão de mérito. Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente na sentença, não há óbice para que essas questões sejam examinadas por intermédio de decisões interlocutórias, hipótese em que caberá agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, sob pena de formação de coisa julgada material sobre a questão. STJ. 3ª Turma. REsp 1.738.756-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/02/2019 (Info 643).

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Se a parte ajuizou ação urgente sem juntar procuração (art. 37 do CPC/1973), ela também

poderá, dentro do prazo de 15 dias previsto neste dispositivo, interpor recurso sem procuração

É admissível, em caso de urgência, nos termos do art. 37 do CPC/1973 (art. 104, § 1º, do CPC/2015), a regularização da representação processual do autor/agravante, em segunda instância, a partir do translado do instrumento de procuração a ser juntado na origem no prazo assinado em lei.

STJ. 2ª Seção. EREsp 1.265.639-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/12/2018 (Info 643).

Agravo de instrumento O agravo de instrumento é um recurso interposto diretamente no juízo ad quem, ou seja, é encaminhado diretamente para o Tribunal que irá julgá-lo. Ex.: “A” ingressa com uma ação de alimentos contra “B” e pede a concessão de alimentos provisórios no valor de R$ 2 mil. O juiz, em decisão interlocutória, nega a fixação dos alimentos provisórios. “A” interpõe agravo de instrumento contra a decisão do juiz de 1ª instância (juízo a quo) diretamente no Tribunal de Justiça (juízo ad quem). O nome do recurso é agravo de instrumento porque neste tipo de agravo deverá ser formado um “instrumento”, ou seja, um conjunto de documentos para que o Tribunal analise se as razões invocadas pelo recorrente são procedentes ou não. Isso ocorre porque o processo continua tramitando no juízo a quo e, para o juízo ad quem examinar as razões do recurso, será necessário que ele tenha cópias de alguns documentos presentes naqueles autos originários. Em nosso exemplo, “A” irá preparar a petição do recurso, tirar cópias de vários documentos dos autos, juntá-los à petição e protocolá-los, como agravo de instrumento, no Tribunal de Justiça. E quais são estes documentos? Estão previstos no art. 525 do CPC/1973 (art. 1.017 do CPC/2015). Fique atenta(o) para as partes em cinza porque são novidades:

CPC/1973 CPC/2015

Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída: I — obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado; II — facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis.

Art. 1.017. A petição de agravo de instrumento será instruída: I — obrigatoriamente, com cópias da petição inicial, da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado; II — com declaração de inexistência de qualquer dos documentos referidos no inciso I, feita pelo advogado do agravante, sob pena de sua responsabilidade pessoal; III — facultativamente, com outras peças que o agravante reputar úteis.

O que acontece caso a parte agravante não junte algum dos documentos considerados obrigatórios?

CPC/1973 CPC/2015

Se o agravante não apresentava alguma das peças obrigatórias (art. 525, I), o agravo de instrumento

Na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro vício que comprometa a

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não era conhecido (seu mérito nem era apreciado). Caso o agravante não anexasse, junto com a petição do recurso, alguma peça obrigatória, o STJ considerava que tinha ocorrido preclusão consumativa e que, portanto, era proibido que o recorrente juntasse posteriormente.

admissibilidade do agravo de instrumento, o relator deverá, antes de considerar inadmissível o recurso, conceder o prazo de 5 dias ao agravante para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível (art. 1.017, § 3º do CPC/2015). Caso, mesmo intimado, o agravante não junte o documento faltante ou corrija o vício, aí sim deverá o relator julgar inadmissível o agravo de instrumento manejado.

Imagine agora a seguinte situação hipotética que ocorreu na égide do CPC/1973: João ajuizou ação cautelar de produção antecipada de provas. Como a ação foi proposta em regime de urgência, o advogado pediu para fazer a juntada da procuração no prazo de 15 dias, conforme previsão do art. 37 do CPC/1973 (art. 104, § 1º do CPC/2015):

CPC/1973 CPC/2015

Art. 37. Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo. Poderá, todavia, em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes. Nestes casos, o advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável até outros 15 (quinze), por despacho do juiz.

Art. 104. O advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração, salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente. § 1º Nas hipóteses previstas no caput, o advogado deverá, independentemente de caução, exibir a procuração no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período por despacho do juiz. (...)

Na ação, proposta no dia 02/02/2012, o autor pediu para o juiz conceder liminarmente a produção de prova considerada urgente. O magistrado, no mesmo dia, negou a liminar. No dia seguinte (03/02/2012), o autor interpôs agravo de instrumento contra a decisão. Vale ressaltar que, ao interpor o agravo de instrumento, o advogado não juntou com o recurso o instrumento do mandato (procuração). No dia 10/02/2012, o recorrente juntou a procuração nos autos do agravo de instrumento. Apesar disso, no dia 11/02/2012, o Relator do processo no Tribunal de Justiça proferiu decisão não conhecendo do recurso sob o argumento de que a procuração representa documento obrigatório, nos termos do art. 525, I, do CPC/1973 (art. 1.017, I, do CPC/2015), e que, portanto, deveria ter sido juntado no momento da interposição do agravo. O Relator afirmou, ainda, que a juntada posterior de documento obrigatório não tem o condão de regularizar o agravo de instrumento interposto sem a sua presença. Agiu corretamente o Relator, ainda que analisado o tema sob a ótica do CPC/1973? NÃO. O Tribunal não decidiu de forma acertada. Isso porque o autor tinha o direito de interpor o agravo de instrumento sem juntar, naquele momento, a procuração, por força do art. 37 do CPC/1973 (art. 104, § 1º do CPC/2015). Assim como a ação cautelar, o agravo de instrumento também foi interposto em regime de urgência e, portanto, não era necessária a juntada da procuração porque ainda estava em curso o prazo de 15 dias conferido pelo art. 37 do CPC/1973. Antes que esse prazo terminasse o autor/recorrente juntou o instrumento de mandato aos autos. Logo, ele agiu amparado pelo art. 37 do CPC/1973.

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O art. 37 do CPC/1973, na mesma linha do art. 104 do CPC/2015, autorizava o advogado a “em nome da parte, intentar ação, a fim de evitar decadência ou prescrição, bem como intervir, no processo, para praticar atos reputados urgentes”, hipótese em que O “advogado se obrigará, independentemente de caução, a exibir o instrumento de mandato no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por até outros 15 (quinze) dias, por despacho do juiz.” A interposição de agravo de instrumento visando à reforma de decisão que indeferiu o pedido liminar é ato praticado no curso do processo no qual corre o prazo para a juntada de procuração, embora dirigido à instância superior. Em outras palavras, o agravo de instrumento também estava abrangido pelo art. 37 do CPC/1973. Em suma:

É admissível, em caso de urgência, nos termos do art. 37 do CPC/1973 (art. 104, § 1º, do CPC/2015), a regularização da representação processual do autor/agravante, em segunda instância, a partir do translado do instrumento de procuração a ser juntado na origem no prazo assinado em lei. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.265.639-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/12/2018 (Info 643).

CPC/2015 Se o caso acima tivesse ocorrido sob a égide do CPC/2015, a decisão do Relator também seria equivocada e teria violado dois dispositivos legais: 1) o art. 104, § 1º do CPC/2015; 2) o art. 1.017, § 3º do CPC/2015 porque, conforme já explicado, atualmente, faltando alguma peça do agravo de instrumento, o Relator deverá, antes de considerar inadmissível o recurso, conceder o prazo de 5 dias ao agravante para que seja complementada a documentação exigível.

EXECUÇÃO É possível a cumulação da verba honorária fixada nos embargos à execução com a arbitrada na

própria execução contra a Fazenda Pública, vedada a compensação entre ambas

Importante!!!

Os embargos do devedor são ação de conhecimento incidental à execução, razão porque os honorários advocatícios podem ser fixados em cada uma das duas ações, de forma relativamente autônoma, respeitando-se os limites de repercussão recíproca entre elas, desde que a cumulação da verba honorária não exceda o limite máximo previsto no § 3º do art. 20 do CPC/1973.

STJ. Corte Especial. REsp 1.520.710-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

Inexiste reciprocidade das obrigações ou de bilateralidade de créditos (pressupostos do instituto da compensação, art. 368 do Código Civil), o que implica a impossibilidade de se compensarem os honorários fixados em embargos à execução com aqueles fixados na própria ação de execução.

STJ. Corte Especial. REsp 1.520.710-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

Imagine a seguinte situação hipotética: A associação dos servidores públicos federais do Ministério da Saúde ajuizou ação coletiva contra a União pedindo que fosse reconhecida e paga determinada gratificação devida à classe.

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A ação foi julgada procedente condenando, de forma genérica, a União a pagar a referida gratificação em favor dos servidores do Ministério da Saúde. Houve trânsito em julgado. Execução individual João é servidor público federal do Ministério da Saúde e filiado à referida associação. Diante disso, ele propôs execução individual cobrando o pagamento das verbas relacionadas com a gratificação referente aos anos de 2008 a 2014. A União terá que pagar honorários advocatícios neste processo de execução mesmo que não apresente embargos à execução (mesmo que não se “oponha” ao pedido do exequente)? SIM. Esse é o entendimento consolidado do STJ. Confira:

Súmula 345-STJ: São devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não embargadas.

Vale ressaltar que essa súmula continua válida mesmo com o advento do CPC/2015: STJ. Corte Especial. REsp 1648238-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 20/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 628). E se a União apresentar embargos à execução e, ao final, esses embargos forem rejeitados? Neste caso, a Fazenda Pública será condenada a pagar nova verba de honorários advocatícios. Serão duas quantias a título de honorários advocatícios? SIM. • Honorários advocatícios decorrentes da execução. • Honorários advocatícios decorrentes dos embargos à execução. Em outras palavras, é possível a cumulação da verba honorária fixada na execução com os honorários estipulados nos embargos à execução. Por quê? Porque os embargos à execução possuem natureza jurídica de ação autônoma em relação à execução. Assim, temos duas ações autônomas: • a execução; e • os embargos à execução. Ressalva: soma não pode ser maior que 20% O STJ diz que é possível a cumulação, mas faz uma ressalva: o somatório das duas verbas de honorários não pode superar o limite percentual máximo de 20%, previsto no § 3º do art. 20 do CPC/1973:

Art. 20 (...) § 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Esse é o entendimento consolidado do STJ:

De acordo com a jurisprudência dominante do STJ, constituindo os Embargos do Devedor verdadeira Ação de Conhecimento que não se confunde com a Ação de Execução, os honorários advocatícios devem ser

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fixados de forma autônoma e independente em cada uma das referidas ações, desde que a cumulação da verba honorária não exceda o limite máximo previsto no § 3º do art. 20 do CPC/1973. STJ. 2ª Turma. REsp 1670357/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/08/2017.

O STJ reiterou a posição fixando a seguinte tese em sede de recurso especial repetitivo:

Os embargos do devedor são ação de conhecimento incidental à execução, razão porque os honorários advocatícios podem ser fixados em cada uma das duas ações, de forma relativamente autônoma, respeitando-se os limites de repercussão recíproca entre elas, desde que a cumulação da verba honorária não exceda o limite máximo previsto no § 3º do art. 20 do CPC/1973. STJ. Corte Especial. REsp 1.520.710-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

E se os embargos à execução forem acolhidos? No exemplo que demos acima, a União ingressou com embargos à execução que foram rejeitados. Logo, a União teve que pagar cumulativamente os honorários da execução e os honorários dos embargos. Vimos que isso é possível, desde que respeitado o limite de 20%. Mas... e se os embargos à execução tiverem sido acolhidos e, parte da execução for julgada indevida? Neste caso, teríamos o seguinte cenário: a União teve que pagar honorários decorrentes da execução. Por outro lado, os embargos foram acolhidos e ela terá direito de receber honorários em razão desses embargos. Nesta situação, seria possível haver a compensação dos honorários? É possível a compensação dos honorários fixados nos embargos à execução com os arbitrados no processo de execução do mesmo título? NÃO. O STJ nega a possibilidade de compensação entre as verbas honorárias fixadas na execução e nos embargos à execução. Quando há condenação ao pagamento de honorários advocatícios surge uma nova relação jurídica (relação creditícia – crédito e débito) entre a parte vencida e o advogado do vencedor. Essa relação é autônoma em relação à relação entre autor e réu. Uma comprovação de que essa relação é autônoma está no fato de que o advogado (titular do crédito de honorários) poderá executar seu crédito nos próprios autos ou em processo independente. A compensação é um instituto jurídico previsto no art. 368 do Código Civil nos seguintes termos:

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

Os honorários advocatícios pertencem ao advogado (e não à parte vencedora). Logo, não se pode querer compensar um crédito que é do advogado com uma dívida que é da parte. A parte não se confunde com o advogado. Não há, portanto, reciprocidade das obrigações ou bilateralidade de créditos. Por essa razão, não é possível a compensação. Em suma:

Inexiste reciprocidade das obrigações ou de bilateralidade de créditos (pressupostos do instituto da compensação, art. 368 do Código Civil), o que implica a impossibilidade de se compensarem os honorários fixados em embargos à execução com aqueles fixados na própria ação de execução. STJ. Corte Especial. REsp 1.520.710-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/12/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

CPC/2015 Vale ressaltar que o tema acima foi debatido sob a égide do CPC/1973, não se podendo afirmar, com certeza, qual seria a solução caso a situação já envolvesse o novo CPC.

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EXECUÇÃO FISCAL (In) aplicabilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal

Importante!!!

Não é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) no processo de execução fiscal no caso em que a Fazenda Pública exequente pretende alcançar pessoa distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o Fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os arts. 134 e 135 do CTN. Por outro lado, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora para o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico, mas que não foi identificada no ato de lançamento (Certidão de Dívida Ativa) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN. STJ. 1ª Turma. REsp 1.775.269-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/02/2019 (Info 643).

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA

Princípio da autonomia patrimonial As pessoas jurídicas são sujeitos de direitos. Isso significa que possuem personalidade jurídica distinta de seus instituidores. Assim, por exemplo, não é porque o sócio morreu que, obrigatoriamente, a pessoa jurídica será extinta. De igual modo, o patrimônio da pessoa jurídica é diferente do patrimônio de seus sócios. Ex.1: se uma sociedade empresária possui um veículo, esse automóvel não pertence aos sócios, mas sim à própria pessoa jurídica. Ex.2: se uma sociedade empresária possui uma dívida, este débito deverá ser pago com os bens da própria sociedade, não podendo para isso, em regra, ser utilizado o patrimônio pessoal dos sócios. Vigora, portanto, o princípio da autonomia patrimonial entre os bens do sócio e da pessoa jurídica. Desconsideração da personalidade jurídica O ordenamento jurídico prevê algumas situações em que essa autonomia patrimonial pode ser afastada. Tais hipóteses são chamadas de “desconsideração da personalidade jurídica” (disregard of legal entity ou teoria do superamento da personalidade jurídica). Quando se aplica a desconsideração da personalidade jurídica, os bens particulares dos administradores ou sócios são utilizados para pagar dívidas da pessoa jurídica. Por que foi idealizada essa teoria da desconsideração da personalidade jurídica? A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas sempre foi um instrumento muito importante para o desenvolvimento da economia e da atividade empresarial. Isso porque serviu para estimular os indivíduos a praticarem atividades econômicas, uma vez que, constituindo pessoas jurídicas, as pessoas físicas sabiam que apenas o patrimônio da sociedade empresária responderia pelas dívidas em caso de insucesso. Com isso, as pessoas físicas ficavam mais seguras, já que, mesmo que o empreendimento não prosperasse, elas não perderiam também o seu patrimônio pessoal não investido na sociedade. Ocorre que alguns indivíduos começaram a abusar da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, utilizando-a como um meio de praticar fraudes. A pessoa jurídica, após adquirir diversas dívidas, transferia todo lucro e patrimônio para o nome dos sócios e, com isso, não tinha como pagar os compromissos assumidos, não sobrando bens da sociedade que pudessem ser executados pelos credores.

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Percebendo esse abuso, a jurisprudência passou a permitir a desconsideração da personalidade jurídica nessas hipóteses. Posteriormente, foram editadas leis prevendo expressamente a possibilidade da desconsideração. Histórico da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil • CC-1916: não previa a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica. • Na década de 60, Rubens Requião foi um dos primeiros doutrinadores brasileiros a defender a aplicação da teoria no Brasil, mesmo sem previsão legal. • CDC em 1990: primeira lei a prever a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no Brasil (art. 28). • Lei nº 8.884/94 (antiga Lei Antitruste): previu a desconsideração. • Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais): também disciplinou a desconsideração. • Código Civil de 2002: trouxe previsão expressa no art. 50. • Lei nº 12.529/2011: desconsideração em caso de infrações da ordem econômica (art. 34). • Lei nº 13.105/2015 (novo CPC): previu um procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica. Desconsideração da personalidade jurídica no CC-2002 A desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito das relações civis gerais, está disciplinada no art. 50 do CC:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Desse modo, na desconsideração da personalidade jurídica, o juiz, mediante requerimento, autoriza que os bens particulares dos administradores ou sócios sejam utilizados para pagar as dívidas da pessoa jurídica, mitigando, assim, a autonomia patrimonial. Abuso da personalidade jurídica Somente poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica nas relações jurídicas regidas pelo Código Civil se ficar caracterizado que houve abuso da personalidade jurídica. O abuso da personalidade jurídica pode ocorrer em duas situações: 1) Desvio de finalidade: é o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros utilizando a autonomia da pessoa jurídica como um escudo; 2) Confusão patrimonial: ocorre quando, na prática, não há separação entre o que seja patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios. Ex: todas as despesas pessoais dos sócios são pagas com o cartão de crédito da empresa, os veículos utilizados são da empresa, os funcionários fazem serviços pessoais para os sócios etc. Teorias maior e menor da desconsideração Como vimos acima, a desconsideração da personalidade jurídica não é prevista apenas no Código Civil. Existem outros importantes diplomas que tratam sobre o tema, como é o caso do CDC e da Lei Ambiental. Ocorre que nem todas as leis trazem os mesmos requisitos para a desconsideração. A partir daí surgiram dois grupos de legislações separadas a partir dos requisitos impostos para a desconsideração. Confira:

Teoria MAIOR Teoria MENOR

O Direito Civil brasileiro adotou a chamada teoria maior da desconsideração. Isso porque o art. 50 exige, além da insolvência, que se prove o desvio

No Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, adotou-se a teoria menor da desconsideração. Isso porque, para que haja a desconsideração da

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de finalidade (teoria maior subjetiva) ou a confusão patrimonial (teoria maior objetiva).

personalidade jurídica nas relações jurídicas envolvendo consumo ou responsabilidade civil ambiental, basta provar a insolvência da pessoa jurídica.

Deve-se provar: 1) Insolvência 2) Abuso da personalidade (desvio de finalidade ou confusão patrimonial)

Deve-se provar apenas a insolvência.

Art. 4º da Lei n. 9.605/98 (Lei Ambiental). Art. 28, § 5º do CDC.

Obs: alguns autores criticam essa divisão entre teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica, afirmando que essa dicotomia está ultrapassada. É o caso, por exemplo, de Fábio Ulhoa Coelho (Curso de Direito Comercial, Vol. 2. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012). Tais expressões, contudo, continuam presentes na jurisprudência do STJ e são cobradas em concurso, razão pela qual vocês deverão saber. O que é desconsideração INVERSA da personalidade jurídica? Na desconsideração inversa (ou invertida) da personalidade jurídica, o juiz, mediante requerimento, autoriza que os bens da pessoa jurídica sejam utilizados para pagar as dívidas dos sócios. Segundo a Min. Nancy Andrighi, “a desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio.” (REsp 1.236.916-RS). Assim, é possível “a desconsideração inversa da personalidade jurídica sempre que o cônjuge ou companheiro empresário valer-se de pessoa jurídica por ele controlada, ou de interposta pessoa física, a fim de subtrair do outro cônjuge ou companheiro direitos oriundos da sociedade afetiva" (REsp 1.236.916-RS). Os exemplos mais citados pelos livros sobre desconsideração inversa estão no campo do Direito de Família. É o caso de um marido (ou companheiro) que transfere todos os seus bens para a sociedade empresária a fim de não ter que dividir seu patrimônio no divórcio ou dissolução da união estável. A desconsideração inversa é admitida no direito brasileiro? SIM, há um enunciado da IV Jornada de Direito Civil consagrando o instituto:

Enunciado 283-CJF: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

De igual forma, o STJ possui precedentes admitindo a desconsideração inversa.

(...) A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. IV — Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 948117/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2010.

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Regras processuais sobre a desconsideração da personalidade jurídica O CPC/2015, de forma inovadora, trouxe regras para disciplinar o procedimento para a decretação ou não da desconsideração da personalidade jurídica no processo. O Código previu que essa desconsideração poderá ser postulada de duas formas: a) em caráter principal, quando o pedido é formulado já na petição inicial; b) em caráter incidental, quando o pedido é feito no curso do processo. DESCONSIDERAÇÃO REQUERIDA NA INICIAL

Desconsideração pedida na petição inicial O autor, ao ingressar com a ação contra o réu, já requer, na petição inicial, a desconsideração da personalidade jurídica. Neste caso, não será necessária a instauração de um incidente. Se o pedido for para desconsideração direta Isso significa que a ação é proposta contra a “empresa” (pessoa jurídica), mas o autor já pede, desde logo, que seja afastada a autonomia patrimonial e se atinja os bens dos sócios. Logo, a ação é proposta contra a pessoa jurídica e contra os sócios. O autor pedirá a citação: • da pessoa jurídica, afirmando que ela é a devedora (a pessoa jurídica é que é a devedora “originária”); e • dos sócios, argumentando que eles, apesar de não serem devedores da obrigação (não participaram da relação obrigacional), são responsáveis pelo pagamento do débito, ou seja, pede-se para atingir o patrimônio pessoal dos sócios mesmo eles não tendo participado da relação obrigacional (ex: quem assinou o contrato foi a pessoa jurídica – e não as pessoas físicas). Veja algumas importantes observações da doutrina:

“A inicial deve deixar claro que o débito é da empresa e que a pretensão de cobrança está direcionada contra ela. O que se pretende em relação ao sócio não é a sua condenação ao pagamento do débito, mas o reconhecimento de que ele é responsável patrimonial, uma vez que estão preenchidos os requisitos do direito material para a desconsideração da personalidade jurídica. Serão dois os pedidos formulados na inicial: o condenatório, de cobrança, dirigido contra o devedor; e o de extensão da responsabilidade patrimonial, direcionado contra o sócio e fundado no preenchimento dos requisitos do art. 50 do Código Civil ou do art. 28 do CDC. (...) O sócio será citado, na condição de corréu, para oferecer resposta no prazo de 15 dias (observado o art. 229, do CPC). Em sua contestação, deverá defender-se do pedido contra ele direcionado, isto é, o de extensão da responsabilidade patrimonial pelo débito da empresa.” (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 257).

Se o pedido na Inicial for para desconsideração “inversa” Isso significa que a ação é proposta contra um(uns) do(s) sócio(s), mas o autor já pede, desde logo, que seja afastada a autonomia patrimonial e se atinja os bens da pessoa jurídica. Logo, a ação é proposta contra o sócio e contra a pessoa jurídica. O autor pedirá a citação: • do sócio (que era o devedor “originário”); e • da pessoa jurídica, sob o argumento de que ela, mesmo não tendo participado da relação de direito material, deverá responder pelo débito.

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Não é necessária intervenção de terceiros Vale esclarecer que o sócio (no caso de desconsideração direta) ou a pessoa jurídica (desconsideração inversa) não serão considerados “terceiros”, mas sim réus, tendo sido citados desde o início. Logo, a desconsideração da personalidade jurídica pedida na petição inicial não acarreta a intervenção de terceiros. O que se alega na contestação? Enunciado 248-FPPC: Quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe ao sócio ou à pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa. Pedido decidido na sentença As pessoas citadas deverão apresentar contestação refutando os argumentos do autor e, ao final, na própria sentença, o juiz decidirá se é procedente ou não o pedido de desconsideração. Trata-se, portanto, de um dos pedidos da ação. Se o juiz acolher, significa que, além de condenar a pessoa jurídica reconhecendo que ela é devedora da relação jurídica de direito material, também condenará o(s) sócio(s) como responsáveis pelo débito da pessoa jurídica. Vale ressaltar que o pedido de desconsideração formulado na petição inicial não acarreta a suspensão do processo. Recurso O sócio ou pessoa jurídica atingidos pela desconsideração, caso não se conformem com a decisão, deverá interpor apelação.

Enunciado 390 FPPC: Resolvida a desconsideração da personalidade jurídica na sentença, caberá apelação.

Previsão no CPC/2015 O Código dedicou um único dispositivo para tratar sobre o tema:

Art. 134 (...) § 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA

Processo em curso Algumas vezes, o processo já está em curso quando, então, o credor percebe que não irá conseguir receber o valor pretendido do devedor e que estão presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica. Neste caso, o pedido de desconsideração será formulado como um incidente do processo. Haverá uma intervenção de terceiros provocada, considerando que o credor pedirá para trazer à lide uma pessoa que originalmente não figurava no polo passivo. Quem pode iniciar o incidente O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será sempre instaurado a pedido. Este pedido poderá ser feito: • pela parte; ou • pelo Ministério Público (quando lhe couber intervir no processo). O juiz não pode instaurar de ofício.

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Pressupostos O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Esses pressupostos estão previstos no “direito material” (art. 50 do Código Civil, art. 28 do CDC, art. 34 da Lei nº 12.529/2011 etc.). Admitido em todas as espécies de processo O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. Importante destacar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se também a processos de competência dos juizados especiais (art. 1.062 do CPC/2015)

Enunciado 247 FPPC: Aplica-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar.

Incidente instaurado originariamente perante o Tribunal Vale ressaltar que o incidente de desconsideração pode ser pedido tanto em processos que tramitam na 1ª instância como também pode ser requerido originalmente no Tribunal. Se a desconsideração for pedida em processo que está tramitando no Tribunal, ela será decidida monocraticamente pelo Relator:

Art. 932. Incumbe ao relator: (...) VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado originariamente perante o tribunal;

Suspensão do processo A instauração do incidente suspenderá o processo. Assim, com o pedido de instauração, suspende-se o processo, suspensão que perdurará até a decisão que resolver o incidente. Procedimento 1) A instauração do incidente é pedida pela parte ou pelo Ministério Público. 2) O juiz admite a instauração e determina a suspensão do processo. 3) No caso de desconsideração direta, será realizada a citação do sócio. Em se tratando de desconsideração inversa, será determinada a citação da pessoa jurídica. 4) Depois da citação, o sócio ou a pessoa jurídica terão 15 dias para se manifestar e requerer as provas que entender necessárias. 5) Havendo necessidade, será realizada instrução probatória (oitiva de testemunhas, perícia etc.). 6) Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. A instauração do incidente de desconsideração gera, por si só, a necessidade de oitiva do MP? NÃO. É desnecessária a intervenção do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, salvo nos casos em que deva intervir obrigatoriamente, previstos no art. 178 do CPC/2015 (Enunciado 123 do FPPC). Recurso • Se o incidente tramitou em 1ª instância (pedido foi decidido pelo juiz de 1º grau): a parte prejudicada poderá interpor agravo de instrumento (art. 1.015, IV). • Se o incidente tramitou originalmente no Tribunal (pedido foi decidido monocraticamente pelo Relator): cabe agravo interno (art. 136, parágrafo único).

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Acolhimento da desconsideração e alienação ou oneração de bens Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens ocorrida em fraude de execução será ineficaz em relação ao requerente (art. 137). REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL E (DES)NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE DESCONSIDERAÇÃO

HIPÓTESE 1: REDIRECIONAMENTO PARA OUTRA PESSOA QUE FIGURAVA NA CDA

Imagine a seguinte situação hipotética: A União ajuizou execução fiscal contra a empresa Medina Comércio Ltda. cobrando débitos tributários. Não se conseguiu fazer a citação da executada. Isso porque a empresa (Medina) não estava mais em funcionamento no local indicado na sua última declaração do imposto de renda. Diante disso, a União peticionou requerendo o redirecionamento da execução contra a Moraes Comércio Ltda., outra pessoa jurídica, mas que constou expressamente na Certidão de Dívida Ativa (CDA) como sendo codevedora junto com a Medina. Indaga-se: neste primeiro caso, para a inclusão da Moraes no polo passivo da execução, será necessária a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica? NÃO.

Não é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) no processo de execução fiscal no caso em que a Fazenda Pública exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo. STJ. 1ª Turma. REsp 1.775.269-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/02/2019 (Info 643).

A CDA é o título executivo extrajudicial que lastreia a execução fiscal. Na CDA consta o nome do devedor. Ocorre que lá também poderá constar o(s) nome(s) de pessoa(s) física(s) ou jurídica(s) que seja(m) corresponsável(eis) pelo adimplemento do débito. É o que prevê a Lei nº 6.830/80:

Art. 2º (...) § 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter: I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato; III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo; V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida. § 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.

A inclusão do nome do devedor ou dos corresponsáveis na CDA somente pode acontecer após processo administrativo no qual é assegurado contraditório. Em razão disso, a jurisprudência do STJ entende que, mesmo se a execução fiscal foi inicialmente proposta unicamente contra o devedor, durante o curso do processo poderá haver o redirecionamento para cobrar a dívida do corresponsável que figura na CDA.

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Em atenção à presunção relativa de legitimidade da CDA, o STJ pacificou entendimento segundo o qual a execução fiscal pode ser redirecionada ao corresponsável nela indicado, cabendo à parte então executada defender-se por meio dos embargos do devedor. Assim, se, após regular processo administrativo, a CDA indica outra sociedade empresária como corresponsável pelo crédito tributário em cobrança, não há necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica executada. O redirecionamento pode ser feito de forma “direta”, sem mais formalidades. HIPÓTESE 2: REDIRECIONAMENTO PARA TERCEIROS NAS HIPÓTESES DOS ARTS. 134 E 135 DO CTN

Imagine uma segunda situação hipotética: A União ajuizou execução fiscal contra a Cristal Vestuário Ltda. cobrando débitos tributários. Não se conseguiu fazer a citação da executada. Isso porque a empresa (Cristal) não estava mais em funcionamento no local indicado na sua última declaração do imposto de renda. Diante disso, a União peticionou ao juiz requerendo o redirecionamento da responsabilidade tributária a João, sócio-gerente da empresa, com base no art. 135, III, do CTN e na Súmula 435 do STJ:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (...) III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Súmula 435-STJ: Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Vale ressaltar que o nome de João (sócio-gerente) não constou expressamente na CDA, ou seja, ele não figurava no título executivo. Indaga-se: neste segundo caso, para a inclusão de João no polo passivo da execução, será necessária a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica? Também NÃO.

Não é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) no processo de execução fiscal no caso em que a Fazenda Pública exequente pretende alcançar pessoa distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mesmo que o nome não esteja no título executivo (CDA), desde que o Fisco demonstre a responsabilidade dessa pessoa distinta, na qualidade de terceiro, em consonância com os arts. 134 e 135 do CTN. STJ. 1ª Turma. REsp 1.775.269-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/02/2019 (Info 643).

Em outras palavras, a atribuição de responsabilidade tributária fundada nos art. 134 e 135 do CTN não depende da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015). Relembre as hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

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IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Assim, caso o pedido de redirecionamento da execução fiscal tenha por objetivo alcançar pessoas jurídicas não elencadas na CDA, mesmo assim isso é possível, sem instauração de incidente de desconsideração, bastando para tanto que o Fisco demonstre que a situação se enquadra em algum dos incisos dos arts. 134 ou 135 do CTN. Feita esta comprovação, o magistrado também pode decidir pela inclusão no polo passivo sem a instauração do incidente de desconsideração. O redirecionamento da execução para a responsabilização de terceiros prevista nos arts. 134 e 135 do CTN não necessita da desconsideração da pessoa jurídica devedora porque essa responsabilidade já decorre da própria lei. Nas exatas palavras do Min. Gurgel de Faria:

“(...) não há necessidade de desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica devedora, pois a legislação, estabelecendo previamente a responsabilidade tributária do terceiro, permite a cobrança do crédito tributário diretamente dos terceiros que elenca. Daí porque o art. 4º, incisos V e VI, da Lei n. 6.830/1980 explicita a possibilidade de ajuizamento da execução fiscal contra o responsável legal por dívidas, tributárias ou não, das pessoas jurídicas de direito privado e contra os sucessores a qualquer título.”

Inaplicabilidade do IDPJ quando houver responsabilidade tributária fundada em lei (arts. 134 e 135 do CTN) A razão de ser do incidente de desconsideração é a necessidade de se garantir o contraditório prévio e efetivo nas ações em que é requerida a desconsideração da personalidade jurídica de uma das partes. Logo, o pressuposto básico e primeiro da instauração do incidente é a efetiva pretensão à desconsideração da personalidade jurídica posta em juízo pela parte ou pelo Ministério Público. Ocorre que a responsabilidade tributária dos arts. 134 e 135 do CTN não é o mesmo que desconsideração da personalidade jurídica. Na verdade, a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, prevista no art. 135 do CTN, não representa hipótese de desconsideração da personalidade jurídica que, de acordo com o que dispõe o art. 50 do Código Civil, só pode ser aplicada quando caracterizado o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Os casos previstos no art. 135 do CTN denotam, na realidade, hipóteses de imputação de responsabilidade pessoal e direta às pessoas previstas nos seus incisos. Assim, o fenômeno da responsabilidade não se confunde com a desconsideração da personalidade jurídica, pois não pressupõe a caracterização de situações em que a personalidade da pessoa jurídica é utilizada para fins não condizentes com a sua função social nem pressupõe a caracterização de confusão patrimonial ou mesmo a intenção de prejudicar terceiros.

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Nos casos de responsabilidade pessoal do sócio ou administrador não se vislumbra o uso desvirtuado da pessoa jurídica pelo sócio para a prática de atos contrários à sua finalidade social, sendo, dessa forma, incabível a desconsideração da personalidade jurídica nessas hipóteses. Nessa linha, a responsabilização do administrador em razão da dissolução irregular da empresa é um típico caso de aplicação do art. 135, III, do CTN por infração à lei. Logo, como decidido pelo STJ, não se aplica o IDPJ quando há regra de responsabilidade fundada em lei, tal qual na hipótese dos arts. 134 e 135 do CTN. Corroborando esse entendimento, a Escola da Magistratura Regional Federal - 2ª Região publicou o enunciado nº 6 , aprovado no Fórum de Execuções Fiscais 2015, segundo o qual “a responsabilidade tributária regulada no art. 135 do CTN não constitui hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, não se submetendo ao incidente previsto no art. 133 do CPC/2015”. No mesmo sentido, a Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados aprovou enunciado contra o cabimento do incidente de desconsideração nas execuções fiscais nos casos de requerimento de redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente: “53) O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015 ”. HIPÓTESE 3: REDIRECIONAMENTO PARA PESSOA DO MESMO GRUPO ECONÔMICO, QUE NÃO FIGUROU NA CDA NEM SE ENQUADRA NOS ARTS. 134 E 135 DO CTN

Por fim, imagine uma terceira situação hipotética: A União ajuizou execução fiscal contra a Palmeira Indústria de Alimentos Ltda. cobrando débitos tributários. A empresa foi citada, não pagou e também não foram encontrados bens penhoráveis da devedora. Diante disso, a União, por intermédio da Procuradoria da Fazenda Nacional, pediu o redirecionamento da execução fiscal para a Topázio Indústria alimentícia Ltda. alegando que ela integra o mesmo grupo econômico da executada. A exequente argumentou que haveria solidariedade pelo interesse comum e que a Lei nº 8.212/91 atribuiria a responsabilidade solidária. Fundamentou, portanto, o pedido no art. 124 do CTN e no art. 30, IX, da Lei nº 8.212/91

Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (...) IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei;

Vale ressaltar que a Topázio não foi apontada como codevedora no momento do lançamento tributário nem constou seu nome na Certidão de Dívida Ativa. Importante ressaltar também que a empresa Topázio não se enquadra em nenhuma das situações previstas nos arts. 134 e 135 do CTN, ou seja, não se está imputando a ela a chamada responsabilidade de terceiro. Indaga-se: neste terceiro caso, para a inclusão da Topázio no polo passivo da execução, será necessária a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica? SIM.

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É necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora para o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico, mas que não foi identificada no ato de lançamento (Certidão de Dívida Ativa) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN. STJ. 1ª Turma. REsp 1.775.269-PR, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/02/2019 (Info 643).

Simples fato de integrar o mesmo grupo econômico não autoriza o redirecionamento O simples fato de a pessoa jurídica “A” integrar o mesmo grupo econômico da pessoa jurídica “B” (que está sendo executada) não autoriza que haja o redirecionamento da execução fiscal passando a se cobrar a dívida de “A”. Mesmo havendo grupo econômico, cada empresa conserva, em regra, a sua autonomia patrimonial. Art. 30, IX, da Lei nº 8.212/91 O art. 30, IX, da Lei nº 8.212/91 não permite o redirecionamento de execução fiscal à pessoa jurídica que não tenha participado da situação de ocorrência do fato gerador, ainda que integrante do grupo econômico. A correta leitura desse dispositivo depende de sua conjugação com as regras do CTN, daí porque o fisco deve lançar o tributo com a indicação das pessoas jurídicas que estejam vinculadas ao fato gerador, não lhe sendo permitido, no curso do processo executivo, redirecionar a cobrança para pessoa jurídica estranha ao fato imponível, ainda que integrante do mesmo grupo econômico da devedora original. Em conclusão O redirecionamento de execução fiscal à pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome da CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende mesmo da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil. Daí porque, nessa hipótese, é obrigatória a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora. Sem a indicação da pessoa jurídica no ato de lançamento, ou sendo inexistentes as hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, a imputação da responsabilidade ao grupo econômico ou à pessoa jurídica dele integrante dependerá da desconsideração da personalidade jurídica, cujo reconhecimento somente pode ser obtido com a instauração do referido incidente (art. 133 do CPC/2015). Agradecimento Agradeço ao amigo Felipe Duque pela troca de ideias e pelas valiosas contribuições.

DIREITOS DIFUSOS Transportadora pode ser condenada, em ACP, a não trafegar com excesso de peso nas rodovias, sob pena de multa civil (astreinte), e, além disso, ser condenada a pagar indenização por danos

morais coletivos e danos materiais

Transportadora que constantemente descumpre o Código de Trânsito e trafega com seus veículos com cargas acima do peso permitido pode ser condenada ao pagamento de danos morais coletivos e danos materiais.

O tráfego de veículos com excesso de peso gera responsabilidade civil em razão dos danos materiais às vias públicas e do dano moral coletivo consistente no agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos.

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Neste caso, além da condenação a pagar a indenização, a transportadora também poderá ser condenada a não mais trafegar com excesso de peso, sendo viável a aplicação de multa civil (astreinte), como medida coercitiva, mesmo que já tenham sido imputadas as multas administrativas previstas no CTB.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.574.350-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 03/10/2017 (Info 643).

Imagine a seguinte situação adaptada: Transpy Ltda. é uma empresa que transporta cargas por meio de caminhões, atuando especialmente nos Estados do Sul do país. Entre os anos de 2003 e 2013, a Polícia Rodoviária Federal aplicou 85 multas contra a Transpy em virtude de os caminhões da empresa terem sido flagrados transportando cargas com excesso de peso em rodovias federais. Isso equivale a, praticamente, uma autuação a cada dois meses. Ao ser informado sobre essa situação, o Ministério Público Federal instaurou um inquérito civil e notificou a transportadora com o intuito de celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no qual ela se comprometeria a não mais trafegar com excesso de carga. A empresa, contudo, recusou-se a assinar o acordo sob a alegação de que, caso transportasse volume menor de carga, ficaria em desvantagem econômica perante seus concorrentes. Daí ser possível concluir que a lucratividade com o peso excessivo compensa e supera eventual pagamento de multa administrativa, o que só comprova a absoluta incapacidade da sanção para reprimir e desencorajar a conduta legalmente vedada. Diante disso, o MPF ajuizou ação civil pública contra a transportadora pedindo que ela fosse condenada: a) ao pagamento de indenização pelos danos materiais ocasionados nas rodovias federais; b) ao pagamento de dano moral coletivo pelo reiterado descumprimento da legislação de trânsito; c) a ser proibida de trafegar seus veículos com excesso de peso nas rodovias federais, sob pena de multa civil (astreinte). Contestação A empresa contestou a ação alegando que não seria possível a sua condenação judicial, considerando que já existe no Código de Trânsito Brasileiro penalidade administrativa para quem trafega com excesso de peso, sendo a questão resolvida, portanto, no âmbito do direito administrativo sancionador. O STJ acolheu o pedido do MPF? SIM.

O tráfego de veículos com excesso de peso acarreta riscos no trânsito, aumentando, por consequência, os riscos à saúde e à segurança de todos. Justamente por isso, o Código de Trânsito proíbe o tráfego de veículos com peso acima do permitido. É prevista multa administrativa para quem descumpre essa regra. Vale ressaltar, no entanto, que, mesmo existindo multa administrativa, é possível que o Ministério Público ingresse com ação civil pública contra a transportadora de veículos que reiteradamente viola essa proibição. Nesta ação, é possível que o juiz condene a empresa a não mais trafegar com excesso de peso, sob pena de multa civil (astreinte), imposta como medida coercitiva. STJ. 2ª Turma. REsp 1.574.350-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 03/10/2017 (Info 643).

Vamos entender os argumentos invocados pelo STJ para fundamentar a decisão. Limite de peso e dimensões O CTB determina que existe um limite de peso e de tamanho para os veículos que trafegam nas vias terrestres. Esse limite é estabelecido pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN):

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Art. 99. Somente poderá transitar pelas vias terrestres o veículo cujo peso e dimensões atenderem aos limites estabelecidos pelo CONTRAN. § 1º O excesso de peso será aferido por equipamento de pesagem ou pela verificação de documento fiscal, na forma estabelecida pelo CONTRAN. (...)

O descumprimento dessa regra configura infração administrativa de trânsito, que enseja a aplicação das seguintes penalidades:

Art. 231. Transitar com o veículo: (...) V - com excesso de peso, admitido percentual de tolerância quando aferido por equipamento, na forma a ser estabelecida pelo CONTRAN: Infração - média; Penalidade - multa acrescida a cada duzentos quilogramas ou fração de excesso de peso apurado, constante na seguinte tabela: a) até seiscentos quilogramas - 5 (cinco) UFIR; b) de seiscentos e um a oitocentos quilogramas - 10 (dez) UFIR; c) de oitocentos e um a um mil quilogramas - 20 (vinte) UFIR; d) de um mil e um a três mil quilogramas - 30 (trinta) UFIR; e) de três mil e um a cinco mil quilogramas - 40 (quarenta) UFIR; f) acima de cinco mil e um quilogramas - 50 (cinquenta) UFIR; Medida administrativa - retenção do veículo e transbordo da carga excedente;

Infelizmente, contudo, observa-se, na prática, o descumprimento reiterado das normas de trânsito. Esse cenário faz com que o Brasil apresente altíssimo índice de mortes nas rodovias. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o Brasil é o quarto país, nas Américas, em que mais se mata em acidentes de trânsito, sendo o campeão de mortes, em proporção ao número de habitantes, na América do Sul. Distinção entre as esferas administrativa e judicial O art. 231, V, da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) possui natureza de sanção administrativa e não guarda identidade com a tutela inibitória veiculada em ação civil pública, em que se busca a cessação de flagrante e contumaz recalcitrância do réu em observar as exigências legais, fazendo-o por meio de multa pecuniária que incidirá em caso de eventual descumprimento da ordem judicial. Assim, não há, neste caso, bis in idem em caso de aplicação das sanções previstas para as esferas administrativa e judicial. A existência de penalidade ou outra medida administrativa não exclui a possibilidade e a necessidade de providência judicial com o intuito de proteger os mesmos direitos e deveres garantidos, em tese, pelo poder de polícia da Administração, seja com cumprimento forçado de obrigação de fazer ou de não fazer, seja com determinação de restaurar e indenizar eventuais danos materiais e morais causados ao indivíduo, à coletividade, às gerações futuras e a bens estatais. Desse modo, a multa civil (astreinte) não se confunde com multa administrativa. Tampouco caracteriza sanção judicial “adicional” ou “sobreposta” à aplicável pelo Estado-Administrador com base no seu poder de polícia. Além disso, a multa administrativa, como pena, destina-se a castigar fatos ilícitos pretéritos, enquanto a multa civil imposta pelo magistrado projeta-se para o futuro, de modo a assegurar a coercitividade e o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer. Responsabilidade civil por danos patrimoniais e morais coletivos O transporte com excesso de carga nos caminhões causa dano material e extrapatrimonial:

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• ao patrimônio público (deterioração das rodovias federais); • ao meio ambiente (traduzido em maior poluição do ar e gastos prematuros com novos materiais e serviços para a reconstrução do pavimento); • à saúde e segurança das pessoas (aumento do risco de acidentes, com feridos e mortos); e • à ordem econômica. Vale ressaltar que o dano moral coletivo, neste caso, é in re ipsa, ou seja, deriva do fato por si só. Dano moral coletivo O dano moral coletivo é o resultado da lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade. Ocorre quando a conduta praticada agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores normativos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva.

O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. STJ. 2ª Turma. Resp 1.410.698/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Dje 30/6/2015.

(...) 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. (...) STJ. 2ª Turma. REsp 1057274/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 01/12/2009.

Fato notório que tráfego de veículos com excesso de peso causa danos materiais às vias públicas É fato notório (art. 374, I, do CPC) que o tráfego de veículos com excesso de peso provoca sérios danos materiais às vias públicas, ocasionando definhamento da durabilidade e da vida útil da camada que reveste e dá estrutura ao pavimento e ao acostamento, o que resulta em buracos, fissuras, lombadas e depressões, imperfeições no escoamento da água, tudo a ampliar custos de manutenção e de recuperação, consumindo recursos públicos. Ademais, acelera a depreciação dos veículos que utilizam a malha viária, impactando, em particular, nas condições e desempenho do sistema de frenagem da frota do embarcador/expedidor. Além disso, afeta as condições gerais de segurança das vias e estradas, o que aumenta o número de acidentes, inclusive fatais. Em consequência, provoca dano moral coletivo consistente no agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos, prejuízo esse atrelado igualmente à redução dos níveis de fluidez do tráfego e de conforto dos usuários. Em suma:

Transportadora que constantemente descumpre o Código de Trânsito e trafega com seus veículos com cargas acima do peso permitido pode ser condenada ao pagamento de danos morais coletivos e danos materiais. O tráfego de veículos com excesso de peso gera responsabilidade civil em razão dos danos materiais às vias públicas e do dano moral coletivo consistente no agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos. Neste caso, além da condenação a pagar a indenização, a transportadora também poderá ser condenada a não mais trafegar com excesso de peso, sendo viável a aplicação de multa civil (astreinte), como medida coercitiva, mesmo que já tenham sido imputadas as multas administrativas previstas no CTB. STJ. 2ª Turma. REsp 1.574.350-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 03/10/2017 (Info 643).

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DIREITO PENAL

DOSIMETRIA DA PENA A existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar

o aumento da pena-base como personalidade voltada para o crime

Importante!!!

A existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o crime. Condenações transitadas em julgado não constituem fundamento idôneo para análise desfavorável da personalidade do agente. STJ. 5ª Turma. HC 466.746/PE, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 11/12/2018. STJ. 6ª Turma. HC 472.654-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/02/2019 (Info 643).

Sistema trifásico A etapa judicial adotou o sistema trifásico da dosimetria, conforme explicitado no item 51 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal e delineado no art. 68 do Código Penal. Assim, a dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico: 1º passo: o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP; 2º passo: o juiz aplica as agravantes e atenuantes; 3º passo: o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição. Este critério trifásico, elaborado por Nelson Hungria, foi adotado pelo Código Penal, sendo consagrado pela jurisprudência pátria: STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1021796/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/03/2013. Primeira fase (circunstâncias judiciais) Na primeira fase, as chamadas circunstâncias judiciais analisadas pelo juiz são as seguintes: a) culpabilidade, b) antecedentes, c) conduta social, d) personalidade do agente, e) motivos do crime, f) circunstâncias do crime, g) consequências do crime, h) comportamento da vítima. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João possui três condenações transitadas em julgado. Ele está agora sendo julgado pela prática de um quarto delito (crime 4). No momento da dosimetria da pena, o juiz aumentou a pena-base com base em duas circunstâncias judiciais: • Utilizo a condenação do crime 1 como maus antecedentes; • Os crimes 2 e 3 indicam que a personalidade do réu é voltada para o crime, devendo ser considerada negativamente. Houve erro na dosimetria da pena? SIM.

A existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o crime. Condenações transitadas em julgado não constituem fundamento idôneo para análise desfavorável da personalidade do agente. STJ. 5ª Turma. HC 466.746/PE, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 11/12/2018. STJ. 6ª Turma. HC 472.654-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/02/2019 (Info 643).

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O que é personalidade, para os fins do art. 59 do CP? Personalidade do agente é a síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Trata-se de um retrato psíquico do agente. A definição de personalidade do agente não encontra enquadramento em um conceito jurídico, em uma atividade de subsunção, devendo o magistrado voltar seu olhar não apenas à Ciência Jurídica. STJ. 6ª Turma. HC 420.344/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 02/08/2018. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 438.168/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 21/06/2018. Para que o magistrado faça a valoração da personalidade do agente, ele deverá se valer de perícia? É necessária a realização de um estudo técnico? NÃO.

A valoração da personalidade do agente na dosimetria da pena envolve o “sentir do julgador”, que tem contato com as provas, com os meandros do processo. Justamente por isso, não é necessária a realização de qualquer estudo técnico. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 438.168/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 21/06/2018.

Vale ressaltar, no entanto, que o juiz, para considerar como negativa a personalidade do agente, não pode fazer considerações vagas e genéricas. É necessário que o julgador aponte elementos concretos extraídos dos autos.

A valoração negativa da personalidade, embora possa prescindir de laudos técnicos de especialistas da área de saúde, exige uma análise ampla da índole do réu, do seu comportamento e do seu modo de vida, a demonstrar real periculosidade e perversidade. STJ. 6ª Turma. HC 285.186/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 15/12/2016.

A consideração desfavorável da personalidade do agente, portanto, deve ser aferida a partir do seu modo de agir, podendo-se avaliar a insensibilidade acentuada, a maldade, a desonestidade e a perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito. Sua aferição somente é possível se existirem, nos autos, elementos suficientes e que efetivamente possam levar o julgador a uma conclusão segura sobre a questão (Min. Laurita Vaz). Circunstâncias judiciais do art. 59 não se confundem entre si O legislador estabeleceu, no caput do art. 59 do Código Penal, oito vetores a serem considerados na primeira fase de aplicação da reprimenda, quais sejam: a culpabilidade; os antecedentes; a conduta social; a personalidade do agente; os motivos; as circunstâncias; as consequências do crime e o comportamento da vítima. O objetivo foi prever circunstâncias diversas e com regramentos próprios a serem valoradas pelo julgador – na mesma fase de dosimetria – de acordo com a situação fática posta em análise. Referidos vetores, portanto, não se confundem. Condenações anteriores se enquadram como “maus antecedentes” As condenações criminais anteriores transitadas em julgado são valoradas como “maus antecedentes”, conforme jurisprudência consolidada do STJ:

Uma vez existente condenação transitada em julgado por fato anterior ao cometimento do delito sub examine, mostra-se correta a conclusão pela existência de maus antecedentes. STJ. 6ª Turma. HC 399.029/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/06/2018.

O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo do que o da reincidência, abrange as condenações definitivas, por fato anterior ao delito, transitadas em julgado no curso da ação penal e as atingidas pelo

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período depurador, ressalvada casuística constatação de grande período de tempo ou pequena gravidade do fato prévio. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 924.174/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/12/2016.

Logo, não é possível que se queira utilizar as condenações anteriores para exasperar a pena com base na “personalidade do agente”. A exasperação da pena pela consideração desfavorável do vetor “personalidade” deve ser realizada com fundamentos próprios e diversos daquela relativa aos “antecedentes”. Isso porque, repita-se, o objetivo do legislador foi o de prever oito vetores que possuem conceitos diferentes e que não se confundem. Conduta social Sobre o tema acima, vale a pena relembrar também que:

Não é possível a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado como fundamento para negativar a conduta social. STF. 2ª Turma. RHC 130132, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/5/2016 (Info 825). STJ. 6ª Turma. REsp 1760972-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 08/11/2018 (Info 639).

Não confundir • Personalidade: análise da insensibilidade, desonestidade e modo de agir do criminoso. • Antecedentes: histórico criminal do agente (aqui entram as condenações anteriores definitivas). • Conduta social: representa o comportamento do agente no meio familiar, no ambiente de trabalho e no relacionamento com outros indivíduos.

DIREITO TRIBUTÁRIO

COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA Comprovação necessária para o MS impetrado objetivando

a declaração do direito à compensação tributária

Tratando-se de Mandado de Segurança impetrado com vistas a declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da exigência da exação, independentemente da apuração dos respectivos valores, é suficiente, para esse efeito, a comprovação de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário, visto que os comprovantes de recolhimento indevido serão exigidos posteriormente, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo Fisco. De outro lado, tratando-se de Mandado de Segurança com vistas a obter juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, com efetiva investigação da liquidez e certeza dos créditos, ou, ainda, na hipótese em que os efeitos da sentença supõem a efetiva homologação da compensação a ser realizada, o crédito do contribuinte depende de quantificação, de modo que a inexistência de comprovação cabal dos valores indevidamente recolhidos representa a ausência de prova pré-constituída indispensável à propositura da ação. STJ. 1ª Seção. REsp 1.715.256-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 13/02/2019 (recurso repetitivo) (Info 643).

COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA

O que é compensação? Compensação é a extinção de duas ou mais obrigações, cujos credores são ao mesmo tempo devedores um do outro.

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Assim, se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem (art. 368 do CC). Ex: João deve 10 mil reais a Pedro por conta de uma obrigação (contrato de compra e venda); por força de outra obrigação (contrato de prestação de serviços), Pedro deve 10 mil reais a João. No exemplo acima, a compensação foi total (as dívidas eram iguais). Mas é possível (e bem mais comum) que a compensação seja parcial (quando os valores são diferentes). Seria a hipótese caso Pedro devesse apenas 6 mil reais a João. Logo, somente restaria um crédito de 4 mil reais. É possível que ocorra a compensação no direito tributário? SIM. Ocorre quando o contribuinte possui um crédito a receber do Fisco, podendo ser feito o encontro de contas do valor que o sujeito passivo tem que pagar com a quantia que tem a receber da Administração. Trata-se de causa de extinção da obrigação tributária (art. 156, II do CTN). Vale ressaltar, no entanto, que, para que haja a compensação de créditos tributários, é indispensável que o ente tributante (União, Estados/DF, Municípios) edite uma lei estabelecendo as condições e garantias em que isso ocorre ou, então, delegando essa estipulação para uma autoridade administrativa. É o que está previsto no CTN:

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.

MS PARA DECLARAR O DIREITO À COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “X” recolheu indevidamente R$ 100 mil a título de COFINS (contribuição social de competência da União). Esta mesma empresa possui agora débitos com relação ao Imposto de Renda. A empresa formulou requerimento administrativo pedindo a compensação desse crédito com o débito, pedido que foi, contudo, negado sob o argumento de que são tributos de espécies diferentes. A empresa impetrou mandado de segurança contra esta decisão pedindo que seja reconhecido que é possível a compensação mesmo em se tratando de tributos diferentes e que se declare que ela tem direito à compensação. O mandado de segurança é instrumento processual adequado para veicular essa pretensão? SIM. Nesse sentido é o enunciado 213 do STJ:

Súmula 213-STJ: O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.

MS PARA CONVALIDAR COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA EFETUADA PELO CONTRIBUINTE

Imagine agora outra seguinte situação hipotética: A empresa “Y” possui um crédito de R$ 100 mil de ICMS. Esta empresa teria que pagar R$ 150 mil de ICMS no dia 10/03. Chegando na data do vencimento, ela recolheu apenas R$ 50 mil sob a alegação de que, como tinha um crédito de 100, precisaria pagar apenas 50. Em outras palavras, a empresa realizou, por conta própria, a compensação.

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O Fisco autuou a empresa, exigindo o pagamento da diferença não paga (R$ 50 mil), acrescida dos encargos legais. Diante disso, a contribuinte impetrou mandado de segurança pedindo que o Secretário de Fazenda se abstenha de exigir o recolhimento do imposto, em virtude da compensação realizada. O mandado de segurança é instrumento processual adequado para veicular essa pretensão? NÃO.

Súmula 460-STJ: É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte.

Existem dois fundamentos jurídicos para respaldar o entendimento desta súmula: a) para convalidar a compensação, seria necessária dilação probatória, o que é inviável em mandado de segurança; b) a tarefa de realizar a compensação tributária é da Administração Tributária, não podendo o contribuinte assumir o papel do Fisco. Isso porque compete à Administração fiscalizar a existência ou não de créditos a serem compensados, a exatidão dos números e documentos, do quantum a compensar e da conformidade do procedimento adotado com os termos da legislação pertinente. Nesse sentido:

(...) 1. É cabível a impetração do mandado de segurança visando a declaração ao direito à compensação tributária (Súmula 213/STJ). Todavia, essa ação não tem o condão de convalidar o procedimento compensatório efetuado pelo contribuinte, tendo em vista a necessidade de dilação probatória e por ser essa tarefa reservada à Autoridade Administrativa competente. 2. Na espécie, há pedido expresso na ação mandamental no sentido de que se reconheça válida a compensação efetuada pela contribuinte, por sua conta e risco, providência que não se coaduna com a via eleita, que não comporta a dilação probatória necessária para o reconhecimento do pleito. (...) STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 728.686/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 28/10/2008.

Conforme já explicou o Min. Luiz Fux:

(...) verifica-se dos autos que a compensação já foi efetuada pela contribuinte sponte propria, ressoando inconcebível que o Judiciário venha a obstaculizar o Fisco de fiscalizar a existência ou não de créditos a serem compensados, o procedimento e os valores a compensar, e a conformidade do procedimento adotado com os termos da legislação pertinente, sendo inadmissível provimento jurisdicional substitutivo da homologação da autoridade administrativa, que atribua eficácia extintiva, desde logo, à compensação efetuada. (...) (STJ. 1ª Seção. REsp 1124537/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/11/2009).

Em suma:

Súmula 212-STJ Súmula 213-STJ Súmula 460-STJ

A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória.

O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária.

É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte.

DOCUMENTOS QUE DEVEM SER JUNTADOS PELO AUTOR DO MS QUE PLEITEIA A DECLARAÇÃO DA COMPENSAÇÃO

Como se sabe, no mandado de segurança não existe dilação probatória. Desse modo, o impetrante deve apresentar, já na petição inicial, todos as provas pré-constituídas (documentos) que possam comprovar o seu direito líquido e certo.

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Quais documentos deverão ser juntados pelo impetrante no caso de MS no qual se busca a declaração do direito à compensação tributária? Depende da extensão do pedido. É possível identificarmos duas hipóteses: 1) O impetrante se limita a pedir para que seja reconhecido o direito à compensação, mas sem fazer considerações sobre os elementos concretos da compensação. 2) O impetrante, além da própria compensação, pede: a) um juízo sobre os elementos da própria compensação (exs: reconhecimento do indébito tributário que serve de base para a operação de compensação, acréscimos de juros e correção monetária sobre ele incidente, inexistência de prescrição do direito de compensar); ou b) outra medida executiva que tem como pressuposto a efetiva realização da compensação (exs: expedição de certidão negativa, suspensão da exigibilidade dos créditos tributários contra os quais se opera a compensação). Documentos exigidos na hipótese 1: Na primeira situação, que tem amparo na súmula 213 do STJ, a jurisprudência do STJ não exige que o impetrante traga prova pré-constituída dos elementos concretos da operação de compensação (ex: prova do valor do crédito que dá suporte à operação de compensação contra o Fisco), até porque o objeto da impetração não abrange juízo específico a respeito. A liquidez e certeza da compensação somente serão apuradas no futuro por meio do processo administrativo conduzido pela autoridade fazendária. Assim, se a pretensão é apenas a de ver reconhecido o direito de compensar, sem abranger juízo específico dos elementos da compensação ou se apurar o efetivo quantum dos recolhimentos realizados indevidamente, não cabe exigir do impetrante, credor tributário, a juntada das guias que comprovam a existência do indébito, pois essa providência somente será levada a termo no âmbito administrativo, quando será assegurada à autoridade fazendária a fiscalização e controle do procedimento compensatório. O que se exige do impetrante é apenas que prove a sua condição de credor tributário. Documentos exigidos nas situações expostas na hipótese 2: Nas situações em que a concessão da ordem envolve juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, ou em que os efeitos da sentença supõem a efetiva realização da compensação -, nesse caso, o reconhecimento da liquidez e certeza do direito afirmado depende necessariamente da comprovação dos elementos concretos da operação realizada ou que o impetrante pretende realizar. Assim, a prova dos recolhimentos indevidos será pressuposto indispensável à impetração, quando se postular juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, com efetiva investigação da liquidez e certeza dos créditos, ou, ainda, na hipótese em que os efeitos da sentença supõem a efetiva homologação da compensação a ser realizada. Foi o que já havia decidido o STJ no REsp 1.111.164-BA:

(...) 1. No que se refere a mandado de segurança sobre compensação tributária, a extensão do âmbito probatório está intimamente relacionada com os limites da pretensão nele deduzida. Tratando-se de impetração que se limita, com base na súmula 213/STJ, a ver reconhecido o direito de compensar (que tem como pressuposto um ato da autoridade de negar a compensabilidade), mas sem fazer juízo específico sobre os elementos concretos da própria compensação, a prova exigida é a da “condição de credora tributária” (ERESP 116.183/SP, 1ª Seção, Min. Adhemar Maciel, DJ de 27.04.1998). 2. Todavia, será indispensável prova pré-constituída específica quando, à declaração de compensabilidade, a impetração agrega (a) pedido de juízo sobre os elementos da própria compensação (v.g.: reconhecimento do indébito tributário que serve de base para a operação de compensação,

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acréscimos de juros e correção monetária sobre ele incidente, inexistência de prescrição do direito de compensar), ou (b) pedido de outra medida executiva que tem como pressuposto a efetiva realização da compensação (v.g.: expedição de certidão negativa, suspensão da exigibilidade dos créditos tributários contra os quais se opera a compensação). Nesse caso, o reconhecimento da liquidez e certeza do direito afirmado depende necessariamente da comprovação dos elementos concretos da operação realizada ou que o impetrante pretende realizar. Precedentes da 1ª Seção (EREsp 903.367/SP, Min. Denise Arruda, DJe de 22.09.2008) e das Turmas que a compõem. (...) STJ. 1ª Seção. REsp 1111164/BA, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 13/05/2009 (recurso repetitivo) (Tese 118).

O STJ decidiu reiterar o entendimento exposto no REsp 1111164/BA, mas explicando melhor a tese fixada:

Tratando-se de Mandado de Segurança impetrado com vistas a declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da exigência da exação, independentemente da apuração dos respectivos valores, é suficiente, para esse efeito, a comprovação de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário, visto que os comprovantes de recolhimento indevido serão exigidos posteriormente, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo Fisco. De outro lado, tratando-se de Mandado de Segurança com vistas a obter juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, com efetiva investigação da liquidez e certeza dos créditos, ou, ainda, na hipótese em que os efeitos da sentença supõem a efetiva homologação da compensação a ser realizada, o crédito do contribuinte depende de quantificação, de modo que a inexistência de comprovação cabal dos valores indevidamente recolhidos representa a ausência de prova pré-constituída indispensável à propositura da ação. STJ. 1ª Seção. REsp 1.715.256-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 13/02/2019 (recurso repetitivo) (Info 643).

Mandado de segurança para obter a declaração do direito à compensação

Autor impetra o MS apenas para declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da exigência da exação. Não se está pedindo a apuração dos respectivos valores.

Será suficiente a comprovação de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário. Não se exige os comprovantes de recolhimento indevido porque estes deverão ser apresentados apenas depois, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo Fisco.

Autor impetra o MS com objetivo de obter juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, com efetiva investigação da liquidez e certeza dos créditos.

O autor terá que demonstrar também os valores indevidamente recolhidos. A inexistência de comprovação cabal dos valores indevidamente recolhidos representa a ausência de prova pré-constituída indispensável à propositura da ação.

Autor impetra MS para reconhecer o direito à compensação, mas os efeitos da sentença supõem a efetiva homologação da compensação a ser realizada (o crédito do contribuinte depende de quantificação).

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PROTESTO DE CDA É possível o protesto de CDA

Importante!!!

A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997, com a redação dada pela Lei nº 12.767/2012. STJ. 1ª Seção. REsp 1.686.659-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/11/2018 (recurso repetitivo) (Info 643).

Veja comentários em Direito Notarial e Registral.

DIREITO ADUANEIRO O termo inicial para fins de multa e juros moratórios que decorrem da não exportação de

produtos que foram isentos do recolhimento de tributos em razão do Drawback-suspensão é a data em que se encerra a condição suspensiva

No regime especial Drawback-suspensão, o termo inicial para fins de multa e juros moratórios será o 31º dia do inadimplemento do compromisso de exportar, ou seja, quando escoado o prazo da suspensão.

Antes disso, o contribuinte não está em mora, em razão do seu prazo de graça.

Assim, somente a partir do 31º dia ocorre a mora do contribuinte em razão do descumprimento da norma tributária a qual determina o pagamento do tributo no regime especial até 30 dias da imposição de exportar.

Ex: empresa importou peças e tinha 1 ano para exportar as máquinas fabricadas com essa matéria-prima. Depois que esgotado o prazo de 1 ano, se a empresa não tiver exportado as máquinas, terá 30 dias para pagar o imposto de importação que estava suspenso. Enquanto não esgotado esse prazo, não há mora (não são devidos juros nem multa).

STJ. 1ª Turma. REsp 1.310.141-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 26/02/2019 (Info 643).

Drawback Drawback é uma palavra de origem inglesa, cuja tradução literal seria algo como “arrastar de volta”. Trata-se de uma operação pela qual o contribuinte se compromete a importar a mercadoria, beneficiá-la e, depois, mandá-la de volta ao exterior (exportá-la). Nas palavras do Min. João Otávio de Noronha, “drawback” é a operação mediante a qual o contribuinte, para fazer jus a incentivos fiscais, importa mercadoria com o compromisso de exportá-la após o beneficiamento (STJ REsp 385634/BA). Com a maestria de quem conhece muito sobre o assunto, a Min. Regina Helena Costa explica em que consiste o drawback:

“O drawback constitui um regime aduaneiro especial, que pode apresentar-se em três modalidades - isenção, suspensão e restituição de tributos - e é classificado como incentivo à exportação, nos termos dos arts. 1º, I, da Lei nº 8.402/92 e 383, caput, do Decreto nº 6.759/09. O incentivo consubstancia-se na desoneração do processo de produção o que acaba tornando a subsequente mercadoria nacional mais competitiva no mercado global.” (STJ REsp 1313705/PR).

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Exemplo: uma indústria de automóveis importa matérias-primas, fabrica carros no Brasil e os revende para o exterior. Para o Brasil, isso é algo produtivo, considerando que favorece a balança comercial, já que houve o ingresso de uma mercadoria que será em seguida reenviada para o exterior com um valor maior em razão do melhoramento do produto (agregou-se valor à mercadoria que será exportada). Com isso, em tese, mais divisas ficam no país, gerando aqui emprego e renda. Diante desse cenário, o país incentiva a referida operação, concedendo benefícios fiscais para o contribuinte que se compromete a realizar o drawback. Modalidades Existem três modalidades de drawback:

MODALIDADES DE DRAWBACK

ISENÇÃO SUSPENSÃO RESTITUIÇÃO

Consiste na concessão de isenção dos tributos que incidem na importação das mercadorias que serão utilizadas na industrialização do produto a ser exportado.

É a suspensão dos tributos incidentes na importação de mercadoria a ser utilizada na industrialização de produto que deve ser exportado. As obrigações tributárias ficam suspensas por determinado prazo e, caso não ocorra a comprovação das exportações nos termos e condições previstos na legislação, os tributos suspensos deverão ser recolhidos com os devidos acréscimos legais.

É a devolução, em forma de créditos, do valor dos tributos pagos na importação de insumo importado utilizado em produto exportado.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: A empresa TRUTY Indústria e Comércio Ltda. fabrica máquinas industriais que são exportadas para outros países da América Latina. Esta empresa importou centenas de peças que seriam utilizadas na fabricação das máquinas. A empresa pediu que as referidas peças fossem incluídas no regime especial do drawback suspensão e que ela não tivesse que pagar os tributos inerentes à sua importação, considerando que elas seriam utilizadas na fabricação das máquinas a serem exportadas. A Receita Federal deferiu o pedido em 30/10/2010, determinando, no ato concessório, que as máquinas deveriam ser exportadas no prazo máximo de 1 ano, ou seja, até 30/10/2011. As peças importadas foram utilizadas para a fabricação de 10 máquinas. Dessas 10, a empresa conseguiu exportar apenas 7, ficando 3 em seu estoque. Diante disso, em 09/11/2011, a empresa pagou o imposto de importação referente às peças utilizadas nas 3 máquinas que não foram exportadas. A Receita Federal, contudo, afirmou que a empresa deveria pagar também, além do imposto de importação, juros e multa que deveriam ser contados desde a data em que houve a importação, ou seja, desde 2010. A tese da Receita Federal foi aceita pelo STJ? NÃO. Drawback suspensão Drawback suspensão é o regime aduaneiro especial que permite a importação de insumos sem a incidência do Imposto de Importação (mediante a suspensão da exigibilidade desse crédito tributário), condicionada à exportação desses bens, conforme previsto no art. 71 do DL 37/1966 e atualmente disciplinado no art. 383 do Decreto 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro):

Art. 383. O regime de drawback é considerado incentivo à exportação, e pode ser aplicado nas seguintes modalidades:

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I - suspensão - permite a suspensão do pagamento do Imposto de Importação, do Imposto sobre Produtos Industrializados, da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS, da Contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, na importação, de forma combinada ou não com a aquisição no mercado interno, de mercadoria para emprego ou consumo na industrialização de produto a ser exportado (Lei nº 11.945, de 4 de junho de 2009, art. 12, caput); (...)

Fato gerador O fato gerador do imposto de importação ocorreu com o desembaraço aduaneiro das peças que futuramente seriam destinadas à exportação. Neste momento, surgiu, teoricamente, a obrigação tributária do imposto de importação. Isenção tributária (exclusão do crédito tributário) O Drawback-suspensão consiste em verdadeira espécie de isenção tributária condicional. A isenção condicionada é aquela que exige do sujeito passivo algum tipo de contrapartida para gozar do benefício legal, ou seja, respeitadas as condições impostas por Lei, o crédito tributário nem sequer é constituído por imposição legal. Assim, o regime especial Drawback-suspensão em um primeiro momento é concedido a título precário e, só após a ocorrência da condição - com a exportação dos produtos finais elaborados a partir dos insumos importados - se torna definitiva a isenção, impedindo o lançamento e, por conseguinte, deixando de constituir o crédito tributário. Nesse sentido, o regime especial Drawback, na modalidade suspensão, é, de fato, verdadeira causa de exclusão do crédito tributário. A empresa não incidiu em mora Em nosso exemplo, a empresa pagou o imposto de importação cerca de 10 dias depois de expirado o prazo de 1 ano que ela tinha para exportar as máquinas. Isso significa que ela não incidiu em mora porque atendeu aquilo que prevê o art. 390 do Decreto nº 6.759/2009:

Art. 390. As mercadorias admitidas no regime que, no todo ou em parte, deixarem de ser empregadas no processo produtivo de bens, conforme estabelecido no ato concessório, ou que sejam empregadas em desacordo com este, ficam sujeitas aos seguintes procedimentos: I - no caso de inadimplemento do compromisso de exportar, em até trinta dias do prazo fixado para exportação: a) devolução ao exterior; b) destruição, sob controle aduaneiro, às expensas do interessado; c) destinação para consumo das mercadorias remanescentes, com o pagamento dos tributos suspensos e dos acréscimos legais devidos; ou d) entrega à Fazenda Nacional, livres de quaisquer despesas e ônus, desde que a autoridade aduaneira concorde em recebê-las; (...)

Conforme já apontado, no regime Drawback-suspensão, embora o fato gerador ocorra no momento da importação, os tributos não são devidos desde logo, pois a obrigação tributária fica sujeito à condição, para posterior lançamento e constituição do crédito tributário. Somente depois de resolvida a condição o contribuinte pode: a) devolver as mercadorias ao exterior; b) destruir a mercadoria importada sob fiscalização da autoridade aduaneira; ou c) finalizar a importação com o recolhimento dos tributos no prazo de 30 dias com os acréscimos legais devidos.

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Informativo 643-STJ (29/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 66

A multa moratória tributária consiste em sanção imposta ao contribuinte em decorrência do inadimplemento, ou seja, do não recolhimento do tributo no prazo devido no Drawback-suspensão, não podendo se cogitar de infração, por parte do contribuinte, durante o prazo da suspensão. Esse mesmo tratamento jurídico deve ser estendido para os juros moratórios. O que significa “acréscimos legais devidos” previsto no art. 390, I, “c”, do Decreto nº 6.759/2009? Seriam os juros e multa? NÃO. O termo “acréscimos legais devidos” diz respeito, exclusivamente, à correção monetária do valor do tributo devido, com o intuito de compensar a perda do valor econômico da moeda perante à inflação. Os juros de mora e a multa moratória ocorrem somente com o não cumprimento da obrigação tributária no prazo estabelecido pela legislação a partir do trigésimo primeiro dia do inadimplemento do compromisso de exportar. Em suma:

No regime especial Drawback-suspensão, o termo inicial para fins de multa e juros moratórios será o 31º dia do inadimplemento do compromisso de exportar, ou seja, quando escoado o prazo da suspensão. Antes disso, o contribuinte não está em mora, em razão do seu prazo de graça. Assim, somente a partir do 31º dia ocorre a mora do contribuinte em razão do descumprimento da norma tributária a qual determina o pagamento do tributo no regime especial até 30 dias da imposição de exportar. STJ. 1ª Turma. REsp 1.310.141-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 26/02/2019 (Info 643).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

DECADÊNCIA O prazo decadencial de 10 anos (art. 103 da Lei 8.213/91) aplica-se para o requerimento de

benefício previdenciário mais vantajoso, cujo direito fora adquirido em data anterior à implementação do benefício previdenciário ora em manutenção

Importante!!!

Incide o prazo decadencial previsto no caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91 para reconhecimento do direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso. No âmbito da previdência social, é garantido ao segurado o direito adquirido sempre que, preenchidos os requisitos para o gozo de determinado benefício, lei posterior o revogue, estabeleça requisitos mais rigorosos para a sua concessão ou, ainda, imponha critérios de cálculo menos favoráveis a ele. O direito de pleitear o benefício mais vantajoso e que não foi garantido no momento da concessão do benefício atual, deve ser exercido por seu titular no prazo decadencial de 10 anos. Isso porque o reconhecimento do direito adquirido ao benefício mais vantajoso equipara-se ao ato revisional e, por isso, está submetido ao regramento legal. STJ. 1ª Seção. REsp 1.612.818-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 13/02/2019 (recurso repetitivo) (Info 643).

AÇÃO REVISIONAL E DECADÊNCIA

Imagine a seguinte situação hipotética: O INSS concedeu a João determinado benefício previdenciário.

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Informativo 643-STJ (29/03/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 67

Ocorre que João entende que o valor do benefício concedido foi menor do que teria direito. João procurou o INSS e requereu o aumento do valor de seu benefício, o que foi negado administrativamente. Inconformado, João quer ingressar com uma ação judicial para aumentar o valor de seu benefício.

Qual ação João poderá propor? Ação ordinária de revisão de benefício previdenciário.

Esta ação possui prazo? Sim, o prazo é de 10 anos.

Qual é a natureza desse prazo? Trata-se de prazo decadencial.

A partir de quando é contado esse prazo? Esse prazo de 10 anos tem início no dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Vejamos a redação atual do art. 103 da Lei nº 8.213/91:

Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº

10.839, de 2004)

Esse prazo decadencial nem sempre existiu. Vejamos um histórico sobre o tema: • Antes da MP 1.523-9/97 (28/06/1997): não havia prazo para a ação de revisão de benefício previdenciário, que, portanto, podia ser ajuizada a qualquer tempo. • Depois da MP 1.523-9/97 (convertida na Lei nº 9.528/97): foi fixado o prazo decadencial de 10 anos para a revisão do benefício previdenciário. • Com a MP 1.663-15/98 (convertida na Lei nº 9.711/98): o prazo decadencial para revisão foi reduzido para 5 anos. • Com a MP 138/2003, de 20.11.2003 (convertida na Lei nº 10.839/2004): o prazo decadencial para revisão voltou a ser de 10 anos. Desse modo, repita-se: antes da MP 1.523-9/97 (28/06/1997), não havia prazo para ajuizar ação de revisão de benefícios previdenciários. Diante dessa constatação, indaga-se: o prazo de 10 anos de decadência, fixado pela MP 1.523-9/97 (28/06/1997), aplica-se aos benefícios concedidos em data anterior à sua vigência? Em outras palavras, se o benefício foi concedido antes da MP 1.523-9/97 (28/06/1997), haverá prazo máximo de 10 anos para revisão ou não haverá qualquer prazo? Haverá prazo máximo de 10 anos, contados da edição da MP 1.523-9/97 (28/06/1997). Ex: Antônio recebeu benefício previdenciário em 01/05/1990. Na época em que Antônio recebeu o benefício ainda não havia prazo decadencial para ajuizar ação de revisão de benefício previdenciário (foi antes da MP 1.523-9/97). Logo, Antônio poderia ajuizar a ação de revisão a qualquer tempo. Em 28/06/1997 entrou em vigor a MP 1.523-9/97 fixando prazo de 10 anos para a revisão.

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Essa MP irá influenciar em eventual ação de revisão do benefício proposta por Antônio? SIM. A partir da vigência da MP (28/06/1997), Antônio terá um prazo decadencial de 10 anos para ajuizar eventual ação de revisão de seu benefício. Logo, nesse exemplo, Antônio poderia ajuizar ação de revisão até 28/06/2007. Esse foi o entendimento da Primeira Seção do STJ no REsp 1.309.529-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/11/2012 (recurso repetitivo). O STF também comunga do mesmo entendimento:

(...) 1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário. 3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição. 4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência. (...) STF. Plenário. RE 626489, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 16/10/2013 (repercussão geral) (Info 724).

Recapitulando: Foram muitas informações. Vamos resumi-las: • A lei prevê um prazo decadencial de 10 anos para a propositura de ação de revisão de benefício previdenciário (art. 103 da Lei nº 8.213/91); • Esse prazo decadencial de 10 anos foi instituído em 28/06/1997, pela MP 1.523-9/97. Antes desta MP, não havia prazo para a revisão dos benefícios; • Se um benefício foi concedido antes da MP 1.523-9/97 (28/06/1997), a revisão desse benefício também se sujeita ao prazo decadencial de 10 anos. Porém, esse prazo de 10 anos teve início não na data em que o benefício foi concedido, mas no dia 28/06/1997, data em que entrou em vigor a MP 1.523-9/97; • Dessa forma, as pessoas cujos benefícios previdenciários foram concedidos até 28/06/1997 (data da MP 1.523-9/97), se desejavam a revisão do benefício, tiveram que ingressar com a ação até 28/06/2007 (10 anos após a MP). Após esse prazo, houve a decadência do direito; • O STF também comunga desse entendimento. Para a Corte, não existe direito adquirido à inexistência de prazo decadencial para fins de revisão de benefício previdenciário, ou seja, mesmo para as pessoas que tiveram benefícios concedidos antes da MP 1.523-9/97 vale o lapso decadencial de 10 anos, que será contado a partir da vigência da referida medida provisória. Situação peculiar 1: superveniência de sentença trabalhista Se, após o ato de concessão do benefício previdenciário, houve a prolação de sentença trabalhista reconhecendo novos vínculos de trabalho, o prazo de decadência de 10 anos para revisão desse benefício não será contado do dia da concessão, mas sim da data em que transitou em julgado a sentença trabalhista:

Na hipótese de existir reclamação trabalhista em que se identificam parcelas remuneratórias o STJ reconhece que o prazo de decadência do direito à revisão do ato de concessão do benefício flui a partir do trânsito da sentença trabalhista. STJ. 2ª Turma. REsp 1759178/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/09/2018.

Situação peculiar 2: adequação do benefício às Emendas Constitucionais 20/98 e 41/2003 O STJ possui o entendimento de que não há decadência em caso de pedido formulado pelo segurado para adequar seu benefício aos tetos constitucionais das Emendas Constitucionais 20/98 e 41/2003:

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(...) 1. O prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei 8.213/1991 aplica-se somente aos casos em que o segurado busca a revisão do ato de concessão do benefício previdenciário. 2. Por conseguinte, não incide a decadência prevista no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 nas pretensões de aplicação dos tetos das Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003 a benefícios previdenciários concedidos antes dos citados marcos legais, pois consubstanciam mera revisão das prestações supervenientes ao ato de concessão. 3. A Instrução Normativa INSS/PRES 45, de 6 de agosto de 2010, corrobora tal entendimento: “art. 436. Não se aplicam às revisões de reajustamento e às estabelecidas em dispositivo legal, os prazos de decadência de que tratam os arts. 103 e 103-A da Lei 8.213, de 1991”. 4. Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 564.354/SE, submetido à sistemática da repercussão geral, nos termos art. 543-B, § 3º, do CPC, afirmou que "não ofende o ato jurídico perfeito a aplicação imediata do art. 14 da Emenda Constitucional n. 20/1998 e do art. 5º da Emenda Constitucional n. 41/2003 aos benefícios previdenciários limitados a teto do regime geral de previdência estabelecido antes da vigência dessas normas, de modo a que passem a observar o novo teto constitucional" 5. Embargos de Declaração acolhidos, sem efeitos infringentes, apenas para prestar esclarecimentos. STJ. 2ª Turma. EDcl no AgRg no REsp 1444992/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/04/2015.

DECADÊNCIA E DIREITO ADQUIRIDO AO MELHOR BENEFÍCIO

Direito adquirido ao melhor benefício O segurado do Regime Geral de Previdência Social (INSS) tem direito adquirido a benefício calculado de modo mais vantajoso, sob a vigência da mesma lei, consideradas todas as datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos para a aposentadoria. Ex: Pedro (segurado do INSS) requereu sua aposentadoria em 1980, após 34 anos de serviço. No entanto, desde 1976, ele já poderia ter obtido o benefício, mesmo tendo optado por continuar na ativa. Logo, no momento do cálculo do valor da aposentadoria, o segurado terá direito de ver o seu benefício deferido de modo que corresponda à maior renda mensal inicial (RMI) possível na comparação entre todas aquelas possíveis no período entre 1976 a 1980. Em outras palavras, se em 1978, a lei assegurava a Pedro uma RMI melhor que a de 1980, o INSS, no momento de calcular a aposentadoria, deverá considerar a RMI de 1978 (e não a de 1980). Foi isso que decidiu o STF:

Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais. STF. Plenário. RE 630501, Rel. Min. Ellen Gracie, Relator p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 21/02/2013.

Assim, o STF garantiu a possibilidade de os segurados verem seus benefícios deferidos ou revisados de modo que correspondam à maior renda mensal inicial (RMI) possível no cotejo entre aquela obtida e as rendas mensais que estariam percebendo na mesma data caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria proporcional, com efeitos financeiros a contar do desligamento do emprego ou da data de entrada do requerimento, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas. Logo, se ficar demonstrado que o valor da RMI de João era maior se calculada com base no ano de 1978, ele terá direito a esse cálculo, mesmo tendo se aposentado somente em 1980. Isso se justifica porque, uma vez incorporado o direito à aposentação ao patrimônio do segurado, sua permanência na ativa não pode prejudicá-lo. Ao não exercer seu direito assim que cumpridos os requisitos mínimos para tanto, o segurado deixaria de perceber o benefício mensal desde já e ainda prosseguiria contribuindo para o sistema. Dessa feita, não faria sentido que, ao requerer o mesmo benefício posteriormente (aposentadoria), o valor da sua RMI fosse inferior àquele que já poderia ter obtido.

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Assim, para se apurar o direito adquirido ao melhor benefício, recalcula-se o benefício fazendo retroagir hipoteticamente a data do início do benefício à data em que já teria sido possível exercer o direito à aposentadoria. Os pagamentos é que não retroagem à nova data de início do benefício, pois dependentes do exercício do direito. Logo, em nosso exemplo, o benefício seria recalculado com base na RMI do ano de 1978, sendo que os pagamentos seriam feitos, contudo, somente a partir de 1980 (quando houve o requerimento). Esse entendimento continua sendo aplicado pela jurisprudência:

O acórdão do Tribunal de origem está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício, ainda que sob a vigência de uma mesma lei, teria o segurado direito a eleger o benefício mais vantajoso. STF. 1ª Turma. RE 1156918 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/10/2018.

O autor argumentou que, quando o segurado solicita administrativamente um benefício previdenciário, é dever do INSS “conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar” o segurado nesse sentido (art. 687 da Instrução Normativa 77/2015 do INSS). No mesmo sentido é o Enunciado 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social: “a Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido”. Voltemos ao exemplo de Pedro acima: Pedro requereu sua aposentadoria em 1980. No entanto, desde 1976 ele já poderia ter obtido o benefício. Em 1980, ou seja, mesmo ano que pediu, o INSS concedeu a aposentadoria de Pedro com base na RMI calculada em 1980. Ocorre que, em 1978, a lei assegurava a Pedro uma RMI melhor que a de 1980. Pedro só se deu conta disso muitos anos depois, ao conversar com advogado. Assim, em 2008, Pedro ajuizou ação pedindo para que sua aposentadoria fosse recalculada com base na RMI de 1978 (e não na de 1980, como foi feito). Como fundamento para o pedido, ele invocou a teoria do direito adquirido ao melhor benefício, acima explicada. Em contestação, o INSS suscitou a decadência, afirmando que Pedro deveria ter ajuizado a ação até 28/06/2007 (10 anos após a MP 1.523-9/97). A tese do INSS é aceita pela jurisprudência? O reconhecimento do direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso implica revisão do benefício em manutenção, submetendo-se ao prazo decadencial do caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91? SIM.

Incide o prazo decadencial previsto no caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91 para reconhecimento do direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso. STJ. 1ª Seção. REsp 1.612.818-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 13/02/2019 (recurso repetitivo) (Info 643).

A decadência justifica-se como respeito ao erário, ao dinheiro público, como ele é gasto, evitando descompasso nas contas da previdência social. Se há, realmente, um direito ao melhor benefício de aposentadoria, esse direito deve ser exercido em 10 anos, considerando que o reconhecimento do direito adquirido ao melhor benefício equipara-se à revisão, quando já em manutenção na vida do trabalhador segurado uma aposentadoria. O segurado tem, portanto, 10 anos para aferir a viabilidade de alteração do seu ato de concessão de aposentadoria, após o qual caducará o direito adquirido ao melhor benefício.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) O militar temporário não estável, considerado incapaz apenas para o serviço militar, somente terá direito

à reforma ex officio se comprovar o nexo de causalidade entre a moléstia sofrida e a prestação das atividades militares. ( )

2) A legislação municipal pode reduzir o patamar mínimo de proteção marginal dos cursos d'água, em toda sua extensão, fixado pelo Código Florestal. ( )

3) Explique em que consiste a chamada Justiça Multiportas. 4) Configura abuso de direito a denúncia imotivada pelo cliente de contrato de prestação de serviços

advocatícios firmado com cláusula de êxito antes do resultado final do processo, salvo quando houver estipulação contratual que a autorize ou quando ocorrer fato superveniente que a justifique. Neste caso, o advogado deverá receber integralmente o valor do êxito. ( )

5) A incapacidade superveniente de uma das partes, após a decretação do divórcio, tem o condão de alterar a competência funcional do juízo prevento. ( )

6) A Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da CDA, documento de dívida, na forma do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 9.492/1997, com a redação dada pela Lei nº 12.767/2012. ( )

7) O interessado deverá ser intimado para a realização do preparo recursal nas hipóteses de indeferimento ou de não processamento do pedido de gratuidade da justiça. ( )

8) (Juiz Federal TRF2 2018) A gratuidade da justiça não compreende: A) Os emolumentos devidos a notários ou registradores. B) as despesas com a realização de exame de código genético - DNA. C) A dispensa da publicação em outros meios que não oficiais. D) Os honorários do advogado. E) As obrigações decorrentes da sucumbência, que ficarão sob condição suspensiva.

9) É vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF. ( )

10) É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. ( )

11) A decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, II, do CPC/2015. ( )

12) (PGE/AP FCC 2018) O advogado José de Oliveira ajuíza ação sem procuração outorgada pelo autor, alegando urgência na tutela postulada, reintegratória na posse de imóvel. Essa conduta é A) vedada, no caso, pois a ação reintegratória dependerá necessariamente de audiência prévia de justificação, não podendo pois ser considerada urgente. B) vedada, pois só se permite o ingresso em juízo sem procuração para evitar preclusão, decadência ou prescrição do direito do autor. C) permitida, mas José de Oliveira deverá prestar caução nos autos, em nome do autor, e exibir a procuração nos autos no prazo improrrogável de vinte dias. D) permitida, mas José de Oliveira deverá, independentemente de caução, exibir a procuração no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período por despacho do juiz. E) vedada, pois a procuração é requisito indispensável ao ajuizamento da demanda, o que não comporta exceções.

13) Inexiste reciprocidade das obrigações ou de bilateralidade de créditos (pressupostos do instituto da compensação, art. 368 do Código Civil), o que implica a impossibilidade de se compensarem os honorários fixados em embargos à execução com aqueles fixados na própria ação de execução. ( )

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14) É necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133 do CPC/2015) no processo de execução fiscal no caso em que a Fazenda Pública exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o Fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os arts. 134 e 135 do CTN. ( )

15) Não é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora para o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico, mas que não foi identificada no ato de lançamento (Certidão de Dívida Ativa) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN. ( )

16) (MP/PB 2018 FCC) Em relação ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, A) o incidente de desconsideração é cabível até o final do processo de conhecimento, mas não na execução fundada em título executivo extrajudicial, pela presunção de liquidez e certeza de que este goza. B) dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. C) instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será intimado para impugná-lo em dez dias, requerendo as provas pertinentes, se for o caso. D) concluída a instrução do incidente, se necessária, o incidente será resolvido por sentença, da qual caberá apelação. E) acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será anulável em relação ao requerente.

17) (PGE/AP 2018 FCC) No tocante ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, considere os

enunciados seguintes: I. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. II. A instauração do incidente dar-se-á mesmo que a desconsideração da personalidade jurídica tenha sido requerida na petição inicial, em respeito ao contraditório e à ampla defesa. III. Concluída a instauração no incidente instaurado, será ele resolvido por meio de sentença. IV. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. Está correto o que se afirma APENAS em A) II e IV. B) I e IV. C) I, II e IV. D) II, III e IV. E) I, II e III.

18) (MP/MS 2018) O incidente de desconsideração da personalidade jurídica não suspende o processo e não pode ser instaurado na execução fundada em título executivo extrajudicial ou no cumprimento da sentença. ( )

19) (DPE/PE 2018 CESPE) Beatriz ajuizou ação de cobrança contra determinada empresa. Paralelamente, por petição simples, ela instaurou, contra a mesma empresa, incidente de desconsideração da personalidade jurídica contemporânea e em apenso à petição inicial. No âmbito da ação de cobrança, foi julgado procedente o pedido de desconsideração da personalidade jurídica que havia sido formulado. Com relação ao incidente referido na situação hipotética, assinale a opção correta. A) A alienação de bens será sempre ineficaz em relação à Beatriz, bastando, para tanto, que o seu pedido do referido incidente seja julgado procedente. B) Como o referido incidente foi instaurado paralelamente à inicial, dispensa-se a comunicação ao distribuidor.

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C) Seria dispensável a instauração do referido incidente caso a desconsideração tivesse sido requerida na petição inicial da ação de cobrança. D) A instauração do referido incidente não provoca, em nenhuma hipótese legal, a suspensão do processo. E) Contra a decisão que julgará o referido incidente, caberá agravo interno.

20) (MPE GO 2016 banca própria) Segundo o Código de Processo Civil, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se aplica ao processo de competência dos juizados especiais, tendo em vista o princípio da celeridade processual. ( )

21) O tráfego de veículos com excesso de peso gera responsabilidade civil em razão dos danos materiais às vias públicas e do dano moral coletivo consistente no agravamento dos riscos à saúde e à segurança de todos. ( )

22) A existência de condenações definitivas anteriores pode ser utilizada para fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o crime. ( )

23) Tratando-se de Mandado de Segurança impetrado com vistas a declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da exigência da exação, independentemente da apuração dos respectivos valores, é suficiente, para esse efeito, a comprovação de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário, visto que os comprovantes de recolhimento indevido serão exigidos posteriormente, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo Fisco. ( )

24) O termo inicial para fins de multa e juros moratórios que decorrem da não exportação de produtos que foram isentos do recolhimento de tributos em razão do Drawback-suspensão é a data em que se encerra a condição suspensiva. ( )

25) Não incide o prazo decadencial previsto no caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91 para reconhecimento do direito adquirido ao benefício previdenciário mais vantajoso. ( )

Gabarito

1. C 2. E 3. - 4. E 5. E 6. C 7. C 8. Letra E 9. C 10. C

11. C 12. Letra D 13. C 14. E 15. E 16. Letra B 17. Letra B 18. E 19. Letra C 20. E

21. C 22. E 23. C 24. C 25. E