Informativo comentado: Informativo 954-STFInformativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes...

15
Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 954-STF Márcio André Lopes Cavalcante Julgamentos que ainda não foram concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: HC 166373/PR; ADI 6032 MC-Ref/DF; HC 150343/DF; Rcl 32970 AgR/RJ. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS Em regra, a competência para dar nome a logradouros públicos é do Prefeito, por meio de decreto; contudo, a lei orgânica poderá prever essa competência também para a Câmara Municipal, por meio de lei, desde que não exclua a do Prefeito. ADVOCACIA PÚBLICA O art. 132 da CF/88 confere à PGE atribuição para a consultoria jurídica e a representação judicial apenas no que se refere à administração pública direta, autárquica e fundacional. TEMAS DIVERSOS É formalmente inconstitucional resolução do Senado que autoriza que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios transfiram a cobrança de suas dívidas ativas a instituições financeiras. DIREITO PENAL CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL Homem que beijou criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca (beijo lascivo) praticou estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), não sendo possível a desclassificação para a contravenção penal de molestamento (art. 65 do DL 3.668/41). DIREITO TRIBUTÁRIO DÍVIDA ATIVA É formalmente inconstitucional resolução do Senado que autoriza que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios transfiram a cobrança de suas dívidas ativas a instituições financeiras. DIREITO CONSTITUCIONAL COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS Em regra, a competência para dar nome a logradouros públicos é do Prefeito, por meio de decreto; contudo, a lei orgânica poderá prever essa competência também para a Câmara Municipal, por meio de lei, desde que não exclua a do Prefeito A Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP previu que cabe à Câmara Municipal legislar sobre “denominação de próprios, vias e logradouros públicos” (art. 33, XII). O STF afirmou que se deve realizar uma interpretação conforme a Constituição Federal para o fim de reconhecer que existe, no caso, uma coabitação normativa entre os Poderes Executivo

Transcript of Informativo comentado: Informativo 954-STFInformativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes...

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 954-STF

Márcio André Lopes Cavalcante Julgamentos que ainda não foram concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: HC 166373/PR; ADI 6032 MC-Ref/DF; HC 150343/DF; Rcl 32970 AgR/RJ.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS ▪ Em regra, a competência para dar nome a logradouros públicos é do Prefeito, por meio de decreto; contudo, a lei

orgânica poderá prever essa competência também para a Câmara Municipal, por meio de lei, desde que não exclua a do Prefeito.

ADVOCACIA PÚBLICA ▪ O art. 132 da CF/88 confere à PGE atribuição para a consultoria jurídica e a representação judicial apenas no que

se refere à administração pública direta, autárquica e fundacional. TEMAS DIVERSOS ▪ É formalmente inconstitucional resolução do Senado que autoriza que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

transfiram a cobrança de suas dívidas ativas a instituições financeiras.

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL ▪ Homem que beijou criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca (beijo lascivo) praticou estupro

de vulnerável (art. 217-A do CP), não sendo possível a desclassificação para a contravenção penal de molestamento (art. 65 do DL 3.668/41).

DIREITO TRIBUTÁRIO

DÍVIDA ATIVA ▪ É formalmente inconstitucional resolução do Senado que autoriza que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

transfiram a cobrança de suas dívidas ativas a instituições financeiras.

DIREITO CONSTITUCIONAL

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS Em regra, a competência para dar nome a logradouros públicos é do Prefeito, por meio de decreto; contudo, a lei orgânica poderá prever essa competência também para a Câmara

Municipal, por meio de lei, desde que não exclua a do Prefeito

A Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP previu que cabe à Câmara Municipal legislar sobre “denominação de próprios, vias e logradouros públicos” (art. 33, XII).

O STF afirmou que se deve realizar uma interpretação conforme a Constituição Federal para o fim de reconhecer que existe, no caso, uma coabitação normativa entre os Poderes Executivo

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

(decreto) e Legislativo (lei formal) para o exercício da competência destinada à denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, cada qual no âmbito de suas atribuições.

Assim, tanto o chefe do Poder Executivo (mediante decreto) como também a Câmara Municipal (por meio de lei) podem estabelecer os nomes das vias e logradouros públicos.

STF. Plenário. RE 1151237/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 3/10/2019 (Info 954).

Competência da Câmara para legislar sobre denominação de ruas O art. 33, XII, da Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP previu o seguinte:

Art. 33. Cabe à Câmara Municipal, com a sanção do Prefeito, legislar sobre as matérias de competência do Município, especialmente no que se refere ao seguinte: (...) XII – denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações;

Abrindo um parêntese para algumas definições: • próprios públicos: são os bens públicos. • vias públicas: são as ruas, estradas etc. • logradouros públicos: praças, jardins, hortos, passeios etc., mantidos pelos Municípios para servir à população. Voltando ao caso concreto: O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo ajuizou, no Tribunal de Justiça, ação direta de inconstitucionalidade contra esse dispositivo afirmando que o ato de atribuir nomes a logradouros e próprios públicos é um ato de gestão do Poder Executivo e, portanto, a competência privativa para isso seria do Prefeito. Assim, a atribuição de nome de logradouro público seria matéria de competência do Poder Executivo e matéria de reserva administrativa. Logo, não poderia o Poder Legislativo subtrair esta competência do Poder Executivo, atribuindo, por via de lei, nomes a logradouros públicos. A questão chegou até o STF por meio de recurso extraordinário. Como decidiu o STF? Lei Orgânica Municipal pode prever que as Câmaras Municipais possuem competência para legislar sobre a denominação de próprios, vias e logradouros públicos? O STF conferiu interpretação conforme a Constituição Federal e afirmou que esse art. 33, XII, da Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP não é inconstitucional, no entanto, deve-se entender que existe uma “coabitação normativa entre os Poderes Executivo (decreto) e Legislativo (lei formal) para o exercício da competência destinada à denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, cada qual no âmbito de suas atribuições.” Assim, o art. 33, XII, deve ser interpretado como sendo uma previsão dúplice, no sentido de que tanto o chefe do Poder Executivo (mediante decreto) como também a Câmara Municipal (por meio de lei) podem estabelecer os nomes das vias e logradouros públicos. Esse dispositivo deve ser interpretado de maneira a não excluir a competência administrativa do Prefeito, mas também possibilitar que a Câmara Municipal, por meio de lei formal, possa prestar homenagens conferindo nomes para os próprios, vias e logradouros públicos, o que serve para a concretização da memorização da história e da proteção do patrimônio cultural imaterial do Município, assuntos que são de interesse local (art. 30, I, da CF/88). Nas palavras do Min. Alexandre de Moraes:

“O art. 33, XII, da Lei Orgânica do Município de Sorocaba deve ser interpretado no sentido de não excluir a competência administrativa do Prefeito Municipal para a prática de atos de gestão

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3

referentes a matéria; mas, também, por estabelecer ao Poder Legislativo, no exercício de competência legislativa, baseada no princípio da predominância do interesse, a possibilidade de edição de leis para definir denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações. Trata-se da necessária interpretação para garantir a efetiva separação de poderes, com possibilidade de atuação de ambos os poderes cada qual em sua órbita constitucional (...) (...) Por outro lado, a norma em exame não incidiu em qualquer desrespeito à Separação de Poderes, pois a matéria referente à denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações não pode ser limitada tão somente à questão de atos de gestão do Executivo, pois, no exercício dessa competência, o Poder Legislativo local poderá realizar homenagens cívicas, bem como colaborar na concretização da memorização da história e da proteção do patrimônio cultural imaterial do Município.”

Em suma:

A Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP previu que cabe à Câmara Municipal legislar sobre “denominação de próprios, vias e logradouros públicos” (art. 33, XII). O STF afirmou que se deve realizar uma interpretação conforme a Constituição Federal para o fim de reconhecer que existe, no caso, uma coabitação normativa entre os Poderes Executivo (decreto) e Legislativo (lei formal) para o exercício da competência destinada à denominação de próprios, vias e logradouros públicos e suas alterações, cada qual no âmbito de suas atribuições. Assim, tanto o chefe do Poder Executivo (mediante decreto) como também a Câmara Municipal (por meio de lei) podem estabelecer os nomes das vias e logradouros públicos. STF. Plenário. RE 1151237/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 3/10/2019 (Info 954).

ADVOCACIA PÚBLICA O art. 132 da CF/88 confere à PGE atribuição para a consultoria jurídica e a representação judicial apenas no que se refere à administração pública direta, autárquica e fundacional

Importante!!!

Atenção! PGE

É inconstitucional lei estadual que confira à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) competência para controlar os serviços jurídicos e para fazer a representação judicial de empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive com a possibilidade de avocação de processos e litígios judiciais dessas estatais.

Essa previsão cria uma ingerência indevida do Governador na administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, que são pessoas jurídicas de direito privado.

O art. 132 da CF/88 confere às Procuradorias dos Estados/DF atribuição para as atividades de consultoria jurídica e de representação judicial apenas no que se refere à administração pública direta, autárquica e fundacional.

STF. Plenário. ADI 3536/SC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 2/10/2019 (Info 954).

Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal O art. 132 afirma que compete aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas:

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Trata-se daquilo que a jurisprudência do STF denomina de “Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal”. Assim, só um órgão pode desempenhar as funções de representação judicial e de consultoria jurídica nos Estados e DF e este órgão é a Procuradoria-Geral do Estado (ou PGDF). O art. 132 da CF/88 abrange quais órgãos e entidades da Administração Pública? Administração direta, autárquica e fundacional. Assim, a PGE (PGDF) é responsável pela representação judicial e pela consultoria jurídica da (s): • administração direta (órgãos); • autarquias; e • fundações. Nesse sentido:

A Constituição Federal estabeleceu um modelo de exercício exclusivo, pelos procuradores do estado e do Distrito Federal, de toda a atividade jurídica das unidades federadas estaduais e distrital – o que inclui as autarquias e as fundações -, seja ela consultiva ou contenciosa. STF. Plenário. ADI 145, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/06/2018.

E as empresas públicas e sociedades de economia mista? A PGE (PGDF) é também responsável pelos serviços jurídicos das empresas públicas e sociedades de economia mista? NÃO.

O art. 132 da CF/88 confere às Procuradorias dos Estados/DF atribuição para as atividades de consultoria jurídica e de representação judicial apenas no que se refere à administração pública direta, autárquica e fundacional. STF. Plenário. ADI 3536/SC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 2/10/2019 (Info 954).

Assim, não compete à PGE (PGDF) a consultoria jurídica e a representação judicial das empresas públicas e sociedades de economia mista. Lei do Estado do SC A Lei complementar estadual 226/2002, de Santa Catarina, previu, em diversos dispositivos, que compete à Procuradoria Geral do Estado exercer o controle dos serviços jurídicos das autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas estaduais. A LC estabeleceu, ainda, a possibilidade de a PGE fazer a avocação de processos e litígios judiciais de empresas públicas e sociedades de economia mista. Esses dispositivos foram impugnados por meio de ADI e o STF declarou a inconstitucionalidade da expressão “sociedades de economia mista e empresas públicas estaduais”, constante dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, VI, 12, caput e parágrafo único, 16, caput e II, e 17, da lei impugnada. Confira a redação dos dispositivos:

Art. 1º À Procuradoria Geral do Estado, como órgão da administração central, compete exercer o controle dos serviços jurídicos das autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas estaduais.

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5

Art. 2º O controle será exercido pela Procuradoria Geral do Estado através dos mecanismos de atuação previstos nesta Lei Complementar, compreendendo as atividades de representação judicial das entidades da administração indireta.

Art. 3º O controle será realizado pela Procuradoria Geral do Estado para o fim de verificação da regularidade e eficácia dos serviços jurídicos de representação judicial, bem como de correção e sanção de possíveis desajustes.

Art. 4º São instrumentos de controle: (...) VI - a avocação;

Art. 12. Para evitar grave lesão à ordem, à segurança, à economia e às finanças públicas, ou em matéria de relevante interesse jurídico para a administração estadual, o Procurador-Geral do Estado, a seu juízo, por sugestão do Corregedor-Geral ou por determinação do Governador do Estado, poderá avocar processos e litígios judiciais das pessoas jurídicas a que se refere esta Lei Complementar. Parágrafo único. Nessa hipótese, sob pena de responsabilidade, os dirigentes das respectivas entidades outorgarão procuração geral para o foro ao Procurador-Geral do Estado, com poderes para substabelecer a Procurador do Estado.

Art. 16. Para efeitos de execução do disposto na presente Lei Complementar, ficam criadas na estrutura organizacional básica da Procuradoria Geral do Estado as Funções Executivas de Confiança de: I – Coordenador de Controle dos Serviços Jurídicos de Autarquias e Fundações Públicas - AD-FEC-2; e II – Coordenador de Controle dos Serviços Jurídicos das Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas - AD-FEC-2.

Art. 17. As Funções Executivas de Confiança criadas pelo artigo anterior, remuneradas na forma da legislação vigente, serão exercidas por Procuradores do Estado designados pelo Procurador-Geral do Estado.

O Min. Alexandre de Moraes explicou que o art. 132 da CF/88 confere às Procuradorias atribuição para a representação judicial e a consultoria jurídica nos Estados, aí compreendidas a administração pública direta, as autarquias e as fundações. No caso, a lei catarinense incluiu atribuição de fiscalização em sociedades de economia mista e empresas públicas. Além disso, previu que o Procurador-Geral, por determinação do Governador, poderá avocar processos e litígios judiciais das empresas públicas e sociedades de economia mista. Tais previsões criam uma ingerência indevida do Governador na administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, pessoas jurídicas de direito privado, o que impede a defesa dessas entidades. Isso porque é o chefe do poder executivo estadual quem escolhe o Procurador-Geral do Estado. Desse modo, num eventual litígio, por exemplo, entre uma sociedade de economia mista e a administração pública direta, o Governador poderia determinar a avocação do processo e defender o seu próprio interesse. Haveria, portanto, partes conflituosas, no mesmo litígio, com o mesmo advogado.

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6

Em suma:

É inconstitucional lei estadual que confira à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) competência para controlar os serviços jurídicos e para fazer a representação judicial de empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive com a possibilidade de avocação de processos e litígios judiciais dessas estatais. STF. Plenário. ADI 3536/SC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 2/10/2019 (Info 954).

TEMAS DIVERSOS É formalmente inconstitucional resolução do Senado que autoriza que os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios transfiram a cobrança de suas dívidas ativas a instituições financeiras

A Resolução 33/2006, do Senado Federal, autorizou que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios transferissem a cobrança de suas dívidas ativas, por meio de endossos-mandatos, a instituições financeiras.

Essa Resolução foi editada sob o fundamento de que estaria tratando sobre operações de crédito, nos termos do art. 52, VII, da CF/88:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal.

O STF julgou inconstitucional essa Resolução porque a cessão a instituições financeiras, por endosso-mandato, de valores inscritos em dívida ativa estatal não pode ser enquadrada no conceito de operação de crédito (art. 29, III, da LC 101/2000).

Não há, portanto, correspondência entre o conceito de operação de crédito da LRF e a “cessão” disciplinada pela Resolução nº 33/2006.

A alteração na forma de cobrança da dívida ativa (seja ela tributária ou não-tributária) exige lei em sentido estrito, de modo que não pode o Senado Federal disciplinar a matéria por meio de resolução.

STF. Plenário. ADI 3786/DF e ADI 3845/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 3/10/2019 (Info 954).

Para entendermos o julgado, é importante relembramos em que consiste o endosso-mandato e a certidão de dívida ativa. Endosso-mandato O endosso-mandato ou endosso-procuração é aquele por meio do qual o endossante transfere ao endossatário o poder para que este atue como seu representante, de forma que o endossatário poderá exercer os direitos que o endossante possui e que são relacionados com determinado título de crédito. Desse modo, havendo endosso-mandato, o endossatário poderá cobrar, protestar e executar o título de crédito do endossante. Endosso impróprio O endosso-mandato é uma espécie de endosso impróprio. O endosso impróprio, ao contrário do endosso translativo, não transfere o crédito para o endossatário, mas apenas permite que este (o endossatário) tenha a posse do título para agir em nome do endossante (endosso-mandato) ou como garantia de uma dívida que o endossante tenha com o endossatário (endosso-caução).

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7

Figuras: • Endossante-mandante (ex: uma loja); • Endossatário-mandatário (normalmente um banco). No endosso-mandato, “transmite-se ao endossatário-mandatário, assim investido de mandato e da posse do título, o poder de efetuar a cobrança, dando quitação de seu valor” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 2º Vol. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 495). O endossatário recebe o título de crédito apenas para efetuar a cobrança do valor nele mencionado e dar a respectiva quitação; após a cobrança, o endossatário deverá devolver o dinheiro ao endossante, descontada sua remuneração por esse serviço. “B”, empresa do ramo de vendas, emitiu uma duplicata (título de crédito) por conta de mercadorias vendidas a “A”. “B”, após emitir a duplicata, fez o endosso-mandato desse título para “C” (banco), a fim de que este efetuasse a cobrança do valor de “A”. Ocorre que “A” recusou o pagamento dessa duplicata alegando que já havia pagado. Mesmo assim, “C” apresentou a duplicata para ser protestada pelo tabelionato de protesto, o que foi feito. Assim, “A” foi intimado pelo tabelião de protesto, a pedido de “C”, para que pagasse a duplicata. Como “A” não pagou, foi inscrito no SPC e SERASA. Dívida ativa Se o ente público participa de uma relação obrigacional e possui um crédito, ele irá inscrever esse crédito em um “livro” chamado “dívida ativa”. A dívida ativa pode ser de natureza tributária ou não tributária (art. 39 da Lei nº 4.320/64). Assim, serão inscritos no livro de dívida ativa tanto os créditos que o poder público possua relacionados com tributos como também aqueles que não derivam (não provêm) da atividade tributária do ente federativo (ex: multas administrativas). Para facilitar a visualização do tema, vou dar um exemplo de como é o procedimento até que seja feita a CDA em um crédito tributário: O contribuinte realiza o fato gerador do tributo (exs.: adquire renda, faz uma doação, chega no dia 01/01 sendo proprietário de um bem imóvel etc.). Quando o contribuinte realiza o fato gerador, torna-se sujeito passivo de uma obrigação tributária principal, ou seja, passa a ter a obrigação de pagar o tributo. Diante dessa situação, o Fisco irá praticar um ato chamado de “lançamento tributário”, ou seja, irá calcular o montante do tributo devido e notificar o contribuinte para que ele pague. O lançamento confere exigibilidade à obrigação tributária. Com o lançamento, a obrigação tributária transforma-se em crédito tributário. Se o sujeito passivo não pagar o débito, esse crédito tributário será inscrito na dívida ativa. A inscrição será feita por meio do termo de inscrição na dívida ativa e é realizado no “Livro da Dívida Ativa” (atualmente, por óbvio, trata-se de um sistema informatizado). Dessa inscrição, extrai-se a CDA (Certidão de Dívida Ativa), que é um título executivo extrajudicial (art. 784, IX do CPC). Com a CDA, a Fazenda Pública pode ajuizar a execução fiscal contra o devedor. Os requisitos da CDA estão previstos no art. 202 do CTN. Vale ressaltar, mais uma vez, que a CDA pode ser relacionada tanto a créditos tributários como também não-tributários.

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

Resolução nº 33/2006 do Senado Federal Em 2006, o Senado Federal editou a Resolução nº 33 autorizando que Estados, Distrito Federal e Municípios cedessem, por meio de endosso-mandato, a sua dívida ativa aos bancos para que estes cobrassem esses débitos dos devedores e repassassem ao ente público o saldo da cobrança efetivada, descontados os custos operacionais. Veja os arts. 1º e 4º da Resolução:

Art. 1º Podem os Estados, Distrito Federal e Municípios ceder a instituições financeiras a sua dívida ativa consolidada, para cobrança por endosso-mandato, mediante a antecipação de receita de até o valor de face dos créditos, desde que respeitados os limites e condições estabelecidos pela Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e pelas Resoluções nºs 40 e 43, de 2001, do Senado Federal. (...) Art. 4º Uma vez amortizada a antecipação referida no art. 1º, a instituição financeira repassará mensalmente ao Estado, Distrito Federal ou Município o saldo da cobrança efetivada, descontados os custos operacionais fixados no contrato.

Fundamento invocado pelo Senado O Senado argumentou que poderia editar essa resolução porque estaria tratando sobre operações de crédito, nos termos do art. 52, X, da CF/88:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;

ADI A Associação Nacional dos Procuradores de Estado (Anape) e a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) ajuizaram duas ações diretas de inconstitucionalidade no STF questionando essa resolução. As entidades alegam, dentre outros argumentos, que a competência para a cobrança da dívida ativa é dos Fiscais de Tributos e dos Procuradores dos Estados e Municípios, de forma que a resolução tratou sobre atribuições de servidores públicos, o que não poderia ter sido feito por meio deste instrumento normativo. Essas associações estão previstas no rol de legitimados para ADI? SIM. Isso porque são associações de âmbito nacional, enquadrando-se, portanto, no conceito de entidade de classe de âmbito nacional, nos termos do art. 103, IX, da CF/88:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (...) IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Tais associações possuíam pertinência temática para terem ajuizado a ADI? SIM. Vamos explicar com calma esse tema. A jurisprudência do STF construiu a tese de que alguns dos legitimados do art. 103 da CF/88 poderiam ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade questionando leis ou atos normativos que tratassem sobre todo e qualquer assunto. Tais legitimados seriam, portanto, legitimados ativos universais.

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

Por outro lado, o STF afirmou que os demais legitimados, ao proporem a ADI, deveriam comprovar que possuem legítimo interesse na ação. São, por isso, chamados de legitimados ativos especiais. Este legítimo interesse que precisa ser demonstrado é chamado de pertinência temática.

Legitimados ativos da ADI e ADC

UNIVERSAIS (NEUTROS) ESPECIAIS (NÃO UNIVERSAIS)

São aqueles que podem propor ADI e ADC contra leis ou atos normativos que versem sobre qualquer matéria, sem a necessidade de comprovar interesse específico no julgamento da ação.

São aqueles que somente podem propor ADI e ADC contra leis ou atos normativos que tratem sobre matérias que digam respeito às funções ou objetivos do órgão ou entidade. O autor especial terá que provar o seu interesse específico no julgamento daquela ação. Terá que ser provada a pertinência temática entre a norma impugnada e os objetivos do autor da ação.

Quem são os legitimados universais: • Presidente da República; • Mesa do Senado e Mesa da Câmara; • Procurador-Geral da República; • Conselho Federal da OAB • Partido político com representação no CN.

Quem são os legitimados especiais: • Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF; • Governador de Estado/DF; • Confederação sindical; • Entidade de classe de âmbito nacional.

A entidade de classe de âmbito nacional, por ser um legitimado especial, deverá provar que a legislação questionada guarda relação de pertinência temática com as finalidades institucionais dessa entidade (STF. Plenário. ADI 2903, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 01/12/2005). No caso, restou demonstrada a pertinência temática entre o objeto da ADI e o campo de atuação das associações. Isso porque o ato impugnado legislou sobre cobrança da dívida ativa tributária, matéria incluída nas funções dos Procuradores de Estado e dos Fiscais de Tributos. E quanto ao mérito, a Resolução foi declarada inconstitucional? SIM. A Resolução nº 33/2006 atuou fora dos limites da capacidade normativa conferida ao Senado Federal pelo art. 52, VII, da CF/88. Segundo esse dispositivo, compete privativamente ao Senado dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo poder público federal. O conceito constitucional de operação de crédito, ainda que por antecipação de receita, deve estar em consonância com a definição prevista no art. 29, III, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições: (...) III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.

A cessão a instituições financeiras, por endosso-mandato, de valores inscritos em dívida ativa estatal não se enquadra em nenhuma das espécies de operação de crédito descritas no art. 29, III, da LC 101/2000. Não há, portanto, correspondência entre o conceito de operação de crédito da LRF e a “cessão” disciplinada pela Resolução nº 33/2006.

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

A alteração na forma de cobrança da dívida ativa (seja ela tributária ou não-tributária) exige lei em sentido estrito, de modo que não pode o Senado Federal disciplinar a matéria por meio de resolução. Em suma:

É inconstitucional a Resolução 33/2006, do Senado Federal, por meio da qual se autorizou que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios transferissem a cobrança de suas dívidas ativas, por meio de endossos-mandatos, a instituições financeiras. STF. Plenário. ADI 3786/DF e ADI 3845/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 3/10/2019 (Info 954).

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL Homem que beijou criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca (beijo

lascivo) praticou estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), não sendo possível a desclassificação para a contravenção penal de molestamento (art. 65 do DL 3.668/41)

Um homem beijou uma criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca.

O STF entendeu que essa conduta caracteriza o chamado “beijo lascivo”, havendo, portanto, a prática do crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal.

Não é possível desclassificar essa conduta para a contravenção penal de molestamento (art. 65 do Decreto-Lei nº 3.668/41).

Para determinadas idades, a conotação sexual é uma questão de poder, mais precisamente de abuso de poder e confiança. No caso concreto, estão presentes a conotação sexual e o abuso de confiança para a prática de ato sexual. Logo, não há como desclassificar a conduta do agente para a contravenção de molestamento (que não detém essa conotação sexual).

O art. 227, § 4º, da CF/88 exige que a lei imponha punição severa à violação da dignidade sexual da criança e do adolescente. Além do mais, a prática de qualquer ato libidinoso diverso ou a conduta de manter conjunção carnal com menor de 14 anos se subsome, em regra, ao tipo penal de estupro de vulnerável, restando indiferente o consentimento da vítima.

STF. 1ª Turma. HC 134591/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 1/10/2019 (Info 954).

Imagine a seguinte situação adaptada: Um homem beijou uma criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca. Em virtude dessa conduta, chamada de “beijo lascivo”, ele foi denunciado e condenado, em 1ª instância, a 8 anos de reclusão, pela prática do crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Beijo lascivo é o beijo com a introdução da língua na boca da vítima, sendo considerado pela doutrina como ato libidinoso. Na apelação criminal, o Tribunal de Justiça de São Paulo desqualificou o ato para a contravenção penal de molestamento, tipificada no art. 65 da Lei de Contravenções Penais:

Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável:

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

O Ministério Público interpôs recurso especial e, no STJ, foi restabelecida a condenação proferida em 1ª instância (estupro de vulnerável). Diante disso, a defesa do condenado impetrou habeas corpus ao STF pedindo novamente a desclassificação para contravenção penal. Argumentou-se que a pena é desproporcional à conduta, pois o ato praticado foi um único beijo em lugar próximo a outras pessoas. De acordo com a defesa, não teria havido conotação sexual no beijo ou danos psicológicos permanentes à vítima. O STF acolheu o pedido do condenado? NÃO.

Para determinadas idades, a conotação sexual é uma questão de poder, mais precisamente de abuso de poder e confiança. No caso concreto, estão presentes a conotação sexual e o abuso de confiança para a prática de ato sexual. Logo, não há como desclassificar a conduta do agente para a contravenção de molestamento (que não detém essa conotação sexual). O art. 227, § 4º, da CF/88 exige que a lei imponha punição severa à violação da dignidade sexual da criança e do adolescente. Além do mais, a prática de qualquer ato libidinoso diverso ou a conduta de manter conjunção carnal com menor de 14 anos se subsome, em regra, ao tipo penal de estupro de vulnerável, restando indiferente o consentimento da vítima. STF. 1ª Turma. HC 134591/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 1/10/2019 (Info 954).

DIREITO TRIBUTÁRIO

DÍVIDA ATIVA É formalmente inconstitucional resolução do Senado que autoriza que os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios transfiram a cobrança de suas dívidas ativas a instituições financeiras

A Resolução 33/2006, do Senado Federal, autorizou que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios transferissem a cobrança de suas dívidas ativas, por meio de endossos-mandatos, a instituições financeiras.

Essa Resolução foi editada sob o fundamento de que estaria tratando sobre operações de crédito, nos termos do art. 52, VII, da CF/88:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;

O STF julgou inconstitucional essa Resolução porque a cessão a instituições financeiras, por endosso-mandato, de valores inscritos em dívida ativa estatal não pode ser enquadrada no conceito de operação de crédito (art. 29, III, da LC 101/2000).

Não há, portanto, correspondência entre o conceito de operação de crédito da LRF e a “cessão” disciplinada pela Resolução nº 33/2006.

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12

A alteração na forma de cobrança da dívida ativa (seja ela tributária ou não-tributária) exige lei em sentido estrito, de modo que não pode o Senado Federal disciplinar a matéria por meio de resolução.

STF. Plenário. ADI 3786/DF e ADI 3845/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 3/10/2019 (Info 954).

Para entendermos o julgado, é importante relembramos em que consiste o endosso-mandato e a certidão de dívida ativa. Endosso-mandato O endosso-mandato ou endosso-procuração é aquele por meio do qual o endossante transfere ao endossatário o poder para que este atue como seu representante, de forma que o endossatário poderá exercer os direitos que o endossante possui e que são relacionados com determinado título de crédito. Desse modo, havendo endosso-mandato, o endossatário poderá cobrar, protestar e executar o título de crédito do endossante. Endosso impróprio O endosso-mandato é uma espécie de endosso impróprio. O endosso impróprio, ao contrário do endosso translativo, não transfere o crédito para o endossatário, mas apenas permite que este (o endossatário) tenha a posse do título para agir em nome do endossante (endosso-mandato) ou como garantia de uma dívida que o endossante tenha com o endossatário (endosso-caução). Figuras: • Endossante-mandante (ex: uma loja); • Endossatário-mandatário (normalmente um banco). No endosso-mandato, “transmite-se ao endossatário-mandatário, assim investido de mandato e da posse do título, o poder de efetuar a cobrança, dando quitação de seu valor” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 2º Vol. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 495). O endossatário recebe o título de crédito apenas para efetuar a cobrança do valor nele mencionado e dar a respectiva quitação; após a cobrança, o endossatário deverá devolver o dinheiro ao endossante, descontada sua remuneração por esse serviço. “B”, empresa do ramo de vendas, emitiu uma duplicata (título de crédito) por conta de mercadorias vendidas a “A”. “B”, após emitir a duplicata, fez o endosso-mandato desse título para “C” (banco), a fim de que este efetuasse a cobrança do valor de “A”. Ocorre que “A” recusou o pagamento dessa duplicata alegando que já havia pagado. Mesmo assim, “C” apresentou a duplicata para ser protestada pelo tabelionato de protesto, o que foi feito. Assim, “A” foi intimado pelo tabelião de protesto, a pedido de “C” para que pagasse a duplicata. Como “A” não pagou, foi inscrito no SPC e SERASA. Dívida ativa Se o ente público participa de uma relação obrigacional e possui um crédito, ele irá inscrever esse crédito em um “livro” chamado “dívida ativa”. A dívida ativa pode ser de natureza tributária ou não tributária (art. 39 da Lei nº 4.320/64).

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

Assim, serão inscritos no livro de dívida ativa tanto os créditos que o poder público possua relacionados com tributos como também aqueles que não derivam (não provêm) da atividade tributária do ente federativo (ex: multas administrativas). Para facilitar a visualização do tema, vou dar um exemplo de como é o procedimento até que seja feita a CDA em um crédito tributário: O contribuinte realiza o fato gerador do tributo (exs.: adquire renda, faz uma doação, chega no dia 01/01 sendo proprietário de um bem imóvel etc.). Quando o contribuinte realiza o fato gerador, torna-se sujeito passivo de uma obrigação tributária principal, ou seja, passa a ter a obrigação de pagar o tributo. Diante dessa situação, o Fisco irá praticar um ato chamado de “lançamento tributário”, ou seja, irá calcular o montante do tributo devido e notificar o contribuinte para que ele pague. O lançamento confere exigibilidade à obrigação tributária. Com o lançamento, a obrigação tributária transforma-se em crédito tributário. Se o sujeito passivo não pagar o débito, esse crédito tributário será inscrito na dívida ativa. A inscrição será feita por meio do termo de inscrição na dívida ativa e é realizado no “Livro da Dívida Ativa” (atualmente, por óbvio, trata-se de um sistema informatizado). Dessa inscrição, extrai-se a CDA (Certidão de Dívida Ativa), que é um título executivo extrajudicial (art. 784, IX do CPC). Com a CDA, a Fazenda Pública pode ajuizar a execução fiscal contra o devedor. Os requisitos da CDA estão previstos no art. 202 do CTN. Vale ressaltar, mais uma vez, que a CDA pode ser relacionada tanto a créditos tributários como também não-tributários. Resolução nº 33/2006 do Senado Federal Em 2006, o Senado Federal editou a Resolução nº 33 autorizando que Estados, Distrito Federal e Municípios cedessem, por meio de endosso-mandato, a sua dívida ativa aos bancos para que estes cobrassem esses débitos dos devedores e repassassem ao ente público o saldo da cobrança efetivada, descontados os custos operacionais. Veja os arts. 1º e 4º da Resolução:

Art. 1º Podem os Estados, Distrito Federal e Municípios ceder a instituições financeiras a sua dívida ativa consolidada, para cobrança por endosso-mandato, mediante a antecipação de receita de até o valor de face dos créditos, desde que respeitados os limites e condições estabelecidos pela Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e pelas Resoluções nºs 40 e 43, de 2001, do Senado Federal. (...) Art. 4º Uma vez amortizada a antecipação referida no art. 1º, a instituição financeira repassará mensalmente ao Estado, Distrito Federal ou Município o saldo da cobrança efetivada, descontados os custos operacionais fixados no contrato.

Fundamento invocado pelo Senado O Senado argumentou que poderia editar essa resolução porque estaria tratando sobre operações de crédito, nos termos do art. 52, X, da CF/88:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14

ADI A Associação Nacional dos Procuradores de Estado (Anape) e a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) ajuizaram duas ações diretas de inconstitucionalidade no STF questionando essa resolução. As entidades alegam, dentre outros argumentos, que a competência para a cobrança da dívida ativa é dos Fiscais de Tributos e dos Procuradores dos Estados e Municípios, de forma que a resolução tratou sobre atribuições de servidores públicos, o que não poderia ter sido feito por meio deste instrumento normativo. Essas associações estão previstas no rol de legitimados para ADI? SIM. Isso porque são associações de âmbito nacional, enquadrando-se, portanto, no conceito de entidade de classe de âmbito nacional, nos termos do art. 103, IX, da CF/88:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (...) IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Tais associações possuíam pertinência temática para terem ajuizado a ADI? SIM. Vamos explicar com calma esse tema. A jurisprudência do STF construiu a tese de que alguns dos legitimados do art. 103 da CF/88 poderiam ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade questionando leis ou atos normativos que tratassem sobre todo e qualquer assunto. Tais legitimados seriam, portanto, legitimados ativos universais. Por outro lado, o STF afirmou que os demais legitimados, ao proporem a ADI, deveriam comprovar que possuem legítimo interesse na ação. São, por isso, chamados de legitimados ativos especiais. Este legítimo interesse que precisa ser demonstrado é chamado de pertinência temática.

Legitimados ativos da ADI e ADC

UNIVERSAIS (NEUTROS) ESPECIAIS (NÃO UNIVERSAIS)

São aqueles que podem propor ADI e ADC contra leis ou atos normativos que versem sobre qualquer matéria, sem a necessidade de comprovar interesse específico no julgamento da ação.

São aqueles que somente podem propor ADI e ADC contra leis ou atos normativos que tratem sobre matérias que digam respeito às funções ou objetivos do órgão ou entidade. O autor especial terá que provar o seu interesse específico no julgamento daquela ação. Terá que ser provada a pertinência temática entre a norma impugnada e os objetivos do autor da ação.

Quem são os legitimados universais: • Presidente da República; • Mesa do Senado e Mesa da Câmara; • Procurador-Geral da República; • Conselho Federal da OAB • Partido político com representação no CN.

Quem são os legitimados especiais: • Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF; • Governador de Estado/DF; • Confederação sindical; • Entidade de classe de âmbito nacional.

A entidade de classe de âmbito nacional, por ser um legitimado especial, deverá provar que a legislação questionada guarda relação de pertinência temática com as finalidades institucionais dessa entidade (STF. Plenário. ADI 2903, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 01/12/2005). No caso, restou demonstrada a pertinência temática entre o objeto da ADI e o campo de atuação das associações. Isso porque o ato impugnado legislou sobre cobrança da dívida ativa tributária, matéria incluída nas funções dos Procuradores de Estado e dos Fiscais de Tributos.

Informativo comentado

Informativo 954-STF (09/09/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

E quanto ao mérito, a Resolução foi declarada inconstitucional? SIM. A Resolução nº 33/2006 atuou fora dos limites da capacidade normativa conferida ao Senado Federal pelo art. 52, VII, da CF/88. Segundo esse dispositivo, compete privativamente ao Senado dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo poder público federal. O conceito constitucional de operação de crédito, ainda que por antecipação de receita, deve estar em consonância com a definição prevista no art. 29, III, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições: (...) III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.

A cessão a instituições financeiras, por endosso-mandato, de valores inscritos em dívida ativa estatal não se enquadra em nenhuma das espécies de operação de crédito descritas no art. 29, III, da LC 101/2000. Não há, portanto, correspondência entre o conceito de operação de crédito da LRF e a “cessão” disciplinada pela Resolução nº 33/2006. A alteração na forma de cobrança da dívida ativa (seja ela tributária ou não-tributária) exige lei em sentido estrito, de modo que não pode o Senado Federal disciplinar a matéria por meio de resolução. Em suma:

É inconstitucional a Resolução 33/2006, do Senado Federal, por meio da qual se autorizou que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios transferissem a cobrança de suas dívidas ativas, por meio de endossos-mandatos, a instituições financeiras. STF. Plenário. ADI 3786/DF e ADI 3845/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 3/10/2019 (Info 954).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É constitucional lei estadual que confira à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) competência para

controlar os serviços jurídicos e para fazer a representação judicial de empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive com a possibilidade de avocação de processos e litígios judiciais dessas estatais. ( )

2) É inconstitucional resolução do Senado que autoriza que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios transfiram a cobrança de suas dívidas ativas a instituições financeiras. ( )

3) Homem que beijou criança de 5 anos de idade, colocando a língua no interior da boca (beijo lascivo) praticou estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), não sendo possível a desclassificação para a contravenção penal de molestamento (art. 65 do DL 3.668/41). ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. C