Informativo V Estudo 2 Notas sobre o Contexto histórico-eclesial e pastoral de Dom Bosco

1
BOLETIM DOS PEREGRINOS V TEMA 2: CONTEXTO RELIGIOSO, ECLESIAL E PASTORAL DE DOM BOSCO Para bem podermos compreender Dom Bosco e admirarmos a significatividade das suas atitudes enquanto sacerdote, é preciso que o situemos dentro do contexto histórico-religioso, eclesial e pastoral do século XIX na Europa; de modo particular situemo-lo dentro da realidade eclesial italiana. Devemos nos perguntar, então: Quais foram as grandes características do contexto religioso em que viveu Dom Bosco? Qual foram as atitudes da Igreja Católica diante das grandes mudanças da época? Qual modelo pastoral e sacerdotal era comum no século XIX? A atitude de Dom Bosco, foi isolada, única ou existiram outros personagens que deram sua marcante contribuição para o enriquecimento da Igreja e da sociedade? Como eram as relações entre Igreja e Estado? As respostas a essas questões são importantes para compreensão da significatividade da figura de Dom Bosco dentro do seu contexto histórico. Vejamos algumas ideias. 1. UMA NOVA CULTURA E CONTESTAÇÕES: refletimos no artigo anterior que a Revolução Francesa, em geral por toda a Europa, trouxe uma nova cultura, um novo modo de pensar, de compreender a pessoa humana e, consequentemente, fez surgir novas exigências de organização social e participação popular, direitos e deveres sociais. Se por um lado, as grandes contestações populares avançaram e conquistaram grandes mudanças, foi muito diferente com a Igreja Católica que se sentia uma sociedade perfeitae, por isso, fechada na sua autossuficiência e se opunha radicalmente a muitos fenômenos sociais e reinvindicações modernas (ou modernistas). Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidadeapontavam para as exigências de um mundo baseado na liberdade e na democracia. O formato da Igreja foi sempre diferente! 2. POSTURA ECLESIAL DEFENSIVA: com uma postura profundamente defensiva diante das novas reflexões filosóficas, fenômenos culturais e reivindicações populares por uma nova organização política dos estados, a Igreja assumiu uma postura de rígida autodefesa contra toda e qualquer forma de organização, movimento e ideais liberalistas. Toda essa atitude defensiva e condenatória da Igreja diante do novo mundo foi resumida num documento chamado Quanta Cura. No apêndice desse documento, chamado Sílabo dos Erros de Nossa Época(Syllabus Errorum, em latim), o papa Pio IX em 1864 elencou os grandes erros dos novos tempos. O referido documento elencou listou (80) ideias consideradas erradas pela autoridade da Igreja. As ideias condenadas se referiam a diversos temas: ao progresso científico, ideias filosóficas, cultura moderna, direitos, liberdade religiosa, relação entre Igreja e estado etc. Afirmou-se a ideia da Igreja como uma sociedade verdadeira e perfeita, inteiramente livre(Syllabus, Art. IX). A postura eclesial sentenciada refletia bem a mentalidade generalizada da época em meio a uma forte pressão cultural que gerava por ela uma natural autodefesa. 3. RESTAURAÇÃO RELIGIOSA E MISSIONÁRIA: se por um lado a instituição religiosa oficial assumiu uma postura conservadora e defensiva, preocupada consigo mesma, não podemos negar que o século de Dom Bosco, do ponto de vista eclesial, foi muito além. Foi também um século de grande impulso missionário por toda a Europa; esse movimento positivamente reacionário – proativo, já havia começado algumas décadas antes do nascimento de Joãozinho Bosco com Santo Afonso Maria de Liguori (1732) fundador dos missionários redentoristas. Uma multidão de empreendedores missionários e missionárias, sacerdotes e leigos surgiram na Igreja dando grande contribuição para a sua renovação: São Vicente de Paulo (vicentinos) – em 1833 em Paris, Antonio María Claret (1849), Daniel Comboni (1877), Leonardo Murialdo, Luis Guanela, José Cotollengo, Antônio Rosmini (sacerdote, filósofo-teólogo), Antonio Cavanis, Ludovico Pavoni, Vicente Palotti, Madalena Canossa, João Batista Scalabrini etc. Foram todos fundadores de movimentos e congregações religiosas abertos, dinâmicos, animados por grande sensibilidade social atendendo crianças, jovens, órfãos, doentes, imigrantes etc. Dom Bosco deve ser situado nesse fecundo contexto pastoral de sensibilidade à respostas aos muitos problemas sócioculturais do século XIX. Ele foi uma brilhante estrela dessa constelação. 4. A IGREJA E O ESTADO: a relação entre Igreja e Estado era naturalmente tensa. A nova mentalidade política exigia das tradicionais congregações religiosas uma atitude de maior abertura e sensibilidade social. As congregações religiosas eram consideradas parasitasda sociedade. Por isso em 1866 na Itália, foi promulgada a lei de supressão das corporações religiosas; no ano seguinte em 1867, a lei da liquidação dos bens religiosos; eram leis anticlericais e anti-eclesiais, que visavam a máxima redução do poder de influência e de ação da Igreja nos moldes tradicionais. Todavia, em meio a esse contexto desfavorável, em 1869 Dom Bosco fundou a Sociedade de São Francisco de Sales, a Congregação Salesiana, mas profundamente alinhada com as exigências dos tempos: com um novo perfil, novo nome (civil), novo estilo, nova missão, novo método e com sócios inseridos na sociedade e gozando dos mesmos direitos e deveres dos demais cidadãos. Soube adequar-se aos tempos! Sua iniciativa foi bem-vinda e atraiu a simpatia do estado. BICENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE DOM BOSCO 1815 DOM BOSCO 2015 Para refletir e partilhar em grupo: 1) Como Cristão, qual deve ser a nossa autêntica postura diante das mudanças sócio-culturais? 2) Por que em meio a um clima de perseguição religiosa, Dom Bosco funda uma nova Congregação sem ter problemas? 3) Apesar de tantos desafios sócioculturais e políticos, perseguição e de ideologias contrárias à fé, surgiram no século de Dom Bosco grandes profetas... O que significa isso? Antônio de Assis Ribeiro (P. Bira) - Manaus, 15 de janeiro de 2015

Transcript of Informativo V Estudo 2 Notas sobre o Contexto histórico-eclesial e pastoral de Dom Bosco

Page 1: Informativo V Estudo 2 Notas sobre o Contexto histórico-eclesial e pastoral de Dom Bosco

BOLETIM DOS PEREGRINOS V

TEMA 2: CONTEXTO RELIGIOSO, ECLESIAL E PASTORAL DE DOM BOSCO

Para bem podermos compreender Dom Bosco e admirarmos a significatividade das suas atitudes enquanto sacerdote, é preciso que o situemos dentro do contexto histórico-religioso, eclesial e pastoral do século XIX na Europa; de modo particular situemo-lo dentro da realidade eclesial italiana. Devemos nos perguntar, então: Quais foram as grandes características do contexto

religioso em que viveu Dom Bosco? Qual foram as atitudes da Igreja Católica diante das grandes mudanças da

época? Qual modelo pastoral e sacerdotal era comum no século XIX? A atitude de Dom Bosco, foi isolada, única

ou existiram outros personagens que deram sua marcante contribuição para o enriquecimento da Igreja e da

sociedade? Como eram as relações entre Igreja e Estado? As respostas a essas questões são importantes para compreensão da significatividade da figura de Dom Bosco dentro do seu contexto histórico. Vejamos algumas ideias.

1. UMA NOVA CULTURA E CONTESTAÇÕES:

refletimos no artigo anterior que a Revolução Francesa,

em geral por toda a Europa, trouxe uma nova cultura, um

novo modo de pensar, de compreender a pessoa humana

e, consequentemente, fez surgir novas exigências de

organização social e participação popular, direitos e

deveres sociais. Se por um lado, as grandes contestações

populares avançaram e conquistaram grandes mudanças,

foi muito diferente com a Igreja Católica que se sentia

uma “sociedade perfeita” e, por isso, fechada na sua

autossuficiência e se opunha radicalmente a muitos

fenômenos sociais e reinvindicações modernas (ou

modernistas). Os ideais de “liberdade, igualdade e

fraternidade” apontavam para as exigências de um mundo

baseado na liberdade e na democracia. O formato da

Igreja foi sempre diferente!

2. POSTURA ECLESIAL DEFENSIVA: com uma postura

profundamente defensiva diante das novas reflexões

filosóficas, fenômenos culturais e reivindicações populares

por uma nova organização política dos estados, a Igreja

assumiu uma postura de rígida autodefesa contra toda e

qualquer forma de organização, movimento e ideais

“liberalistas”. Toda essa atitude defensiva e condenatória

da Igreja diante do novo mundo foi resumida num

documento chamado “Quanta Cura”. No apêndice desse

documento, chamado “Sílabo dos Erros de Nossa Época”

(Syllabus Errorum, em latim), o papa Pio IX em 1864

elencou os grandes erros dos novos tempos. O referido

documento elencou listou (80) ideias consideradas erradas

pela autoridade da Igreja. As ideias condenadas se

referiam a diversos temas: ao progresso científico, ideias

filosóficas, cultura moderna, direitos, liberdade religiosa,

relação entre Igreja e estado etc. Afirmou-se a ideia da

Igreja como “uma sociedade verdadeira e perfeita,

inteiramente livre” (Syllabus, Art. IX). A postura eclesial

sentenciada refletia bem a mentalidade generalizada da

época em meio a uma forte pressão cultural que gerava

por ela uma natural autodefesa.

3. RESTAURAÇÃO RELIGIOSA E MISSIONÁRIA: se por

um lado a instituição religiosa oficial assumiu uma postura

conservadora e defensiva, preocupada consigo mesma,

não podemos negar que o século de Dom Bosco, do ponto

de vista eclesial, foi muito além. Foi também um século de

grande impulso missionário por toda a Europa; esse

movimento positivamente reacionário – proativo, já havia

começado algumas décadas antes do nascimento de

Joãozinho Bosco com Santo Afonso Maria de Liguori

(1732) fundador dos missionários redentoristas. Uma

multidão de empreendedores missionários e missionárias,

sacerdotes e leigos surgiram na Igreja dando grande

contribuição para a sua renovação: São Vicente de Paulo

(vicentinos) – em 1833 em Paris, Antonio María Claret

(1849), Daniel Comboni (1877), Leonardo Murialdo, Luis Guanela, José Cotollengo, Antônio Rosmini

(sacerdote, filósofo-teólogo), Antonio Cavanis, Ludovico Pavoni, Vicente Palotti, Madalena Canossa,

João Batista Scalabrini etc. Foram todos fundadores de

movimentos e congregações religiosas abertos, dinâmicos,

animados por grande sensibilidade social atendendo

crianças, jovens, órfãos, doentes, imigrantes etc. Dom

Bosco deve ser situado nesse fecundo contexto pastoral de

sensibilidade à respostas aos muitos problemas

sócioculturais do século XIX. Ele foi uma brilhante estrela

dessa constelação.

4. A IGREJA E O ESTADO: a relação entre Igreja e

Estado era naturalmente tensa. A nova mentalidade

política exigia das tradicionais congregações religiosas

uma atitude de maior abertura e sensibilidade social. As

congregações religiosas eram consideradas “parasitas” da

sociedade. Por isso em 1866 na Itália, foi promulgada a

“lei de supressão das corporações religiosas”; no ano

seguinte em 1867, a “lei da liquidação dos bens

religiosos”; eram leis anticlericais e anti-eclesiais, que

visavam a máxima redução do poder de influência e de

ação da Igreja nos moldes tradicionais. Todavia, em meio a

esse contexto desfavorável, em 1869 Dom Bosco fundou a

Sociedade de São Francisco de Sales, a Congregação

Salesiana, mas profundamente alinhada com as exigências

dos tempos: com um novo perfil, novo nome (civil), novo

estilo, nova missão, novo método e com sócios inseridos

na sociedade e gozando dos mesmos direitos e deveres

dos demais cidadãos. Soube adequar-se aos tempos! Sua

iniciativa foi bem-vinda e atraiu a simpatia do estado.

BICENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE DOM BOSCO 1815 DOM BOSCO 2015

Para refletir e partilhar em grupo: 1) Como Cristão, qual deve ser a nossa autêntica postura diante das mudanças sócio-culturais? 2) Por que em meio a um clima de perseguição religiosa, Dom Bosco funda uma nova Congregação sem ter problemas? 3) Apesar de tantos desafios sócioculturais e políticos, perseguição e de ideologias contrárias à fé, surgiram no século de Dom

Bosco grandes profetas... O que significa isso? Antônio de Assis Ribeiro (P. Bira) - Manaus, 15 de janeiro de 2015