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Marxismo e descendência · 1 INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS: TRABALHO, FATORES PSICOSSOCIAIS E AMBIENTE SAUDÁVEL

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Marxismo e descendência · 1

INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS:

TRABALHO, FATORES PSICOSSOCIAIS E AMBIENTE SAUDÁVEL

2 · As bases estruturais do marxismo

INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES

SUSTENTÁVEIS

TRABALHO, FATORES PSICOSSOCIAIS E AMBIENTE SAUDÁVEL

Organizador principalMarco A. Silveira

OrganizadoresLaerte I. SznelwarLeticia S. Kikuchi

Maria Maeno

Marxismo e descendência · 3

INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES

SUSTENTÁVEIS

TRABALHO, FATORES PSICOSSOCIAIS E AMBIENTE SAUDÁVEL

Organizador principalMarco A. Silveira

OrganizadoresLaerte I. SznelwarLeticia S. Kikuchi

Maria Maeno

Organizador principalMarco Antonio Silveira

OrganizadoresLaerte Idal SznelwarLetícia Sayuri Kikuchi

Maria Maeno

Autores de capítulosAna Carolina Horst

Bruna Rossi CorralesClaudio Marcelo Brunoro

Ellen Alves SallesIvan Bolis

Johan Hendrik Poker JuniorLaerte Idal SznelwarLetícia Sayuri Kikuchi

Lis Andréa SobollLuciano de Freitas Pereira

Marcia HespanholMarco Antonio Silveira

Maria MaenoNanci Gardim

Natalia Pinheiro ManzoniRebeca Moreno Tarragô

Renata PaparelliSabrina Kelly Pontes

Impresso no Brasil, Maio de 2013

Copyright © 2013 by Marco Antonio Silveira

Os direitos desta edição pertencem ao CTI (Centro de Tecnologia da Informação “Renato Archer”) Rodovia Dom Pedro I, Km 143,6 – 13069-901 – Campinas SP, BrasilTelefone de contato: +55 (19) 3746-6083E-mail de contato: [email protected]ço eletrônico: http://www.cti.gov.br/gaia

OrganizadoresMarco Antonio SilveiraLaerte I. SznelwarLeticia S. KikuchiMaria Maeno

Assistência editorial e organizacionalCristiani Aparecida Policeno

Gestão EditorialCEDET – Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico Ltda.

RevisãoLuiz Augusto Ely

Capa, projeto gráfico e editoraçãoJoão Toniolo

Imagem de fundo da capa© Hugolacasse | Dreamstime.com

Reservados todos os direitos desta obra.Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecâ-nica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Marco Antonio Silveira (organizador principal); Laerte I. Sznelwar; Leticia S. Kikuchi; Maria Maeno (organizadores)

Inovação para Desenvolvimento de Organizações Sustentáveis: Trabalho, Fatores Psicossociais e Ambiente Saudável; Organização de Marco Antonio Silveira; La-erte I. Sznelwar; Leticia S. Kikuchi; Maria Maeno – Campinas, SP: CTI (Centro de Tecnologia da Informação “Renato Archer”), 2013.

194 pp.

ISBN 978-85-65163-02-6

1. Gestão Organizacional 2. Saúde Ocupacional 3. Inovação Tecnológica. 4. Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer. I. Título.

CDD – 658.406

Índices para Catálogo Sistemático:1. Gestão Organizacional – 658.4062. Saúde Ocupacional - 6133. Inovação Tecnológica – 338.064

SUMÁRIO

PrefácioLuciel de Oliveira (FGV) ...........................................................................................................11

seção a: inovação para construção de convergência (org.: letícia sayuri kikuchi)

1. Organização saudável, desenvolvimento sustentável: construindo convergência entre lucro econômico e desenvolvimento humano

Marco Antonio Silveira.............................................................................................................15

2. Enriquecimento cognitivo para desenvolvimento da inovação e do potencial humano

Letícia Sayuri Kikuchi, Ellen Alves Sales e Rebeca Moreno Tarragô ...................................... 31

3. Fundamentos e práticas das relações cooperativas no trabalho: inovação, geração de conhecimento e fatores psicossociais

Nanci Gardim e Bruna Rossi Corrales ..........................................................................................45

4. Valor do conhecimento e o conhecimento do valor: desafios e propostas para a mensuração do capital intelectual

Johan Hendrik Poker Junior ...................................................................................................... 63

seção b: organização do trabalho (org.: laerte idal sznelwar)

5. Sustentabilidade Corporativa, Responsabilidade Social Corporativa e Trabalho: uma abordagem teórica

Claudio Marcelo Brunoro, Ivan Bolis, Luciano de Freitas Pereira e Laerte Idal Sznelwar ... 79

6. Investigando relações entre Relatórios, Documentos, Diretrizes e Indicadores de Sustentabilidade e o tema Trabalho

Claudio Marcelo Brunoro, Ivan Bolis, Natalia Pinheiro Manzoni e Laerte Idal Sznelwar ..... 101

7. Relações entre saúde e trabalho Sabrina Kelly Pontes ...................................................................................................................... 125

seção c: trabalho e saúde mental (org.: maria maeno)

8. O trabalho como ele é e a saúde mental do trabalhador Maria Maeno e Renata Paparelli ................................................................................................ 145

9. Discurso humanizador, prática de exploração: os novos modelos de gestão e a saúde mental dos trabalhadores

Marcia Hespanhol ........................................................................................................................... 167

10. O assédio moral como estratégia de gerenciamento: solicitações da forma atual de gestão

Lis Andréa Soboll e Ana Carolina Horst ...................................................................................... 183

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SOBRE OS AUTORES

Marco Antonio Silveira (Organizador principal)Doutor, mestre e engenheiro com experiência em gestão tecnológica, empresarial e acadêmi-ca através de atividades de direção, assessoria, ensino e pesquisa em empresas, universidades e unidades de pesquisa. Atua desde 1986 no CTI e, desde 1994, é docente em diversos cursos de pós-graduação (UNICAMP, PUC-Campinas, UNISAL, INPG, USM, entre outras). É o coor-denador geral do GAIA.

Cristiani Policeno (Organizadora Administrativa)Graduada em Administração de Empresas pela UNIB. Tem experiência em gestão empresarial e atualmente é pesquisadora do GAIA (Grupo de Apoio a Inovação e Aprendizagem em siste-mas organizacionais). Atuando na coordenação do grupo e dando suporte nos diversos projetos.

Luciel Oliveira (Autor do Prefácio)Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal de Lavras (1987), Mestrado em Administração pela Universidade Federal de Lavras (1992), com concentração em Agronegócios, e Doutorado em Administração de Empresas pela EAESP/Fundação Getúlio Vargas - SP (1998), com concentração em Ges-tão de Operações e Sistemas de Informação. Atualmente é professor e pesquisador em cursos de graduação e pós-graduação na Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e na FACAMP Professor do Mestrado interdisci-plinar da UNIFAE em São João da Boa Vista.

AUTORES:

Ana Carolina HorstPsicóloga pela Universidade Federal do Paraná. Advogada com bacharelado em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Mestre pelo programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário com bolsa Capes. Consul-tora em Psicologia do Trabalho na Consciência Consultoria Ltda.

Bruna Rossi CorralesGraduanda em Ciências Econômicas pela UNICAMP, e bolsista de iniciação científica no GAIA (Grupo de Apoio a Inovação e Aprendi-zagem organizacional). Atualmente desenvolve

pesquisa na área de geração de conhecimento e inovação em organizações, com ênfase no estudo de grupos.

Claudio Marcelo BrunoroEngenheiro de Produção pela Escola Politécni-ca da USP. Mestre em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP. Doutorando em Engenharia de Produção pela Escola Politéc-nica da USP, pesquisador na área de Trabalho, Tecnologia e Organização nos temas ergono-mia, psicodinâmica do trabalho, organização do trabalho e sustentabilidade.

Ellen Alves SalesGraduanda de Tecnologia em Gestão Empresa-rial - Processos Gerenciais, pela Faculdade de Tecnologia de Americana (FATEC-AM), e bol-sista de iniciação científica no GAIA (Grupo de Apoio a Inovação e Aprendizagem em sistemas organizacionais). Atualmente desenvolve pes-quisas na área de Capital Humano e Sustenta-bilidade Organizacional.

Ivan BolisEngenheiro de Produção pela Escola Poli-técnica da USP e Engenheiro Industrial pelo Politecnico di Milano. Doutorando e Mestre em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP, pesquisador na área de Trabalho, Tecnologia e Organização nos temas ergonomia, organização do trabalho e sustentabilidade.

Johan Poker Jr. Professor das disciplinas de Finanças da FCA/UNICAMP, pós-doutorado no CTI “Renato Archer”, doutor e mestre em Adm. de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, bacharel em Estatística pela Universidade Esta-dual de Campinas - UNICAMP. Foi executivo de empresas, entre elas: Redecard, Shell, Itau, Unibanco e ACNielsen.

Laerte Idal SznelwarGraduação em Medicina pela UNICAMP, doutorado em Ergonomia pela Conservatoire National des Arts et Metiers e pós-doutorado no Laboratoire de Psychologie du Travail et de l’Action du CNAM. Professor na Eng. de Produ-ção da POLI/USP. Tem experiência Ergonomia, Saúde do Trabalhador, Psicodinâmica do Traba-lho. Integrante do Grupo de Pesquisas Trabalho, Tecnologia e Organização do Trabalho.

SOBRE OS AUTORES | 9

Letícia Sayuri KikuchiGraduada em Administração de Empresas pela Facamp. Tem experiência em gestão empre-sarial e atualmente é pesquisadora do GAIA (Grupo de Apoio a Inovação e Aprendizagem em sistemas organizacionais). Seu foco de pes-quisa é gestão, sustentabilidade organizacional e capital humano.

Lis Andréa Pereira SobollProfessora do Departamento de Psicologia da UFPR, Psicóloga, Doutora em Medicina Preventiva pela USP, Mestre em Administra-ção pela UFPR. Líder do grupo de pesquisa registrado no CNPq “Trabalho e processo de subjetivação”. Atua desde 2003 como pesquisa-dora e consultora nas problemáticas relativas às relações, à saúde mental e ao assédio moral no trabalho. Autora de livros e textos acadêmicos, entre eles “Clínicas do Trabalho” (com Pedro Bendassolli, pela Ed. Atlas) e “Assédio moral interpessoal e organizacional” (com Thereza Gosdal, pela LTr).

Luciano de Freitas PereiraEstudante de Engenharia de Produção na Esco-la Politécnica da USP, integrante do grupo de pesquisadores em ergonomia, organização do trabalho e sustentabilidade. Atualmente realiza intercâmbio acadêmico na École Centrale Paris (França).

Marcia HespanholTem mestrado e doutorado em Psicologia Social pela USP e especialização em Saúde Pública, bem com experiência de quase 20 anos de atuação na área de Saúde do Trabalhador. Atualmente, é docente do Programa de pós--graduação em Psicologia da PUC-Campinas. Suas pesquisas têm como foco o trabalho humano e utilizam-se da perspectiva da Psico-logia Social do Trabalho.

Maria MaenoGraduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP, mestrado pelo Departamen-to de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP. Pesquisadora da Fundacentro. Experiência em Saúde do Trabalhador, Orga-nização do Trabalho e Adoecimento, Políticas Públicas em Saúde do Trabalhador. Assessoria do Centro Colaborador da Organização Mun-dial da Saúde em Saúde Ocupacional – Brasil.

Nanci Gardim Mestre em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente trabalha em questões relacionadas com relações cooperativas, gestão da inovação, f luxo e Gestão do Conhecimento, Transferência de Tecnologia e Propriedade Intelectual. Trabalhou por dois anos na Agên-cia de Inovação da Unicamp (Inova-Unicamp) e, desde outubro de 2010, é pesquisadora do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. É também professora em MBA de Gestão Estratégica de Negócios.

Natalia Pinheiro ManzoniEstudante de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP. Bolsista de Iniciação Científica e participante do grupo de pesquisa em Sustentabilidade e Trabalho do Departa-mento de Engenharia de Produção - POLI/USP

Rebeca Moreno TarragôGraduanda em Comunicação Social – Publi-cidade e Propaganda pela PUC-CAMPINAS, e bolsista de iniciação científica no GAIA (Grupo de Apoio a Inovação e Aprendizagem em sistemas organizacionais). Atualmente desenvolve pesquisa na área de difusão e gestão do conhecimento e inovação.

Renata PaparelliPsicóloga, doutora em Psicologia Social e do Trabalho pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), docente do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), especialista em Saúde do Trabalhador pelo Centro de Refe-rência em Saúde do Trabalhador de São Paulo (CEREST/SP), perita judicial.

Sabrina Kelly PontesAdministradora Pública pela Universidade Estadual Paulista – UNESP Mestre e Doutora em Engenharia de Produção pela Universi-dade Federal de São Carlos- UFSCar Atu-almente professora titular da Universidade Paulista- UNIP.

PREFÁCIO

Luciel Henrique de Oliveira

O sucesso de qualquer atividade empresarial é diretamente proporcional à capa-cidade da gestão em manter o trabalhador em boas condições de saúde física e mental. Pela sua capacidade de raciocínio e pelo seu instinto gregário, o homem conseguiu, através da história, criar tecnologias que possibilitaram sua existência e manutenção no planeta por meio do trabalho.

Diante da emergência da responsabilidade corporativa ampliada como um dos parâmetros básicos de ação para todos os agentes públicos e privados, e consideran-do o cenário homem X saúde X saúde no trabalho, este livro aborda a inovação para desenvolvimento de organizações sustentáveis, e apresenta formas para identificar o que é possível fazer para a melhoria constante da saúde e da qualidade de vida das pessoas, seja no ambiente de trabalho ou fora dele.

Ao abordar a inovação para construção de convergência os autores partem do princípio que a ciência e a tecnologia evoluem de forma acelerada, tornando difícil, mesmo para grandes empresas, manter pesquisas em todas as áreas de conhecimento que contribuam para o desenvolvimento de seus produtos e serviços. Dessa forma, as atividades de inovação valem-se também de idéias, conhecimentos e tecnologias provenientes de fontes externas (inovação aberta). Assim os temas são encadeados em uma seqüência coerente, abordando competitividade e sustentabilidade, desen-volvimento cognitivo, cooperação no trabalho e capital intelectual.

Ao abordar a organização do trabalho os autores enfocam complexos aspectos atuais, por envolverem a interdisciplinaridade para entender e propor soluções aos novos desafios: sustentabilidade e responsabilidade social corporativa, indicadores e relações entre trabalho e saúde.

Ao abordar a relação entre trabalho e saúde mental os autores consideram temas

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paradoxais: ao mesmo tempo muito antigos em sua existência e relativamente novos em termos de abordagens teóricas; além disso, apontam para a busca de mecanismos para solução: a exploração do trabalho, assédio moral e discurso humanizador.

Entre os novos desafios empresariais está a capacidade de contribuir para a cons-trução e difusão de novos modelos de gestão alinhados com os processos de desen-volvimento sustentável, considerando as externalidades socioeconômicas e múltiplos aspectos interligados como: saúde física e mental do trabalhador, inovação e organi-zação do trabalho.

A proposta do livro, desenvolvido a partir das pesquisas e experiência docente e organizacional dos autores, é contribuir para o desenvolvimento de uma cultu-ra capaz de enfrentar a transição para a sustentabilidade, considerando os desafios da construção de convergência. Assim esta obra contribui para buscar formas de alcançar um desenvolvimento integrado, socialmente includente, tecnologicamente prudente e economicamente eficiente.

Prof. Dr. Luciel Henrique de OliveiraEAESP/FGV, FACAMP e UNIFAE

[email protected]

seção a

INOVAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO DE CONVERGÊNCIA (ORG.: LETÍCIA SAYURI KIKUCHI)

CAPÍTULO 1

Organização saudável, desenvolvimento sustentável: construindo convergência entre lucro econômico

e desenvolvimento humano

Marco Antonio Silveira

As empresas e demais tipos de organizações são, em sua maioria, sistemas de gran-de complexidade em contínua interação com os agentes e fatores socioeconômicos existentes em seu ambiente de atuação. Por essas razões, o desempenho organizacio-nal é fortemente influenciado tanto pelas características do ambiente externo como do modelo de gestão adotado. Mas, enquanto a organização (empresa) 1 tem pouco ou nenhum controle sobre o seu ambiente de atuação, ela pode ter uma considerável governabilidade sobre grande parte dos seus principais fatores internos.O nível de governabilidade que a empresa pode alcançar sobre um determinado fator interno é determinado por três capacidades distintas: identificar a existência desse fator, compreender como se dão as principais interações entre esse fator e os demais elementos organizacionais e construir mecanismos para gerenciá-lo. Os fatores internos que podem determinar o desempenho organizacional incluem tanto aqueles associados aos elementos tangíveis da empresa, entre os quais ambiente físico-quí-mico, tecnologias, máquinas e mobiliário, como os fatores psicossociais associados à subjetividade humana.

Muito embora não seja tarefa trivial ampliar a governabilidade sobre determi-

1 Para maior clareza, neste texto será utilizado na maioria das vezes o termo “empresa”. No entanto, praticamente todas as afirmações são aplicáveis aos demais tipos de organização como hospitais, univer-sidades, fundações, organismos governamentais entre outras instituições públicas e privadas.

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nados fatores internos, notadamente aqueles de natureza subjetiva, o esforço nessa direção pode ser decisivo para o sucesso da empresa uma vez que a arquitetura orga-nizacional adotada, isto é, a maneira pela qual os elementos organizacionais estão estruturados, afetará fortemente tanto o desempenho empresarial (capacidade de inovação, custos, segurança, absenteísmo, lucratividade, qualidade e produtividade das operações, entre outros aspectos) como a vida dos trabalhadores (saúde física e mental, empregabilidade, desenvolvimento de competências, qualidade de vida).

O aprofundamento de conhecimentos sobre as complexas interações entre os fatores organizacionais objetivos e subjetivos, em especial aqueles mais diretamente relacio-nados com os sistemas de gestão e a organização do trabalho, é um campo de estudo especialmente promissor. A expectativa é que o maior entendimento sobre essas inte-rações contribua para o desenvolvimento de modelos organizacionais sustentáveis, isto é, que promovam simultaneamente o sucesso financeiro/mercadológico da empresa e o crescimento pessoal/profissional dos trabalhadores, diminuindo conseqüentemente as externalidades socioeconômicas negativas geradas pelas empresas e contribuindo para atenuar as (ainda) tensas relações capital-trabalho.

Este capítulo introduz reflexões sobre alguns elementos importantes internos e suas relações nos sistemas organizacionais.

→ As empresas e a construção da sociedade que queremos

Entre as interessantes afirmações feitas por Aktouf em sua obra seminal, encontra-se uma de especial importância:

“As organizações (empresas) constituem-se em um dos agentes centrais da concretização de uma escolha de sociedade e dos relacionamentos humanos” (AKTOUF, 1996, p. 228).

Vários outros autores também alertam para esse fato, como Mintzberg, especialista canadense em estratégia organizacional, ao afirmar que “a organização é uma grande força na sociedade atual” (MINTZBERG e QUINN, 2001, p. 184).

Verifica-se, realmente, que a importância das organizações na sociedade contem-porânea é grande e tem crescido ao longo dos últimos anos. Isso se deve a fatores como o crescimento do porte e do poderio econômico das organizações, a redução da intervenção do Estado na economia aumentando o grau de liberdade para atuação dos agentes econômicos privados, e a diminuição dos espaços de socialização, tornando as organizações um dos poucos espaços de convivência social fora do ambiente familiar. 2

Até o final do século XIX existiam poucas organizações (empresas) com algum

2 No Brasil, por exemplo, os espaços de socialização diminuíram muito nas últimas décadas por conta do crescimento desordenado das cidades e do aumento da violência urbana.

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porte ou importância social. Hoje, porém, os seus impactos na sociedade se dão em cinco diferentes aspectos: a) econômico, pois as riquezas econômicas são geradas pelas atividades empresariais; b) social, pois os empregos gerados pelas organizações são responsáveis pelo sustento financeiro da maioria das famílias; c) relações huma-nas, uma vez que as pessoas estão na maior parte do tempo em seus ambientes de trabalho; d) desenvolvimento pessoal, na medida em que o trabalho se constitui em um fator fundamental para a realização do potencial humano; e) ambiental, pois as principais agressões ao meio ambiente têm origem nas atividades das organizações dos setores econômicos primário e secundário (SILVEIRA, 2011b).

Um dos aspectos fundamentais para essa importância transcendente das empre-sas é o papel central que o trabalho ocupa na vida de cada indivíduo: a ação huma-na por excelência é o trabalho! É principalmente através do trabalho que as pessoas ganham o seu sustento, desenvolvem suas potencialidades, contribuem para a comu-nidade, sendo também um instrumento para construção da própria personalidade, como propõe Dejours. A empresa se constitui no espaço social onde o trabalho se viabiliza e, ainda, onde os trabalhadores passam a maior parte do seu tempo: portan-to, é inevitável que as características da empresa vão impactar as várias dimensões do indivíduo e, como decorrência, da sociedade.

Tendo as empresas um papel que transcende a geração de valor econômico (o que não é pouco), o aprofundamento dos estudos organizacionais poderá trazer também contribuições relevantes para compreender melhor a sociedade contemporânea e, principalmente, para que sejam identificadas soluções efetivas para construir a socie-dade que queremos: uma sociedade com as características inerentes à sustentabilida-de, que seja economicamente viável, ambientalmente equilibrada e socialmente justa. Colocado em outros termos, a “sociedade que queremos” é uma sociedade saudável, nas múltiplas acepções desse termo, o que obviamente inclui pessoas mais saudáveis no sentido físico, emocional e mental.

Um triste exemplo de como estamos longe da “sociedade que queremos” foi reve-lado por uma pesquisa recente que relata a incidência da ordem de 30% de pessoas com algum tipo de transtorno mental (TM) na região metropolitana de São Paulo, dos quais 10% são considerados transtornos graves (ANDRADE; WANG; ANDRE-ONI et al., 2012). Podemos imaginar com um grau de certeza bastante considerável, que entre os fatores prováveis desta verdadeira epidemia na área de saúde mental, encontram-se vários ligados ao mundo do trabalho.

Uma decorrência dessas digressões anteriores é que o desenvolvimento de siste-mas de saúde que sejam socioeconomicamente sustentáveis deve incluir estudos e reflexões sérias sobre os problemas físicos e mentais gerados pelas empresas, os quais infringem dor para os trabalhadores e seus familiares, provocam prejuízos (diretos e indiretos) para as empresas e oneram o erário público. Os fatores físico-químicos e, principalmente (ousamos afirmar!), os fatores psicossociais existentes na empresa,

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podem impactar a saúde física e mental dos seus trabalhadores, além de prejudicar o desempenho organizacional como um todo.

As empresas são sistemas sociais cujo grau de governabilidade é muito maior do que na sociedade em geral, sendo, portanto, um ótimo espaço para implantar ações efetivas de promoção da saúde preventiva. O custo-benefício de investimentos em prevenção é melhor do que gastar na cura das patologias evitáveis. Incentivar ambientes organi-zacionais mais saudáveis, no sentido físico-químico e psicossocial, tem um potencial maior para gerar benefícios socioeconômicos do que aumentar indiscriminadamente os recursos para a construção de hospitais e o financiamento de remédios.

→ Competitividade e sustentabilidade

Tal qual os seres humanos, é natural que o propósito maior de qualquer empresa seja a sua própria sobrevivência. Para tanto, elas vão competir por recursos e espaço nos mercados com o objetivo de se perpetuarem, uma vez que a vantagem competitiva está relacionada a resultados superiores, em relação aos principais concorrentes, que a empresa pode sustentar (PORTER, 1990; DAY, 1994).

É, portanto, legítimo e necessário que a empresa busque alcançar um nível de compe-titividade suficiente para fazer frente às demais forças competitivas presentes no seu segmento de mercado, sem o que a sua sobrevivência e crescimento ficariam compro-metidos, afetando o desenvolvimento socioeconômico da sociedade. Mas este objetivo legítimo da empresa não deve ser obtido comprometendo a saúde e o desenvolvimento dos seus trabalhadores ou gerando outros prejuízos socioeconômicos e ambientais. É esta, em síntese, a bandeira da sustentabilidade.

A construção de uma sociedade saudável requer que a competição existente nos mercados seja ordenada por princípios e mecanismos reguladores que impeçam que o crescimento ou a sobrevivência de uma empresa se dê a custa de prejuízos sociais. Para essa mudança de enfoque, é importante que a literatura gerencial traga reflexões sobre os modelos empresariais adotados, o que ainda não é muito freqüente, como frisado por Acktouf:

A literatura gerencial só se preocupa com o que fazer e como fazer , não tendo muito espaço para reflexões críticas relacionadas com o ´porque fazer , ou seja, por razões outras que não só o lucro em si mesmo. (ACKTOUF,1996).

A visão puramente financista das relações no mundo corporativo está tão disse-minada que a quase totalidade das pessoas – sejam elas pertencentes à minoria que

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se beneficia desse modelo perverso ou à grande maioria que é vítima das suas conse-qüências – entende esse como sendo o único modelo viável.

São trágicas na perspectiva do ser humano os reflexos desse modelo empresarial dominante, cujo paradigma implícito é que o lucro privado está acima dos interesses da coletividade. Enquanto uma parcela significativa da humanidade vive abaixo da linha de pobreza (estima-se em cerca de 20% da população mundial), a maior parte das pessoas empregadas em corporações sofre as conseqüências de um trabalho alie-nante e insalubre, com impactos negativos na sua saúde física e mental.

Modelos empresariais sustentáveis devem se pautar pelo equilíbrio no atendimen-to das demandas econômicas, sociais e ambientais, em conformidade com o deno-minado tripé da sustentabilidade ou “enfoque triple bottom line”, o qual pressupõe o equilíbrio dos interesses e das necessidades de todos os stakeholders da empre-sa. Esses modelos sustentáveis contêm em si a essência de uma gestão estratégica de excelência uma vez que introduz a necessidade de pensar a empresa de forma holísti-ca, equilibrada, responsável e com visão de longo prazo (SILVEIRA, 2011a).

A análise das relações dos cinco grupos de stakeholders (proprietários, trabalha-dores, clientes, fornecedores e a sociedade como um todo) de uma dada empresa com as três dimensões do tripé da sustentabilidade leva a algumas reflexões interessantes.

O sucesso econômico das empresas é um dos principais fatores para o desenvol-vimento socioeconômico do país e beneficia toda a sociedade, desde que seja funda-mentado nos princípios da ética concorrencial, ambiental e social. Portanto, é gran-de a importância da dimensão econômica da empresa, pelo seu potencial de trazer benefícios para todos os cinco grupos de stakeholders. A viabilização econômica de uma empresa se dá através da oferta de produtos que agregam valor aos seus clientes, vindo ao encontro dos interesses diretos de seus proprietários na forma de retorno sobre os investimentos, 3 dos seus trabalhadores pela manutenção de bons empregos e dos seus fornecedores pelo desenvolvimento de seus negócios.

A dimensão ambiental impacta diretamente a sociedade como um todo. Portanto, o equilíbrio ambiental nos processos e produtos oferecidos pela empresa é de gran-de interesse, especialmente daqueles segmentos da sociedade que podem ser mais diretamente afetados, como as comunidades prejudicadas por eventuais impactos ambientais e (em alguns casos) os próprios trabalhadores da empresa, que não devem ser submetidos a condições insalubres.

O terceiro eixo do tripé da sustentabilidade, a sua dimensão social, é hoje a que está mais desassistida, principalmente se forem considerados os impactos diretos e indiretos nos trabalhadores e, como decorrência imediata, em suas famílias, além

3 Os “proprietários” de empresas não são somente os grandes grupos econômicos e as instituições financeiras. Nesse grupo de stakeholders estão incluídos também proprietários de empresas de pequeno porte, acionistas minoritários de grandes corporações e até microempreendedores.

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das demais externalidades socioeconômicas negativas, entre as quais os impactos nos sistemas de saúde, na previdência social e no judiciário trabalhista.

Por esses motivos, entendemos que a denominada responsabilidade social corpo-rativa deve estar inextricavelmente relacionada com o próprio negócio da empre-sa e não ficar restrita a algumas ações “cosméticas”, como a mera mobilização de voluntariado e outras ações externas de menor alcance. A responsabilidade social da empresa deve se refletir, acima de tudo, nas condições de trabalho oferecidas a seus trabalhadores, através da oferta de empregos decentes e qualificados, os quais trazem benefícios efetivos para o desenvolvimento de sociedades sustentáveis, na sua acep-ção mais profunda e abrangente.

→ Capital humano como instrumento para convergência de interesses

É preciso encarar a realidade do mundo corporativo sem ingenuidades: o conflito capital-trabalho ainda existe, tendo “sobrevivido” às muitas mudanças sociais e eco-nômicas ocorridas desde o início da revolução industrial no século XVIII.

Por outro lado, mesmo reconhecendo a existência de interesses potencialmente conflitantes entre proprietários e trabalhadores, não parece que a persistência des-se conflito é um indicador de que se trata de algo inevitável, como se fosse uma lei imutável da natureza. Uma visão realista do mundo corporativo pode incluir o esfor-ço para que sejam desenvolvidos modelos empresariais que possam diminuir subs-tancialmente as mazelas provocadas pelas relações conflituosas entre o capital e o trabalho; conflitos potenciais não precisam necessariamente resultar em prejuízos significativos para nenhuma das partes.

É inerente à vida em sociedade a existência de interesses potencialmente conflitan-tes, e isso se estende até na convivência familiar. Não seria mesmo de se esperar que na empresa não existissem interesses divergentes, os quais não se limitam a trabalha-dores e proprietários, mas incluem também os demais stakeholders. 4

O que determinará a sustentabilidade de uma empresa não é a ausência de inte-resses que se conflitam, pois esses são inevitáveis, mas a construção de modelos que contribuam para construir convergência entre os interesses legítimos dos vários stakeholders. A sustentabilidade, portanto, pressupõe um nível adequado de equilí-brio dinâmico no atendimento aos objetivos e necessidades das diferentes partes que compõem o todo (a empresa). Para tanto, uma alternativa efetiva é a construção de mecanismos integradores baseados em relações cooperativas, do tipo ganha-ganha (como a simbiose, do mundo biológico) que contribuam para uma predisposição

4 Um pequeno exemplo de interesses potencialmente conflitantes é revelado pelos estudos de Porter (1998) sobre estratégias competitivas: entre as cinco forças competitivas que uma empresa precisa enfren-tar estão o poder de negociação dos compradores (isto é, dos seus clientes) e do poder de negociação dos seus fornecedores.

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favorável dos vários elementos, minimizando a necessidade de mecanismos de com-petição predatória, coerção ou controle.

A integração que produz modelos sustentáveis requer identificar como os múlti-plos interesses e aspectos individuais influenciam o sistema como um todo (no caso, a empresa). Isso pode ser feito, por exemplo, identificando meios para agregar valor a cada stakeholder através de uma avaliação de “custos (financeiros e não-financeiros) x benefícios”. Isso feito, devem ser priorizadas as alternativas que reforçam os interes-ses convergentes e minimizam os conflitos potenciais.

Sendo lógica da sustentabilidade baseada na integração de interesses, os modelos a serem valorizados são aqueles que conseguem transcender o paradigma do “uma coisa ou outra”: “lucro ou humanização”, “tecnologia ou pessoas”, “estratégico ou operacio-nal”, “presente ou futuro” etc. Os modelos sustentáveis são aqueles que conseguem proporcionar ao longo do tempo lucro econômico “e” benefícios sociais “e” equilíbrio ambiental. Esse princípio fundamental subjacente à sustentabilidade é conhecido também pela sigla 3P, derivado dos termos profit (lucro), people (pessoas) e planet (pla-neta), referenciando, respectivamente, as dimensões econômica, social e ambiental.

Um instrumento com grande potencial para a construção dessa integração de interesses é o uso competente de um recurso econômico (atendendo a dimensão eco-nômica: Profit), inesgotável (dimensão ambiental: Planet) e que promove o desenvol-vimento humano (dimensão social: People): o capital humano.

Capital humano é a denominação dada por alguns autores ao conjunto de conhe-cimentos e competências dos trabalhadores que são efetivamente mobilizados para a geração de valor e o desenvolvimento da empresa. Trata-se de um conceito de consi-derável complexidade, que ainda precisa ser melhor compreendido dada a sua subje-tividade, riqueza e potencial de benefícios para todos os stakeholders.

Na abordagem da teoria neoclássica os recursos organizacionais restringem-se a capital, trabalho e terra. A dinâmica dos mercados atuais, porém, provocou uma ampliação no entendimento do que sejam recursos organizacionais, redefinindo-os como “entidades tangíveis e intangíveis que a firma tem à sua disposição e que lhes permitem produzir com mais eficiência ou eficácia” (SVEIBY, 1998).

O conjunto de recursos intangíveis é denominado por vários autores como capital intelectual, entendido como aqueles recursos que não possuem existência física, mas, que assim mesmo, representam valor para a organização (EDVISSON e MALONE, 1998). Sveiby, por sua vez, identifica três conjuntos de fatores que compõem o capital intelectual: o capital estrutural, o capital de relacionamento e o capital humano. É consenso entre os estudiosos que o capital humano está na raiz da geração de todo o capital intelectual.

Em Silveira (2011a) são apresentadas três razões para que uma organização bus-que vantagens competitivas sustentáveis através de estratégias e operações baseadas no uso competente do capital humano e intelectual: a) minimizar os investimentos necessários (por tratar-se de um ativo econômico); b) aumentar a capacidade de gera-

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ção de inovações (que devem ser guiadas pelos bons princípios da sustentabilidade); c) facilitar a integração das demandas dos vários stakeholders (uma vez que os pro-cessos que envolvem o conhecimento dependem fortemente do fator humano).

O conceito de capital humano pressupõe um avanço significativo em relação à visão do trabalhador como uma “mão de obra”: ele está diretamente relacionado à dimensão subjetiva do trabalhador, uma vez que o conjunto de conhecimentos e competências é algo bem distinto do mero esforço físico ou da presença física aliena-da no espaço de trabalho (presenteísmo).

Quanto mais saudável, bem preparado e integrado ao sistema-empresa estiver o tra-balhador, maior será o nível de capital humano por ele gerado. Portanto, a principal decorrência de modelos empresariais desenvolvidos com base na gestão competente do capital humano é que a empresa será naturalmente direcionada para a valorização dos seus trabalhadores, de modo integrado com os propósitos estratégicos do seu negócio.

→ Dimensão humana e miopia gerencial

Especialistas da área de teoria das organizações enfatizam que toda organização é, antes de mais nada, um sistema social e como tal deve ser tratada:

Organizações são entidades sociais dirigidas por metas, desenhadas como sistemas de atividades deliberadamente estruturados e coordenados, e são ligadas ao ambiente externo.

O principal elemento de uma organização não é um edifício ou um conjunto de políticas e procedimentos: as organizações são compostas por pessoas e seus relacio-namentos […] (DAFT, 2002, p. 11).

Principalmente em um momento no qual a informação e a tecnologia estão dis-poníveis em larga escala, a gestão competente do ser humano pode ser o diferencial que irá gerar as vantagens competitivas necessárias para a sobrevivência da empre-sa nos mercados atuais, que se caracterizam por serem competitivos, complexos e dinâmicos.

Ignorar, de modo deliberado ou não, a dimensão humana da empresa é ir contra a natureza das organizações e a dinâmica do mercado atual. Portanto, mesmo sen-do difícil trabalhar com a dimensão subjetiva do ser humano, ela existe e um mode-lo gerencial completo não deveria deixar isso de fora. É preciso incluir a dimensão humana ao centro das decisões nas empresas, sob pena de as decisões serem sub-óti-mas, uma vez que negam algo de existência e influências comprovadas.

A existência de tantas empresas que, a despeito de desconsiderarem o fator huma-no, conseguem permanecer ativas nos mercados atuais, explica-se pelo fato de que essa mesma anomalia ocorre na grande maioria delas. O paradigma dominante ainda é o

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da visão financista-tecnocrática, nivelando por baixo o desempenho organizacional.Vários exemplos históricos mostram que equívocos gerenciais notáveis conse-

guem se sustentar ao longo do tempo, desde que este seja o paradigma dominante no mercado. Um dos exemplos mais ilustrativos foi revelado pelo chamado “mila-gre japonês do pós-guerra”. Até o surgimento no cenário internacional das gran-des empresas japonesas (Sony, Toyota, Mitsubishi etc) ocorrido na década de 70, os modelos organizacionais eram estruturados com base em princípios que hoje se mos-tram bastante inadequados como projeto de produtos sem considerar os interesses dos clientes, sistemas de gestão focados nos produtos (e não nos processos), visão departamentalizada dos problemas organizacionais entre outros equívocos.

Aos olhos de hoje fica evidente a miopia gerencial que dominava o mundo corpo-rativo naquele momento. Acreditamos que esse mesmo fenômeno ocorrerá dentro de alguns anos, quando for analisada a maneira pela qual o fator humano é hoje (pouco) considerado na esmagadora maioria das empresas. As empresas são sistemas sociais e, conseqüentemente, a sua unidade fundamental é o ser humano. Portanto, a igno-rância a respeito da natureza do ser humano e a desconsideração de suas necessida-des constituem-se em importantes lacunas de competência gerencial.

Como já mencionado, na perspectiva mais condizente com o momento atual do que sejam os recursos à disposição da empresa, o ser humano pode ser pensado como uma fonte de capital humano. Mas, para tanto, é necessário que ele compartilhe dos valores e interesses comuns predominantes na empresa. Caso contrário, como ele é dotado de livre-arbítrio, seus interesses irão divergir e neste caso, na melhor das hipóteses, ele irá se manter alheio às necessidades da empresa, gerando problemas como absenteísmo, presenteísmo, aumento de acidentes, falta de comprometimento entre outros. Em alguns casos a situação pode ser ainda pior: a pessoa tenderá a tra-balhar em direção contrária aos objetivos da empresa, através de erros conscientes e não-conscientes. Na tentativa de minimizar os problemas gerados, a empresa ten-derá a implantar mecanismos de coerção e controle os quais aumentarão os custos internos, diminuirão a agilidade e prejudicarão a capacidade de implantar melhorias, diminuindo tanto a eficácia como a eficiência do sistema organizacional.

Portanto, mesmo considerando toda a dificuldade e o despreparo hoje existen-tes para trabalhar com a dimensão subjetiva do ser humano, um modelo gerencial efetivo para lidar com os desafios do momento atual não pode desconsiderar essa realidade. É preciso trazer a dimensão subjetiva dos trabalhadores para os processos decisórios nas empresas. Negligenciar os fatores psicossociais existentes na empresa é desconsiderar um conjunto de fatores que são determinantes para o comportamento e os resultados da organização. Esta “irracionalidade gerencial” é ilustrada no esque-ma mostrado a seguir.

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Figura: Relações simplificadas para ilustrar a importância da dimensão humana (do traba-lhador) a ser considerada nos processos decisórios

→ Estratégia e inovação para sustentabilidade

Existem dois grandes grupos de opções estratégicas para a empresa alcançar um nível de desempenho que a permita sobreviver e prosperar frente às demais forças compe-titivas presentes no mercado: reduzir seus preços ou diferenciar-se em algum aspecto do seu produto, dos seus serviços de apoio e/ou da sua imagem. Essas duas vertentes fundamentais correspondem às estratégias competitivas genéricas denominadas por Porter como “estratégia de liderança por custo” e “estratégia de liderança por diferen-ciação” (PORTER, 1980). 5

Independentemente da sua opção estratégica ou do seu segmento de atuação, a dinâmica dos mercados atuais impõe às organizações públicas e privadas a neces-sidade de inovações contínuas. Isso porque a todo momento surgem novas tecnolo-gias de produtos e de processos, novos materiais, mudanças em normas e políticas públicas, alterações no ambiente macroeconômico, mudanças de comportamento na sociedade ou, mesmo, alterações nas preferências dos consumidores. No entanto, é nas organizações empresariais estruturadas através de estratégias de diferenciação que a inovação se torna ainda mais importante.

A empresa que opta pela estratégia da liderança por custos deve buscar objetivos estratégicos relacionados com aumento da escala de produção, desenvolvimento de plantas produtivas especializadas, automação dos processos e ganhos nas margens de lucro derivados do seu poder de negociação junto aos seus fornecedores ou aos seus clientes. Já na estratégia baseada em diferenciação a empresa precisará necessariamen-

5 Porter identificou três estratégias genéricas que podem ser usadas individualmente ou em conjunto. Além das duas mencionadas no texto, existe uma terceira, denominada estratégia competitiva de foco, cuja essência é se concentrar em um alvo específico e restrito de mercado; mas seja em um foco específico ou em uma faixa mais ampla de mercado, a empresa deverá priorizar custos ou diferenciação.

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te ter como fundamento estratégico a inovação contínua de seus produtos e processos. Esse imperativo estratégico deriva-se da dinâmica dos mercados atuais que impõe ciclos de vida cada vez mais curtos para as “diferenciações”: o que hoje é um dife-rencial competitivo, em pouco tempo é absorvido (ou, replicado) pelas demais forças competitivas. É o exacerbamento da dinâmica de mercado identificada por Schumpe-ter há quase um século , que impõe ao fenômeno da inovação um caráter de destruição criadora: cada novidade que surge leva à destruição das velhas formas de fazer e ser.

Nesse cenário de mudanças rápidas e contínuas, entender a empresa como um sistema em transformação, formado por múltiplos níveis de subsistemas que são interdepen-dentes e que interagem entre si, oferece um meio efetivo de prover as capacidades estratégicas que são valorizadas pelos seus clientes e pelos seus segmentos econômicos de atuação. Estas capacidades estratégicas que são a base para se alcançar e manter uma posição competitiva em longo prazo dependem da qualidade do capital humano disponível para a empresa: a inovação é o resultado da aplicação de novos conheci-mentos na empresa, e esses têm origem no ser humano (SILVEIRA, 2006).

Existem variações na forma como alguns especialistas da área gerencial definem inovação, mas, vários preservam a sua abrangência como Drucker (“inovação é um esforço para criar alterações úteis ao potencial econômico e social da empresa”), Patel (“inovar significa, em essência, a capacidade de criar e capturar novos valores, de maneiras diferentes”), entre outros.

O que para nós significa inovação? Essencialmente, nós estamos falando sobre mudan-ça. (TIDD; BESSANTE e PAVITT, 1997, p. 13).

A própria Lei da Inovação (Lei no 10.973/2004), promulgada pelo governo brasilei-ro realça essa abrangência ao definir inovação como sendo a introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social, que resulte em novos produtos, processos ou serviços.

De maneira geral, portanto, o termo inovação pode ser definido como a intro-dução de algo melhor em substituição ao que já existia. Esse enfoque abrangente e universal contribui para que se entenda que a inovação pode e deve ser buscada em qualquer aspecto ou setor da organização, envolvendo todo o corpo de trabalhadores, independentemente de seu nível de educação formal ou função desempenhada.

Tidd, Bessante e Pavitt (1997) alertaram a respeito dos problemas decorrentes de um entendimento parcial sobre o fenômeno da inovação como, por exemplo, de que se trata de um esforço restrito à área de P&D ou, que se resume em manter os clien-tes satisfeitos ou, ainda, de estar restrito a mudanças tecnológicas de produtos. Uma visão empobrecida da inovação pode trazer prejuízos para a organização ao dificultar

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perceber às mencionadas condições sistêmicas subjacentes a um fenômeno que pos-sui, via de regra, uma relativa complexidade. Uma limitação comum é considerar que são mudanças restritas ao produto. Outro aspecto limitante em relação ao fenômeno da inovação é a questão do grau de ruptura tecnológica envolvida na mudança. 6

Como os mercados têm se tornado cada vez mais dinâmicos e instáveis, a mudan-ça organizacional é um dos temas mais estudados no campo da administração, sen-do que as abordagens normalmente enfatizam tanto as dimensões objetivas e men-suráveis da organização que incluem as tecnologias, as estruturas hierárquicas, os departamentos, os sistemas de informação, entre outros, como as suas dimensões subjetivas que incluem todos os aspectos relacionados com o ser humano, sejam de natureza sociológica, psicológica, fisiológica ou cultural.

Em virtude dessa multiplicidade de variáveis organizacionais, a condução de mudanças que agregam valor à organização – ou seja, a condução de inovações - é, no mais das vezes, uma atividade bastante complexa, sendo que o enfoque sistêmico--holístico aponta para a necessidade de integrar as dimensões objetivas e subjetivas para que o processo de mudança seja conduzido com sucesso.

Nas áreas de psicologia e sociologia organizacional se encontram vários concei-tos para ajudar a compreensão do desenvolvimento e comportamento das organiza-ções, e das suas relações com os indivíduos e a sociedade. Segundo vários autores, a mudança organizacional é, antes de tudo, cultural, entrando posteriormente no nível dos processos e dos recursos.

O envolvimento dos trabalhadores no esforço para a inovação na organização pode provocar reações bastante positivas, que vão beneficiar todas as partes envolvidas. Como a inovação requer novos conhecimentos, e conhecer é um atributo do ser huma-no, isso pode trazer ao trabalhador um novo sentido para o trabalho. Nesse caso, não haverá mais espaço para enxergá-lo como um executor não-pensante de tarefas, trans-cendendo assim o pernicioso enfoque do trabalhador como uma mera mão de obra.

→ Competitividade com sustentabilidade: uma síntese

As empresas precisam estar preparadas para enfrentar os desafios impostos pelos mer-cados atuais, caracterizados por altos níveis de competitividade, mudanças e com-plexidade. Dessa situação, que deve perdurar ainda por muitos anos, decorre a busca legítima das empresas por aumentar seus níveis de competitividade frente às demais

6 Existem circunstâncias específicas que justificam restringir a abrangência do conceito de inovação. Por exemplo, o escopo principal do “Manual de Oslo: Proposta de Diretrizes para Coleta e Interpreta-ção de Dados sobre Inovação Tecnológica” da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é restrito aos indicadores de inovação tecnológica e, por esse motivo, o próprio texto tem o cuidado de destacar os motivos dessa restrição (2004).

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forças competitivas que atuam em seus segmentos de mercado. Mas essa legitimidade deixa de existir quando a busca por competitividade incorre em ações que trazem pre-juízos ambientais, econômicos ou sociais para a sociedade, seja por causa do nível dos desafios mercadológicos ou, o que é pior, quando os interesses privados são colocados acima dos interesses da coletividade, essência da lógica do lucro a qualquer preço.

A existência continuada há mais de três séculos de modelos empresariais que cau-sam prejuízos significativos à sociedade se explica pelas dificuldades (e, pelas conve-niências) de as externalidades ambientais e socioeconômicas negativas geradas pelas empresas não serem adequadamente avaliadas. Uma avaliação abrangente dos custos e dos benefícios gerados por muitas empresas, e até por alguns setores empresariais como um todo (o setor de tabaco, por exemplo), provavelmente revelaria a sua insus-tentabilidade socioeconômica e ambiental.

Enquanto as externalidades ambientais negativas se tornam cada vez mais evi-dentes, como as emissões excessivas de contaminantes e a exploração inadequada de recursos naturais, as externalidades socioeconômicas negativas ainda carecem de uma atenção maior por parte da sociedade. É preciso que sejam considerados com muita atenção os agravos à saúde física e mental dos trabalhadores, os quais trazem grandes prejuízos (humanos e financeiros) para o indivíduo, a sua família, os sistemas de saúde e os sistemas de previdência social. Devem ser também considerados outros agravos relacionados ao trabalho mais difíceis de serem quantificados, mas que tam-bém provocam danos importantes à auto-estima dos indivíduos, ao desenvolvimento pessoal e cognitivo, às relações humanas e aos sistemas do judiciário trabalhista.

As reflexões feitas ao longo deste capítulo sobre as interações entre vários elemen-tos da empresa apóiam-se em estudos que estão sendo por nós conduzidos visando compreender melhor como alguns fatores organizacionais e humanos interagem, influenciando tanto o desempenho organizacional (mais especificamente em termos de inovação, qualidade, produtividade e custos) como os trabalhadores (desempenho pessoal, nível de satisfação, saúde e segurança no trabalho). Esses estudos são orien-tados pelo uso do capital intelectual, priorizando o seu componente principal que é o capital humano, como instrumento para desenvolvimento de sistemas organizacio-nais sustentáveis. 7

Um aspecto a se destacar desses estudos é o impacto positivo da promoção de meca-nismos cooperativos, os quais possuem bom potencial para incrementar o desempenho

7 Por exemplo, em Silveira (2011a) é apresentado um projeto recente, visando apoiar a sustentabilidade organizacional de empresas brasileiras do setor de equipamentos eletromédicos. Tal projeto busca o ge-renciamento integrado de questões tecnológicas, mercadológicas, organizacionais e humanas, através da articulação de metodologias visando viabilizar estratégias baseadas em diferenciação, implantadas através da coordenação entre inovações de produtos e processos, com a gestão integrada do composto de marketing do produto e a integração dos vários sistemas de gestão da empresa.

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da empresa em seus múltiplos aspectos. Trata-se de um caminho a ser melhor estudado para o desenvolvimento de empresas que buscam obter bons níveis de competitividade, mantendo uma boa qualidade de vida para o trabalhador. A maioria dos mecanismos para promoção da cooperação interna possui uma relação custo/benefício bastante favorável uma vez que os custos para sua implantação são relativamente baixos quando comparados com os retornos potenciais para as várias dimensões organizacionais. São exemplos desses mecanismos o estímulo ao trabalho envolvendo vários departamen-tos, a promoção de projetos multidisciplinares, o reconhecimento ao desempenho em equipe (e não só ao desempenho individual) e, principalmente, o desenvolvimento de ambientes que contribuam para o acolhimento e respeito aos trabalhadores.

Outro aspecto de destaque é a importância de ser dada uma maior atenção nas empresas para o desenho de processos e das tarefas relacionadas que tenham um nível adequado de estímulo cognitivo aos trabalhadores. Isso irá beneficiar ao mesmo tempo o desempenho competitivo da empresa e os trabalhadores, aumentando a sua satisfação e a qualidade de vida no trabalho. Os mecanismos que viabilizam o enri-quecimento cognitivo das tarefas podem ser obtidos, na maioria dos casos, através de soluções simples de custo muito baixo para a empresa.

As conclusões dos nossos estudos e os comentários feitos ao longo deste capítulo podem ser sintetizadas em três aspectos que nos parecem fundamentais:

i. É imperativo que as empresas tenham níveis de desempenho competitivo com-patíveis com os grandes desafios dos mercados atuais.

ii. Competitividade sem sustentabilidade – entendida como equilíbrio no atendi-mento de demandas ambientais, econômicas e sociais – produz mais prejuízos que ganhos para a sociedade e, portanto, não deve ser tolerada.

iii. O uso competente do capital humano se constitui em um instrumento estraté-gico para o desenvolvimento sustentável da empresa e, para tanto, é necessário a integração da dimensão humana à estratégia organizacional.

Empresas com maior valorização do trabalhador e com investimentos na geração de conhecimento e na contínua busca de inovação tecnológica e organizacional pos-suem seu lugar à frente dos concorrentes na corrida pela vantagem competitiva nos mercados atuais, sendo esse um caminho a ser trilhado para se alcançar a necessária competitividade com sustentabilidade.

Nos capítulos que se seguem, os principais aspectos aqui comentados serão trata-dos com maior profundidade.

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CAPÍTULO 2

Enriquecimento cognitivo para desenvolvimento da inovação e do potencial humano

Letícia Sayuri KikuchiEllen Alves Sales

Rebeca Moreno Tarragô

→ Introdução

O enriquecimento cognitivo é o resultado do processo de aperfeiçoamento do conhecimento, através da incorporação de elementos e mudanças nos processos do meio à estrutura do indivíduo, por isso é peça fundamental para a aprendizagem organizacional. Além disso, pode contribuir para a satisfação e motivação dos tra-balhadores. A aprendizagem ligada ao trabalho, o trabalho reflexivo, o significado do trabalho, as abordagens utilizadas na inserção da aprendizagem, os resultados positivos no mercado, as dificuldades encontradas dentro e fora das empresas, o am-biente organizacional, além dos fatores psicossociais, todos participam e têm grande importância na geração de conhecimento dentro das organizações.

Os fatores psicossociais podem impactar a saúde dos trabalhadores e trazer con-seqüências negativas para as organizações como diminuição de desempenho, absen-teísmo e acidentes de trabalho, aumentando assim os custos organizacionais e redu-zindo a competitividade. A exposição ininterrupta das situações estressantes podem ocasionar problemas psicológicos e comportamentais. Distúrbios cognitivos como dificuldade de concentração, memória e capacidade de decisão comprometem o de-sempenho profissional e se prolongados podem adoecer os trabalhadores. A tensão psicossocial ocupacional crônica traz a exaustão emocional.

A cognição humana influencia e sofre influências dos processos laborais. Represen-ta a busca da compreensão de como a pessoa gerencia a situação de trabalho e as in-

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formações que recebe. Os processos psicológicos estão diretamente ligados à aprendi-zagem; eles são responsáveis pela integração de fatores contextuais e internos que po-dem tanto favorecer como afetar de maneira negativa o processo de aprender. Alguns fatores influenciam nas estruturas perceptivas, como a memória, emoção, atenção e a motivação; eles dependem das condições externas e internas e o ambiente em que se localiza o indivíduo afetando a maneira que o ser humano desenvolve esses processos.

O trabalho reforça a autoestima e a confiança das próprias capacidades e é essen-cial na construção da subjetividade do indivíduo interferindo diretamente no modo de vida e na saúde física e mental das pessoas. Pode ainda, favorecer a saúde, pre-venir doenças relacionadas ao trabalho, motivar o trabalhador através do senso de pertencimento, aprimoramento das habilidades, interações com o ambiente social, possibilidades de realização, estrutura do trabalho marcada por um tempo específico e recompensa financeira. Com isso, é notável a compreensão de um sentido do traba-lho realizado, destacando as principais características de uma atividade laboral que tenha significado para aqueles que a realizam.

→ 1. Trabalho com Reflexão

1.1. Significado do trabalho

O contexto do trabalho se modifica com o passar dos anos. Atualmente há novas e di-ferentes formas de organização, formas que intensificam as relações interpessoais nas atividades laborais pela busca de uma evolução que signifique uma maior inovação tecnológica e/ou sócio-organizacional, além do aumento de competitividade perante um cenário globalizado. O sentido no trabalho é importante, útil e legítimo para o trabalhador. Para que o trabalho tenha realmente significado é necessário que o traba-lhador se identifique com a atividade e tenha o feedback do resultado de desempenho para que possíveis erros possam ser corrigidos. Além disso, o trabalho não deve repre-sentar alienação, ou seja, é essencial o conhecimento total da atividade desempenhada pelo colaborador com a identificação do significado real do trabalho, autonomia para a realização das atividades da forma que desejar com o sentimento de total responsa-bilidade e o agrupamento dos resultados com o ambiente vivido (HACKMAN, 1975).

A partir disso, Morin (1996) caracteriza o sentido do trabalho como um esquema formado a partir de três partes: o significado, a orientação e a coerência. Sabendo que, o significado representa o valor que é atribuído ao trabalhador através da atividade realizada; a orientação é o que se busca através de suas ações; já a coerência é caracte-rizada pela harmonia entre o homem e o trabalho nas suas relações internas.

Segundo a equipe de investigação Meaning of Work International Research Team (1987), mesmo que as pessoas tenham condições mais do que suficientes para viverem sem o trabalho, não o fariam, pois acreditam que além de ser uma forma de se mante-

ENRIQUECIMENTO COGNITIVO PARA DESENVOLVIMENTO DA INOVAÇÃO... | 33

rem financeiramente, o trabalho é uma maneira íntima de relação com as pessoas. A vontade de estar em um grupo e a busca de um objetivo em uma sociedade são fatores regados positivamente através de um trabalho com sentido e significado para o co-laborador. De acordo com Fleury (2000) o trabalho organizado de maneira eficiente, aceitável, que conduza a resultados úteis, garantindo a segurança e a autonomia do trabalhador é considerado um trabalho com significado e de grande valor, pois esti-mula as necessidades para o crescimento da pessoa e seu senso de responsabilidade.

A maior habilidade e sabedoria naquilo o que faz leva o colaborador a sentir-se mais autônomo na realização de suas atividades, a confiança depositada nele junta-mente com o acompanhamento necessário para a concretização de suas tarefas leva à autoconfiança, que se torna característica de um profissional com excelência naquilo que realiza. O fortalecimento das competências individuais, relacionadas com as ativi-dades atribuídas ao profissional são fontes de conhecimento, eficiência e eficácia, pois uma atividade realizada por quem a conhece e busca as melhores maneiras de realizá--la será geradora de melhores resultados e menores custos organizacionais.

O senso de pertencimento dentro do grupo que realiza o trabalho leva o trabalha-dor a um maior desenvolvimento pessoal (MORIN, 2001); as relações interpessoais no ambiente de trabalho contribuem para o desenvolvimento de suas identidades. O fato de trabalhar com outras pessoas resulta em uma maior cooperação, além de funcionar como estimulante próprio para o trabalhador, o que o faz crer no trabalho com sentido afirmado em suas relações no ambiente de trabalho.

Somando as características pessoais, grupais, organizacionais, é possível chegar à conclusão que o trabalho com sentido é possível. Para Tolfo e Piccinini (2007) o mes-mo pode ser alcançado através da transformação do sofrimento no trabalho em pra-zer nas atividades que realiza, principalmente através da utilização de competências e autonomia. O real sentido e significado do trabalho tende a beneficiar colaboradores, administradores, organizações, ambos aliados na busca de um trabalho reflexivo, que representem uma forma de crescer e ganhar com todos os benefícios que as experiên-cias e investimentos podem acrescentar.

1.1.1. Prazer no trabalho

A satisfação no trabalho tem sido estudada desde a década de 30, e o interesse por esse assunto decorre, principalmente, pela grande influência que a satisfação pode exercer sobre o trabalho realizado que pode afetar a saúde física e mental e intervir no com-portamento do trabalhador trazendo conseqüências para a vida pessoal do indivíduo e para as organizações (MARTINEZ, 2002).

Pelas várias influências que a satisfação no trabalho pode ter, é difícil ter um con-ceito exato sobre a mesma. De acordo com Fraser (1983) a satisfação pode sofrer in-terferências tanto internas quanto externas ao trabalho, o que caracteriza a mudança

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constante da satisfação. Segundo Martinez (2002) a satisfação no trabalho pode ser comumente conceituada como motivação, mas alguns consideram satisfação como o oposto de insatisfação no trabalho e outros ainda acreditam que satisfação e insatis-fação são fenômenos distintos.

Para a autora, a satisfação tem suas vertentes de congruência, ou seja, há possi-bilidades de sinônimos para a satisfação, que nem sempre significam igualdade ao todo; são estabelecidas relações específicas como a satisfação e motivação, atitude, insatisfação e estado emocional. Autores como Herzberg (1971) e Locke (1976) con-cluem as divergências entre os sinônimos apresentados, muitas vezes especificados pelo sentimento presente no trabalhador, como característica única de cada um. O que se pode destacar dentre tantas definições é que ambos sofrem grande influência do seu sentido representativo a partir da vivência no ambiente de trabalho.

No lado oposto da satisfação, a insatisfação como caracteriza Dejours (1992), de-termina o sofrimento, tanto pelo fato de o trabalho não acrescentar ao homem uma forma de demonstração de suas capacidades e personalidade de modo afetivo, como também relacionado a desejos e motivações pessoais. O trabalhador ao confrontar a realidade, busca um sentido real para as atividades que realiza na organização. Quan-do há conflitos em relação a estas atividades existe uma insatisfação gerada além da sobrecarga mental e comportamental. Estes acontecimentos e a realidade de o traba-lhador estar presente em uma organização onde realiza trabalho influenciam direta-mente seu comportamento mental, pois necessita da submissão a ela para sua sobrevi-vência na maioria dos casos. Sendo assim, o sofrimento não é causado por realidades intrínsecas ao trabalhador, mas sim pelas relações exteriores às quais é imposto.

Já na contramão do sofrimento encontra-se o prazer, como é caracterizado por Mendes (1995). O prazer está relacionado à satisfação de necessidades representadas em alto grau pelo sujeito, tornando-se desta forma, uma manifestação episódica, ten-do em vista as contrariedades impostas pela civilização. A esse conceito, acrescenta-se a afirmação de Dejours in Betiol (1994), de que o prazer do trabalhador resulta do uso de energia psíquica que a tarefa permite.

As energias psíquicas, ou cargas psíquicas, podem ser negativas e positivas. Dejours (1992) simplifica-as como: quando há no trabalho um aumento de cargas psíquicas, sendo ocasionado por automatizações, sistematizações, diminuição das atividades di-nâmicas, tornando-se fontes de desprazer e tensões para o trabalhador, assim, o traba-lho torna-se fatigante, com fontes de cargas psíquicas negativas. Já as cargas psíquicas positivas são caracterizadas pela livre escolha do trabalho, ou um trabalho livremente organizado, o que torna as atividades um meio de relaxamento, como quando o térmi-no da atividade é mais prazeroso do que não tê-la começado, são os casos de atividades de pessoas que estão satisfeitas com o seu trabalho, especificando assim o trabalho equilibrado.

ENRIQUECIMENTO COGNITIVO PARA DESENVOLVIMENTO DA INOVAÇÃO... | 35

Para Freud,

a atividade profissional constitui fonte de satisfação, se for livremente escolhida, isto é, por meio de sublimação, tornar possível o uso de inclinações existentes, de impulsos ins-tintivos (pulsionais) persistentes ou constitucionalmente reformados. No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é altamente prezado pelos homens. Não se esforçam em relação a ele como o fazem em relação a outras possibilidades de satisfação. A grande maioria das pessoas só trabalha sob pressão da necessidade, e esta aversão hu-mana ao trabalho suscita problemas sociais extremamente difíceis (1974, p. 174).

Para Mendes (1995), o trabalho como parte externa com ligação ao sujeito e suas relações internas e sociais, representa uma fonte de sofrimento ou prazer, contanto que as premissas externas atentam ou não aos anseios, vontades e desejos inconscien-tes. Desta forma, é considerado que a fuga do sofrimento e a busca pelo prazer são um desejo contínuo do trabalhador em meio aos processos e organizações de trabalho. Tais organizações muitas vezes não colaboram e só oferecem posições contrárias aos anseios do indivíduo, o que gera o sofrimento e transforma o trabalho em apenas uma forma de sobrevivência.

Dejours (1992) explica que no conteúdo significativo do trabalho quando as ativi-dades exigidas não correspondem às competências exercidas pelo trabalhador pode ocorrer a desvalorização espontânea das atividades laborais, com um forte risco de fracasso. Tal fracasso relaciona-se diretamente tanto com as atividades realizadas e sua resposta junto à organização, quanto ao campo social envolvido no setor de trabalho.

Quando uma atividade laboral é bloqueada, ou seja, a empresa não permite a parti-cipação do colaborador, demonstrando características de uma organização autoritária, impedindo sua liberdade de uso das aptidões psicomotoras, psicossensoriais e psíqui-cas, acontece então o acúmulo de cargas psíquicas negativas, o que pode desencadear, conseqüentemente, perturbações e fadigas físicas (DEJOURS, 1992). Quando o traba-lhador é impedido de expor suas características no trabalho que exerce, começam a surgir conflitos entre os anseios do colaborador e objetivos esperados pela empresa, o que por isso, torna difícil a liberação de tais particularidades no ambiente de trabalho.

1.1.2. Aprendizagem Organizacional

Aprendizagem Organizacional trata-se, de uma maneira geral, da prática organizacio-nal que tem ações para o funcionário, com o funcionário e do funcionário. A aprendi-zagem humana é definida como a mudança relativamente estável do comportamento de uma pessoa como resultado da experiência (SILVEIRA, 2011). De acordo com Anto-nello (2005), aprendizagem é um conceito variável que abrange as mudanças continua-

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das integrando vários níveis. Segundo a autora, a aprendizagem em seu estágio inicial recorre às práticas novas na organização, como experiências técnicas e práticas. O re-sultado final da aprendizagem dependerá, principalmente, da forma com que a orga-nização enxerga a inovação e tem capacidade de modificar padrões comportamentais.

Seguindo o conceito das “organizações que aprendem” (SENGE, 1990), empresas que seguem tal representação são caracterizadas pelo estímulo ao aprendizado e trans-formação contínua das pessoas, o que soma à organização conhecimentos que postos em prática são fontes de sucesso organizacional. Através de renovação das competên-cias, procurando sempre a inovação tanto pessoal quando profissional, busca-se uma atividade que agregue sentido ao que o trabalhador sabe e está apto a fazer, a apren-dizagem organizacional relacionada a essas competências leva a uma maior fonte de experiências e sabedoria para aquele que o realiza.

É necessário levar em conta a ação da organização para o colaborador, é preciso oferecer condições razoáveis tanto físicas (como um bom ambiente composto de luz adequada, limpo, bem estruturado), quanto sociais (como um bom relacionamento entre funcionários, a geração de um bom clima e cultura organizacionais, um ambien-te aberto a discussões entre cargos diferentes além de uma boa comunicação horizon-tal entre hierarquias), para assim, ocorrer a realização do trabalho com valor agregado na relação empregador-empregado. Valor esse que é caracterizado pela cultura de um bom relacionamento entre empregado e empregador, onde são respeitadas opiniões, os dois, juntos, resolvem problemas que levariam a uma má execução dos processos, agregando valor tanto no processo quanto na relação. O empregador capacita o fun-cionário e o funcionário corresponde às expectativas do empregador, gerando conhe-cimentos tanto de valor organizacional quanto econômico.

As atividades empresariais voltadas à capacitação profissional e ao desenvolvimen-to pessoal agregam valor à atividade executada pelo colaborador, pois incentivam a capacidade profissional, valorizam as competências do trabalhador e dão sentido ao trabalho realizado. Além disso, melhoram o bem-estar e o ambiente de trabalho. Em uma sociedade onde o trabalho se torna cada vez mais automatizado, e as atividades consideradas “braçais” se tornam repetitivas e cansativas para o trabalhador, o conhe-cimento se torna um diferencial que influencia diretamente na organização. O conhe-cimento leva à geração de inovação, as ferramentas, os equipamentos, as máquinas e até mesmo as informações que ficam disponíveis para todos.

1.2. Ambiente organizacional

1.2.1. Fatores Psicossociais

Apesar de ser um termo muito amplo, pois engloba a descrição das características da pessoa, compreendendo a personalidade, os mecanismos de defesa, os estados

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emocionais e cognitivos e os fatores sócioambientais, como as situações indutoras de estresse (CARAN, 2007), há algumas definições de conceito para os fatores psi-cossociais. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho - OIT (1984) fatores psicossociais são as interações entre ambiente, conteúdo, condições de tra-balho, necessidade, habilidades, capacidades do trabalhador e elementos pessoais. Essas interações podem, por meio de percepções e experiências, influenciar a saúde física e mental, o desempenho e a satisfação no trabalho. De acordo com Guimarães (2006) e Caran (2007) os fatores psicossociais podem ainda interagir com a dimensão biológica e se chocar com as características do indivíduo, trazendo conseqüências para a saúde do trabalhador.

A pressão do tempo, a complexidade das tarefas, o excesso de trabalho, a liderança inadequada, a falta de autonomia são exemplos de fatores de riscos no trabalho que trazem desgaste físico e mental para os indivíduos. De acordo com Seligmann-Silva (1994), para compreender a origem do desgaste mental, que se traduzem em adoeci-mentos individuais é preciso conhecer a organização do trabalho e as condições de tensão vivenciadas coletivamente pelos trabalhadores. O estresse ocupacional é a res-posta do trabalhador quando este não possui conhecimento ou habilidade para lidar com as exigências e pressões no trabalho que provocam a capacidade de adaptação do colaborador. O ritmo para alcançar a eficiência e cumprimento das exigências dos gestores gera um excesso de carga nos aspectos físicos, psíquico e cognitivo.

Segundo a Agência Européia (2003), os fatores psicossociais afetam a saúde psicoló-gica da pessoa por meio de neuroses, ansiedade intensa, distúrbio de sono, depressão, manifestações obsessivas, síndrome de esgotamento (burn-out), irritabilidade, falhas de desempenho, conflitos interpessoais, assédio moral, conflitos familiares, estresse, violência, fadiga, tensão, diminuição da motivação. Os fatores psicossociais trazem riscos para à saúde do trabalhador e para as organizações. Podem provocar um au-mento nos custos gerados pelos afastamentos e dificuldades de retorno ao trabalho, diminuição do desempenho, acidentes de trabalho e absenteísmo. Esses custos afetam diretamente os custos de produção e trazem como conseqüência a diminuição na ren-tabilidade, na competitividade e elevação nos preços.

Por ter impacto social, econômico e financeiro, a perda da capacidade para o tra-balho por adoecimento mental é um problema de saúde pública. A prevenção dos estressores ocupacionais é mais fácil do que as tensões resultantes da vida que são imprevisíveis (JUNIOR, 2012). Além disso, há os gastos com assistência e benefícios onerando a previdência por meio de aposentadoria precoce (GUIMARAES, 2006; JÚ-NIOR, 2012). Em 2010, no Brasil, os transtornos mentais e comportamentais tiveram a maior concessão do benefício de auxílio-doença por incapacidade laborativa. A perí-cia previdenciária constatou que o processo de adoecimento se deu devido aos fatores presentes no ambiente de trabalho (JUNIOR, 2012).

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1.2.2. Clima Organizacional

Alguns autores confundem clima com cultura organizacional, devido à relação de casualidade existente. Cultura diz respeito às origens da organização, o processo de definição de seus valores e os moldes culturais. Clima organizacional tem um caráter menos profundo que pode ser alterado com um evento ou boato (NAKATA, 2009).

Clima Organizacional é a condição do ambiente interno da organização que orienta o comportamento dos seus integrantes, servindo como fundamento para in-terpretar a situação, agindo, também, como fonte que direciona as atividades (RA-MACCIOTTI, 2007). O clima afeta a produtividade, a qualidade do trabalho e a satis-fação pessoal e de acordo com Luz (2003) alguns elementos dimensionam a negativi-dade do clima que a empresa vivencia no período como: absenteísmo, turnover, faltas, atrasos, falta de comprometimento, falta de qualidade nos serviços prestados, greves, conflitos interpessoais e interdepartamentais, desperdício de material. Há ainda fa-tores dentro da organização que influenciam o ambiente organizacional, como: a li-derança, as condições de trabalho, a motivação, o relacionamento e a comunicação entre os membros da organização (FERNANDES, 2001).

Trabalhadores submetidos a condições inadequadas, com grande volume de tra-balho, um rigor excessivo, com pouco poder de decisão, que não possuem segurança no emprego, não são aproveitados ou desenvolvidos profissionalmente e sem incenti-vos financeiros adequados, trazem conseqüências negativas à organização. Colabora-dores condicionados a esses fatores podem estar insatisfeitos e desmotivados, e assim, contaminar o ambiente de trabalho.

A falta de transparência e clareza no processo de comunicação da empresa, o relacio-namento interpessoal, a falta de ética são alguns dos fatores que podem levar ao estresse laboral dentro da empresa. O estresse dentro da organização pode trazer conseqüências para o indivíduo como reações cognitivas, emocionais, comportamentais e psicológi-cas. A fim de evitar transtornos laborais, as organizações devem dispor de recursos ma-teriais e tecnológicos necessários para que os trabalhadores concretizem suas tarefas.

→ 2. Enriquecimento Cognitivo

2.1. Cognição

Cognição são processos mentais que permitem que as pessoas procurem, tratem, arma-zenem e utilizem diferentes tipos de informações do ambiente e a partir desses proces-sos é que se adquire e se produz conhecimento (ABRAHÃO et al., 2009). A cognição humana pode ser explicada como um conjunto de processos que captam informações (processos perceptivos) e a partir delas tentam processá-las e entendê-las. É um conjun-to de processos que partem inicialmente recebendo a informação, reconhecendo-a e a partir disso é feita a organização e desse modo pode-se entender as sensações recebidas.

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No ambiente de trabalho as pessoas captam as informações através dos processos perceptivos e entendem e organizam as informações pelos processos cognitivos. Depen-dendo das interferências que ocorrem no ambiente, as informações captadas podem in-duzir acidentes ou incidentes. Há um conjunto de métodos que permitem uma avaliação precisa do ambiente de modo a adaptá-lo às limitações perceptivas humanas. Quando o trabalhador analisa a situação e desenvolve estratégias para agir, dá-se início aos pro-cessos cognitivos com a função de interpretar a situação e escolher a melhor ação para resolver os problemas encontrados no ambiente. Para que se tome uma decisão é preciso que haja um processo contínuo entre o estímulo do ambiente, o conhecimento sobre as tarefas, o conhecimento adquirido em outras situações. A partir disso, há uma nova representação do contexto (ABRAHÃO et al., 2009).

2.2. Ergonomia Cognitiva

A ergonomia cognitiva surgiu com o objetivo de analisar os aspectos cognitivos e de conduta na relação entre o homem e o trabalho, visando identificar a expressão da cognição no trabalho e como influencia e afeta o mesmo. Busca uma compreensão de como a pessoa gerencia a situação de trabalho e as informações que recebe. Não se restringe a entender a atividade humana nos processos de trabalho de uma ótica sim-plesmente física, entende que os trabalhadores não são apenas simples executantes, são capazes de detectar sinais e indícios importantes, são operadores competentes e são organizados entre si para trabalhar, e que, nesse contexto, podem até cometer erros (ABRAHÃO et al., 2009).

A ergonomia cognitiva procura entender como a cognição humana afeta e é afetada pelos processos de trabalho e também compatibilizar soluções técnicas às caracterís-ticas e necessidades dos usuários (ABRAHÃO et al., 2009), além de aplicar métodos que identifiquem problemas relativos à carga e conteúdo de trabalho, viabilizando a implementação de recomendações para otimizar o desempenho humano. O papel da ergonomia cognitiva é fazer com que as soluções tecnológicas sejam compatíveis com as necessidades dos usuários (MARMARAS, 2001).

2.3. Processos Psicológicos

A aprendizagem envolve uma integração de fatores contextuais e internos que podem tanto favorecer como afetar de maneira negativa o processo de aprender. Alguns fa-tores influenciam nas estruturas perceptivas, eles dependem das condições externas e internas; como principal elemento externo da percepção o próprio ambiente em que se localiza o indivíduo é capaz de afetar o senso perceptivo do ser humano. A memória, a atenção, a emoção e a motivação atuam diretamente na aprendizagem e no desenvol-vimento cognitivo dos indivíduos.

Segundo Piaget (1973) memória é a capacidade de conservação do passado da pes-

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soa e da permanência de informações que possam ser utilizadas nas ações e conhe-cimentos atuais. É através da memória que se codificam, armazenam e recuperam determinados processos (ABRAHÃO et al., 2009). Para Anderson (1983) a memória atua por uma distribuição em redes, indicando que a informação é armazenada em nós que estão ligados entre si. Com isso, pode-se entender que as representações para ação são um conjunto de traços de informações recuperados na memória de longo prazo e ativados na memória de trabalho. Quanto mais freqüente for a ativação entre os nós, mais forte ele se torna e a probabilidade de ser ativado novamente é maior, aumentando o processo de aprendizagem (ABRAHÃO et al., 2009).

Já a atenção consiste no foco de um aspecto limitado de ambiente, depende total-mente da vontade do indivíduo e encontra-se vinculada à consciência. É um processo cognitivo que permite controlar os estímulos irrelevantes, perceber estímulos impor-tantes e passar de um estímulo para outro. Todo o processo de codificação e armaze-nagem das informações na memória passa pela atenção, que funciona como filtro do sistema (STERNBERG, 2000).

A emoção é um complexo estado de sentimentos que estão relacionados ao afeto e ao humor. Pode afetar as sensações, fazendo com que as reações ocorram mais facil-mente e que variem de pessoa para pessoa, dependendo dos estímulos e da capacidade individual de captá-los (KAPLAN, 1993). A emoção varia de acordo com os estímulos e as situações, sejam elas externas ou internas. Geram pensamentos e os mesmos geram emoções e desse modo é estabelecido um ciclo, porém elas não são voluntariamente controladas. Também são responsáveis pelos sentimentos humanos.

A motivação é uma necessidade ou um desejo que dá força para o comportamento e determinação, pode ser entendida como um processo psicológico que faz com que as pessoas se esforcem para alcançar seus objetivos, resultados e metas. Pode ser gerada por fatores intrínsecos, como práticas que trazem prazer e satisfação às pessoas, pelas alegrias que possam ser proporcionadas; e extrínsecos, ou seja, fatores externos ligados a compensações que o mundo externo oferece, como receber prêmios ou ser aprovado na faculdade. 

→ 3. Conclusões

O enriquecimento cognitivo é dotado de particularidades, as organizações visam a par-tir de estudos a utilizá-lo na busca de uma melhoria contínua do trabalhador e, conse-qüentemente, dos seus resultados na empresa. Pesquisas comprovam que a realização de um trabalho munido de sentido para aquele que o realiza é, além de fonte de prazer, uma realização pessoal que beneficia tanto o funcionário quanto a organização que propõe tal atividade.

Executar tarefas sem interesse nenhum para uma pessoa em um ambiente superficial

ENRIQUECIMENTO COGNITIVO PARA DESENVOLVIMENTO DA INOVAÇÃO... | 41

torna o trabalho insatisfatório e sem sentido. Assim, aspectos intrínsecos contribuem para o engajamento e a motivação pelo trabalho, como o desafio, a vontade de aprender e a autonomia, entre outros que a pessoa deve buscar desenvolver. Há aspectos extrín-secos que também contribuem para o trabalho ganhar significado, como o reconhe-cimento (principalmente dos superiores) pelo trabalho feito, o apoio, o auxílio, entre outras contribuições que a empresa pode proporcionar ao indivíduo. O trabalho orga-nizado de maneira eficiente, que conduza a resultados úteis, que é aceitável, que garante a segurança e a autonomia é considerado um trabalho com significado e de valor, pois estimula as necessidades de crescimento da pessoa e seu senso de responsabilidade.

Porém, não é possível um trabalho com sentido sem a participação efetiva de todos os que o compõem nos processos, a gestão do clima baseada em princípios básicos de uma organização que aprende é de suma importância na busca de um resultado positivo perante os colaboradores da empresa. Além do que, fatores psicossociais e suas influên-cias na cognição de cada trabalhador são motivos de estudos e levantamento de questões acerca de um melhor bem estar do colaborador na organização. Tanto ações para uma adequada relação interna entre colaboradores, com atividades voltadas ao crescimento profissional e desenvolvimento pessoal de cada trabalhador, como a busca de melhorias de processos empresariais, trazem consigo uma alavanca que propulsiona não somente as relações interpessoais nas organizações, mas também, um resultado positivo da em-presa perante órgãos importantes, além do mercado em que atua e se destaca.

Com isso, a partir dos dados bibliográficos, é possível constatar que o trabalho com reflexão visa a maior interação entre os funcionários de uma organização, destacando a troca de experiências e ganho de competências, além da valorização de processos hu-manos na caracterização de funções, buscando através de uma gestão de competências ativa as melhores maneiras de se alcançar o bem estar do trabalhador aliado à melhoria de processos e resultados empresariais. Tais ações caracterizam uma empresa que usa abordagens de aprendizagem organizacional nos seus processos, e que buscam além de tudo a valorização de um trabalho realizado por um profissional capacitado e unido à organização.

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CAPÍTULO 3

Fundamentos e práticas das relações cooperativas no trabalho: inovação, geração de conhecimento

e fatores psicossociais

Nanci GardimBruna Rossi Corrales

→ 1. Introdução

Durante décadas, as premissas que norteavam o campo da ciência e tecnologia tinham como base a idéia de que inovação era um processo linear, no qual as fases de desenvolvimento/pesquisa, produção e comercialização de novas tecnologias cons-tituíam uma seqüência de processos bem definidos ao longo do tempo. No entanto, atualmente, a maior compreensão sobre o desenvolvimento tecnológico, fez com que estudiosos mais modernos (como Kline e Rosenberg, 1986; Dosi, 1988; David e Foray, 1995; Nonaka e Takeuchi, 1997 e 2006; Hasegawa, 2001) reconhecessem que intera-ções e feedbacks contínuos são características intrínsecas aos processos inovadores 1.

Em sua essência, “inovação diz respeito à busca, descoberta, experimentação, de-senvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, novos processos de produção ou novas formas organizacionais” (Dosi, 1988, p. 222). Nessa perspectiva, o presente es-tágio de desenvolvimento econômico traz à tona economias baseadas no aprendizado (Lundvall e Nielsen, 1999) e enfatizam a crescente importância da construção de re-lações cooperativas. Conforme aponta Lima (2006), a criação de parcerias e de redes de cooperação destinadas à implementação de inúmeras ações – seja no âmbito de

1 “O modelo interativo de inovação diverge significativamente do modelo linear, pois enfatiza o papel central do design, os constantes feedbacks do mercado para a tecnologia e as numerosas interações entre ciência, tecnologia e usuários em todas as fases do processo de inovação” (Hasegawa, 2001, p. 29).

46 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

programas de desenvolvimento ou de ações de cidadania - vem se tornando, senão uma condição, um dos instrumentos mais procurados para a viabilização de projetos voltados ao auxílio de um amplo espectro de beneficiários.

Sob essa égide, o objetivo deste trabalho é estudar como a dimensão cognitiva do conhecimento tácito reflete nossa imagem da realidade (o que é) e nossa visão do futuro (o que deveria ser), impactando fortemente a capacidade de inovação e gera-ção de conhecimento, que dão suporte à sustentabilidade organizacional. Busca-se também evidenciar as contribuições das relações cooperativas no desenvolvimento de processos psicossociais mais saudáveis dentro dos grupos e instituições, ao mesmo tempo em que essas impactam fortemente a capacidade de inovação e a geração de conhecimento no nível organizacional.

Entendendo que o conceito de cooperação é polissêmico, realizamos uma revisão bibliográfica sobre as principais considerações que envolvem a temática das “relações cooperativas”, com especial atenção ao trabalho de Simmel (1983) e Bourdieu (1989). Trazemos também, alguns conceitos sobre o funcionamento dos grupos sob um olhar da psicologia, com asserções pautadas principalmente em Bion (1975). Como referen-cial teórico analítico relativo ao fluxo de conhecimento e à dimensão cognitiva do conhecimento tácito na organização, destacamos o trabalho de Nonaka e Takeuchi (1997 e 2006), que trabalha o conceito de “espiral do conhecimento”.

→ 2. Visão geral da cooperação no trabalho

Entendida como ação coletiva essencial para a integração da sociedade, a cooperação ainda é um conceito polissêmico, analisado sob diversos ângulos. É estudado, por exemplo, sob a conjectura da interdependência existente entre os diversos níveis de interação social; da complementaridade de interesses que ajuda na aproximação de grupos, e também do antagonismo e “dissenso” produzidos no interior dos processos interativos.

Considerando as premissas que divergem dentro das diferentes visões e autores, os processos e relações cooperativas – principalmente no ambiente laboral – freqüente-mente admitem a existência de “conflitos de interesses”, mesmo com estudos/teorias preconizados em épocas diferentes.

Em linhas gerais, na visão de Durkheim, a Revolução Industrial – focada na ex-pansão da divisão do trabalho –, potencialmente, poderia fazer emergir uma nova forma de solidariedade social capaz de garantir uma vida coletiva harmoniosa e inte-grada, por meio do reconhecimento da interdependência predominante no processo produtivo ou laboral (Rodriguez, 1990). Sem entrar no mérito (ou não) da questão teórica vigente, o que deve ser considerado, segundo Lima (2006, p. 6) – “além da primazia do consenso social e da óbvia idealização da sociedade e da sociabilidade” – é a perspectiva de pronunciar-se contra a ideologia individualista-economicista que à época presidia a afirmação do mercado como princípio organizador da vida social.

FUNDAMENTOS E PRÁTICAS DAS RELAÇÕES COOPERATIVAS NO TRABALHO | 47

Sob a égide do olhar marxista, todas as estruturas organizadas socialmente evi-denciam desigualdades. No sistema capitalista, o trabalho coletivo organizado nas fábricas encontra-se no contraponto da propriedade privada de bens e da obtenção de lucro, centralizados nas mãos de poucos a partir do trabalho cooperativo. Somente com uma nova ordem de superação do sistema capitalista é que seria possível a con-solidação de uma sociedade justa, com interesses harmônicos, sem conflitos de classe e genuinamente cooperativa (Bourdieu, 1989 e Lima, 2006).

Max Weber, por sua vez, entende as relações sociais como a possibilidade de seus integrantes orientarem-se em um mesmo sentido, dando origem a uma ordem que necessitaria de legitimação por parte dos que dividem/interagem com seu conteúdo. No entanto, na perspectiva weberiana, os homens não sustentam entre si apenas re-lações de amizade, confiança e concórdia, mas também se colocam em divergências uns com os outros, experimentando conflitos e antagonismos diversos, capazes de desencadear desde a luta bélica, a concorrência erótica ou a emulação (rivalidade). Conforme defende Weber, conflitos e antagonismos são intrínsecos à experiência humana, pois no mundo, a multiplicidade de valores e finalidades podem gerar con-frontos sustentados por uma irracionalidade diante da qual a própria racionalidade sucumbe (Freund, 1987).

No entanto, como ressalta Lima (2006), ainda que a cooperação seja priorizada dentro de tradições que se preocuparam com a ordem e o equilíbrio dos sistemas sociais, as abordagens marxista e weberiana abriram caminho para análises que vêm daquilo que parece contrariar a própria idéia de cooperação, por exemplo, as trocas insatisfatórias e desiguais que se instauram entre os agentes em uma relação coo-perativa. “Ou ainda, as situações em que as trocas e poder de barganha encontram--se assimetricamente constituídas, fazendo com que a cooperação resulte em drásticas rupturas ou em relações de dominação” (Lima, 2006, p. 7-8).

Contudo, sobre essa visão de que o conflito e/ou desordem são fenômenos ne-gativos dentro da concepção de uma unidade social, Simmel (1983) parece apontar um caminho inverso. De acordo com o autor, não existe formação de grupos total-mente centrípeta e harmoniosa, já que o social, visando alcançar uma determinada configuração, necessita de aspectos antagônicos: da harmonia e da desarmonia; da associação e da competição. Esta visão permite o entendimento de que a “unidade” pode ser entendida tanto como um “acordo/consenso”, quanto como um compêndio de energias nos quais se fazem presentes oposições e discordâncias. Simmel (1983, p. 127) enfatiza que:

A oposição de um membro do grupo a um companheiro, por exemplo, não é um fator social puramente negativo, quando muitas vezes tal oposição pode tornar a vida ao menos possível com as pessoas realmente insuportáveis. (…) Nossa oposição nos faz sentir que não somos completamente vítimas das circunstâncias. Permite-nos colocar nossa força à prova conscientemente e só dessa maneira dá vitalidade e reciprocidade

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às condições das quais, sem esse corretivo, nos afastaríamos a todo custo. A oposição alcança esse objetivo mesmo onde não existe nenhum êxito perceptível, onde este não se torna manifesto, mas permanece totalmente oculto. Mesmo quando dificilmente tenha qualquer efeito prático, pode ainda conseguir um equilíbrio interior (às vezes até por parte de ambos os parceiros da relação), pode exercer uma influência tranqui-la, pode produzir um sentimento de poder virtual e desse modo preservar relaciona-mentos, cuja continuidade muitas vezes atordoa o observador.

Esta visão de Simmel parece-nos adequada, visto que tenta apresentar uma visão dialética sobre as situações conflitantes no interior de grupos que têm como meta desenvolver trabalhos cooperativos. Isto posto, permite entender que o antagonismo entre os agentes sociais pode sugerir a “existência de relações cuja unidade reside na tensão e não na harmonia” (Lima, 2006).

Para uma maior compreensão sobre as relações cooperativas e conflitantes entre os atores sociais em micro e macro contextos, vale trazer à tona também, algumas contribuições aportadas por Pierre Bourdieu – mais especificamente as que advêm de sua teoria dos campos sociais. Para o autor, o universo social funciona como espaços que abrigam movimentos de diferentes espécies de capital e de lutas, fazendo emergir relações de poder capazes de aglomerar os diversos agentes em torno de interesses específicos.

Conforme destaca Bourdieu (1989), os atores que detém posições hierarquica-mente reconhecidas como superiores em um determinado grupo ou esfera, além do prestígio diferenciado, apresentam o poder de impor aos “subordinados”, aquilo que julgarem mais conveniente. Institui-se entre eles relações de dominação, nos quais – tendo os agentes consolidado e interiorizado um conjunto de visões, segmentações, crenças, valores e representações, por meio de seus discursos e ações –, a racionali-dade do funcionamento dos campos tenderá a se reproduzir de forma relativamente imprevisível, mas sem atingir as premissas de poder que o constroem.

“Contra todas as formas do erro `interaccionista , o qual consiste em reduzir as rela-ções de força a relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material ou simbólico acu-mulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidas nessas relações e que, como o dom ou o potlatch, podem permitir acumular poder simbólico. É enquanto ins-trumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem sua função política de instrumentos de imposição ou

de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando o reforço da própria força às relações de força que as fundamentam…” (Bourdieu, 1989, p. 11)

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Nesse contexto, como enfatiza Lima (2006), um dos principais aspectos a se res-saltar é que – tanto no campo multidimensional das relações formadas entre doa-dores e receptores de modernidade, quanto nos muitos subcampos que o compõem –, embora os agentes que ocupam posições de dominantes e dominados estejam en-volvidos em lutas de diferentes formas, não necessariamente se representam como antagonistas. Em grande parte das vezes as relações possuem um caráter provisório: em certos momentos e relações, apresentam-se como parceiros, construindo trocas de diferentes naturezas, cooperando por interesses comuns, construindo interdepen-dências e solidariedades.

A solidariedade, no entanto, é definida, segundo Warren (1996, p. 62), “pelo prin-cípio de responsabilidade individual e coletiva com o social e o bem comum, cujas im-plicações práticas são a busca da cooperação e da complementaridade na ação coletiva e, portanto, para o trabalho em parceria”.

2.1. Grupos nas instituições

A organização não pode criar conhecimento por si só, sem a participação ativa dos indivíduos e dos processos interativos que ocorrem dentro dos grupos. Tais processos de interação, no entanto, transpassam por uma infinidade de processos psicológicos, que em sua grande maioria vão além da fronteira do consciente de cada um.

Há um entendimento no campo dos estudos organizacionais de que tanto carac-terísticas estruturais e culturais quanto psicológicas, são fatores que influenciam o comportamento cooperativo. Nessa perspectiva, dentre os vários intelectuais que te-orizaram a temática dos grupos – ex: Chatman e Barsade (1995); Steiner (2006); Uzzi (1997); Le Bon (2008); Freud (2011); – apontamos neste item, algumas contribuições da psicologia, pautadas principalmente pelo psiquiatra e psicanalista inglês Wilfred Bion (1975) 2.

Dentre suas inúmeras obras, a que melhor retrata sua teoria de grupos, a saber: Experiências com grupos, lançada, inicialmente, em 1961. Bion (1975) entende que qualquer grupo transita em dois planos: um denominado “grupo de trabalho” e o outro “grupo de supostos básicos”.

O “grupo de trabalho” é sempre regido pela razão, caracteriza-se pela determina-ção em cumprir certo objetivo para o qual o grupo se reuniu. É a ação do consciente. Grimberg, Bianchedi e Sor (1973, p. 35) colocam que a terminologia “grupo de traba-lho” é utilizada por Bion para fazer referência a um tipo particular de mentalidade grupal e à cultura que dela se origina; o grupo de trabalho solicita de seus membros “capacidade de cooperação e esforço; isso não se dá por valência e sim por certo amadu-

2 Ao aprofundar os estudos sobre os teóricos é possível observar consideráveis influências de LeBon, em Freud e Bion.

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recimento e treinamento para participar dele. É um estado mental que requer contato com a realidade, tolerância à frustração, controle de emoções…”.

Já o “grupo de supostos básicos” é voltado principalmente a um nível emocional mais primitivo que se manifesta em todo grupo. Conforme destaca o autor, a “ativi-dade do grupo de trabalho é obstruída, desviada e ocasionalmente ajudada por certas outras atividades mentais que possuem em comum o atributo de poderosos impulsos emocionais” (Bion, 1975, p. 134). Considerando que os “supostos básicos” residem na essência de todos os indivíduos do grupo, Bion (1975) trabalha três suposições bási-cas 3: de “dependência”, de “acasalamento” e de “fuga-luta”.

De modo geral, o que se observa é que a figura do líder no grupo, para Bion (1975), parece ter uma função diferente da teorizada por Le Bon (2008).

Para Le Bon, a existência da liderança no grupo é algo natural e que, quanto mais veementemente o líder defender suas idéias, mais respeito e lealdade lhes serão impe-lidos. Segundo ele, “um grupo é um rebanho obediente, que nunca poderia viver sem um senhor. Possui tal anseio de obediência que se submete instintivamente a qualquer um que se indique a si próprio como chefe“ (Le Bon, 2008, p. 91). Nessa perspectiva, o líder deve ser arrebatado por uma intensa fé, a fim de despertar a fé do grupo; “tem de possuir vontade forte e imponente, que o grupo, que não tem vontade própria, possa ela aceitar”.

Já para Bion (1975), o líder é alguém que pode ajudar o grupo, mas que não neces-sariamente será seguido. Para o autor, “todas as suposições básicas incluem a existên-cia de um líder (…). Este líder não precisa ser identificado como qualquer indivíduo do grupo; não necessita nem mesmo ser uma pessoa, mas pode identificar-se com uma idéia ou um objeto inalterado” (Bion, 1975, p. 142).

3 A primeira suposição básica, de dependência, recorre à imagem de um líder e ao motivo pelo qual o grupo se reuniu: “o grupo se reúne a fim de ser sustentado por um líder de quem depende para nutri-ção, tanto material, quanto espiritual, e proteção” (Bion, 1975, p. 134). Nesses grupos, o líder está apto a oferecer alguma forma de “tratamento/direção” aos outros indivíduos. A segunda suposição básica, de acasalamento, remete-se também ao intuito de reunião do grupo; contudo, o objetivo é a reprodução. Bion observou que, em grupo, pode acontecer de dois participantes (não importando o sexo) iniciarem certa cumplicidade que, cedo ou tarde, lhes entregariam para o resto do grupo, como um casal amoroso em potencial. Neste momento, os outros participantes do grupo atuariam cada vez mais como coadju-vantes da situação, criando expectativas para a relação do suposto casal, não se importando em deixá-los no centro do palco. Passa a haver por entre o grupo um ar de confiança e ansiedade. Por fim, a terceira suposição básica, de fuga-luta, considera que o grupo se reúne para enfrentar alguma coisa ou dela fugir. Esta escolha é indiferente para seus participantes, mas isso não significa que o líder pode fazer o que qui-ser. Segundo Bion (1975, p. 140): “o líder aceito de um grupo neste estado é aquele cujas exigências sobre o grupo são sentidas como concedendo oportunidades para a fuga ou para a agressão e se fizer exigências que não sejam essas, será ignorado”.

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→ 3. Socialização do conhecimento tácito e explícito no processo inovativo intrainstitucional

O aprendizado individual e organizacional, considerado insumo importante e ne-cessário ao processo inovativo, pressupõe a existência de um fluxo de conhecimento, centrado na interação entre os conhecimentos tácito e explícito. Conforme colocam Nonaka e Takeuchi (1997), o conhecimento precisa ser transformado, desenvolvido e trabalhado pelas organizações; caso contrário, ele será apenas um aglomerado isola-do de informações sem importância.

Nessa perspectiva, o conhecimento tácito é visto como pessoal, específico a cada contexto e com alto grau de dificuldade para ser formulado e comunicado; já o co-nhecimento explícito é objetivo e mais facilmente transmissível em linguagem for-mal e sistemática.

Como apresentam Foray e Lundvall (1996) e Hasegawa (2001), o conhecimento tácito tem se tornado cada vez mais importante para a performance e o sucesso eco-nômico, visto que ele está no cerne das capacidades desenvolvidas pelos indivíduos (e instituições), quando a intenção é selecionar informações relevantes; reconhecer pa-drões; interpretar e decodificar informações complexas; adquirir novas habilidades e desfazer-se das antigas. Sob essa égide, a importância das relações cooperativas e o ser humano se tornam também, cada vez mais evidentes às organizações.

Para que as organizações consigam desenvolver relações cooperativas eficientes – que estimulam um fluxo do conhecimento capaz de proporcionar ganhos reais aos indivíduos e à instituição – é necessário um maior entendimento sobre as diferentes variáveis que compõem essas relações, em especial as que envolvem ganho e compar-tilhamento de conhecimento (explícito e tácito).

“O conhecimento tácito é altamente pessoal e difícil de formalizar, o que dificul-ta sua transmissão e compartilhamento com outros. Conclusões, insights e palpites subjetivos incluem-se nessa categoria de conhecimento. Além disso, o conhecimento tácito está profundamente enraizado nas ações e experiências de um indivíduo, bem como em suas emoções, valores ou ideais. Para ser mais preciso, o conhecimento tá-cito pode ser segmentado em duas dimensões. A primeira é a dimensão técnica, que abrange um tipo de capacidade informal e difícil de definir ou habilidades capturadas no termo `know-how’. Um artesão, por exemplo, desenvolve uma riqueza de habilida-des, suas `mãos maravilhosas’ depois de anos de experiência. Mas, freqüentemente, é incapaz de articular os princípios técnicos ou científicos subjacentes ao que sabe. Ao mesmo tempo, o conhecimento tácito contém uma importante dimensão cognitiva. Consiste em esquemas, modelos mentais, crenças e percepções tão arraigadas que os tomamos como certos. A dimensão cognitiva do conhecimento tácito reflete nossa imagem da realidade (o que é) e nossa visão do futuro (o que deveria ser). Apesar de

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não poderem ser articulados muito facilmente, esses modelos implícitos moldam a forma com que percebemos o mundo à nossa volta” (Nonaka e Takeuchi, 1997, p. 7).

Dentro do conhecimento tácito cognitivo, como ressalta Hasegawa (2001), há uma subdimensão formada pela percepção do ambiente ao redor do indivíduo; as sensações, sutilezas captadas por meio dos sentidos humanos no dia-a-dia do local, dos objetos e do espaço que compõem o “campo de circulação rotineira da pessoa”. As diferentes sensações experimentadas em cada lugar, as percepções 4 diárias sobre um ambiente e tudo que faz parte dele, suas pequenas mudanças “ formam um conhecimento tácito espacial, locacional, que corresponde à visão pessoal, intuitiva (e não consciente) que um indivíduo possui de um ambiente e das coisas que o habitam” (Hasegawa, 2001, p. 14).

Para gerar conhecimento, no entanto, o aprendizado que vem dos outros e as habi-lidades compartilhadas com outros precisam ser internalizados, isto é, “modificados, enriquecidos e traduzidos de modo a se ajustarem à identidade e auto-imagem da empresa” (Nonaka e Takeuchi, 1997, p. 10).

Partindo do pressuposto de que o conhecimento humano é criado e expandido através da interação social, Nonaka e Takeuchi (1997, 2000 e 2006) focam sua análise no processo de criação e transformação do conhecimento dentro da organização, propondo uma abordagem inicialmente baseada na experiência de empresas japo-nesas, conhecida como “espiral do conhecimento” (ou modelo SECI). O conceito de espiral advém do movimento associado ao fluxo do conhecimento, entendido como resultado de uma interação contínua e dinâmica entre os saberes tácitos e explícitos – principalmente, do âmbito individual para o organizacional. Conforme trabalham os autores, a construção do conhecimento institucional é um processo em espiral, que começa no nível do indivíduo e vai subindo, expandindo comunidades de inte-ração, que cruzam os limites entre seções, departamentos, divisões e organizações (Nonaka e Takeuchi, 1997). A espiral do conhecimento ilustra o processo de transfe-rência de conhecimento tácito individual para conhecimento tácito organizacional, revelando quatro fases de conversão (transformação) do conhecimento: Socialização, Externalização, Combinação e Internalização.

Nesta perspectiva, a socialização é a fase que gera conhecimento compartilhado, a externalização transforma-o em conhecimento conceitual, a combinação dá ori-gem ao conhecimento sistêmico e a internalização é o momento em que se produz conhecimento operacional (Gardim, Cartoni e Caballero, 2011).

4 É claro que essas percepções serão diferentes para cada pessoa, “pois depende das pressuposições e da capacidade de interpretar a realidade construída por cada um. (…) Esse tipo de percepção, que faz parte do conhecimento tácito cognitivo de cada um, não forma um know-how (um saber fazer algo), mas apenas uma impressão ou sensação a respeito de algo. O conhecimento tácito cognitivo forma as impressões, opini-ões, sensações percebidas com os cinco sentidos pelas pessoas…” (Hasegawa, 2001, p. 14).

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Um dos grandes desafios é a externalização, conversão do conhecimento tácito (subjetivo) para conhecimento explícito (objetivo). De acordo com Nonaka e Takeu-chi (2006), essa conversão envolve a formação de um modelo mental compartilha-do e articulado por diálogo, construído e mantido por diversas variáveis dentro da organização. A fase de combinação, no entanto, é a etapa em que o conhecimento individual explícito é convertido em conhecimento explícito para o grupo e para a organização. O conhecimento explícito do indivíduo pode ser compartilhado, por exemplo, em reuniões, através do uso de relatórios, documentos ou por meio de pro-gramas de educação corporativa.

Já no processo de internalização, no qual se dá a transferência de conhecimento explícito em tácito, as interações tendem a ocorrer mais intensamente por um pro-cesso de tentativa e erro. “É preciso sentir […] o conhecimento deve ser construído por si mesmo, muitas vezes exigindo uma interação intensiva e laboriosa entre os membros da organização…” (Nonaka e Takeuchi, 1997, p. 10). Diante desta questão, a gestão do conhecimento, apoiada no princípio da disponibilização de conhecimento crítico quando necessário, dando suporte à sua criação e disseminação, torna-se um impor-tante instrumento para a sustentabilidade organizacional e o processo de inovação (Gardim, Cartoni e Caballero, 2011).

3.1. Importância da construção de confiança na transferência de conhecimento

No nível empresarial, as redes sociais informais – sejam elas formadas por interações pessoais diretas ou mediadas por computador – se constituem em fontes importantes para a promoção da atividade inovativa, pois mantêm canais e fluxos de informa-ção, no qual a confiabilidade e o respeito entre os atores os aproximam e os levam ao compartilhamento do conhecimento (Gardim, Cartoni e Caballero, 2011). Assim, para a construção de relações fortes – principalmente as que visam cooperação –, um elemento central é a confiança estabelecida entre os interlocutores das informações veiculadas.

Cabe lembrar, no entanto, que “confiança” é um conceito multidimensional e é per-cebido de maneiras diferentes por diversos agentes de uma relação, evoluindo ao longo da construção de um relacionamento. Em linhas gerais, a confiança pode ser gerada, cultivada, mantida e reforçada, por vezes quebrada, e muito dificilmente revitalizada.

Nessa perspectiva então, por que é que dentro de uma organização (ou em uma rede on-line) as pessoas confiariam (e confiam) uma nas outras logo em um “primeiro encontro”? Sobre este ponto, Marinho (2002, p. 83-84) destaca que:

Apesar dos atores não se conhecerem, reconhecem-se como representantes legítimos de sistemas em cuja fiabilidade acreditam e precisam acreditar, para desempenharem as suas funções e se integrarem socialmente […] Podemos falar de um estado de ‘sus-

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pensão de descrença’ no outro, um estado em que não há desconfiança e sim um ‘pé atrás’, um estado mais atento e avisado, um ato de confiança vigilante.

Mesmo não podendo ser articulados muito facilmente, os modelos implícitos que compõem o interior de cada um “moldam a forma com que percebemos o mundo à nossa volta” (Nonaka e Takeuchi, 1997, p. 8). Conforme destacam os autores, os in-divíduos não recebem um novo conhecimento de maneira apenas passiva; eles o in-terpretam ativamente, adaptando-o às suas próprias situações e perspectivas. Assim, o que faz sentido em um determinado contexto pode ser transformado ou mesmo perder o significado quando comunicado a pessoas de um contexto diferente. “Re-sultado: há confusão contínua quando um determinado conhecimento é difundido em uma organização” (Nonaka e Takeuchi, 1997, p. 16).

No âmbito organizacional, a função mais importante dos gerentes é organizar e direcionar essa “confusão” para a criação do conhecimento, ajudando o processo de construção da credibilidade sobre a informação veiculada entre indivíduos, grupos, departamentos e diretoria. Nonaka e Takeuchi (1997) enfatizam que tanto os gestores seniores quantos os gestores de nível médio 5 contribuem para a criação de conheci-mento novo, provendo os funcionários de uma estrutura conceitual que os auxilie a dar sentido à sua própria experiência.

→ 4. Práticas que potencializam relações cooperativas e a sustentabilidade organizacional

A informação e o conhecimento são elementos que, quando bem gerenciados, tendem a promover (dentre outros benefícios) redução de custos, aumento de receitas, melhor atendimento aos clientes e maior capacidade inovadora. Isto faz com que as empresas despertem para a importância dos ambientes positivos, onde os trabalhadores pos-sam encontrar condições favoráveis para trabalhar mais eficazmente, aliando-se a isso a oportunidade de estímulos efetivos para o desenvolvimento e sustentabilidade organizacional.

5 Nonaka e Takeuchi (1997, p. 16-17) enfatizam que tanto os gestores seniores quantos os gestores de nível médio contribuem para a criação de conhecimento novo, provendo os funcionários de uma estru-tura conceitual que os auxilie a dar sentido à sua própria experiência. “Os gerentes seniores proporcionam senso de direção criando conceitos gerais para identificar as características comuns, que associam ativi-dades ou negócios aparentemente díspares, em um todo coerente”. Por sua vez, “os gerentes de nível médio servem como elo entre os ideais visionários da alta gerência e a realidade quase sempre caótica dos funcio-nários da linha de frente da empresa. Os gerentes de nível médio são mediadores entre a mentalidade de `o que deveria ser da alta gerência e a mentalidade de `o que é´ dos funcionários da linha, criando negócios de nível médio e conceitos de produto. Como líderes de equipe de desenvolvimento de produtos, por exem-plo, os gerentes de nível médio estão em posição de refazer a realidade de acordo com a visão da empresa”.

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4.1. Atenção à pessoa, à saúde da mente e ao nível de comprometimento individual

Em geral, a construção da vida do homem é feita através de comparação e preocupa-ção com as relações sociais e a sua função em relação à sociedade. O convívio com as pessoas, principalmente nas atividades laborais, nos possibilita vivenciar situa-ções que nos faz sentir útil, eficiente, confortável, seguro, e isso nos faz sentir bem. Contudo, conforme abordam Areias e Comandule (2006, p. 187), “a grande maioria dos trabalhadores sofreu, sofre ou sofrerá situações de descontentamento, de desgaste emocional, de sentimentos de injustiça e conflitos interpessoais na situação de traba-lho”. Segundo os autores, a frustração, a monotonia e a raiva comum aos empregados insatisfeitos constituem um problema complexo no âmbito organizacional, princi-palmente pela dificuldade de isolar e de identificar todos os fatores que influenciam a qualidade de vida do trabalhador.

Nesse contexto, como trata Gutierrez e Almeida (2006, p. 90), uma das maneiras que pode facilitar a compreensão de processos complexos de mudança no nível or-ganizacional é tentar separar as transformações de curto prazo das de prazo mais extenso, “como se fossem ondas de diferentes tamanhos”. Sob esse olhar, a mudança no que é considerado um direito para o ser humano no âmbito das organizações e da sociedade como um todo, é entendida como resultados de transformações de valores de longo prazo, nos quais atuam dimensões como a família, a educação e a própria concepção que as pessoas fazem de si mesmas 6.

A busca pela sobrevivência das organizações tem mudado os paradigmas orga-nizacionais, no sentido de que se antes era necessário motivar os funcionários, hoje, é preciso buscar seu comprometimento. A respeito dessa temática, Meyer e Allen (1991) – dois dos principais estudiosos no assunto – entendem o comprometimento organizacional como um estado psicológico de natureza atitudinal, isto é, que indica o que as pessoas pensam sobre seu relacionamento com a organização. Tal indicação se processa a partir de um eixo tridimensional: comprometimento afetivo (affective); comprometimento instrumental (continuance); e comprometimento moral ou nor-mativo (normative). Para eles, “pessoas com um forte comprometimento afetivo per-manecem na organização porque elas querem, aquelas com comprometimento instru-mental permanecem porque elas precisam e aquelas com comprometimento normativo permanecem porque elas se sentem obrigadas” (Meyer, Allen,1993, p. 3).

Em geral, essas três dimensões têm como características orientações associadas ao processo de tomada de decisão por parte do indivíduo em permanecer ou não na

6 Gutierrez e Almeida (2006, p. 90) enfatizam que a gestão da qualidade de vida nas empresas deve ser pensada dentro do contexto das mudanças, enquanto uma resposta nova a novos, e não tão novos, pro-blemas. “Insere-se na tradição de se pensar as relações produtivas desde uma perspectiva que transcenda a simples lógica econômica mecanicista, incorporando valores que, embora não permitam uma contabiliza-ção imediata, são resultantes de um consenso quanto à sua importância e impacto na vida das pessoas, na saúde das organizações e nas relações comunitárias em geral” (Gutierrez e Almeida, 2006, p. 90).

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organização (Maciel e Camargo, 2011). Com um olhar mais aproximado, a dimensão afetiva do comprometimento tem como foco a força da ligação emocional, social e a identificação do indivíduo com a organização. Já a dimensão instrumental reflete a intenção da pessoa em continuar fazendo parte da organização, em decorrência dos custos associados à sua saída, que são entendidos de diferentes formas pelas pessoas – contudo, nessa dimensão, é normal que o indivíduo faça comparações do custo--benefício em continuar a fazer parte de determinada instituição. A dimensão moral, por sua vez, pode ser entendida como resultado das pressões normativas, que proce-dem dos objetivos e interesses organizacionais internalizados, e que são capazes de orientar as ações dos indivíduos no trabalho (Meyer & Allen, 1991).

Em outras palavras, a dimensão afetiva seria uma derivação de quatro catego-rias principais: características pessoais, características estruturais, características relacionadas às funções organizacionais e experiências gerais no trabalho (Maciel e Camargo, 2011). Como resultado da influência das características organizacionais na avaliação geral que o indivíduo faz do seu trabalho, a satisfação parece como um “potencial preditor” significativo do comprometimento afetivo, já que a satisfação das necessidades da pessoa pode atuar como meio de reforço das ligações emocionais do indivíduo com a organização (Schwepker, 2001).

Sobre a dimensão normativa, especificamente, o sentimento de “obrigação” do indivíduo em se manter na empresa é construído por um conjunto de fatores, muitas vezes criados pela própria empresa (Bastos, 1994). Conforme destacam Simon e Col-tre (2012, p. 7) alguns dos indicadores de comprometimento normativo são: 1) “o fato de não achar certo, mesmo sendo vantajoso para ele, deixar a organização no presente momento”; 2) “o sentimento de culpa caso deixasse a organização agora”; 3) “a lealdade do indivíduo perante a ela”; 4) “a obrigação moral do indivíduo com as pessoas do seu trabalho”; 5) “o sentimento de dever muito a organização”.

Para Meyer e Allen (1997), é possível encontrar em uma mesma pessoa dimensões diferentes de comprometimento como, por exemplo, uma forte necessidade (instru-mental), uma forte obrigação (normativo) e um baixo desejo (afetivo) de permanecer na organização, indicando a existência de combinação das três dimensões na compo-sição de um estado de comprometimento organizacional.

Contudo, como aponta a pesquisa brasileira realizada por Maciel e Camargo (2011, p. 450), “toda a influência do comprometimento sobre a cooperação do indivíduo centra-se nos mesmos aspectos morais que condicionam o sentimento de obrigação em permanecer na organização”. Segundo os autores, as normas de reciprocidade 7 não operam em um “vácuo social”, mas são frutos de crenças racionalizadas na sociedade, “que orientam o comportamento do indivíduo na sociedade como um todo, e principalmente no interior

7 De acordo com Meyer e Allen (1991), o processo de socialização cultural e familiar, assim como a so-cialização e os investimentos organizacionais, influenciam o comprometimento moral, que é permeado pela lógica da reciprocidade (reciprocity norms).

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das organizações, que amplificam o poder de coerção, definindo padrões esperados de comportamento e ações consideradas legítimas” (Maciel e Camargo, 2011, p. 450).

4.2. Ambientes e ferramentas interativas para gestão do conhecimento

Um contexto organizacional que favorece a criação do conhecimento, como um espa-ço compartilhado em movimento, favorece “as situações relacionais que energizam as pessoas tornando-as criativas, dentro de uma interação positiva e dinâmica” (Nonaka e Tackeuhi, 2006, p. 94), e colabora com o comprometimento e cooperação do indivíduo no grupo. Esse espaço/contexto pode ser físico (como um escritório ou outros locais de trabalho), mental (experiências compartilhadas, idéias ou ideais), virtual (uso de re-cursos tecnológicos como grupo de discussão na Internet e ferramentas colaborativas) ou a combinação deles, sendo o aspecto mais importante a condição de favorecer a cir-culação de idéias para criação do conhecimento (Gardim, Cartoni e Caballero, 2011).

A definição de uma clara e apropriada estratégia de gestão do conhecimento apoiada por uma tecnologia da informação bem estruturada, com as ferramentas adequadas, é a chave para prover os fundamentos para a inovação e compartilhamen-to do conhecimento prevalecer em toda organização (SENGE, 2004). É neste sentido que a empresa busca sua sustentabilidade; ao atuar como entidade sintetizadora e criadora de conhecimentos novos.

De acordo com Sveiby (2005), a evolução da gestão do conhecimento é entendida sobre diversas perspectivas; e pode ser dividida em três fases principais. A primeira caracteriza-se por uma forte ênfase na utilização dos sistemas de gerenciamento de bancos de dados, no qual a intenção principal seria obter ganhos de produtividade para as empresas. A segunda fase, embora destaque a relevância dos sistemas de in-formação, é focada em aprimorar o direcionamento e o atendimento ao cliente. A última e atual fase surgiu no fim dos anos 1990, e privilegia o uso de recursos para a interação entre pessoas e empresas por meio de páginas web.

Ao permitir que os usuários colaborem entre si, os portais corporativos têm sido considerados um dos principais instrumentos de infraestrutura tecnológica na ges-tão do conhecimento. Os princípios da espiral do conhecimento (Nonaka e Takeuchi, 2006) podem ser aplicados aos portais, como uma ferramenta que permite à empresa o gerenciamento das diferentes fases da criação, circulação e transformação do co-nhecimento). A utilização dos portais corporativos – com banco de boas práticas, uso de repositório central de informação, localização de especialistas e gestão eletrônica de documentos – pode auxiliar as empresas a aumentar a memória organizacional, diminuir o tempo gasto na busca de informações e obter maior eficiência e redução de custos (Gardim, Cartoni e Caballero, 2011).

Vale pontuar para futuras reflexões, no entanto, algumas considerações feitas por Sveiby (2001, p. 8) sobre as visões de gestão do conhecimento (ou Knowledge Mana-gement - KM):

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— KM é a mesma coisa que aprendizagem?Não, a aprendizagem é um meio para um fim - KM deve ter um foco de negócios.— KM é uma série de procedimentos que devem ser implementados?Não, KM é uma mudança fundamental de paradigma estratégico.— KM é capturar o conhecimento mantido nas cabeças das pessoas?Não, KM diz respeito a criar ambientes para que as pessoas possam criar, alavancar e compartilhar conhecimento.— KM é uma questão de garantir que a informação seja enviada para todos?Não, o envio centralizado tende a falhar. Categorizar a demanda é muito mais eficaz.— KM é uma simples adição/melhoria para os negócios como de costume?Não, KM exige mudança comportamental e estratégica profundamente enraizada.— KM é uma função a ser delegada à área de Recursos Humanos ou TI?Não, KM requer alto envolvimento da gerência, é uma mudança fundamental na perspectiva estratégica.— KM é apenas uma questão de investir em TI?Não, é uma ferramenta para troca de informações, mas nunca pode conduzir a mudança.

A gestão do conhecimento – apoiada no princípio da disponibilização de conheci-mento crítico quando necessário, dando suporte à sua criação e disseminação – é um importante instrumento para a sustentabilidade organizacional e o processo de inova-ção. Preocupações com a gestão do conhecimento tendem a incentivar e potencializar o desenvolvimento de relações cooperativas no âmbito organizacional; assim como o estímulo à criação de relações cooperativas auxiliam uma maior “aderência” (aceitação e uso) dos esforços destinados à implementação das ferramentas que dão suporte à gestão do conhecimento.

→ 5. Considerações finais

Diante do que foi mencionado, entender a organização é entender como funcionam sua cultura e origem, nos quais se observam um sistema complexo constituído, princi-palmente, por crenças e valores. As empresas são vistas como um mecanismo racional onde as pessoas que fazem parte do ambiente muitas vezes coordenam processo, pro-jetos e grupo/pessoas. No que tange à geração de novos conhecimentos e produtos – possibilitados pela intensificação e prática de mecanismos de aprendizados individuais e/ou coletivos –, as relações cooperativas se mostram cada vez mais imperativas.

O desenvolvimento de relações cooperativas no âmbito organizacional pode in-fluenciar positivamente diversos aspectos relacionados à inovação, ganhos de efici-ência e ganho de competitividade – visto que permitem um aumento latente do fluxo de conhecimento entre os indivíduos, estimulando o desenvolvimento de ambientes laborais mais humanizados.

FUNDAMENTOS E PRÁTICAS DAS RELAÇÕES COOPERATIVAS NO TRABALHO | 59

Dentro dessa perspectiva, destaca-se que a dimensão cognitiva do conhecimento tácito influencia de modo significativo a relação do indivíduo com o ambiente organi-zacional, na medida em que este conhecimento reflete a noção (ou processo de constru-ção) da realidade da pessoa, assim como sua visão de futuro – isto é, a crença daquele indivíduo sobre como as coisas deveriam ser, tendo como base a experiência que des-frutou anteriormente. A projeção, e conseqüentes relações, que cada pessoa desenha dentro de sua área de atuação (ou grupo) impacta de maneira mais ou menos relevante, o desenvolvimento de conhecimento e novas aplicações dentro das organizações.

Nesse cenário, a capacidade de inovação e geração de conhecimento se mostra cada vez mais sensível (a) e carente da criação de processos psicossociais mais saudáveis no interior dos grupos e instituições. Ações que visam melhoria no desenvolvimento das relações cooperativas intra e interorganizacional, assim como dos processos cogniti-vos dos indivíduos (capaz de aumentar seu potencial de aprendizado) no ambiente de trabalho, se mostram essenciais para uma efetiva sustentabilidade organizacional.

→ Agradecimentos

Os autores agradecem aos esforços de diversos profissionais e instituições que con-tribuíram para a viabilidade deste livro. Neste capítulo, em especial, destacamos as contribuições feitas por Tiago Santos da Silva.

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CAPÍTULO 4

Valor do conhecimento e o conhecimento do valor: desafios e propostas para a mensuração do capital intelectual

Johan Hendrik Poker Junior

→ 1. Introdução

Neste capítulo serão discutidos os desafios e propostas para a mensuração do capital intelectual presentes hoje na literatura acadêmica, contextualizados com as limitações das organizações e das técnicas. Para cumprir esta proposta, será apresen-tado o contexto econômico em que a importância do conhecimento em relação aos demais elementos do processo de criação de valor passa a ser de relevância funda-mental; serão discutidas também as formas como a teoria da organização interpreta e classifica o conhecimento, como as normas e padrões estão caminhando para in-terpretar os elementos intangíveis da organização na geração de valor, e ainda, será apresentada uma das métricas financeiras que se propõe a servir como guia para a avaliação do valor do conhecimento.

Como parte dos desafios de se gerir uma organização em um ambiente de cres-cente complexidade, um dos fatores fundamentais é a compreensão, seguida da men-suração e avaliação dos recursos disponíveis, permitindo reagir às mudanças do ce-nário utilizando esses recursos, prevendo dificuldades e criando oportunidades para estabelecer vantagens em relação aos concorrentes.

As diversas ferramentas de avaliação de ativos têm dado conta de responder a estes desafios e estabelecer o valor das organizações quando se tratam de ativos de natu-reza tangível, com propriedades que podem ser avaliadas concretamente. A questão que surge é quando estes recursos não são físicos, mas intangíveis; neste caso, são as

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organizações capazes de estabelecer critérios para determinar o valor do conheci-mento? Conseguem conhecer o valor presente nos seus elementos intangíveis?

As teorias organizacionais identificam esta dificuldade, e vêm apontando a neces-sidade de se conhecer o valor do conhecimento já há algum tempo. No entanto, pre-sos a padrões e critérios auto-impostos, organizações e pesquisadores avançam com dificuldades para responder estas questões de forma eficaz. Apesar dos percalços, propostas têm sido formuladas, no sentido de servir uma grande contribuição aos gestores e investidores que estão em busca do valor do conhecimento.

→ 2. Economia do conhecimento e geração de valor

No decorrer das últimas décadas, mudanças significativas vêm alterando a maneira como as organizações lidam com seus elementos. Estas mudanças podem ser enten-didas quando as organizações são analisadas em contraste ao cenário das sociedades em que estão inseridas. Condições como a globalização, o desenvolvimento tecno-lógico, a ampliação do acesso à informação e à educação são fatores que alteram a natureza como as organizações devem se relacionar com todos os seus stakeholders 1.

Para as organizações em ambientes de alta complexidade e/ou competitividade, as mudanças ocorridas são de ordem estrutural. Dizem respeito à forma de realizar negócios, que se altera de maneira cada vez mais drástica no decorrer do tempo, ca-minhando para uma estrutura onde, havendo competição, as organizações se vêem obrigadas a fazer uso de um elemento antes secundário, mas que assume agora um papel preponderante nas relações de produção. Onde antes apenas capital e trabalho eram essenciais para o sucesso competitivo, para o novo contexto socioeconômico apresentado, um fator assume um papel essencial: o conhecimento.

O conhecimento é um elemento que sempre esteve presente na relação entre capital e trabalho, mas que previamente assumia um papel secundário, mesmo sendo empre-gado em atividades fundamentais como na concepção dos processos, no desenvolvi-mento dos produtos, na identificação de mercados entre outras atividades. Devido à menor complexidade do ambiente, a importância do conhecimento não era percebida.

Entretanto, graças à complexidade da sociedade atual, este elemento antes secun-dário acaba por ganhar importância crescente e passa a um status que pode ser melhor entendido se visto em uma analogia com a química: o conhecimento age como um catalizador capaz de ativar as relações entre o capital e o trabalho. Afinal, graças ao conhecimento podemos apontar que ocorrem as condições que permitem as organiza-ções desenvolverem-se em conformidade com o ambiente de crescente complexidade

1 Stakeholders são os indivíduos essenciais à existência da organização por participarem dos processos nos quais a empresa se envolve. Ex: clientes, fornecedores, acionistas, funcionários, governos, comunida-des, sindicatos, organismos reguladores, ONG’s, etc. (FREEMAN & REED, 1984).

VALOR DO CONHECIMENTO E O CONHECIMENTO DO VALOR | 65

ao qual estão inseridas. O conhecimento propicia as condições necessárias para que as organizações utilizem o capital disponível para transformar o trabalho na obtenção de produtos e serviços que atinjam e até ultrapassem as expectativas da sociedade de forma contínua, constante e, portanto, sustentável. Ao suplantar a complexidade am-biental posta, o conhecimento reverte a desvantagem inicial em vantagem, ao suprir a organização com os meios para definir suas próprias regras de atuação, guiando e influenciando seu mercado e, no limite, redefinindo seu contexto de atuação.

Nesta condição, onde a relação entre capital e trabalho passa a ter o conhecimento como elemento catalizador, nasce uma percepção no meio acadêmico, de que a socie-dade está caminhando para um novo tipo de economia, nas palavras de Giddens & Sutton (2012, p. 648):

Alguns observadores sugerem que o que está acontecendo atualmente é uma transição para um novo tipo de sociedade, que não se baseia mais principalmente no industria-lismo. Estamos entrando, segundo eles, em uma fase de desenvolvimento além da era industrial. Foi cunhada uma variedade de termos para descrever essa nova ordem so-cial, como a sociedade pós-industrial, a era da informação e a nova economia. O termo mais usado, porém, é economia do conhecimento.

Mas como definir a economia do conhecimento? Recorrendo novamente a Gid-dens & Sutton (2012, p. 648), podemos entendê-la como:

[…] em termos gerais, ela se refere a uma economia em que ideias, informações e formas de conhecimento sustentam a inovação e o crescimento econômico. Uma economia do conhecimento é aquela em que grande parte da força de trabalho não está envolvida na produção ou distribuição física de bens materiais, mas em sua criação, desenvol-vimento, tecnologia, publicidade, vendas e manutenção. Esses empregados podem ser chamados de trabalhadores do conhecimento. A economia do conhecimento é domi-nada pelo fluxo constante de informações e opiniões e pelos potenciais poderosos da ciência e tecnologia.

Poderia ser entendido, em uma análise superficial das afirmações de Giddens & Sutton (2012), que algumas organizações não serão afetadas pelos fenômenos que dão origem à economia do conhecimento por possuírem as características das organiza-ções mais tradicionais. Porém, o ambiente em que as organizações estão inseridas não pode ser visto como um sistema fechado, o que implica na influência do meio sobre a organização na figura dos demais stakeholders. Assim, as organizações tradicionais também são afetadas pela economia do conhecimento onde estão inseridas, ao se transformar o ambiente em que elas estão envolvidas.

Para Roos et al. (1997) a economia do conhecimento tem uma influência generalizada

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a todas as áreas da atividade humana, pois esta modifica: (1) a forma como a informação é processada e armazenada, conferindo maior poder à informação e demandando maior nível de conhecimento; (2) a tecnologia de comunicações e transportes, aproximando nações e elevando a complexidade das ações, e a sofisticação dos consumidores, que ao dispor de mais informações, tornam-se mais exigentes. No atual cenário de economias abertas e competitivas, é o conhecimento e a inovação, segundo Baldwin e Hanel (2003), que têm sido a força dinâmica a mudar a própria economia, provendo novos produtos, processos e gerando aumento na produtividade e melhoria dos padrões de vida.

→ 3. Capital intelectual: como a teoria organizacional lida com o valor do conhecimento

Identificar e compreender as contribuições do conhecimento na sua relação com o capital e o trabalho, principalmente estando todos os elementos imbricados neste contexto de mudança não é tarefa simples para os gestores organizacionais. O re-conhecimento deste processo de mudança pode ser atribuído a um livro clássico de Drucker (1969), ao identificar no trabalho do economista Fritz Machlup o termo ca-pital intelectual e adotá-lo para a teoria organizacional.

Serão os autores das áreas de teoria organizacional, incluindo o próprio Drucker (1969), aqueles que irão avançar na análise do impacto do conhecimento nas orga-nizações, utilizando o termo capital intelectual para identificar o ato de empregar o conhecimento na criação de valor, retomando, neste sentido, a analogia prévia sobre a relação entre capital, trabalho e conhecimento. Desse modo, pode-se atribuir ao ca-pital intelectual o conceito de processo de emprego da organização como cadinho na atividade de transformação sistemática de capital e trabalho em valor por meio do co-nhecimento. Esta analogia reflete o pensamento de autores como Bontis (1998, p. 67), que afirma que “o capital intelectual não se trata tão somente de um intangível estático por si, mas um processo ideológico [sic], um meio para a obtenção de um propósito”.

Os termos para capital, trabalho e conhecimento irão, devido a disputas conceitu-ais, variar significativamente entre os autores, como pode ser percebido pela análise realizada por Bontis e Choo (2002, p.7):

Teóricos como Bontis (2002), Nahapiet e Ghoshal (2002) e De Carolis (2002) propuse-ram uma descrição de Capital Intelectual de múltiplas faces compreendendo capital humano, estrutural, dos clientes, relacional e social. Enquanto a literatura a respei-to de Capital Intelectual claramente identifica Capital Humano e Capital Estrutural como componentes distintos, os três últimos componentes vistos apresentam concei-tos entrelaçados e carecem de maior esclarecimento.

Estes “conceitos entrelaçados” tentam representar o efeito do conhecimento ao ser aplicado a diferentes atividades organizacionais em que ocorre a interação com o seu

VALOR DO CONHECIMENTO E O CONHECIMENTO DO VALOR | 67

ambiente externo, traduzindo o conceito de aplicação adequada do conhecimento como catalizador dos outros dois elementos, inclusive além das fronteiras da organi-zação, afetando stakeholders externos.

Para se entender a aplicação do conhecimento na relação entre capital e trabalho, pode-se pensar em uma representação matemática cuja fórmula seria:

Valor máximo da organização = max f(capital.trabalho.conhecimento) (1)

Onde:

■ Valor máximo da organização: valor que a organização atinge se utilizar da melhor forma possível as relações entre capital, trabalho e conhecimento;■ f(x): função representativa da conversão do recurso x em valor monetário;■ x: conjunto dos recursos organizacionais, representado pela interação entre capital, trabalho e conhecimento;■ max: função de maximização.

Nesta representação, alguns cuidados devem ser tomados, a começar pela interpre-tação que pode ser dada ao processo de interação entre capital, trabalho e conhecimen-to. Dada a simplificação da representação da realidade pela equação, pode parecer que as interações ocorrem de forma direta e imediata e que seja possível quantificar cada elemento; no entanto, nem as relações são diretas e instantâneas, tampouco a quan-tificação é trivial, já que é muito difícil determinar o que representa maior ou menor conhecimento, e, ainda, separar o conhecimento do trabalho, uma vez que ambos estão intimamente relacionados dado que são providos pelos mesmos agentes no processo.

Traduzido em termos financeiros, o valor da organização corresponde à soma em valor presente de todos os fluxos de caixa futuros decorrentes dos projetos em anda-mento, e a serem concebidos e realizados pela organização graças à interação atual e futura dos seus componentes.

→ 4. Ativos intangíveis e capital intelectual: desafios à mensuração do valor do conhecimento

Primeiramente faz-se necessário esclarecer a conceituação de ativos intangíveis para, então, relacionar este conceito com o de capital intelectual. Para esta finalidade, pode ser considerado como um dos principais avanços na área contábil o reconhecimento do termo ativos intangíveis pela International Accounting Standards Board standard 38 (IAS 38) e pela Financial Accounting Standards Board (FASB) Accounting Stan-dard Codification 350 (ASC 350). Pelas normas aqui apresentadas, pode-se conceituar os ativos intangíveis como ativos não-financeiros, que carecem de substância, e que

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foram constituídos no passado e do qual se esperam benefícios econômicos futuros. Pela definição contábil, os ativos intangíveis, apesar da insubstancialidade, possuem as mesmas características dos demais ativos da empresa, tendo sido constituídos a partir da combinação de capital, trabalho e conhecimento e possuindo uma expecta-tiva clara de fluxos de caixa futuros associados à sua existência.

Sua principal distinção está no fato destes ativos não serem substanciais, no sen-tido de não possuírem uma representação física. Esses ativos pertencentes ao campo das idéias são, por excelência, uma versão estruturada do conhecimento, já que po-dem ter seus fluxos de caixa futuros demonstrados explicitamente e, como será apre-sentado mais adiante, estes elementos representam o componente do capital intelec-tual denominado pelos diversos autores como capital estrutural ou organizacional.

Assim, um ativo intangível não pode ser tratado como equivalente ao conceito de capital intelectual, sendo o segundo um conceito muito mais abrangente e, ao menos pela maneira como a contabilidade enxerga a organização hoje, de difícil classifica-ção. A dificuldade de conciliação destes conceitos está no fato de o conhecimento ser tanto o catalizador nas gerações dos valores expressos nos balanços corporativos na forma de ativos tangíveis e intangíveis, quanto serem eles próprios parte dos ativos intangíveis da organização conforme apresentado acima.

Roos et al. (1997) e Sveiby (2000) mencionam a necessidade de cuidados propor-cionais aos ativos tangíveis e intangíveis pela administração das organizações na to-mada de decisões. Ao fazer isso, explicitam a natureza difusa do capital intelectual ao pertencer a ambas as classificações e ao mesmo tempo ao interferir diretamente na criação de futuros ativos tangíveis e intangíveis.

Embora existam diversas propostas de modelos para representar o capital intelec-tual, os modelos influenciados pelos pressupostos da RBV (resource based view) apre-sentam maior facilidade de operacionalização, fundamental para sua relação com o conceito de ativos intangíveis. Entre eles, o modelo compartilhado por Roos et al. (1997), Roos (2003), Viedma (2004) e Silveira (2012) caracterizam o capital intelectual como sendo composto pelo capital estrutural (ou organizacional), o capital relacional e o capital humano.

Para estes autores, o capital humano é caracterizado pelos elementos presentes nos indivíduos atuantes na organização como o conhecimento tácito, a destreza, a moti-vação e a habilidade comunicativa, entre outros. Já o capital estrutural (ou organiza-cional) é aquele presente nos elementos previamente mencionados como atendendo às condições de ativo intangível e podem ser exemplificados por: marcas, códigos IP, software, estruturas organizacionais, sistemas de controle, etc. E o capital relacio-nal representa o valor dos recursos obtidos pelo relacionamento da organização com os atores externos, tais como fornecedores, clientes, comunidades locais, governos, acionistas e outros stakeholders presentes em sua rede de relacionamentos.

Ao apresentar-se a definição de capital intelectual e de seus componentes, pode-se

VALOR DO CONHECIMENTO E O CONHECIMENTO DO VALOR | 69

perceber a distância entre a abordagem corrente nas métricas contábeis e a visão da teoria organizacional para o tratamento destas questões, tornando ainda mais com-plexa a mensuração, a contabilização, e conseqüentemente, a análise financeira destes elementos.

A razão deste distanciamento pode ser atribuída à valorização do componente de capital na equação (1), sobre os outros dois componentes, o que poderia ser conside-rado razoável se a economia não houvesse caminhado para a era do conhecimento, já que previamente as mudanças nas variáveis trabalho e conhecimento eram tão pequenas que estas poderiam ser vistas como constantes do problema, ou seja, o que em matemática poderia ser denominado de uma função degenerada.

Considerar plenamente a relação proposta na equação (1) envolve, portanto, con-templar todos os elementos componentes do capital intelectual na contabilidade e na avaliação financeira das organizações, tornando-se assim um desafio a ser superado.

Dos elementos componentes do capital intelectual, o que pode ser expresso na forma de ativos intangíveis é o capital estrutural, já que o desenvolvimento de trata-mentos contábeis para sua apuração tem se desenvolvido amplamente, permitindo a identificação do valor das marcas, marcas registradas, patentes, direitos autorais, desenhos registrados, contratos, segredos comerciais, softwares e sistemas de ges-tão (FURRER et al., 2001 e SILVEIRA, 2012). Sua identificação e análise podem ser alcançadas, apesar das complexidades envolvidas, representando um ganho para as organizações ao possibilitar seu controle e gestão.

O desafio de mensurar estes elementos não deve, no entanto, ser desprezado. Con-forme Reilly & Schweihs (1999) a avaliação de intangíveis requer um tratamento es-pecífico dentre as quais pode-se destacar: (a) necessidade de montagem de métricas, a partir de dados operacionais e não operacionais, em geral apenas disponíveis na empresa; e (b) a dificuldade de traduzir as métricas não financeiras, em variáveis fi-nanceiras estatisticamente relevantes. A solução para a mensuração deve ser feita caso a caso, desta forma, dificultando a consolidação e a tradução nos balanços corporati-vos. Algumas das respostas ao desafio da tradução do valor dos intangíveis podem ser obtidas nas propostas de tratamento apresentadas no artigo de Lev & Daum (2004).

Já o capital humano não detém, como o capital estrutural, a formalização norma-tiva para sua quantificação, ao contrário, concentra as controvérsias de mensuração. Para melhor entender a questão, podemos utilizar a definição proposta por Silveira (2012) que considera o capital humano um componente importante do capital inte-lectual por ser: (a) um elemento multiplicador do capital intelectual; (b) um interna-lizador do capital relacional; e (c) o gerador de novos conhecimentos. Assim, o capital humano compreende em si o fator de ligação do capital estrutural e relacional, sendo ele o elemento de união que irá propiciar os benefícios à organização oferecidos pela economia do conhecimento, conforme a equação (1).

Dentre os autores a propor uma resposta ao problema da mensuração do capital

70 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

humano, destaca-se a proposta de Pulic (2000, 2002 e 2004) e Pulic et al. (2009). Em seus estudos, o autor propõe tratar contabilmente de forma diferenciada os emprega-dos – definidos como “os principais veículos do conhecimento” - como investimentos por parte das organizações em lugar do tratamento dado pela contabilidade formal, que trata os salários e demais benefícios atribuídos aos empregados como custos. Por força desta alteração, as despesas com empregados (salários, taxas, bônus, treinamen-to e programas motivacionais) são tratadas como investimentos.

Esta proposta representa um grande desafio, pois transgride a visão tradicional da contabilidade em diversos sentidos. Conforme lembra Pulic et al. (2009) diversas empresas que realizaram processos de reengenharia descobriram, muito tarde, a per-da de conhecimento, experiência e capacidade – um capital precioso do qual elas não estavam cientes.

Conforme Pulic et al. (2009) a gestão do capital humano muda de acordo com esta proposta, uma vez que o foco deixa de ser no controle dos empregados, passando a ser no reconhecimento e desenvolvimento das capacidades dos empregados e na criação de um ambiente de negócios que suporte esta condição.

Além das dificuldades de classificação e valoração do capital estrutural e do capital humano, o terceiro, e talvez maior desafio de acadêmicos e organizações está na quanti-ficação e no controle do capital relacional. O artigo de Viedma (2004) descreve os bene-fícios do capital relacional, indicando este como o principal responsável na sustentação das vantagens competitivas dos clusters 2. Para o autor, o capital relacional representa a soma dos recursos e capacidades que pertencem à rede de organizações que um em-preendimento inteligente constituiu para competir com sucesso. Sendo assim, o capital relacional não pode ser identificado nos ativos organizacionais, mas sim nos ativos das organizações com as quais a organização se relaciona, estando fora do escopo atribuível de forma convencional à contabilidade organizacional ou à avaliação financeira.

→ 5. O modelo VAIC(tm) e a transição para a economia do conhecimento

O primeiro autor a mencionar o conceito de lucro econômico foi Marshall (1890, p. 142). Desse modo, o conceito de lucro econômico diz respeito à quantidade de valor adicionado à organização em um determinado período de tempo. Posteriormente o conceito foi revitalizado pela empresa Stern & Stewart e rebatizado como EVA(tm) (Economic Value Added). Independente da preferência de nomenclatura, o conceito pode ser apresentado de maneira simplificada como expresso na equação (2):

2 Clusters: para Viedma (2004) um cluster de organizações corresponde a um agrupamento de empre-sas com atividades similares (competidoras), compartilhando fornecedores e clientes-chave.

VALOR DO CONHECIMENTO E O CONHECIMENTO DO VALOR | 71

VA = CI x (rCI – cCI) (2) Onde: VA: valor adicionado; CI: capital investido; rCI: retorno sobre o capital investido; cCI: custo do capital investido. Aplicando o coeficiente aos termos na equação (3):

VA = SAÍDA – ENTRADA (3) Onde: VA: valor adicionado; SAÍDA: receita de vendas; ENTRADA: custo de materiais, componentes e serviços.Posteriormente, Pulic (2004) a traduz em dados contábeis das organizações como

a equação (4):

VA = OP + CE + D + A (4) Onde: VA: valor adicionado; OP: receita operacional; CE: custo dos empregados; D: depreciação; A: amortização. Uma modificação de (4) foi proposta por Firer & Williams (2003) e Chen & Cheng

(2005), que aumenta a precisão do cálculo ao considerar apenas os componentes que re-presentam resultados efetivos (lucro retido e dividendos) da receita operacional, na forma:

VA = DIV + LR + CE + A + D + I (5) Onde: DIV: dividendos; LR: lucros retidos; CE: custo dos empregados; D: depreciação; A: amortização.

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O valor adicionado é um indicador objetivo do sucesso empresarial, dado que con-sidera a eficiência (resultado versus esforço empregado), e por esta razão, se destaca como um indicador do fluxo de criação de valor da organização, refletindo a equação (1) de maneira muito mais coerente do que a medidas contábeis tradicionais (como o retorno sobre o patrimônio líquido ou o retorno sobre os ativos) (PULIC, 2004).

Esta transição da mensuração por volume para a mensuração pela eficiência é, segundo Pulic (2004), um processo conseqüente da transição da economia indus-trial para a economia do conhecimento. Pode-se entender esta afirmação quando se considera o ambiente complexo e competitivo corrente, onde a redução da eficácia organizacional pode passar despercebida em um índice absoluto (volume) quando comparado a um índice relativo (eficiência). A Tabela 1 demonstra a transição espe-rada no sistema e na unidade de mensuração.

Tabela 1: Transição entre as eras econômicasEconomia: Era industrial: Era do conhecimento:

Sistema de mensuração: Quantidade Valor

Unidade de mensuração: Peças Eficiência

Fonte: Pulic (2004).

Estabelecido o conceito de valor adicionado, pode-se prosseguir para o cálculo da eficiência do capital intelectual na geração de valor adicionado. Mais especificamen-te, dada a limitação do modelo em mensurar o valor do capital relacional, prossegue--se para os elementos presentes no balanço das organizações do capital intelectual: eficiência do capital humano, conforme equação (6) e eficiência do capital estrutural, conforme equação (8).

ECH = VA/CH (6) Como:CS = VA – CH (7) Então:ECS = CS/VA (8) Onde: ECH: eficiência do capital humano; ECS: eficiência do capital estrutural; VA: valor adicionado; CH: capital humano; CS: capital estrutural.

VALOR DO CONHECIMENTO E O CONHECIMENTO DO VALOR | 73

A eficiência do capital intelectual é então medida na equação (9):

ECI = ECH + ECS (9) Onde: ECI: eficiência do capital intelectual; ECH: eficiência do capital humano; ECS: eficiência do capital estrutural. A equação (9) representa a eficiência do trabalho e do conhecimento da organiza-

ção na criação de valor adicionado; no entanto, não importa a eficiência desses ele-mentos sem o capital a eles aplicado. Assim, Pulic (2004) propõe um terceiro índice de eficiência, agora para o capital empregado, conforme equação (10).

ECE = VA/AL (10) Onde: ECE: eficiência do capital empregado; VA: valor adicionado; AL: valor contábil dos ativos líquidos da organização. Finalmente, para obter a eficiência geral da criação de valor da organização, os três

índices podem ser adicionados, conforme a equação (12), resultando em uma men-suração da eficiência da organização em entregar valor conforme os fundamentos apresentados em (1). O VAIC(tm) irá representar quanto valor foi criado por unidade monetária investida em cada recurso, conforme Pulic (2004), provendo as organiza-ções e seus investidores de uma forma de entender a eficiência organizacional.

VAIC(tm) = ECI + ECE (11) Aplicando (8) em (10):

VAIC(tm) = ECH + ECS + ECE (12) Onde: VAIC(tm): Valor adicionado do capital intelectual; ECI: eficiência do capital intelectual; ECH: eficiência do capital humano; ECS: eficiência do capital estrutural; ECE: eficiência do capital empregado.

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O VAIC(tm), aqui apresentado, não é o primeiro dos modelos de mensuração do capital intelectual, mas apresenta algumas propriedades interessantes: (1) é um dos primeiros que tenta expressar o capital intelectual exclusivamente baseando-se nos elementos contábeis; (2) é um modelo que se alinha com as proposições da área de estudos organizacionais, promovendo uma aproximação das duas áreas do conhe-cimento; e (3) mensura a eficiência em lugar do volume, possibilitando identificar quando os desempenhos organizacionais forem alcançados às custas da redução da eficiência em lugar de aumento. Esse pode não ser o último modelo a ser desenvol-vido com as propriedades apresentadas, mas certamente é um dos novos meios de se compreender a organização segundo a percepção da era do conhecimento.

→ 6. Considerações finais

Medir e avaliar um componente intangível, como o conhecimento, não é uma ta-refa fácil, mas graças ao crescente interesse de pesquisadores, organizações, entida-des normativas e do estado, o desenvolvimento de ferramentas de mensuração e a capacitação na aplicação destas está se tornando possível para as organizações de forma cada vez mais viável e trazendo maiores benefícios. Diversos pesquisadores vêm testando empiricamente os métodos de mensuração do capital intelectual, cri-ticando e aproximando este do propósito de servir como ferramenta decisória nas organizações.

Talvez uma das maiores barreiras ao avanço dos estudos da valoração do capital intelectual seja um discurso presente na academia na área financeira e que ecoa entre os agentes de mercado, em relação à incompatibilidade de interesses entre sharehol-ders 3 e demais stakeholders. Um exemplo é a crítica de Friedman (1998), fundamen-tada nos modelos da economia clássica. A resposta às críticas vem de autores como Jensen (2001), cujo artigo demonstra a viabilidade de se criar valor aos shareholders ao atender os interesses dos demais stakeholders, condicionado à existência de uma métrica que possa ser utilizada para determinar quais ações irão gerar maior eficácia na geração de valor das organizações. Mas Jensen (2001) não aponta especificamen-te para nenhuma métrica, o que abre a possibilidade de empregar métricas como o coeficiente intelectual do valor adicionado, conforme a proposta por Pulic (2004), ou outros índices que permitam construir a relação de adição de valor decorrente do alinhamento de interesses entre a totalidade dos stakeholders.

Toda transição de uma visão para outra encontra resistência nos que se favorecem do modelo prévio. Neste caso os motivos podem ser deter uma posição de destaque quando o cenário é analisado pela visão tradicional ou porque na visão tradicional é

3 Shareholders: são os indivíduos, entre os stakeholders, que detém o controle das ações da organização, sejam eles acionistas ou cotistas de sociedades limitadas (FREEMAN & REED, 1984).

VALOR DO CONHECIMENTO E O CONHECIMENTO DO VALOR | 75

possível manter ganhos financeiros obtidos da assimetria de informação decorrente da ausência de uma forma explícita de representação aos investidores do valor do capital intelectual das organizações.

Portanto, em um ambiente econômico da era do conhecimento, a redefinição dos padrões de competição é um dos elementos a promover o aumento da complexidade; por esta razão, as organizações que conseguirem mensurar melhor e mais rapida-mente o quanto seu capital intelectual provê de valor terão uma vantagem sobre as outras ao explorar seus potenciais e obter resultados financeiros cada vez maiores nas suas relações com seus stakeholders.

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seção b

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO (ORG.: LAERTE IDAL SZNELWAR)

CAPÍTULO 5

Sustentabilidade Corporativa, Responsabilidade Social Corporativa e Trabalho: uma abordagem teórica

Claudio Marcelo Brunoro Ivan Bolis

Luciano de Freitas Pereira Laerte Idal Sznelwar

→ Resumo

A proposta deste capítulo é analisar o referencial teórico que aborda as relações entre os temas Trabalho e Sustentabilidade Corporativa. Pelo fato das abordagens teóricas da Sustentabilidade Corporativa e da Responsabilidade Social Corporativa apresentarem diversas intersecções, foram analisadas também as relações entre os temas Trabalho e Responsabilidade Social Corporativa. O tema trabalho foi inves-tigado no referencial teórico de Sustentabilidade Corporativa e de Responsabilidade Social Corporativa, bem como as intersecções entre essas duas abordagens. Ao final, é apresentada uma taxonomia para ajudar na compreensão das diferentes relações identificadas entre os temas Trabalho e Sustentabilidade Corporativa.

→ Introdução

Desenvolvimento Sustentável, Sustentabilidade, Sustentabilidade Corporativa, Res-ponsabilidade Social Corporativa entre outros são abordagens tratadas atualmente em diversos campos do conhecimento. Diferentes interpretações e modos de agir neste âmbito são propostos e, sendo assim, uma melhor compreensão do que se trata pode ser útil para o desenvolvimento de ações efetivas. A questão fundamental tratada neste

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capítulo diz respeito à questão de como o trabalho, ou, mais especificamente, o traba-lhar, está presente nessas abordagens. As referências mais comuns estão focadas nos temas do trabalho voluntário, dos chamados “green Jobs”, ou ainda, quando se trata do trabalho decente. Outra questão está voltada para as diferentes maneiras de produ-zir que as empresas precisam desenvolver para se legitimarem com relação à susten-tabilidade, uma vez que esta depende de mudanças em processos de produção e nas tarefas. Assim, para que de fato isso seja factível, os diferentes atores (no caso os tra-balhadores envolvidos com a produção) devem ser protagonistas da sustentabilidade, uma vez que é no seu fazer que ações efetivas fariam parte dos cenários da produção.

Nesse sentido, trabalho (ou o trabalhar) desempenha um papel de fundamental im-portância e deve ser explorado como tal no contexto da sustentabilidade, em particu-lar no nível das organizações (empresas) por meio da abordagem da Sustentabilidade Corporativa e da Responsabilidade Social Corporativa. As abordagens relacionadas com a Sustentabilidade Corporativa teriam suas origens no conceito de Desenvolvi-mento Sustentável, a sua essência deriva fundamentalmente da intersecção de três dimensões (ou pilares): a social, a econômica e a ambiental, conhecida como Triple Bottom Line. Destacamos aqui a necessidade da intersecção, denominada de ações ganha-ganha-ganha (win-win-win), indicando a consideração das três dimensões si-multaneamente. Isso traz desafios grandiosos para a atuação de uma empresa que almeja ser sustentável de fato, uma vez que é necessário evitar – no limite, o termo correto seria eliminar – as eventuais contrapartidas ou os impactos negativos gerados ao atender as necessidades e exigências parciais, porém relativas, de uma dimensão em detrimento de outra ou das outras. Por esse motivo, a proposta seria a de incluir na análise como parte integrante da equação da sustentabilidade aquilo que é tratado como externalidade, mais especificamente aquelas que são negativas.

No âmbito das organizações da produção de bens e de serviços, a racionalidade que sustenta a sustentabilidade corporativa é manifestada através de ações, norteadas prin-cipalmente pelo tripé da sustentabilidade ou Triple Bottom Line (ELKINGTON, 1994): pessoas (people), lucro (profit) e planeta (planet). Nessa abordagem fica claro que, ao menos, três dimensões devem estar presentes na estratégia da organização direcionada para a sustentabilidade, as dimensões social, econômica e ambiental. Assim, todas as atividades da empresa devem respeitar os pressupostos incluídos nessas dimensões. Se-gundo Savitz e Weber (2007, p. 2), “empresa sustentável é aquela que gera lucro para os acionistas, ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente e melhora a vida das pes-soas com as quais interage”. Os autores Dyllick e Hockerts (2002, p. 132) propõem três elementos principais para a Sustentabilidade Corporativa, sendo eles: 1) A integração dos aspectos econômicos, ambientais e sociais (triple bottom line); 2) A integração dos aspectos de curto prazo e de longo prazo; 3) A utilização do rendimento e não do capital (do recurso em si). Esse último é considerado pelos autores uma condição básica para

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 81

uma gestão responsável, com a necessidade de gerir nesse novo contexto não somente o capital econômico, mas também o capital natural e o social.

Nessa perspectiva, analisar o trabalho e o trabalhar torna-se uma questão central. Definir novos processos produtivos ou de serviços que consideram essencialmente a di-mensão ambiental pressupõe também verificar quais são as consequências para quem realiza o trabalho nesses novos processos; quem, de fato, faz a produção acontecer de modo sustentável. Estabelecer metas de desempenho que consideram essencialmente as metas da dimensão econômica pressupõe uma análise dos possíveis impactos pro-vocados nas relações de trabalho, no trabalhar em si, que provocam impactos direta ou indiretamente na saúde em seu sentido mais amplo. Em última análise, pode provocar impactos positivos ou negativos tanto para a empresa no médio prazo. Há de se consi-derar que as consequências são, no mais das vezes intangíveis, até porque não se rela-ciona o desempenho individual e coletivo, os custos e os benefícios para a saúde, assim como as possibilidades que são criadas por boas condições de trabalho para a empresa e para os trabalhadores. Fazer o balanço no nível da empresa e, também de um modo mais amplo, para a sociedade necessita a consideração desses intangíveis, de valores imateriais. Considerar a geração de um custo social devido ao trabalho inadequado, tanto em curto como em longo prazo seria inerente à questão da sustentabilidade.

Gladwin et al. (1995) afirmam que o conceito de sustentabilidade está fundamen-tado na percepção de que só a perspectiva econômica não é suficiente para nortear as ações de uma corporação. Indo nessa mesma linha, Dyllick & Hockerts (2002, p. 132) defendem que manter o foco exclusivamente nas questões econômicas pode angariar sucesso em curto prazo. No entanto, em longo prazo, todas as três dimensões deve-riam ser satisfeitas simultaneamente.

Propomos então uma discussão sobre essa questão, analisando como o trabalhar é parte da Sustentabilidade Corporativa. Para isso, investigaremos o referencial teórico associado ao tema, bem como outras fontes que sirvam para evidenciar as racionali-dades prevalentes nas organizações, como sites e relatórios de sustentabilidade, inicia-tivas e diretrizes e documentos.

Além disso, pelo fato de haver uma forte intersecção entre Sustentabilidade Corpo-rativa e Responsabilidade Social Corporativa, principalmente em aspectos relaciona-dos com a dimensão social, na qual o trabalho é um dos assuntos relevantes, a análise do tema também será realizada com relação à abordagem da responsabilidade social corporativa.

→ Sustentabilidade Corporativa

Muitos autores consideram o Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum) de 1987 o marco do Desenvolvimento Sustentável e também o consideram como marco da ori-

82 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

gem dos conceitos da abordagem denominada Sustentabilidade Corporativa (BAN-SAL, 2005; MONTIEL, 2008; VAN MARREWIJK, 2003). Em particular, Rondinelli e Berry (2000) e outros autores (CANNON, 1994; ELKINGTON, 2002, 2005; HART, 1997; LOZANO, 2012a) já identificavam no final da década de 1990 a consideração das dimensões social e ambiental de forma mais consistente nas organizações multi-nacionais, como resultado da incorporação nas organizações de questões atreladas a essa abordagem. Por exemplo, Montiel (2008, p. 254) afirma que “muitos pesquisado-res baseiam seu trabalho [sobre Sustentabilidade Corporativa] na definição da World Commission on Environment and Development (WCED), embora Sustentabilidade Corporativa não tenha alcançado status de destaque em revistas de negócios até a década de 1990. Desde então, acadêmicos e profissionais argumentam que para que o desenvolvimento permaneça sustentável é necessário satisfazer simultaneamente os padrões ambientais, sociais e econômicos”. Na mesma linha, Steurer et al. (2005, p. 274) afirmam que “esta aplicação do desenvolvimento sustentável em nível corporati-vo, o que obviamente se baseia no Relatório Brundtland (WECD, 1987), é muitas vezes referida como Sustentabilidade Corporativa. Enquanto o desenvolvimento sustentável é comumente percebido como modelo social orientador, que aborda uma ampla gama de questões de qualidade de vida no longo prazo, a sustentabilidade corporativa é um modelo de orientação empresarial, abordando o desempenho de curto e longo prazo, econômico, social e ambiental das empresas”.

De acordo com Eccles, Ioannou e Serafeim (2011, p. 2):

Diferentes corporações dão maior ou menor ênfase ao longo prazo em relação ao curto prazo (Brochet, Loumioti, e Serafeim, 2011); se preocupam mais ou menos com o impac-to das externalidades de suas operações às outras partes interessadas e ao meio ambiente (Paine, 2004); focam mais ou menos nos fundamentos éticos de suas decisões (Paine, 2004); e dão uma importância relativa maior ou menor aos acionistas em comparação com outras partes interessadas (Eccles e Krzus, 2010). […] Durante os últimos 20 anos, um número relativamente pequeno de empresas integraram políticas sociais e ambien-tais em seus modelos de negócios e operações de forma voluntária. Postulamos que es-sas políticas refletem a cultura da organização, uma cultura de sustentabilidade onde o desempenho quanto a questões ambientais e sociais, além do desempenho financeiro, são importantes. Estas políticas também forjar uma forte cultura de sustentabilidade, tornando explícitos os valores e crenças que estão na base da missão da organização.

Apesar dos conceitos relacionados ao Desenvolvimento Sustentável, que possui uma abordagem em um nível macro, serem cada vez mais aplicados em entidades indivi-duais como, por exemplo, organizações (FIGGE; HAHN, 2004, p. 174; GLADWIN; KENNELLY; KRAUSE, 1995), infelizmente o foco principal das organizações quanto à Sustentabilidade Corporativa se mantém sem clareza, parecendo mais uma coinci-

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 83

dência de fatos do que uma estratégia clara, muitas vezes se restringindo a um discurso vazio (BAUMGARTNER; EBNER, 2010, p. 76), como por exemplo, ações do tipo “ma-quiagem verde” ou green-washing (ECCLES; IOANNOU; SERAFEIM, 2011; LAUFER, 2003; RAMUS; MONTIEL, 2005). Além disso, medir as ações voltadas para a sustenta-bilidade no nível da organização e também traduzir estratégia em ação ainda torna-se um desafio (EPSTEIN; ROY, 2001, p. 585; FIGGE; HAHN, 2004, p. 174), principalmente pelo fato de ações com nomes diferentes estarem relacionadas direta ou indiretamente com Sustentabilidade Corporativa, como é o caso, por exemplo, de eco-eficiência, Res-ponsabilidade Social Corporativa, Gestão Sustentável da Cadeia de Valor, entre outras ações e iniciativas. “Muito além desse amplo consenso sobre terminologia, contudo, existe um desacordo entre executivos quanto ao significado específico e quanto à mo-tivação para a sustentabilidade empresarial. […] De fato, alguns têm defendido que a criação de um mundo mais sustentável exigirá que as empresas sacrifiquem os lucros e o valor ao acionista em nome do bem público” (HART; MILSTEIN, 2004, p. 66).

Vertentes da Sustentabilidade Corporativa

O referencial teórico de Sustentabilidade Corporativa indica essencialmente duas ver-tentes principais (MONTIEL, 2008, p. 257). A primeira, decorrente da corrente da gestão ambiental, considera a Sustentabilidade Corporativa como responsável exclu-sivamente por questões ambientais, como é o caso da proposta de uso de ferramentas de análise mencionadas nos estudos de Robert (2000) e Lozano (2012b), tais como Análise de Ciclo de Vida, Fator X, Pegada Ecológica e The Natural Step (2012a), eco--eficiência, produção (mais) limpa. Em geral, nessa vertente os pesquisadores relacio-nam a sustentabilidade com a dimensão da responsabilidade ambiental, usando até o termo sustentabilidade ecológica (Sharma & Henriques, 2005; Shrivastava, 1995a e 1995b; Starik & Rands, 1995)

A segunda vertente aborda, além das questões da dimensão ambiental, as questões das dimensões econômica e social, também denominada como a abordagem Susten-tabilidade Corporativa Triple Bottom Line. Apesar de também não ser um termo unâ-nime, diversos autores denominam a consideração dessas três dimensões como uma abordagem Triple Bottom Line. Van Marrewijk (2003, p. 95) destaca que “um intenso debate vem ocorrendo entre os acadêmicos, consultores e executivos de empresas, re-sultando em muitas definições de uma forma mais humana, mais ética e de forma mais transparente de fazer negócios. Eles criaram, apoiam ou criticam conceitos rela-cionados, tais como desenvolvimento sustentável, cidadania corporativa, empreende-dorismo sustentável, triple bottom line, ética nos negócios, e responsabilidade social corporativa”.

O ponto relevante está na consideração da intersecção das três dimensões para seus produtos, políticas e práticas (BANSAL, 2005, p. 199; ELKINGTON, 1994; GLADWIN;

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KENNELLY; KRAUSE, 1995). “Para a empresa, desenvolvimento sustentável significa adotar estratégias de negócios e atividades que atendam às necessidades da empresa e seus stakeholders hoje ao proteger, manter e melhorar os recursos humanos e naturais que serão necessários no futuro” (IISD; DELOITTE&TOUCHE; WBCSD, 1992, p. 1).

O estudo proposto por Salzmann et al. (2005, p. 28) identificou como o tema Sus-tentabilidade Corporativa é abordado na literatura acadêmica. Segundo esse estudo, há duas categorias nas pesquisas voltadas para estudos de caso para a sustentabilidade: 1) estudos teóricos, que têm a intenção de explicar a natureza da relação entre o de-sempenho financeiro e o social e ambiental; e 2) estudos empíricos, em que uma parte deles testa a relação estabelecida nos estudos teóricos e a outra parte que examina como é abordado o estudo de caso para a sustentabilidade na prática. Nos estudos teóricos, os autores mencionam que há pesquisas que trazem relações positivas, nega-tivas e neutras para influências mútuas entre o desempenho, das diferentes vertentes: ambiental, social e financeira.

Definições de Sustentabilidade corporativa

Apresentamos a seguir (próxima página) algumas definições de Sustentabilidade Cor-porativa feitas por diferentes autores.

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 85

Tabela 1: Definições sobre sustentabilidade corporativa.(DYLLICK; HOCKERTS, 2002, p. 131)

Atingir as necessidades dos stakeholders diretos e indiretos (tais como shareholders, empre-gados, clientes, grupos de pressão, comunidades, etc.), sem comprometer sua habilidade de atingir as necessidades dos futuros stakeholders também.

(ZADEK; PRUZAN; EVANS, 1997, p. 13)

Corporações socialmente sustentáveis são aquelas que são consideradas justas e confiáveis por todos seus stakeholders.

(DYLLICK; HOCKERTS, 2002, p. 134)

Companhias socialmente sustentáveis adicionam valor para a comunidade em que elas operam, melhorando o capital humano dos seus integrantes, bem como promovendo o capital social dessas comunidades. Elas gerem o capital social de tal forma que os stakeholders possam compreender suas motivações e podem concordar amplamente com o sistema de valor da empresa.

(SAVITZ; WEBER, 2007, p. 28)

A empresa sustentável conduz seus negócios, de modo a gerar naturalmente um fluxo de be-nefícios para todos os seus stakeholders, inclusive para empregados, para os clientes, para os parceiros de negócios, para as comunidades em que opera e, obviamente, para os acionistas.

(FIGGE e HAHN, 2004, p. 174)

Definição de sustentabilidade corporativa: “a sustentabilidade de uma empresa é julgada de acordo com o seu desempenho econômico, ambiental e social”.

(SALZMANN, IONESCU-SOMERS e STEGER, 2005)

Uma resposta corporativa estratégica e orientada para o lucro para questões ambientais e sociais causadas pelas atividades primárias e secundárias da organização.

(EBNER, 2008, p. 28) Sustentabilidade social de uma organização é a consciência da responsabilidade de suas próprias ações, bem como um compromisso autêntico e credível (principalmente a longo prazo), em todas as atividades empresariais e mais, com o objetivo de permanecer com sucesso no mercado por um longo tempo. A sustentabilidade social visa influenciar positivamente todas as relações presentes e futuras com as partes interessadas. Além disso, o atendimento das necessidades das partes interessadas está focado em garantir a lealdade dos stakeholders para a empresa.

(MARREWIJK e WERRE, 2003, p. 107)

Definição de Sustentabilidade Corporativa: “refere-se a atividades de uma empresa - voluntá-ria por definição - o que demonstra a inclusão de preocupações sociais e ambientais nas opera-ções comerciais e nas interações com as partes interessadas. Esta é a ampla - alguns diriam “vaga” - definição de sustentabilidade corporativa.

(HART; MILSTEIN, 2004, p. 66)

Uma empresa sustentável, por conseguinte, é aquela que contribui para o desenvolvimento sustentável ao gerar, simultaneamente, benefícios econômicos, sociais e ambientais – conheci-dos como os três pilares do desenvolvimento sustentável.

(SHARMA; HENRIQUES, 2005)

Sustentabilidade Corporativa: refere-se à definição do relatório Brundtland - Desenvolvimento que respeita as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades para que as gerações futuras satisfaçam suas próprias necessidades.

(BANSAL, 2005, p. 198) Desenvolvimento Sustentável Corporativo, baseado em três princípios: Integridade Econômica; Equidade Social; Integridade Ambiental.

Fonte: Elaborada pelos autores.

→ Sustentabilidade Corporativa e Trabalho

Muitas organizações relacionam práticas de trabalho com a Sustentabilidade Corpora-tiva (HART; MILSTEIN, 2004, p. 72). Por exemplo, algumas empresas se filiam a asso-ciações, como a Fair Labor Association (FLA), originalmente criada para lutar contra o trabalho em condições insalubres (anti-sweatshop). Há também exemplos de organi-zações que são signatárias do Pacto Global da ONU, e estabelecem códigos de conduta com itens explícitos a práticas de trabalho, apóiam o conceito do Trabalho Decente da OIT e/ou fundamentam suas decisões éticas em documentos relacionados com os di-reitos humanos (por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos).

É possível vislumbrar autores que explicitam as relações entre Sustentabilidade

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Corporativa e trabalho em seus estudos. Epstein (2008, p. 37-39) propõe nove prin-cípios para a sustentabilidade no nível da organização, sendo eles: ética, governança, transparência, relacionamento nos negócios, retornos financeiros, envolvimento com comunidade / desenvolvimento econômico, valor dos produtos e serviços, práticas de emprego e proteção ao meio ambiente. Dentre esses princípios, o tema trabalho está presente direta ou indiretamente (Tabela 1) em 5 deles: ética, governança, envolvi-mento com comunidade, valor dos produtos e serviços e práticas de emprego.

Tabela 2: Menções sobre o tema trabalho nos nove princípios de sustentabilidade corporativa

PRINCÍPIO MENÇÃO SOBRE O TEMA TRABALHO

Ética A companhia precisa estabelecer especial ênfase nos direitos humanos e diversidade para assegu-rar que os trabalhadores sejam tratados de forma justa” (alvo da sustentabilidade).

Companhias éticas estabelecem altos padrões de comportamento para todos empregados [… Companhias] criam códigos de conduta, desenvolvem programas educacionais sobre ética (res-ponsável pela sustentabilidade).

Governança A companhia segue práticas de processos justos e busca melhorar tanto o capital financeiro quanto humano enquanto balanceia os interesses de todos seus stakeholders (alvo da susten-tabilidade).

Envolvimento com a comunidade

A companhia tem um papel proativo e cooperativo para fazer a comunidade um local melhor para viver e conduzir negócios (alvo da sustentabilidade).

Valores dos produtos e serviços

Companhias criam programas explícitos para relatar os impactos dos seus serviços e produtos em seus stakeholders (alvo da sustentabilidade).

Práticas de emprego Companhias consideram empregados como valiosos parceiros no negócio, respeitando seus di-reitos a práticas justas de trabalho, salários e benefícios competitivos, e um seguro e um ambien-te de trabalho ‘family-friendly’ (alvo da sustentabilidade).

De fato, companhias que adotam esse princípio reconhecem que a preocupação em investir em empregados está alinhada com os melhores interesses em longo prazo dos empregados, da co-munidade e da companhia. Assim, as empresas se esforçam para aumentar e manter altos níveis de satisfação dos empregados e respeitar os padrões internacionais e industriais dos direitos humanos (alvo da sustentabilidade).

Fonte: Adaptado de EPSTEIN, 2008, p. 37-39.

Em outro estudo, os autores van Marrewijk e Werre (2003, p. 116) sugerem um modelo de Sustentabilidade Corporativa em níveis de profundidade. Neste modelo abordam ações relacionadas ao tema trabalho, incluindo aspectos de organização do trabalho, distinguindo a atuação mais condizente para cada nível (Tabela 3).

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 87

Tabela 3: Nível de Sustentabilidade Corporativa

Aspectos relacionados ao tema trabalho

Nível de Sustentabilidade Corporativa

Pré susten-tabilidade

corporativa

Orientada por Conformidade

legal

Orientada por lucratividade

Por cuidado

(carring)Sinérgica Holística

Gestão de pessoas

Autocrático

Exploradora

Custódia

Autoritária

Apoio

Manipulativa

Colegial

Participativo

Motivacional

InterativoIdem

Ambiente de trabalho

Supervisão permanente;

Comunicação top-down;

Risco de exploração dos trabalhadores

Atende requi-sitos físicos e de segurança

legais;

Padronização do trabalho

Ações de custo benefício

para motivar trabalhadores para aumentar produtivida-de e reduzir rotatividade

Esforço especialmente para melhorar o bem-estar

pessoal;

Cultura corporativa

é geralmente considerada o tema principal

Alinhamento individual e coletivo das necessidades e motivação individual

Idem

Saúde e segurança

Responde a problemas

agudos

Conformidade legal;

Inventário de problemas freqüentes e respostas sistemáticas

Avaliações para investi-mentos custo

benefício

Sistema de gestão de saú-de e seguran-ça, incluindo dimensões

psicossociais

Política proati-va, relacionada

com gestão de pessoas e

acordos custo-mizados para trabalhadores

individuais

Idem

DiversidadeNão é uma

questão

Força de trabalho

homogênea

Apenas se aumentar os resultados

Políticas para emancipação

da mulher, pessoas de cor e com

necessidades especiais

Mulheres e minorias

em posições de gestão,

quando a qua-lificação for comprovada

Idem

Ética no trabalho e

globalização

Não é uma questão

Código de ética descreve a única manei-ra correta de

lidar

Pragmatismo

Imperialismo ético, atuando

em todos locais com igualdade

Relativização da situação;

Aplicar exper-tise apropriada para introduzir

melhorias locais

Políticas proativas para

introduzir melhores

instituições pelo mundo

Fonte: VAN MARREWIJK; WERRE, 2003, p. 116.

Já os autores Eccles et al. (2011, p. 56) analisaram 180 empresas americanas com a intenção de distinguir as organizações que estão engajadas em sustentabilidade. Propuseram uma divisão em dois grupos, sendo o primeiro constituído por em-presas que incorporaram políticas de sustentabilidade há mais tempo, classificadas como organizações de “alta sustentabilidade” (High Sustainability companies). O se-gundo grupo, das organizações classificadas como de “baixa sustentabilidade” (Low Sustainability companies), incorporou poucas políticas relacionadas com o tema. O destaque que deve ser dado se refere às políticas analisadas. Dentre as 27 políticas corporativas relacionadas com os temas meio ambiente, trabalhadores, comunidade,

88 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

produtos e clientes, utilizadas para avaliar o “grau” de sustentabilidade, 17 delas estão relacionadas com o tema trabalho:

■ A empresa fornece um plano de bônus para a maioria dos trabalhadores?■ A empresa tem uma política no sentido de se esforçar para ser um bom cidadão

corporativo?■ A empresa tem uma política de respeitar a ética nos negócios ou a empresa

assinou o Pacto Global da ONU ou segue as orientações da OCDE?■ A empresa tem uma política de diversidade e igualdade de oportunidades?■ A empresa tem uma política de equilíbrio entre vida profissional e pessoal?■ A empresa tem uma política competitiva de benefícios ao empregado ou garan-

te boas relações com os trabalhadores dentro de sua cadeia de suprimentos?■ A empresa tem uma política para a manutenção do crescimento do emprego a

longo prazo e estabilidade?■ A empresa alega proporcionar fundo de pensões, cuidados de saúde ou outros

seguros a seus trabalhadores?■ A empresa tem uma política para melhorar a saúde do trabalhador e segurança

dentro da empresa e de sua cadeia de suprimentos?■ A empresa mostra o uso de critérios de direitos humanos no processo de sele-

ção e acompanhamento dos seus fornecedores ou parceiros de terceirização?■ A empresa tem uma política para garantir a liberdade de associação universal-

mente aplicada, independentemente das leis locais?■ A empresa tem uma política para a exclusão de trabalho infantil, forçado ou

obrigatório?■ A empresa afirma favorecer a promoção interna?■ A empresa alega oferecer formação em gestão de negócios para seus gestores?■ A empresa promove discriminação positiva?■ A empresa desenvolve características e aplicações de produtos / serviços que

promovam o uso responsável, eficiente, eficaz e ambientalmente preferível?■ A empresa tem uma política de apoio à formação de habilidades ou de desen-

volvimento de carreira de seus trabalhadores?

Na matriz de criação de valor sustentável para a empresa, Hart e Milstein (2004, p. 71) consideram a dimensão temporal e a dimensão interna x externa, cruzando-os para quatro temas relacionados com a atuação das empresas: reduzir custos e riscos (prevenção da poluição); melhorar a reputação e legitimidade (gestão de produtos); acelerar a inovação e reposicionamento (tecnologia limpa); e cristalizar caminho de crescimento e trajetória (base da pirâmide). Os autores abordam questões relaciona-das ao trabalho na dimensão melhoria da reputação e legitimidade, o que torna essa questão mais estratégica para a empresa no sentido de preservar sua imagem.

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 89

Fonte: HART; MILSTEIN, 2004, p. 71.

Figura 1: Dimensões-chave do valor ao acionista

Em um estudo proposto por Epstein e Roy (2003) foram analisados relatórios cor-porativos com as designações ‘corporate citizenship reports’, ‘sustainability reports’, ‘triple-bottom-line reports’ ou ‘environment, health and safety (EH&S) reports’. Os temas em foco são: elementos relacionados com a saúde do empregado e questões de segurança, elementos relacionados com impactos ambientais, elementos sociais relativos às características de emprego (por exemplo, a diversidade de pessoas empre-gadas, os direitos trabalhistas, formação) e relações com a comunidade (por exemplo, a filantropia, envolvimento da comunidade de criação de emprego). As informações analisadas formam classificadas em 4 categorias, de acordo com o nível de integração com o desempenho econômico:

■ Nível 1: Informação descritiva não relacionada ao desempenho financeiro■ Nível 2: Informação quantificada não relacionada ao desempenho financeiro■ Nível 3: Informações monetizadas nas despesas, parcialmente relacionadas ao

desempenho financeiro■ Nível 4: Informações monetizadas sobre os benefícios de despesas (ou seja, me-

didas de benefícios, além de medidas de custos), totalmente relacionadas ao desempenho financeiro

A Tabela 4 (próxima página) apresenta os aspectos analisados nos relatórios do estudo.

90 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

Tabela 4: Categorias identificadas nos relatórios sobre saúde, segurança e trabalhadores

NÍVEL 1 NÍVEL 2 NÍVEL 3 NÍVEL 4

Saúde e Segurança

Descrição de um programa de treinamento de segurança

Número de dias perdidos por acidentes / doenças

Custo de programas de segurança

Custo economizado pela redução de dias

perdidos

Descrição de um programa de vigilância médica

Número de profissionais em saúde e segurança

Custo de programas de saúde

Economia pela redução de lesões

Trabalhadores

Descrição de um programa de diversidade

Pesquisa de satisfaçãoCusto do programa de

diversidade

Aumento da produtividade dos

trabalhadores

Descrição de um programa de assistência ao trabalhador

Rotatividade (%)Custo do programa de

assistência ao trabalhador

Aumento das receitas (através do acesso a mercados

multiculturais)

Fonte: EPSTEIN; ROY, 2003.

Os autores indicam que para a dimensão da saúde e segurança e para a dimensão social a maioria das empresas não atingiram o nível 4 e poucas conseguem atingir o nível 3, o que, segundo eles, indica que não são feitas as relações adequadas entre o desempenho de sustentabilidade e o desempenho financeiro. Dessa forma, os autores afirmam que a maioria das organizações não trata as ações relacionadas com a saúde e segurança e desempenho social como uma questão de negócio (business case). Por ou-tro lado, há empresas que atingiram o nível 4 para as questões ambientais (EPSTEIN; ROY, 2003, p. 84). Isso indica mais uma vez a dificuldade de se estabelecer e mensurar as ações na dimensão social e, ao mesmo tempo, o nível de engajamento das organi-zações para tais ações.

Em outro estudo os autores Kleine e Von Hauff (2009, p. 527) também questionam os indicadores sociais, afirmando que há diversas interpretações para eles: “ a inter-pretação dos indicadores sociais é muito mais difícil. Por exemplo, como se define o valor de ‘ausência devido à doença‘? Números decrescentes significam que os traba-lhadores são mais saudáveis e há mais segurança do que antes? Ou, números baixos indicam um medo crescente de perda de emprego e os funcionários vão trabalhar até mesmo quando estão doentes? Não há uma resposta geral a diversas interpretações”.

No livro Small is beaultiful Schumacher (1989) destaca o importante papel do tra-balho e a necessidade dele ser valorizado, não podendo ser considerado um simples fator de produção. O autor afirma que o trabalho enriquece a existência, dignifica e incentiva a criação, explicitando também a necessidade de valorizar o ser humano mais do que a produção, e o trabalho mais do que o produto ou o serviço. Nessa mesma linha, o autor do livro Maverick (SEMLER, 1993) salienta a necessidade de se

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 91

manter as unidades de negócio em escala humana para privilegiar a satisfação dos trabalhadores e a inovação. Além disso, Korten (1995) argumenta que as corporações devem proporcionar empregos seguros aos trabalhadores como forma de demons-trar o compromisso em investir no futuro. Handy (1999) destaca a necessidade de considerar os trabalhadores como cidadãos, membros de uma mesma comunidade em que as empresas se comportam como corporações cidadãs, evitando a influência distorcida dos acionistas que incentiva o assédio entre colegas para garantir as me-tas de lucro. Klein (2002) menciona a tendência do mercado de trabalho em reduzir as regulamentações e os benefícios sociais. Klein (2002) menciona também o termo McJob, definido como “trabalho que exige pouca habilidade, paga pouco, tem elevado grau de stress, é exaustivo e instável”.

→ Responsabilidade Social Corporativa e Trabalho

No que tange à conceituação de Responsabilidade Social Corporativa (Corporate So-cial Responsibility), diferentes definições do termo são encontradas na literatura espe-cializada. Igualmente diferem as relações que os autores fazem entre CSR e trabalho. Realizaremos aqui uma análise cronológica das abordagens do tema desde a década de 50, quando os autores se referiam mais à Responsabilidade Social (SR), até a primeira década do século XXI, quando o assunto já é abordado de forma mais ampla.

Na primeira metade da década de 50, um importante trabalho sobre o tópico foi publicado, por Howard R. Bowen, sob o título Social Responsibilities of the Busines-sman. A definição de Bowen cita a obrigação das empresas em tomar decisões que estejam de acordo com os objetivos e valores da sociedade, sem, no entanto, fazer referência ao termo trabalho (BOWEN, 1953).

No início da década de 60, Friedman M. (1962) critica a difusão do conceito e segue na direção oposta de outros autores sobre o tema, afirmando que a aceitação da res-ponsabilidade social pelas empresas poderia minar os fundamentos da sociedade. Na visão de Friedman, as empresas não teriam outra responsabilidade do que produzir ri-queza para seus acionistas. As definições pró CSR, durante essa década, seguem a mes-ma linha daquela tratada por Bowen. Davis e Blomstrom (1966) enfatizam os efeitos das decisões e ações de uma pessoa (ou de uma empresa) no sistema social. Verifica-se, mais uma vez, que o aspecto do trabalho não é incluído nas suas concepções do termo.

A década de 70 apresenta uma proliferação dos conceitos e trabalhos sobre o tema. No início dessa década, o Committee for Economic Development (CED) publica, em 1971, a sua definição de CSR em três círculos concêntricos, na qual aparecem os ter-mos “job” (emprego) e “employees” (empregados):

O círculo interno inclui as claras responsabilidades básicas para a execução eficiente das funções econômicas: produtos, empregos e crescimento econômico.

92 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

O círculo intermediário abrange a responsabilidade de exercer essa função econômica com uma consciência sensível de mudança de valores e prioridades sociais: por exemplo, no que diz respeito à conservação ambiental; contratação e relações com empregados e expecta-tivas mais rigorosas de clientes para informações, tratamento justo, e proteção contra lesões.

Observa-se na proposição do CED a referência explícita ao trabalho e aos trabalha-dores como partes integrantes do conceito mais amplo no qual se enquadra a Respon-sabilidade Social Corporativa. Nessa década, cabe citar ainda a definição de Carroll (1979) de que a responsabilidade social das empresas inclui as expectativas econômi-cas, sociais, éticas e discricionárias que a sociedade tem em relação às organizações em um dado momento. Por expectativas discricionárias subentendem-se aquelas di-rigidas pelas normas sociais, mas que não são explicitamente exigidas pela sociedade.

A década de 80 se caracteriza pelo estudo e aprofundamento de temas alternativos, como o conceito de Desempenho Social Corporativo (Social Corporate Performance). No entanto, a abordagem do trabalho nas definições de CSR continua ocasional. Jones (1980) inclui o termo “employees” (empregados) ao citar os grupos com os quais as empresas têm obrigações, além dos seus acionistas. Drucker (1984) menciona o termo “jobs” (trabalhos) ao afirmar que a responsabilidade social das empresas se traduz em transformar um problema social em oportunidade e benefício econômico, capacidade produtiva, competência humana, cargos bem pagos e riqueza.

Na última década do século XX, verifica-se a primeira aparição do termo “workfor-ce” (trabalhadores), em uma definição de CSR proposta pelo World Business Council for Sustainable Development (WBCSD, 1999):

RSE é o compromisso contínuo por parte das empresas a se comportar de forma ética e con-tribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando a qualidade de vida dos trabalhado-res e suas famílias, bem como da comunidade local e da sociedade em geral.

Ainda no ano de 1999, Khoury, Rostami e Turnbull publicam a sua definição do termo, aprofundando um pouco mais a relação do trabalho com o tema ao asseverar a sua posição entre os elementos constituintes da Sustentabilidade Social:

Responsabilidade social empresarial é a relação geral da corporação com todos os seus stakeholders. Estes incluem clientes, empregados, comunidades, proprietários / investidores, governo, fornecedores e concorrentes. Elementos da responsabilidade social incluem o inves-timento em atividades comunitárias, relações com empregados, criação e manutenção do emprego, ambiental e desempenho financeiro (KHOURY; ROSTAMI; TURNBULL, 1999).

No início do século XXI, as citações ao trabalho, e aos trabalhadores, se tornam

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 93

mais freqüentes. Lea (2002), em seu livro Corporate Social Responsibility, constata a importância dos trabalhadores no universo da Sustentabilidade Social Corporativa ao afirmar que se trata da forma como as organizações interagem com seus funcionários, fornecedores, consumidores e comunidades na qual elas operam.

Em conclusão, pode-se considerar que o termo Sustentabilidade Social Corporativa apresenta uma ampla quantidade de definições as quais abordam o assunto sob óticas diferentes. Desde a metade do século XX, diversos autores publicam seus conceitos. No entanto, verifica-se que o trabalho só é mais freqüentemente citado nessas definições a partir da década de 90, o que caracteriza o crescimento do seu caráter fundamental dentro do universo da Sustentabilidade Social Corporativa para a maior parte dos es-tudiosos do tema.

→ Sustentabilidade Corporativa e Responsabilidade Social Corporativa

É comum a intersecção do tema sustentabilidade corporativa com o tema responsabi-lidade social corporativa, tema este que será descrito mais adiante. Algumas organi-zações consideram a Sustentabilidade Corporativa envolvendo exclusivamente ações na dimensão ambiental, sendo a dimensão social contemplada nas ações de Respon-sabilidade Social Corporativa. Em outras situações, as dimensões ambiental e social são contempladas por meio da terminologia “responsabilidade socioambiental”, não ficando muito claro se trata de Sustentabilidade Corporativa, de Responsabilidade So-cial Corporativa, ou de ambas. A separação entre Responsabilidade Social Corporativa e Sustentabilidade Corporativa é uma questão delicada, muitas vezes a fronteira não é clara, até mesmo para as próprias organizações.

De uma forma ou de outra, seja nas ações de sustentabilidade corporativa ou de res-ponsabilidade social corporativa, o que merece ser destacado é o fato de que questões ambientais e sociais fazem parte da agenda das organizações com nomenclaturas seme-lhantes, mas que, muitas vezes, referem-se a compreensões e ações diferentes.

Alguns autores (EBNER; BAUMGARTNER, 2006; KLEINE; VON HAUFF, 2009; MONTIEL, 2008; STEURER et al., 2005; VAN MARREWIJK, 2003) analisaram a in-terface entre Sustentabilidade Corporativa e Responsabilidade Social Corporativa de forma aprofundada, o que permite extrair alguns pontos de destaque. O objetivo nesse momento é apresentar as interpretações mais convergentes e localizar a pesquisa em um referencial teórico, principalmente pelo fato do tema trabalho (trabalhar) estar lo-calizado na dimensão social, que, dependendo da interpretação, pode ser contempla-do nas ações de Sustentabilidade Corporativa ou nas ações de Responsabilidade Social Corporativa, ou até mesmo em ambas.

Consideramos 6 interpretações para a interface entre Sustentabilidade Corporativa e Responsabilidade Social Corporativa:

94 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

1. Conceitos sinônimos: não há preocupação em distinguir as ações como sendo de uma ou de outra. Nesse caso, são tratados como iguais, havendo uma inter-secção total entre os temas.

2. Conceitos distintos: não há intersecção entre os conceitos. Sustentabilidade Cor-porativa está associada a ações na dimensão ambiental e Responsabilidade So-cial Corporativa está associada a ações na dimensão social, sendo tratadas como conceitos distintos.

3. Conceitos com intersecções parciais: algumas das ações podem ser conside-radas tanto de Sustentabilidade Corporativa como de Responsabilidade Social Corporativa.

4. Responsabilidade Social Corporativa está contida na Sustentabilidade Corpo-rativa: a Sustentabilidade Corporativa é um conceito amplo, geralmente abran-gendo as dimensões social, ambiental e econômica (triple bottom line). A Res-ponsabilidade Social Corporativa faz o papel da dimensão social abrangida na Sustentabilidade Corporativa.

5. Sustentabilidade Corporativa está contida na Responsabilidade Social Corpo-rativa: a Responsabilidade Social Corporativa é um conceito amplo, conside-rando as dimensões social, ambiental e econômica. A Sustentabilidade Corpo-rativa faz o papel da dimensão ambiental abrangida na Responsabilidade Social Corporativa.

6. Outras interpretações: situações que não se enquadram em nenhuma das anteriores.

Independentemente do tipo de intersecção, sempre uma delas, ou ambas, considera de alguma forma o trabalhador e o trabalho (trabalhar), geralmente explicitado como público interno ou práticas de trabalho.

→ Classificação para a abordagem do tema trabalho na Sustentabilidade Corporativa

Ao analisar as abordagens propostas na literatura, torna-se possível construir uma classificação para a abordagem dada ao tema trabalho no âmbito da sustentabilidade corporativa, envolvendo os seguintes critérios: ambiente, abrangência, causalidade, temporalidade, profundidade, envolvimento do trabalhador e escopo.

■ Ambiente (Ambiente interno ou Ambiente externo): indica se a ação rela-cionada ao trabalho está mais voltada a ações internas à empresa, envolvendo processos, políticas, condutas; ou atuações externas, envolvendo, por exemplo, trabalho voluntário.

■ Abrangência (na Organização x na Cadeia de Produção): indica se a ação =

?

1. Conceitos sinônimos: não há preocupação em distinguir as ações como sendo de uma ou de outra. Nesse caso, são tratados como iguais, havendo uma inter-secção total entre os temas.

2. Conceitos distintos: não há intersecção entre os conceitos. Sustentabilidade Cor-porativa está associada a ações na dimensão ambiental e Responsabilidade So-cial Corporativa está associada a ações na dimensão social, sendo tratadas como conceitos distintos.

3. Conceitos com intersecções parciais: algumas das ações podem ser conside-radas tanto de Sustentabilidade Corporativa como de Responsabilidade Social Corporativa.

4. Responsabilidade Social Corporativa está contida na Sustentabilidade Corpo-rativa: a Sustentabilidade Corporativa é um conceito amplo, geralmente abran-gendo as dimensões social, ambiental e econômica (triple bottom line). A Res-ponsabilidade Social Corporativa faz o papel da dimensão social abrangida na Sustentabilidade Corporativa.

5. Sustentabilidade Corporativa está contida na Responsabilidade Social Corpo-rativa: a Responsabilidade Social Corporativa é um conceito amplo, conside-rando as dimensões social, ambiental e econômica. A Sustentabilidade Corpo-rativa faz o papel da dimensão ambiental abrangida na Responsabilidade Social Corporativa.

6. Outras interpretações: situações que não se enquadram em nenhuma das anteriores.

Independentemente do tipo de intersecção, sempre uma delas, ou ambas, considera de alguma forma o trabalhador e o trabalho (trabalhar), geralmente explicitado como público interno ou práticas de trabalho.

→ Classificação para a abordagem do tema trabalho na Sustentabilidade Corporativa

Ao analisar as abordagens propostas na literatura, torna-se possível construir uma classificação para a abordagem dada ao tema trabalho no âmbito da sustentabilidade corporativa, envolvendo os seguintes critérios: ambiente, abrangência, causalidade, temporalidade, profundidade, envolvimento do trabalhador e escopo.

■ Ambiente (Ambiente interno ou Ambiente externo): indica se a ação rela-cionada ao trabalho está mais voltada a ações internas à empresa, envolvendo processos, políticas, condutas; ou atuações externas, envolvendo, por exemplo, trabalho voluntário.

■ Abrangência (na Organização x na Cadeia de Produção): indica se a ação =

?

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 95

está mais relacionada com políticas que impactam somente a organização ou incluem sua cadeia de suprimentos.

■ Causalidade (ações diretas – envolvendo as causas x ações indiretas – envol-vendo os efeitos): dentre as ações de sustentabilidade corporativa relacionadas com o tema trabalho, é possível classificá-las em ações diretas, que estão rela-cionadas com as causas que impactam positiva ou negativamente o trabalho; e em ações indiretas, mitigatórias, que estão relacionadas com os efeitos que impactam o trabalho positiva ou negativamente. Por exemplo, a implantação de ginástica laboral ao longo da jornada de trabalho está mais relacionada com os efeitos, no caso a pressão do trabalho e posturas etc., do que às características do trabalho em si. Nesse caso, ações consideradas diretas envolveriam repensar a tarefa, suas características, demandas e necessidades. Outro exemplo, agora relacionado com as condições do ambiente de trabalho, é a existência de ruído. As ações são indiretas quando estão relacionadas em mitigar o ruído, com o uso de equipamentos de proteção individual, porém mantendo-se o ruído presente, ao invés de procurar ações diretas que o eliminam ou o reduzam.

■ Temporalidade (curto prazo x longo prazo): há ações que privilegiam o cur-to prazo e ações que privilegiam o longo prazo. Nesse caso, relacionamos essa classificação com características ligadas com saúde e desenvolvimento pessoal. Por exemplo, políticas voltadas para a carreira e desenvolvimento profissional privilegiam o longo prazo. Entretanto, algumas ações, nem sempre relacionadas diretamente com o trabalho, não privilegiam o longo prazo, segundo os aspectos mencionados anteriormente. Situações de competição e metas individuais de desempenho têm um resultado positivo no curto prazo, principalmente para a dimensão econômica, porém no longo prazo podem provocar consequências negativas para a saúde e para o relacionamento interpessoal. Geralmente são conseqüências de externalidades e, portanto, não contabilizadas e não relacio-nadas com as causas. Isso se justifica pela dificuldade que há em atribuir um valor financeiro para uma questão subjetiva, como seria o caso de distúrbios relacionados com a saúde mental, a falta de cooperação, a construção de um relacionamento no longo prazo com clientes, entre outros.

■ Nível de profundidade: há diferentes níveis de abordagem nas ações de susten-tabilidade corporativa relacionadas ao trabalho.

■ Envolvimento do trabalhador (tratamento do trabalhador como responsá-vel ou alvo da sustentabilidade): é possível classificar as ações de sustentabili-dade corporativa relacionadas ao trabalho quanto ao foco da ação. Nesse caso, há ações em que o trabalho está relacionado como responsável para promover a sustentabilidade e ações em que o trabalho é o alvo da sustentabilidade. De modo geral os códigos de conduta explicitam como os trabalhadores devem atu-ar para reduzir os impactos negativos associados com o meio ambiente.

96 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

■ Escopo (Conteúdo do trabalho x outro foco): ações relacionadas com obesi-dade, diabetes, cardiopatias, tabagismo, alcoolismo etc. são importantes para a promoção da saúde dos trabalhadores, mas elas não são, necessariamente, rela-cionadas com o conteúdo do trabalho, com o trabalho em si. Outros exemplos são relacionados a questões ambientais, como é o caso de incentivar a coleta seletiva ou redução do consumo de material. Por outro lado, há também as ações que estão relacionadas com o conteúdo do trabalho.

→ Conclusão

O levantamento de referências acadêmicas nos permite concluir que não bastasse o assunto sustentabilidade corporativa ainda ser um assunto em construção, sua rela-ção com o tema trabalho também se faz em grau semelhante de amadurecimento. Foi possível identificar, mesmo que ainda em caráter exploratório, as diferentes aborda-gens no nível acadêmico. Em particular, podemos destacar as tentativas de se propor a abordagem frente ao tema trabalho / práticas de trabalho em níveis crescentes de maturidade e compreensão quanto à temática, como é o caso dos autores Marc Epstein (2008), Marcel Van Marrewijk e Marco Werre (2003).

Ao mesmo tempo, não podemos ignorar o fato que trabalho faz parte de um signifi-cativo número de referenciais teóricos, mesmo que não haja uma convergência quanto a uma abordagem única ou dominante. Por outro lado, essa pluralidade nos permite criar uma taxonomia que nos orienta quanto ao tipo de relação existente. Com ela torna-se possível localizar as ações corporativas em diferentes categorias, o que nos dá elementos para afirmações prematuras. Por exemplo, a questão do envolvimento do trabalhador nas questões de sustentabilidade se dá prioritariamente com ele sendo o agente principal da garantia da sustentabilidade. Nesse sentido, a compreensão dos códigos de conduta e de ética, os esforços para treinamento e comunicação corporati-va são ações consideradas estratégicas para a organização. Na outra ponta, no caso em que o trabalhador é o foco da sustentabilidade, a atuação se estabelece na política de incentivos, benefícios, programas de qualidade de vida e de bem-estar, esses últimos muitas vezes se apresentam em um caráter assistencialista.

No entanto, apesar de haver referências ao trabalho ao longo do referencial teórico de sustentabilidade corporativa, a questão do conteúdo do trabalho, o trabalhar e ques-tões que relacionam a organização do trabalho com os impactos positivos ou negativos ao trabalhador são pouco ou quase nada ressaltados. Isso pode indicar que esses temas, que já estão presentes em outras áreas do conhecimento, ainda estão convergindo timi-damente para um debate sobre o que seria um trabalho (e o trabalhar em seu sentido mais amplo) em um paradigma de sustentabilidade corporativo que incorpora de fato a interpelação entre as dimensões econômica, ambiental e, sobretudo, social.

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA, RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA... | 97

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CAPÍTULO 6

Investigando relações entre Relatórios, Documentos, Diretrizes e Indicadores de

Sustentabilidade e o tema Trabalho

Claudio Marcelo BrunoroIvan Bolis

Natalia Pinheiro Manzoni Laerte Idal Sznelwar

→ Resumo

A proposta desse capítulo é analisar por meio de um estudo exploratório de múl-tiplas fontes de evidências as relações existentes entre os temas Trabalho e Sustentabili-dade Corporativa. Foi analisado o material divulgado pelas empresas, em especial seus relatórios de sustentabilidade, com a intenção de entender a abordagem dada ao Tema Trabalho na temática da Sustentabilidade Corporativa e/ou Responsabilidade Social Corporativa. Essa investigação possibilitou identificar também as iniciativas e diretrizes comuns que balizam a maioria das ações e políticas de sustentabildiade (corporativa) nas organizações. Mais adiante, foram analisados documentos sobre sustentabilidade – em sua maioria documentos resultantes de eventos mundiais da Organização das Nações Unidas – e os documentos sobre trabalho – em sua maioria documentos da Organiza-ção Internacional do Trabalho (OIT) – que fundamentam essas iniciativas e diretrizes, indicando um considerável alinhamento e convergência epistemológica. Por fim, apre-sentamos duas formas relevantes de abordar as relações entre trabalho e sustentabilidade quando se considera o trabalho como uma questão central para a sustentabilidade.

→ Análises

A análise dos relatórios de sustentabilidade de empresas engajadas nesse tema permi-

102 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

tiu identificar que diversas ações e a divulgação relativa a questões relacionadas com sustentabilidade corporativa se baseiam em diretrizes comuns. O mesmo acontece com os indicadores de sustentabilidade ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) da BOVESPA e DJSI (Índice de Sustentabilidade Dow Jones). As principais e mais citadas são cinco: GRI, Indicadores Ethos, SA8000, Pacto Global e ISO26000. Ao mesmo tempo, essas diretrizes também se apresentam fundamentadas em documen-tos de sustentabilidade – principalmente os gerados por eventos da Organização das Nações Unidas (ONU) e em documentos sobre o tema trabalho, principalmente os gerados pelas convenções e pela constituição da Organização Internacional do Tra-balho (OIT). A seguir faremos uma análise mais detalhada de como o tema trabalho é apresentado por essas fontes de informação.

Fonte: BRUNORO; SZNELWAR; BOLIS, 2012.

Figura 1: Documentos e diretrizes das organizações de apoio relacionados com o tema trabalho.

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 103

Análise dos relatórios de sustentabilidade sobre a abordagem do tema trabalho

Por meio de uma análise do conteúdo, buscou-se identificar se o tema trabalho estava presente nos relatórios de sustentabilidade de 20 empresas consideradas como refe-rência em sustentabilidade corporativa (BOLIS; MORIOKA; SZNELWAR, 2013). Os aspectos do tema trabalho foram divididos segundo categorias da ISO26000, sendo eles: emprego e relações de emprego, condições de trabalho e proteção social, diálogo social, saúde e segurança no trabalho e desenvolvimento humano e treinamento no ambiente de trabalho. A análise constituiu na identificação da presença de palavras (unidades de análise) condizentes com essas categorias. A partir da análise de con-teúdo desses relatórios de sustentabilidade, algumas palavras são mencionadas nos relatórios. Conforme apresentado na Tabela 1, temos as seguintes distribuições:

■ Vermelho: não aparecem nos relatórios de sustentabilidade;■ Laranja: aparecem entre 1 e 4 relatórios de sustentabilidade;■ Amarelo: aparecem entre 5 e 10 relatórios de sustentabilidade; ■ Verde: aparecem entre 11 e 16 relatórios de sustentabilidade; e■ Azul: aparecem entre 17 e 20 relatórios de sustentabilidade.

Tabela 1: Resultado da análise do conteúdo dos relatórios de sustentabilidadeISO2600 UNIDADE DE ANÁLISE

QU

EST

ÕES

DE

PR

ÁT

ICA

S D

E T

RA

BA

LHO

1 Emprego e relações de emprego

1. VERMELHO: Legal (trabalho)

2. AZUL: Empregados (número) –

AMARELO: turnover – temporário (trabalho)

3. VERMELHO: Mudanças em operação – impacto adverso

4. VERDE: Igualdade de oportunidades – diversidade –

inclusão - discriminação

5. VERMELHO: privacidade – informações pessoais

6. AMARELO: Subcontratação – subcontrato – fornecedores

2 Condições de trabalho e proteção social

1. LARANJA: Salários – benefícios – hora-extra – compensação

2. LARANJA: Horas de trabalho – períodos de descanso –

feriados – tradições – costumes

3. LARANJA: Disciplinar – VERMELHO: Demissão (práticas)

4. VERDE: Maternidade – família

3 Diálogo social 1. AMARELO: Representantes (empregados) – sindicatos

4 Saúde e Segurança no trabalho

1. AZUL: Saúde – segurança – acidente

2. LARANJA: Equipamento

3. AMARELO: Organizações subcontratadas – fornecedores

4. AMARELO: Treinamento

5. VERMELHO: Despesa monetária do trabalho

6. VERMELHO: Participação (sobre a própria saúde)

5Desenvolvimento humano e treinamento

no ambiente de trabalho

1. AZUL: Desenvolvimento de habilidades – treinamento – carreira

2. LARANJA: Redundância (empregados) - mobilidade

Fonte: BOLIS; MORIOKA; SZNELWAR, 2013.

104 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

Com essa análise, já é possível afirmar que se por um lado o tema trabalho está presente nos relatórios de sustentabilidade, por outro não há uma padronização quanto a quais informações fazem parte do escopo da Sustentabilidade Corporativa divulgada pela empresa.

Análise das diretrizes de sustentabilidade sobre a abordagem do tema trabalho

GRI (Global Reporting Initiative): Iniciativa que apóia e incentiva a elaboração de relatórios de sustentabilidade baseados em transparência, equilíbrio, comparabilida-de e exatidão. Para isso sugere diretrizes gerais e define indicadores para as dimen-sões social, econômica e ambiental. Recomenda que o desempenho geral aborde tan-to aspectos positivos quanto negativos, com informações compiladas e relatadas de forma consistente, permitindo analisar mudanças no desempenho da organização. Os grupos de indicadores são: Desempenho Econômico; Desempenho Ambiental e Desempenho Social. O desempenho social está dividido em: Práticas Trabalhistas e Trabalho Decente; Direitos Humanos; Sociedade; e Responsabilidade pelo Produto. Os indicadores de desempenho referentes a práticas trabalhistas e trabalho decen-te se dividem nos seguintes aspectos: Emprego; Relações entre os trabalhadores e a governança; Saúde e segurança no trabalho; Treinamento e educação; e Diversidade e igualdade de oportunidades. Os indicadores de desempenho referentes a Direitos Humanos apresentam alguns aspectos relacionados ao trabalho: Não discriminação; Liberdade de associação e negociação coletiva; Trabalho infantil; Trabalho forçado ou análogo ao escravo; e Práticas de segurança.

Indicadores Ethos: Iniciativa proposta pelo Instituto Ethos, incentiva as empresas brasileiras a preencherem um questionário que possibilita a realização de um diag-nóstico em sete temas: valores, transparência e governança; público interno; meio ambiente; fornecedores; consumidores e clientes; comunidade; e governo e socieda-de. O tema público interno apresenta os seguintes aspectos: diálogo e participação (relações com sindicatos e gestão participativa); respeito ao indivíduo (compromisso com o futuro das crianças, compromisso com o desenvolvimento infantil, valoriza-ção e diversidade, compromisso com a não discriminação e promoção da equidade racial, compromisso com a promoção da equidade de gênero, relações com trabalha-dores terceirizados); e trabalho decente (política de remuneração, benefícios e car-reira, cuidados com saúde, segurança e condições de trabalho, compromisso com o desenvolvimento profissional e empregabilidade, comportamento nas demissões e preparação para a aposentadoria).

SA8000: Primeira iniciativa internacional de certificação em responsabilidade so-cial. Foca diretamente o público interno por meio de 9 requisitos: Trabalho Infan-

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 105

til; Trabalho Forçado e Compulsório; Saúde e Segurança; Liberdade de Associação & Direito à Negociação Coletiva; Discriminação; Práticas Disciplinares; Horário de Trabalho; Remuneração; e Sistemas de Gestão.

Pacto global: Iniciativa da Organização das Nações Unidas para incentivar orga-nizações a comprometer-se com diretrizes de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade por meio de 10 princípios. É um instrumento de livre adesão por parte das organizações (empresas, sindicatos e organizações da sociedade civil) que indica um posicionamento voluntário em querer contribuir para uma sociedade mais justa. Os princípios estão divididos em: direitos humanos; trabalho; meio ambiente; e luta contra a corrupção. Os princípios referentes a direitos humanos são: as empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacional-mente; e assegurar de sua não participação em violações destes direitos. Os princípios referentes a trabalho são: as empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva; a eliminação de todas as for-mas de trabalho forçado ou compulsório; a abolição do trabalho infantil; e eliminar a discriminação no emprego.

ISO26000: Diretriz mais recente sobre responsabilidade social corporativa. Esta-belece diretrizes focadas em Responsabilidade Social que possam ser aplicadas por qualquer tipo de organização, não sendo um sistema de gestão ou uma certificação. Considera como característica principal da Responsabilidade Social a “pré-disposi-ção (willingness) de uma organização em incorporar questões sociais e ambientais em suas tomadas de decisão e ser responsável (accountable) pelos impactos de suas decisões e atividades sobre a sociedade e o meio ambiente” (ISO, 2010, p. 7). Res-salta também a relação entre responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. Uma vez que o desenvolvimento sustentável busca o atendimento das necessidades da sociedade atual, considerando tanto as limitações dos recursos naturais do pla-neta quanto garantir as necessidades das futuras gerações, em uma perspectiva de três dimensões interdependentes (econômica, social e ambiental), “os objetivos mais abrangentes da responsabilidade social de uma organização deveriam ser a contri-buição para o desenvolvimento sustentável (ISO, 2010, p. 9). Sete princípios da res-ponsabilidade social estão presentes, sendo eles: Prestação de contas e responsabili-dade (accountability); transparência; comportamento ético; respeito aos interesses dos stakeholders; respeito às regras da lei; respeito a normas internacionais de com-portamento; e respeito aos direitos humanos. Há também sete temas centrais (core subjects) que apresentam uma relação de interdependência e uma abordagem holís-tica em sua análise: governança corporativa; direitos humanos; práticas de trabalho; meio ambiente; práticas justas de operação; questões voltadas ao consumidor; e en-volvimento e desenvolvimento da comunidade. Coloca em evidência a necessidade

106 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

de haver engajamento com stakeholders, sendo o trabalhador um integrante direto desse grupo. São colocadas questões bem objetivas no que tange às práticas de tra-balho, sendo elas: emprego e relações de trabalho; condições de trabalho e proteção social; diálogo social; saúde e segurança no trabalho; desenvolvimento humano e treinamento no trabalho. Segundo essa norma: “Trabalho produtivo e com signi-ficado é um elemento essencial do desenvolvimento humano; padrões de vida são melhorados por empregos plenos e seguros. Sua ausência é a causa primeira de pro-blemas sociais. […] um princípio fundamental da Declaração da Filadélfia de 1944 da Organização Internacional do Trabalho é que trabalho não é uma mercadoria (commodity). Isso significa que o trabalhador não deveria ser tratado como um fator de produção e sujeito às mesmas forças de mercado aplicadas às mercadorias (com-modities)” (ISO, 2010, p. 31). Apresenta em seu anexo A uma lista de iniciativas rela-cionadas aos sete assuntos principais da responsabilidade social. Dentre eles, as inici-ativas dessa lista que apresentam o tema central práticas de trabalho são (ISO, 2010): UNCTAD - International Standards of Accounting and Reporting; UNEP Life Cycle Initiative; United Nations Global Compact; UNIDO - Responsible Entrepreneurs Achievement Programme; AccountAbility - AA1000 Series; Business Social Com-pliance Initiative (BSCI); CSR360 Global Partner Network; EFQM Framework for CSR and Excellence Model; Ethical Trading Initiative; International Business Lead-ership - A Guide to Human Rights Impact Assessment; Danish Institute for Human Rights - Human Rights Compliance Assessment; Global Reporting Initiative (GRI) - Sustainability Reporting Guidelines; FORÉTICA SGE 21 Ethical and CSR Manage-ment System; European Business Ethics Network (EBEN); Fair Labour Association (FLA); International Social and Environmental Accreditation and Labelling Alliance (ISEAL); Joint Article Management Promotion Consortium (JAMP); International Framework Agreement; Project Sigma - Sigma guidelines; Responsabilidad Social Empresarial Caja de Herramientas para America Latina; SA8000 - Social Account-ability International (SAI); Caux Round Table Principles for Business; CSR Europe Toolbox; Ethos Institute - Ethos indicators of CSR; The Global Sullivan Principles of Social Responsibility; International Chamber of Commerce (ICC); e World Business Council for Sustainable Development.

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 107

A abordagem do tema trabalho nas diretrizes e documentos de sustentabilidade e as relações encontradas

A análise do conteúdo das diretrizes permitiu identificar os itens relevantes aborda-dos sobre o tema trabalho. Dessa forma, podemos mencionar 15 itens explicitamente presentes, sendo que alguns deles reúnem um conjunto de itens considerados seme-lhantes. A Tabela 2 apresenta os itens que são explicitados nas iniciativas.

Tabela 2: Comparação entre as diretrizes sobre o tema trabalho

INICIATIVAS

ITENS EXPLICITADOS NAS INICIATIVASISO

26000

Pacto

GlobalGRI Ethos

SA

8000

Presentes em todas as iniciativas

1 Liberdade de associação e a negociação coletiva x x x x x

2 Eliminação de todas as formas de trabalho forçado x x x x x

3 Abolição de todas as formas de exploração do trabalho infantil x x x x x

4 Eliminação da discriminação no ambiente de trabalho x x x x x

Presentes na maioria das iniciativas

5 Saúde e Segurança / Condições de trabalho e proteção social x  - x x x

6

Emprego e relações de trabalho / Política de remuneração,

benefícios e carreira / Relações entre os trabalhadores e a

governança

x  - x x x

7Treinamento e educação / Desenvolvimento humano e

treinamentox  - x x - 

Presentes em alguma das iniciativas

8Diversidade e igualdade de oportunidades / Equidade de

gênero-  -  x x - 

9 Diálogo social / Diálogo e participação x  - -  x  -

Presentes em apenas uma iniciativa

10 Práticas Disciplinares -   -  - -  x

11 Horário de Trabalho  -  -  - -  x

12 Sistemas de Gestão  -  -  - -  x

13 Gestão Participativa  -  -  - x - 

14 Comportamento nas demissões e aposentadoria  -  -  - x  -

15 Relações com trabalhadores terceirizados  -  -  - x  -

Fonte: elaborado pelos autores.

108 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

Conforme a tabela anterior, há 4 itens que estão presentes em todas as iniciativas analisadas:

■ Liberdade de associação e negociação coletiva (ILO, 1948 e ILO 1949);■ Eliminação do trabalho forçado (ILO, 1930 e ILO 1957);■ Abolição do trabalho infantil (ILO, 1973 e ILO 1999); e ■ Eliminação da discriminação no ambiente de trabalho (ILO, 1951 e ILO 1958).

Além deles, vale ressaltar que os itens que abordam saúde e segurança no trabalho / condições de trabalho, relações de trabalho e desenvolvimento humano também são citadas na maioria das iniciativas.

A Figura 2 apresenta as relações entre os documentos de sustentabilidade e dire-trizes. Cabe ressaltar que esses não são os únicos documentos que são mencionados pelas diretrizes. Entretanto, são os mais recorrentes. Os documentos à esquerda da figura são documentos que tratam especificamente do tema da sustentabilidade, en-quanto que os à direita são documentos relacionados ao tema trabalho ou, de forma mais abrangente, direitos humanos. Pode-se observar que a Convenção da OIT e a Declaração Universal dos Direitos Humanos são os documentos mais citados dire-tamente. Além disso, um primeiro documento (mais antigo) pode ser citado por um segundo documento (pouco mais recente), no sentido de reafirmá-lo. Nesse sentido, apesar de não ter citações explícitas ao primeiro documento (mais antigo) nos do-cumentos subseqüentes, há a citação àquele que o reafirmou, proporcionando dessa forma uma citação indireta.

De acordo com a análise de relações entre esses documentos, notamos que, de forma geral, os mais recentes procuram contemplar a maioria, senão a totalidade do conteúdo existente naqueles elaborados anteriormente. Fica evidente a menção ao tema trabalho e direitos humanos nos que tratam a sustentabilidade, com especial destaque para a Declaração Universal dos Direitos Humanos e para as Convenções da OIT. A Declaração das Nações Unidas da Conferência sobre Desenvolvimento Humano está integrada na maioria dos que a sucederam.

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 109

Fonte: Elaborado pelos autores.

Figura 2: Relações relevantes – 1) entre iniciativas; 2) entre iniciativas e documen-tos; e 3) entre os documentos de sustentabilidade; 4) entre os documentos de sustentabilidade e os sobre trabalho.

De forma geral, os documentos mais recentes citam diversos documentos ante-riormente elaborados. Cabe ressaltar que as citações nem sempre são diretas. Muitas vezes há a citação de um item em um determinado documento que já traz em si a citação de outro documento elaborado anteriormente. A maioria das menções sobre sustentabilidade e trabalho nas iniciativas das organizações de apoio e, inclusive, nos documentos de sustentabilidade analisados decorre, direta ou indiretamente, de cin-co documentos base:

■ Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano – 1972;

■ Nosso Futuro Comum – 1987;■ Constituição da OIT – 1944;■ Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948; e■ Convenções da OIT.

110 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

Tratam-se dos documentos mais antigos em relação a todos os analisados; desse modo, poderiam ser considerados os documentos de origem para esses temas.

Além disso, o tema trabalho foi identificado tanto nas diretrizes como nos docu-mentos de sustentabilidade, sendo possível identificar as abordagens do tema, como por exemplo, Práticas de Trabalho, Condições de Trabalho e Trabalho Decente. Dessa forma, podemos considerar que a sustentabilidade, analisada em seus aspectos eco-nômicos, ambientais e sociais, contempla, inclusive, temas relacionados ao trabalho.

Há 4 diferentes abordagens do tema trabalho nos documentos de sustentabilidade. De forma cronológica, as primeiras menções envolveram a garantia de emprego e a estabilidade. Em seguida, sem abandonar essa questão, aspectos de saúde e segurança no trabalho passaram a serem citadas e, mais adiante, conteúdos da Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos e da Declaração dos Princípios e Direitos Fundamen-tais no Trabalho. Mais recentemente, os últimos documentos, bem como a maioria das diretrizes, mencionam trabalho decente como questão de destaque. De acordo com a OIT, trabalho decente está relacionado com (Ghai, 2003):

■ A criação de emprego para homens e mulheres; ■ A extensão da proteção social; ■ A promoção do diálogo social; e■ Os Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho: liberdade de associação

sindical e negociação coletiva, eliminação do trabalho forçado ou obrigatório, abolição efetiva do trabalho infantil e eliminação da discriminação.

Ao analisar o conceito Trabalho Decente, constata-se que esse engloba todas as di-ferentes formas de abordagens sobre trabalho. Conseqüentemente, podemos afirmar que Trabalho Decente é a forma mais atual e, também, mais abrangente sobre o tema trabalho, quando analisamos os documentos sobre sustentabilidade e as iniciativas das organizações de apoio.

Os documentos de sustentabilidade analisados apresentam, em diversas passa-gens, aspectos relacionados com a dimensão social. Sem a intenção de buscar exaurir o tema, mas destacando os mais mencionados e relevantes, podemos destacar: a cen-tralidade do ser humano; a interdependência; a cooperação; o diálogo; a preservação e manutenção; o desenvolvimento humano; a qualidade e o padrão de vida; o consumo e os sistemas de produção sustentáveis; os direitos humanos; a liberdade, igualdade, solidariedade, tolerância, respeito à natureza; uma sociedade global justa, humana e solidária; uma vida saudável e produtiva. Esses aspectos não são, necessariamente, relacionados diretamente com questões sobre Trabalho. No entanto, considerando o Trabalho uma das dimensões de ação do ser humano, torna-se relevante destacá-las.

Ao mesmo tempo, alguns sistemas produtivos, fabris ou de prestação de serviços, mesmo apresentando condições de trabalho consideradas decentes, também podem

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 111

causar impactos negativos aos trabalhadores, tanto do ponto de vista de saúde física e mental como também de qualidade de vida e bem-estar.

Nesse sentido, estabelecer um sistema de produção (para não mencionar um sis-tema econômico) considerado “sustentável” pressupõe uma visão também na dimen-são social, evitando o adoecimento físico e psíquico dos trabalhadores. Apesar das práticas de trabalho proativas e melhoria das condições de trabalho, principalmente quando se trata de aspectos físicos, o adoecimento mental, provado por uma pres-são invisível da organização para atingir metas, avaliação individual de desempenho, está cada vez mais presente nas organizações. Porém, relacioná-los com questões organizacionais internas de um coletivo torna-se um desafio, visto o esforço pela desconstrução do nexo causal das doenças relacionadas ao trabalho (MAENO, 2011).

Indicadores de Sustentabilidade

ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial): Trata-se de um indicador para medir ações que sejam referências para os investimentos socialmente responsáveis adminis-trado pela Bovespa (tornou-se signatária do Pacto Global em 2004, a primeira bolsa de valores a fazer parte da iniciativa). A partir da análise de critérios de desempenho contidos em um questionário desenvolvido pelo Centro de Estudos de Sustentabi-lidade da Fundação Getúlio Vargas (Ces-FGV), é realizada a seleção de quais ações integrarão os indicadores em cada ano. Apenas ações que estejam entre as 150 com maior índice de negociabilidade podem participar da seleção. O questionário é base-ado no Triple Bottom Line e nos seguintes critérios adicionais:

■ Critérios gerais (ex.: questiona a posição da empresa perante acordos globais e se a empresa publica balanços sociais);

■ Critérios de natureza do produto (ex.: se o produto da empresa acarreta danos e riscos à saúde dos consumidores, entre outros); e

■ Critérios de governança corporativa.

As dimensões do Triple Bottom Line estão divididas nos seguintes conjuntos de critérios: Políticas (indicadores de comprometimento); Gestão (indicadores de pro-gramas, metas e monitoramento); Desempenho; e Cumprimento legal.

Analisando a dimensão social do questionário ISE é possível encontrar dentro de cada critério aspectos que dizem respeito à empresa do ponto de vista interno, da atividade de seus funcionários, e outros voltados para a comunidade externa. Os critérios que agrupam indicadores a respeito da esfera social são política, gestão, desempenho e cumprimento legal.

O questionário se baseia principalmente no GRI (Global Reporting Iniciative) e na ISO26000 para a elaboração das questões. Cada pergunta presente no questionário

112 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

do ISE apresenta os índices, perfis ou subseções do GRI ou do ISO26000 correspon-dentes, utilizados na elaboração da questão.

No critério Política, é verificado se há por parte da empresa um compromisso formal com: compromisso formal com erradicação do trabalho infantil, erradicação do trabalho forçado ou compulsório, combate à prática de discriminação em todas as suas formas, valorização da diversidade, prevenção do assédio moral e do assédio sexual, respeito à livre associação sindical e direito à negociação coletiva, combate à exploração sexual de crianças e adolescentes.

A respeito dessas ações, questiona-se o relatório ou documento em que essas ações ou políticas estão contempladas.

■ No critério Gestão, são verificados se há por parte da empresa um compromis-so formal com: Assegurar os direitos trabalhistas da força de trabalho, prover o acesso de todos os funcionários a atividades de educação e desenvolvimen-to, visando ampliar sua competência, empregabilidade e evolução pessoal ou profissional, garantir a equidade de tratamento e condições de trabalho entre funcionários e terceirizados, praticar o diálogo com o público interno, acolhen-do, registrando, respondendo e esclarecendo todas suas críticas e sugestões, atendendo-as quando cabível.

A respeito dessas ações, questiona-se se a companhia possui processos e procedi-mentos implementados visando essas ações e em quais políticas esses processos estão discriminados. Exploram-se também detalhes a respeito de ações como valorização da diversidade, remuneração e satisfação dos funcionários.

Ainda no critério Gestão, sobre satisfação dos trabalhadores, o indicador questio-na se a empresa verifica: clima organizacional (exposição a estresse, ambiente har-mônico, cooperação entre funcionários, etc); carga de trabalho (horas trabalhadas, metas de produção e outros tipos de demandas; remuneração compatível com a carga de trabalho); e benefícios.

Sobre qualidade de vida, ainda no mesmo critério, o indicador questiona se a em-presa: oferece benefícios como opção de alimentos saudáveis, academia, ginástica laboral, e outras atividades que promovam o bem-estar e uma vida mais saudável (física e psíquica); acompanha a situação de seus funcionários quanto a aspectos rela-cionados à sua qualidade de vida; conscientiza, informa e estimula seus funcionários quanto a um estilo de vida saudável; Possui programas que incentivem a redução de horas-extra e equilíbrio entre carga horária disponível e demanda de trabalho.

■ No critério “Desempenho”, questiona-se principalmente: As disparidades nas remunerações entre cargos pertencentes a diferentes hierarquias, bem como entre gêneros e cores; se a empresa divulga em seu Relatório de Sustentabili-

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 113

dade as proporções entre os maiores e menores salários na companhia; se a empresa possui políticas que visam assegurar o tratamento de trabalhadores terceirizados equivalente ao oferecido para os trabalhadores diretos.

Grande parte das questões do ISE se baseia nas diretrizes do GRI e da ISO26000. As tabelas 3, 4 e 5 apresentam os aspectos contemplados do tema trabalho que fazem parte dessas diretrizes.

Tabela 3: Comparação entre GRI – Direitos Humanos e dimensões do ISE

 DIMENSÕES DO

QUESTIONÁRIO DO ISE

ÍNDICES GRI - DIREITOS HUMANOS Ambiental Social

HR1. Descrição e percentual de políticas, diretrizes para manejar todos os aspectos de direitos humanos em investimentos

   

HR2. Empresas contratadas submetidas a avaliações referentes a direitos humanos x x

HR3. Políticas para avaliação e tratamento do desempenho nos direitos humanos    

HR4. Número total de casos de discriminação e as medidas tomadas   x

HR5. Política de liberdade de associação e o grau da sua aplicação   x

HR6. Medidas tomadas para contribuir para a abolição do trabalho infantil x x

HR7. Medidas tomadas para contribuir para a erradicação do trabalho forçado x x

HR8. Políticas de treinamentos relativos a aspectos de direitos humanos para seguranças

   

HR9. Número total de casos de violação de direitos dos povos indígenas e medidas tomadas

   

HR10. Percentual e número total de operações que tenham sido analisadas quanto aos riscos relacionados a direitos humanos e/ou os impactos desses riscos

   

114 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

Tabela 4: Comparação entre GRI – Práticas de Trabalho e Trabalho Decente e dimensões do ISE

 DIMENSÕES DO

QUESTIONÁRIO DO ISE

ÍNDICES GRI - PRÁTICAS DE TRABALHO E TRABALHO DECENTE Ambiental Social

LA1. Total de trabalhadores, por tipo de emprego, contrato de trabalho e região x

LA2. Número total e taxa de rotatividade de empregos, por faixa etária, gênero e região

LA3. Comparação entre benefícios a empregados de tempo integral e temporários

LA4. Percentual de empregados abrangidos por acordo de negociação coletiva

LA5. Descrição de notificações (prazos e procedimentos)

LA6. Percentual dos empregados representados em comitês formais de segurança e saúde

LA7. Taxa de lesões, doenças ocupacionais, dias perdidos dos funcionários e terceirizados x

LA8. Programas de educação, prevenção e controle de risco x

LA9. T emas relativos à segurança e saúde cobertos por acordos formais com sindicatos

LA10. Média de horas por treinamento por ano

LA11. Programas para gestão de competências e aprendizagem contínua e aposentadoria

LA12. Percentual de empregados que recebem análises de desempenho

LA13. Composição da alta direção e dos conselhos, e proporção por grupos e gêneros x

LA14. Proporção de salário-base entre homens e mulheres, por categoria funcional x

LA15. Retorno ao trabalho e taxas de retenção após licença maternidade /

paternidade, discriminados por gênero

Tabela 5: Comparação entre ISO26000 (Direitos humanos e Práticas de trabalho) e ISE

‘DIMENSÕES DOS

QUESTIONÁRIO ISE

ÍNDICES ISO26000 Social Ambiental

6.3 Direitos Humanos    

6.3.3 Due diligence    

6.3.4 Situações de Risco de Direitos Humanos    

6.3.5 Evitar a Cumplicidade    

6.3.6 Resolução de Queixas    

6.3.7 Discriminação e Grupos Vulneráveis x  

6.3.8 Direitos Políticos e Civis    

6.3.9 Direitos Econômicos, Sociais e Culturais    

6.3.10 Princípios Fundamentais e Direitos no Trabalho x x

6.4 Práticas de Trabalho    

6.4.3 Trabalho e Relações de Trabalho x x

6.4.4 Condições de Trabalho e Proteção Social x  

6.4.5 Diálogo Social    

6.4.6 Saúde e Segurança no Trabalho   x

6.4.7 Desenvolvimento Humano e Treinamento no Espaço de Trabalho    

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 115

DJSI (Índice Dow Jones de Sustentabilidade (Dow Jones Sustainability Index): Cria-do em 1999, é administrado em parceria com a RobecoSAM Indexes. Consiste de uma seleção das ações de empresas com os melhores desempenhos de acordo com o Triple Botttom Line. Em particular, no SAM Yearbook 2012 há uma breve análise do atual cenário no Brasil, apontando que 88 das 100 maiores empresas disponibilizam seus relatórios de Responsabilidade Corporativa, salientando também que denúncias da mídia e preocupação pública a respeito de saúde, regime de escravidão, carga horária excessiva, condições da comunidade local e denúncias de assédio sexual e moral estão contribuindo para ampliar os esforços da Sustentabilidade Corporativa. Os critérios de seleção analisam o caráter inovador das empresas e os desempenhos econômicos, ambientais e sociais. Na dimensão social, estão presentes os seguintes critérios gerais, aplicados a todos os tipos de indústrias: Cidadania e Filantropia Corporativa; Desen-volvimento do Capital Humano; Indicadores de Práticas de Trabalho; Reporting So-cial; e Atração e Retenção de Talentos. Alguns exemplos de critérios aplicados somente em questionários para alguns setores são: Bioética; Engajamento dos Stakeholders; Pa-drões para Fornecedores; Estratégia para aumentar o acesso a medicamentos e produ-tos. O índice também considera o Media and Stakeholders Analysis, um compilado de notícias e opiniões dos stakeholders a respeito das empresas, contendo tópicos como corrupção, crimes econômicos, fraudes, práticas comerciais ilegais, direitos humanos, disputas de trabalho, segurança do espaço de trabalho, dentre outros.

O questionário do índice é basicamente dividido nas três dimensões do Triple Bottom Line, com a dimensão social segmentada em Relatórios Sociais; indicado-res de práticas de trabalho e direitos humanos; desenvolvimento do capital humano; atração e retenção de talentos; filantropia e cidadania corporativa; e engajamento com os Stakeholders.

Na seção relativa aos indicadores de práticas de trabalho e direitos humanos, são questionadas as temáticas diversidade e igualdade de gênero, bem como disparidades nas remunerações. Ao tratar de demissões, questiona-se se há (e quantas houve) ne-gociações/consultas aos trabalhadores a respeito de mudanças organizacionais. Sobre saúde e segurança questiona-se se a empresa possui monitoramento da segurança das atividades, das fatalidades e dos quase acidentes relacionados ao trabalho. A seção questiona também qual o sistema usado para coletar e lidar com as reclamações e manifestações dos funcionários de maneira confidencial.

Na seção de Indicadores de desenvolvimento do capital humano, questiona-se a respeito dos indicadores utilizados para a avaliação da performance dos funcionários e as alternativas dadas como respostas são indicadores baseados em custos, valores e número de horas gastas com treinamento, havendo um campo livre para citar outros indicadores. Pede-se para indicar ferramentas e processos adotados para gerir conhe-cimento organizacional e gestão do conhecimento.

Na dimensão econômica, ao questionar a respeito das medidas para garantir a sus-

116 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

tentabilidade em nível de fornecedores, pergunta-se se os seguintes tópicos são levados em conta nessa análise: direitos humanos fundamentais (ex: trabalho infantil forçado, liberdade de associação - convenções da OIT); condições de Trabalho (ex: horas de tra-balho, políticas de demissão, remuneração); saúde e segurança; e ética nos negócios.

Cabe ressaltar que ambos os índices (ISE e DJSI) contemplam de alguma maneira a perspectiva do trabalho para a sustentabilidade. Em alguns momentos esse aspecto figura como parte da dimensão social, passando pela dimensão ambiental e econô-mica em alguns pontos ou sendo incorporado a dimensões auxiliares que tratam de assuntos mais específicos, como governança corporativa.

Os temas presentes nos indicadores mais freqüentes relacionados a trabalho são direitos humanos, incluindo principalmente aspectos legais como trabalho infantil ou compulsório, e equidade, tratando sobre as diferenças de remuneração entre pes-soas de diferentes gêneros e cores. Há também aspectos associados à saúde e segu-rança do trabalho, e, com menor freqüência, há questões a respeito da satisfação dos funcionários, bem como da participação em processos decisórios na empresa.

→ Duas perspectivas para a relação entre sustentabilidade corporativa e trabalho: o trabalho para a sustentabilidade e a sustentabilidade para o trabalho

Há diversos estudos e diretrizes voltados para o tema trabalho relacionado com sus-tentabilidade. Nesse item será dado um panorama geral das tendências principais. O tema trabalho está presente no conceito de trabalho decente, green work (DIXON et al., 2008), green job (UNEP, 2008), códigos de conduta, etc. Em sua maioria a abor-dagem é dada para o resultado do trabalho dentro de um processo produtivo. Nesse sentido, as pesquisas relacionadas com sustentabilidade, quando abordam a questão do trabalho, focam em sua maioria o resultado financeiro e ambiental. O aumento de produtividade e resultado, sob a bandeira de sustentabilidade financeira, a preserva-ção do meio ambiente, sob a bandeira dos trabalhos verdes e induzidos pelos códigos de conduta das organizações. Em alguns casos, a dimensão social é abordada, como no trabalho decente.

Também está presente em questões da sustentabilidade corporativa, como é o caso dos macro temas práticas de trabalho, ética, desenvolvimento humano, saúde e segu-rança no trabalho, direitos humanos, relações de emprego, entre outros.

No entanto, quando se coloca o trabalho como questão central é possível salientar pelo menos duas categorias para a relação entre trabalho e sustentabilidade. A primei-ra, que chamamos o trabalho para a sustentabilidade, está relacionado com as ações que envolvem o trabalhador como responsável para garantir a sustentabilidade, neste caso, a da dimensão ambiental. Nesse sentido, o trabalho estaria relacionado a promo-ver a sustentabilidade. Novos processos são criados ou adequados para que se garanta,

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 117

por exemplo, a redução do consumo de recursos ou a minimização de resíduos. Inde-pendentemente das características que serão otimizadas, por mais automatizado que seja o novo processo, sempre haverá um novo trabalho estabelecido, com um novo conteúdo, desafios e restrições, em que o trabalhador precisa dar conta, precisa doar de si para fazer acontecer. Verifica-se então a importância de considerá-lo como agen-te, como protagonista da ação.

Por exemplo, é possível destacar os códigos de conduta corporativos (BÉTHOUX et al., 2007) que descrevem, principalmente, ações que os trabalhadores devem fazer ou prestar atenção, a fim de manter ou garantir a sustentabilidade ambiental. Não bastasse isso, há também o incentivo a ações externas a serem realizadas pelos tra-balhadores. É o caso do trabalho voluntário, que responde aos anseios da sociedade pelo exercício da cidadania de todos. Ressaltamos, então, nessa categoria o traba-lhador como protagonista da sustentabilidade. Quando uma empresa muda algum processo para um processo considerado mais sustentável, há novas tarefas que os trabalhadores precisam dar conta. Assim, há algum impacto para os trabalhadores devido ao processo ambientalmente ou economicamente sustentável? O que é que o trabalhador tem que fazer para tornar este processo possível?

A segunda categoria, chamada de sustentabilidade de trabalho (sob a perspecti-va do trabalhador), está relacionada com as ações que envolvem o trabalhador que o foco de sustentabilidade, neste caso, o social. Isso inclui condições de trabalho, saúde e segurança no trabalho, desenvolvimento humano e bem-estar. Estas questões podem ser abordadas diretamente ou indiretamente. Por exemplo, programas de saúde podem estar relacionados a questões ocupacionais ou não (tabaco, programas de pressão arterial elevada). O que deveria ser uma obra sustentável sob a perspec-tiva do trabalhador. Que decisões estratégicas induzir atividades de trabalho, que são mais convergentes com os conceitos relacionados com a sustentabilidade social ou responsabilidade social das empresas? Por exemplo, solidariedade, cooperação no trabalho e solução ganha-ganha-ganha. Como é a realidade de trabalho? Se a realida-de de trabalho está cheia de pressões, podemos considerá-lo um ambiente de traba-lho sustentável? E, geralmente, em vez de mudar esta realidade, a verdadeira origem dessas pressões, a empresa decide dar mais benefícios para o trabalhador, como com-pensação. Por exemplo: um bônus, ou aulas de yoga para reduzir o estresse, etc. Essas questões também são importantes, mas realmente não resolvem o problema. Como uma analogia, é quase o mesmo quando uma empresa que tem um grande nível de emissão de CO2 decide comprar créditos de carbono. Isso não resolve o problema, porque a empresa continua poluindo.

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→ Contribuições da ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho para a relação entre trabalho e sustentabilidade

Fonte: adaptado de (BOLIS; MORIOKA; SZNELWAR, 2013).

Figura 3: A responsabilidade corporativa sobre o trabalho.

O objetivo principal das empresas com o trabalho, representado pelas setas pre-tas (e menos pelas cinzentas) na Figura 3, concentra-se aparentemente na criação de uma melhor imagem da empresa, especialmente para os acionistas e para os próprios clientes, a fim de aumentar os lucros. Neste contexto, pode ser proposto que as em-presas programem políticas mais efetivas de sustentabilidade - efetivamente susten-tável - em relação ao trabalho.

Como proposto com as setas brancas na Figura 3 no futuro as empresas precisam se engajar na introdução de políticas mais focadas para atingir a sustentabilidade do trabalho, levando em consideração também os impactos das mudanças de sustenta-bilidade sobre as atividades dos trabalhadores.

Este contexto representa uma grande oportunidade para que as empresas possam incluir a ergonomia e a psicodinâmica do trabalho na discussão da sustentabilidade. A proposta aqui defendida é que as abordagens de trabalho que vêem os trabalhado-

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 119

res como sujeitos e como atores importantes para as organizações, como a ergonomia e a psicodinâmica do trabalho, podem ser usadas como referências para as políticas corporativas. Trabalho sustentável é acreditado ser aquele que melhora o desempe-nho da organização e promove o desenvolvimento profissional, bem como a saúde dos trabalhadores e bem-estar.

Pouco se fala sobre o trabalho em uma perspectiva sustentável para os sujeitos que trabalham, sendo que ele é, de fato, a dimensão social diretamente relacionada ao processo produtivo. Em sua maioria, as definições que se encontram sobre este tema específico no bojo da discussão da sustentabilidade não são convergentes, ou apresentam uma visão parcial e, muitas vezes, fragmentada da realidade abordada. Freqüentemente a abordagem da questão do trabalho com foco em seu conteúdo fica em separado, considerada menos importante, talvez porque o ato de trabalhar teria, sob o ponto de vista da produção, menor impacto (SZNELWAR, 2009).

Em ergonomia, pode-se destacar algumas contribuições para o ponto de vista sus-tentável sobre o trabalho. Poder agir conforme as exigências de produção e segun-do as possibilidades de cada sujeito, que evidentemente variam constantemente ao longo da vida, seria um ponto de ancoragem fundamental. Como fazer evoluírem as condições de trabalho para que elas sejam adequáveis aos sujeitos ao longo de sua vida? Ainda mais, esta possibilidade de agir estaria ligada também ao desenvolvi-mento profissional e das competências. Seria, portanto, possível adotar as propostas de Falzon (2005) e de Montmollin (1993), quando discutem os aspectos cognitivos relacionados à saúde. Neste sentido, em um olhar sustentável, faria também referên-cia às possibilidades que o trabalho traria para que as pessoas possam adquirir novos conhecimentos, novos saber-fazer, para se tornarem mais competentes.

Para a ergonomia da atividade, a questão da saúde é compreendida como um pro-cesso dinâmico (FALZON, 2005). Pelo fato de ela ter como disciplinas fundadoras a fisiologia e a psicologia, a busca da adaptação do trabalho ao ser humano considera vários aspectos da dinâmica da vida. Trata-se a variabilidade, tanto inter como intra individual, remetendo assim à questão da evolução dos trabalhadores ao longo do tempo, incluindo-se, dessa forma a questão do envelhecimento.

No caso da psicodinâmica do trabalho, a possibilidade de agir estaria ligada tam-bém ao encontro entre os desejos do sujeito de bem fazer de se sentir útil, de desen-volver uma obra pessoal que o ajudaria a desenvolver seu processo de identificação, de se tornar mais inteligente. Neste caso, o trabalho como um dos pilares fundamentais para a realização de si (DEJOURS, 2004) teria um papel central na vida dos indivíduos.

Sendo assim, a questão principal está no desenvolvimento de outra racionalidade. O trabalho humano não seria algo que se usa e se consome. Aliás, seria o único “re-curso” que pode ser desenvolvido e ampliado (HUBAULT, 2008), se considerarmos as possibilidades de aprendizagem através da acumulação de experiências profissionais e de vida; assim a questão fundamental seria abordar o tema do quão sustentável o

120 | INOVAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS

processo é para os sujeitos. O desenvolvimento dessa abordagem pode avaliar o quão sustentável, segundo a dimensão social, é o trabalho quando se analisa em uma pers-pectiva duradoura, quanto ao seu desenvolvimento (profissional), sua qualidade (de vida), o seu envelhecimento e a sua saúde física e mental.

Já em psicodinâmica do trabalho, trata-se de criar uma espécie de movimento transformador a partir da criação de espaços de palavra um “espaço público”, con-forme proposto por Arendt (1987) e redefinido por Dejours (2004) onde, por meio da fala dos atores, se possa construir um ponto de vista compartilhado a partir de como vivem o trabalho. Viver a situação nestes grupos permite aos integrantes re-trabalha-rem suas próprias vivências anteriores e, sobretudo, colocar em jogo as defesas indi-viduais e coletivas que por um lado ajudariam a enfrentar situações de trabalho que colocam em risco a sua integridade enquanto sujeito, mas por outro, servem, muitas vezes, para impedir que atuem de maneira a transformar este trabalhar.

Neste sentido a questão do reconhecimento é fundamental, ter o seu esforço re-conhecido a partir de julgamentos de utilidade, a partir da hierarquia e dos outros atores sociais para os quais as ações dos sujeitos são dirigidas, e da estética ou da beleza das ações, realizada por seus pares, capazes de avaliar a inteligência e o esforço empreendido, relacionados com o estado da arte da profissão, seriam fundamentais para a saúde mental dos sujeitos (DEJOURS, 2003).

No caso da psicodinâmica do trabalho, a possibilidade de agir estaria ligada tam-bém ao encontro entre os desejos do sujeito de bem fazer de se sentir útil, de desen-volver uma obra pessoal que o ajudaria a desenvolver seu processo de identificação, de se tornar mais inteligente. Neste caso, o trabalho como um dos pilares funda-mentais para a realização de si (DEJOURS, 2004) teria um papel central na vida dos sujeitos. Um olhar sustentável sobre o trabalho ficaria então enriquecido por estes aportes relativos à racionalidade prática.

Mesmo que as empresas só estejam interessadas na sua sustentabilidade econômi-co-corporativa, a ergonomia poderia mostrar como a consideração das questões do trabalho levam a situações ganha-ganha onde há um aumento dos benefícios para os trabalhadores se criam ulteriores benefícios econômicos (IIDA, 1990; HENDRICK, 2008; DUL; NEUMANN, 2009).

Em um olhar sustentável, poderíamos vislumbrar que os conceitos e as modali-dades de ação em ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho contri-buiriam substancialmente se incorporados aos projetos e à gestão nos mais variados setores da economia. Assim, com objetivo de transformar a ação mais tradicional da engenharia e da administração, a atividade humana de trabalho seria considerada como um dos pilares fundamentais de qualquer projeto, e não como a variável de ajustamento para ser tratada quando praticamente tudo já está definido e faltaria apenas encaixar os trabalhadores adequados (GUÉRIN et al., 2001; HUBAULT, 2004; NOULIN, 1992; TERSSAC e MAGGI, 2004).

INVESTIGANDO RELAÇÕES ENTRE RELATÓRIOS, DOCUMENTOS, DIRETRIZES... | 121

→ REFERÊNCIAS

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CAPÍTULO 7

Relações entre saúde e trabalho

Sabrina Kelly Pontes

→ Introdução

Os anos do pós-guerra significaram, no contexto mundial, um período de pro-fundas transformações sociais, econômicas, políticas e culturais. O mundo do traba-lho, frente a este cenário, também sofreu intensas mutações. As mudanças se tradu-ziram na reorganização do trabalho e nas novas formas de gerenciamento praticadas. Como conseqüências desse projeto de reestruturação da produção verificou-se a ele-vação da mão-de-obra excedente, o que permitiu a imposição de contratos de traba-lho mais flexíveis, um aumento da carga de trabalho em função da possibilidade de “achatamento” das organizações, além de um sentimento, compartilhado por todos os trabalhadores, de menor segurança no emprego. Alguns autores entendem que o trabalho contemporâneo é marcado por um processo de precarização que encerra nas relações de trabalho adoecimento e sofrimento físico e mental. Neste sentido, en-tender as formas de adoecimento e as conseqüências sobre a saúde mental dos traba-lhadores, na atualidade, requer uma cuidadosa análise das modificações socialmente produzidas e do contexto em que o trabalho está inserido. O texto a seguir trata-se de um ensaio que tem como objetivo elucidar, sem a pretensão de esgotar o tema, de que maneira a saúde dos trabalhadores pode ser afetada pelo trabalho.

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→ 1. Mudanças atuais na produção e no trabalho

A crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, que emergiu em fins da década de 60 e início de 70, fez com que o capital colocasse em prática um amplo proces-so de reestruturação da produção, visando a recuperação do seu ciclo reprodutivo. Abandonar o antigo modo de acumulação significou adotar um formato mais flexível que atendesse prontamente às necessidades dos consumidores, sem sobrecarregar as empresas com despesas e contratações. A vigência de um novo regime de acumulação estava vinculado às mudanças no processo de produção e nas formas de organizar o trabalho que possibilitassem atender as necessidades dos mercados consumidores.

Este novo formato de acumulação pode ser definido como um padrão produtivo, organizacional e tecnologicamente avançado, resultado da introdução de técnicas de gestão da força de trabalho próprias da informática e também da introdução de com-putadores no processo produtivo e de serviços. Apresenta uma estrutura produtiva mais flexível ao recorrer à desconcentração produtiva, às empresas terceirizadas, às novas técnicas de gestão da força de trabalho, às células de produção, ao trabalho em equipe, além de exigir, ao menos no plano discursivo, um envolvimento participativo dos trabalhadores.

Pode-se dizer que são “modelos de organização do trabalho próprios do capita-lismo avançado, que têm a ‘flexibilidade’ como lema” (BERNARDO; NOGUEIRA E BULL, 2011, p. 84). Tem como expoente o modelo que se desenvolveu no Japão, conhecido como toyotismo ou modelo japonês de produção enxuta, que se mostrou bastante impactante ao mundo ocidental quando proporcionou uma alternativa pos-sível à superação da crise capitalista. Porém, traz consigo diversas contradições em sua gênese, principalmente no que tange à saúde dos trabalhadores, ao anunciar nas “novas formas” de gestão e controle do trabalho o aumento do ritmo de trabalho e da inovação tecnológica. Para Antunes:

trata-se de um processo de organização do trabalho cuja finalidade essencial, real, é a da ‘intensificação das condições de exploração da força de trabalho’ diminuindo ou mesmo exterminando o trabalho que não cria valor, não produtivo ou suas formas semelhantes, especialmente nas atividades de manutenção, inspeção de qualidade, limpeza, funções que passaram a ser incorporadas ao trabalhador produtivo (ANTU-NES, 2005, p. 7, grifo do autor).

A estruturação deste novo processo organizativo preserva um pequeno número de trabalhadores mais qualificados, multifuncionais e envolvidos com seu ideário dentro das suas empresas matrizes. A ampliação da carga de trabalho é feita por meio do aumento das horas-extras, da terceirização dentro e fora das empresas, além da possibilidade de contratação de trabalhadores temporários (ANTUNES, 2005). Atu-

RELAÇÕES ENTRE SAÚDE E TRABALHO | 127

almente muitas funções exigidas pelos novos processos de gestão estão requerendo mais habilidades mentais dos trabalhadores em geral, do que antes exigia-se em mo-delos como o taylorismo e fordismo.

Trata-se de uma ampliação que autores como Gorz (2005) nomeiam de trabalho imaterial, ou, aquele que produz valores de uso imateriais ou intangíveis e que de-manda comunicação, inteligência, graças às suas qualidades significativas, não em contraposição ao trabalho material, que é aquele que produz valores de uso materiais ou de qualidades tangíveis, mas enquanto reconhecido pela economia de mercado, aparece como importante força produtiva.

Esta mudança demanda dos trabalhadores aspectos até então pouco exigidos como a polivalência e flexibilidade, presentes nas novas formas de organização da produção e trabalho. A polivalência é discutida por Monteiro & Gomes (1998) como uma vivência sempre ambígua uma vez que aumenta o conhecimento e a experiência profissional dos trabalhadores e ao mesmo tempo intensifica o ritmo de trabalho, criando um descontentamento entre os envolvidos. Segundo pesquisas realizadas com trabalhadores por Dejours (1988), a polivalência pode contribuir para o aumento da tensão nervosa “e há caras que se acabam quando ficam polivalentes” (DEJOURS, 1988, p. 107). Já a flexibilidade é considerada por Zilbovicius (1999) um termo polissê-mico, podendo referir-se de estratégias de mercado até a gestão de pessoal acenando para a capacidade e habilidade de resposta às conjunturas de mudança.

O contexto atual determina, como conseqüência das rápidas transformações, uma intensificação pela busca por flexibilidade. Assim, diante do crescimento da incer-teza, da necessidade de adaptação ao macroambiente e à instabilidade da demanda, novos “modelos” de gestão surgem como tentativa de responder mais prontamente às novas demandas de flexibilidade e redução de custos, visando o incremento da competitividade.

Mas de que modo a reestruturação da produção se articula ao trabalho e à saúde dos trabalhadores? Como bem coloca Schwartz (2011), o trabalho é inserido nas con-dições de uma época, como a fabricação de ferramentas pelo homo habilis, há pelo menos três milhões de anos atrás e mais recentemente marcado e contornado pela abordagem do trabalho mercantil e pelo assalariamento. Este modo de organização do trabalho traz consigo algumas marcas, socialmente definidas, como a produtivi-dade e o lucro a curto prazo, bem como definidoras de um novo modo de organiza-ção do trabalho.

A nova configuração produtiva traz consigo novos desafios ao trabalhador. O que antes era marcado por uma organização altamente despersonalizante, com esforço orientado a uma expropriação do saber-fazer do funcionário, com a imposição de regras que invalidam a livre adaptação da organização do trabalho às necessidades do organismo, além de uma intensa vigilância sobre as atividades executadas, atu-almente, contrariando o ideal taylorista de eliminação de qualquer iniciativa por

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parte dos trabalhadores, preza pela capacidade de criar, como aspecto fundamental e determinante das inovações como também de responder rapidamente às deman-das do mercado.

O processo de inovar ou a capacidade de inovação é aspecto exclusivo e inerente ao homem cujo uso criativo de seu conhecimento pode resultar em novos produ-tos, processos e serviços podendo modificar toda uma estrutura organizacional. A inovação permite redução de custos, aumento da competitividade em preço e pro-duto, aumento da produtividade e qualidade, entre tantos fatores que possibilitam o estabelecimento das organizações no mercado. São vistas como fundamentais para o aumento da competitividade e da continuidade da ação econômica buscada pelas empresas por meio do lucro. Ao mesmo tempo os trabalhadores sabem que o sucesso profissional hoje em dia está calcado em um contínuo aprendizado e que a inércia e a rotina são aspectos há muito deixados no passado, uma vez que o avanço científico e tecnológico impõe novas exigências aos trabalhadores de todos os níveis hierárquicos coagindo-os a um compromisso constante com a inovação e participação, exigências com a competitividade e eficiência a todo custo.

Neste sentido é possível dizer que certas concepções a respeito do trabalho, por um lado, foram determinadas por circunstâncias históricas, e por outro, determinan-tes para a construção ou não de um sentido para as pessoas. Ter um trabalho insere o sujeito em uma posição social que lhe confere certa identidade e reconhecimento social definidor de um lugar e de uma existência. Mas afinal o que é trabalho?

Para Marx (1963) o trabalho é essencial na vida do sujeito, considerando-o como a ação dos homens sobre a natureza, transformando-a intencionalmente. Nesse pro-cesso, o ser humano relaciona-se com os outros, em uma cooperação mútua e tam-bém se altera ao imprimir sua obra e um pouco de si próprio na natureza. Na realiza-ção do trabalho é capaz de resolver as variabilidades que surgem ao longo do projeto e em muitos momentos podendo modificar sua concepção inicial. Desta forma, ao trabalhar altera seu modo de pensar e ao mesmo tempo modifica-se. É uma atividade que está além do instinto, pois representa também a possibilidade de identificação e colocação social que permite ao homem ampliar não apenas suas potencialidades humanas, mas também encontrar um sentido para a sua existência na sociedade. Refere-se a um trabalho em que o sujeito detém o conhecimento de todo o processo de trabalho para executar determinada atividade; em outras palavras, é capaz de pla-nejar e executar do início ao fim sua atividade de trabalho.

Na sociedade capitalista o trabalho está ligado à idéia de mercadoria, da venda da força de trabalho pelo trabalhador. O assalariamento, por exemplo, é a expressão máxima do trabalho no capitalismo. O propósito do trabalho como prestação remu-nerada é uma das possibilidades presente em nossos dias, fruto de transformações históricas que passam a tomar o trabalho como fonte de riqueza a partir do século XVIII (Castel, 1998). Em outras palavras, toda forma social tem uma forma histórica

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de trabalho e no capitalismo o trabalho como elemento central é o trabalho livre e a venda da força de trabalho que move toda a estrutura social.

Podemos afirmar, portanto, que o trabalho é analisado em um contexto específico, colocado e experimentado pelas sociedades atuais, como um esforço traçado e coletivo no ambiente do mundo industrial e da era da automação. Estando inserido neste con-texto industrial e automatizado, temos então que sua estruturação encontra-se sob a égide das relações capitalistas de produção, sendo pré-determinado por outros que não o operariado. As formas sociais estabelecidas e as que podem vir a surgir dependem da forma como o trabalho é concebido e da importância dada a este trabalho no processo de relações sociais de produção bem como sua influência na saúde dos trabalhadores.

→ 2. O contexto de trabalho influenciando a saúde

Os processos humanos biopsíquicos sofreram e continuam sofrendo mudanças em função das transformações sociais ocorridas. Assim, a saúde é transformada e me-diada de acordo com a atividade social do trabalho e por meio do ambiente criado por esta atividade. Esse fato significa que as condições de saúde também são proces-sos socialmente produzidos e que as relações sociais tornam-se determinantes no processo de saúde e doença, vida e morte dos indivíduos (FACCHINI, 1995).

Como resultado desse processo socialmente produzido, as doenças mais freqüen-tes têm origem no ambiente social. Como o trabalho encontra-se neste contexto, a compreensão do ambiente de trabalho e do modo como está organizado torna-se, evidentemente, muito importante principalmente porque o homem permanece em seu trabalho o equivalente a um terço de sua vida ativa, em um ambiente laboral que se transforma rapidamente pela aquisição de novas tecnologias (SIVIERI, 1995).

Muitos autores (MORIN, 2001; SATO, 1995; GUÉRIN et al., 2001; DEJOURS, 1986; PONTES, 2006) concordam entre si quando afirmam que a relação existente entre saúde e trabalho pode ser tanto positiva quanto negativa, desde que esta relação esteja focada não no trabalho em si, mas nas condições e contextos onde ele se dá.

Conforme Souza; Rami e Bernardo (2011) as organizações contemporâneas, bem como no início da industrialização, ainda não proporcionam aos trabalhadores a opor-tunidade de participarem de modo ativo da atividade que exercem, submetendo-os a grandes pressões e obrigando-os a produzir em ritmos de trabalho que não respeitam seus limites e particularidades. Para Sato (2002) estas condições afetam de maneira profunda a saúde dos trabalhadores, ocasionando-lhes sofrimentos físicos e psíquicos.

Outra análise elaborada por Sato (1995) diz-nos que a estruturação da saúde, in-clusive a da saúde mental dos indivíduos, advém da possibilidade dos trabalhadores controlarem os contextos de trabalho onde realizam suas tarefas. Isso somente ocorre se estiverem presentes no ambiente de trabalho, simultaneamente, o que a pesqui-sadora identifica como três requisitos essenciais: a familiaridade, o poder e o limite

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subjetivo. Para a autora, o poder refere-se à possibilidade dos indivíduos alterarem os contextos de trabalho geradores de incômodo que são definidos pela organização por meio da interferência no planejamento do trabalho; a familiaridade refere-se à sua ligação com a tarefa ou seu grau de intimidade; por último, o limite subjetivo, que representa o limite individual e pessoal de cada indivíduo.

A ausência desses três requisitos faz com que o equilíbrio que possibilita ao tra-balhador exercer o controle sobre os contextos de trabalho não exista, ocasionando a chamada ruptura, cuja expressão se dá por meio da manifestação do sofrimento e de doenças como as mentais, as psicossomáticas e as físicas, tais como as doenças ocupacionais, por exemplo (SATO, 1995).

Se o trabalho mal organizado pode ser causa de sofrimento, sua ausência também pode ser extremamente perigosa. Um exemplo é o desemprego, quando o fato de não trabalhar e/ou de não possuir ocupação, pode acarretar certas doenças e o afasta-mento social ocasionado pela vergonha de não possuir alguma atividade, isto porque um emprego além de dizer sobre si diz de si a outros.

Cottle apud Job (2003) percebeu que trabalhadores desempregados por seis meses ou mais e que de certa forma desistem da busca pelo emprego, por se sentirem dema-siadamente desvalorizados, passam a apresentar sintomas de patologias análogas às de pacientes terminais. Para estas pessoas o trabalho tem uma estreita ligação com o estar vivo e quando lhes é tirado esta ponte de ligação apresentam indícios de quem está diante da morte.

O autor ainda relata que como conseqüência de um ano de desemprego os traba-lhadores do sexo masculino, em sua maioria, direcionam a raiva contra si próprios. A culpa que carregam, temerosos por não voltarem mais a trabalhar, é causa de gran-de sofrimento além de experimentarem um sentimento de vergonha e de falta de utilidade social. A raiva vai cedendo espaço à resignação e muitos abandonam suas famílias por sentirem-se envergonhados. Primeiramente tem-se a morte psicológica seguida, em muitos casos, de morte efetiva. Uma solução encontrada para dirimir a sensação de incapacidade perante amigos, familiares e a sociedade é o suicídio.

Conforme Werlang (2001), o comportamento suicida é a manifestação de uma in-suportável dor psicológica. Em sua avaliação a pesquisadora observou que há fatores que podem proteger contra a tentação de abreviar a vida, entre estes fatores estão os vínculos afetivos bem cultivados, o bom relacionamento com a família e filhos e a realização profissional, por mais simples que seja a ocupação.

Infelizmente, na atualidade, o trabalho está se tornando uma causa para o suicí-dio e não somente uma maneira de blindar-se dele. Para Berenchtein Netto (2011), o suicídio relacionado ao trabalho é um tema que vem crescendo significativamente. Em si, coloca o autor, o suicídio não é um assunto novo, mas o modo como ele está se manifestando é muito característico da maneira como a sociedade atual está organi-zada no modo de produção capitalista.

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Sabe-se que nos últimos dez anos o número de suicídios relacionados ao trabalho cresceu de maneira vertiginosa, embora não haja estatísticas oficiais sobre o assun-to (BERENCHTEIN, 2011). O suicídio não é algo novo na sociedade, existe desde a antiguidade; mas o que é muito novo é a emergência de suicídios e de tentativas de suicídio no próprio local de trabalho (DEJOURS, 2010).

O medo da perda do emprego, o “desatrelamento dos antigos pertencimentos”, segundo Castel (1998, p. 133), a perda de sentido social, podem ser considerados fa-tores promotores ao suicídio. Este contexto de instabilidade é colocado por Venco e Barreto (2010, p. 5), como “campo fértil para a instalação de patologias do medo, cujas características de angústia frente às incertezas são equivalentes às vivenciadas pela situação de desemprego”.

Antunes (2000), ao escrever sobre a “centralidade do trabalho” propõe que ela se dá enquanto elemento estruturante e fundante de processos de sociabilização huma-na, provendo a vida de sentido e realização, o que é diferente de dizer que uma vida cheia de sentido se resume exclusivamente ao trabalho. Na busca de um sentido para a vida, a atividade de trabalho, que está próxima da criação artística e da capacidade de sublimação, transforma-se em elemento humanizador. Porém, a dimensão negati-va do trabalho impede o sentido de realização da subjetividade humana, já que nessas condições sociais, quem produz não decide o que e para quem produz.

Conforme Seligmann-Silva et al. (2010), mesmo trabalhadores que aparentemente apresentam uma situação de trabalho estável experimentam, com regularidade, as-pectos como insegurança e a competição, convivendo com situações de precariedade no trabalho. Esta vivência pode apresentar sofrimento para quem tem um trabalho e também para quem não o possui. Aquele que o possui sofre, muitas vezes, porque as transformações que vêm ocorrendo no universo do trabalho, como novas formas de organização, novas tecnologias e modos inovadores de organização das tarefas sobre-carregam os trabalhadores com o excesso de trabalho, como altos índices de produti-vidade, aliada com alta qualidade dos produtos a baixos custos, além da iminência do não trabalho. Outras, porém, sofrem com o fato de não terem uma vaga. Em perspec-tiva parecida, SILVA (2001) afirma que não é a qualificação e a melhoria das condições de trabalho, mas o medo da precarização “o verdadeiro motor da administração”.

Sobre isso também discutem Franco; Druck e Seligmann-Silva (2010). Para as au-toras a perda do sentido do trabalho é conseqüência da perda da razão social do trabalho. Nas palavras das autoras:

Seria alentador abordar o trabalho como meio de vida e de conquista da dignidade humana. Poder divisar o alívio do esforço/sofrimento no trabalho em face dos avanços tecnológicos e do conhecimento científico na história da humanidade. Contudo, o que se constata no mundo real do trabalho é um distanciamento crescente entre práticas organizacionais e direitos sociais conquistados. É o paradoxo que encerra o trabalho

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contemporâneo: sua combinação com precarização social, com adoecimento dos in-divíduos e destruição ambiental. […] a precarização passou a ser um atributo central do trabalho contemporâneo e das novas relações de trabalho, apresentando múltiplas faces e dimensões (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010, p. 230).

Temos um conflito em relação às exigências do mercado e o limite psicofísico dos trabalhadores. O processo de reestruturação produtiva ao possibilitar uma redução no número de empregos provocou por outro lado uma modificação nos postos de tra-balho dentro das empresas sendo mais importante, segundo Dias (2000), não mais o título da posição que o trabalhador ocupa, mas sua capacidade para criar valor para um produto ou serviço.

Na tendência de corte dos empregos, os que permanecem se transformam e al-teram sua forma de trabalhar. Ocorre a substituição das formas rígidas da burocra-cia por uma nova forma pós-industrial; a ênfase se dá na capacidade das pessoas e organizações serem altamente flexíveis. Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, aceitem mudanças rápidas, assumam riscos continuamente e pressupõe-se que o su-jeito, seja ele do nível operacional, intermediário ou estratégico, assuma um papel de constante intervenção nos processos.

A antiga idéia de se aposentar em uma única empresa ou organização ou do em-prego vitalício não faz parte do chamado “capitalismo flexível”. O vínculo entre pa-trões e funcionários também se alterou. Não importa mais a obediência, a lealdade e a cultura adquirida, aspectos até então bastante valorizados, mas o quanto o traba-lhador é capaz de mobilizar, manter e expandir suas competências e conhecimentos.

A divisão técnica do trabalho cede espaço para o trabalho baseado em equipes ou grupos semi-autônomos. Geralmente são pequenos grupos responsáveis por todo um processo e oferecem um produto e/ou serviço ao cliente interno ou externo; tomam decisões acerca de diversos problemas, entre outros “poderes” adquiridos. Esse novo desenho utilizado pelas organizações trata-se de uma tentativa de fazer com que os grupos realizem uma ampla gama de tarefas, além de utilizar de forma bastante am-pla os recursos humanos da organização. Para Dias (2000), o que está implícito na formação das equipes ou grupos de trabalho é a recomposição do trato com a infor-mação, ou seja, quanto maior informação o trabalhador tiver mais possibilidades terá de vincular-se aos projetos propostos pela organização, forçando o trabalhador sempre a uma busca por sua “empregabilidade”.

Existe uma dicotomia que não pode ser desconsiderada: o sofrimento de pessoas que não possuem um emprego e padecem pela sua falta e o sofrimento daqueles que trabalham excessivamente. As formas flexíveis de trabalho, representantes do pro-cesso de reorganização da produção, deram origem a novas formas de gerenciamento que buscam a produtividade e qualidade a baixos custos. Aumenta-se a terceirização, a flexibilização dos contratos de trabalho, bem como a incorporação de novas carac-terísticas às funções como a multifuncionalidade, visão sistêmica do processo produ-

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tivo, rotação das tarefas e flexibilização, além do enfraquecimento dos laços sociais e afetivos nos locais de trabalho.

As conseqüências da precariedade do trabalho contemporâneo tornam-se evi-dentes nas estatísticas de saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde (2010), a maioria das pessoas que apresentam problemas de saúde mental estará em plena capacidade laborativa, convertendo os transtornos mentais em uma das causas princi-pais de incapacidade ocupacional. Dados referentes ao Canadá mostram que durante um período de 30 dias, aproximadamente 8,5% da população ativa experimentará um transtorno relacionado com depressão, ansiedade, abuso de substâncias químicas, ou uma combinação destes fatores (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2010).

Ainda conforme esse relatório a depressão, em 2020, se tornará a segunda princi-pal causa de incapacidade no mundo todo. Nos países desenvolvidos ocupará o ter-ceiro lugar em dias de incapacidade, enquanto nos países subdesenvolvidos ocupará o primeiro lugar.

Todos os dados e as situações acima expostas, nos fazem questionar a importância de se pensar as novas formas de organização do trabalho e seus impactos sobre a saú-de/saúde mental dos trabalhadores, visto que a saúde do trabalhador não é indepen-dente da atividade que se realiza, bem como avulsa à realidade social em que o sujeito e as organizações estão inseridas. Isto nos faz pensar que o processo de reestrutura-ção produtiva pela qual vem passando as organizações nos últimos anos moldam os processos de gerenciar e organizar o trabalho impactando de maneira ativa e direta a saúde do trabalhador.

→ 3. A Importância da Organização do Trabalho na (Des)Construção da Saúde

É importante ressaltar que, além da manutenção e agravos ocupacionais tradicio-nais, como as seqüelas de acidentes de trabalho, asbestose, intoxicações, dermato-ses, surdez ocupacional, entre outros, as mudanças ocorridas na economia mundial na última década, caracterizadas pelo aumento da produção com menor número de trabalhadores empregados, com automação, terceirização, precarização e aumento da informalidade, têm causado novos prejuízos à saúde dos trabalhadores. Vivencia-mos assim, um aumento de “novas” doenças relacionadas ao trabalho, como as LER/DORT e sofrimento mental e diversos tipos de câncer. Também os trabalhadores dos serviços públicos, como profissionais da educação, da saúde e da segurança pública têm sido alvo de adoecimento pelo trabalho nas últimas décadas (3ª CNST, 2005).

Para Seligmann-Silva et al. (2010), hoje são vários os fatores relacionados às ca-racterísticas do trabalho que podem influenciar a saúde dos trabalhadores, entre os quais formas de organização do trabalho e políticas de gerenciamento que não se preocupam com os limites físicos e psíquicos do trabalhador, anulando sua subjetivi-dade para que as metas de produção sejam cumpridas.

Na análise realizada por DEJOURS (1986), com objetivo de avançar sobre as ques-

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tões da relação entre saúde e trabalho, o autor pôde constatar que o que importa no trabalho em relação ao equilíbrio mental e físico é a organização do trabalho.

A organização do trabalho é basicamente a divisão das tarefas e dos homens. A divi-são das tarefas é tudo o que é prescrito por quem organiza o trabalho e vai desde o seu conteúdo até seu modo operatório 1. Já a divisão dos homens é a colocação de cada ope-rário em uma tarefa determinada pela organização. O processo de reestruturação deu uma “sacudida” nesta forma engessada de organização típica do taylorismo e fordismo, cedendo lugar para um formato mais flexível que Dutra (2004) nomeou de ampliação do espaço ocupacional pelos trabalhadores, ou seja, a ampliação das funções para além do determinado no cargo. Trata-se da natureza da flexibilização, estar à disposição da organização para além das competências pelas quais inicialmente se deu a contratação.

As novas formas de controle sobre os trabalhadores contemporâneos são marcadas pelo “espírito” do toyotismo que caracteriza-se por fisgar a subjetividade do trabalhador por meio dos arranjos do capital. “É a lógica da gestão que articula novas modalidades de remuneração […] baseada em cumprimento de metas e jornada de trabalho flexí-vel, além de uma crescente carga ideológica nos treinamentos que assumem mais um caráter psicológico-comportamental do que técnico-profissional” (ALVES, 2013, p. 5).

Para estar à disposição da organização do trabalho na atualidade é preciso mais que os métodos de dominação tão amplamente praticados pelo taylorismo. Nos novos modelos organizacionais a obediência e a dominação são obtidas por meio de técni-cas mais sofisticadas. Enquanto no taylorismo e fordismo as relações de dominação, presentes na organização do trabalho, pautavam-se pela força e dominação em dire-ção à obediência, no toyotismo ou modelo de produção enxuta “ensinou as pessoas a colaborar sem as obrigar a obedecer – dando-lhes prêmios, pelo contrário. Quando a sugestão de uma pessoa dá lucro, a empresa faz o cálculo do dinheiro que a empresa ganhou com a ideia e reverte para o trabalhador uma parte desse lucro. Trata-se de prêmios substanciais” (DEJOURS, 2010, p. 8).

Os efeitos dos Círculos e Controle de Qualidade (CCQs) em um mundo do trabalho altamente competitivo e instável tem como repercussão, como assinala Dejours (2010), a morte por excesso de trabalho ou Karoshi, termo japonês. No Japão a participação nos CCQs está relacionada não apenas às belas recompensas, mas, principalmente à garantia de um emprego vitalício. Desta forma, a participação voluntária refere-se bem mais à necessidade de se manter no emprego do que uma vontade espontânea de participação.

No momento em que as mudanças técnicas e organizacionais passaram a ser in-troduzidas no mundo do trabalho, forjando um novo paradigma produtivo, como é o caso do toyotismo, demandou dos trabalhadores, além das exigências físicas impostas pelos antigos modelos de produção (taylorismo e fordismo) agora também exigências

1 Por modos operatórios, se entende o modo particular como o operador realiza sua atividade e se relaciona com os objetivos propostos, com os meios que ele dispõe para realizá-los, seus resultados e com a organização do trabalho.

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psíquicas. Não que tenha havido um deslocamento do eixo do trabalho físico para o mental, mas agora aparecem articulados em um espaço que antes estava relegada ape-nas ao planejamento organizacional.

O que se percebe é que, de um lado, os trabalhadores continuam enfrentando a cisão entre planejamento e execução, bem como o rompimento entre o saber e o fazer, típicos do modelo taylorista-fordista de produção, enquanto que, de outro, são submetidos a um processo no qual, supostamente, lidam com a recomposição das tarefas e têm o controle da produção em suas mãos, a exemplo do toyotismo (ANTUNES, 1995).

Sabe-se que a conseqüência negativa ou positiva do trabalho deve-se ao contexto em que ele está inserido. Sato (1995) faz o agrupamento de algumas das causas no trabalho, que explicam os efeitos à saúde dos indivíduos. A primeira causa seria a forma de organização do trabalho; a segunda seria a exposição a produtos químicos; a terceira estaria vinculada à convivência diária com fatores que ameaçam a integri-dade física; a quarta seria a repercussão dos acidentes e doenças de trabalho na saúde mental; e a quinta estaria relacionada ao desemprego.

Quando consideramos apenas a organização do trabalho e sua relação com a saú-de dos trabalhadores temos necessariamente de nos referir a certos fatores presentes na composição das tarefas desses indivíduos. Tais fatores seriam o trabalho estático, grande intensidade do ritmo de trabalho, utilização de movimentos repetitivos, exi-gência de produtividade, ausência de controle sobre modo e ritmo de trabalho, au-sência de pausas ou mesmo pausas insuficientes, além de mobiliários e equipamentos desconfortáveis e incorretos para a execução das tarefas (CEST, 2000).

Esses fatores de risco encontrados em algumas tarefas (repetitividade, esforço, força, pressão, vibração, choques, frio etc), vistos independentemente, não são res-ponsáveis pelas doenças ocupacionais como as LER/DORT, mas é a associação de tais fatores com as características moduladoras do trabalho, como freqüência, duração e intensidade, que favorece o aparecimento dessas doenças. Ou seja, os elementos mo-duladores, determinados pela organização do trabalho e relacionados aos fatores de risco, elevam as possibilidades de desenvolvimento das doenças ocupacionais.

O aparecimento dessas doenças pode também estar relacionado ao tempo insufi-ciente de recuperação de cada indivíduo. Exemplos podem ser vistos em casos cuja organização do trabalho exige alta produção, em um determinado período de tempo. Os funcionários trabalhariam na capacidade máxima para atingir as metas, descan-sando de forma insuficiente e até mesmo de forma irregular, rejeitando as pausas para continuar dentro do padrão exigido. Esse tempo de recuperação, tão necessário e, muitas vezes, negligenciado, é fundamental para o restabelecimento da saúde. O restabelecimento, porém, é individual – em vista da peculiaridade de cada ser huma-no. Cada trabalhador utiliza as margens de manobra deixadas pela organização, os meios que lhe foram oferecidos e suas características pessoais para tentar amenizar o sofrimento causado à saúde, em vista de sua determinação por terceiros.

Quando a vontade de outros não considera as possibilidades e singularidades de

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cada operário, tem-se o confronto entre o que a organização permite e as caracterís-ticas pessoais de cada indivíduo, resultando em efeitos maléficos à saúde.

Em algumas atividades, um certo grau de liberdade oferecido pelo projeto de tra-balho permite às pessoas construírem suas ações da maneira que lhes é mais ade-quada. Mesmo que o trabalhador sofra constrangimentos em seu trabalho e sob sua personalidade, o que acontece com certa freqüência, ele tem a liberdade de construir saídas para essas restrições e assim poder trabalhar mais tranqüilamente. Essa possi-bilidade de encontrar na atividade de trabalho elementos que favoreçam a construção da personalidade de cada um, não está presente em todas as situações de trabalho. Um exemplo é o trabalho em linhas de montagem clássica, onde se realiza a mesma tarefa, do mesmo modo, o tempo todo. Esse tipo de atividade impossibilita o traba-lhador manter o ritmo e ao mesmo tempo suas aptidões psíquicas, limitando-o em sua capacidade natural de criar.

Segundo Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010), a lógica do lucro a qualquer pre-ço diminui ou mesmo elimina, as possibilidades do trabalho como meio de desenvol-ver a dignidade, a solidariedade e as potencialidades do ser humano. Ainda conforme as autoras, atualmente está disseminada “[…] uma era de precarização social e de trabalho socialmente desagregador, terreno fértil para o sofrimento e adoecimento dos indivíduos, configurando o trabalho patogênico”. A afirmação acima reforça a ideia de Souza et al. (2011),

de que há, na sociedade moderna, uma naturalização do adoecimento e do sofrimento no trabalho e que poucas são as medidas eficazes tomadas pelas empresas e pelo Esta-do que visem diminuir os impactos negativos das atividades profissionais na vida dos trabalhadores (SOUZA; RAMI; BERNARDO, 2011, p. 7).

Embora de um lado as novas formas de gerenciamento do trabalho e da produção estejam mais eficientes na “captura” da subjetividade do trabalhador (ALVES, 2013) e com resultados na lucratividade das organizações pela alta capacidade inovativa, por outro lado, esta é uma situação pouco sustentável a médio e longo prazo, pois continuamente os trabalhadores precisam ser repostos em função de afastamentos, suicídios e absenteísmos, resultado das pressões por meta, produtividade, angústia e as formas instáveis de vivenciá-lo (CASTEL, 1998).

→ 4. Conseqüência das novas práticas gerenciais

Nos últimos anos tem se constatado um interesse crescente por questões relacionadas aos vínculos entre trabalho e saúde mental. Este interesse é conseqüência, também, do aumento de transtornos mentais e do comportamento, associados ao trabalho, que se verifica nas estatísticas oficiais e não oficiais.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos men-

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tais menores 2 acometem cerca de 30% dos trabalhadores ocupados, e os transtornos mentais graves, cerca de 5 a 10%.

As estatísticas da Previdência Social (INSS) apontam para um aumento dos agra-vos psíquicos relacionados ao trabalho. No ano de 2006 foram 612 benefícios con-cedidos por transtornos mentais e comportamentais; em 2007, 7690 beneficiários; em 2008 o número subiu para 12818 beneficiários; e em 2009, para 12882 (SELIG-MANN-SILVA et al. 2010).

Adicionalmente à relevância estatística, há que se considerar que o agravamento dos transtornos mentais dos trabalhadores submetidos a condições penosas é freqüen-te, levando-os ao consumo de drogas, a sofrerem acidentes de trabalho, à incapacidade para o trabalho, ao afastamento do trabalho, por tempo prolongado, e à exclusão.

Levantamento feito pelo Ministério da Saúde em parceria com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) revelou que as doenças mentais são responsáveis por cinco das dez principais causas de afas-tamento do trabalho no país, sendo a primeira delas a depressão, representando um gasto de R$ 2,2 bilhões por ano, o que equivale a 19% dos custos com auxílios-doença pagos pela Previdência Social a um universo de 1,5 milhão de pessoas. As doenças mentais são as que mais incapacitam as pessoas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).

Em 2011 o INSS registrou mais de 12 mil afastamentos por depressão, transtorno ansioso e estresse. Entre os problemas está a síndrome de Burnout, marcada por de-sânimo grave, vazio interior e sintomas físicos. O afastamento de trabalhadores por transtornos mentais no Brasil subiu 2% no ano de 2011, atingindo a marca de 12.337 casos, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No universo desses problemas, as doenças que mais se destacaram em 2011 foram episódios depressivos, transtornos ansiosos, reações ao estresse grave e transtornos de adaptação (PIO, 2012).

Os dados acima mostram que o avanço do desenvolvimento tecnológico, aliado aos novos modelos de gestão e às novas formas de gerenciamento não diminuíram o sofri-mento no trabalho, mas, ao contrário, aumentaram os riscos ocupacionais, as depres-sões e também as taxas de suicídio cometidas em função do trabalho (BERNARDO e SOUZA, 2012). O sujeito quando doente em seu ambiente laboral não prejudica apenas a si mesmo, mas também as organizações das quais faz parte e também a sociedade.

Quando o foco volta-se aos impactos da saúde mental para as organizações, pes-quisas revelam que seus custos não estão apenas relacionados ao absenteísmo e afasta-mentos, mas também ao “presenteísmo” 3.

Para o empresariado as perdas com o absenteísmo se refletem em perda da produ-

2 Entende-se por Transtornos Mentais menores, a presença de sintomas como irritabilidade, fadiga, in-sônia, dificuldade de concentração, esquecimento, ansiedade e queixas somáticas.3 Absenteísmo são as faltas do trabalhador ao trabalho conforme a freqüência exigida independente de seus motivos, e o presenteísmo é a presença parcial do trabalhador, ou seja, o não desempenho de suas atividades de maneira esperada e completa.

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tividade, em aumento nos custos de produção, o que impacta diretamente na gestão de pessoas e na reorganização de tarefas; impactando também os trabalhadores. Há também o custo social em função do repasse dos custos para os consumidores, além do impacto da previdência social quando o absenteísmo, por motivo de doença ou acidente de trabalho, excede 15 dias.

Conforme a psicóloga Laura Caldas, entrevistada pela Revista CIPA (2012), é difícil contabilizar os custos do absenteísmo, mas, estima-se em média que para cada dia per-dido o custo médio seja de quatro dias de produtividade. Ainda segundo informações da revista, especialistas também examinaram os efeitos do presenteísmo nas organi-zações e descobriram que quando os empregados desenvolvem suas atividades com estado de saúde abaixo do normal costumam ser mais onerosos que indivíduos que faltam ao trabalho. O presenteísmo demonstra impactos na produtividade três vezes superiores, em média, ao absenteísmo. “Uma empresa que tenha 1,5%, 2% de absenteís-mo, é possível que tenha de 4,5% a 6% de presenteísmo” (REVISTA CIPA, 2012, p. 43).

Trata-se de um problema não pontual ou isolado, muitas manifestações de adoe-cimento físico e mental são decorrentes da própria reorganização do trabalho como tentativa de readequação a um sistema social altamente exigente em relação à pro-dutividade, flexibilidade, qualidade, entre outros fatores, que transcendem os muros da vida privada e tornam-se características de uma sociedade patogênica. É preciso entender que o tempo do corpo não obedece aos tempos da máquina e do mercado e a doença é a manifestação dessa resistência. Romper com os padrões degradantes, em que encerra a sociedade atual, é urgente e necessário.

→ Conclusão

As estatísticas sobre o adoecimento em função do trabalho apontam para uma ten-dência crescente do problema. A saúde do trabalhador é refém de um quadro ma-crossocial perverso em que é preciso uma mobilização social para a transformação da precarização. As conseqüências sobre a saúde/saúde mental dos trabalhadores re-velam uma crise com impactos nas esferas públicas e privadas.

É preciso remover o estigma de que as doenças mentais enfrentadas pelos traba-lhadores fazem parte de “fingimento e corpo mole”. Dar voz aos trabalhadores víti-mas do sofrimento nos locais de trabalho é necessário para que sejam criados espaços para a expressão da dor e do sofrimento e, conseqüentemente, para ações que possam diminuir a consternação dos ambientes laborais.

Concordamos com a visão de Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010), quando afirmam que “a precarização do trabalho é uma construção histórica, sendo, portanto, modificável” (FRANCO; DRUCK, SELIGMANN-SILVA, 2010, p. 244). Neste sentido, práticas que possam enfrentar situações degradantes de trabalho são emergentes, as visões dos diversos atores sociais envolvidos faz com que haja um enriquecimento na

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discussão além de aumentar e favorecer os meios de difusão do assunto. É preciso tor-nar a questão dos impactos do trabalho sobre a saúde/saúde mental dos trabalhadores discurso hegemônico; só assim é possível atrair olhares e uma mudança efetiva.

→ REFERÊNCIAS

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seção c

TRABALHO E SAÚDE MENTAL (ORG.: MARIA MAENO)

CAPÍTULO 8

O trabalho como ele é e a saúde mental do trabalhador

Maria MaenoRenata Paparelli

→ Saúde mental e trabalho: noções fundamentais

Os transtornos mentais relacionados ao trabalho representam atualmente um problema de proporções consideráveis, dadas a sua alta prevalência e diversidade de categorias profissionais em que incidem. Identificamos inúmeras tentativas de en-frentamento dessa realidade, movidas por diversos atores sociais envolvidos, quais sejam, órgãos do setor público, trabalhadores, sindicatos e empresas. Uma intervenção que traga resultados positivos deve se basear no conhecimento acumulado acerca da produção do desgaste mental no trabalho, conhecimento esse produzido no encontro entre os saberes técnicos e aqueles exclusivos dos trabalhadores, forjados no cotidiano do adoecimento no trabalho.

Um desafio a ser vencido é a compreensão da complexidade do processo de adoeci-mento, em particular o daquele relacionado ao trabalho.

Tradicionalmente, algumas formas de adoecimento, consideradas “inerentes” a um determinado processo de trabalho são denominadas doenças profissionais 1. São cau-sadas diretamente pela exposição a um fator específico, peculiar de determinado pro-cesso de trabalho. Exemplo dessa forma de adoecimento é a silicose, doença pulmonar

1 É importante registrar que o conceito de doença inerente a um processo de trabalho deve ser elimi-nado, pois atualmente há recursos tecnológicos para se substituir produtos ou se evitar a exposição a fatores adoecedores.

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causada pela inalação de sílica, associada a determinados processos laborais, tais como jateamento de areia, várias etapas do processo produtivo da indústria da cerâmica, tra-balho em pedreiras e escavações, dentre outros. Também as intoxicações por chumbo e por mercúrio são associadas ao trabalho em fundições e fabricação de termômetros e lâmpadas, respectivamente. Asbestose, grave doença pulmonar causada pela exposição ao asbesto, é associada à fabricação de produtos de cimento-amianto ou fibrocimento, materiais de fricção, produtos da indústria têxtil e juntas de vedação e gaxetas.

Embora continuem sendo muito importantes, as doenças profissionais, na sua maioria, são circunscritas a trabalhadores que no ambiente de trabalho se expõem aos fatores adoecedores específicos, em geral, identificáveis e objeto de estudos rea-lizados por profissionais dos campos da toxicologia, da engenharia e higiene ocupa-cional, entre outros.

A maioria das doenças ocupacionais, no entanto, é constituída de quadros clíni-cos, cujos fatores causais existentes nos ambientes de trabalho integram-se a outros, extralaborais, desencadeando, agravando ou propiciando o surgimento precoce de uma ou várias formas de adoecimento. Como exemplo, citamos as doenças musculo-esqueléticas, cardiovasculares, psíquicas, neoplásicas, entre tantas outras. São agra-vos, portanto, para cuja ocorrência concorrem múltiplos fatores produzindo quadros clínicos variados, que se interpõem com freqüência.

A visibilidade que as Lesões por Esforços Repetitivos / Distúrbios Osteomuscu-lares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) tiveram a partir da década de 1990 no Brasil contribuiu para que o conceito da multicausalidade na raiz de manifestações complexas de adoecimento ganhasse força junto aos diversos setores da sociedade. No entanto, há muito o que fazer para que esse conceito norteie os procedimentos clínicos e legais. É freqüente que os médicos, em seus consultórios, diante de determinados quadros de transtornos mentais, recomendem com ênfase a diminuição de jornadas de trabalho, o cumprimento do descanso nos finais de semana, o aumento da freqüên-cia das atividades de lazer, a compatibilização entre as exigências no trabalho e as ati-vidades familiares e sociais e a administração de situações de conflitos. Nem sempre possíveis de serem seguidas pelos pacientes, expressam, no entanto, o reconhecimento da relação entre o trabalho e a ocorrência e/ou agravamento de transtornos mentais. No entanto, esse reconhecimento natural não se materializa em notificações aos siste-mas da Saúde e da Previdência Social, nem em devida caracterização do caráter ocu-pacional nas diferentes instâncias institucionais, incluindo o judiciário.

Uma questão normalmente se coloca: como identificar os fatores laborais de des-gaste mental se os trabalhadores acometidos realizam atividades tão diversas, como por exemplo, trabalho em teleatendimento, em frigoríficos, em bancos? O que pode-ria estar presente em todas essas atividades?

Se a abordagem dessas perguntas se restringir aos aspectos tradicionalmente con-

O TRABALHO COMO ELE É E A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR | 147

templados pela medicina do trabalho não será possível se chegar a um denominador comum. É preciso ampliar as referências e considerar aspectos relacionados à convi-vência entre patrões e empregados, às hierarquias, ao ritmo, às formas de avaliação, à possibilidade de controle do trabalho, ou seja, à divisão do poder entre quem pensa e quem executa, quem manda e quem só deve obedecer. Ou seja, deve-se considerar o processo, as condições e a organização do trabalho. Nessa perspectiva entende-se que a presença de sofrimento ou desgaste mental relacionado ao trabalho é indício de sua penosidade, ainda que não tenham sido instaladas doenças propriamente ditas (LAURELL e NORIEGA, 1989).

A definição de saúde preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como um “estado de bem-estar biopsicossocial”, recebe críticas de Dejours (1986), a partir da dificuldade de definir o que seria um perfeito “estado de bem-estar biopsicos-social”, da impossibilidade de alcançá-lo e da natureza mutante e conflituosa da vida humana. Se o que caracteriza o humano é justamente o movimento, o transformar-se, o diferenciar-se de si mesmo durante a vida, como pode a saúde definir-se pela noção de estabilidade? Se o que leva ao movimento são os conflitos vividos e seus afetos correlatos, como pode a saúde caracterizar-se pela noção de harmonioso bem-estar?

Desse modo, para Dejours (1986):

(…) a saúde para cada homem, mulher ou criança é ter meios de traçar um caminho pessoal e original, em direção ao bem-estar físico, psíquico e social. A saúde, portanto, é possuir esses meios. (…) O que significa possuir esses meios e o que é esse bem-estar? Creio que para o bem-estar físico é preciso a liberdade de regular as variações que aparecem no estado do organismo; temos o direito de ter um corpo que tem vontade de dormir, temos o direito de ter um corpo que está cansado (o que não é forçosamente anormal) e que tem vontade de repousar. A saúde é a liberdade de dar a esse corpo a possibilidade de repousar, é a liberdade de lhe dar de comer quando ele tem fome, de fazê-lo dormir quando ele tem sono, de fornecer-lhe açúcar quando baixa a glicemia. É, portanto, a liberdade de adaptação. Não é anormal estar cansado, estar com sono. Não é, talvez, anormal ter uma gripe, e aí vê-se que isso vai longe. Pode ser até que seja normal ter algumas doenças. O que não é normal é não poder cuidar dessa doença, não poder ir para a cama, deixar-se levar pela doença, deixar que as coisas sejam feitas por outro durante algum tempo, parar de trabalhar durante a gripe e depois voltar. Bem-estar psíquico, em nosso entender, é, simplesmente, a liberdade que é deixada ao desejo de cada um na organização de sua vida. E por bem-estar social, cremos que aí também se deve entender a liberdade, é a liberdade de se agir individual e co-letivamente sobre a organização do trabalho, ou seja, sobre o conteúdo do trabalho, a divisão das tarefas, a divisão dos homens e as relações que mantêm entre si (p. 11).

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Sato (1995) aprofunda a discussão sobre a saúde-doença e sua relação com a orga-nização do trabalho. Em pesquisa sobre a penosidade do trabalho de condutores de ônibus urbanos, a autora verifica que, para que se possa afirmar a presença de con-trole efetivo por parte dos trabalhadores, ou seja, para que se possa afirmar que uma determinada atividade não seja penosa, geradora de desgaste mental, três requisitos devem estar presentes simultaneamente:

■ O poder, que diz respeito à possibilidade de o trabalhador interferir no planejamento do trabalho de modo a modificar os contextos que geram incômodo, sofrimento e esforço em demasia;

■ A familiaridade, que se refere à experiência do trabalhador no desempenho da tarefa;

■ O limite subjetivo, que deve nortear o quando, o quanto e o como o trabalhador suporta as demandas do trabalho.

Em síntese, partimos da concepção de que a saúde configura-se como um pro-cesso e não um estado, sendo que o mais importante nesse processo é o ser humano nele desempenhar o papel de sujeito, com condições e instrumentos para interferir naquilo que lhe causa sofrimento. Essa perspectiva considera os indivíduos em sua diversidade, pois são diferentes uns dos outros e variabilidade, pois variam com rela-ção a si mesmos conforme os diversos momentos pelos quais passam no decorrer de sua existência. As possibilidades de ação no mundo e de intervenção na realidade re-metem aos contextos de vida, especialmente ao trabalho e, no interior dessa esfera, à organização do trabalho, divisão das pessoas e das tarefas, divisão do poder de inter-vir nos contextos de trabalho de modo a torná-los articulados ao processo de saúde.

Portanto, a resposta que procurávamos para a pergunta sobre a diversidade dos trabalhos e a produção de sofrimento psicológico tem como núcleo a questão do po-der: viver a saúde no trabalho significa ter a possibilidade de intervir sobre o próprio trabalho. Se analisarmos as atividades profissionais mencionadas como exemplos de alta prevalência de agravos à saúde mental, veremos que em todas elas os trabalhado-res comparecem como seres assujeitados pela organização do trabalho, perseguindo o alcance de metas, sendo compelidos a irem além de seu limite subjetivo sistemati-camente para dar conta das demandas do trabalho. A alguns deles é vedado, freqüen-temente, até o direito de ir ao banheiro. A outros, a satisfação das necessidades fisio-lógicas é inibida pela alta demanda. Mesmo entre os postos de gerência, a presença de metas abusivas e a existência de controle de produtividade individual aprisionam os trabalhadores em um misto de competitividade exacerbada com o isolamento no trabalho, fadiga e assédio moral, que resultam em intenso sofrimento psíquico.

Sabemos que a lógica capitalista de exploração da força de trabalho dirige as aten-ções do capital para as formas de aumentar a eficiência do trabalho ou de intensificá-lo,

O TRABALHO COMO ELE É E A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR | 149

de modo a extrair maior produtividade, questões que se colocam então, no centro das negociações, na perspectiva de que ainda no interior do modo capitalista de produção, podem ser implantadas mudanças favoráveis à saúde mental dos que trabalham.

Um problema com o qual nos defrontamos também é o da identificação do des-gaste mental nos trabalhadores; só é possível identificá-lo quando já instalado como transtorno mental, diagnosticado e cadastrado? Como fazê-lo antes disso, agindo preventivamente? Entendemos que a definição do desgaste mental como a perda ou transformações negativas na subjetividade e nas capacidades efetivas e/ou potenciais e faculdades humanas (LAURELL e NORIEGA, 1989; SELIGMANN-SILVA, 1994; SELIGMANN-SILVA, 2012), possibilita uma compreensão ampliada e a interlocu-ção com os diversos profissionais envolvidos com o tema. Os significados do verbete “desgaste” (HOUAISS, 2001) – “ação ou efeito de desgastar (-se); desgasto”, “altera-ção ou redução da forma, por fricção ou atrito; corrosão”, “consumição pelo tempo, pelo esforço; destruição, envelhecimento, ruína” ou ainda “redução da capacidade, do poder; abatimento, enfraquecimento” – convidam a pensá-lo como um processo no qual estão presentes pelo menos dois elementos, o que é desgastado e o que produz o desgaste, o que remete a interrogações sobre os elementos desse processo e sobre as determinações do sofrimento mental. Se, por exemplo, um trabalhador mantinha atenção, concentração e desenvolvia atividades complexas com maestria, e essas ca-pacidades/faculdades passam a mostrar-se, temporariamente ou não, prejudicadas, anuladas ou transformadas negativamente; se a análise do trabalho desse sujeito per-mite identificarmos fatores de desgaste mental e configura-se um trabalho penoso, então podemos tomar como hipótese bastante provável a presença de desgaste mental relacionado ao trabalho e proceder a maiores investigações.

→ O abismo entre o conhecimento e as mudanças Ao discutir a necessidade de se combater a desigualdade social e econômica, Safatle (2012) ressalta, com exemplos contemporâneos, o papel exclusivo do Estado como único agente capaz de “limitar interesses de concentração de riquezas vindos dos setores mais afluentes da sociedade” (p. 23). Analogia pode ser feita no caso dos trans-tornos mentais ocupacionais, cuja gênese encontra-se, como vimos, em aspectos da organização do trabalho comuns aos diversos ramos econômicos e não a determina-das empresas peculiares.

Evidências da importância do trabalho no adoecimento dos trabalhadores e em particular no adoecimento mental são abundantes. Estatísticas referentes a segura-dos do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) mostram que dos benefícios con-cedidos pelo órgão, os maiores percentuais destinados a trabalhadores com trans-tornos mentais e comportamentais foram dos ramos da administração pública em geral, transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e

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em região metropolitana, atividade de atendimento hospitalar, bancos múltiplos com carteira comercial, hipermercados e supermercados, abate de suínos, aves e outros pequenos animais 2. Estudos e processos judiciais envolvem trabalhadores adoecidos ou condições de trabalho e práticas gerenciais adoecedoras.

O Estado brasileiro vem sendo convocado cada vez mais a se pronunciar sobre a questão. Na III Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, promovida pelos Ministérios da Saúde, do Trabalho e Emprego e da Previdência Social, realizada em 2005 e que contou com a participação de cem mil pessoas em suas etapas municipais, estaduais e nacional, debateu em vários momentos os impactos do trabalho sobre a saúde mental dos trabalhadores, o que se refletiu em várias de suas resoluções 3. A resolução 86 dessa Conferência, por exemplo, determina a criação de capítulo no Código Penal, a ser designado “dos crimes contra a higidez física e mental do traba-lhador”, com “a criação de tipos penais relativos às condições mórbidas de trabalho a que os trabalhadores são submetidos”. Independentemente da pertinência dessa reso-lução do ponto de vista jurídico, a sua existência representa a percepção de gravidade e dificuldade na luta pela defesa da saúde do trabalhador, incluída a saúde mental, a ponto dos participantes considerarem-na matéria do Código Penal. A resolução 139 da Conferência evidencia a necessidade de se aprimorar a atenção propiciada aos portadores de transtornos mentais, com o fornecimento de medicações adequadas, com políticas de inserção no mundo do trabalho e o devido acompanhamento por parte de centros especializados e qualificados. Já a resolução 151 coloca a necessidade de uma ação integrada entre os órgãos da Saúde e do Trabalho e Emprego nas ações de investigação e coibição da prática de assédio moral, como elemento preventivo de casos de sofrimento mental. A resolução 155 detalha ações programáticas referentes à necessidade de se ampliar as informações estatísticas e de outras naturezas sobre prá-ticas de assédio moral e sexual, aumentando a visibilidade do problema na sociedade, incluindo nomes de empresas onde essas práticas são denunciadas, uma espécie de “lista suja”. E finalmente, a resolução 156 enfatiza a necessidade de integração entre os setores da Saúde e da Previdência Social na atividade de reabilitação profissional, necessariamente multidisciplinar, com responsabilidades nas três esferas de governo, quais sejam, federal, estadual e municipal.

Desnecessário dizer que, se por um lado, aquelas evidências devem ser ob-jeto de uma análise multifacetária para que se identifiquem as mudanças necessárias para minorar os adoecimentos, por outro lado, são fortes as pressões e variados os meios utilizados para que prevaleçam os interesses econômicos corporativos sobre

2 Benefícios acidentários concedidos em decorrência de transtornos mentais e comportamentais (F00--F99) por ramos de atividade (CNAE) pelo INSS, de outubro de 2008 a agosto de 2009. Disponível em <http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=502> Acesso em 13 fev 2013.3 [MS] Ministério da Saúde. Resoluções da III Conferência Nacional de Segurança e Saúde do Tra-balhador. Brasília, 2005. Disponível em <http://www.fundacentro.gov.br/dominios/CTN/anexos/Relat%C3%B3rio%20Final%203CNST%2024.03.06.pdf> Acesso em 8 fev 2013.

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os interesses sociais. Decisões são decorrentes de processos históricos complexos, em que diferentes interesses se chocam e não é diferente neste caso.

Não se identifica ainda, uma Política de Estado que contemple a promoção da saúde no ambiente de trabalho, com a inclusão dos aspectos referentes à saúde do tra-balhador nas políticas econômicas, que vise “a redução do risco de doença e de outros agravos” (BRASIL, 1988), segundo determinado em texto constitucional.

Porém, inúmeras iniciativas têm sido tomadas por órgãos das pastas governamen-tais diretamente relacionadas à atenção à saúde do trabalhador, quais sejam Saúde, Trabalho e Previdência Social, mesmo que de maneira irregular, na tentativa de dar visibilidade aos impactos das condições de trabalho sobre a saúde dos trabalhadores.

→ Alguns avanços institucionais a serem destacados

Fortalecendo a concepção mais ampla do processo de adoecimento pelo trabalho, o Ministério da Saúde estabeleceu diretrizes aos serviços de saúde do país, ao publicar em 2001, um compêndio de 21 capítulos e anexos, dispostos em 580 páginas, dispo-nibilizado em sítio eletrônico oficial 4. O conteúdo desse compêndio está dividido em quatro sessões. A sessão I discorre sobre aspectos conceituais e estratégias para a disseminação das ações em Saúde do Trabalhador nas diversas instâncias do Siste-ma Único de Saúde (SUS). A complexidade do processo de ocorrência dos acidentes e doenças ocupacionais é destacada, a necessidade de uma atenção diferenciada é discutida, bem como as atribuições e bases legais da atuação das diversas estruturas do SUS no campo em questão, em especial as referentes à vigilância sanitária nos ambientes de trabalho. São apresentadas as bases técnicas de identificação, controle e eliminação dos fatores de risco, e a melhoria dos ambientes e processos de traba-lho. A sessão II contém 14 capítulos, que abordam aproximadamente 200 doenças propriamente ditas, descrevendo aspectos epidemiológicos, fisiopatológicos, diag-nósticos, terapêuticos, preventivos e previdenciários, com base na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, objeto de uma Portaria Ministerial de 1999 5. A sessão III contém fichas técnicas dos agentes patogênicos de natureza química mais citados no compêndio, relacionando-os aos processos de trabalho que potencialmente expõem os trabalhadores. E finalmente, a sessão IV contém a Lista de Doenças Relacionadas ao trabalho, como publicada. O capítulo 10 refere-se especificamente aos transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho, no qual é destacada a sua importância epidemiológica no mundo e no país. Esse capítulo aborda o tema de

4 MS – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Doenças Relacionadas ao Trabalho: Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília: Ministério da Saúde, 2001, 580p.5 MS – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 1.339/GM, de 18 de novembro de 1999, institui a lista de doenças relacionadas ao trabalho, a ser adotada como referência dos agravos originados no processo de trabalho no Sistema Único de Saúde, para uso clínico e epidemiológico, constante no Anexo I da Portaria. Diário Oficial da União, de 19 de novembro de 1999, seção 1, p. 21.

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uma maneira muito ampla, discutindo o significado do trabalho em nossa sociedade, não só pelo aspecto econômico, de subsistência, mas também pelo aspecto cultural, que interfere significativamente na constituição da subjetividade, no modo de vida e na saúde e bem-estar físico e psicossocial dos trabalhadores. Destaca os efeitos da precarização do trabalho, do desemprego, da organização do trabalho, das formas de gestão das empresas sobre a saúde mental dos trabalhadores. E finalmente, descre-ve o processo de adoecimento psíquico com as manifestações clínicas constantes na Classificação Internacional de Doenças (CID) 6, quais sejam, a demência em outras doenças específicas classificadas em outros locais (F02.8), o Delirium, não-sobreposto à demência, como descrita (F05.0), o transtorno cognitivo leve (F06.7), o transtorno orgânico de personalidade (F07.0), o transtorno mental orgânico ou sintomático não especificado (F09.-), o alcoolismo crônico (relacionado ao trabalho) (F10.2), os epi-sódios depressivos (F32.-), o estado de estresse pós-traumático (F43.1), a neurastenia (inclui síndrome de fadiga) (F48.0), outros transtornos neuróticos especificados (in-clui a neurose profissional) (F48.8), o transtorno do ciclo vigília-sono devido a fatores não-orgânicos (F51.2) e a sensação de estar acabado (síndrome de Burnout, síndrome do esgotamento profissional - Z73.0).

Na tentativa de dar visibilidade aos agravos relacionados ao trabalho e de disse-minar por toda a rede do Sistema Único de Saúde a idéia de que a compreensão do adoecimento deve incluir a relação trabalho e saúde, em 28 de abril de 2004 o Minis-tério da Saúde tornou de notificação compulsória 11 agravos relacionados ao trabalho, dentre os quais os transtornos mentais relacionados ao trabalho, por meio da Portaria 777/2004, posteriormente incorporada pela Portaria 104/2011 7. Esta determinação tem uma importância muito grande, pois permite, em tese, que se obtenham estatís-ticas mais próximas dos números reais, considerando-se que esses dispositivos legais abrangem toda a população trabalhadora, independentemente da idade, da existên-cia ou da natureza do vínculo empregatício. O sistema de informação é o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), cujas fontes de dados são os serviços de saúde de todos os municípios do país e é o mesmo que capta dados das doenças infecto-contagiosas tradicionalmente notificadas, entre as quais, febre amarela, den-gue, tétano, AIDS, etc. Inicialmente, o Ministério da Saúde estabeleceu que, para a área de Saúde do Trabalhador, seria organizada uma rede de serviços-sentinela, in-

6 OMS - Organização Mundial da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados ao Trabalho – CID 10. Disponível em <http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm>7 MS- MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 104/ GM, de 25 de janeiro de 2011. Define as termino-logias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde. Diário Oficial da União, de 26 de janeiro de 2011. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria_104_26_2011_dnc.pdf > acesso em 28 de janeiro de 2013.

O TRABALHO COMO ELE É E A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR | 153

cumbidos de viabilizar a notificação disposta na Portaria. No entanto, ao contrário da maioria dos outros agravos relacionados ao trabalho de notificação compulsória, os transtornos mentais ainda hoje não têm um protocolo de diagnóstico e notificação, fator adicional que explica o número irrisório de casos notificados ao Sinan, indicador da ainda não implementação plena dos dispositivos legais (quadro I).

Quadro 1: Transtornos mentais relacionados ao trabalho notificados ao Sinan, de 2006 a 2011 no país

2006 2007 2008 2009 2010 2011 TOTAL21 122 189 356 400 637 1.725

Fonte: Ministério da SaúdeDisponível em <http://www.ccvisat.ufba.br/> Acesso em 14 fev 2013

O Sinan pode fornecer informações detalhadas, pois os dados são coletados a par-tir dos atendimentos individuais nos serviços de saúde. Dentre eles, podem ser ob-tidos diagnósticos, idade, sexo e municípios de moradia dos pacientes, identificação das unidades de saúde onde foram feitos os diagnósticos, nomes das empresas e seus ramos de atividades.

A implementação efetiva da prática de notificação compulsória dos transtornos mentais relacionados ao trabalho, exige: a) a finalização do protocolo que defina os casos a serem notificados, a exemplo dos outros agravos constantes na Portaria; b) o planejamento e a execução de processos de capacitação nacional e regional, diferen-ciados, aos profissionais da atenção básica e ambulatórios de especialidades, conside-rando-se particularmente a complexidade do tema; c) uma integração intrasetorial, entre as áreas e serviços de referência de Saúde do Trabalhador e de Saúde Mental, e entre essas áreas e as demais ações da rede SUS, sejam da assistência, sejam da vigi-lância epidemiológica e sanitária; d) um sistema de retaguarda especializada capilar, em parceria com diversos órgãos, em particular as universidades. Não são tarefas fáceis, mas são imprescindíveis. A essas necessidades específicas somam-se aquelas estruturais, da rede de serviços de saúde públicos e privados, referentes à capacidade de diagnóstico, de efetivo tratamento e de participação nos processos de reinclusão social e profissional dos pacientes com sofrimento psíquico.

Também o Ministério da Previdência Social contribuiu de forma decisiva para o aumento da visibilidade dos transtornos mentais relacionados ao trabalho em 2007, quando adicionou um critério de fundamental importância para diminuir a subnotifi-cação de agravos relacionados ao trabalho, de grande prevalência em determinados ra-mos econômicos, e que não eram objeto de emissão de CAT pelas empresas e tampouco eram de fato considerados ocupacionais pela perícia médica do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Estudos conduzidos pela Previdência Social levaram à decisão governamental de, em princípio, conceder benefícios acidentários a todos os segurados que apresentassem incapacidade laboral decorrente de agravos com significância esta-

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tística em determinados ramos econômicos quando comparados aos demais ramos. Posteriormente esses estudos foram objeto de tese de doutorado (OLIVEIRA, 2008).

Esse critério passou a vigorar, adicionando-se aos outros já estipulados na legislação, em abril de 2007, por meio de uma lei 8 e um decreto 9.

Embora exemplificativas, as listas de doenças profissionais e as do trabalho, bem como as situações de trabalho causadoras já eram amplas. Porém, não contemplavam até então, os episódios depressivos relacionados ao trabalho, a não ser aqueles vincu-lados à exposição de determinadas substâncias químicas 10.

O quadro 2 reproduz parte do anexo V do decreto que dispõe sobre o regu-lamento da Previdência Social, no qual constam, desde 2007, os códigos nacionais de atividades econômicas dos ramos de atividade associados aos grupos de transtornos mentais e do comportamento (F10-F19, F20-F29, F30-F39, F40-F48).

Quadro 2: Transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho, representados por intervalos CID-10, com os respectivos ramos econômicos

códigos nacionais de atividade econômica, representados pelo CNAEINTERVALO

CID-10 CNAE

F10-F19*

0710  0990  1011  1012  1013  1220  1532  1622  1732  1733  2211  2330  2342  2451  2511  2512  2531  2539  2542  2543  2593  2814  2822  2840  2861  2866  2869  2920  2930  3101  3102  3329  3600  3701  3702  3811  3812  3821  3822  3839  3900  4120  4211  4213  4221  4292  4299  4313  4319  4321  4329  4399  4520  4912  4921  5030  5212  5221  5222  5223  5229  5231  5232  5239  5250  5310  6423  7810  7820  7830  8121  8122  8129  8411  8423  8424  9420 

F20-F29**

0710  0990  1011  1012  1013  1031  1071  1321  1411  1412  2330  2342  2511  2543  2592  2861  2866  2869  2942  3701  3702  3811  3812  3821  3822  3839  3900  4120  4211  4213  4222  4223  4291  4292  4299  4312  4391  4399  4921  4922  4923  4924  4929  5212  5310  6423  7732  7810  7820  7830  8011  8012  8020  8030  8121  8122  8129  8423  9420

F30-F39***

0710  0892  0990  1011  1012  1013  1031  1220  1311  1313  1314  1321  1330  1340  1351  1359  1411  1412  1413  1422  1531  1532  1540  2091  2123  2511  2710  2751  2861  2930  2945  3299  3600  4636  4711  4753  4756  4759  4762  4911  4912  4921  4922  4923  4924  4929  5111  5120  5221  5222  5223  5229  5310  5620  6110  6120  6130  6141  6142  6143  6190  6311  6422  6423  6431  6550  8121  8122  8129  8411  8413  8423  8424  8610  8711  8720  8730  8800

F40-F48****0710  0990  1311  1321  1351  1411  1412  1421  1532  2945  3600  4711  4753  4756  4759  4762  4911  4912  4921  4922  4923  4924  4929  5111   5120  5221  5222  5223  5229  5310  6110  6120  6130  6141  6142  6143  6190  6311  6422  6423  8011  8012 8020  8030  8121  8122  8129  8411  8423  8424  8610 

Fonte: Decreto 6042, de 12 de fevereiro de 2007.21

8 BRASIL. Lei nº 11.430, de 26 de dezembro de 2006. Altera as Leis nºs 8.213, de 24 de julho de 1991, e 9.796, de 5 de maio de 1999, aumenta o valor dos benefícios da previdência social; e revoga a Medida Provisória nº 316, de 11 de agosto de 2006; dispositivos das Leis nºs 8.213, de 24 de julho de 1991, 8.444, de 20 de julho de 1992, e da Medida Provisória nº 2.187-13, de 24 de agosto de 2001; e a Lei nº 10.699, de 9 de julho de 2003.  9 BRASIL. Decreto nº 6.957, de 09 de setembro de 2009. Altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, no tocante à aplicação, acompanhamento e avalia-ção do Fator Acidentário de Prevenção – FAP. Diário Oficial da União, de 10 de setembro de 2009. Dispo-nível em <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/819004/decreto-6957-09> Acesso em 04/07/2011.10 As listas referidas, constantes até então no decreto nº 3048/99, eram as mesmas publicadas pelo Mi-nistério da Saúde, pela Portaria nº 1823/99.

O TRABALHO COMO ELE É E A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR | 155

* F10-F19 – transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa** F20-F29 – esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes*** F30-F39 – transtornos do humor (afetivos)**** F40-F48 – transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtor-nos somatoformes

Para se ter idéia dos 51 CNAE associados ao grupo das depressões (F40 – F48), listamos alguns deles:

0710 – extração de minério de ferro1011 – abate de reses, exceto suínos1012 – abate de suínos, aves e outros pequenos animais1013 – fabricação de produtos de carne1311 – preparação e fiação de fibras de algodão2945 – fabricação de material elétrico e eletrônico para veículos automotores, exceto bateria3600 – captação, tratamento e distribuição de água4911 – transporte ferroviário de carga6422 – bancos múltiplos, com carteira comercial8012 – atividades de transporte de valores

Uma rápida visão panorâmica deste quadro permite dimensionar o impacto po-tencial sobre os benefícios por incapacidade decorrentes de transtornos psíquicos, considerando-se o número de ramos econômicos aos quais esses agravos passaram a ser considerados, em princípio, relacionados ao trabalho. São no total, quase 220 ramos de atividade.

De fato, informações da Previdência Social evidenciam a importância desse cri-tério adicional, denominado Nexo Técnico Epidemiológico (NTEp) para o estabele-cimento do nexo causal entre um agravo e determinadas condições de trabalho26,27. A despeito de inúmeras dificuldades ainda presentes na implementação efetiva do NTEp27, o impacto desse dispositivo tem sido significativo.

Informações da Previdência Social 11 mostram que a partir de 2007 é significati-vo o aumento dos benefícios acidentários concedidos pelo INSS em decorrência de transtornos mentais e comportamentais, se comparados com os dados de 2006. Em 2007, houve um aumento de 841,5% de benefícios em relação a 2006 e em 2008, de aproximadamente 1.994,5 em relação a aquele mesmo ano. A tendência ascendente se manteve até 2009, ano em que se registraram 13.028 benefícios. E 2010 observa-se

11 MPS – MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Informações Estatísticas Relativas à Segurança e Saúde Ocupacional. Disponível em <http://www.mps.gov.br/conteudoDinamico.php?id=502> Acesso em 13 fev 2013.

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queda para 12.150 benefícios, e novamente em 2011 foram registrados 13.757 bene-fícios. A curva ascendente seria inexplicável para os que tentassem analisá-la sem o conhecimento do NTEp, que produziu o impacto previsto e desejado (Gráfico 1). No entanto, é imperiosa a necessidade de se analisar a evolução a cada ano.

Fonte: Ministério da Previdência Social

Gráfico 1: Benefícios por incapacidade acidentária concedidos pelo INSS a se-gurados com transtornos mentais e comportamentais (F00 – F99) no período de 2006 a 2011

Os gráficos 2 e 3 mostram que em relação ao grupo de transtornos do humor (F30 a F39), do qual fazem parte os episódios depressivos, em 2007, a despeito da conces-são total de benefícios por incapacidade de natureza acidentária e não acidentária ter sido menor do que em 2006 para esse grupo, o número de benefícios acidentários concedidos nesse mesmo ano foi aproximadamente 2.226,2% maior. Em 2008, ainda em comparação a 2006 o número de benefícios concedidos por esse grupo de doenças foi 3.711,3% maior. Um aumento de 3,1% em 2009 ocorreu em relação a 2008, mas já em 2010 verificou-se decréscimo de 14,9% em relação a 2009. Também neste caso, é premente a análise de decréscimo significativo no espaço de tempo de um ano sem que tenha ocorrido uma mudança de critérios e tampouco uma mudança nas condi-ções laborais causadoras.

O TRABALHO COMO ELE É E A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR | 157

Qualquer análise requer o acesso à base de dados o que não tem sido possível para órgãos externos ao Ministério da Previdência Social.

Gráfico 2: Benefícios por incapacidade de natureza acidentária concedidos pelo INSS a segurados com transtornos do humor (F30 a F39) no período de 2006 a 2011.

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Gráfico 3: Benefícios por incapacidade de natureza acidentária e não acidentária concedidos pelo INSS a segurados com transtornos do humor (F30 a F39) no período de 2006 a 2011.

O grupo mais numeroso dentro dos transtornos de humor, os episódios depressivos e transtornos depressivos recorrentes decorrentes de situações laborais (F32 e F33), são provavelmente relacionados à organização do trabalho e formas de gestão nas empre-sas, independentemente da exposição a produtos químicos. Sua visibilidade foi direta-mente decorrente da implementação do NTEp, que permitiu estabelecer o nexo causal nos casos em que havia significância estatística entre os agravos e os ramos econômicos.

A Fundacentro, órgão de pesquisa vinculado ao Ministério do Trabalho e Empre-go, que, embora tenha tradicionalmente se destacado nas áreas da medicina, segu-rança do trabalho, higiene e toxicologia ocupacional tem, em seu quadro funcional, alguns pesquisadores que há anos dedicam-se ao estudo da atividade de trabalho, da subjetividade dos trabalhadores e do sofrimento psíquico relacionado ao trabalho. Em 2008, por iniciativa desse órgão, constituiu-se um grupo interinstitucional de pesquisadores vinculados a universidades e a órgãos dos setores da Saúde, do Traba-lho e da Previdência Social, com os objetivos de se fortalecer uma rede de discussão continuada entre os profissionais das áreas de saúde mental, da saúde do trabalhador e da saúde mental e trabalho, de se contribuir para o aperfeiçoamento das políticas públicas no âmbito da saúde mental e trabalho e de se incentivar estudos conjuntos.

Ainda em dezembro de 2007 e em 2008, profissionais desse grupo interinstitu-cional elaboraram pareceres sobre a proposta de Diretrizes de Apoio à Decisão Mé-

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dico-Pericial em Transtornos Mentais elaboradas pelo Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, colocada em consulta pública no final de 2007. Nesse processo, esse grupo teve a oportunidade de participar de fóruns de discussão com o INSS a respei-to do tema. A despeito desse esforço, as diretrizes definidas e seguidas pelos peritos do INSS nos parecem, ainda, distantes dos critérios que valorizam o olhar multidis-ciplinar e a relação entre o adoecimento e o trabalho.

Ainda fruto dessa articulação, em 28 e 29 de novembro de 2008, foi realizado o Seminário Nacional de Saúde Mental e Trabalho, em São Paulo, pela Fundacentro, Se-nac de São Paulo e Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo – Cerest/SP, com o apoio do Ministério da Saúde, do Ministério do Trabalho e Emprego, do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, do Serviço de Saúde Ocupacional do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janei-ro, do Ministério Público do Trabalho, da Ordem dos Advogados do Brasil – SP, da Associação Latinoamericana de Advogados Trabalhistas, da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas e da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho.Esse Seminário reuniu cerca de 60 pesquisadores que apresentaram e discutiram metodologias e resultados de estudos com aproximadamente 450 participantes, em três mesas-redondas e seis oficinas. Outras informações podem ser obtidas no sítio eletrônico institucional da Fundacentro 12.

De 28 a 30 de setembro 2009, foi realizado outro grande evento em São Paulo, in-titulado Primeiro Simpósio: Diálogos Jurídicos, Saúde Mental no Trabalho, Direitos e Desafios, promovido pela Fundacentro, Associação dos Magistrados do Trabalho de São Paulo, Escola dos Magistrados do Trabalho de São Paulo, Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financei-ro, Sindicato dos Advogados de São Paulo e Universidade Presbiteriana Mackenzie 13.

Dando seqüência às atividades institucionais, a Revista Brasileira de Saúde Ocupa-cional (RBSO) decidiu organizar um dossiê temático de dois volumes sobre o tema O mundo contemporâneo do trabalho e a saúde mental do trabalhador, bem como outros como Assédio Moral no Trabalho, disponíveis para leitura do conteúdo na íntegra 14.

12 MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Portal da Fundação Jorge Duprat Figueiredo – Fundacentro - Ministério do Trabalho e Emprego – Eventos realizados – <http://www.fundacentro.gov.br/dominios/CTN/eventos_realizados_detalhes.asp?E=804> e Arquivos de Eventos <http://www.fundacen-tro.gov.br/conteudo.asp?D=CTN&C=1385&menuAberto=345>13 MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Portal da Fundação Jorge Duprat Figueiredo – Fundacentro - Ministério do Trabalho e Emprego – Eventos realizados - <http://www.fundacentro.gov.br/ARQUIVOS/CURSOS_E_EVENTOS/Diálogos%20Jurídicos.jpg> Acesso em 13/06/2011.14 MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Portal da Fundação Jorge Duprat Figueiredo – Fundacentro - Ministério do Trabalho e Emprego – RBSO < http://www.fundacentro.gov.br/rbso/rbso_edicoes.asp?SD=RBSO&M=98/0> Acesso em 13/06/2013.

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Outros eventos foram realizados pela instituição, em São Paulo e em outros esta-dos, pelos centros regionais, entre os quais os do Pará e da Bahia, assim como alguns projetos de pesquisa com um olhar psicossocial estão sendo desenvolvidos.

Quanto à auditoria fiscal do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego na relação trabalho e saúde, por meio de suas normas regulamentadoras, até 1990 não contemplava os aspectos subjetivos do trabalhador. No entanto, com o tempo, os aspectos psicossociais do trabalho passaram a ser incluídos em normas, mesmo que na prática, haja dificuldades na incorporação desses elementos nas ações cotidianas. Alguns dispositivos merecem destaque pela perspectiva de inovação que trouxeram à atuação dessa pasta governamental.

Uma delas é a Norma Regulamentadora 17, referente à Ergonomia 15. Esta norma, cuja redação vigente foi feita em 1990, determina que as condições ambientais e a organização do trabalho “devem estar adequadas às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado”. Enfatiza como consti-tuintes da organização do trabalho as normas de produção, os modos operatórios, a pressão de tempo para a realização das atividades de trabalho, determinação do conteúdo do tempo, que permite verificar qual o tempo gasto para se realizar uma determinada subtarefa ou cada atividade do conjunto que compõe a tarefa, o ritmo de trabalho, o conteúdo das tarefas”.

Em 2007, uma Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego regulamentou o trabalho dos operadores de checkout do setor comercial no tocante à saúde do tra-balhador 16. Evidenciam-se preocupações com a sobrecarga física e psíquica dos tra-balhadores e outros aspectos psicossociais, quando o referido dispositivo normativo coloca a necessidade de adequação do ritmo de trabalho às características psicofisio-lógicas de cada operador, por meio de pessoas para apoio ou substituição, instituição de filas únicas e de caixas especiais para idosos, gestantes, deficientes e clientes com pequena quantidade de mercadoria, pausas durante a jornada de trabalho e rodí-zios. Destaca-se o enfoque nos aspectos psicossociais do trabalho, quando se dá li-berdade ao trabalhador de usar o nome e/ou sobrenome escolhido pelo trabalhador para identificação pública, bem como veta à empresa a imposição de vestimentas ou propagandas ou maquilagens temáticas, que causem constrangimentos ou firam sua dignidade pessoal. Fazem parte do passado, pelo menos em tese, senhoras vestidas de coelhinhos ou de “papais-noéis” nas datas comemorativas da Páscoa e do Natal.

No mesmo ano, outra Portaria, também do Ministério do Trabalho e Emprego

15 MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Portaria nº 3.751, de 23 de novembro de 1990. Dispõe sobre a Norma Regulamentadora 17. Diário Oficial da União, de 26 de novembro de 1990.16 MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Portaria nº 8, de 30 de março de 2007. Aprova o Anexo I da Norma Regulamentadora nº 17 – Trabalho dos Operadores de Checkout. Diário Oficial da União, de 02 de abril de 2007.

O TRABALHO COMO ELE É E A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR | 161

regulamentou o trabalho em teleatendimento / telemarketing nos aspectos referen-tes à saúde do trabalhador 17. Como é de conhecimento geral, os trabalhadores em teleatendimento são numerosos, encontram-se vinculados aos mais variados ramos econômicos e trabalham sob condições penosas, com imposição de conteúdo, des-preparo para fornecer informações resolutivas, formas rígidas de comunicação, pres-são do tempo, ritmo de trabalho intenso, com exigência de cumprimento de metas e sofrem constantemente pressão do sistema hierárquico, por um lado, e inúmeras manifestações rudes e agressivas de clientes descontentes, do outro lado. A referida portaria dispõe sobre vários aspectos relacionados à organização do trabalho, já iden-tificados como prejudiciais à saúde dos trabalhadores, com o objetivo de proteger a sua integridade física e psíquica. Exemplos desses dispositivos são “compatibilização de metas com as condições de trabalho e tempo oferecidas”, cuidados no monito-ramento de desempenho, consideração sobre pressões aumentadas em horários de maior demanda. Vedou-se a exigência da observância do roteiro rígido de atendi-mento, o estímulo abusivo à competição entre trabalhadores ou grupos de trabalho, a exigência de utilização de adereços, acessórios, fantasias e vestimentas, a exposição pública das avaliações de desempenho dos operadores.

Ainda não publicada, a redação da proposta de norma regulamentadora do traba-lho em empresas de abate e processamento de carnes e derivados também inclui vários itens que visam interferir na organização e ritmo de trabalho, bem como na pressão sobre os trabalhadores. O item 5.6 é explícito ao prever “estoques tampões entre deter-minados postos de trabalho a fim de minimizar as pressões devidas ao ritmo da pro-dução e propiciar maior autonomia aos trabalhadores”. O item 12.2 considera fatores de risco à segurança e saúde dos trabalhadores “metas inflexíveis e incompatíveis com as condições de trabalho e tempo oferecidas, monitoramento de desempenho, pausas insuficientes para recuperação, velocidade excessiva da linha de produção e períodos insuficientes para a adaptação e readaptação de trabalhadores à atividade”. O item 14.3 se refere ao “dimensionamento do contingente de trabalhadores em atividade, que deve ser compatível com as demandas e exigências técnicas de produção, visando a adequação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos traba-lhadores”, levando em conta “quantidade máxima de abate hora/dia versus quantidade de trabalhadores por setor/ função, absenteísmo, férias e afastamentos, intercorrências técnico-operacionais mais freqüentes, mudanças nos processos, na produção e nas demandas diárias, semanais e mensais, espaços de trabalho existentes, existência de trabalhadores recém-admitidos e em períodos de readaptação”.

Esses foram alguns dos aspectos destacados que refletem uma fina sintonia entre

17 MTE – MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Portaria nº 9, de 30 de março de 2007. Aprova o Anexo II da Norma Regulamentadora nº 17 – Trabalho em Teleatendimento/ Telemarketing. Diário Oficial da União, de 02 de abril de 2007.

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os textos normativos e os elementos adoecedores do trabalho real dessas categorias de trabalhadores.

Em novembro de 2011 foi publicado o decreto que instituiu a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST) 18, de conteúdo e formato tradicionais, com ênfase em fatores de risco físicos, químicos e mecânicos, bem como medidas de educação e capacitação dos trabalhadores. Não há menção a aspectos organizacionais e psicossociais do trabalho nem na Política e tampouco no Plano Nacional de Segu-rança e Saúde no Trabalho (PLANSAT) 19, publicado em abril de 2012.

Ambos os dispositivos foram fruto de negociações tripartites, de representantes do governo, trabalhadores e empregadores, e expressam os limites conceituais previsíveis.

Já a Portaria do Ministério da Saúde que institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora 20 a ser seguida pelos serviços de saúde, destaca o direito à saúde como um “direito social derivado do direito à vida, estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos” (Resolução 217ª, III, da Assembléia Geral da ONU, 10/09/1948); parte, ainda, do pressuposto de que há uma relação in-dissociável entre a produção, trabalho, saúde e ambiente e que a morbimortalidade dos trabalhadores e da população geral está intimamente relacionada aos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos.

A Portaria contrapõe-se à idéia tão disseminada de que de um lado encontram-se os detentores do saber técnico e do outro, trabalhadores cuja “educação ou capaci-tação” evitaria a ocorrência de agravos à saúde, quando colocar a necessidade de se considerar os saberes, experiências e subjetividade dos trabalhadores (no inciso III do artigo 6º da Portaria).

Outros atores institucionais têm se manifestado com vigor, dentre os quais o Mi-nistério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho, que de forma inédita lançou o Programa Trabalho Seguro – Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior de Justiça do Trabalho 21.

18 BRASIL. Decreto nº 7.602, de 7 de novembro de 2011. Dispõe sobre a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST. Diário Oficial da União de 8 de novembro de 2011. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7602.htm> Acesso em 13 fev 2013.19 Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. Disponível em <http://www.renastonline.org/re-cursos/matriz-objetivos-estrat%C3%A9gias-plano-nacional-seguran%C3%A7a-sa%C3%BAde-trabalho--plansat> Acesso em 13 fev 2013.20 MS – Ministério da Saúde. Portaria nº 1.823 de 23 de agosto de 2012. Diário Oficial da União de 24 de agosto de 2012. Disponível em <http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/integras_pdf/PORT_MS_GM_1823_2012.pdf>.21 <http://www.tst.jus.br/web/trabalhoseguro/apresentacao>.

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→ As práticas nas empresas

 Os princípios apontados combatem uma tendência de individualizar e culpabilizar os trabalhadores pelos acidentes e pelos adoecimentos que sofrem, falsos e conve-nientes pressupostos que fundamentam coletâneas de propostas que são oferecidas às empresas e reforçam a idéia de que a responsabilidade pelos acidentes e doenças é do trabalhador. São cursos informando sobre as situações a serem evitadas ou en-sinando a necessidade de se utilizar os equipamentos de proteção individual, não raramente incômodos, inadequados e de efeito placebo. São iniciativas de se realizar “campanhas de prevenção de acidentes do trabalho” ou “campanhas de conscienti-zação da importância de se evitar acidentes”, como se a prevenção desses infortúnios dependesse da atenção e da informação do trabalhador. A organização do trabalho, que impõe a intensificação do trabalho com a política de enxugamento das empresas, com o ritmo acelerado, com as múltiplas funções e o aumento da produtividade, é soberbamente ignorada pois se constitui na base do modo de produção das empresas.

Dentre as práticas implantadas com o objetivo de considerar a dinâmica psíquica dos trabalhadores no processo produtivo, talvez as mais comuns sejam os Programas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Esses programas consistem de uma série de ações que procuram aumentar o bem-estar dos trabalhadores e promover a adesão dos considerados como talentos. Amálgama de interesses diversos e contraditórios, do capital e do trabalho, relativos ao mundo subjetivo (desejos, vivências, sentimen-tos), aos valores, crenças, ideologias e aos interesses econômicos e políticos (LACAZ, 2000), os QVT acabam, na maior parte das vezes, deixando de lado o próprio Tra-balho e agindo apenas no terreno do Estilo de Vida. Esse tipo de prática, além de não diminuir a penosidade do trabalho, pode até intensificá-la, na medida em que resulte em uma “gestão da percepção” que minimize os fatores de desgaste ou altere o seu sentido, fazendo “problema” valer como “desafio” a ser vencido individualmente, por exemplo. Barros (2012) identifica, ainda, outro efeito dos QVT concebidos desse modo: “ao deixar de abordar o Trabalho e atrelar-se à ideia de Estilo de Vida, os dis-cursos que versam sobre a qualidade de vida aos trabalhadores acabaram por confi-gurar mecanismos disciplinares de internalização de valores e de promoção de hábi-tos, comportamentos e atitudes considerados ‘saudáveis’ pelos empregadores” (p. 17).

Programas de Qualidade de Vida no Trabalho devem, para serem efetivos no en-frentamento da penosidade do trabalho, em suma, propiciar um espaço para que os trabalhadores possam identificar os fatores de desgaste à saúde no trabalho que rea-lizam e construir formas de transformá-los coletivamente. Para isso, deve haver uma real negociação entre capital e trabalho, na qual ambos tenham poder de voz e de promover transformações.

A ginástica laboral costuma incorrer no mesmo tipo de equívoco dos QVT. Tendo como objetivo principal a prevenção de doenças ocupacionais, essa prática consiste na

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realização de exercícios físicos dirigidos, nos locais de trabalho, três vezes por semana, ou diariamente, por períodos que variam de 8 a 12 minutos, durante a jornada de tra-balho. (Maciel, 2005). Em geral, pretendem ser um contraponto à atividade muscular realizada no próprio trabalho, um fator de prevenção das doenças ocupacionais que atingem o sistema musculoesquelético com destaque para as LER/DORT. Também há modalidades em que se pretende priorizar o alívio do estresse no trabalho. Maciel (2005) conclui, a partir de revisão bibliográfica de literatura que aborda o tema da ginástica laboral que: “(…) não existem evidências conclusivas sobre a efetividade dos programas de GL, nem como incentivo à prática de esportes, nem como um método de promoção da saúde nos locais de trabalho”. (p. 82). Se os trabalhadores pouco ou nada se beneficiam da ginástica laboral, o mesmo não acontece com quem os contrata. As empresas costumam converter essas ações em provas em processos judiciais, além de produzirem, pelo menos durante algum tempo, a impressão de que esforços estão sendo direcionados à promoção de saúde dos trabalhadores pela instituição.

Essas práticas, aqui tomadas como exemplo de tantas outras, representam os limites da concepção da Saúde Ocupacional (SO) sobre as relações entre saúde e trabalho, que inviabilizam um enfrentamento efetivo dos problemas da organização do trabalho. O campo da saúde ocupacional emergiu no contexto do processo de industrialização brasileira (anos 1950-1960), atendendo à necessidade do capital de controlar a força de trabalho (SATO e BERNARDO, 2005). A Saúde Ocupacional atua sobre indivíduos e privilegia o diagnóstico e o tratamento de problemas de natureza orgânica, embasada em visão positivista/empirista, cabendo pouco espaço para a subjetividade do traba-lhador. Visa ao aumento da produtividade e a saúde tem caráter de razão instrumental para a produção (LACAZ, 2007). Conforme Mendes e Dias (1991), essa perspectiva, baseada nos conceitos da medicina do trabalho e da engenharia de segurança, afirma, basicamente, que: a principal fonte causadora de doenças e acidentes do trabalho é o ambiente de trabalho, sendo esse dividido nas variáveis “agentes físicos”, “químicos” e “biológicos”; os instrumentos que medem os efeitos desse ambiente para a saúde estabelecem relações monocausais entre ambiente de trabalho e doença ou acidente ocupacional; o conceito de saúde reduz-se à ausência de doenças e de acidentes de tra-balho, desconsiderando as outras formas de prejuízo à saúde, dentre estas últimas, o sofrimento psíquico ou o desgaste mental.

Lacaz (2007) sintetiza as principais características da Saúde Ocupacional:

A abordagem das relações trabalho e saúde-doença parte da idéia cartesiana do corpo como máquina, o qual expõe-se a agentes/fatores de risco. Assim, as conseqüências do trabalho para a saúde são resultado da interação do corpo (hospedeiro) com agentes/fatores (físicos, químicos, biológicos, mecânicos), existentes no meio (ambiente) de trabalho, que mantêm uma relação de externalidade aos trabalhadores. O trabalho é apreendido pelas características empiricamente detectáveis mediante instrumentos

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das ciências físicas e biológicas. Aqui os “limites de tolerância” e “limites biológicos de exposição”, emprestados da higiene industrial e toxicologia, balizam a intervenção na realidade laboral, buscando “adaptar” ambiente e condições de trabalho a parâmetros preconizados para a média dos trabalhadores normais quanto à suscetibilidade indi-vidual aos agentes/fatores. Em conseqüência dessa compreensão, o controle da saúde preconizado pela Saúde Ocupacional resume-se à estratégia de adequar o ambiente de trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho (p. 759, grifos do autor).

Entendemos que, por tudo o que foi apresentado aqui, fica clara a limitação dessa perspectiva para entender e intervir sobre a problemática da saúde mental relaciona-da ao trabalho.

→ Considerações finais Algumas das iniciativas de órgãos públicos têm propiciado avanços na proteção à saú-de do trabalhador e, embora ainda incipientes, ampliam a visibilidade social e auxi-liam na disputa entre abordagens restritas e tradicionais e outras mais amplas, assim como têm buscado abranger também as esferas sociais e subjetivas do trabalhador.

Há ainda um longo caminho a percorrer na construção de ações articuladas e integradas entre esses setores governamentais e um diálogo com as áreas determi-nantes no adoecimento dos trabalhadores, quais sejam, aquelas relacionadas ao pla-nejamento, ao crescimento econômico e desenvolvimento tecnológico do país. Faz-se necessária uma análise integrada das informações disponíveis sobre o adoecimento do trabalhador e particularmente sobre o adoecimento psíquico, tarefa que exige o conhecimento e os olhares de diferentes órgãos e entidades.

Nesse processo, é importante ressaltar a importância da participação dos dife-rentes setores da sociedade, interessados em promover a saúde dos trabalhadores e da população em geral para um plano prioritário. O fortalecimento da luta para a ampliação do alcance de políticas públicas de efetiva proteção ao trabalhador e da de-mocratização efetiva das instituições são cruciais para que os direitos constitucionais ao trabalho e à saúde sejam de fato conquistados em nosso país.

→ REFERÊNCIAS

BARROS, S. P. Os discursos sobre qualidade de vida para os trabalhadores enquanto mecanismos disciplinares. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. São Paulo, vol. 15, n. 1, p. 17-32, 2012.

DEJOURS, C. Por um novo conceito de saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacio-nal. n.54, pp. 7-11. abril/maio/junho 1986.

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HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa versão 1.0, Insti-tuto Antônio Houaiss/Editora Objetiva, 2001.

LACAZ, F. A. C. O Campo da Saúde do Trabalhador: resgatando conhecimentos e práticas sobre as relações trabalho-saúde. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 23(4):757-766, abr, 2007.

———. Qualidade de vida no trabalho e saúde/doença. Ciênc. saúde coletiva, vol. 5, no. 12008-10-24, pp. 151-161, 2000.

LAURELL, A. C. e Noriega, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989 - tradução Amélia Cohn … [et al..].

MACIEL, R. H.; ALBUQUERQUE, A. M. C.; MELZER, A. C.; LEÔNIDAS, S. R. Quem se beneficia dos programas de ginástica laboral? Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. São Paulo, vol. 8, pp. 71-86, 2005.

MENDES, R. e DIAS, E.C. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. Revista Saúde Pública. São Paulo, 25(5): pp. 341-349, 1991.

OLIVEIRA, P. R. A. Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário – NTEp e o Fator Acidentário de Prevenção – FAP. Tese de doutorado defendida na Universidade de Brasília. Brasília, 2008.

SATO, L. A representação social do trabalho penoso. In: SPINK, M. J. P. (org.) O co-nhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicolo-gia social. São Paulo: Brasiliense, 1995.

SELIGMANN-SILVA, E. Desgaste mental no trabalho dominado. São Paulo: Cortez, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.

———. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cor-tez, 2011.

CAPÍTULO 9

Discurso humanizador, prática de exploração: os novos modelos de gestão e a saúde mental dos trabalhadores

Marcia Hespanhol

“O João tá com depressão. É lógico, pode ser uma doença congênita, como eles [representantes da empresa] falam,

mas o dele foi do trabalho!!! Da pressão!!!” (Alexandre, 27 anos)

“Eu agüentava muito! Mas comecei a correr na parte médica porque estava estressado”

(Rogério, 28 anos).

“Nossa! Aquela pressão que a gente sofre lá dentro é demais, cara. É desumano!”

(Daniel, 28 anos).

“É tanta pressão, que, de vez em quando, dá crepe em um.” (Gabriel, 31 anos).

“É um negócio… uma loucura! É um desespero!” (Fabiano, 32 anos).

→ 1. Introdução

As citações acima se referem a circunstâncias cotidianas de trabalho e falam de angústia, dor, medo, depressão… Se não fossem contextualizadas, poderiam facil-mente ser atribuídas a trabalhadores de fábricas de mais de um século atrás. No en-tanto, são trechos destacados de entrevistas recentes realizadas com pessoas que cos-tumam ser consideradas privilegiadas no mercado de trabalho. Todos são jovens que, tendo pouca ou nenhuma experiência anterior, foram admitidos em duas grandes

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montadoras de automóveis de origem japonesa instaladas no Brasil. Diferentemente da situação precária dos trabalhadores temporários, informais e desempregados que predominam nesse país, recebem, em dia, salários superiores à média da região onde trabalham e ainda contam com benefícios adicionais, tais como auxílio-alimentação e plano de assistência médica privada. Essas falas também parecem antagônicas a outro fato que se verifica na atualidade: o discurso de gestores de empresas, das pu-blicações da área de administração e da mídia, os quais costumam afirmar que os modelos de organização do trabalho estariam mais humanizados agora.

Por que, então, os trechos destacados acima parecem longe de expressar satisfação com o trabalho? Se fossem analisados à luz das concepções dominantes, eles pode-riam ser vistos como casos fortuitos. Entretanto, são falas cada vez mais freqüentes entre os trabalhadores brasileiros que buscam atendimento nos serviços de saúde pública. A partir do final da década de 1990 e, particularmente, nos últimos anos, pode-se constatar que eles vêm apresentando cada vez mais queixas relativas a pro-blemas de saúde mental relacionados ao trabalho.

Todavia, apesar de esse fato indicar que existe algo no próprio trabalho que pode estar provocando maior sofrimento e/ou adoecimento mental, as teorias mais tradi-cionais da psicologia e da psiquiatria, em sua maioria, tendem a olhar apenas para aspectos individuais – relacionados com genética, cognição, estrutura neurológica, es-trutura psíquica – e familiares, especialmente aqueles relacionados à vivência na pri-meira infância. Já os fatores ambientais e sociais que fazem parte do cotidiano na vida adulta, entre os quais o trabalho tem um grande peso, recebem bem menos atenção.

Esse tipo de perspectiva, que analisa as questões de saúde mental de forma a-his-tórica e abstrata (SPINK, 2006), acaba prevalecendo ainda nos dias de hoje, tanto no meio dos profissionais de saúde mental como no senso comum. Desse modo, coloca--se no indivíduo (ou na sua família) a ‘culpa’ por problemas que teriam origem no campo do trabalho, isentando os empregadores de qualquer responsabilidade.

Sendo assim, este capítulo será dedicado a uma discussão dos contextos de traba-lho predominantes na atualidade e sua possível relação com o comprometimento da saúde mental dos trabalhadores. Com base nos resultados de uma pesquisa realizada com trabalhadores de duas montadoras de automóveis de origem japonesa com fábri-cas no Brasil, buscaremos mostrar como, no que se refere aos modelos de organização do trabalho, a inovação está muito mais no nível do discurso empresarial do que na prática da gestão. Essa contradição entre discurso e prática traz conseqüências para a saúde mental dos trabalhadores conforme buscaremos mostrar.

Para a discussão apresentada aqui, vamos utilizar exemplos do trabalho em fábri-cas por serem mais elucidativos e porque, como nos lembra Salerno (2000), o setor in-dustrial (especialmente, as indústrias de ponta) costuma ser o pioneiro na introdução de mudanças organizacionais, que são posteriormente copiadas por outros setores da economia. Mas, desde já, deixamos claro que o que será apresentado neste capítulo

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diz respeito a uma ampla gama de trabalhadores, que vai muito além daqueles que estão inseridos nas indústrias.

→ 2. Flexibilização do trabalho: características e conseqüências

Para falar do tema proposto, é importante descrever algumas características do mode-lo de trabalho predominante na atualidade e do discurso gerencial que o acompanha.

Pode-se dizer que o modelo de produção inaugurado no Japão nos anos 1950 – conhecido como toyotismo, ohnoismo ou, ainda, lean production – tornou-se o pa-radigma para a organização dos processos de produção em praticamente todo o mundo ocidental na atualidade, incluindo o Brasil. Apesar de sua origem nipônica, o toyotismo costuma ser apontado como o sucessor do taylorismo-fordismo 1 no mundo ocidental, e freqüentemente é colocado como o símbolo da modernidade. Antunes (2010) nos oferece uma síntese que é bastante adequada para a compreensão dos prin-cipais traços constitutivos desse modelo de produção:

Ao contrário do fordismo, a produção sob o toyotismo é voltada e conduzida dire-tamente pela demanda. A produção é variada, diversificada e pronta para suprir o consumo. É este quem determina o que será produzido, e não o contrário, como se procede na produção em série e de massa do fordismo. Desse modo, a produção susten-ta-se na existência de estoque mínimo. O melhor aproveitamento possível do tempo de produção (incluindo-se também o transporte, o controle de qualidade e o estoque), é garantido pelo just in time. (…) O kanban, placas que são utilizadas para a reposição de peças, é fundamental, à medida que se inverte o processo: é do final, após a venda, que se inicia a reposição de estoques… (p. 26).

Vale dizer, no entanto, que, mesmo havendo uma predominância do toyotismo como padrão a ser seguido, o que se vê na atualidade é uma variedade de formas de or-ganização da produção e, conseqüentemente, de organização do trabalho, que podem misturar elementos de diferentes modelos, inclusive do taylorismo-fordismo. O que é importante destacar aqui é que os princípios desse modelo vêm ganhando cada vez mais espaço em diferentes ramos econômicos e setores, incluindo o serviço público.

Podemos dizer que, entre as várias proposições que podem ser identificadas com o toyotismo, foi a idéia de flexibilidade que ganhou maior destaque no discurso do

1 Essa é a denominação corrente para o modelo de organização do trabalho que une as propostas de Frederick Taylor e Henry Ford, a qual predominou por quase todo o século XX e ainda está presente em diversos contextos de trabalho. As principais características desse modelo são a separação entre concepção (que fica a cargo de um departamento de planejamento) e execução (que cabe aos trabalhadores) e a linha de montagem com postos de trabalho fixos, que possibilitou a produção industrial para consumo de massa.

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setor empresarial e é aquela que marca mais fortemente o contraste desse discurso em relação à vivência dos trabalhadores. Trata-se de uma noção polissêmica, que pode referir-se a diversos aspectos de uma empresa, desde estratégias de mercado até a ges-tão de pessoal (SALERNO, 1991; ZILBOVICIUS, 1999). Por isso, nas últimas décadas, tem sido comum ouvir expressões tais como ”organização flexível”, “especialização flexível”, “sistema flexível”… De acordo com Zilbovicius (ZILBOVICIUS, 1999), o pressuposto básico da idéia de flexibilidade adotada pelas empresas atualmente é que ela é tanto maior quanto mais se afasta do modelo taylorista-fordista e mais se apro-xima do toyotismo.

Segundo Blanch-Ribas et al. (2003), na atualidade, já existe um pressuposto assu-mido pelo senso comum e por autores da área de gestão empresarial de que “a flexi-bilização é uma espécie de estágio evolutivo da natureza das organizações produtivas (como a adolescência no ciclo vital dos seres humanos), ao qual não cabe fazer mais nada além de dar-lhe as boas-vindas e encaminhá-lo positivamente”. Entretanto, os autores também lembram que a utilização desse vocábulo não necessariamente diz respeito à existência de uma flexibilidade em “estado puro” e pode acontecer que “práticas inflexíveis recebam o rótulo de flexíveis e vice-versa”. Conforme afirmam Sayer e Walker (1992), “a indústria capitalista sempre combinou flexibilidades e in-flexibilidades” e o que se apresenta na atualidade é apenas uma maior tendência à flexibilidade. Para eles, não se deve dar uma atenção obsessiva à flexibilidade e sim observar mais especificamente as novas formas de divisão do trabalho que vêm se apresentando e os métodos utilizados para organizá-las.

Apesar de se apresentar como um modelo de organização da produção (OHNO, 1997), o toyotismo deve “articular intimamente as dimensões técnicas, sociais e econômicas do universo de produção” (VELTZ, ZARIFIAN, 1993). Assim, tal qual ocorreu no modelo taylorista-fordista, seu funcionamento também prevê mudanças na organização e nos contratos de trabalho. Estes aspectos são aqueles que nos inte-ressam particularmente, pois uma empresa “flexível” pressupõe uma conseqüente flexibilização das relações de trabalho, a qual possibilita uma intensificação da explo-ração dos trabalhadores. Essa flexibilização inclui aspectos tais como a introdução de banco de horas, a multifuncionalidade e a terceirização de serviços.

Outra característica da organização flexível do trabalho é que ela não se concen-tra apenas na exploração da força física e da habilidade do trabalhador, que era o principal objetivo do taylorismo-fordismo. Agora, sua criatividade e sua inteligência também passam a ter importância para o empregador, uma vez que se incluem entre suas ‘obrigações’ também a apresentação de sugestões de melhoria dos processos de produção. Mas, Unterweger (1992) não nos deixa esquecer que a intensificação do trabalho é ainda uma das “chaves do sucesso” desse modelo de produção. Segundo o autor, “entre outras técnicas, a intensificação é conseguida eliminando-se os períodos de ‘esperar dar o tempo’ no fim das atividades de trabalho e das operações das máqui-

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nas e obrigando-se os trabalhadores a continuar trabalhando alguns minutos dentro de suas pausas oficiais. O objetivo é conseguir que os trabalhadores tenham uma per-formance que abranja cada um dos sessenta segundos que compõem o minuto” (p. 9).

A partir de tais afirmações, é possível concluir-se que a flexibilidade proposta visa unicamente a atender os interesses do capital e é exatamente em relação a esse aspec-to que o discurso de gestão hegemônico na atualidade assume um papel primordial: ele serve para legitimar as mudanças na organização do trabalho, apresentando-as como um fenômeno natural (e, portanto, não passível de mudança), que traria bene-fícios também para os trabalhadores. Assim, surgem novas expressões – como, por exemplo, “organização que aprende” (learning organization), que é amplamente di-vulgada por Senge (2009) em um best seller – que passam a ser utilizadas em oposição às propostas de estruturas e papéis rígidos associadas ao taylorismo-fordismo, que dominaram esse tipo de literatura no decorrer no século XX. A idéia difundida é a de que a empresa moderna possibilita que seus empregados tenham uma inserção mais participativa na organização, deixando de ocupar o lugar de meros executores de tarefas predeterminadas para se tornarem “colaboradores”, que podem trabalhar em equipe e de quem se esperam opiniões e sugestões. Outro aspecto a ser destacado é que as publicações voltadas para área de gestão empresarial no Brasil são muito simi-lares àquelas editadas nos países europeus e nos Estados Unidos, evidenciando uma grande homogeneidade tanto nos aspectos focalizados como nos jargões utilizados. A idéia de flexibilidade, nesse novo contexto, se torna o centro dessas publicações.

De acordo com Boltanski e Chiapello (2009), a literatura de gestão empresarial “se mostra como um dos principais lugares de inscrição do espírito do capitalismo” e, desse modo, tem um papel normativo. Tomando como referência a noção clássica de Max Weber, mas deixando de lado a controvérsia que envolve a questão do pro-testantismo, os autores definem o “espírito do capitalismo” como um “conjunto de crenças associadas à ordem capitalista que contribui para justificar tal ordem e para sustentar, através da legitimação, os modos de ação e as disposições que são coerentes com ela”. Dizem eles:

Enquanto ideologia dominante, o espírito do capitalismo tem, teoricamente, a capaci-dade de penetrar em um conjunto de representações mentais próprias de uma época determinada, de infiltrar-se nos discursos políticos e sindicais e de proporcionar re-presentações legítimas e esquemas de pensamento aos jornalistas e pesquisadores, de tal forma que sua presença é, ao mesmo tempo, difusa e generalizada (p. 94).

Assim, não é por coincidência que esses autores evidenciam que as publicações de gestão empresarial possuem uma tendência predominantemente prescritiva, apre-sentando uma organização que gira em torno de um número limitado de temas ‘do momento’. Esses temas são repetidos inúmeras vezes por meio de uma linguagem

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leve e traduzidos em exemplos variados e citações diversas, mas nunca apresentam estudos exaustivos (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009).

Sendo, então, a maior expressão do atual espírito do capitalismo, as publicações voltadas para a área empresarial juntamente com a mídia assumem a função de atri-buir e divulgar uma imagem positiva das relações de trabalho ‘flexíveis’, contribuin-do para a incorporação de novas representações (LINHART, 2000), nas quais o con-flito capital-trabalho teria sido superado. De acordo com Dejours (2007), dessa for-ma, também se consegue importar para o interior das empresas práticas publicitárias que, antes, eram direcionadas exclusivamente para os clientes externos. Pretende-se, assim, atestar para os próprios trabalhadores sua satisfação e sua felicidade com o trabalho, negando o sofrimento que ele produz.

Todavia, defendemos aqui que o contraste entre a ênfase em aspectos positivos contida nesse discurso e a vivência dos trabalhadores de uma exploração cada vez mais intensa de sua força de trabalho coloca-os em uma situação propícia para o sofrimento e o adoecimento psíquico. Então, para discutir esse contraste, vejamos algumas características da vivência dos trabalhadores.

→ 3. A vivência real dos trabalhadores e seu contraste com o discurso gerencial

Conforme apontado no início do capítulo, as características das vivências de muitos trabalhadores brasileiros inseridos em grandes empresas estão longe da conotação po-sitiva enfatizada no discurso de gestão e são similares àquelas identificadas desde a dé-cada de 1990. Gorgeu e Mathieu (1996), por exemplo, observaram que as montadoras e as indústrias de autopeças que se instalaram na França na década de 1990 procura-ram regiões de tradição rural, que ficavam distantes dos centros industriais tradicio-nais. Eles adotavam processos de seleção bastante rígidos, nos quais, além de serem avaliadas as qualidades “naturais, intelectuais e comportamentais” dos candidatos, incluíam-se critérios ideológicos, que eliminavam trabalhadores mais velhos e aqueles que vinham de regiões com maior tradição sindical ou que já haviam trabalhado em empresas onde os conflitos eram mais freqüentes (GORGEU, MATHIEU, 1996).

Unterweger (1992) também afirmava há mais de duas décadas que a seleção de pessoal era uma das principais estratégias das empresas que adotam o sistema ja-ponês para se contrapor à organização sindical e observamos que suas constatações continuam bastante atuais. Desse modo, não é por acaso, que, em geral, buscam-se trabalhadores jovens e sem experiência prévia. Sem conhecer as “regras do jogo” e sem organização coletiva, esses trabalhadores tendem a se submeter às imposições da organização do processo de trabalho como se elas fossem naturais. No caso das indústrias automobilísticas focalizadas na pesquisa que subsidia este capítulo, os tra-balhadores disseram que, ao se candidatarem a um posto de trabalho, passaram por processos seletivos bastante rigorosos que lembravam mais a inquéritos policiais do

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que seleção para emprego. Tais processos incluem entrevistas nas quais se deve res-ponder a várias perguntas sobre a “vida trabalhista e pessoal nos mínimos detalhes 2”, as quais são repetidas diversas vezes em diferentes momentos “pra ver se (o candidato) não entra em contradição”. A inclusão de critérios ideológicos nos processos seletivos, principalmente aqueles relacionadas ao tipo de socialização prévia também costuma ser incluído entre os itens verificados na seleção. Um sindicalista afirmou que, há alguns anos, ouviu explicitamente do diretor de uma empresa que “pessoas que já tra-balharam em metalúrgica (…) trazem vírus pra fábrica” 3. Além da socialização prévia, as características individuais também parecem ter grande peso na seleção. Segundo Unterweger (UNTERWEGER, 1992), as empresas têm buscado, basicamente, “pessoas inteligentes, com iniciativa e espírito pró-empresa”. Assim, eles são capazes de colabo-rar com sugestões para o processo de produção sem questionar as relações de trabalho e os objetivos da empresa.

No cotidiano laboral, busca-se, sobretudo, garantir o engajamento dos trabalha-dores aos interesses vinculados exclusivamente aos objetivos empresariais, que, em geral, diz respeito à produção e à venda de produtos. A avaliação individual periódica é um instrumento mais utilizado para isso. Nelas, é levado em conta, principalmente, o engajamento e o empenho de cada um em ir além das atividades básicas que lhe são designadas. Um trabalhador relatou o seguinte:

No ano passado, um colega chegou pra mim e disse o seguinte: “Você acredita que o chefe fez uma avaliação pra mim e falou: Olha, eu não tô dando uma nota 100% pra você porque você só faz o necessário! Você tem que fazer mais pra empresa!” Não é apenas fazer só o que você tem que fazer, por exemplo, fazer a limpeza do pára-choque. (…) Além disso, você tem que limpar o chão, olhar um problema… Você não pode ser só um funcionário. Tem que ser funcionário e mais um pouco.

Outro fez um relato muito similar, dizendo que:

não pode só trabalhar bem. Não pode! Lá [na empresa], você não é julgado só pela sua forma de trabalho (…). Você tem que englobar uma série de coisas. Trabalhar bem, precisa também, mas tem que dar o sangue lá e você não pode ter boca pra nada.

2 No decorrer do texto, utilizaremos algumas citações de falas de trabalhadores, que serão destacadas em itálico e entre aspas.3 Isso porque, da mesma forma que em outros países ocidentais (SILVER, 2003), historicamente, essa sempre foi a categoria que possuía os sindicatos mais organizados no Brasil.

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Tanto a bibliografia como os relatos dos trabalhadores citados aqui indicam que a capacidade de seguir fielmente a filosofia da empresa é um dos aspectos mais en-fatizados nos modelos de trabalho predominantes na atualidade. E é com relação a esse aspecto que o discurso gerencial ‘sedutor’ ganha relevância, pois é por meio dele que se busca garantir o engajamento dos trabalhadores. Assim, hoje em dia, é raro observar trabalhadores sendo designados como empregados, funcionários ou operários pelas empresas. O termo utilizado é “colaborador” ou até “associado”, que teriam a finalidade de divulgar a idéia de que o trabalhador não é apenas uma pessoa que está vendendo sua força de trabalho, mas alguém que faz parte da empresa, ou melhor, da “família-empresa X”… E vale destacar que a imagem utilizada é de uma família idealizada, sem conflitos, na qual a harmonia e a ordem prevalecem. Assim, fica evidente que a proposta de engajamento dos trabalhadores nessa “família” visa apenas a desmobilizar uma possível organização coletiva contra os interesses empre-sariais. Devemos destacar que essa busca de compromisso do conjunto dos trabalha-dores com a empresa também é reforçada pelo estabelecimento de metas coletivas, que induzem um trabalhador a controlar o outro (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009; VOGEL, 2003; PERRAUD, 1998).

Essas características indicam que a forma como as empresas buscam exercer o domínio sobre seus empregados assume características peculiares na atualidade. Elas incluem um misto de técnicas que visam, sobretudo, àquilo que Linhart (2009), cha-ma de “controle da subjetividade”. Observa-se, assim, uma sofisticação das formas de poder das empresas, uma vez que o interesse não está mais apenas nos corpos dos trabalhadores, mas, também, nas suas mentes 4. E é no discurso que está a principal arma utilizada na busca do domínio subjetivo ao legitimar as formas de dominação adotadas no cotidiano de trabalho, apresentando-as positivamente.

Tal contexto traz conseqüências para a saúde dos trabalhadores que vivenciam velhas e novas formas de adoecimento e sofrimento, conforme discutiremos a seguir.

→ 4. A vivência dos trabalhadores no contexto atual e sua saúde mental

Os mecanismos de controle utilizados pelas empresas ficam evidentes nas falas de muitos trabalhadores ao descreverem situações do cotidiano de trabalho. Suas falas denunciam a vivência de exploração acentuada, física e mental, a que estão submeti-dos e, nesse sentido, expressões como “assédio moral” e “pressão psicológica” são bas-tante freqüentes, bem como a referência a uma cadência de trabalho “insuportável”.

4 Nesse sentido, Linhart (2000) lembra que a institucionalização do controle e da pressão sobre os tra-balhadores dentro do próprio processo de trabalho promovido pelo taylorismo-fordismo foi um imenso ganho de poder para as empresas e, apesar de todo o discurso atual referente à autonomia, elas não têm nenhum interesse em perdê-lo, e querem, sim, aperfeiçoá-lo.

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Os temas mais enfatizados pelos mais diversos trabalhadores na atualidade são o excesso de responsabilidades (com a conseqüente pressão) e o ritmo de trabalho ex-tremamente acelerado. Tais aspectos parecem demarcar os reais objetivos que estão por trás do discurso de humanização que acompanha a idéia de flexibilidade predo-minante na atualidade.

O Excesso de Responsabilidades e a Humilhação Cotidiana

Podemos dizer que, na atualidade, é comum que os trabalhadores de chão de fá-brica assumam responsabilidades que extrapolam em muito as atribuições típicas dos “operários” de épocas passadas, conforme exemplifica de forma brilhante o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin. Agora, além das tarefas manuais comuns nas fábricas, os trabalhadores devem elaborar sugestões de melhorias para os produtos e para a produção, além de serem responsáveis pelo controle de qualidade dos pro-dutos, por realizar treinamento de novos colegas e até por questões que antes seriam atribuição exclusiva da gerência, como a busca de providências para a reposição de peças ou reparo de equipamentos. Apesar disso, o engajamento dos trabalhadores com a empresa também fica evidente na fala de um deles, o qual afirma que, por di-versas vezes, foi trabalhar com febre “porque não tinha ninguém disponível pra ficar no [seu] posto de trabalho”. Outro enfatiza que é “muita pressão psicológica em cima da gente. Porque a política de qualidade é muito rígida”.

Em uma conversa com um grupo de trabalhadores de uma empresa, eles relata-ram uma situação cada vez mais rotineira. Segundo disseram, quando ocorre um erro mais crítico, devem assinar um termo de responsabilidade, sendo que aqueles que chegam a cinco desses termos são demitidos. Caso tenham um posto de trabalho diferenciado, também podem ser transferidos para outro pior. Esse constrangimento coletivo é destacado por diversos trabalhadores e, segundo um deles, “a humilhação é um fato que acontece quotidianamente” e uma forma bastante referida foi a prática de discutir as falhas ocorridas na produção em reunião da chefia com todos os funcioná-rios do setor. Um trabalhador diz o seguinte em relação a essa questão:

Acontecia um problema, não tinha aquele fato costumeiro que tem no Brasil, que é o superior que chama na salinha, conversa com o funcionário numa boa, pergun-ta porque aconteceu, conversa sobre os problemas e tenta achar uma solução. O que acontecia era uma reunião no final do expediente, quarenta funcionários, todo mundo esgotado, cansado e aí o superior vinha, chamava a atenção do funcionário na frente de todos os outros.

Podemos afirmar que essa “pressão” referida por trabalhadores faz parte dos me-canismos utilizados cotidianamente por muitas empresas para conseguir que seus

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objetivos de produção sejam atingidos. Tais características da organização do tra-balho se configuram como formas sofisticadas de “violência psicológica” (HIRI-GOYEN, 2009), que afetam a saúde mental dos trabalhadores. Contudo, são apresen-tados como formas mais ‘lúdicas’ ou ‘participativas’ de gerenciamento.

Mas o ritmo acentuado de trabalho e a pressão por produção referidas freqüen-temente por trabalhadores revelam que seu corpo também está exposto à violência, o que acaba tendo reflexos na sua saúde mental (SELIGMANN-SILVA, 2011). Não falamos aqui de agressões diretas de um indivíduo sobre outro, mas da imposição de um ritmo de trabalho que desrespeita os limites físicos do ser humano.

A Imposição do Ritmo de Trabalho

Para enfatizar a intensidade do ritmo de trabalho a que estão submetidos nas linhas de montagem, os trabalhadores descrevem impossibilidade de atendimento a neces-sidades humanas básicas, como tomar água ou ir ao banheiro. Um deles afirma que “a maioria das pessoas, principalmente na linha de montagem, (…) tem que levar uma garrafinha com água” para beber no seu posto de trabalho, mesmo tendo um bebedou-ro a poucos metros, porque a cadência da produção não permite que elas se afastem nem por alguns segundos. Outro é ainda mais enfático ao falar da “correria” que se impõe aos trabalhadores:

Então, é um negócio… uma loucura! (…) É um desespero. É nego correndo pra tomar água. O outro, deu problema na peça lá, tem que correr pra trocar o bico da pontiadera. Corre lá porque não pode perder tempo! (…) é um ritmo totalmente… desespero. Tanto que (…) na hora de almoçar, eles querem que o pessoal vá andando, não pode correr, mas os caras falam: “Trabalhei correndo o dia inteiro, por que pra almoçar tem que ir andando?!…”. É uma loucura!

Devemos esclarecer que, apesar de o discurso gerencial enfatizar que, hoje, há mais espaço para a participação do trabalhador, eles não têm nenhuma possibilidade de interferir ou opinar sobre as metas de produção. O trabalho continua a ser pres-crito e as metas de produção a serem estabelecidas por um setor de planejamento e cabe aos trabalhadores atingi-las. Desse modo, tais metas, em geral, não respeitam os limites de cada um, gerando, além de doenças como LER/DORT, também uma grande ansiedade e um intenso sofrimento psíquico.

Os trabalhadores dizem que o estabelecimento de metas cada vez mais difíceis de serem atingidas provoca “desgaste na cabeça, que é horrível, é horrível…”. Tal situ-ação é ainda agravada pela dificuldade em conciliar as elevadas metas de produção com a responsabilidade por manter o nível de qualidade exigido. Um deles resume sua percepção de como as empresas buscam o maior aproveitamento possível de cada

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um dos seus empregados ao afirmar que “se um puder fazer os processos de dois, isso vai ser implantado”.

As empresas também recorrem ao discurso da ”igualdade” para justificar o esta-belecimento do ritmo de trabalho a partir dos parâmetros dos trabalhadores mais rápidos. Um deles diz que os chefes “acham que porque eu sou capaz de fazer, o outro do meu lado é capaz também (…) eles falam lá que não existe diferença: se fulano fez, ciclano fez, beltrano tem que fazer também!”. No entanto, apesar do discurso da igual-dade, o principal instrumento de que as empresas se valem continua sendo a ameaça de demissão, já que todos são indiretamente lembrados que, se falharem, há milhares de outros querendo seu lugar. A fala de um trabalhador afastado das suas atividades por doença do trabalho expressa a consciência de que seu adoecimento é decorrente de uma vivência de extrema exploração:

Pra mim, é que nem escravidão, só que escravidão oculta. O cara é escravo e o cara não percebe que ele é escravo. Ele vai lá e ganha aquele salário dele lá. Só que ele trabalha por dois ou três, entendeu? Era pra dois caras estar trabalhan-do ali, ele trabalha dobrado e tá todo contente com aquilo. Aí depois vêm as conseqüências. O cara fica doente, começa a aparecer os problemas, o cara não sabe o que tá acontecendo com ele.

Infelizmente, essa consciência tardia sobre a relação entre trabalho e adoecimento é o que mais se observa nos serviços públicos de saúde do trabalhador.

→ 5. O adoecimento físico e mental dos trabalhadores

O excesso de responsabilidades e a intensificação do ritmo de trabalho associados a um discurso que visa dissimular essa realidade torna o trabalho bastante prejudicial para a saúde física e mental daqueles que o executam. Os trabalhadores que parti-ciparam da pesquisa citada aqui estão longe de se referir a vivências prazerosas e a predominância de falas referentes a casos e situações de sofrimento e de adoecimento indica que este é um dos aspectos mais preocupantes do seu trabalho. Podemos dizer que expressões como “ritmo alucinante”, “trabalho incessante”, “loucura”, “desespero”, “estresse”, “depressão”, referidas nas citações que iniciaram este capítulo são cada vez mais comum nos relatos de trabalhadores ao descreverem sua vivência laboral.

Assim, se a intensificação e o parcelamento do trabalho introduzidos nos siste-mas de produção pelo modelo taylorista-fordista sempre foram vistos como fontes de risco para a saúde dos trabalhadores, a organização flexível agrega-lhes ainda outros fatores negativos para a saúde dos trabalhadores. Linhart e Linhart (1998) afirmam que, nesse contexto, as empresas estabelecem relações de trabalho bastante perversas com seus empregados, pois, na medida em que estão impregnadas de contradições,

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mantêm os trabalhadores em “um estado de inquietude permanente” que os expõe a um “sofrimento psíquico bem real”. Tais contradições são agrupadas pelos autores em duas categorias. A primeira seria de ordem simbólica e psicológica “uma vez que os trabalhadores se encontram presos a papéis conflitantes”: por um lado são apenas tarefeiros que devem obedecer a uma organização do trabalho prescritiva e codificada e, por outro, são atores que devem participar e se destacar para serem bem avaliados nas entrevistas individuais. A segunda ordem de contradição tem como palavra-chave a “responsabilização” referente à qualidade do trabalho realizado e aos prazos estabe-lecidos, sem que o trabalhador tenha liberdade para tomar decisões. Os indivíduos ficam, assim, divididos “entre as exigências ligadas às novas formas de trabalho (…) e as limitações mais importantes de sua ação” (LINHART, 2000, p. 34).

Tais fatos podem ser claramente identificados nas falas de trabalhadores (BERNAR-DO, 2009). Eles relataram casos – que dizem respeito a eles próprios ou a colegas – de problemas psíquicos decorrentes da vivência de trabalho. Um trabalhador disse o se-guinte: “O problema [da pressão] não é só… só o seu corpo… é sua mente também: A hora que você vai ver, você tá ficando meio lelé!”. E outro complementa: “Afeta sua mente também porque é muito estressante. É pressão, é cobrança…”. Desse modo, ao invés de superar os aspectos adoecedores do trabalho, as características dos modelos de organi-zação do trabalho predominantes na atualidade, com sua suposta flexibilidade, produ-zem um acréscimo de fatores geradores de sofrimento e adoecimento físico e mental.

Vale, ainda, dizer que, além das dores musculares e do sofrimento/adoecimento psí-quico já poderem se constituir como problemas graves, a forma como essas questões são abordadas pelos setores de Recursos Humanos e de Saúde das empresas agrava ainda mais a situação daqueles que estão doentes, uma vez que, raramente, os empre-gadores admitem que o trabalhador adoeceu em decorrência da sua atividade laboral. Segundo um representante sindical, “mesmo que ele [trabalhador] tenha provado na justiça que machucou lá dentro, a empresa não admite! (…) Eles duvidam até da ca-pacidade do médico que avaliou o operador”, pois existe um interesse deliberado das empresas em evitar “passar uma imagem que a elas têm um monte de gente doente!”. Em tal conjuntura, os médicos das empresas também são vistos com bastante desconfiança pelos trabalhadores, uma vez que são peças-chave na descaracterização do nexo dos problemas de saúde com o trabalho.

→ 6. Considerações finais

Com o que foi discutido neste capítulo, buscamos mostrar como o discurso da gestão empresarial predominante na atualidade – que busca mostrar uma valorização dos trabalhadores e uma maior humanização do trabalho em relação aos modelos ante-riores – está distante daquilo que é vivenciado no cotidiano de trabalho. Há muitos autores, sobretudo na área de Ciências Sociais, que mostram que o que se busca com

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os novos modelos de gestão é aprimorar a exploração da força de trabalho de forma a adequá-la às características atuais do capitalismo globalizado. Nessas circunstân-cias, o discurso empresarial desempenha um papel fundamental na medida em que se configura como uma forma de obter o controle simbólico que vai “legitimar” o poder (BIHR, 1998) por meio da divulgação do “novo espírito do capitalismo” (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009). Tal discurso busca ocultar o conflito de interesses que está na base das relações de trabalho, anunciando que as ‘novas’ formas de organização pos-sibilitam que todos – desde os trabalhadores do chão de fábrica aos donos dos meios de produção – compartilhem os mesmos objetivos. Para isso, ele perverte os sentidos originais atribuídos a temas caros aos trabalhadores – tais como ‘participação’ e ‘au-tonomia’ – de forma a justificar a introdução de novas práticas que intensificam ain-da mais a exploração. Daí, a ênfase em concepções tais como “visão compartilhada” (SENGE, 2009), ‘família-empresa’ e ‘igualdade’.

Desse modo, assim como faz o personagem de Lampedusa 5, o discurso empresa-rial também proclama uma mudança que visa apenas a que as relações entre Capital e Trabalho permaneçam como sempre foram. Conclui-se, então, que a tão propalada flexibilidade está presente de forma muito mais marcante no discurso do que nas prá-ticas de gestão do trabalho. Trata-se de um ‘discurso flexível’ que visa a negar a dura realidade imposta aos trabalhadores.

No entanto, a contradição entre discurso e prática tem conseqüências extrema-mente danosas para a saúde mental dos trabalhadores. É interessante observar que a vivência decorrente dessa assimetria entre o que é dito e o que é efetivamente colo-cado em prática lembra a situação descrita por Bateson há mais de meio século (BA-TESON et al., 1956). Referindo-se, especialmente, às relações familiares, esse autor argumenta que a situação comunicativa em que uma pessoa recebe sistematicamente mensagens contraditórias (por exemplo, a mãe que diz que ama o filho, mas tem com-portamentos agressivos recorrentes) poderia levar à esquizofrenia. Trata-se de uma teoria controversa que não é defendida aqui, mas não há como negar que a recepção recorrente de mensagens contraditórias de uma fonte que tem importância para nos-sas vidas produz sofrimento e esse parece ser o caso da relação das empresas com os trabalhadores no contexto atual.

Para finalizar, é importante enfatizar mais uma vez que, apesar de ter se inicia-do nas fábricas, sobretudo, nas montadoras de automóveis, a lógica gerencial apre-sentada aqui tem se expandido para os mais diversos setores, incluindo alguns que não poderiam sequer ser imaginados até algum tempo atrás, como a saúde pública (BERNARDO, VERDE, GARRIDO, 2013) e o setor acadêmico nas grandes univer-

5 No clássico Il Gattopardo de Lampedusa, Tancredi Falconeri, um aristocrata siciliano do século XIX, adere ao discurso do movimento de luta contra a sociedade que lhe propiciava sua posição social privile-giada exatamente com o objetivo de mantê-la.

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sidades públicas (BLANCH-RIBAS, CANTERA, 2011; BERNARDO, 2013). Segundo Boltanski e Chiapello (2009), trata-se de um “novo espírito do capitalismo”, que, in-clusive, vai além da vivência de trabalho, pois se amplia para todas as esferas da vida.

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CAPÍTULO 10

O assédio moral como estratégia de gerenciamento: solicitações da forma atual de gestão

Lis Andréa SobollAna Carolina Horst

→ Introdução

Passou o tempo em que as empresas simplesmente podiam considerar que o assé-dio moral não passava de uma bandeira sindical sem correspondência na realidade. Transcorridos mais de 10 anos de pesquisas e intervenções direcionadas a essa pro-blemática no Brasil, o assédio moral tornou-se bastante conhecido entre trabalha-dores e também entre aqueles que representam os interesses organizacionais. Isso decorre, dentre outros aspectos, das recorrentes demandas na Justiça do Trabalho e no Ministério Público do Trabalho espalhadas por todo o país, as quais evidenciam que o assédio moral é um problema no cotidiano do trabalho que transcende discur-sos de grupos ou de pessoas.

Entende-se aqui o assédio moral como uma prática de hostilização continuada, que transcende a relação entre uma vítima e um agressor, a qual está potencializada pelo contexto da gestão atual. Portanto, o assédio moral não é um desvio organiza-cional deste momento histórico, mas um processo que acompanha a atual forma de gestão, tendo em vista a predominância de valores pautados na ideologia da excelên-cia e no individualismo, marcado pelas cobranças sempre crescentes, pelos mecanis-mos de controle sutis da subjetividade e pela degradação das relações.

Esse texto dá ênfase ao assédio moral quando este é utilizado como uma estratégia de controle e gerenciamento do trabalho e dos trabalhadores, destacando os aspectos

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da atual forma de gestão que compactuam e por vezes solicitam estas práticas. Por fim, destacam-se algumas considerações breves sobre as intervenções direcionadas a esta problemática.

As análises e problematizações apresentadas aqui decorrem de uma trajetória de pesquisa e de intervenção em empresas e sindicatos, iniciada em 2003, a qual permite uma análise articulada entre elementos da realidade e proposições acadêmicas. Este texto é essencialmente teórico, mas pauta suas considerações também nas experiên-cias de análise e intervenções realizadas em situações de realidade 1.

→ Assédio moral: esclarecimentos iniciais

É necessário ressaltar, de antemão, que este texto distancia-se da vertente que locali-za o assédio moral como um problema entre uma vítima e um agressor, analisando perfis individuais, sem dar a devida relevância aos aspectos sociais, históricos e or-ganizacionais envolvidos. As responsabilidades com relação às práticas de assédio moral devem, seguramente, contemplar indivíduos; entretanto, precisam alcançar também a organização enquanto ambiente que propicia e estimula, em muitos casos, tais práticas (Gosdal e Soboll, 2009).

Considera-se aqui que o assédio moral é:

um processo grave e extremo de violência psicológica, que acontece de maneira conti-nuada e repetitiva no contexto de trabalho e que produz efeito de humilhação, ofensa e constrangimento. No cotidiano organizacional este processo aparece no uso cronificado de práticas insistentes, perturbadoras, rudes e hostis, que se efetivam por ação ou omis-são (isolamento), concretizados em gestos, palavras (escritas ou faladas) e comporta-mentos ou procedimentos explícitos, camuflados ou silenciosos (SOBOLL, 2011, p. 40).

Atos hostis continuados e repetitivos no contexto do trabalho, que causam cons-trangimento ao trabalhador, são elementos que caracterizam o assédio moral. Não se configuram como assédio moral as agressões pontuais, eventuais e esporádicas, que não se apresentam de maneira recorrente e persistente.

Estudos iniciais (Leymann, 1996) submetiam a ocorrência do assédio moral à existência de agressões com freqüência semanal, por no mínimo seis meses. Entre-tanto, pesquisas mais recentes (Hirigoyen, 2002; Einarsen, Hoel, Zapf & Cooper,

1 Atualmente, as pesquisas têm sido desenvolvidas por meio do grupo de pesquisa “Trabalho e Pro-cessos de Subjetivação”, certificado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e registrado no CNPq. As intervenções são realizadas em empresas privadas, organizações públicas e sindicais, por meio de atividades de consultoria organizacional, formalizadas pela Consciência Consultoria. Tanto as pesquisas como as intervenções são coordenadas pela Profa. Lis Soboll ([email protected]).

O ASSÉDIO MORAL COMO ESTRATÉGIA DE GERENCIAMENTO | 185

2003) indicam ser necessária apenas a constatação do caráter processual, prolongado e sistemático, sem seguir um padrão de duração e repetição pré-definidos.

Vincent de Gaulejac (2007) destaca que o assédio moral gera a degradação das condições de trabalho, tornando o trabalhador mais suscetível a ter sua dignidade afetada, assim como a ter prejuízos na saúde física e mental e no futuro profissional. Os danos físicos e psicológicos advindos dessa vivência são importantes indicadores da necessidade de desenvolvimento de intervenções que, de fato, oportunizem qua-dros de transformação da realidade no contexto organizacional. Entretanto, não são todos os trabalhadores que adoecem em virtude de um processo de assédio moral. A incidência do adoecimento surge, portanto, como um indicador complementar do assédio moral, isto é, a ausência de adoecimento não descaracteriza a ocorrência do assédio moral (Soboll, 2011).

Alguns autores (Hirigoyen, 2002; Freitas, Heloani e Barreto, 2008) apontam a in-tencionalidade como um elemento essencial na conceituação do que é assédio moral. Entretanto, é delicado adotá-la como critério definidor do assédio moral uma vez que sua aferição é difícil e subjetiva (Gosdal e Soboll, 2009). Ainda assim, aquele que incide em práticas de assédio deve responder por suas responsabilidades em relação aos atos praticados, independentemente da intenção de prejudicar o colega de traba-lho (Soboll, 2011). Reafirmando as considerações de Einarsen e colaboradores (2003), a prática repetida de ações hostis nos casos de assédio moral pode ser deliberada ou não, com ou sem a intenção de ofender. No assédio moral, mesmo que as hostilidades sejam constantes e prolongadas, estas podem acontecer de forma não intencional, e até inconsciente, quando a agressividade surge como uma defesa psíquica (Dejours, 1999; Gosdal e Soboll, 2009). Conceitualmente o importante é que sejam observados o caráter processual e os efeitos de humilhação, ofensa e constrangimento, indepen-dentemente da intenção de causar dano ou de ser hostil.

Incide na mesma condição de independência o tipo de contrato de trabalho que vincula o trabalhador a uma organização. Trabalhadores efetivos, temporários, es-tagiários, terceirizados e até mesmo consultores ou prestadores de serviços, sem vínculo direto com a empresa podem estar envolvidos nestas práticas. Além disso, o assédio moral pode envolver qualquer trabalhador na estrutura hierárquica da organização: pode ocorrer entre colegas (assédio horizontal), de subordinados para superiores (assédio ascendente), de supervisores para subordinados (assédio descen-dente) e simultaneamente entre pessoas de diversas hierarquias em relação ao alvo das agressões (assédio misto).

A desigualdade de poder não é um critério para a caracterização do assédio moral (Soboll, 2011). O desequilíbrio na relação de poder, entretanto, apresenta-se como uma resultante (Hirigoyen 2002; Einarsen, Hoel, Zapf e Cooper, 2003), isto é, “no decorrer do processo de assédio aquele que é agredido é progressivamente colocado numa situação de inferioridade e de dificuldade de se defender, independentemente

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de sua posição formal na hierarquia da empresa ou de sua condição na relação no início do assédio” (Soboll, 2011).

Algumas alterações no contexto do trabalho são indicadores de possíveis proces-sos de assédio moral: alterações no padrão comunicacional, nos contatos pessoais, na reputação do trabalhador, na situação ocupacional e no estado de saúde, tendo em vista que esta prática degrada as relações dado o ambiente hostil, insidioso e estres-sante de trabalho ou por processos de perseguição, desprezo e humilhações públicas (Soboll, 2011).

As repercussões na saúde do trabalhador, embora algumas pessoas possam não adoecer, estão entre as principais conseqüências das práticas de assédio moral, apre-sentando-se na forma de adoecimentos severos ou em alterações psicossomáticas que camuflam o nexo entre as práticas vivenciadas e os efeitos na saúde. Alguns agravos à saúde relacionados a estas práticas: menos energia e vitalidade (Vaez et al., 2004); tensões musculares, impossibilidade de descansar, palpitações e tontura (Davenport et al., 1999); problemas psicossomáticos e doenças físicas (Einarsen e Raknes, 1995; Niedl, 1995; Zapf et al., 1996); aumento no nível de estresse do indivíduo (Einar-sen, 2003); ansiedade e depressão (Di Martino et al., 2003); comportamentos hete-roagressivos e autoagressivos (Nidle, 1995); ansiedade e transtorno do estresse pós--traumático (Leymann; Gustafsson, 1996); incapacidade para o trabalho e suicídio (Groeblingshoff; Becker, 1996).

Portanto, as características definidoras do assédio moral que sempre estão pre-sentes são:

■ Atos hostis, repetitivos e prolongados; ■ Que tenham sido realizados no contexto de trabalho.

Temos como elementos complementares e que podem estar presentes nos casos de assédio moral, mas nem sempre estão:

■ Desigualdade de poder; ■ Alterações na saúde;■ Intencionalidade.

Alguns exemplos de situações, que quando repetitivas e articuladas com atos hos-tis, podem caracterizar o assédio moral:

■ Exclusão: todos são chamados para uma reunião e um determinado trabalha-dor é deixado de fora, embora faça parte daquele coletivo de trabalhadores;

■ Constrangimento: brincadeiras insistentes que rebaixam e humilham a pessoa;■ Retirada de ferramentas ou instrumentos de trabalho: a pessoa fica sem ati-

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vidades no trabalho ou sem acesso aos meios necessários para a execução das atividades;

■ Dão ordens diferentes e trocadas, que mudam o tempo todo, confundindo a pes-soa e fazendo com que ela erre no desenvolvimento do trabalho, prejudicando-a;

■ Para fazer a pessoa “se dar mal”, exigem que faça trabalhos muito difíceis ou impossíveis de dar certo, para que ela seja responsabilizada e culpada por erros; 

■ Imposição de limites desnecessários e exagerados, por exemplo, fazer controle do tempo do uso do banheiro;

■ Pressões exageradas: a empresa ou os chefes pressionam muito e de maneira grosseira, exigem muito trabalho ou tarefas difíceis em pouco tempo, ameaçam ou gritam com trabalhadores de um grupo ou setor;

■ Exposição (em edital, reuniões coletivas, e-mails) de trabalhadores que não estão apresentando bons resultados, como uma maneira de chamar atenção e deixar a pessoa envergonhada, objetivando melhor produtividade por constrangimento;

■ A empresa solicita muitas tarefas, todas de uma vez, e não respeita o tempo ne-cessário para que sejam feitas. O gerente exige os resultados e ameaça de demis-são aqueles que não conseguirem atingir o resultado.

Para melhor compreensão das situações da realidade, considera-se didaticamente que o assédio moral se expressa em dois tipos principais, em relação às suas caracte-rísticas estruturais: assédio moral interpessoal e assédio moral organizacional. Esta classificação contempla os resultados de recentes pesquisas européias (Einarsen et al., 2003) e também brasileiras (Araújo 2006; Soboll, 2006; Gosdal e Soboll, 2009). Embora sejam tipos distintos, estes não são excludentes, isto é, podem ocorrer os dois tipos de assédio moral de maneira concomitante na realidade.

A seguir, serão abordadas as especificidades de cada tipo de assédio moral, desta-cando como estes podem ser mecanismos de controle e gestão do trabalho.

→ Assédio moral interpessoal e assédio moral organizacional: sua aplicação como estratégia de gestão

O assédio moral, ao longo dos estudos realizados por pesquisadores brasileiros e es-trangeiros, foi apresentado a partir de diferentes concepções, desde o final da década de 70. Inicialmente o assédio foi definido como uma prática interpessoal em que uma pessoa “perversa” passava a exprimir comportamentos hostis em relação a outro tra-balhador no contexto de trabalho, de maneira insistente e persecutória (Leymann, 1990; Hirigoyen, 2002).

Pesquisas mais recentes demonstraram, contudo, que práticas hostis, humilhan-tes e constrangedoras estão sendo largamente utilizadas por organizações como uma estratégia de gerenciamento do trabalho e dos trabalhadores. Esta constatação fez

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com que o termo assédio moral tivesse sua compreensão ampliada, conforme a apli-cação do termo feita pelos próprios trabalhadores nos locais de trabalho (Einarsen et al., 2003; Araújo, 2006; Soboll, 2006).

Para ataques pessoalizados e marcados por perseguições individualizadas desti-na-se o termo assédio moral interpessoal. Para hostilizações voltadas ao coletivo, associadas às políticas organizacionais (da empresa ou do gerente) usa-se o termo assédio moral organizacional.

→ Assédio interpessoal: ataques ao indivíduo, mensagens ao coletivo

O assédio moral interpessoal pode ser conceituado como:

Um processo contínuo (repetitivo e prolongado) de hostilidade e/ou isolamento, di-recionado a alvos específicos (geralmente um ou poucas pessoas, mas sempre as mes-mas), com o objetivo de prejudicar, podendo ter como efeitos descompensações na saúde […]; alterações nas condições gerais de trabalho; desligamento […] ou mudança na função (Schatzmam et al., 2009, p. 19).

Desse modo, o assédio moral interpessoal envolve ataques contínuos, pessoaliza-dos, que atentam contra a dignidade ou integridade psíquica, pelo uso de armadilhas, sutis ou explícitas, premeditadas e direcionadas sempre às mesmas pessoas, isto é, é um processo direcionado e pessoal (Soboll, 2011).

Cumpre-nos destacar ainda que, embora o alvo das agressões no assédio moral interpessoal seja uma ou mais pessoas em específico, o resultado atinge o coletivo. A prática tem efeito de controle sobre o coletivo de trabalhadores uma vez que instala o medo de maneira generalizada. Dessa forma, tem efeito de gestão mobilizada pelo medo. Nestes casos, toda vez que alguém é hostilizado publicamente, de maneira su-til ou explícita, uma mensagem é emitida diretamente a todos da equipe, anunciando a necessidade de disciplina, adesão e obediência. Instala-se, assim, um clima de medo e atenção constante pela ameaça de ser igualmente constrangido diante de qualquer deslize. Portanto, o assédio moral interpessoal pode ser usado como uma estratégia de gestão para controlar todo o grupo e proporcionar obediência e produtividade pelo medo de ser o próximo a ser perseguido, humilhado e afetado em sua dignidade.

Isso é freqüente nos casos de assédio interpessoal (descendente e misto) em que ocorre a mediação de um gestor, geralmente apontado como agressor. Com medo de ser o próximo alvo, a alternativa dos demais trabalhadores é se calar, obedecer e mostrar bons resultados. Ou então, acreditando que há justificativa para tais agres-sões, alguns colegas podem associar-se ao chefe e contribuir para o agravamento do processo de hostilização (assédio misto).

O que gere estes diferentes destinos da posição dos colegas pode ser resumido em

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um pensamento que domina o coletivo: “Se quem está sendo hostilizado merece este castigo eu não vou me envolver. E se não merece e eu me envolvo, provavelmente serei o próximo alvo”. Aqui o individualismo aparece como uma defesa psíquica (Dejours, 2000), baseada na cegueira, no silêncio e na surdez, utilizada pelo coletivo. Cada um se preocupa somente com a sua condição e nega, finge não saber e não se manifesta diante do sofrimento e das injustiças vividas por outros. Este processo interessa e é coerente com as estratégias de gestão atuais. O individualismo, presente no assédio interpessoal, também sustenta as práticas de assédio organizacional.

→ Assédio organizacional: a violência utilizada estrategicamente na organização

O assédio moral organizacional configura-se como:

Interações entre o indivíduo e a organização ou a administração da empresa, as quais utilizam da violência e da hostilização, de forma continuada e crônica, na formulação de procedimentos e políticas organizacionais, na forma de mecanismos de gestão abusivos sem necessariamente existir um agressor personalizado (Soboll, 2011, p. 42).

O assédio moral organizacional contempla as interações entre o indivíduo e a em-presa, sendo geralmente mediadas por práticas abusivas de gestores, dirigentes ou outros representantes. Diferente do assédio interpessoal, o propósito destas práticas não é pessoal, mas sim administrativo (Soboll, 2011).

O assédio organizacional pode ser direcionado para todo o grupo de trabalha-dores ou para alvos determinados (ex. profissionais que apresentam problemas na saúde ou baixo rendimento no trabalho), podendo atingir muitos simultaneamente (Einarsen et al., 2003; Schatzmam et al., 2009).

Gestão por estresse, gestão por injúria e a gestão por medo, são expressões diretas do assédio organizacional. Nestes casos usa-se de humilhações, pressões constantes e exageradas e ameaças como instrumento de gerenciamento das pessoas no traba-lho. Existem também práticas organizacionais que se configuram como plataformas sustentadoras das hostilizações, a exemplo dos rankings de produtividade. Ainda que somente um dos empregados possa ser exposto ao não cumprir a meta, faz-se trabalhar “motivado” pelo medo, pela ameaça e pelo constrangimento: humilhado pela exposição de resultados pouco satisfatórios ou das premiações negativas, ameaçado pela exclusão, pela demissão ou transferência, acelerado pelo estresse as cobranças inatingíveis, etc. Neste caso, “o medo, a submissão, o controle dos questionamentos e do confronto das regras se instala como efeito, no coletivo dos trabalhadores, mesmo nos casos em que a agressão é direcionada apenas para um ou dois trabalhadores” (Soboll, 2008, p. 62).

Gosdal e colaboradores (2009) entendem que o assédio do tipo organizacional se esconde no “poder diretivo” legítimo do empregador, utilizado de forma abusiva, e

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envolve ofensa aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Enquanto o assédio in-terpessoal tem efeito de gestão (é uma conseqüência do assédio), o assédio organiza-cional usa da violência estrategicamente para fazer o gerenciamento dos trabalha-dores. No último caso, trata-se de uma prática de gestão autorizada, ou no mínimo permitida pelas normas e pela estrutura organizacional, seja por conveniência ou mesmo negligência.

O assédio moral, no entendimento de Dejours (2008), exerce um eficiente meio de intimidação, a ponto de fazer dos colegas, de forma insensível, cúmplices da desesta-bilização psicológica, negando e traindo a si próprios. O consentimento dos colegas para Dejours (2008), contribui para o silêncio que fortalace o individualismo e a de-sagregação do viver-junto, afetando não só a vítima do processo, mas a todo o coleti-vo. Há que se reconhecer ainda, que o assédio moral é sustentado por uma ruptura de vínculos e pela solidão alienante, mantida por todos. Para Dejours (2008) o assédio moral sempre existiu, no entanto, o que mudou é que hoje não há mais solidariedade diante destas vivências.

Os espaços oportunizados pelas forma de gestão atual para a ocorrência do assé-dio moral serão discutidos a seguir.

→ Porque o assédio moral é usado como estratégia de gestão na atualidade

O contexto competitivo que envolve as organizações, regidas por relações globaliza-das, tem exigido a constante elevação dos padrões de excelência, a redução de custos e diminuição no tempo de produção. Os avanços das tecnologias físicas (microeletrô-nicas e de informação) articulados com o aprimoramento nas tecnologias de gestão (práticas de gestão) desenham estratégias de controle do trabalho que atingem, de ma-neira crescente, a subjetividade e a colocam com status de matéria-prima da produção, cada vez mais solicitada (Alves, 2007; Enriquez, 2006; Faria, 2004; Gaulejac, 2007).

Os níveis crescentes de produtividade e exigências elevadas com relação aos de-sempenhos individuais têm configurado um novo perfil de trabalhador: adaptável às mudanças em curto prazo, disposto a assumir riscos e desafios e com objetivos profissionais e pessoais alinhados à organização (Pagés et al., 1987; Antunes, 2005; Gaulejac, 2007; Faria & Meneguetti, 2011; Sennett, 1999). A subjetividade do traba-lhador, seus interesses, desejos, motivações, devem ser compatíveis e coerentes aos objetivos organizacionais.

Entretanto, este novo perfil de trabalhador não se desenvolve sem conseqüências, muitas delas graves, principalmente do ponto de vista da saúde mental e das relações. Diante das solicitações organizacionais e das novas estratégias de gestão adotadas, as relações no trabalho tornam-se utilitárias, temporárias e frágeis, pautadas pela lógica do individualismo. Estas exigências resultam em padrão comportamental que enfraquece a lealdade e a confiança e afeta o compromisso mútuo, característico de

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relações duradouras, desestruturando o coletivo e a solidariedade (Sennett, 1999; De-jours, 2004). O terreno para práticas de assédio moral estaria, nesse sentido, facilitado por um contexto organizacional que dissimula objetivos puramente organizacionais por meio de um discurso que envolve e seduz os trabalhadores (Faria & Meneguetti, 2011), fazendo-os otimizar seus resultados.

O resultado excelente esperado pelas organizações geralmente é alcançado pelos trabalhadores que partilham o ideal organizacional. Contudo, a excelência refere-se a algo não partilhável. Para que um seja excelente é necessário outro que fique aquém. Nesse sentido, a organização impele seus trabalhadores a uma busca constante de superação, pela imposição da competitividade entre membros de uma mesma empre-sa, pelo individualismo em detrimento de relações de colaboração, pela exaltação de conceitos como o auto-empreendedorismo, a meritocracia e a auto-superação como o novo modelo de trabalhador contemporâneo (Soboll & Horst, 2012). Embora o dis-curso disseminado pela organização seja de trabalho em equipe, a ênfase está nos projetos, na carreira e nas metas individualizadas. As relações nas equipes mostram--se deterioradas e descartáveis, perdurando pelo período de desenvolvimento das ta-refas; não há cooperação, lealdade ou confiança mútua (Sennett, 1999).

Como não existir assédio moral neste contexto? A ausência de relações duradou-ras no ambiente de trabalho, com constantes alterações de equipes de trabalho, por exemplo; a estimulação de práticas competitivas entre profissionais que desempe-nham as mesmas atividades, por meio de avaliações de desempenho individualiza-das; e a banalização de práticas que desrespeitam a própria condição do trabalhador, a exemplo da exigência de alcance de metas que superam os limites normais de tra-balho, são alguns dos fatores que propiciam o desenvolvimento crescente de práticas de assédio moral no trabalho.

Estes elementos estão presentes no ambiente de trabalho de forma naturalizada, isto é, não são questionados pelos próprios trabalhadores, os quais internalizaram a lógica da excelência. Estes visualizam na competição a oportunidade de crescimento profissional e naturalizam as estratégias agressivas de gestão em busca de objetivos que permitam melhores avaliações de desempenho, a partir da lógica dos resultados quantitativos. Uma vez que os trabalhadores que se dedicam integralmente ao suces-so organizacional (pois só assim é possível atingir as demandas crescentes da orga-nização) são reconhecidos e valorizados, é internalizada a lógica organizacional e o próprio coletivo de trabalhadores exige uns dos outros o mesmo padrão de dedicação e de excelência enquanto elementos de sobrevivência. Diante disso, muitas práticas de assédio moral podem ser justificadas e tidas como legítimas tendo em vista esta matriz de valores organizacionais centrados na competição, na superação e nos re-sultados de curto prazo.

A busca de um ideal de excelência leva, portanto, a uma competição sem fim, (Gaulejac, 2007) que culmina em: (i) padronização das subjetividades, para que todos

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estejam aptos a buscar incansavelmente os objetivos da organização; e (ii) patologias da sobrecarga (ex. LER/DORT, Síndrome de Bournout), da solidão (descompensa-ções psíquicas) e da violência (assédio moral, suicídio), num uso instrumental de si mesmo e dos outros (Soboll & Horst, 2012).

Neste contexto dominado pela ideologia da excelência, o assédio moral surge como uma patologia social relacionada ao trabalho, utilizada, de maneira crescente, enquanto estratégia de gestão organizacional. Isto é, o assédio moral é uma prática coerente e associada às estratégias atuais de gestão. Ainda assim, faz-se urgente o desenvolvimento de intervenções que proponham e proporcionem diferentes formas de relações neste contexto.

→ Possibilidades de prevenção e de gerenciamento do assédio moral no trabalho A adoção de práticas de assédio moral enquanto estratégia de gestão tem sido utiliza-da com freqüência por muitas organizações tendo em vista sua relação com a forma de gestão atual e o possível retorno desta prática em melhor produtividade alcançada em curto prazo. Entretanto, os resultados desta prática, para além da produtividade organizacional de curto prazo, remetem a perdas significativas em termos da vida em sociedade, dos aspectos humanos e até mesmo dos aspectos organizacionais.

Agir de maneira agressiva, humilhante e constrangedora é, por si só, uma ofensa à dignidade de qualquer pessoa e, portanto, incabível no contexto de trabalho, bem como em qualquer outro contexto de vida. Da mesma forma como não é legítimo e nem humano alcançar produtividade por meio de torturas físicas, não o é por meio de torturas psicológicas.

O assédio moral gera repercussões negativas de toda ordem: para o sujeito que vivencia o assédio moral, para os colegas de trabalho que testemunham a vivência, para a organização e para a sociedade. Há o reconhecimento de que o assédio moral e a violência no trabalho são nocivos inclusive à funcionalidade do local de trabalho (Di Martino, 2002). Portanto, formas de prevenção e de gerenciamento dos casos são urgentes, até mesmo para organizações direcionadas apenas ao gerenciamento dos resultados, dos custos e da imagem organizacional.

Para abordar os aspectos de intervenção relacionados a esta problemática, parte--se de uma síntese breve da revisão da literatura sobre o tema, realizada anteriormen-te e publicada no texto “Intervenções em assédio moral no trabalho: uma revisão da literatura” (Glina & Soboll, 2012), que é apresentada aqui de forma articulada com uma análise ampliada e problematizada destes processos.

Conforme destacado em Glina e Soboll (2012) existem três enfoques básicos de intervenção em casos de assédio moral, apontados por Leka e Cox (2008): a prevenção primária, a secundária e a terciária.

A prevenção primária diz respeito a políticas e planos de ação que evitam a ocor-

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rência do assédio moral, por meio de registro de incidentes violentos (mesmo que simples e não repetitivos), bem como um replanejamento da organização do trabalho (tarefas, prazos, hierarquia, espaço de participação, avaliações, etc). As intervenções preventivas secundárias seriam os treinamentos, os inquéritos e a resolução de casos de conflitos, visando à mudança de situações não desejadas, já identificadas na orga-nização. As intervenções terciárias estariam voltadas para a minimização dos danos causados pelas práticas de assédio moral, envolvendo acordos corporativos, aconse-lhamento e terapia, direcionada aos envolvidos.

As organizações, na sua maioria, não tratam da problemática de assédio moral se não estiverem, de fato, percebendo sua ocorrência ou ainda sofrendo com as reper-cussões negativas desta prática. Portanto, a intervenção primária, que trata efetiva-mente da prevenção de casos de assédio torna-se a menos utilizada até hoje (Soboll & Glina, 2012). Efetivamente, se considerarmos que o assédio moral está relacionado com as práticas de gestão atuais, as intervenções existentes terão com mais freqüência características de intervenções secundárias e terciárias.

As intervenções secundárias e terciárias são utilizadas quando algum conflito já está instalado, acompanhado de seus prejuízos (seja para o trabalhador, para o coleti-vo ou para a organização), principalmente nos casos que envolvem demandas jurídi-cas. Tais intervenções secundárias (reação) e terciárias (reabilitação) devem envolver de maneira articulada o nível individual, coletivo e organizacional, tendo em vista que o assédio moral é um processo multidimensional (Glina & Soboll, 2012).

Na prática nem sempre é possível o envolvimento da dimensão organizacional e coletiva àquele que desenvolve as intervenções (consultores internos ou externos à organização, entre outros profissionais), tendo em vista as limitações impostas pelas próprias empresas ou pela previsão de atividades dadas pelo Ministério Público do Trabalho nos Termos de Ajuste de Conduta, em demandas desta natureza.

As possibilidades de ação e de estratégias de gestão variam de acordo com cada contexto organizacional e, portanto, as intervenções devem ser desenhadas a partir da análise das especificidades de cada realidade. Ao invés de aplicar uma solução única, que pretenda ser adequada a qualquer situação ou problema, o assédio moral e a violência no trabalho devem ser analisados e enfrentados a partir de estratégias de intervenção específicas para os diferentes casos (Di Martino, 2002).

Destaca-se que “o desenho da intervenção deve considerar o contexto organiza-cional e envolver os vários atores sociais. Mais do que tudo, é importante uma decisão consciente de fazer as intervenções necessárias e, nesse sentido, o papel da alta gerên-cia é muito importante” (Glina & Soboll, 2012, p. 12).

Um importante requisito para uma intervenção que efetivamente traga avanços é o reconhecimento da alta gestão de que o assédio moral está acontecendo e de que se quer mudar este quadro, reconhecimento que nem sempre está presente nas in-tervenções. Ainda assim, qualquer espaço organizacional existente para trabalhar a

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problemática é preferível do que espaço nenhum, pensando naqueles que sofrem estas vivências no seu cotidiano de trabalho.

As intervenções voltadas para os trabalhadores que vivenciam o assédio moral de-vem envolver estratégias de superação do sofrimento a partir de: (i) grupos de apoio entre pessoas que vivenciaram situações parecidas, permitindo o compartilhamento de experiências e a conscientização de que a pessoa não é responsável pelo evento; (ii) psi-coterapia para elaboração do sofrimento e para superação do luto de perdas vivenciadas durante o processo de assédio; (iii) estratégias de reabilitação e retorno do trabalhador, propiciando um espaço de trabalho livre de práticas de assédio moral, bem como da possibilidade de estigmatização do trabalhador; e (iv) aconselhamento com relação aos direitos que foram violados, permitindo ao trabalhador decidir quanto à necessidade e adequabilidade de ingresso com demandas na justiça (Casito et al., 2003; Namie & Namie, 2000). Além disso, é fundamental que estas pessoas sejam instrumentalizadas também para enfrentamento destes casos, visando sua manutenção digna no trabalho.

A literatura indica algumas intervenções possíveis aos trabalhadores que incidiram na prática de assédio moral, na sua maioria gestores, visando a possibilidade de reabi-litação por meio de: coaching, psicoterapia e mediação. Os que praticam assédio, assim como os que sofrem o assédio, podem ser reabilitados por meio de processos específi-cos de acordo com a análise das necessidades individuais (Beswick, Gore, Palferman, 2006). Em alguns casos a transferência ou até mesmo o desligamento podem ser recur-sos utilizados. Se a situação de assédio não cessar aquele que praticou o assédio pode ser transferido para uma posição em que haja menores chances de assediar e, em casos mais graves, a demissão é indicada, de acordo com Glendining (2001).

Conforme abordado em Glina e Soboll (2012), a mediação é indicada enquanto estratégia de intervenção em casos de conflitos iniciais e/ou em que o afastamento e/ou o adoecimento não tenham sido necessários. As Ouvidorias podem desempenhar um importante papel nesse sentido, apoiando e agindo rapidamente para contornar situações de conflito, esclarecendo os pontos que permitiram a instalação do conflito e desenvolvendo, junto com os trabalhadores envolvidos, soluções efetivas. A media-ção, entretanto, só terá eficácia se utilizada no início do conflito, quando as partes têm condições de resolver a situação sem maiores prejuízos para ambas (Barón Duque, Munduate Jaca, Blanco Barea, 2003).

Para o coletivo de trabalhadores que testemunhou vivências de assédio moral a in-tervenção também se faz necessária, conforme sugerido em publicação anterior (Glina & Soboll, 2012). Para Einarsen et al. (2003), principalmente em casos de assédio moral organizacional, nos quais procedimentos e práticas organizacionais são percebidos como opressivos, humilhantes e degradantes, muitos trabalhadores, ainda que não estejam diretamente vivenciando o assédio moral podem sofrer repercussões na saúde mental, conforme também identificado por Soares e Ferreira (2006), em virtude de um clima organizacional adverso e pelo testemunho das situações de assédio moral. A

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formação de grupos de apoio, de administração de conflitos, entre outros, podem ser utilizados, visando minimizar os danos e fortalecer os trabalhadores coletivamente.

Os discursos organizacionais, em geral, tendem a negar a ocorrência do assédio moral, e quando se faz necessário assumir sua ocorrência, não raras vezes, as res-ponsabilidades são deslocadas para o sujeito, individualizando e psicologizando o problema. Entretanto, conforme sugerido anteriormente (Glina & Soboll, 2012) é im-perioso que o processo de intervenção tenha como resultados:

■ O reconhecimento de que o assédio moral tem origem na forma de gestão do trabalho na atualidade e que, portanto, a organização também é responsável por sua ocorrência e pelo gerenciamento destas práticas;

■ A revisão dos limites do uso de determinadas práticas organizacionais que ofe-recem subsídio para o assédio moral como, por exemplo, o uso de ranking de produtividade;

■ A instrumentalização dos profissionais para que estes desenvolvam relações sau-dáveis no trabalho e enfrentem as situações de assédio, sem se submeter a elas.

Queremos acreditar que as iniciativas de intervenções não sejam apenas para evitar casos de assédio moral nas Ouvidorias, no Ministério Público do Trabalho ou ainda na Justiça do Trabalho. Há muito mais a ser construído por meio destas ações que podem reverter em um ambiente de trabalho menos penoso e que se aproxime mais de ser um espaço de reconhecimento, de construção da identidade e de promoção de saúde.

→ Considerações finais

A maior visibilidade do assédio moral desde a década de 90, não deve-se somente ao reconhecimento de sua existência ou a mobilização do movimento sindical, mas à repetitividade da ocorrência destas situações. Vale destacar que neste mesmo período se deu a implantação de novas formas de gestão, as quais exigem padrões diferentes de resultados e também de controle do trabalho. O assédio moral apareceu, com mais intensidade, neste contexto. Sua prática está relacionada com uma necessidade sempre constante de superação de si e do outro e, por vezes, as hostilizações constantes servem de mecanismos de gerenciamento para que as pessoas apresentem melhores resultados e melhor adesão à organização. Embora tanto o assédio interpessoal como o organi-zacional possam ter efeito de gestão, a maneira como isso acontece em cada um deles guarda especificidades.

A identificação do assédio organizacional rompe com a psicologização do assédio moral e com a culpabilização do indivíduo, remetendo a discussão às condições de trabalho e aos mecanismos de gestão (Araújo, 2009). No assédio organizacional o uso de atos hostis é estratégico. Por sua vez, no assédio interpessoal o efeito de gestão

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aparece como resultado de um processo individualizado, mas que atinge o coletivo. De qualquer forma, o assédio moral é uma prática coerente (embora inadequada) na forma de gestão atual.

Ainda assim, são urgentes intervenções inovadoras que possam questionar e pro-por outras formas de relações no trabalho, pautadas não apenas em códigos econô-micos e financeiros, mas em valores humanos e sociais.

Será que a casuística, as demandas judiciais e os dados gerados nas intervenções não são importantes fontes de informações que nos dão subsídio para desenvolvi-mento de ações inovadoras de prevenção primária, que potencialmente evitariam o assédio moral? O que temos feito enquanto pesquisadores e atores sociais diante des-tas informações reveladoras de um risco de degradação das relações e da saúde, que atinge a todos? Como fica o sujeito que passa por processos de tratamento e ou treina-mento para não praticar o assédio moral, mas encontra um ambiente de trabalho que muitas vezes solicita e reconhece positivamente quem pratica tais atos, desde que não seja percebido? A quem interessa que esta problemática continue sem intervenções preventivas, tratada apenas como um problema individual?

“Não se pode esquecer, ainda, que o assédio moral no trabalho é fruto de um momento histórico e de um contexto social e econômico definidores da forma de organização do trabalho e do desenho das relações humanas neste contexto” (Glina & Soboll, 2012, p. 279). Intervenções voltadas a instrumentalizar as pessoas envolvi-das trazem excelentes resultados no enfrentamento cotidiano do assédio moral, mas pouco podem fazer para evitar novos casos. Precisa-se ter ousadia para observar a forma de gestão do trabalho atual e buscar a transformação das práticas que a tor-nam apenas produtora de valores econômicos e financeiro, às custas do sacrifício de valores sociais e humanos, que é o que de fato nos mantém em uma sociedade digna. A inovação da gestão exige abrir mão de alguns valores em busca de encontrar uma nova forma de viver juntos no trabalho.

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