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INSIDER TRADING: O DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE LEALDADE PELO USO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS MARCELLA BLOK ADVOGADA. PÓS GRADUADA EM DIREITO EMPRESARIAL COM ÊNFASE EM SOCIETÁRIO E MERCADO DE CAPITAIS- FGV-RIO. PÓS GRADUADA EM ADVOCACIA EMPRESARIAL- UGF-RIO. SÓCIA DA MBLAW CONSULTORIA JURÍDICA EMPRESARIAL. WWW.MBLAW.COM.BR Av. Delfim Moreira, 570, apt 201 Leblon CEP 22441-000 Rio De Janeiro -RJ Resumo: Insider trading é a negociação de valores mobiliários de certa companhia motivada pelo conhecimento de uma informação que ainda não é de conhecimento do público e é utilizada de forma ilícita por um individuom – Insider- que teve acesso à determinada informação sgilosa e buscou obter vantagem com a mesma por meio de da compra de um significativo número de ações, visando vendê-las a posteriori, após a divulgação da informação outrora confidencial. Essa prática vem sido combatida em dezenas de países e vem recebendo uma atenção especial por parte da CVM e dos demais órgãos fiscalizadores, bem como pela legislação societária e do mercado de capitais, tendo sido cofigurada como crime – ilicito penal por meio do art 27-D da Lei 6385/76. O caso Sadia Perdigão foi o primeiro no qual os executivos da Sadia foram tipificados pelo dispositivo legal supracitado, tendo sido exemplarmente punidos. Palavras Chave: Insider Trading- descumprimento – dever de lealdade -informações privilegiadas

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nsider trading é a negociação de valores mobiliários de certa companhia motivada pelo conhecimento de uma informação que ainda não é de conhecimento do público e é utilizada de forma ilícita por um individuom – Insider- que teve acesso à determinada informação sgilosa e buscou obter vantagem com a mesma por meio de da compra de um significativo número de ações, visando vendê-las a posteriori, após a divulgação da informação outrora confidencial. Essa prática vem sido combatida em dezenas de países e vem recebendo uma atenção especial por parte da CVM e dos demais órgãos fiscalizadores, bem como pela legislação societária e do mercado de capitais, tendo sido cofigurada como crime – ilicito penal por meio do art 27-D da Lei 6385/76. O caso Sadia Perdigão foi o primeiro no qual os executivos da Sadia foram tipificados pelo dispositivo legal supracitado, tendo sido exemplarmente punidos.

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INSIDER TRADING:

O DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE LEALDADE

PELO USO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS

MARCELLA BLOK

ADVOGADA. PÓS GRADUADA EM DIREITO EMPRESARIAL COM ÊNFASE

EM SOCIETÁRIO E MERCADO DE CAPITAIS- FGV-RIO. PÓS GRADUADA EM

ADVOCACIA EMPRESARIAL- UGF-RIO.

SÓCIA DA MBLAW CONSULTORIA JURÍDICA EMPRESARIAL.

WWW.MBLAW.COM.BR

Av. Delfim Moreira, 570, apt 201

Leblon CEP 22441-000

Rio De Janeiro -RJ

Resumo: Insider trading é a negociação de valores mobiliários de certa companhia motivada pelo conhecimento de uma informação que ainda não é de conhecimento do público e é utilizada de forma ilícita por um individuom – Insider- que teve acesso à determinada informação sgilosa e buscou obter vantagem com a mesma por meio de da compra de um significativo número de ações, visando vendê-las a posteriori, após a divulgação da informação outrora confidencial. Essa prática vem sido combatida em dezenas de países e vem recebendo uma atenção especial por parte da CVM e dos demais órgãos fiscalizadores, bem como pela legislação societária e do mercado de capitais, tendo sido cofigurada como crime – ilicito penal por meio do art 27-D da Lei 6385/76. O caso Sadia Perdigão foi o primeiro no qual os executivos da Sadia foram tipificados pelo dispositivo legal supracitado, tendo sido exemplarmente punidos.

Palavras Chave: Insider Trading- descumprimento – dever de lealdade -informações

privilegiadas

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Abstract: Insider TRADING is the negotiation of securities of certain company motivated for the knowledge of an information that not yet is of knowledge of the public and is used of illicit form for one person - Insider- that had access to the determined confidential information and searched to get advantage with the same one by means of the purchase of a significant number of securities aiming at to vender them a posteriori, after the spreading of the long ago confidential information. This practical comes been fought in several countries and comes receiving a special attention on the part from the CVM and from superintended agencies, as well as for the corporate and stock market laws, having been typified as crime - illicit criminal by means of art 27-D of Law 6385/76. The leading case Sadia- Perdigão was the first one in which the executives of Sadia had been typified by the above-mentioned legal device, having been exemplarily punished.

Key words: Insider Trading- breach – loyalty duty- confidential information

ÍNDICE

1- Introdução.2- Conceito de Insider Trading.3- Legislação pertinente .4-

Consequências do Insider, suas responsabilidades e suas penalizações. 5- Das

Provas.6- Da legislação norte-americana: Direito Comparado.7- Caso Sadia

Perdigão.8-Conclusao.9- Notas Bibliográficas

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1- INTRODUÇÃO

Reza a teoria econômica que um mercado é eficiente quando o preço de suas ações

exterioriza todas as informações disponíveis sobre as empresas cujos títulos são

negociados.

O insider trading atenta a esta busca pela eficiência. Nele, temos a formação de preço

distorcida da "realidade de conhecimento público", vez que há dados relevantes que são de

conhecimento tão somente de alguns investidores por força de posição que os mesmos

ocupam.

O combate ao insider trading está intimamente ligado à questão de eficiência na

determinação do valor de um título negociado no mercado de capitais. O ideal é que a

cotação de ações reflita o conjunto de informações publicamente disponíveis, garantindo

assim a isonomia entre todos os investidores e diminuindo a questão das distorções no

mercado. Com normas que estabelecem uma política de ampla prestação de informações

por parte das Companhias Abertas (disclosure) , tenta-se conseguir tal eficiência. E é isso o

que se verá nos capítulos 2 e 3.

Sob o ponto de vista ético, as razões ao combate do insider trading são evidentes: este

provoca um temeroso desequilíbrio entre a posição ocupada pelo insider e a dos demais

players do mercado. Desta forma, temos uma situação absolutamente condenável sob os

aspectos éticos e econômicos, já que haverá a realização de lucros em função única e

exclusiva do acesso e utilização privilegiada de informações por parte do insider,

acarretando a perda de confiabilidade no mercado e a falta de assimetria das informações e

conseqüente ineficiência do mercado.

A confiabilidade pode ser vista como o bem mais preciso para um desenvolvido e efetivo

mercado acionário. Imperioso, portanto, para o desenvolvimento do mesmo, que os

investidores, em especial, os individuais, tenham a certeza de que o sistema não foi

concebido e estruturado de forma a favorecer aqueles que têm acesso a informações

privilegiadas. Um mercado financeiro e de capitais carente de confiabilidade está fadado ao

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insucesso. O capítulo 4 abordará, nessa trilha, as consequências da prática do Insider, bem,

como suas responsabilidades e consequentes penalizações pela falta de transparência e pela

quebra dos deveres fiduciários, sobretudo, os de lealdade, de diligência e de boa fé.

Ocorre que não é facil provar o dolo dos insiders, isto é, a intenção de obter vantagem de

forma ilícita, violando o dever de lealdade e “passando por cima” da regra de transparência

de mercado. No capítulo quinto, refente às provas, abordaremos as principais provas:

presunções e indícios e apontamos os casos em que há uma presunção absoluta do

cometimento do crime previsto no art 27-D da Lei 6385/76.

No capítulo sexto, demonstramos um direito comparado com a legislação norte americana,

a mais avançada e combativa nesse tema, passando para o capitulo seguinte, no qual

abordaremos o caso mais emblemático da ocorrênncia do insider e de sua consequente

punição na esfera penal e administrativa: o caso Sadia Perdigão.

Concluiremos, por fim, demonstrando o avanço na legislação societária e do mercado de

capitais e dos métodos que visam combater a prática do Insider Trading.

Passemos, então, aos capítulos mais pormenorizados.

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2- DO CONCEITO DE INSIDER TRADING

Insider Trading é a a hipótese extrema de falha no dever de informar e de assimetria entre

os participantes do mercado, culminando no uso de informação privilegiada. Se perpetrada

por administrador, será, ao mesmo tempo, uma falha no dever de informar e no dever de

lealdade. Em virtude de sua gravidade, foi, com as alterações promovidas pela Lei

10.303/2001, incluida no âmbito do ilícito penal (vide art 27-D da Lei 6.385/76).

Em havendo uma necessidade da existência de um mercado transparente e justo para a

captação de investimentos e onde haja confiabilidade e partindo-se do pressuposto de que

determinadas informações pertencem à empresa e que aquele que se beneficia dela,

utilizando-se de informação alheia e sigilosa, está prejudicando o bom funcionamento do

mercado de valores mobiliáriose está negociando com desigualdade de informação1, faz-se

necessária a prevenção e a punicão do insider por meio de normas preventivas e punitivas

que diminuam o custo do capital e aumentem o risco de eventuais agentes insiders serem

descobertos.

Conforme ensina o ilustre Nelson Eizirik21 , insider trading é "simplificadamente a

utilização de informações relevantes sobre uma companhia, por parte das pessoas, que, por

força do exercício profissional, estão ´por dentro´ de seus negócios, para transacionar com

suas ações antes que tais informações sejam de conhecimento público”. Assim,

o insider compra ou vende no mercado a preços que ainda não estão refletindo o impacto de

determinadas informações sobre a companhia, que são de seu conhecimento exclusivo.

Insider é , pois, todo aquele que, em razão de sua relação com a Companhia, tem acesso a

determinadas informações privilegiadas sobre a situação e os negócios da mesma. A

definição de Insider, embora não esteja expressa de forma precisa por meio de nossos

1 Goodwin v. Agassiz,186, NE 659, (Mass 1933) 2 EIZIRIK, Nelson - "Insider Trading e Responsabilidade do Administrador de Companhia Aberta" - artigo publicado na Revista de Direito Mercantil, nº 50, abril/ junho de 1983

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dispositivos legais, pode ser facilmente dada pela doutrina e pela leitura sistemática dos

mesmos.

Seguem algumas definições:

“ Insider trading é a negociação de valores mobiliários de certa companhia motivada pelo conhecimento de uma informação que ainda não é de conhecimento do público. ...Normalmente a informação é obtida por algum empregado ou dirigente da própria empresa, que ao divulgá-la precocemente e apenas para determinadas pessoas normalmente visa a obter compensação financeira”.3 “Insider trading é qualquer operação realizada por um insider, com valores mobiliários de emissão da companhia, no período imediatamente seguinte ao conhecimento da informação relevante e antes que tal informação chegue ao público investidor pelos meios institucionais de divulgação adotados no mercado de capitais. Assim, o insider trading caracteriza-se pelo uso da informação relevante não divulgada na compra ou venda de valores mobiliários de emissão da companhia, gerando um desequilíbrio de posições, lesivo tanto a uma das partes da operação – o comprador ou vendedor outsider – como ao próprio mercado de capitais, em termos de confiabilidade”4

Insider Trading é um termo o qual inúmeros investidores escutam diariamente e o associam à condutas ilegais. Ocorre que este terrmo, atualmente, inclui uma lista de condutas legais e ilegais. Legalmente, o mesmo se dá quando os insiders- diretores, administradores e empregados de determinada Companhia- compram e vendem valores mobiliários em suas próprias Companhias. Quando os insiders negociam seus próprios valores mobiliários, eles precisam informar tais negociações à SEC. Insider trading ilegal refere-se geralmente à compra e venda de um valor mobiliário, em detrimento de um dever fiduciário ou de qualquer outra relação de confiança e de confidencialidade,

3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Insider_trading- acesso em 15.10.2011 4 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 3º v. 4ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2009. p.311.

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enquanto em posse de uma informação confidencial e não pública desse valor mobiliário5’

Em suma, em termos puramente doutrinários, ignorando-se portanto a legislação vigente

em cada país, insider, em relação a determinada companhia, é toda a pessoa que, em

virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a "informações relevantes" relativas aos

negócios e à situação da companhia.

Relevante ressaltar que os insiders distinguem-se do tippees. Enquanto os primeiros

possuem acesso direto às informações privilegiadas, os últimos as obtém devido a

determinadas dicas repassadas pelos insiders, que, nesse caso, funcionam como tippers.

Ocorre que ambos podem incorrer no uso indevido de informação privilegiada, tendo em

vista que qualquer um que possua uma informação privilegiada torna-se um potencial

sujeito ativo desse ilícito. A principal diferença entre eles reside no fato de que os tippees

não podem ser apenados pelo art 27-D, o qual prevê a prática do insider como um ilícito

penal, isto é, podem ser responsabilizados civil e administrativamente, mas não

penalmente, visto não serem os sujeitos ativos previstos pelo dispositivo supracitado, ao

contrário dos insiders primários, quem além de sofrer pena de reclusão de 1 (um) a 5

(cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em

decorrência do crime , sofrem,ainda, uma presunção absoluta de cometimento do crime de

insider, cabendo a eles o ônus de provar que não houve nexo de causalidade entre o dano

causado por eles e o resultado (assimetria de informações e falta de transparência ao

mercado).

Nos termos do ex- Diretor da CVM, Eli Loria, ao julgar o caso de Insider Trading ocorrido

por ocasião da oferta hostil lançada pela Sadia para a aquisição das ações da Perdigão:

5 Tradução livre do site da SEC: http://www.sec.gov/answers/insider.html: “ Insider trading" is a term that most investors have heard and usually associate with illegal conduct. But the term actually includes both legal and illegal conduct. The legal version is when corporate insiders—officers, directors, and employees—buy and sell stock in their own companies. When corporate insiders trade in their own securities, they must report their trades to the SEC. Illegal insider trading refers generally to buying or selling a security, in breach of a fiduciary duty or other relationship of trust and confidence, while in possession of material, nonpublic information about the security.

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“Ademais, qualquer pessoa que realize uma operação com a utilização de informação

privilegiada pode ser responsabilizado por esta infração administrativa”.

A propósito, cita RUIZ:

En primer lugar, dado el ambito subjetivo de aplicación de la infracción, puede ser autor cualquiera persona que la use independientemente de como la haya obtenido... Desde el momento que una persona lleve a cabo una operación empleando información privilegiada de forma dolosa, o culposa si há accedido a ella por su puesto profesional, es responsable de la infracción administrativa de uso ilegal de información privilegiada”.

O legislador brasileiro admitiu como "insider", nos termos da definição doutrinária de

início enunciada, as seguintes pessoas que, em razão de sua posição, têm acesso a

informações capazes de influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de

emissão da companhia:

1- Administradores – conselheiros e diretores da companhia (art. 145 da Lei nº

6.404/76);

1.1- Diretor de Relações com Investidores (art 3º, Instrução CVM 358)

2- Membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto da companhia, com funções

técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores (art. 160 da Lei nº 6.404/76);

3- Membros do Conselho Fiscal (art. 165 da Lei nº 6404/76);

4- Subordinados das pessoas acima referidas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76);

5- Terceiros de confiança dessas pessoas (§ 2º do art. 155 da Lei nº 6.404/76) e

6- Acionistas controladores (art. 22, inciso V, da Lei nº 6.385/76).

A SEC (Securities Exchange Comission) compreende como insiders6:

6 http://www.sec.gov/answers/insider.htm - tradução livre

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1- Administradores, Diretores e funcionários que negociam valores mobiliários utilizando-

se de informação privilegiada, confidencial e significativa.

2- Amigos, colegas de trabalho, familiares e outros "tippees" que negociaram valores

mobiliários após receber informações privilegiadas dos administradores e funcionários de

determinada Companhia .

3- Funcionários públicos, pessoas que trabalham em Bancos, Corretoras e outras

instituiçoes financeiras, quem receberam informações e que negociaram os valores

mobiliarios cujas informações receberam.

4- Outras pessoas que se aproveitaram de informações confidenciais de seus empregadores.

3- DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE AO TEMA DO INSIDER TRADING

Embora sem uma definição legal explicita para o termo Insider, a Lei nº 6.404/76, nos arts.

155 e 157, combinados com 145, 160 e 165, ao tratar dos deveres de lealdade e de prestar

informações, por parte dos administradores e pessoas a eles equiparados, implicitamente

emitiu o conceito de "insider". Da mesma forma procedeu a Lei nº 6.385/76, quando

estabeleceu que a CVM expedirá normas, aplicáveis à companhia aberta, sobre informações

que devem ser prestadas por administradores e acionistas controladores.

Vejamos, pois, os dispositivos supra referidos :

Art 155- O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:

I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo;

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II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia;

III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.

§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que

ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do

mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de

modo ponderável na cotação de valores mobiliários,

sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para

si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda

de valores mobiliários.

§ 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança.

§ 3º A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada com infração do disposto nos §§ 1° e 2°, tem direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a informação.

§ 4o É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001) – (negritou-se)

Traz o artigo 155 da Lei das S.A. uma “lista de condutas proibidas”, condutas essas que não

enunciam um rol taxativo de atividades, podendo ser capituladas e declaradas pela

autoridade judiciária por outras formas ou hipóteses de violação ao dever de lealdade.

Importante contribuição trouxe o artigo 8º da Instrução CVM 358 ao prever o dever de

guardar sigilo. Vejamos, in verbis

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DEVER DE GUARDAR SIGILO

Art. 8º - Cumpre aos acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, e empregados da companhia, guardar sigilo das informações relativas a ato ou fato relevante às quais tenham acesso privilegiado em razão do cargo ou posição que ocupam, até sua divulgação ao mercado, bem como zelar para que subordinados e terceiros de sua confiança também o façam, respondendo solidariamente com estes na hipótese de descumprimento.

Antes da divulgação, pois, deve ser guardado absoluto sigilo acerca das operações que

possam influir no comportamento dos investidores, sendo vedado aos administradores usar

informações privilegiadas para a obtenção de vantagem para si ou para terceiros, conforme

disposto pelo artigo 155, parágrafos primeiro a quarto da Lei das S.A e pelo artigo 8º da

ICVM 358 supracitado.

Haverá sigilo quando a informação não puder ser obtida por meios acessíveis ao publico em

geral. Deixará esta de ser sigilosa no momento posterior à publicação das mesmas pelos

administradores. Se por qualquer razão, contudo, vier a perder seu caráter confidencial, já

não se prestará ao insider trading. Isto porque a informação já disseminada , ainda que de

forma irregular e mesmo que seja extremamente relevante, já será uma informação de

mercado, a qual, portanto, presume-se refletida nas expectativas dos agentes que negociam

valores mobiliários.7

Em suma, o dever de lealdade está relacionado com transações em que há (i) conflito de

interesse entre o administrador e a Companhia; (ii) conflitos de interesses entre

Companhias por terem administradores em comum; (iii) vantagem obtida indevidamente

por administrador em oportunidades que pertenciam à Companhia; (iv) administrador

7 BARBOSA, Marcelo;BARROS, Octavio Fragata, BRICK, Bruna Zoghbi, CAMPINHO, Bernardo Capela, Direito Societário e Mercado de Capitais, turma 2, vol 2, Editora FGV, 2009, Rio de Janeiro, pg 78

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competindo com a Companhia; (v) informações falsas ou indevidas aos acionistas; (vi)

negociação do “insider”; (vii) abuso da minoria e (viii) venda de controle 8.

Focar-nos-emos nos itens v e vi supra referidos: o uso de informações falsas ou indevidas

dadas aos acionistas e o ilícito conhecido como insider. Desta forma, desleal será o

administrador quando não guardar reserva dos negócios sociais (“leakage”), deixando que

ocorra vazamento de informações sigilosas e reservadas da companhia a pessoas, que,

possuindo acesso ao mercado de valores mobiliários, possam manipular as informações em

proveito próprio, fraudando interesses de acionistas e investidores;

Cumpre salientar que responde o administrador quando subordinados seus, ou terceiros de

sua confiança, violarem o dever de lealdade, desde que essa violação não seja ocultada por

esses subordinados das vistas do administrador.

Hamilton, analisando o dever de lealdade no direito norte-americano, esclarece que este

dever é um litígio em que transações são anuladas e que conselheiros de administração e

diretores têm sido responsabilizados por quebra desse dever fiduciário.

No que toca ao dever de informar, o qual também deve ser observado pelos administradores,

sob pena de responsabilização, este deve ser obrigatoriamente seguido pelos administradores

de companhias abertas,. A lei das S/A expressa este dever no seu art 157 e seus parágrafos

4º e 5º a seguir dispostos:

Art 157....

§ 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios,

que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores

mobiliários emitidos pela companhia

§ 5º Os administradores poderão recusar-se a prestar a

informação (§ 1º, alínea e), ou deixar de divulgá-la (§ 4º),

8 CORREA –LIMA, Osmar Brina, Responsabilidade Civil dos Administradores de sociedades anônimas. Rio de Janeiro:Aide, 1989, p.75

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se entenderem que sua revelação porá em risco interesse

legítimo da companhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se for o caso.

§ 6o Os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

Este dispositivo legal é inspirado pelo princípio do “full disclosure”, que garante a todos os

investidores oportunidades iguais de negociação.

A comunicação da ocorrência de fatos relevantes (“full disclosure”) deve ser prestada à

Bolsa de Valores onde são negociados os títulos da referida companhia, devendo haver

comunicação também por intermédio da imprensa. Este é o aspecto mais importante do

dever de informar.

O momento oportuno para que se efetive o cumprimento do dever de informar opera-se

quando finda a negociação realizada. Se não se tratar de negociação, o momento oportuno

para a comunicação opera-se quando o fato mostrar-se irreversível, devendo a comunicação

ser imediata pelo surgimento do perigo de vazamento das informações. Conforme dispõe

Modesto Carvalhosa “a informação à Bolsa deve ser feita no exato momento em que o

mercado pode ser influenciado por informações ainda não reveladas ao público”.

Além de imediatas, as informações devem ser precisas e não podem ser falsas, na medida

em que criam falsa impressão por serem mal formuladas, conduzindo os acionistas e os

investidores a uma impressão enganosa sobre os fatos prestados.

Considera-se como fato relevante, “todo e qualquer evento econômico ou de repercussão

econômica, a envolver a companhia, incluindo neste amplo conjunto as deliberações de seus

órgãos sociais, a realização ou não de certos negócios, projeção de desempenho e outros

fatores relevantes”. Será relevante o fato que puder influir, de modo ponderável, na decisão

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de investidores do mercado de capitais, no sentido de vender ou comprar valores mobiliários

emitidos pela sociedade, sendo a divulgação de tais fatos um dever legal, conforme consta

do artigo 157, parágrafo quarto da Lei 6404/76, disposto supra.

Relevante destacar o artigo 13 da Instrução Normativa CVM n º 358 :

“VEDAÇÕES À NEGOCIAÇÃO

Art. 13 - Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante.

§ 1º A mesma vedação aplica-se a quem quer que tenha conhecimento de informação referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata de informação ainda não divulgada ao mercado, em especial àqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores mobiliários, consultores e instituições integrantes do sistema de distribuição, aos quais compete verificar a respeito da divulgação da informação antes de negociar com valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles referenciados.

§ 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a vedação do "caput" se aplica também aos administradores que se afastem da administração da companhia antes da divulgação pública de negócio ou fato iniciado durante seu período de gestão, e se estenderá pelo prazo de seis meses após o seu afastamento.

§ 3º A vedação do "caput" também prevalecerá sempre que estiver em curso a aquisição ou a alienação de ações de emissão da companhia pela própria companhia, suas controladas, coligadas ou outra sociedade sob controle

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comum, ou se houver sido outorgada opção ou mandato para o mesmo fim, bem como se existir a intenção de promover incorporação, cisão total ou parcial, fusão, transformação ou reorganização societária.

§ 5º As vedações previstas no "caput" e nos §§ 1º a 3º deixarão de vigorar tão logo a companhia divulgue o fato relevante ao mercado, salvo se a negociação com as ações puder interferir nas condições dos referidos negócios, em prejuízo dos acionistas da companhia ou dela própria”.

Note que o caput desse ordenamento apresenta uma presunção absoluta de que

determinados agentes, por possuírem informações privilegiadas (acionistas controladores,

diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e

de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição

estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na

companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da

informação relativa ao ato ou fato relevante) estariam incorrendo no crime do insider,

enquanto o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo trata de uma presunção relativa,

cabendo, pois a quem acusa aos agentes compreendidos nesse parágrafo (sujeitos que

tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como

auditores independentes, analistas de valores mobiliários, consultores e instituições

integrantes do sistema de distribuição) o ônus de provar que eles tiveram acesso a

determinadas informações privilegiadas e que fizeram uso das mesmas em benefício

particular.

A Instrução 358 da CVM, referida supra, é, a nosso ver, o regramento mais completo e

sucinto no que toca à divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo

às companhias abertas. Disciplina a divulgação de informações na negociação de valores

mobiliários e na aquisição de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta,

estabelece vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na

pendência de fato relevante não divulgado ao mercado. Transcrevemos alguns de seus

dispositivos mais relevantes:

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DEVERES E RESPONSABILIDADES NA DIVULGAÇÃO DE ATO OU FATO RELEVANTE

Art. 3º - Cumpre ao Diretor de Relações com Investidores divulgar e comunicar à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação, qualquer ato ou fato relevante ocorrido ou relacionado aos seus negócios, bem como zelar por sua ampla e imediata disseminação, simultaneamente em todos os mercados em que tais valores mobiliários sejam admitidos à negociação.

§ 1º Os acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, deverão comunicar qualquer ato ou fato relevante de que tenham conhecimento ao Diretor de Relações com Investidores, que promoverá sua divulgação.

§ 2º Caso as pessoas referidas no parágrafo anterior tenham conhecimento pessoal de ato ou fato relevante e constatem a omissão do Diretor de Relações com Investidores no cumprimento de seu dever de comunicação e divulgação, inclusive na hipótese do parágrafo único do art. 6° desta Instrução, somente se eximirão de responsabilidade caso comuniquem imediatamente o ato ou fato relevante à CVM.

§ 3º O Diretor de Relações com Investidores deverá divulgar simultaneamente ao mercado ato ou fato relevante a ser veiculado por qualquer meio de comunicação, inclusive informação à imprensa, ou em reuniões de entidades de classe, investidores, analistas ou com público selecionado, no país ou no exterior.

§ 4º A divulgação deverá se dar através de publicação nos jornais de grande circulação utilizados habitualmente pela companhia, podendo ser feita de forma resumida com indicação dos endereços na rede mundial de computadores - Internet, onde a informação completa deverá estar disponível a todos os investidores, em teor no mínimo idêntico àquele remetido à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação.

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§ 5º A divulgação e a comunicação de ato ou fato relevante, inclusive da informação resumida referida no parágrafo anterior, devem ser feitas de modo claro e preciso, em linguagem acessível ao público investidor.

§ 6º A CVM poderá determinar a divulgação, correção, aditamento ou republicação de informação sobre ato ou fato relevante.

Art. 4º - A CVM, a bolsa de valores ou a entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação podem, a qualquer tempo, exigir do Diretor de Relações com Investidores esclarecimentos adicionais à comunicação e à divulgação de ato ou fato relevante.

Parágrafo único. Na hipótese do "caput", ou caso ocorra oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciado, o Diretor de Relações com Investidores deverá inquirir as pessoas com acesso a atos ou fatos relevantes, com o objetivo de averiguar se estas têm conhecimento de informações que devam ser divulgadas ao mercado.

Art. 5º - A divulgação de ato ou fato relevante deverá ocorrer, sempre que possível, antes do início ou após o encerramento dos negócios nas bolsas de valores e entidades do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação.

§ 1º Caso os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação simultânea em mercados de diferentes países, a divulgação do ato ou fato relevante deverá ser feita, sempre que possível, antes do início ou após o encerramento dos negócios em ambos os países, prevalecendo, no caso de incompatibilidade, o horário de funcionamento do mercado brasileiro.

§ 2º Caso seja imperativo que a divulgação de ato ou fato relevante ocorra durante o horário de negociação, o Diretor de Relações com Investidores poderá, ao comunicar o ato ou fato relevante, solicitar, sempre simultaneamente às bolsas de valores e entidades do mercado de balcão organizado, nacionais e estrangeiras, em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à

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negociação, a suspensão da negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta, ou a eles referenciados, pelo tempo necessário à adequada disseminação da informação relevante.

§ 3º A suspensão de negociação a que se refere o parágrafo anterior não será levada a efeito no Brasil enquanto estiver em funcionamento bolsa de valores ou entidade de mercado de balcão organizado de outro país em que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação, e em tal bolsa de valores ou entidade de mercado de balcão organizado os negócios com aqueles valores mobiliários não estiverem suspensos.

A Instrução CVM 358, por meio de seu artigo 3º, tem como objetivo promover a correta

formação de preços no mercado e de evitar a possibilidade de assimetria informacional e o

uso de informação privilegiada, estabelecendo que as informações relevantes devem ser

divulgadas imediatamente e de forma ampla e simultânea para todo o mercado.

Não podemos nos olvidar, ademais, da Instrução CVM 8/79, item, I, a qual prevê, in verbis,

ser “ vedada aos administradores e acionistas de companhias abertas, aos intermediários e

aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições

artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a

realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não equitativas”. Observe-se que

não havendo o uso de uma informação inexata, o ilícito deixaria de ser a prática do insider

(o uso de uma informação privilegiada) para atingir uma informação não precisa e

tampouco verdadeira, inexata, configurando-se, pois, uma manobra fraudulenta e/ou uma

manipulação, cuja pena é distinta da pena do insider.

Relativamente ao conceito, adotado pelo Direito Brasileiro, do que sejam "informações

relevantes", entende-se que "Informações relevantes são aquelas referentes a fatos,

ocorridos nos negócios da companhia, que possam influir, de modo ponderável, na decisão

dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores mobiliários de sua emissão"

(art. 157, § 4º, da Lei nº 6.404/76, combinado com o art. 155, § 1º).

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Nesse diapasão, adotou a Lei nº 6.404/76 o critério de obrigar os administradores e as

pessoas a ele equiparadas a divulgá-las prontamente – art. 157, § 4º (salvo expressa

autorização em contrário da CVM – art. 157, § 5º).

Assim, o administrador (e pessoas a ele equiparadas: art. 145 – diretores e conselheiros; art.

160 – membros de quaisquer órgãos com funções técnicas) são obrigados a revelar, além de

qualquer deliberação de Assembléia Geral ou dos órgãos de administração da companhia,

qualquer "fato relevante, ocorrido nos negócios da companhia, que possa influir, de modo

ponderável, na decisão dos investidores do mercado, de vender ou comprar valores

mobiliários de sua emissão".

Já a Lei nº 6.385/76, demonstrando igual preocupação com o processo de divulgação da

informação relevante, enunciou, em seu art. 22, inciso VI, competir à CVM expedir normas

aplicáveis às companhias abertas sobre a "divulgação de fatos relevantes, ocorridos nos

seus negócios, que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do

mercado, de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia".

Lembre-se ainda que à CVM cabe, nos termos do art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.385/76,

"fiscalizar a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele

participem e aos valores nele negociados.

No que toca ao conceito de “fato relevante”, temos, in verbis:

Instrução CVM 358:

“DEFINIÇÃO DE ATO OU FATO RELEVANTE

Art. 2º - Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:

I. na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;

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II. na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários;

III. na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.

Parágrafo único. Observada a definição do "caput", são exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes:

I. assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva;

II. mudança no controle da companhia, inclusive através de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas;

III. celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia;

IV. ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa;

V. autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro;

VI. decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta;

VII. incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas;

VIII. transformação ou dissolução da companhia; IX. mudança na composição do patrimônio da companhia; X. mudança de critérios contábeis;

XI. renegociação de dívidas; XII. aprovação de plano de outorga de opção de compra de

ações; XIII. alteração nos direitos e vantagens dos valores

mobiliários emitidos pela companhia; XIV. desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição

de bonificação; XV. aquisição de ações da companhia para permanência em

tesouraria ou cancelamento, e alienação de ações assim adquiridas;

XVI. lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de proventos em dinheiro;

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XVII. celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na sua realização, quando a expectativa de concretização for de conhecimento público;

XVIII. aprovação, alteração ou desistência de projeto ou atraso em sua implantação;

XIX. início, retomada ou paralisação da fabricação ou comercialização de produto ou da prestação de serviço;

XX. descoberta, mudança ou desenvolvimento de tecnologia ou de recursos da companhia;

XXI. modificação de projeções divulgadas pela companhia; XXII. impetração de concordata, requerimento ou confissão

de falência ou propositura de ação judicial que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia”

Este dispositivo arrolou os insiders primários e apresentou uma lista exemplificativa de

atos e/ou fatos os quais, ocorrendo, tornam obrigatória o full disclosure, isto é, a divulgação

das informações, outrora, confidenciais e privilegiadas.

Nessa trilha, o uso da informação privilegiada busca ser combatido da seguinte forma :

1- A proibição propriamente dita do uso da informação privilegiada

De acordo com Marco Antônio Martins de Araújo Filho ( Conselheiro Titular do CRSFN e

Representante da ANBID), para que determinada informação seja privilegiada, faz-se mister

que esta seja precisa, não pública, relativa ao valor mobiliário e price sensitive.

Com a proibição ao uso da informação privilegiada visa-se proteger os investidores, que

ignoram as condições internas da companhia, contra os possíveis abusos daqueles que as

conheçam. Segundo Norma Parente, em seu brilhante Parecer elaborado, em 1978, quando

era diretora da CVM, “o que caracteriza o uso da informação privilegiada é o

aproveitamento de informações reservadas, sobre a sociedade emissora de valores

mobiliários, em detrimento de outra pessoa, que com eles negocia ignorando aquelas

informações... O objetivo desta proibição é evitar que pessoas, direta ou indiretamente

relacionadas com a empresa, possam auferir ganhos patrimoniais extraordinários, através da

prevalência do conhecimento de atos ou fatos importantes, e reservados, sobre mutações

essenciais na vida da companhia. Essas pessoas estariam intervindo no mercado em

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condições de superioridade em relação ao público em geral, sem acesso a tais

informações”9.

O combate ao uso de informações privilegiadas pressupõe a existência de medidas que

determinem uma ampla e completa divulgação das informações referentes a atos e fatos

relevantes ocorridos no âmbito da companhia. Essas informações devem ser tornadas

acessíveis a todos ao mesmo tempo, de forma a estimular a existência de um mercado justo,

no que se refere ao acesso equânime às informações.

2- Enfatização do dever de informar fatos relevantes modificadores da vida societária

Razões de ordem ética e jurídica embasam o dever de informar. Decorre este da

necessidade de se impedir que alguém, prevalecendo-se da posição que ocupa, obtenha

vantagens patrimoniais indevidas, em detrimento de pessoas que ignoram certas

informações. Trata-se de um dever jurídico, atribuído aos administradores de companhia

aberta, que encontra correspondência direta no direito subjetivo que têm os investidores de

se inteirarem, não só dos atos e decisões provenientes da administração da companhia,

como de todos os fatos relevantes que possam ocorrer em seus negócios.

Assim, o dever de informar, como já explicitado nesse trabalho em capítulo anterior,

configura-se como parte complementar e indispensável na repressão ao uso da informação

privilegiada.

3- A vedação à prática de determinadas operações de mercado

A vedação à prática de determinadas operações de mercado tem sido usada como medida

auxiliar no combate ao uso da informação privilegiada. O fundamento para a adoção de tais

proibições reside no fato de que as pessoas que administram a companhia, ou que com ela

mantém íntimo relacionamento, podem ter uma visão global e prospectiva do seu

desempenho, e, com base nesse conhecimento, operar no mercado com valores mobiliários

de sua emissão, com uma superioridade não compartilhada pelos investidores do mercado

9 PARENTE. Norma Jonssen, 1978, Superintendência jurídica da CVM, Aspectos Jurídicos do Insider Trading, Rio de Janeiro, pg 18

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em geral. Vedações de operar à vista dentro de prazos pré-estabelecidos têm também sido

utilizadas como mecanismos repressivos no combate ao uso da informação privilegiada.

4- A feitura de relatórios esclarecedores da posição acionária de pessoas com

possibilidades de conhecimento dos negócios internos da companhia.

A obrigatoriedade da apresentação periódica de relatórios, desvendadores da posição

acionária das pessoas diretamente ligadas à companhia, tem sido igualmente utilizada como

medida preventiva no combate ao uso da informação privilegiada, pelo poder inibitório que

possui. Trata-se de disposição relacionada ao dever de informar, e que visa proporcionar

aos investidores o conhecimento da quantidade e qualidade dos valores mobiliários

pertencentes àqueles que dirigem a companhia da qual participam, bem como das

negociações por eles efetuadas com aqueles valores.

Uma das maiores inovações trazidas pela Instrução CVM 358 foi o seu artigo 15, o qual

prevê a Política de Negociação10, igualmente conhecida como a Safe Harbor norte

americana implantada pela SEC. Tal sistema elimina a presunção de que determinada

10 POLÍTICA DE NEGOCIAÇÃO

Art. 15 - A companhia aberta poderá, por deliberação do conselho de administração, aprovar política de negociação das ações de sua emissão por ela própria, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária.

§ 1º A política de negociação referida no "caput" não poderá ser aprovada ou alterada na pendência de ato ou fato relevante ainda não divulgado, e deverá necessariamente:

I. contar com a adesão expressa das pessoas mencionadas no "caput" que queiram dela se beneficiar, as quais deverão observá-la estritamente; e,

II. incluir a vedação de negociações, no mínimo, no período de 15 (quinze dias anterior à divulgação das informações trimestrais (ITR) e anuais (DFP e IAN) da companhia; e,

III. adotar procedimentos que assegurem que em nenhuma hipótese a companhia negociará com as próprias ações nos períodos de vedação estabelecidos nesta Instrução e na própria política de negociação;

§ 2º A critério da companhia, a adesão de que trata o inciso I do parágrafo anterior poderá contemplar a indicação detalhada de política de negociação própria do interessado, a qual deverá observar os mesmos elementos mínimos referidos no parágrafo anterior.

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informação seja privilegiada, na medida em que inverte o uso da mesma, isto é, obriga,

sobretudo, os administradores das Companhias de Novo Mercado, de anunciar o desejo de,

transacionar determinadas ações ou outros valores mobiliários, de acordo com uma política

de fair disclosure, isto é, com transparência e justa divulgação.

Saliente-se, contudo, que o Administrador, nem sempre, é obrigado a divulgar toda e

qualquer informação ao mercado. Tem ele o direito de guardar em sigilo determinadas

informações as quais, se divulgadas, poderiam acarretar em prejuízos ou danos à

Companhia. A exceção a esta regra se dá quando a informação se torna relevante.

Ocorre que, em determinados casos, é complexa a tarefa de analisar se determinada

informação é relevante ou não. Em havendo uma análise da relevância da informação ou da

presunção de que esta o seja, deve o Administrador, no entanto, se abster de negociar e se

quiser fazê-lo, deverá avisar ao mercado e/ou informar, em conformidade com a política de

negociação, que realizará determinada transação.

O artigo 6º da Instrução da CVM 358 prevê esta exceção à imediata divulgação em caso da

divulgação da informação relevante poder colocar em risco interesse legítimo da

companhia11;

11 Instrução CVM 358 - EXCEÇÃO À IMEDIATA DIVULGAÇÃO

“Art. 6º - Ressalvado o disposto no parágrafo único, os atos ou fatos relevantes podem, excepcionalmente, deixar de ser divulgados se os acionistas controladores ou os administradores entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia.

Parágrafo único. As pessoas mencionadas no "caput" ficam obrigadas a, diretamente ou através do Diretor de Relações com Investidores, divulgar imediatamente o ato ou fato relevante, na hipótese da informação escapar ao controle ou se ocorrer oscilação atípica na cotação, preço ou quantidade negociada dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados”.

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4- CONSEQUENCIAS DO INSIDER, SUAS RESPONSABILIDADES E SUAS

PENALIZAÇÕES

Apresentaremos, a seguir, as consequencias do insider trading, de acordo com as diferentes

leis e diretrizes de nosso Direito Pátrio.

A Lei 6404/76 e o inciso I, bem como os parágrafos 1º , 2º e 4º12, do art. 155 impõem

deveres e enunciam uma proibição para os administradores das companhias abertas e

aqueles que se lhes equiparam:

a. O dever de guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido

divulgada para conhecimento de mercado, capaz de influir de modo ponderável na cotação

dos valores mobiliários;

b. A proibição de valer-se dessas informações para obter, para si ou para outrem,

vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários, e

c. O dever de zelar para que subordinados e terceiros de sua confiança guardem sigilo

daquelas informações e não se valham dessas informações para obterem vantagem, para si

ou para outrem, mediante compra ou venda de valores mobiliários.

A infração desses três itens, segundo o § 3º do mesmo art. 155, acarreta para o

prejudicado o direito de haver indenização por perdas e danos dos infratores

12 Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários. § 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança. § 4º É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários (Acrescentado pela Lei 10.302/2001);

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(administradores, conselheiros e diretores, membros de órgãos estatutários com funções

técnicas e consultivas e conselheiros fiscais).

Este dispositivo é bastante amplo e responsabiliza sobremaneira as pessoas acima

indicadas. Eis que estas respondem por atos seus, de seus subordinados, e de terceiros de

sua confiança, e, no caso específico de "insider trading", por atos dessas pessoas e de

outras a quem estas tenham transmitido essas informações. Isto resulta em abranger

praticamente qualquer pessoa. Esta última categoria de pessoas o legislador as abrange, ao

usar a expressão "para si ou para outrem".

Note-se que os dispositivos em exame pretenderam, a todo modo, garantir ao investidor a

certeza de que, se prejudicado com a prática do insider trading, teria a correspondente

indenização em perdas e danos e, ainda, impor ao administrador o encargo de, a duras

penas, impedir que isso ocorra.

Buscou-se, desse modo, evitar que o investidor prejudicado ficasse à procura de quem

responsabilizar pelo ato ilícito. O regramento implícito nos dispositivos transferiu este

encargo para o administrador que, em etapa posterior, por sua vez, poderá reclamar o que

pagou a quem efetivamente praticou o insider trading. .Dito de outra forma, o art. 155 da

Lei nº 6.404/76 revela o interesse de restaurar o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo

dano, havendo uma nítida presunção legal no sentido de imputar ao administrador a

responsabilidade civil pelo prejuízo por meio do pagamento de indenização por perdas e

danos.

Nos termos da Lei nº 6.385/76, por sua vez, de acordo com o seu artigo. 9º, inciso V13,

compete à CVM apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais e práticas não

eqüitativas de administradores; acionistas de companhias abertas; intermediários, e

participantes do mercado. "Atos ilegais", para este efeito, são aqueles contrários à Lei nº

13 Art 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2o do art. 15, poderá : V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

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6.404/76 e à própria Lei nº 6.385/76. "Práticas não eqüitativas" são aquelas nas quais não é

reconhecido e respeitado por igual o direito de cada uma das partes.

Apurada, por inquérito, a realização de atos ilegais ou práticas não eqüitativas, por parte

das pessoas acima mencionadas, pode a CVM puni-las nos termos do art. 11 da Lei nº

6.385/76 por meio da aplicação das penalidades de advertência e/ou multa.

Fazemos uma ressalva no que toca à prática de “ato ilegal”. Considerado o "insider

trading" como "ato ilegal", a CVM somente poderá punir os administradores e as pessoas a

ele equiparadas (art. 160 da Lei 6.404/76), pois a ilegalidade do ato decorreria de violação

do art. 155 da Lei nº 6.404/76, dispositivo este que considera como infrator somente os

administradores. Regulada a matéria, seria, então, lícito punir qualquer das pessoas

mencionadas no inciso V do art. 9º da Lei nº 6.385/76.

Finalmente, esclarecemos que o inciso VI, do art. 9º da Lei nº 6.385/76, estabelece que as

penalidades aplicadas por infração ao inciso V do referido artigo não excluem a

responsabilidade civil e penal.

Assim, o prejudicado em um caso de insider trading poderá pleitear a reparação do dano,

com fundamento no art. 155 da Lei nº 6.404/76, ou com fundamento no art. 159 do Código

Civil. Na primeira hipótese proporá ação contra o administrador, e na segunda contra quem

lhe causou o prejuízo. Esta última será examinada mais adiante.

Quanto à responsabilidade penal, concluído o inquérito e constatado que há ocorrência de

crime de ação pública, a CVM oficiará ao Ministério Público, para proposição da ação

penal contra aqueles que no inquérito administrativo foram julgados culpados. No processo

administrativo sancionador, são utilizados os princípios aplicáveis ao Direito Penal.

Passemos, por ora, à análise dos dispositivos do Código Civil Brasileiro, por meio de seus

artigo 92 c/c art. 94, e art 159, ao protegerem direitos subjetivos e patrimoniais, são

aplicáveis a casos de insider trading.

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"Art. 92 – Os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for sua causa.

Art. 94 – Nos atos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade de que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela não seria celebrado o contrato.

Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar dano."

Entendemos a aplicação dos dispositivos acima transcritos devido ao fato de que:

a) O ato de comprar e vender ações é um ato jurídico;

b) O "insider" intencionalmente silencia a respeito de fato relevante da empresa;

c) A parte prejudicada ignora este fato relevante;

d) Há omissão dolosa quando "insider trading" intencionalmente omite o fato, e

e) A parte prejudicada não teria celebrado o contrato, se soubesse dos fatos relevantes

que a outra parte dolosamente omitiu.

Quanto à aplicação da norma do art. 159, entendemos que, de igual modo, o artigo poderá

servir de fundamento para a parte prejudicada pleitear indenização, porque no "insider

trading", pois (i) existe um fato lesivo voluntário doloso, imputável ao agente por

omissão; (ii) existe a ocorrência de um dano, de caráter patrimonial, e (iii) há relação de

causalidade entre o dano e o comportamento do agente.

Assim sendo, resulta claro o direito que terá o prejudicado, numa operação de "insider

trading", de:

a. Propor a anulação da operação (arts. 92 e 94), ou b. Pleitear indenização por perdas e danos (art. 159).

Nesse sentido temos a opinião de Pontes de Miranda, em "Tratado de Direito Privado", vol.

IV: "O dolo, que faz inválido o ato jurídico, também dá ensejo à incidência da regra

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jurídica do art.159". E mais adiante, o mesmo autor, ao tratar de pretensões concorrentes,

ensina: "O dolo pode suscitar a anulabilidade do ato jurídico, como ato ilícito. Ali, dolo

invalidamente; aqui, dolo ato ilícito absoluto ... Os sistemas jurídicos não fazem qualquer

dessas pretensões exclusivas das outras".

De qualquer modo, quando o investidor optar por propor uma ação com fundamento no

artigo, 92 c/c 94 ou 159, deverá ele propô-la, obviamente, contra quem deu causa ao dano,

o que na prática muitas vezes será difícil.

Por conseguinte, na maior parte das vezes, o investidor escolherá propor a ação com

fundamento no art. 155 da Lei nº 6.404/76, não se utilizando da opção a ele concedida pela

lei civil. Isto é, proporá ele a ação de perdas e danos contra o administrador e/ou aqueles a

ele equiparados, art. 155 da Lei nº 6.404/76.

No que toca à responsabilidade dos agentes insiders, a doutrina majoritária a vê como

sendo objetiva, bastando o nexo de causalidade entre o dano verificado e a conduta

antijurídica, uma vez que há uma presunção de culpa dada pelo dever de informar. Outros a

vêem como subjetiva, sendo neste caso, essencial a demonstração da culpa ou dolo por

parte do agente, ademais do nexo de causalidade entre o resultado dano e as condutas

praticadas pelo agente insider. De toda a sorte, observa-se que no caso insider trading, o

mais importante é o nexo de causalidade, que se baseará em indícios. Deve ser observado

também que nos casos de presunção absoluta, é invertido o ônus da prova, não cabendo ao

órgão acusador provar a responsabilidade do insider, e sim ao insider provar a ausência de

sua responsabilidade administrativa, civil ou criminal.

Passemos, por ora, a um dos temas mais recentes no que toca ao insider trading: o advento

do art 27-D da Lei 6385/76, o qual configura como crime a prática do insider trading.

Antes do advento desse dispositivo, a nossa legislação penal não abordava esse tema de

forma clara e universal.

Vejamos, pois, o artigo 27-D, ipse literis:

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DOS CRIMES CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS

Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Ressalte-se que após o convênio firmado em 2009 entre MPF e CVM com a finalidade de

auxílio mútuo e troca de informações em matéria de insider trading, a ciência de atos

criminosos relacionados ao insider trading dobrou nos seis primeiros meses de 2010 em

comparação aos mesmos meses de 2009. A primeira denúncia deste tipo de crime ocorreu

em maio de 2009, quando o MPF pediu a abertura de ação penal contra dois ex-executivos

da Sadia e um ex-executivo do banco ABN-Amro que lucraram na Bolsa de Valores de

Nova York mediante o uso de informações obtidas em São Paulo relativas à oferta da Sadia

pelo controle acionário da concorrente Perdigão, em julho de 2006. Este caso será melhor

abordado no próximo capitulo.

De acordo com Alexandre Pinheiro dos Santos, ex procurador-chefe da Procuradoria

Federal Especializada junto à Comissão de Valores Mobiliários, por meio de seu excelente

artigo escrito na Revista Consultor Jurídico, em 15 de dezembro de 2009, estas são as

seguintes as principais características do delito de insider trading14:

Objeto: a credibilidade, a estabilidade e o regular funcionamento do mercado mobiliário,

assim como a atuação regulatória e fiscalizatória da Comissão de Valores Mobiliários -

CVM;

Sujeito ativo: quem, em razão do seu ofício, tem acesso a informações privilegiadas (ex:

administrador de companhia aberta). Este poderia ser classificado em :

14 http://www.conjur.com.br/2009-dez-15/prevencao-combate-crime-insider-trading-sao-essenciais: acesso em 31.10.2011

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1-Insider primário : Pessoa obrigada a guardar sigilo (administradores, profissional com

dever de confidencialidade), sendo apenados criminalmente pelo art 27-D da Lei 6385/76 e

administrativamente pela Instrução CVM 358/02, art. 8º; e

2- Insider secundário: É aquele que recebe a informação privilegiada dentro de uma

relação de confidencialidade, mas que não está obrigado ao dever do sigilo. È apenado

administrativamente com base na Instrução CVM 358/02 – art. 13 – §1º.

Sujeito passivo: titulares de valores mobiliários, investidores, companhia, CVM e a

sociedade como um todo;

Conduta típica: utilizar (fazer uso), de qualquer modo, da informação relevante;

Elemento subjetivo: o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de utilizar a informação

relevante;

Momento consumativo: o da efetiva utilização da informação relevante, eis que se trata de

crime formal e de perigo abstrato, ou seja, que não exige a obtenção da vantagem almejada

pelo agente, sendo suficiente, para a sua configuração, a evidente potencialidade lesiva do

ilícito;

Ação penal: pública incondicionada, ou seja, trata-se de ação cujo titular é o Ministério

Público; e

Competência: Justiça Federal, por se tratar de crime contra um dos segmentos do sistema

financeiro nacional (mercado de capitais), com potencial caráter transnacional e que viola

os interesses institucionais do órgão regulador e fiscalizador do mercado mobiliário

brasileiro, a autarquia federal em regime especial CVM.

Antes do advento desse dispositivo legal supramencionado, o insider trading não era objeto

específico de crime algum capitulado no Código Penal, e sequer na Lei nº 1.521, de

26.12.51 (crimes contra a economia popular). De acordo com o Código Penal Brasileiro,

para que se caracterizasse o ilícito penal, far-se-ia necessária a existência do dolo, da má

Page 32: Insider trading   artigo marcella blok

intenção, da consciência que possui o agente de que, com seu ato criminoso, estaria se

locupletando ilicitamente do patrimônio da vítima, despojando-a de seus haveres,

empobrecendo-a.

Em relação aos crimes envolvendo negócios com ações, temos, no art. 174, do Código

Penal, o induzimento à especulação e, no art. 177, § 1º, inciso II e VIII, a manipulação

fraudulenta, praticada por diretores, gerentes, fiscais ou liquidantes de companhias. Na lei

que dispõe sobre crimes contra a economia popular, nº 1.521/51, no seu art. 2º, inciso IX, é

capitulada como crime a tentativa ou a obtenção de ganhos ilícitos em detrimento do povo

ou de número indeterminado de pessoas, mediante especulação, não havendo referência

especial à especulação com ações e, no inciso VI e VII do art. 3º, verificando-se,

igualmente definido como crime, o ato de provocar altas e baixas de preços de valores por

meio de notícias falsas (falsidade das cotações – manipulações), ou o ato de dar indicações

ou fazer afirmações falsas em prospectos para o fim de substituição, compra ou venda de

títulos, ações ou quotas.

Do exposto, verifica-se que foram tipificados os crimes referentes à especulação e

manipulação.. A despeito da quase total ausência de análise da tipificação penal do "insider

trading", intentava-se configurá-lo como estelionato, nos moldes do art. 171 do Código

Penal, que dispõe ser crime o "ato de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em

prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou

qualquer outro meio fraudulento".

5- DAS PROVAS EM RELAÇÃO AO "INSIDER TRADING"

Tudo o que até aqui foi exposto não surtiria qualquer efeito prático se não se pudesse

legalmente provar a ocorrência do insider trading. Quanto à admissão de provas no curso

do inquérito e processo administrativo instaurado pela CVM, esclarece-se que serão aceitas

todas as provas admitidas em direito (art. 12 da Res. 454/77 – BACEN).

Page 33: Insider trading   artigo marcella blok

As características do insider trading nos levam a crer que, em matéria de comprovar sua

ocorrência, as presunções desempenharão relevante papel. É nesse momento, como adverte

Moacyr Amaral Santos, em "Prova Judiciária no Cível e no Comercial", que se manifesta a

importância das presunções, quando se trata de provar estados de espírito e intenções nem

sempre claras e não raramente suspeitas, ocultas nos negócios jurídicos.

No que tocam às presunções, no Direito Penal, poderia haver presunção juris tantum de

elementos do tipo (ex. violência, art. 224 CP), mas não de culpabilidade , posto haver uma

presunção de inocência. O mesmo não ocorre no Direito Civil, o qual abarca uma

presunção juris tantum de culpabilidade. Em esfera administrativa, pelo Processo

Administrativo Sancionador , aplicar-se-iam os princípios norteadores do Direito Penal.

Muito se tem discutido sobre a influência recíproca das jurisdições civil, penal e

administrativa.

No que tange à jurisdição administrativa, inquérito e processo administrativo CVM, a

última, embora de categoria diversa das civil e penal, tem plena liberdade em relação

àquelas.

A instância administrativa pode aceitar fatos e circunstâncias apurados em outra jurisdição,

mas dar-lhes a sua própria interpretação. É lhe vedado, no entanto, declarar existentes fatos

negados em outras jurisdições, ou penalizar quem foi declarado estranho ao fato. Nada

impede, no entanto, que, na esfera de sua competência, decida no âmbito restrito de suas

atribuições. Suas decisões não são definitivas, pelo art. 153, § 4º, da Constituição Federal, o

que quer dizer que, embora finais e irrecorríveis na área administrativa, são passíveis de

contestação na esfera judicial.

No insider trading, onde se verifica uma omissão dolosa, o convencimento do juiz, na

maior parte das vezes, será feito com base em indícios, que terão como conseqüência

presunções, ou talvez até mesmo através de normas da experiência comum, subministradas

pela observação do que ordinariamente acontece (prova baseada na experiência –

denominada prova "prima facie").

Page 34: Insider trading   artigo marcella blok

Três dispositivos do Código de Processo Civil nos autorizam este entendimento. O

primeiro, art. 131, estabelece que o juiz aprecie livremente a prova, atendendo aos fatos e

circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes. O segundo, art.

332, admite como hábeis para provar a verdade dos fatos todos os meios legais, bem

como os moralmente legítimos. E o terceiro, art. 335, dispõe que, em falta de normas

jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras da experiência comum subministradas pela

observação do que ordinariamente acontece.

O Código Civil de 2002, ao contrário do antigo, não dispôs expressamente que os atos de

má fé poderão ser provados por presunção. A presunção não é prova no sentido estrito, e

sim uma conclusão do juiz que, pelos dispositivos citados, é plenamente autorizada.

Pontes de Miranda assim define “presunção”: "É a experiência dele, do juiz, derivada do

que sabe sobre as coisas, das suas relações e coexistência, ou da localização que as

estabelece". Em razão disso, é irrelevante o fato do novo Código de Processo Civil não se

ter referido à presunção como prova de atos dolosos.

Tem sido objeto de preocupação de diversos autores a distinção entre indícios e presunções.

Uns acreditam expressões sinônimas. Outros entendem que a primeira é usada em Direito

Penal e a segunda no Direito Civil.

Parece-nos acertado concluir que indícios são fatos, acertos isoladamente despidos de valor,

mas quando analisados em conjunto com outros fatos, conduzem a conclusões.

Já a presunção parte de um indício, um fato certo, sendo o juízo formado por um ou vários

indícios, em relação a um fato certo. Em resumo, presunções são conseqüências deduzidas

de um fato conhecido (indício) para chegar a um fato desconhecido.

Havendo mais de uma presunção, visto que não é o número, mas a qualidade e o peso das

presunções que criam a convicção, poderia o juiz, baseado em uma só presunção, concluir

pelo fato que se pretende provar.

Page 35: Insider trading   artigo marcella blok

A falta de indícios, ou mesmo a dificuldade em estabelecer o nexo causal entre o dano e a

culpa do agente, por sua vez, não impede que se faça justiça. A lei expressamente autorizou

o juiz a decidir com base na experiência.

Não cremos, porém, que seja necessário o uso de presunção fundada na experiência, em

casos de "insider trading", visto que nesta hipótese há sempre indícios. Estes seriam, por

exemplo, a constatação de compras e vendas de ações de determinada empresa efetuados

imediatamente antes da revelação de um fato relevante da sociedade, por pessoas a ela

vinculadas, ou vinculadas a estas. Deste indício, que é um fato certo, o juiz concluirá, por

presunção, que houve um ato ilícito. Neste diapasão, o juízo formado a respeito do "insider

trading" será, na maior parte das vezes, extraído de presunções, já que a presunção é a

prova característica dos atos dolosos, fraudulentos, simulados e de má-fé em geral.

De toda a sorte, no âmbito dos administradores de carteira, existe o que se convencionou

chamar Chinese Wall (art 15 da Instrução CVM 306/99, alterada pelas Instruções CVM

364/02, 448/07 e 450/07), leia-se, um conjunto de regras, as quais pressupõem a (i)

existência de políticas e manuais; (ii) supervisão efetiva das comunicações entre áreas

“públicas” e “privadas” (sensíveis); (iii) efetivo monitoramento de operações dos

empregados e clientes; (iv) a utilização de listas restritivas (watch and restricted lists) e (v)

treinamento.

PROENÇA identificou, até o ano de 2000, os seguintes processos administrativos

sancionadores julgados pela CVM atinentes ao tema Insider Trading:

01/78;02/79;03/79;14/80;29/82;03/83;05/83;22/83;24/83;02/85;04/85;04/86;14/88;28/88;07

/91;09/92;31/93;18/96;22/99 e 13/00;32/0015.

Seguem, ainda, outros Processos Administrativos Sancionadores mais recentes:

- Relacionados à Chinese Wall PAS 06/2003 - julgado pela CVM em 14/09/2005 PAS 18/01 - julgado pela CVM em 04/11/2004

15 BARBOSA, Marcelo;BARROS, Octavio Fragata, BRICK, Bruna Zoghbi, CAMPINHO, Bernardo Capela, Direito Societário e Mercado de Capitais, turma 2, vol 2, Editora FGV, Rio de Janeiro, pg 77

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• Materialidade da infração - (des)necessidade de prejuízo PAS 22/04 - julgado pela CVM em 20/06/2007 PAS 04/04 - julgado pela CVM em 28/06/2006 PAS 017/2002 - julgado pela CVM em 25/10/2005 PAS RJ2003/05627 - julgado em CVM 28/01/2005 • Presunção de culpa (presunção juris tantum) PAS RJ2003/5669 - julgado pela CVM em 11/07/2006 PAS 04/04 - julgado pela CVM em 28/06/2006 PAS SP 2005/0155 - julgado pela CVM em 21/08/2007 PAS 12/2000 - julgado pela CVM em 17/04/2002

Além desses, merecem destaque outros mais recentes: Processos Administrativos

2006/8205. 2001/4652, 2002/2259 e 07/2007.

O caso de absolvição do Credit Suisse, tem sido, hodiernamente, o caso mais polêmico e

conhecido acerca deste tema do Insider Trading. A Comissão de Valores Mobiliários

absolveu o Credit Suisse Securities da acusação de uso de informação privilegiada na

operação com units - que representam ações - da Terna Participações. O Credit Suisse

prestou consultoria à Terna na operação societária de venda do controle acionário. A

divulgação em fato relevante da venda do controle foi feita no dia 23 de abril de 2009. No

dia anterior, o Credit Suisse negociou units de emissão da companhia. Por isso, a CVM

investigou a possibilidade de insider trading na negociação. No entanto, o Credit Suisse

explicou que a operação foi de pequeno porte, apenas para dar liquidez à operação de um

cliente que havia colocado à venda um lote de 35.500 units. Para o fechamento da

operação, faltavam 2.800 units. Foi alegado que as units adquiridas foram revendidas a

preços de mercado no mesmo dia, sendo que o Credit Suisse USA sofreu pequeno prejuízo

com a operação. 16

Seguem os trechos mais importantes do extrato da sessão de julgamento do processo

administrativo sancionador CVM Nº RJ2010/4206:

Acusado: Credit Suisse Securities (USA) LLC

Ementa: Eventual irregularidade na negociação com units da Terna Participações S/A, em suposta infração ao art. 13 da Instrução CVM nº 358/02.

16 Notícia de 23 de agosto de 2011 vista no site do Valor Online

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Absolvição.

Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos, o Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários, com base na prova dos autos, por unanimidade de votos, decidiu absolver o Credit Suisse Securities (USA) LLC da acusação formulada de suposta infração ao art.13 da Instrução CVM nº 358/02, por não ter restado provada efetiva violação do disposto no art. 13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02.

Assunto: Apurar eventual irregularidade na negociação com units da Terna Participações S.A., em suposta infração ao artigo 13 da Instrução CVM nº 358/02

Diretor-Relator: Alexsandro Broedel Lopes

R e l a t ó r i o

1. No relatório de análise GMA-1/nº 37/09, de 04/12/09, preparado pela Gerência de Acompanhamento de Mercado 1 ("GMA1") para o Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2009/13459, apurou-se que o Credit Suisse Securities (USA) LLC ("Credit Suisse USA") prestou consultoria à Terna Participações S.A ("Terna"), inclusive com a elaboração de uma fairness opinion, com relação à operação societária de venda do controle da Terna.

2. Considerando, ainda, que a operação de venda de controle da Terna foi divulgada em fato relevante de 23/04/09 e que o Credit Suisse USA negociou units de emissão da Terna no dia anterior, em 22/04/09, o relatório da GMA, 1 vislumbrou possível infração ao disposto no art.13 da Instrução CVM nº 358/02, pois a referida negociação teria ocorrido em período de vedação (fls. 21 e 22).

3. Ainda que não tenha verificado "indícios significativos de insider trading" nos negócios realizados, em vista do "volume relativamente pequeno" envolvido, a GMA1 sugeriu que a Superintendência de Relações com Empresas ("SEP") averiguasse a atuação do Credit Suisse USA "pelo fato de a instituição ter participado diretamente nas negociações que culminaram na venda do controle da Terna Participações" (fls. 06).

4. Instado a apresentar manifestação prévia, o Credit Suisse USA informou que: a. Foi o Credit Suisse (Europe) Limited, com sede em Londres, que foi

contratado pela Terna para a emissão de uma fairness opinion, e não o Credit Suisse USA;

b. Alguns funcionários de investment banking do Credit Suisse USA "foram envolvidos em discussões a respeito da transação pretendida" pela Terna;

c. No dia 22/04/09, um cliente do departamento de corretagem do Credit Suisse USA havia colocado um lote de 35.500 units da Terna para venda na Bolsa de São Paulo, sendo que restavam 2.800 para que a ordem fosse fechada. Por razões comerciais, devido ao seu relacionamento com o cliente, o Credit Suisse USA decidiu adquirir as referidas units, de forma a propiciar liquidez a seu cliente e o fechamento da ordem. As units adquiridas foram revendidas a preços de mercado no mesmo dia, sendo que o Credit Suisse USA sofreu pequeno prejuízo com a operação."

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5. Em 14/04/10, a SEP preparou Termo de Acusação, em face do Credit Suisse USA, sob os seguintes fundamentos:

a. Segundo o art.13 da Instrução CVM nº 358/02, é vedada a negociação com ações de emissão da companhia por quem tenha conhecimento de informação referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata de informação ainda não divulgada ao mercado. E, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 13 citado, essa mesma vedação aplica-se àqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia;

b. A despeito dos argumentos apresentados pelo Credit Suisse USA, não há na legislação e/ou regulamentação vigentes nenhum dispositivo que dispense o cumprimento do referido art.13, parágrafo 1º, da Instrução CVM nº 358/02. Assim, o Credit Suisse USA teria descumprido o referido dispositivo, ao negociar com as units da Terna em 22/04/09, antes da divulgação do fato relevante de 23/04/09, que anunciou a operação societária na Terna para qual o Credit Suisse USA teria prestado serviços de consultoria;

c. O volume envolvido na operação realizada "corresponde a cerca de R$ 80.696,00".

6. Em 09/08/10, o Credit Suisse USA apresentou sua defesa, sob os seguintes fundamentos, resumidamente:

a. A SEP não provou que o acusado teve acesso à informação privilegiada, já que "não foram realizadas investigações para averiguar quais informações os funcionários do Credit Suisse USA tiveram acesso ao participar da elaboração da fairness opinion da Terna, para quem eventualmente tê-las-iam transmitido, quem teria transmitido a ordem de negociação e, mais importante ainda, se quem efetivamente tomou a decisão da negociação de units da Terna possuía informação privilegiada". Os funcionários do Credit Suisse USA, que foram emprestados do seu departamento de investment banking para auxiliar o Credit Suisse Europe na elaboração da fairness opinion, não foram responsáveis pelos negócios com as units da Terna, tampouco participavam da área responsável pela decisão desses negócios – essa decisão teria sido tomada pela mesa de corretagem do Credit Suisse USA;

b. No caso, não foi realizado nenhum processo investigatório, de forma que a acusação pautou-se apenas em suposições. Fez-se uma suposição não autorizada de que dois funcionários emprestados pelo Credit Suisse USA teriam tido acesso à informação privilegiada e a transmitido aos responsáveis pelas operações. Na verdade, haveria contraindícios de que a operação foi realizada irregularmente: (i) os funcionários que tiveram acesso à suposta informação privilegiada não fazem parte da área do Credit Suisse USA que autorizou a negociação com as units da Terna; (ii) a negociação foi realizada para dar liquidez a um cliente, motivo que não se relaciona com a suposta detenção de informação privilegiada; (iii) a negociação resultou prejuízo ao acusado; (iv) a própria acusação reconhece que a negociação não tinha a finalidade de obtenção de vantagem indevida;

c. O disposto no artigo 13, parágrafo 1º, da Instrução CVM nº 358/02 depende da verificação da culpabilidade do agente, não se tratando de uma vedação absoluta, que não admite exceção ou prova em contrário. Assim, mesmo não

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constando de forma expressa na norma a necessidade de verificação da intenção do agente, ela não pode ser desconsiderada, pois sua análise é inerente a todo ilícito administrativo. É preciso avaliar se a operação se reveste de fundamentação econômica ou outra motivação forte que, ao final, elida a infração prevista;

d. Deve-se, ainda, verificar se houve finalidade de obter vantagem com a utilização da informação privilegiada, sendo este o elemento subjetivo do tipo previsto no art.13 da Instrução CVM nº 358/02. Assim, quando não há finalidade de auferir vantagem com a negociação, a conduta não é irregular;

e. Interpretar o dispositivo em questão de maneira diferente seria admitir que a função normativa da CVM teria sido conduzida de forma irregular, ao editar a Instrução CVM nº 358/02, pois ter-se-ia excluído a "finalidade de auferir vantagem" contida como elemento do tipo legal de insider trading, expressamente previsto no art.155, parágrafo 4º, da Lei nº 6.404/76;

f. A conduta do Credit Suisse USA não se coaduna com a do comportamento que um insider teria se detivesse a informação privilegiada, que, no caso, manteria os papeis em carteira até a concretização do leilão de oferta pública. Ademais, o momento da negociação não foi definido pelo acusado, mas por seu cliente;

g. De todo modo, independentemente de todos os argumentos anteriormente expostos, não há que se falar em informação privilegiada, já que a informação tida por sigilosa já circulava no mercado com grau mínimo de robustez. Houve vazamento da informação, pois o presidente da Terna S.P.A., em um roadshow realizado sobre o plano de negócios de 2009-2013, tratou do assunto da potencial venda da participação da Terna, sua controlada.

É o relatório.

Alexsandro Broedel Lopes

Diretor-relator

V o t o

01. Ao analisar a peça acusatória e a defesa, noto que a controvérsia central versa sobre a interpretação da norma supostamente infringida, a saber, o art.13, da Instrução CVM nº 358/02.

2. Conforme a acusação, não há nada que dispense o cumprimento do referido art.13 e seu parágrafo 1º, razão pela qual seriam irrelevantes os motivos que levaram o Credit Suisse USA a negociar units da Terna no período vedado.

3. Já para a defesa, a acusação, assim agindo, deixou de avaliar a "finalidade de auferir vantagem" com a informação privilegiada, como sendo o elemento subjetivo da vedação prevista no art.13 da Instrução CVM nº 358/02 – elemento este presente, expressamente, no art.155, parágrafo 4º, da Lei nº 6.404/76, que trata de insider trading, praticado por insider de mercado ou secundário.

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4. Conforme a defesa, dispensar o elemento subjetivo "finalidade de auferir vantagem", na interpretação do art.13 citado, seria o mesmo que admitir que a CVM, ao editar a Instrução CVM nº 358/02, teria extrapolado a sua função normativa.

5. Buscando doutrina sobre o tema, Marcelo Fernandez Trindade, em artigo publicado recentemente, discorreu justamente acerca dessa controvérsia na interpretação do art. 13 da Instrução CVM nº 358/02, como se vê:

"A regulamentação da CVM, ciente da dificuldade de provar de maneira definitiva tal motivação de auferir vantagem, inverteu o ônus da prova em certas situações de atuação de insiders primários ou equiparados, através da criação de presunções. (...)

A CVM, na forma do art. 8º, I, da Lei 6.385/1976, tem o poder de ‘regulamentar (...) as matérias expressamente previstas nesta lei e na Lei de Sociedade por Ações’, mas não tem o poder de proibir previamente negociações que sejam inerentes a operações realizadas no mercado. E por isso mesmo não o fez, limitando-se, corretamente, a estabelecer presunções iuris tantum, que comportam prova em contrário, e atingindo apenas agentes que tenham induvidoso acesso à informação, com a ciência de seu caráter privilegiado – como são chamados insiders primários e os demais agentes a ele equiparados".

6. Assim, não houve ilegalidade ou extrapolação de limites por parte da CVM ao deixar de inserir o elemento subjetivo "finalidade de auferir vantagem" na edição do art.13 da Instrução CVM nº 358/02, ainda que esse elemento esteja, expressamente, previsto no art.155 e parágrafos da Lei das S/A, ao dispor sobre insider trading. A CVM poderia suprimir esse elemento subjetivo, com a inclusão, em sua norma, de uma presunção relativa, com o objetivo precípuo de, no caso de insiders primários ou equiparados, mitigar o seu ônus probatório.

7. A CVM deve exercer as suas atribuições para o fim de "assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão" e "proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários", entre outras (artigo 4º e incisos, da Lei nº 6.385/76). Disso decorre a total competência da CVM para vedar determinadas operações no mercado, em determinadas condições, podendo, para tanto, definir "as espécies de operação autorizadas na bolsa e no mercado de balcão; e métodos e práticas que devem ser observados no mercado" (art.18, inciso II, alínea ‘a’, da Lei nº 6.385/76).

8. E é exatamente esse o objetivo da Instrução CVM nº 358/02: trata-se de norma que visa a manter a higidez e a confiança do mercado, vedando a possibilidade de negócios por aqueles que detêm, antecipadamente, informação relativa a ato ou fato relevante.

9. A meu ver, portanto, não há que se discutir acerca da legalidade da vedação contida no art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02. Mas isso não significa que a acusação esteja desincumbida de, em cada caso, comprovar o seu descumprimento, ainda que mediante a utilização de prova indiciária. A defesa, por sua vez, sempre poderá apresentar todas as provas cabíveis para demonstrar que não houve o

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descumprimento da norma. Isso é evidente, pois decorre dos princípios do contraditório e da ampla defesa, que norteiam todo e qualquer processo administrativo.

10. Tanto que o próprio art.13 da Instrução CVM nº 358/02, em seus parágrafos 6º e 7º, dispõe sobre exceções à vedação: (i) quando se tratar de negócios atrelados ao cumprimento de plano de outorga de opção de compra de ações; e (ii) com relação a negócios realizados de acordo com política de negociação da companhia. Nesses casos, ainda que a CVM apure, a priori, eventual infração ao disposto no caput do art.13, a defesa facilmente demonstrará que as negociações não eram irregulares, trazendo aos autos o plano de opções ou a política de negociação da companhia que, conforme o caso, facultam a negociação de ações no período vedado.

11. Em suma, o art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02 tratam de legítima vedação normativa à negociação de ações, por determinadas pessoas e em determinadas condições.

12. Pois bem, analisando o caso concreto, verifico que a defesa não contesta que a negociação de units da Terna ocorreu um dia antes da publicação de fato relevante, que divulgou informações sobre operação societária para a qual funcionários do acusado teriam emitido uma fairness opinion. Trata-se, portanto, de fato incontroverso, que indica aparente infração à norma apontada, razão pela qual rejeito, desde logo, os argumentos da defesa no sentido de que a acusação não realizou processo investigatório e pautou-se apenas em suposições.

13. Ainda de acordo com a defesa, o Credit Suisse USA teria negociado units da Terna, durante o período vedado, para "dar liquidez a um cliente, o qual necessitava de uma pequena quantidade de units para completar sua transação".

14. Em continuidade, afirma a defesa que: "essa negociação ter ocorrido na véspera da divulgação do fato relevante não passa de mera coincidência, e como tal deve ser aceita, sem conseqüências para o Defendente", que não deve ser responsabilizado, "(...) seja porque o momento da negociação foi definido por uma necessidade de um cliente; (...) seja porque a negociação não se coaduna com o comportamento de um insider que detivesse informação privilegiada".

15. Conforme a defesa, portanto, o Credit Suisse USA não tinha a intenção de negociar as units da Terna e, tampouco, de obter vantagem com essa negociação. O fez apenas para atender as necessidades de um cliente.

16. Nesse sentido, ainda que inicialmente tenham sido trazidos só argumentos, desacompanhados de qualquer prova, foi posteriormente protocolizado pela defesa um expediente confidencial que confirma, com suficientes elementos objetivos, a verossimilhança das alegações trazidas acerca das operações realizadas para atender às demandas do supracitado cliente.

17. A análise do expediente acima, em conjunto com alguns contra-indícios fáticos, opera a favor do acusado. De fato, ao analisar os negócios realizados, chama a atenção, de pronto, o baixo volume operado – notadamente se considerarmos o porte e a natureza da atividade desempenhada pelo acusado. Nota-se, ainda, que a compra e venda das units da Terna foram realizadas no mesmo dia (day trade), tendo, ao final, acarretado prejuízos para o acusado. E, principalmente, observo que tudo ocorreu antes da divulgação do fato relevante.

18. Entendo, assim, que os elementos probatórios acima são suficientes para, no caso concreto, desconstituir a base da acusação formulada e concluir que não restou

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provada efetiva violação do disposto no art.13 e parágrafos da Instrução CVM nº 358/02 pelo acusado, razão pela qual voto pela sua absolvição.

É como voto.

Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2011.

Alexsandro Broedel Lopes

Diretor-relator

Declaração de voto da Diretora Luciana Pires Dias na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2010/4206 realizada no dia 23 de agosto de 2011.

Senhora presidente, eu acompanho o voto do Relator.

Luciana Pires Dias DIRETORA

Declaração de voto do Diretor Otavio Yazbek na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2010/4206 realizada no dia 23 de agosto de 2011.

Senhora Presidente, o presente caso suscita algumas importantes questões acerca da estrutura das funções do art. 13 da Instrução CVM nº 358/2002. Parece-me óbvio que também no §1º do referido dispositivo se está lidando com uma vedação à negociação, aplicada aos chamados insiders secundários. Essa vedação, porém, deve ser lida de maneira distinta daquela contida no caput, que se destina aos insiders primários.

Tais vedações partem, de um modo geral, da pressuposição de que as pessoas relacionadas no caput do §1º, em razão do acesso que dispõem a certas informações, devem ser, de início, tidas como insiders.

No caso do §1º, porém, a própria natureza dos agentes ali referidos faz com que tal presunção deva ser considerada uma presunção juris tantum, sendo assim, passível de afastamento.

Quando aquele dispositivo fala em "quem quer que tenha conhecimento de informação, referente a ato ou fato relevante, sabendo que se trata de informação ainda não divulgada ao mercado, em especial "aqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, tais como auditores independentes, analistas de valores mobiliários, consultores, instituições integrantes de sistema de distribuição, aos quais compete verificar a divulgação da informação antes de negociar com valores mobiliários de emissão da companhia ou a eles referenciados", está se referindo a personagens muito

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distintos, que atuam no mercado de maneira diversa, que se organizam internamente de maneira diversa e que são expostos à informação de maneira diversa.

Isso, para mim, demonstra que, na sua origem, a vedação constante do §1º talvez corresponda, antes de mais nada, a uma estratégia regulatória necessária ante as dificuldades com que, geralmente, o regulador se depara em casos de insider trading. É impedimento porque essa é a forma que, juridicamente, melhor se coaduna às necessidades desta Autarquia, mas a aplicação da norma exige cuidados que não são demandados para aqueles agentes referidos no caput, ao menos não na mesma extensão, isso sob pena de se produzirem efeitos indesejados, que, ao mesmo tempo em que restringem a atuação legítima no mercado, nada mais têm a ver com a coibição das práticas que originariamente a norma procurava coibir. Daí decorre que não há como afastar as peculiaridades do caso concreto na análise do descumprimento do §1º do art. 13.

Em razão de tal análise, parece-me que, no presente caso, pela natureza da acusada e dos serviços que ela tipicamente presta, pela sua estrutura organizacional, pela análise dos resultados auferidos, impõe-se a absolvição.

Por esse motivo eu acompanho o voto do diretor-relator nas suas conclusões.

Otavio Yazbek

DIRETOR

Declaração de voto da Presidente da CVM, Maria Helena dos Santos Fernandes de Santana, na Sessão de Julgamento do Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2010/4206 realizada no dia 23 de agosto de 2011.

Eu também acompanho o voto do Relator e proclamo o resultado do julgamento, em que o Colegiado desta Comissão, por unanimidade de votos, decidiu absolver o Credit Suisse Securities da acusação formulada e encerro a sessão, informando que a CVM interporá recurso de ofício ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

Maria Helena dos Santos Fernandes de Santana

PRESIDENTE

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6 – DA LEGISLAÇÃO NORTE-AMERICANA: ESTUDO DE DIREITO

COMPARADO

O sistema da legislação federal norte-americana sobre securities é e continua sendo a fonte

inspiradora para o Brasil e para uma série de outros países. Tendo em vista que o Insider

trading compromete a confiança dos investidores na justiça e a integridade dos mercados

de valores mobiliários, a SEC tem tratado a detecção e a repressão de violações de insider

trading como uma de suas prioridades. É justamente nos EUA que vem ocorrendo o maior

número de casos julgados envolvendo a questão de responsabilidade dos insiders. Ademais,

a Securities and Exchange Commission -SEC, autoridade administrativa encarregada de

fiscalizar o mercado acionário norte-americano, vem realizando esforços na repressão

do insider trading.

Nos Estados Unidos, a primeira regulamentação que abordou o tema do insider foi a

Securities Act 34, em sua seção 16 A, ao prever as anti-fraud provisions. Foi seguida pela

regra 10b5.

A Seção 16 a) reza a obrigação para os administradores, diretores e quaisquer pessoas que

detenham, direta ou indiretamente, mais de 10% de ações de uma companhia com títulos

publicamente negociados, de remeter à SEC relatórios mensais, indicando qualquer

modificação no número de ações que possuem naquela companhia.

Ademais, a Seção 16 b) dispõe que qualquer das pessoas acima elencadas deve devolver à

companhia qualquer lucro obtido nas operações de compra e venda ou venda e compra de

ações da mesma companhia dentro de um período de seis meses. Em suma, o insider não

pode comprar e vender em intervalo de tempo inferior a seis meses.

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Francisco Mussnich, em seu brilhante artigo publicado na Revista de Direito Mercantil n°

3417, ensina-nos que :

A seção 16-b), comumente conhecida como Rule of Thumb ou short- swing profit prohibition provision, estabelece uma presunção de utilização desleal de informações privilegiadas, se preenchidas certas condições, desprezadas as intenções ou expectativas das pessoas envolvidas. A seção estabelece a responsabilidade por ato ilícito dos administradores (conselheiros ou diretores) ou controladores diretos ou indiretos de mais de 10% de qualquer classe de valor mobiliário registrado de acordo com a seção 12 do referido act, obrigando essas pessoas a reembolsarem à empresa todo e qualquer lucro realizado na compra e venda ou venda e compra de qualquer valor mobiliário desta empresa, caso tenham sido realizadas em um período inferior a seis meses.

Ressalte-se haver uma presunção jure et de jure no que toca a estas operações terem sido

efetuadas de boa fé. Embora não soasse estranho e tampouco inédito que o agente insider

pudesse estender suas operações por um período superior aos seis meses permitido pelo act,

este prazo teve de ser aceito como um ato definitivo.

A competência para a aplicação do act é da Justiça Federal e os réus podem ser citados em

qualquer parte do mundo.

Mais adiante, o brilhante autor e professor prossegue:

A execução judicial da seção 16-b) é efetuada através de ação judicial de responsabilidade proposta contra os violadores da norma jurídica , pela empresa dos valores mobiliários , ou, na hipótese de sua recusa ou impossibilidade, decorrido o prazo de 60 dias após a solicitação para a propositura da referida ação ou ainda no caso de um acionista controlador (hipótese em que é desnecessária qualquer solicitação para a propositura da ação) pelos acionistas da Companhia emissora, na qualidade de seus substitutos processuais.

17 MUSSNICH, Francisco Maciel Antunes, A Utilização desleal de informações privilegiadas- Insider Trading- no Brasil e nos Estados Unidos, Revista de Direito Mercantil n° 34, , São Paulo, Malheiros, 1979, pg 35

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O prazo de prescrição para a propositura da ação é de dois anos , contados da data em que o lucro foi realizado, não correndo , entretanto, a partir desta data, caso os violadores da norma não tenham notificado a Securities Exchange Comission da ocorrência da operação.

Cumpre salientar que a SEC obriga os administradores a notificar-lhe a quantidade de ações

possuídas pela empresa seis meses antes de sua investidura no cargo de administrador e até

seis meses após seu desligamento da empresa. Agindo assim, busca tal autarquia aumentar

as possibilidades de insider previstas na seção 16-b.

No caso Blau v. Lehman18, a Suprema Corte Americana reconheceu a possibilidade de

existir uma relação contratual (conhecida como agency) a qual no direito brasileiro

assemelhar-se-ia a mandato, entendendo que o conceito de “administrador” poderia ser

estendido, pois, não somente aos administradores do Conselho de Administração e/ou da

Diretoria da Companhia.

Ademais da definição de “administrador”, o controlador direto ou indireto, isto é, aquele

que detenha mais de 10% dos valores mobiliários de determinada Companhia, pode ser

considerado um insider trading. Houve um caso emblemático19 em que a esposa de um

administrador foi considerada uma das controladoras indiretas das ações de seu marido,

tendo sido, conseqüentemente, punida com base nesse dispositivo 16-b.Nesta decisão, o

Tribunal Norte-Americano examinou o conceito de controlador direto e indireto e o

ampliou. Se os frutos da propriedade de determinados valores mobiliários de uma dada

companhia são gozadas por ambos os cônjuges, com o resultado dos dividendos, dos

ganhos de capital na alienação das ações e no caso de disposição das mesmas em caso de

doação ou herança, parece justo aos olhos da SEC e da Corte de Justiça Norte Americana

que ambos os cônjuges sejam apenados.

No entanto, tanto a SEC como os Tribunais reconhecem que as transações do controlador

direto ou indireto só seriam atingidas pela seção 16-b se a quantidade de valores

18 Ver Blau v. Lehman, 368, US, 403, (1962) 19 Vide caso Whiting v. Dow Chemical Company, 523,F.2ed, 680 (2nd Cir, 1975)

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mobiliários possuída de no mínimo, 10%, permitir um real e efetivo acesso às informações

ditas privilegiadas.

A jurisprudência norte americana entende que esse mínimo de 10% dos valores mobiliários

detidos pelo controlador direto ou indireto se mantenha em ambas as transações, seja na

seqüência de compra e venda ou na venda e compra. Dito de outra forma, se foram

adquiridas 10% das ações de determinada Companhia e foram vendidas 4% das mesmas,

não haveria, presunção, pois, de insider trading

No caso Reliance Electric Company v. Emerson Electric Company, a Suprema Corte

Americana, entretanto, rejeitou o argumento de que todas as vendas de um controlador que

detenha 10% ou mais de ações de uma dada Cia, dentro do período legal exigido de 6

meses, possuem uma presunção legal de ilicitude, mesmo que em outra operação, tenha

reduzido seu percentual acionário para menos de 10%. Para justificar essa posição, a

Suprema Corte argumentou que se uma venda efetuada em duas etapas por um controlador

detentor de no mínimo 10% de determinados valores mobiliários no período de 6 meses da

compra, tratar-se-ia justamente da situação em que o Congresso buscou remediar , podendo

estas transações serem evitadas de forma mais eficiente caso o act fosse levado em conta, o

que preservaria as características da seção 16-b) ao invés de atribuir ao Judiciário a função

de investigar as intenções dos investidores em casos de litígio. Assim, se um controlador de

11% de uma Companhia adquirisse lotes extras de 5% em janeiro e vender 7% em fevereiro

e os remanescentes 9% em março, não surgiria para ele a obrigação de restituir os lucros

realizados na operação de mercado.

A Rule 10 b-5, por sua vez, estabelece ser ilegal a conduta de qualquer pessoa que, ao

negociar com ações, preste informações falsas ou incorretas, ou omita um "fato relevante"

(material fact). A jurisprudência tem entendido como material fact qualquer fato que seria

levado em consideração por um investidor médio ao negociar com ações. Este ordenamento

legal foi adotado no Release nº 343230 de 21.05.42, o qual considerou ilegal o ato de

qualquer pessoa que direta ou indiretamente omitir ou fizer declarações falsas ou incorretas

sobre um fato relevante, em conexão com a compra ou venda de alguma ação.

Page 48: Insider trading   artigo marcella blok

Conforme aponta Nelson Eizirik20 , a jurisprudência norte - americana tem interpretado

a Rule 10 b-5 de forma a exigir por parte do insider que, quando este estiver na posse de

informação relevante, deve revelá-la ao público e, se não puder fazê-lo, deve abster-se de

negociar com ações daquela empresa ou recomendar à terceiros que o façam enquanto a

informação não for divulgada. Trata-se do princípio do "disclose or refrain from trading".

Importante notar que a legislação norte-americana estabelece que a responsabilidade é

objetiva nos casos de insider trading. Em outras palavras, não é necessário que o autor da

ação prove o intuito do insider em obter lucros indevidos ou causar danos a terceiros ou

mesmo a efetiva utilização de informações confidenciais. Tal regra foi apelidada de "crude

rule of thumb".

Interessante apontar o posicionamento norte-americano quanto a :

1) Quem são as pessoas proibidas de negociar

Verifica-se, hodiernamente, que a tendência é de ampliar o conceito de insider. Neste

sentido, temos o emblemático caso Cady Roberts21, no qual se entendeu pela aplicação

da Rule 10 b-5 a terceiros vinculados aos administradores (tippees ). Em tal situação foram

considerados como insiders não só os funcionários, administradores e controladores das

companhias, como também se enquadraram nesta "classe" pessoas que, não vinculadas

funcionalmente à companhia, tivessem acesso privilegiado a determinadas informações.

2- A lei proíbe tão somente o inside information ou também alcança o market

information?

Esta discussão vem se tornando bastante complexa e interessante: não há um consenso na

doutrina e na jurisprudência norte-americana sobre a diferença entre market

information e insider information. Para alguns a diferença reside no fato de que a fonte do

20 EIZIRIK, Nelson - "Insider trading e Responsabilidade Do Administrador De Companhia Aberta" - Artigo publicado na Revista de Direito Mercantil, nº 50, abril/ junho de 1983 21 Roberts, sócio de uma corretora vendera ações da Curtiss-Wright Corporation na Bolsa de Valores de Nova Iorque, de posse de sua esposa, depois de saber pelo diretor da companhia que a empresa reduziria seus dividendos trimestrais, sendo que tal notícia só foi divulgada pelos jornais após alguns dias da transação.

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insider information é a própria empresa, enquanto que no market information a mesma se

dá fora da empresa. Para outros, o diferencial reside na natureza da informação: dados

quanto aos lucros e ativos da companhia constituem o insider information, enquanto que as

informações sobre o comportamento futuro das ações configura um market information.

Toda esta questão foi objeto de análise em decisão proferida pela Suprema Corte Norte -

Americana na contenda Chiarella v United States. De forma pormenorizada, o caso dizia

respeito à responsabilidade de Vincent Chiarella, empregado de uma gráfica especializada

em imprimir documentos financeiros, o qual, após analisar documentos referentes à oferta

pública de compra de ações de uma companhia antes da divulgação do tender offer,

adquiriu ações daquela e posteriormente as vendeu após o anúncio, auferindo assim

razoável lucro.

Após ser condenado na Primeira e na Segunda Instância, sob o argumento de que o réu

tinha acesso regular à informações do mercado relevantes e essenciais, estando assim

proibido pela Rule 10 b-5 de negociar utilizando tais informações, a Suprema Corte

reformou a decisão, estabelecendo que o dever de informar não emerge do mero acesso a

informações de mercado confidenciais. Para a Suprema Corte não haveria suficiente base

legal para uma condenação criminal.

Em resposta a tal decisão da Suprema Corte, a SEC acabou por exarar a Rule 14 e-3. Tal

regra dispõe que é ilegal o tipping (dar informações) sobre uma oferta pública de aquisição

ainda não divulgada, independentemente de resultar no tipping em negociações realizadas

pelos tippees . Até então era ilegal tão somente o tipping acompanhado de negociação por

parte do tipee .

Ademais, a Rule 14 e-3 impõe a qualquer pessoa que detenha uma informação confidencial

e relevante sobre uma oferta pública, e que saiba que tal informação foi obtida do ofertante,

a obrigação de revelar ou abster-se de negociar.

É válido ainda lembrar que, no direito norte americano, é considerado também violação à

lei a operação de compra e venda de ações, feita pelo "insider", imediatamente após a

divulgação da informação. No caso da Texas Gulf Sulphur Co., ficou dito que o "insider"

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deve aguardar que a notícia seja veiculada efetivamente através do meio de comunicação de

maior penetração, ou seja, o teletipo (broad tape) do Dow Jones.

Do acima exposto, vemos que os cases norte americanos mais notáveis relacionam-se, (i)

ao dever de se abster de negociações ou de divulgações de informações as quais não se

tornaram públicas, (ii) à paridade de informação (equal acess), sendo o mais conhecido o

SEC v. Texas Gulf Sulphur (1969) e (iii) dever de confidencialidade: casos Chiarella v. US

(1980); Dirks v. SEC (1983) e US v. O’Hagan (1997).

Importante salientar, ainda, os recentes dispositivos aprovados pela SEC- 10b5-1 e 10b5-2-

a fim de resolver duas questões relacionadas ao insider trading , as quais os tribunais norte-

americanos discordaram. O dispositivo 10b5-1 enquadra as pessoas que negociam com base

em informações não públicas, estando cientes de que essas informações são sigilosas e

mesmo assim, realizam a compra e venda de determinados valores mobiliários. Tal

ordenamento estabelece, ainda, defesas afirmativas ou exceções à responsabilidade dos

insiders. A regra permite que pessoas negociem sob determinadas circunstâncias onde fique

claro que a informações sabidas por elas não configuram um fator decisivo em tais

transaçõs , como ocorre, por exemplo, em situações onde houve um ou mais acordos pré-

existentes, contratos ou instruções que imbuidas de boa fé. O dispositivo 10b5-2, por sua

vez, esclarece como a teoria se aplica a certos desvios de negócios e estabelece que uma

pessoa que receba informações confidenciais sob circunstâncias especificadas na regra teria

o dever de sigilo e, portanto, poderia ser responsabilizada, sob a teoria de apropriação

indébita.

7- CASO CONCRETO SADIA-PERDIGÀO

O caso Sadia Perdigão é um divisor de águas na evolução do crime de uso de

informação privilegiada no Brasil. A sentença obtida nesta ação penal foi a

primeira condenação penal por crime de insider trading do país.

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O caso consistiu no seguinte22 :

O Ministério Público Federal de São Paulo (“MPF/SP”) pediu a abertura de

ação penal contra dois ex-executivos da Sadia, Luiz Gonzaga Murat Filho e

Romano Ancelmo Fontana Filho, e um ex-executivo do banco ABN-Amro,

Alexandre Ponzio de Azevedo alegando que os executivos teriam lucrado na

Bolsa de Valores de Nova York mediante o uso de informações

privilegiadas (insider trading) relativas à oferta pública de aquisição de ações da Sadia pelo

controle acionário da concorrente Perdigão, em julho de 2006.

Na época, Murat exercia a função de Diretor de Finanças e Relações com

Investidores da Sadia, Fontana Filho era membro do Conselho de

Administração da Sadia e Azevedo era superintendente executivo de

empréstimos estruturados do ABN-Amro.

A oferta da Sadia pela Perdigão ocorreu em 16 de julho de 2006 e o edital

foi publicado no dia seguinte. No dia 7 de abril de 2006, quando a proposta

já teria sido aprovada pelo conselho da Sadia, Murat fez a primeira compra

de ações da Perdigão na Bolsa de Nova York, comprando 15.300 (quinze mil e trezentas)

ADRs (american depositary receipts), a US$ 23,07 (vinte e três dólares e sete centavos)

cada. Em junho, o executivo comprou mais 30.600 (trinta mil e seiscentas) ADRs,

elevando sua carteira para 45.900 (quarenta e cinco mil e novecentas ações) a US$ 19,17

(dezenove dólares e dezessete centavos) cada.

Em 21 de julho, após a publicação do Edital e da oferta da Sadia pela Perdigão, Murat

vendeu 15.300 (quinze mil e trezentas) ações, a US$ 23 (vinte e três dólares) cada uma,

lucrando US$ 58.500 (cinqüenta e oito mil e quinhentos dólares) com a operação.

22 FORTES, Ana Carolina Costa Ribeiro, INSIDER TRADING- Caso Sadia Perdigão – TCC, FGV, Rio de Janeiro, 2011, pgs 7, 25 e 26

Page 52: Insider trading   artigo marcella blok

Fontana Filho efetuou, também, quatro operações de compra e venda na mesma época. Ele

comprou três lotes da Perdigão, totalizando 18 mil ações, na Bolsa de Nova York, por US$

344.100,00 (trezentos e quarenta e quatro mil e cem dólares) entre 5 e 12 de julho, poucos

dias antes do anúncio da oferta, e vendeu todas as ações em 21 de julho de 2006, no mesmo

dia da recusa da Perdigão, por US$ 483.215,40 (quatrocentos e oitenta e três mil, duzentos

e quinze dólares e quarenta centavos), lucrando US$ 139.114,50 (cento e trinta e nove mil,

cento e quatorze dólares e cinqüenta centavos).

Azevedo, por sua vez, adquiriu 14 mil ações da Perdigão na bolsa de Nova

York em 20 de junho de 2006, por US$ 269.919,95 (US$ 19,27 cada). Em 17 de

julho de 2006, no dia da publicação do edital da oferta, o executivo do banco

vendeu 10.500 ações por US$ 254.046,90 (duzentos e cinqüenta e quatro mil, quarenta e

seis dólares e noventa centavos), lucrando US$ 51.606,00 (cinqüenta e um mil e seiscentos

e seis dólares).

Existindo indícios de que os três executivos participaram das discussões e

tratativas visando à elaboração da oferta ao mercado e obtiveram vantagem

financeira com as informações privilegiadas que detinham, o MPF/SP pediu a

condenação dos três executivos em crime de insider trading com pena de

um a cinco anos de reclusão, e multa de até três vezes o valor da vantagem

ilícita obtida em decorrência do crime (art 27-D da Lei 638576).

O caso em questão já teve punição administrativa, em 2007, no âmbito da

SEC. Nos EUA, Murat e Azevedo fizeram um acordo com a SEC para não serem

processados criminalmente e receberam sanção administrativa em fevereiro de

2007, sendo proibidos de atuar no mercado financeiro por três anos.

No processo administrativo brasileiro, em 2008, a CVM concluiu os processos

administrativos contra Murat, Fontana Filho e Azevedo. Os dois executivos

da Sadia, Murat e Fontana Filho, receberam sanção de não poder exercer

cargos de administrador ou conselheiro fiscal de companhia aberta por cinco

Page 53: Insider trading   artigo marcella blok

anos. Azevedo, executivo do ABN, apresentou à CVM proposta de pagamento de

R$ 238 mil e o processo administrativo contra ele foi arquivado.

Na ação penal derivada da denúncia oferecida pelo MPF/SP, o juiz federal substituto

Marcelo Costenaro Cavali, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, concluiu

resumidamente o seguinte:

a) Com relação à argumentação da defesa de Murat e Fontana Filho sobre o fato de não

terem sido adquiridas ações na Bolsa de Valores brasileira o que não ofenderia o mercado

de capitais brasileiro, entendeu-se que o bem jurídico protegido no crime de insider é a

confiança de que os investidores depositam no mercado de capitais. A prática de

negociação de valores mobiliários a partir da utilização de informações privilegiadas

obtidas em companhias brasileiras, com ações negociadas na bolsa de valores brasileira,

evidentemente afeta o mercado de capitais brasileiro.

b) Sobre o sujeito ativo do crime tipificado no artigo 27-D, que tem o dever de manter

sigilo sobre a informação privilegiada, concluiu-se que tanto Murat – que exercia função de

diretor financeiro e diretor de relação com investidores da Sadia na época dos fatos –

quanto Fontana Filho– membro do Conselho de administração – detinham, na época dos

fatos, a qualidade funcional para o cometimento do delito e o dever de sigilo sobre

as informações que tomaram conhecimento.

c) No que tange à tipicidade, o juiz concluiu que houve tanto a utilização

de informações privilegiadas quanto a negociação com valores mobiliários.

Com relação à negociação, Murat e Fontana Filho não negaram as ordens de

compra de ADRs dadas por eles próprios às corretoras.

d) O ponto crucial da condenação deste caso deu-se no desenvolvimento do

conceito de informação relevante. A defesa e a acusação não discordaram com

relação à ocorrência das movimentações financeiras nem quanto ao dever de

sigilo dos acusados. O ponto de discórdia se deu no fato de serem ou não as

Page 54: Insider trading   artigo marcella blok

informações detidas pelos acusados relevantes no momento que realizaram as

operações.

e) O juiz, a nosso ver, acertadamente, concluiu que desde a primeira

operação de aquisição de ADRs realizada em 07 de abril de 2006 por Murat, já existia

uma informação relevante, visto que a informação sobre a operação Sadia-

Perdigão já era capaz de influir nos preços dos valores mobiliários, e

privilegiada, já que não divulgada ao mercado.

f) Com relação à Fontana Filho, entendeu-se que este tinha como motivação as

informações privilegiadas que já detinha e, por isso,

realizou as aquisições de ADRs, em 5, 7 e 12 de julho de 2006.

g) Sobre a alegação da defesa de que haveria bis in idem na condenação dos acusados, o

juiz foi categórico ao afirmar que tanto a doutrina quanto a

jurisprudência brasileiras têm entendimento de que a incidência de sanções

civis, administrativas e penais de forma cumulativa não caracterizam de

forma alguma em bis in idem. Da mesma forma, foi afastada a possibilidade de bis in idem

entre a ação penal brasileira e os processos existentes nos EUA.

h) Assim, o juiz julgou procedente a ação penal condenando (i) Murat a um

ano e nove meses de prisão em regime aberto que pode ser substituída por

prestação de serviços à comunidade e a impossibilidade de exercer cargo de

administrador e/ou conselheiro fiscal de companhia aberta pelo prazo de

cumprimento da pena, além de multa de R$ 349.711,53; e (ii) Fontana Filho a

prisão por um ano e cinco meses em regime aberto, que também pode ser

substituída por prestação de serviços comunitários, além de ele não poder

exercer cargo de administrador e/ou conselheiro fiscal de companhia aberta

e multa de R$ 374.940,52.

Page 55: Insider trading   artigo marcella blok

i) O juiz justificou a pena de Murat ser maior do que a de Fontana Filho

por ter aquele utilizado de uma offshore para adquirir as ADRs o que

evidencia a tentativa de ocultar das autoridades brasileiras a negociação

realizada.

Azevedo, o terceiro executivo envolvido nas negociações da Sadia

que negociou ADRs da Perdigão, à época superintendente executivo de

empréstimos estruturados do ABN, fez um acordo com o Ministério Público

Federal e foi excluído da ação penal em troca da prestação de serviços a

uma entidade filantrópica por quatro horas semanais durante seis meses e

seu comparecimento obrigatório perante o juiz a cada dois meses, durante

três anos. Por ter tido participação menor no caso, Azevedo garantiu o

benefício e, com isso, se mantém sem antecedentes criminais.

O processo aguarda julgamento pelo Tribunal Regional Federal (“TRF”) da 3ª

Região, já que tanto o MPF/SP quanto os advogados dos dois executivos

condenados recorreram da decisão.

O MPF/SP recorreu para aumentar a pena de Murat e Fontana Filho - tanto o

tempo de reclusão quanto as multas aplicadas - e pedir que os

desembargadores do TRF revejam a decisão da primeira instância que negou um

pedido de indenização por dano moral coletivo.

Os advogados de Murat e Fontana Filho recorreram alegando que a sentença

partiu de uma premissa falha sobre a confidencialidade das informações à

época das negociações.

Page 56: Insider trading   artigo marcella blok

8- CONCLUSÃO

O tema do Insider Trading o qual está sendo cada vez mais discutido e analisado por

especialistas e mereceu uma atenção especial da CVM e dos Ministérios Públicos Federais,

tem sido cada vez mais combatido. O Caso Sadia Perdigão foi o primeiro caso

emblemático, mas não vamos parar por ai.

O Brasil e diversos outros países têm dado prioridade ao combate das práticas de insider

trading. Prova disso é que, enquanto na década de 80, apenas 35 nações tinham

regulamentação específica atinente a este tema do insider, na década seguinte, de 90, o

número de países com regras focadas especificamente ao combate do insider mais do que

duplicou, havendo, hodiernamente, mais de 90 países com regulamentos específicos.

A prática do insider trading é considerada ilegal porque os insiders quebram o contrato de

deveres fiduciários de cuidar dos interesses dos acionistas, para cuidar dos próprios

interesses como administradores, empresários ou trabalhadores da firma.23

A internacionalização do mercado é, sem a menor sombra de dúvidas, um dos maiores

desafios enfrentados pela CVM, pela SEC, pelos Ministérios Públicos Federais e demais

órgãos que buscam combater o ilícito civil, penal e administrativo causado pelo Insider

Trading.

Neste diapasão, a regulamentação do mercado de capitais tem sido um instrumento

imprescindível ao seu desenvolvimento, sendo necessário, portanto, incentivar o

investimento em valores mobiliários e, paralelamente, proteger os investidores.

23 BARBOSA , Francisco Vidal e CAMARGO, Marcos Antonio de, “Eficiência informacional do mercado de capitais brasileiro pós-Plano Real: um estudo de eventos dos anúncios de fusões e aquisições”, R.Adm., São Paulo, v.41, n.1, p.43-58, jan./fev./mar. 2006.

Page 57: Insider trading   artigo marcella blok

A proteção aos investidores é, certamente, o maior objetivo de todas as normas que existem

acerca do fenômeno de insider trading.

Entende-se, pois, que combatendo a utilização de informações privilegiadas por insiders,

para proveito próprio ou de outrem, o Estado estará desempenhando o importante papel na

evolução deste mercado e, conseqüentemente, no desenvolvimento da economia como um

todo.

Page 58: Insider trading   artigo marcella blok

NOTAS BILIOGRÁFICAS

BARBOSA , Francisco Vidal, “Eficiência informacional do mercado de capitais brasileiro pós-Plano Real: um estudo de eventos dos anúncios de fusões e aquisições”, R.Adm., São Paulo, v.41, n.1jan./fev./mar. 2006.

BARBOSA, Marcelo;BARROS, Octavio Fragata, BRICK, Bruna Zoghbi, CAMPINHO, Bernardo Capela, Direito Societário e Mercado de Capitais, turma 2, vol 2, Editora FGV, 2009, Rio de Janeiro, pg 78 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 3º v. 4ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2009. p.311. CORREA –LIMA, Osmar Brina, Responsabilidade Civil dos Administradores de sociedades anônimas. Rio de Janeiro:Aide, 1989, p.75 EIZIRIK, Nelson - "Insider Trading e Responsabilidade do Administrador de Companhia Aberta" - artigo publicado na Revista de Direito Mercantil, nº 50, abril/ junho de 1983

FORTES, Ana Carolina Costa Ribeiro, INSIDER TRADING- Caso Sadia Perdigão – TCC, FGV, Rio de Janeiro, 2011

PARENTE. Norma Jonssen. Aspectos Jurídicos do “Insider Trading”. p. 4. MÜSSNICH, Francisco Antunes Maciel. A Utilização Desleal de Informações Privilegiadas – “Insider Trading”- no Brasil e nos Estados Unidos, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº 34, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1979. Sites Consultados: http://pt.wikipedia.org/wiki/Insider_trading- http://www.sec.gov/answers/insider.html: http://www.sec.gov/answers/insider.html http://www.conjur.com.br/2009-dez-15/prevencao-combate-crime-insider-trading-sao-essenciais