INSTITUTO DA IMACULADA CONCEIÇÃO DE NOSSA SENHORA DE LOURDES

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2015

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Sumário

APRESENTACÃO .............................................................................. 5

IDENTIDADE DO INSTITUTO DA IMACULADA CONCEIÇÃO DE NOSSA SENHORA DE LOURDES ................................................................... 7

CARISMA DO INSTITUTO ................................................................. 7

FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS E CONCEITUAIS .............................................. 7 DADOS HISTÓRICOS DO INSTITUTO ......................................................... 10

A Fundação .................................................................................. 10 PRIMEIROS ANOS EM LANNEMEZAN ....................................................... 11 FUNDAÇÃO EM LOURDES ...................................................................... 11 PROCESSO DE ATUALIZAÇÃO DO CARISMA ................................................ 12

ESPIRITUALIDADE DO INSTITUTO .................................................. 15

FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS ................................................................. 15 TRAJETÓRIA HISTÓRICA ........................................................................ 17

DIMENSÃO EUCARISTICA DE NOSSA ESPIRITUALIDADE .................. 19

DADOS TEOLÓGICOS DO MISTÉRIO EUCARÍSTICO ....................................... 19

EXPERIÊNCIA VIVIDA: PASSADO E PRESENTE ................................. 20

APELOS DA EUCARISTIA, HOJE ...................................................... 22

A EUCARISTIA CELEBRADA .................................................................... 23 A EUCARISTIA PARTILHADA ................................................................... 24 A EUCARISTIA ADORADA ...................................................................... 24 A EUCARISTIA VIVIDA .......................................................................... 25

DIMENSÃO MARIAL DA ESPIRITUALIDADE ..................................... 26

LOURDES: UMA MENSAGEM, UM APELO, UM CAMINHO .............................. 26 MASSABIELLE: A GRUTA DA ESPERANÇA .................................................. 27

Primeira Aparição ....................................................................... 28 Um golpe de vento .................................................................... 29 Eu vi uma luz que surgia... ........................................................ 31 A conversão pode vir de uma vela! ........................................... 31 A luz da Esperança .................................................................... 32 Uma luz que resplandece .......................................................... 32

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A Procissão das velas ................................................................ 33 O sinal da cruz .......................................................................... 34 O Sorriso de Maria .................................................................... 35 Pés descalços ............................................................................ 37 Pés descalços na Gruta de Massabielle ..................................... 39

Segunda Aparição ....................................................................... 40 Maria rompe o silêncio ............................................................. 41

Terceira Aparição ........................................................................ 42 O que tenho a dizer-lhe não é necessário colocar por escrito ... 42 “Você quer fazer a gentileza de vir aqui durante 15 dias?” ....... 43 Olhava-me como a uma pessoa ................................................ 44 “Não lhe prometo a felicidade neste mundo, mas no outro” .... 44 O mundo da ternura e do amor ................................................ 45 Promessa de felicidade ............................................................. 45

MÍSTICA DO SILÊNCIO E DA ORAÇÃO ............................................ 46

O SILÊNCIO FECUNDA A ORAÇÃO ............................................................ 46 LOURDES, A CAPITAL DA ORAÇÃO .......................................................... 48 LOURDES E O ROSÁRIO ......................................................................... 48 LOURDES E A EUCARISTIA ..................................................................... 50

A PENITÊNCIA E A DESCOBERTA DA FONTE ................................... 51

Oitava Aparição ........................................................................... 52 Penitência, Penitência, Penitência ............................................ 52 Reze pela conversão dos pecadores .......................................... 53 Beije a terra pela conversão dos pecadores .............................. 54

Nona Aparição ............................................................................. 54 Andar de joelhos ....................................................................... 55 Cavar a fonte, Beber e Lavar-se ................................................ 55 Cavar a nossa terra interior ...................................................... 56 Água suja .................................................................................. 57 Comer a erva ............................................................................ 57 Penitência e sorriso ................................................................... 58 Reconciliai-vos com Deus .......................................................... 59 A alegria do perdão .................................................................. 59

Décima Segunda Aparição ........................................................... 60

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Os Milagres em Lourdes ........................................................... 60 Décima Terceira Aparição ............................................................ 62

Construção da Capela e a procissão ......................................... 63 Vir em procissão ....................................................................... 63 As pessoas que compõem a multidão ....................................... 64 Lourdes acolhe um povo de todas as nações ............................ 65 Muitas raças, um só povo ......................................................... 65 Da diversidade à unidade ......................................................... 66 A globalização do amor ............................................................ 66 Os enfermos e o serviço voluntário em Lourdes ........................ 67 Os Doentes ................................................................................ 68 Voluntários................................................................................ 68

Décima Sexta Aparição ................................................................ 70 A revelação do nome da Senhora ............................................. 70 Eu sou a Imaculada Conceição .................................................. 71

Décima Sétima Aparição ............................................................. 73 O milagre da vela ...................................................................... 73

Última Aparição: do outro lado do rio Gave ................................ 74 Passar para a outra margem .................................................... 75 A autenticidade das Aparições .................................................. 76

O PROTAGONISMO DAS MULHERES EM LOURDES ......................... 77

LOURDES NA PERSPECTIVA DE DUAS MULHERES ........................................ 77 A PRESENÇA DAS MULHERES NAS APARIÇÕES ............................................ 78

A EUCARISTIA E MARIA ................................................................. 79

LEGADO DOS FUNDADORES .......................................................... 80

A MADRE FUNDADORA E SEU AMOR A MARIA .......................................... 80 PADRE JEAN LOUIS PEYDESSUS, APÓSTOLO DE MARIA ................................ 82

ESPIRITO DO INSTITUTO ................................................................ 83

O LUGAR DE MARIA EM NOSSA VIDA ............................................ 84

CONCLUSÃO ................................................................................. 85

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APRESENTAÇÃO

O presente documento é fruto do estudo que responde a uma moção do Capítulo Geral de 1993: aprofundar as raízes da Identidade do Instituto e elaborar o respectivo texto que ajudou gerações a manter viva esta semente lançada pelos Fundadores.

Após o Capítulo Geral de 1993, essa tarefa foi confiada a uma equipe que esteve em Lourdes/FR por alguns dias para entrar em contato com as realidades que, ali, falam mais que as palavras ou os livros, e sentir mais de perto o pulsar do "coração do Santuário" que mantém sempre viva e atual a Mensagem de Nossa Senhora à sua vidente Bernadette Soubirous.

Ao final do estudo, foi possível afirmar que a Identidade do Instituto se estabelece pela tríade: Carisma, Espiritualidade e Espírito. Para ampliar o seu sentido, na medida do possível, incluiu-se um embasamento teológico e uma fundamentação histórica.

No Capítulo Geral de 2003, em Roma, frente aos passos dados ao longo da história e para responder com mais fidelidade aos apelos do Espírito Santo, após um longo período de estudo e reflexão, elaborou-se a redefinição do nosso carisma: Ser sinal de vida e esperança testemunhando o amor salvífico de Deus manifestado em Lourdes, tendo como iluminação a citação bíblica: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”.1

Mediante esses acontecimentos, tornou-se imperativo a atualização deste documento que fundamenta nossa Identidade de Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes: Carisma, Espiritualidade e Espírito. Para esta finalidade, o Governo Geral e a Equipe de Espiritualidade, com a contribuição de todas as Irmãs do Instituto, reelaboraram o presente documento, conservando o antigo como base, atualizando a dimensão do Carisma e aprofundando a Mensagem de Lourdes.

1 Jo 10,10

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As reflexões e aprofundamentos sobre a Mensagem de Lourdes proporcionaram melhor compreensão e abrangência da simbologia, gestos e palavras que marcaram as Aparições da Virgem Imaculada a Bernadette Soubirous.

Possa essa humilde contribuição proporcionar maior conhecimento e conscientização do nosso ser - Religiosas da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes - para assumirmos com alegria nossa missão na Igreja como mulheres de esperança a serviço da vida.

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IDENTIDADE DO INSTITUTO DA IMACULADA CONCEIÇÃO DE NOSSA SENHORA DE LOURDES

01- As Constituições, em 1893, com Breve Laudativo de S.S. o Papa Leão XIII, especialmente nos primeiros artigos, entreveem a identidade do Instituto, Carisma, Espiritualidade e Espírito, em estreita ligação com a mística de Lourdes, guardando o contributo do passado: Garaison e Lannemezan, porque ali começa o processo de identificação do Instituto.

A “volta às fontes”, sob a orientação do Vaticano II, proporcionou aos Institutos de Vida Consagrada, o "aggiornamento" e, em consequência, a definição do que somos e do lugar que ocupamos na Igreja.

Essa decisão do Concílio abriu as portas da história para que o Instituto pudesse reconhecer e ser reconhecido a partir dos seus valores, finalidades e ideais originários, e prosseguir com fidelidade no “anúncio de Jesus Cristo, Salvador de todas as pessoas e da pessoa toda”2.

“Devemos conhecer o lugar que as religiosas ocupam na Igreja e no coração de Deus para não nos contentarmos com uma fidelidade aparente.”3

CARISMA DO INSTITUTO

Fundamentos teológicos e conceituais 02- A Igreja de Cristo iniciou sua missão no mundo com a explosão de Pentecostes.4 A efusão do Espírito, tão abundante e transparente nos

2 Constituição/2009, art. 8

3 Madre Maria de Jesus Crucificado 4 At 2,1-13

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primeiros tempos da Igreja, tornou-se publicamente menos manifesta à medida que o Cristianismo foi se difundindo para além das primeiras comunidades. Em consequência, a doutrina dos carismas, embora consignada nas Escrituras, permaneceu por muito tempo como que adormecida. Por ação do mesmo Espírito, o Vaticano II veio despertar o sentido e a função dos carismas na Igreja.5

Etimologicamente, a palavra "carisma", de origem grega (charis), significa dom, graça. É São Paulo quem expõe a doutrina dos carismas na Igreja de seu tempo estabelecendo, desta forma, uma distinção entre "carisma" e “carismas". Na primeira interpretação, em Rm 5,15-6,23, carisma é o dom que salva da morte e dá vida ao pecador, ou seja, a justificação em Jesus Cristo. Neste sentido, os cristãos têm o carisma, isto é, o dom recebido igualmente por todos no Batismo, a vocação cristã que é o carisma fundamental. Em Rm 12,6-8 e lCor 12, Paulo fala de diferentes carismas. É que o "carisma", a graça de ser cristão, se concretiza em "carismas", pois, "cada um recebe o seu dom particular; um tem este dom e outro, aquele".6 Os múltiplos carismas são conferidos pelo Espírito para utilidade comum e a edificação da Igreja.

O conceito de carisma é amplo. Para o nosso objetivo, cumpre destacar o carisma da Vida Consagrada e do Instituto.

03- A Vida Consagrada, tal como o Vaticano II a concebeu, é um dom divino que a Igreja recebeu de seu Senhor e, por sua graça, a renova sempre.7

O específico da Vida Consagrada é tornar visível a prevalência dos bens escatológicos sobre os bens transitórios; isto é a radicalização da afirmação de Deus como valor supremo da vida. É a sua dimensão contemplativa.

A Vida Consagrada é dom à Igreja e para a Igreja. Ao tratar de um Instituto em particular, ou qualquer família religiosa, a perspectiva de

5 LG 12 6 1 Cor 7,7 7 cf. LG 43

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serviço é evidente: um Instituto religioso surge na Igreja por uma intervenção especial do Espírito Santo que o suscita em vista de um desígnio especial e o confia a determinadas pessoas em beneficio da comunidade eclesial. Portanto, a intervenção do Espírito constitui o carisma de um Instituto; a realização do seu desígnio próprio, sua missão.

04- Carisma fundante é o dom do Espírito Santo concedido a determinada pessoa ou pessoas, Fundador, Fundadores, que o passa a seus filhos ou filhas, tal como acontece na família natural; é o mesmo DNA que perpassa todos os membros da Instituição. Sob a força do CARISMA surge ao redor da pessoa do Fundador, por ação do Espírito Santo, um grupo de discípulos que tem uma tarefa ativa na construção de uma comunidade carismática. Existe assim um "tempo de origens" que implica a gestação, o nascimento e o crescimento de tal comunidade plasmada pela fisionomia espiritual do Fundador.

05- Tais elementos se permeiam mutuamente numa experiência única e vital, iniciada pelo Fundador/a e sustentada no tempo pela comunidade que a mantém viva na história. Dá-se, então, uma aliança do Espírito que assegura a "tradição carismática" enquanto houver sentido aquela missão na Igreja e enquanto, por parte dos discípulos, houver docilidade ao mesmo Espírito na fidelidade ao/à Fundador/a. Um carisma permanente é, por um lado, uma energia vital que o Vaticano II comparou a uma árvore que cresce;8 por outro lado, é uma vida que se encarnou numa cultura do passado e que é interpelado pelos sinais dos tempos a demonstrar a autenticidade de sua origem no Espírito Criador.

8 LG 43

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Dados históricos do Instituto A Fundação 06- O Padre Jean Louis Peydessus, missionário de Nossa Senhora de Garaison, conheceu a jovem Eugènie Ducombs durante uma missão pregada em Tournay. Daí por diante, os contatos foram sempre mais frequentes e, finalmente, Eugénie se colocou sob a direção espiritual do experiente missionário que lhe dedicou muita atenção, perscrutando o seu coração e espírito. Deste modo, quando manifestou a intenção de se fazer religiosa da Visitação, o Padre Peydessus logo a dissuadiu apresentando-lhe um projeto de fundação que formara Dom Bertrand Sevère Laurence, Bispo de Tarbes. Eugénie aderiu prontamente. Ela dirá mais tarde: "Minha confiança no Padre Peydessus era sem limites".9

No entanto, o projeto de Dom Laurence ficou encubado por mais de vinte anos. Somente em 1863 o Bispo tomou a decisão de realizar a fundação. Comunicou ao Padre Peydessus e este chamou Eugénie para dizer-lhe que a fundação se faria em Dezembro. As suas argumentações foram insuficientes para impedir que continuassem a contar com ela e, assim, foi marcada a data.

07- Dia 15 de Dezembro de 1863, no Santuário de Nossa Senhora de Garaison, Eugénie e suas companheiras, Elise Abadie e Marie Maudret, receberam o hábito religioso, fizeram a sua primeira Profissão e, profeticamente, acolheram um novo nome: Madre Maria de Jesus Crucificado, Irmã Madalena e Irmã Marta. Nascia, então, a Congregação do Coração Sofredor e Imaculado de Maria. No mesmo dia, conduzidas pelo Padre Peydessus, as três Irmãs seguiram para Lannemezan, onde firmaram a comunidade.

9 Félix Tournier, Vida da Madre Maria de Jesus Crucificada, p. 12

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Primeiros anos em Lannemezan 08- Os sete primeiros anos de Lannemezan foram muito difíceis. Faltava-lhes quase tudo, porém as vocações abundavam. O Bispo ficou apreensivo, pois não via como "ocupar tanta gente".10 A Madre, por seu lado, também se preocupava. Começou a expandir o Instituto com a fundação de Galan, em 1867, e já pensava em Lourdes. Via ali o lugar privilegiado para fazer florescer sua famí1ia religiosa e abrir-lhe outros horizontes. A obra dos Retiros para a qual fora fundado o Instituto alcançaria ali maior vigor em virtude do clima espiritual reinante e do fluxo de peregrinos que buscavam, nas proximidades da Gruta, lugares de silêncio e oração. A mão da providência guiava os acontecimentos para um final promissor.

Fundação em Lourdes 09- Após a morte de Dom Laurence, em 30 de janeiro de 1870, quando da nomeação do novo Bispo, Dom Pierre Anastase Pichenot, a Madre, achando-se em Paris, foi a Sens fazer-lhe uma visita. Falou-lhe dos planos de Dom Laurence ao fundar o Instituto, das dificuldades em que se encontrava a Comunidade, do desejo de transferi-la para Lourdes. Foi o suficiente. O Bispo cortês, afável, decidido, logo respondeu: “Creio que o vosso lugar é em Lourdes: apressai a transferência da Comunidade e do Noviciado”. A Madre fez-lhe ver a necessidade de comunicar a decisão ao Padre Peydessus, a falta dos recursos materiais para a aquisição de uma casa para residência, entre outros. A resposta do Bispo foi: “Minha vontade é que vá diretamente a Lourdes, sem passar por Lannemezan, nem para rever as Irmãs...”.11

10- Madre Maria de Jesus Crucificado, movida pelo espírito de fé, agiu em pura obediência a seu Bispo. As coisas se acomodavam e, como por milagre, a força do Alto conduzia as Irmãs para Lourdes.

10 MMJC - carta de 1°/09/1869 11 Félix Tournier, Vida da Venerada Madre Maria de Jesus Crucificado, p. 32

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"Quem pode penetrar o pensamento do Senhor?"12

Em sua Agenda, a Madre registrou o acontecimento central da fundação: “Sábado, 2 de Julho de 1870, festa da Visitação de Maria. De madrugada, às 3h30 dirigimo-nos à Gruta, onde fomos nos consagrar, nos entregar à Nossa Senhora de Lourdes. Prometemos alegrar seu Coração Imaculado e doar nossas vidas a seu serviço para sua glória e a salvação das almas. Em seguida, subimos à Capela (atual Cripta), onde participamos da Santa Missa e comungamos. Após a ação de graças fomos à fazenda, centro de nossa propriedade, recitando o Oficio da Imaculada Conceição e o Terço”.13

Processo de atualização do Carisma 11- A proclamação do dogma da Imaculada Conceição e as aparições da Virgem em Lourdes imprimiram um selo inefável no Instituto, desde suas origens.

No dia 8 de Dezembro, solenidade da Imaculada Conceição, estando as Irmãs presentes ao Oficio de Vésperas na Capela, após a homilia do celebrante, Dom Pichenot toma a palavra para apresentá-las aos fiéis ali presentes e consagrá-las à Imaculada de Lourdes, dando-lhes, oficialmente, um novo nome: "Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes". Este gesto do Bispo foi a ratificação daquela primeira consagração, realizada no alvorecer do dia 2 de Julho, num clima de simplicidade e de alegria, diante da Gruta deserta.

12- Esse novo nome, Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes, outorga a cada Irmã ser permanente memória dos acontecimentos de Lourdes. Como recordava Padre Peydessus, isso “basta para que não A esqueçamos jamais...”

Como a cruz do Redentor é sempre o selo das obras de Deus, a pequena Comunidade que aos poucos se firmava cedo conheceu a 12 Rm 11, 34 13 M.M.J.C. Agenda

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marca do sofrimento, incompreensões e rupturas que atingiram especialmente a Madre, mas revelaram, ao mesmo tempo, a sua firmeza e ternura, a confiança na Providência Divina e o cuidado com as relações fraternas.

13- Lourdes foi o lugar indicado para a pequena Congregação expandir o apostolado e corresponder às necessidades da Igreja A atmosfera espiritual de Lourdes fortaleceu os traços do Carisma, Espiritualidade, Espírito e Missão do Instituto, postos em plena luz a partir do esforço de "volta às fontes", solicitado pelo Vaticano II.

14- É de importância notar que as Constituições de 1893, embora empregando uma linguagem indireta, o que era impensável fazê-lo diferentemente na época, já apontam para o que hoje concebemos como Identidade do Instituto.

15- O Capítulo Especial de "Aggiornamento", revendo os escritos do passado e a tradição corrente, sob a orientação dos documentos conciliares, assim definiu o nosso carisma: “Viver e Difundir a Mensagem de Lourdes”. Tal definição causou grande alegria e trouxe ao Instituto um novo vigor, e o esforço de explicitá-lo sempre mais tem sido uma constante.

16- No Capitulo Geral de 2003, após um longo período de estudo e reflexão dos passos dados ao longo da história, e para responder aos apelos do Espírito Santo, elaborou-se a redefinição do nosso carisma: Ser sinal de vida e esperança testemunhando o amor salvífico de Deus, manifestado em Lourdes, tendo como iluminação a citação bíblica: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância.”14

17- Esta redefinição direciona o Instituto para um compromisso de vida sempre mais radicado na pessoa de Jesus Cristo e no discipulado permanente, como foi a vida de Maria, sua Mãe.

Ser é parte da esfera íntima da pessoa; comunica quem somos e a quem pertencemos, ou seja, afirma nossa identidade de Irmãs da

14 Jo 10,10

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Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes.

Ser sinal aponta para uma realidade maior que não pode ser vista, torna visível o invisível.

Ser sinal de vida e de esperança é ser sinal d’Aquele que é o Autor da vida; d’Aquele que é a Vida e a oferece pela salvação dos seus amigos e amigas, Ele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância”. Significa, antes de tudo, colocar nossos desejos e projetos de acordo com os projetos de Deus; nos momentos difíceis manter a coragem, a alegria e a força para continuar caminhando. É viver na fé, superar as dificuldades confiando em Deus como o fizeram os Santos e os nossos Fundadores: “Nossa confiança está toda em Deus que nunca nos abandonou;”15 é anunciar com a vida que Cristo é nossa razão e nosso fim, que com Ele tudo se pode vencer.

Testemunhando – Dar testemunho é dizer de uma experiência de algo que vimos, ouvimos ou conhecemos; é comprometer-se com uma verdade. É viver, “não como espectadores distraídos, mas como pessoas conscientes e responsáveis pelos dons recebidos”.

Testemunhar o amor salvífico de Deus - Como mulheres de esperança, nos esforçamos para sermos sinal e expressão do amor salvífico de Deus através do testemunho de vida. É o sonho de Deus para cada uma de nós, Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes. “Todos somos chamados a dar aos outros o testemunho explícito do amor salvífico do Senhor, que, sem olhar as nossas imperfeições, nos oferece a sua proximidade, a sua Palavra, a sua força e dá sentido à nossa vida. Aquilo que descobrimos, o que nos ajuda a viver e nos dá esperança, isso é o que devemos comunicar aos outros”.16

Testemunhando o amor salvífico de Deus, manifestado em Lourdes - Somos chamadas a “Ser Testemunhas” do encontro, da escuta, da acolhida e da gratuidade, do perdão e da misericórdia, da esperança

15 M.M.J.C. 16 EG121

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e da fecundidade de Lourdes. Como aconteceu na relação entre Maria e Bernadette, somos chamadas a anunciar e testemunhar o Amor que salva toda a humanidade, com uma atenção especial aos pobres e excluídos, dando-lhes acolhida e ajudando-os a descobrir sua dignidade de filhos de Deus, num espírito de Simplicidade e Alegria.

18- «É sempre importante saber que a primeira palavra, a iniciativa verdadeira, a atividade eficaz vem de Deus, e só nos inserindo nesta iniciativa divina, só implorando esta ação de Deus sobre nós, podemos nos tornar também, com Ele e n'Ele, evangelizadores».17 Este apelo do Espírito continua a ecoar em nossa Missão. A escuta atenta e fecunda da mensagem que emana da Gruta de Lourdes e da vida das “primeiras pedras dessa construção”18 nos interpelam a um constante renovar do nosso Carisma e da nossa Espiritualidade.

ESPIRITUALIDADE DO INSTITUTO

Fundamentos teológicos

19- Para bem compreender a dimensão espiritual inata no ser humano é preciso remontar aos acontecimentos que precederam e originaram a sua existência. O Pai, no Verbo mediante o Espírito, criou o homem à sua imagem e semelhança confiando-lhe, desde o início, a missão de expressar a perfeição a que era chamada a criação inteira. Este "homem" é a humanidade, assumida pelo Verbo, Cristo Senhor, cuja configuração perfeita precede a toda criatura: em seu ser pessoal está esculpido o plano da criação,19 constitui o princípio e o fim de todo ser criado por Ele20 e continua a criação levando-a a perfeição completa;21 Ele é o mesmo, ontem, hoje e sempre22.

17 Papa Francisco, Exortação Apostólica do n°112 18 MMJC 19 Cl 1,26; Ef 11, 10-12 20 cf. Cl 1,10-17; 21 Jo 5,17; Ef 1,10 22 Hb 13,8

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20- Deus Pai, mediante a obra-prima da humanização do Verbo, destinava a criação a ser reflexo das relações divinas intratrinitárias, uma manifestação externa da geração do Verbo, por parte do Pai, no Espírito. O Verbo, assistindo a toda criação e com a missão de levá-la a seu termo, fora constituído primogênito entre muitos irmãos23 e destinado a tornar todo homem participante de sua própria filiação divina. O Espírito Santo, difundindo entre os seres humanos as relações comunicativas do amor, como foram vividas em Cristo, suscita os afetos que o Senhor alimenta a respeito do Pai para que sejam "filhos no Filho". Somente em Cristo e por Cristo o Espírito faz compreender como Deus é Pai providente e caridoso. Aquele que nos redimiu e fez aliança com a nossa história é quem nos revela este amor e a Ele nos conduz.

21- A Sagrada Escritura fala da ação do Espírito de Deus na experiência de fé do homem: ele gera e difunde vida, santificação, verdade, profecias, milagres a fim de fazer comunhão entre as pessoas em Cristo. Ele dá tudo em Cristo, porque o Senhor Jesus é o ser relacional em grau absoluto. O homem espiritual é aquele que percebe a força do Espírito, como um componente novo em si mesmo; é quem vive o devir pascal de Cristo como uma experiência interior própria; é quem vive o dom da caridade como amadurecimento vital.

- Todo dom do Espírito está em função de Cristo e de sua Igreja. Sua obra própria é a "koinonia" pela qual induz todos e cada um dos fiéis a pensarem e agirem como membros do Corpo Místico, de modo que cada um cuide dos outros e tenda a se comportar segundo o todo e a pensar e querer no coração de todos. A vida, segundo o Espírito, dá testemunho de que Deus se integra cada vez mais intimamente em sua obra criada; cada vez com maior profundidade faz mergulhar a vida humana na vida divina. O Espírito é poder no íntimo da vida trinitária, relação que dá realidade e sentido a qualquer outra relação: lugar de intercâmbio dos desejos divinos; comunhão unitária

23 Cf Rm 8,29

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entre o Pai e o Filho.

22- Na história da espiritualidade, a experiência de Cristo sempre foi fundamental e insubstituível. Tal experiência na Igreja foi constante, embora tenha encontrado o seu pleno vigor na Igreja primitiva, segundo a narração dos Atos dos Apóstolos. Por outro lado, ao longo dos séculos, a história da Igreja conheceu várias correntes ou escolas de espiritualidade e, consequentemente, grandes mestres de vida espiritual. A experiência desses mestres tem sido amplamente constatada na vida de muitos homens e mulheres que permanecem vivos no hoje da história pela sua força espiritual.

Trajetória histórica 23- Os nossos Fundadores viveram o seu "modelo" espiritual como a maioria dos cristãos fiéis. Não pertenceram a uma escola de espiritualidade específica, mas receberam influência de bons mestres da época e centraram sua vida em Cristo e Maria. Vem daí as duas coordenadas da espiritualidade do Instituto: Jesus Eucaristia e Maria Imaculada.

Na prática, Espiritualidade e Culto se completam: a espiritualidade é de índole vivencial, é experiência de vida. O culto é celebrativo, é memoria que faz presente o evento, a própria vida.

24- A Espiritualidade Eucarístico-Marial, presente na piedade pessoal dos Fundadores, desde as origens, recebeu em Lourdes um forte contributo para o seu desabrochar.

25- Todos os sinais visíveis de Lourdes são fonte de espiritualidade para o nosso Instituto. A presença de Maria irradiando-se do rochedo de Massabielle; a centralidade da Eucaristia; a oração ininterrupta; as peregrinações com multidões de toda parte do mundo. Tudo é expressão do amor e suscita o itinerário da conversão. Quem vai a Lourdes por causa de Maria não se detém nela, pois ela mesma conduz a Jesus e, como em Caná, acena: “Fazei tudo que Ele disser”.

26- Nesse contexto, convém, para nossa história, aproximar Lourdes

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de Garaison. Nas duas aparições da Virgem, afastadas no tempo por mais de três séculos – existem pontos convergentes. A mensagem de Maria, nos dois casos, é confiada a jovens, pobres e sem instrução: Anglèse de Sagazan e Bernadette Soubirous, respectivamente. Nos dois casos, o cenário é um lugar retirado, quase desconhecido: de um lado o deserto - a savana árida - do outro, o rochedo de Massabielle; dois elementos de extrema ressonância bíblica convidam-nos a abrir espaço à ação do Espírito, a criar em nós o "deserto" do silêncio, do despojamento, da oração e a fundamentar a vida sobre a "rocha'' firme da fé em Cristo.

27- A Mensagem de Garaison e a Mensagem de Lourdes se encontram, primordialmente, para levar Cristo à humanidade. Nelas a Mãe de Jesus, solícita pela salvação de todos, “revela o pão da vida” e “pede a construção da Igreja”. Neste paralelo histórico, podemos então falar de duas "alianças".

Como João Batista e Jesus, Garaison e Lourdes, o "antigo" prepara o "novo" e ambos se integram. Assim também foi Lannemezan para o nosso Instituto: acolhe a Comunidade nascente, alimenta sua vida, dá condições de crescimento e, após “sete anos de gestação”, abre suas entranhas para o "nascimento" da Pequena Congregação junto à Gruta de Massabielle.

Como "todo discípulo instruído no Reino dos Céus tira de seu tesouro coisas novas e velhas",24 os nossos Fundadores encontraram nesses sinais a força de Deus e, lentamente, a espiritualidade do Instituto foi se consolidando. Ela se firmou em dois grandes eixos da espiritualidade do século XIX: o culto à Eucaristia e a devoção à Imaculada, como bem expressa o nosso lema: a Cristo por Maria.

24 Mt 13,52

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DIMENSÃO EUCARISTICA DE NOSSA ESPIRITUALIDADE

Dados teológicos do Mistério Eucarístico

28- Falar de "espiritualidade eucarística" é como dizer: viver o Mistério da Eucaristia, experienciar a Eucaristia na vida e na ação, ou seja, tornar-nos corpo de Cristo, uma só coisa com Ele. "Mistério de fé!", como diz o celebrante após a consagração do pão e do vinho.

Na sinagoga de Cafarnaum, Jesus diz ser o verdadeiro pão que desceu do céu, em referência ao maná, e que o pão que dará é sua carne para a salvação do mundo.25 Na véspera de sua paixão, realiza sua promessa. É de São Paulo o relato da instituição da Eucaristia, provavelmente, o mais antigo. "Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: "Isto é o meu corpo entregue por vós; fazei isto em memória de mim". Do mesmo modo, depois da ceia, também tomou o cálice dizendo: "Este cálice é a nova Aliança, em meu sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim."26

29- Na última ceia com seus discípulos, realizada segundo o solene ritual da Páscoa judaica, Jesus usou palavras e gestos simbólicos. Em consequência, a Eucaristia é uma refeição sacramental que, por meio de sinais visíveis, nos comunica o amor de Deus em Jesus Cristo que nos amou até o fim.

30- Na ceia eucarística, no ato de comer o pão e beber o vinho, Cristo nos admite à comunhão com ele e nos dá o penhor da vida eterna.27

A Eucaristia é também, em seu aspecto pascal, memorial da paixão e ressurreição do Senhor Jesus, sinal vivo e eficaz de seu sacrifício, realizado uma vez por todas, sobre a cruz e sempre agindo em favor dos homens. Jesus mesmo ordenará aos discípulos: "Fazei isto em

25 cf Jo 6,51 26 1 Cor 11,23-25 27 Cf Jo 6,56-58

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memoria de mim".

A concepção bíblica de memorial, aplicada à Eucaristia, exprime esta eficácia sempre atual da obra de Deus, quando celebrada por seu povo, sob a forma litúrgica. O Cristo, com tudo que tem realizado por nós e pela criação inteira, está presente neste memorial.

31- O Mistério da Eucaristia ultrapassa sempre nossa capacidade de verbalizá-lo ou de explicar o seu sentido com nossos argumentos. Conscientes da grandeza do mistério e de nossos limites, confessamos nossa fé nas riquezas nele contidas: significação trinitária; louvor e ação de graças; sacrifício aceito num gesto de infinito amor; presença real, sacramental e vivificante; banquete fraterno que nos unifica num só corpo; força que transforma, liberta e salva.

EXPERIÊNCIA VIVIDA: PASSADO e PRESENTE

32- Se podemos dizer que a devoção a Maria, no Instituto, recebeu influência do Padre Peydessus, como diretor espiritual de Eugénie Ducombs, a dimensão Eucarística é a marca pessoal deixada pela Fundadora.

Nascida no seio de uma família cristã, ela cultivou desde cedo os princípios da fé, sem jamais deles se afastar. Em Bernadets Dessus, paróquia rural, na companhia do irmão sacerdote, desenvolveu seu zelo apostólico com o povo simples da pequena aldeia, sempre fiel aos seus exercícios de piedade. Com outras pessoas da vizinhança, atraídas por sua devoção, costumava fazer vigília ao Santíssimo Sacramento, das onze horas à meia-noite. Inclusive fizera colocar na Igreja uma grade que, ocultando-a, permitia-lhe entregar-se livremente às efusões de sua piedade e seu amor a Deus-Eucaristia.

33- Durante toda sua vida, sobretudo nas dificuldades e nos momentos de dor, era diante de Jesus Sacramentado que Madre Maria de Jesus Crucificado acalmava o seu coração e hauria força e coragem.

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"O Instituto herdou de sua Fundadora uma devoção toda particular para com a Eucaristia. Já em Lannemezan, no início da fundação, a “Boa Madre”, como era chamada pelas Irmãs, conseguira fazer com suas companheiras a adoração noturna, uma vez por semana, do sábado para o domingo. A “Boa Madre” consagrava à sua adoração uma grande parte da noite. O que ela mais desejou, logo da instalação da comunidade em Lourdes, e para isso trabalhou com empenho, foi possuir Jesus Hóstia no meio de sua querida Comunidade. Cedo ela teve a felicidade de poder fazer a adoração do Santíssimo Sacramento, na capela do Petit Couvent, uma vez por semana, às sextas- feiras".28

34- Em sua Agenda, a Fundadora relata alguns passos da realização desse sonho:

Setembro - A torre está concluída. Recebemos um altar de Garaison e preparamos uma sala para ai fazermos nossa capela.

l° de Novembro de 1870 - A missa foi rezada em nossa Capela. “Superabundamos de alegria. Temos em nossa casa Jesus, nosso Esposo, nosso Rei, nosso Deus, nosso Tudo”.

Dia de Natal – Cantamos, pela 1° vez, Vésperas em nossa capela. Tivemos a bênção do Santíssimo Sacramento.

27 de Março de 1871 - Tivemos a felicidade de ver a nossa capela terminada na nova construção; trouxemos o Santíssimo Sacramento da Capela da Gruta. Dom Pichenot veio benzer este novo santuário dedicado à Imaculada, a quem pertencemos e a quem demos tudo.

35- Pouco antes de sua morte, no exilio de Tournay, já fora da Congregação, achando-se mais e mais enfraquecida, ela pede ao Bispo a presença e o reconforto do Pão do Céu: "...Por causa de minha saúde debilitada, eu peço a graça de um pequeno oratório onde teremos o Santíssimo Sacramento. Eu prometo me entender a respeito com o Sr. Cura de Tournay".29

28 Origens e Fundações - 1897 29 Carta a D. Jourdan - Tournay. 1877

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36- Fiel discípula e continuadora do pensamento e da obra de Madre Maria de Jesus Crucificado foi a Madre Maria Pèlagie, 2ª Superiora Geral. Em seu dinâmico generalato, o acontecimento mais importante e característico de sua piedade pessoal, foi o desenvolvimento e a consolidação do Culto Eucarístico no Instituto, destacando-se a instituição da Adoração Cotidiana do Santíssimo Sacramento, em 25 de Março de 1889. "Realizava assim o desejo íntimo, mas bem vivo da Madre Fundadora de ver consolidar-se, no Instituto, o Culto Eucarístico pela Adoração Cotidiana do Santíssimo Sacramento, principalmente em Lourdes."30

37- Distante mais de um século destes modestos começos, cumpre-nos integrar passado e presente, manter o equilíbrio entre a tradição e o momento atual. Não há verdadeiro crescimento, senão no respeito a toda aquisição anterior positiva. A Igreja, em seu processo histórico, experimenta essa evolução e pede da vida consagrada uma “fidelidade criativa”.

APELOS DA EUCARISTIA, HOJE 38- O Concílio Vaticano II, solicitado por tarefas múltiplas e urgentes, sobretudo de ordem pastoral, não tratou da Eucaristia de modo expresso senão uma vez e, do ponto de vista litúrgico-pastoral, na Constituição sobre a Liturgia Sacro-sanctum Concilium.

Contudo, é surpreendente o número de referências mais de uma centena feitas ao Mistério Eucarístico, em se tratando de outros assuntos. Apenas três breves textos não lhe fazem alusão: “Inter Mirìfica” (Comunicação Social), “Nostra Aetate” (Diálogo com as religiões não cristãs) e “Dignitatae Humanae” (Declaração sobre a liberdade religiosa).

39- O Concílio tomou consciência desta realidade e, por várias vezes, lembrou a doutrina clássica, segundo a qual a Eucaristia é o "centro"

30 Registro de Fundações, 1889

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e o "cume" de toda a vida cristã. Assim fazendo, insistiu sobre a irradiação da Eucaristia de Cristo e de seu Mistério Pascal. O Magistério ordinário da Igreja, através de seus escritos e pronunciamentos, não tem cessado de aprofundar e desdobrar a doutrina sobre a Eucaristia, em atenção aos novos tempos, às situações existenciais dos povos, aos apelos das culturas e às exigências daí decorrentes.

40- As nossas Constituições destacam aspectos dessa dimensão da espiritualidade31 que nos ajudam a aprofundar a vida eucarística de modo que, alimentadas do Cristo-pão, possamos encarná-Lo e vivermos a mística da comunhão.

A Eucaristia Celebrada 41- A Eucaristia seja concebida como a celebração central da vida e da ação da Igreja:

1- Aperfeiçoando-se os gestos e a linguagem a fim de que sejam meios eloquentes de comunicação mais compreensíveis e mais próximos da cultura dos participantes da celebração.

2- Fazendo sobressair a qualidade evangelizadora da Eucaristia, toda sua riqueza mistagógica, ou seja, seu sentido mais profundo de mistério.

3- Redescobrindo as implicações sociais da Eucaristia, nos momentos significativos do ritual, tais como a acolhida mútua e a reconciliação fraterna no início da celebração; a coleta e a partilha de bens que podem tornar-se uma expressão de solidariedade e de engajamento social.

4- Assumindo a dimensão profética da Eucaristia para resgatar a dignidade humana e alimentar a vida em comunhão. Assim, a Eucaristia será força para que os sem voz encontrem uma palavra; os indefesos, proteção; os abandonados, amor.

31 cf. Art. 4, 5, 38 e 40

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A Eucaristia Partilhada 42- Jesus anunciava o “Reino de Deus” como uma grande mesa com abundante pão e sem nenhum excluído. Sua religião é a religião da refeição; na verdade, Jesus rompeu com tudo aquilo que impedia que todos comessem juntos, que impunha jejuns, que declarava impuros alguns alimentos e proibia compartilhar a mesa com os chamados pecadores, que quase sempre eram os pobres.

43- A transformação das relações humanas se dá através do partir o pão e do passar o cálice de vinho; como o pão é um, comer desse pão nos faz todos um. A Eucaristia faz de todos nós Corpo de Cristo. Daí o interesse da primitiva Igreja em que, na Eucaristia, todos comungassem do mesmo pão partido, com a finalidade de fazer visível essa unidade de todos. Ninguém ceia sozinho. Há um partir, um distribuir, mãos que se tocam, olhares que se encontram, vidas que se renovam. Jesus e os discípulos, comendo o Pão e bebendo o Vinho, respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma utopia do Reino.

A Eucaristia Adorada 44- A expressão litúrgica não esgota o Mistério Eucarístico. Uma vez consagrados, o pão e o vinho permanecem o sacramento da presença real e viva do Senhor, no meio de seu povo. A Eucaristia é sacramento permanente.

Desde os primeiros séculos, a Igreja conservou as espécies consagradas, sobretudo para os doentes. Com o tempo, as devoções a Jesus Eucarístico se multiplicaram tornando-se uma das principais fontes de espiritualidade e de consagração religiosa.

45- Nos dias atuais, com a influência do secularismo, muitas pessoas vivem sedentas de uma espiritualidade que lhes faça perceber Deus e sua ação em suas vidas e, consequentemente, encontram, no culto da adoração ao Santíssimo Sacramento e na Celebração Eucarística,

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uma ascese que lhes permite reencontrar-se e redescobrir sua vocação batismal. Nessa crescente procura pelas devoções Eucarísticas e pelo sagrado precisamos estar atentas aos sinais e aos apelos do Espirito Santo para não alimentarmos uma espiritualidade intimista ou conformista.

1. A adoração, como todo culto cristão, dirige-se ao Pai por Jesus Cristo, no Espírito Santo, exprimindo admiração e ação de graças pelo amor de Deus Pai, a mediação salvífica de Cristo e o dom jubiloso e consolador do Espírito.

2. A adoração é contemplação e reconhecimento da presença real de Cristo nas sagradas espécies do pão e do vinho, fora da celebração da Missa.

3. A adoração exige tempo para que a pessoa que adora crie em si um espaço interior, e todo o seu ser fique centrado em Cristo.

4. Durante a adoração nós entramos em diálogo com Deus. Na contemplação e na admiração silenciosa nos abrimos à experiência de Deus e haurimos energia para o apostolado.

5. Os verdadeiros adoradores prestam um serviço à Igreja inteira, pois eles exprimem e mantem viva a oração pelos irmãos e lhes servem de estímulo.

6. A adoração é, igualmente, um gesto de solidariedade para com as necessidades do mundo, um apelo à justiça e à fraternidade.

7. Os que dedicam sua vida à oração e à adoração, na vida consagrada, colaboram com a obra da evangelização por seu modo de vida radical e sua aposta eloquente nos valores do Reino.

A Eucaristia Vivida 46- O cristão não vive a Eucaristia somente durante a celebração ou adoração, mas ao longo da vida. A liturgia da Eucaristia e a liturgia da vida estão intimamente unidas.

1. A palavra "leitourgia" significa, primeiramente, o culto espiritual,

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existencial e vital dos cristãos que, no exercício de seu sacerdócio, se oferecem a si mesmo em viva oblação: eles oferecem a Deus, por Cristo mediador, "sacrifícios espirituais agradáveis".32

2. Na Eucaristia, verdadeiro coração da liturgia, reúnem-se de maneira harmoniosa, pela oblação infinita de Cristo, a celebração, a adoração e a vida.

3. A celebração e a adoração devem conduzir o cristão a uma vida eucarística, através da qual se desdobra e se realiza, na existência concreta, tudo o que foi celebrado e contemplado. Assim, pois, o Vaticano II afirmou, de diversas maneiras, que a liturgia da Eucaristia se prolonga na vida e os crentes podem ser, a todo momento, "adoradores em espirito e verdade."33

47- Enfim, “nutrir-se de Jesus e habitar n’Ele mediante a comunhão eucarística, transforma a nossa vida em dom a Deus e aos irmãos. Alimentar-se do “Pão da Vida” significa entrar em sintonia com o coração de Cristo, assimilar suas escolhas, seu modo de pensar e de agir. Significa entrar no dinamismo do amor e transformar-se em pessoa de paz, de perdão, de reconciliação, de partilha solidária.”34 Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.35

DIMENSÃO MARIAL DA ESPIRITUALIDADE Lourdes: uma mensagem, um apelo, um caminho 48- As aparições de Lourdes, como outras ocorridas na história, expressam a mediação materna de Nossa Senhora à base da primeira mediação, a sua maternidade divina, pela qual, cumprindo o desígnio eterno de Deus, deu a Cristo sua humanidade.36

32 Rm 12,1 33 SC. 61; LG 35.36; GS 3,38 34 Papa Francesco 16/08/2015 35 Jo 6,5 36 GI 4,4

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Quis o Pai associar Maria, Mãe de seu Filho, à obra da salvação, a fim de que Ele seja, mais do que na Antiga Aliança, o Emanuel, o Deus Conosco.

49- Em Lourdes, todos são atraídos por Maria. Ela se coloca entre nós e seu Filho; ela nos leva a Jesus. A Mensagem de Lourdes se enquadra no plano Salvífico de Deus: “Ele nos escolheu em Cristo, no amor, antes mesmo da criação do mundo”.37 Fomos amados quando não éramos capazes de corresponder a seu amor. Maria, em Lourdes, é para todas as pessoas esse sinal singular do amor primeiro de Deus. Esta é a essência da Mensagem de Lourdes e do nosso Carisma. O que temos a mais são desdobramentos palpáveis desta realidade fundamental; é à sua luz que devemos compreendê-los.

50- A Mensagem de Lourdes se alinha numa singela sequência em que as situações, as pessoas, os acontecimentos, os gestos falam tanto quanto as palavras. Ela não contém previsões, ameaças ou reprovações. As intervenções da Virgem durante as aparições assumem uma ressonância evangélica. Tudo se desenvolve numa atmosfera relacional “cristificada e cristificante”. É ao Evangelho que somos conduzidos ao seguirmos os passos de Bernadette. Marcada pela simplicidade, a Mensagem de Lourdes é uma gruta aberta para o horizonte do Evangelho.

Massabielle: a Gruta da Esperança 51- Na Bíblia o rochedo é o nome de Deus. “Deus, meu rochedo, minha cidadela”.38 A rocha é sólida; o que é construído sobre a rocha não tem necessidade de outra fundação. Pela fé, o ser humano se apoia em Deus. Mesmo invisível, ele é mais sólido que todas as forças da natureza. Com as aparições de Maria, a Imaculada, a velha rocha de Massabielle se torna a Gruta da esperança.

52- A primeira transformação visível em Lourdes é a “conversão do

37 Ef 1,4 38 Salmo 18,2

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ambiente”, é uma nova criação. “Eis que faço novas todas as coisas”.39 Aquele local sujo e de má fama se torna um local limpo, puro e iluminado pela presença da Santíssima Trindade que Maria testemunha na primeira aparição. A gruta, “refúgio dos porcos”, se torna centro de acolhimento de povos de todas as nações, lugar de santidade e de oração, de silêncio e de contemplação. A multidão que vem à Lourdes deseja entrar na Gruta; apoiar a cabeça na rocha, numa atitude de fé, beijá-la, tocá-la; confiar à Mãe de Deus todas as suas preocupações, sofrimentos e alegrias.

53- A Gruta que era o lugar de quem não tinha lugar tornou-se espaço de esperança para todas as pessoas que buscam esperança, acolhida e proteção em Maria; que desejam ser amadas e consoladas pela Mãe do Céu. Massabielle, a velha rocha, com a visita de Maria Imaculada, se torna ventre materno onde o pecador, o fraco, o indefeso, o doente, o pobre e o excluído sentem-se acolhidos e valorizados.

54- A Gruta é símbolo da Igreja do Cristo, Rocha viva. “Tu és Pedro e sobre essa pedra eu edificarei a minha Igreja”;40 é lugar que cura as feridas mais profundas e dá libertação;41 é espaço missionário: “Fazei tudo o que ele vos disser”,42 repete constantemente a Virgem, do alto do rochedo, a cada peregrino que passa sob o seu olhar. Esta experiência os leva a dizer como Santa Bernadette: “a Gruta era o meu céu”.43

Primeira Aparição 55- “Eu fui com duas companheiras à margem do Gave recolher lenha. Elas atravessaram o canal; começaram a chorar. Perguntei-lhes porque choravam. Responderam-me que a água estava fria. Pedi-lhes que me ajudassem a lançar pedras na água para que eu

39 Ap 21,5 40 Mt 16, 18 41 1Rs 19 42 Jo 2, 5 43 Notas íntimas de Bernadete

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pudesse passar sem me descalçar; responderam-me que devia fazer como fizeram. Fui então um pouco mais longe para ver se podia passar sem me molhar. Não pude. Voltei para diante da gruta para me descalçar. Assim que comecei, ouvi um rumor como um golpe de vento. Voltei a cabeça para a pradaria e vi que as árvores não se mexiam. Continuei a descalçar-me; ouvi o mesmo rumor. Levantei a cabeça e olhei para a gruta e vi numa auréola de luz, uma Senhora vestida de branco; tinha um vestido branco e uma faixa azul na cintura, com os pés descalços e uma rosa amarela em cada pé, da cor da corrente do seu rosário. Ao ver isto, esfreguei os olhos; julgara estar enganada. Meti a mão no bolso e tirei o meu rosário. Quis fazer o sinal da cruz, não consegui levar a mão à testa: caiu-me. A visão fez o sinal da cruz. Então, a minha mão tremeu; voltei a tentar fazê-lo e consegui. Comecei a rezar o rosário; a visão fazia correr as contas do seu, sem mexer os lábios. Quando acabei o meu terço, a visão desapareceu repentinamente. Perguntei às duas companheiras se não tinham visto nada, disseram-me que não. Perguntaram-me o que era e que devia contar. Disse-lhes então que tinha visto uma Senhora vestida de branco, mas que não sabia o que era e que elas não deviam contar nada. Disseram-me que não devia voltar ali, disse-lhes que não”.44

Um golpe de vento

56- “Ouvi um rumor como um golpe de vento,” é com estas palavras que Bernadette começou seu relato da primeira aparição. Ela nos faz pensar imediatamente no vento de Pentecostes. Com efeito, está escrito que foi com um vento violento que o Espírito se manifestou aos Apóstolos. Não vemos aqui somente uma feliz coincidência. O vento que sopra do alto não se vê, mas se pode sentir; não tem um rosto que se possa distinguir, mas sua presença é sentida: é uma força que transforma toda pessoa; é a Ruah que movimenta e desinstala; é um impulso irresistível que parte do mais profundo do ser humano trazendo vida, aspirações e luzes. 44 René Laurentin, - Lourdes Histoire Authentique 2, Bernadete Soubirous, 28 de maio de 1861

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57- A experiência confirma que o vento sopra como e quando quer. Sua presença na vida do ser humano se faz no silêncio da ação; uma ação cheia de sabedoria porque é o próprio Deus que quer se comunicar com quem Ele deseja para colaborar com sua criação. É este Espírito de Amor, o Espírito Santo, que concede a Bernadette, uma pobre que não conhecia o catecismo, ver a Imaculada, sinal do amor primeiro e gratuito de Deus. Movida pelo Espírito, ela teve forças para rezar e fazer penitência, comer a erva, beijar a terra pelos pecadores, beber a água ainda barrenta, testemunhar o amor de Deus apesar de todas as críticas, falta de acolhimento e ameaças. A partir deste acontecimento, sentirá o essencial do Evangelho, mesmo sem o haver lido. “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelastes aos pequeninos”.45 58- A presença do Espírito Santo é esta força impulsiva e renovadora que dá sentido à vida e se manifesta desde o início da criação. “A terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um sopro de Deus pairava sobre as águas.”46 Nas suas mais diversas formas, o Criador age dando vida através do seu sopro divino, em formas de línguas de fogo47 ou na brisa suave do Monte Carmelo,48 animando a missão dos apóstolos ao iniciar a Missão da Igreja, convidando homens e mulheres e inquietando corações para anunciar a Boa Notícia.

59- A presença fecunda deste mesmo sopro divino também é sentida na vida e na Missão dos nossos Fundadores, Madre Maria de Jesus Crucificado e Jean Louis Peydessus. Impulsionados pelo Espírito Santo, iniciaram a Congregação; seguiram confiantes mesmo na pobreza de Lannemezan; foram atentos aos desafios e necessidades dos irmãos em Galan; mesmo por caminhos obscuros, avançaram para outras terras, sustentados na confiança em Deus e na audácia

45 Mt 11,25-26 46 Gn 1,2 47 At 2,3 48 1Rs 19, 12

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pelo Reino.

Eu vi uma luz que surgia... 60- Bernadette, na obscuridade da Gruta, viu uma luz e nela uma linda Senhora, toda resplandecente de Luz. Era uma luz que não existia na terra, nem mesmo a do sol era assim forte. “No centro desta luz, vi um rosto maravilhoso, o qual não havia outro neste mundo. Eu ouvi uma voz melodiosa e eu olhava sem me dar conta de tudo que estava acontecendo. Eu gostava daquele lugar, daquela sensação, e quando terminava a aparição, minha vista parecia estar obscurecida, como quando se entra em uma sala muito tempo depois de estar ao sol”. “Aquerò era cercada por uma luz semelhante ao sol, contudo esta luz era suave aos olhos. Seu rosto estava transfigurado e radiante de felicidade, tinha tomado uma expressão que eu não conseguiria definir”.49

Pode-se dizer que Bernadette também era revestida de sol. Em comunhão com Maria, iluminada pela presença divina, ela foi agraciada por esta luz que transmitia. A Virgem contemplada por Bernadette, na Gruta de Massabielle, irradiava luz; presença de um Deus que nos ama e que nos comunica o reflexo da sua inefável beleza.

A conversão pode vir de uma vela! 61- Antes das Aparições, o fogo e a luz das velas têm um papel importante na vida do povo de Lourdes. Por exemplo, se podia predizer que cuidados necessitavam um enfermo, só em olhar as velas. Nos tempos em que a medicina ainda não tinha muitos avanços, se recorria facilmente ao diagnóstico das velas ou quando os curandeiros não conheciam os remédios que haviam de aplicar.

Quando Bernadette ia à Gruta, levava quase sempre uma vela e a

49 Lourdes Histoire Authentique 2, René Laurentin

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conservava na sua mão até o momento que a “Bela Senhora” lhe aparecia.

O fogo formado pelas velas que queimam diante da Gruta nos lembra a presença de Bernadette e a sacralidade do Mistério Divino que contrastava com a escuridão da Gruta, o reflexo da graça do Amor Salvífico de Deus.

A luz da Esperança 62- A face de Bernadette resplandecia ao olhar a Mãe de Jesus: ela refletia em si sua doce luz. Maria vem trazer a luz da esperança, relembrar a Boa Notícia e comunicar a mensagem que ilumina a escuridão dos corações desanimados. Por ela, Deus convida todos a sair da escuridão e viver no amor-comunhão. Todos, especialmente os pobres e pequenos, são chamados a viver sob essa luz que Maria gerou e doou ao mundo - o seu Filho Jesus.

A luz também é o sinal da transparência de um coração em sintonia com a vontade de Deus, é uma realidade transcendental que exterioriza a divindade. Bernadette é conduzida pela luz que surge no rochedo obscuro e vive conduzida pelo mistério da graça que vem do céu, guiada sempre pela Virgem de Massabielle. Uma luz que resplandece 63- Bernadette segue os passos de Maria. Quando acolhe em seu coração a mensagem confiada, é transparente em comunicar, com a verdade de seu coração, o que os seus olhos viram e o que seus ouvidos escutaram. “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem vosso Pai que está nos céus”.50

64- Muitas pessoas que caminham no interior da Gruta, tocam e se apoiam no rochedo; ao saírem, trazem no seu rosto a claridade que 50 Mt 5,16

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contrasta com a cor sombria da rocha. É a expressão de alegria, fé e confiança de quem vem buscar e levar a misteriosa luz que Maria transmitiu à Bernadette. A Gruta não é um lugar de palavras, de conselhos, mas quantos milhões de homens e mulheres ao longo dos anos têm encontrado, no silêncio do rochedo, no encontro com a fonte, na contemplação da Imaculada, uma luz que ilumina suas vidas!

A Procissão das velas 65- Desde as primeiras aparições, Bernadette e alguns peregrinos tinham em suas mãos velas acesas como testemunhas da luz. Mas a luz que ela transmitiu com seus gestos e palavras foi aquela recebida de Maria - Cristo. Lourdes continua sendo um sinal esplêndido da transparência de Deus, onde milhares de pessoas passam diante do rochedo e, em procissão luminosa, caminham cantando e rezando o rosário, à Virgem que quer continuar a guiar o seu povo ao amor Salvífico de seu Filho Jesus.

“Os peregrinos vão a Lourdes para procurar a luz da fé, uma luz para a vida de cada dia”, escreve Monsenhor Jack Perrier. Na noite da dúvida é preciso procurar a luz, discernir os sinais que Deus nos dá. “Deus é luz. Se caminhamos na luz como ele mesmo está na luz, estamos em comunhão com Ele e uns com os outros”.51

66- Quem vai a Lourdes e participa da procissão das velas, muito mais que uma imagem de luz, encontra um sinal para o qual o Papa João Paulo II chamou a atenção: “Caminhar juntos, caminhar na noite, noite de dúvidas ou de desespero, interminável noite dos doentes, noite de abandono, de solidão e de traição. Caminhar na luz da fé, seguindo Cristo ressuscitado, luz do mundo; aclamar Maria, Virgem de luz e nossa irmã na fé, que nos acompanha na peregrinação desta vida, até a cidade celeste.”52

51 1 Jo 1, 7 52 João Paulo II, Lourdes 1983

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O sinal da cruz 67- Antes mesmo de falar com Bernadette e dizer o seu nome, a Virgem lhe ensinou a fazer o sinal da cruz, e fazê-lo com perfeição. Relata Bernadette: “Senti medo, quis fazer o sinal da cruz, não consegui levar a mão à testa: caiu-me. A visão fez o sinal da cruz. Então, a minha mão tremeu; voltei a tentar e consegui”. A partir desse momento, Bernadette não terá mais medo, nem mesmo das autoridades, ou qualquer pessoa que a censurasse, não terá medo de nada, pois a experiência vivida naquele encontro a tornou livre. O Sinal da Cruz foi a chave de tudo.

68- Por que a mão de Bernadette ficou paralisada? Porque ela fez esse gesto com o desejo de se proteger. Bernadette mesma diz: “Eu tinha medo” e acrescentou que pode fazer depois que a Senhora mesma fez esse gesto. Colocando a cruz entre sua pessoa e a de Bernadette, a Mãe de Deus nos revela que a passagem de uma humanidade ferida pelo pecado para uma humanidade renovada por Deus se faz pela cruz. Assim, pela simplicidade e profundidade desse gesto, Bernadette é introduzida, por Maria, no Mistério da Trindade, no coração do Evangelho. “No sinal da cruz feito por Maria e Bernadette, se encontra toda a mensagem de Lourdes”.53

69- Para Bernadette, fazer o sinal da cruz foi uma prioridade ao longo de sua existência, um fruto espiritual das Aparições, pois ele significa o amor Salvífico de Deus estendendo as mãos em direção à humanidade, abraçando e acolhendo cada pessoa na sua individualidade.

70- Para Bernadette, como para nós, o sinal da cruz é o sinal do que somos; reconhecemos nossa pequenez, nosso sofrimento, nosso pecado, nossa condição humana. O sinal da cruz é proclamação do amor de Deus manifestado sobre nós na cruz de Jesus Cristo.

O Pai, oferecendo-nos seu Filho sobre a Cruz, vem juntar ao seu coração o nosso sofrimento e também a nossa morte. No momento

53 Papa Bento XVI, Lourdes 2008

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do batismo, quando nos é doado o sinal da Cruz, recebemos também a chave de nossa vida. Pronunciando as palavras que acompanham esse gesto, “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo", nós descobrimos a nossa vocação mais profunda. Inseridas no Mistério da Trindade, somos convocadas a viver em comunhão com Deus e com os irmãos. Por isso, o Senhor nos dirá: “O amor que vós tendes uns pelos outros vos identifica como meus discípulos”.54

“É significativo que, desde a primeira Aparição a Bernadette, foi pelo sinal da Cruz que Maria iniciou o seu encontro. Mais que um simples sinal, é uma iniciação ao mistério da fé que Bernadette recebe de Maria”.55 O sinal da Cruz é a síntese de nossa fé porque afirma o quanto Deus nos tem amado; fala-nos de um amor mais forte que a morte, mais forte que a nossa fraqueza e o nosso pecado.56 O Sorriso de Maria 71- Ao aprofundarmos nas Aparições de Nossa Senhora, em Lourdes, percebe-se que a manifestação do sorriso é algo extremamente importante em quase todos os encontros com Bernadette. Ao sorrir a Virgem de Lourdes, transmite a alegria que manifestou na Anunciação, quando diz; “A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador!”57. Expressa a alegria de ser amada e escolhida, pois é através do seu sim que a vontade de Deus se realizou. A sua livre entrega é confirmada através da alegria de ser toda de Deus sem deixar de ser humana.

72- É notável, nas Aparições, a maneira terna e serena como Nossa Senhora se comunicou com Bernadette e como esta jovem foi transparente e atenta às atitudes da Senhora. Bernadette asperge a senhora com água benta. “Aqueró sorri e inclina a cabeça.” Bernadette lhe apresenta uma folha de papel e lhe pede para escrever seu nome. Ela lhe sorri... Bernadette pergunta, gentilmente, 54 Jo 13, 35 55 Papa Bento XVI, Lourdes 2008 56 cf Rm 5,5ss 57 Lc 1, 46-47

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seu nome, mas a Senhora somente sorri..., Bernadette insiste e a resposta é um sorriso. Todas essas experiências marcaram a sua vida; por mais que algumas durassem somente um breve instante, seus efeitos permaneceram em seu coração e em sua mente para sempre. Na última Aparição, ela relata... “eu via somente a Santa Virgem, jamais a vi tão bela!” O sorriso foi o adeus.

73- O sorriso da Virgem Maria foi tão verdadeiro que ajudou Bernadette a enfrentar o medo, a tomar decisões, a descobrir a felicidade plena. O esplêndido sorriso revelado na Gruta foi cativante, e de alguma forma, criou laços profundos e marcantes, de acolhimento, de amor e amizade. “O sorriso de Maria é uma luminosa expressão de santidade e de ternura para com toda a criatura humana; não é expressão de sentimentalismo, e nem antiquado; antes, é a justa expressão da relação viva e profundamente humana que liga Àquela que Cristo nos deu por Mãe”.58 Procurar o sorriso de Maria é ir ao encontro do manancial, onde encontramos renovadas forças, para que possamos continuar o bom combate em prol da fé e da santidade. É recuperar a esperança perdida, o sentido da vida, os sonhos e encarnar em nós essa ternura de Deus Pai e Mãe, que sorri através de Maria.

74- Nesta expressão do sorriso da Virgem Maria a Bernadette, é transcendental a postura de Maria, que revela através do seu gesto, a abertura do coração para acolher com simplicidade a realidade humana de sua Mensageira. Maria se dispõe a estar com Bernadette, lhe confidencia os segredos dos Céus. É um respeito para com a pessoa que usa de sua liberdade para entrar e ali se instalar e partilhar as alegrias e tristezas que são próprias da vida.

75- No sorriso de Maria, contemplamos duas liberdades que se unem para dizer que Deus quer renovar conosco seu pacto de amor, e que através de gestos simples podemos transformar nossa realidade; liberdades que se unem para revelar a alegria que vem de Deus através de uma relação amorosa e consistente com Ele. E Maria

58 Papa Bento XVI, Lourdes 2008

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continua a nos comunicar esta graça, sobretudo no rochedo de Massabielle, onde ela insistentemente apareceu 18 vezes para nos dizer que só o amor é capaz de transformar as tristezas em alegrias, a escuridão em luz e o desânimo em esperanças.

Pés descalços 76- Naquela manhã fria e nebulosa, de 11 de fevereiro de 1858, quando Bernadette Soubirous está se descalçando, vê, no rochedo de Massabielle, “uma bela Senhora vestida de branco com uma faixa azul na cintura, os pés descalços e uma rosa amarela em cada pé, da cor da corrente do seu rosário...” Pés descalços sobre a rocha fria em pleno inverno europeu! O que Deus quer nos dizer através deste sinal é algo que nos faz pensar e nos leva a buscar nas Sagradas Escrituras o seu significado.

77- Na Palavra de Deus existem muitas advertências, conselhos e instruções acerca dos nossos pés, seja no sentido espiritual, seja no físico. Moisés estava cuidando de um rebanho, envolvido em sua vida comum e, de repente, algo lhe chama a atenção: um arbusto queimava, mas, inexplicavelmente, não se consumia. Movido pela curiosidade, aproxima-se para ver mais de perto e ouve a voz de Deus: “Não se aproxime. Tire as sandálias dos pés, pois o lugar onde você está é terra santa.”59 Esta é a primeira referência ao solo sagrado, na Bíblia.

O lugar onde Moisés estava era lugar simples, onde se levava o rebanho, mas torna-se um lugar santo, de ver Deus, de ouvi-Lo e senti-Lo, de tocar no chão sagrado, de receber uma missão. Lugares simples e coisas simples muitas vezes escondem uma grande riqueza. Ao tirar as sandálias ele entrou em contato com sua espiritualidade, com o chamado e a missão para a qual Deus lhe havia preparado desde o seu nascimento. Esta experiência marcou profundamente Moisés.

59 Ex 3, 5

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78- Tirar as sandálias é muito mais que uma atitude de reverência religiosa. As sandálias de Moisés não permitiam que ele tivesse contato com aquele solo pleno da presença de Deus, com aquele chão que traçaria sua vida dali em diante. Deus não queria que as sandálias impedissem Moisés de pisar um chão de possibilidades e verdades que mudariam sua rota de vida e a vida do seu povo escolhido para sempre.

79- Tirar as sandálias fala de uma oportunidade nova para reescrever a própria história a partir do contato com essa realidade espiritual; remete-nos à ideia de renunciar a própria capacidade de ser. Moisés percebe que, sem as sandálias, a sua vulnerabilidade e sensibilidade ficam mais evidentes, fatores imprescindíveis para quem quer estar na presença de Deus com humildade. Deus só pode ter um encontro com quem realmente somos, sem vestes ou aparatos que nos escondam ou nos deem uma ideia falsa de proteção.

Josué ao entrar na terra prometida pergunta ao chefe do exército de Javé o que o Senhor lhe diz e ele responde: “Tira as sandálias dos pés porque o lugar onde você está pisando é lugar sagrado. Esta terra é sagrada porque é propriedade do Senhor e vai ser entregue ao povo para que se realize o Seu projeto de amor”.60 Aqui, Deus diz que todo lugar onde pisarem as plantas dos pés deles, Ele lhes dará. A tradição judaica conta que ao entrar em Canaã, o povo de Israel desatou suas sandálias e partiu tomando posse da terra prometida.61 O Salmista procura levar seus pés por um caminho agradável ao Senhor: “O meu pé está firme no caminho reto”.62 “Quão formosos são, sobre os montes, os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, do que anuncia o bem, que faz ouvir a salvação, do que diz a Sião: O teu Deus reina!”.63 “Pois Deus colocou todas as coisas debaixo dos pés de Cristo”.64 Ainda sobre os pés, a Palavra nos diz que ela é: “lâmpada

60 Js 5,15 61 Dt 11,24 62 Sl 26,12 63 Is 52,7 64 1Cor 15,27

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para nossos pés”65 e na carta aos Efésios, Paulo diz: “calçai os pés com o zelo para propagar o Evangelho da Paz”. Os pés também falam de movimento, de dinâmica, de peregrinação, purificação e conversão.

Pés descalços na Gruta de Massabielle 80- Essa reflexão ajuda a intuir o significado dos pés descalços de Nossa Senhora na Gruta de Massabielle, bem como, da atitude de Bernadette quando quis aproximar-se da Gruta: descalça-se e tira as meias. Estes gestos fazem pensar que é preciso prestar atenção onde se pisa, caminhar com mais cuidado, sentir melhor a realidade. Sem as sandálias, podemos sentir o lugar onde pisamos como um lugar santo, onde Deus se revela. Estar na presença de Deus requer sintonia, observação, proximidade; com os pés descalços podemos interagir melhor e desenvolver nossa intimidade com Deus e com os outros.

81- A Gruta de Massabielle era um lugar simples, abandonado, habitado apenas por forasteiros e porcos. Quando se queria falar de alguém mal educado, a gente do povo tinha o costume de dizer: “Deve ter sido educado nas imediações de Massabielle”.66

O ambiente da Gruta causava medo em muitos Lourdenses. Nossa Senhora vem, de pés descalços, mostrar que este lugar tornar-se-á uma terra santa, um lugar sagrado onde as pessoas podem encontrar-se com Deus, receber suas graças e bênçãos, recuperar a esperança e a alegria de viver.

82- Quão formosos são sobre a rocha de Massabielle os pés d’Aquela que vem dizer a Bernadette: “Vá dizer aos padres que construam aqui uma capela e que venham em procissão.” E a partir deste acontecimento milhares de peregrinos se colocaram, e se colocam ainda hoje, a caminho desse lugar sagrado para buscar alívio para suas dores, fortalecimento na fé e a cura para tantos males do corpo e do espírito. Conduzidos pela Virgem Imaculada encontram Jesus 65 Sl119,105 66 As Sete Chaves de Lourdes, Revista Lourdes Magazine, Número Especial

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Cristo e tem a possibilidade de “calçar os pés para propagar o Evangelho da paz” nas suas comunidades e cantarem juntos: “Desamarrem as sandálias e descansem, este chão é terra santa. Venham, orem, comam, cantem, venham todos e renovem a esperança no Senhor.”67

Segunda Aparição Domingo, 14 de fevereiro 83- Bernadette, impulsionada por uma força interior, sente em seu coração o apelo da Santa Virgem de retornar à Gruta de Massabielle: “Voltei com várias meninas; levamos uma garrafa cheia de água benta e fomos à Gruta. Uma vez ali, cada uma pegou o rosário, pusemo-nos de joelhos para recitá-lo. Apenas havíamos dito o primeiro mistério, vi a Senhora: então, pus-me a jogar-lhe água benta, e ao mesmo tempo lhe dizia que se viesse da parte de Deus, ficasse, se não, que se fosse, e me apressava em jogar-lhe a água. Ela pôs-se a rir”.68

84- Bernadette leva consigo a água benta como sinal da proteção de Deus, sinal da graça que é superior diante dos males da vida. Maria deixa que a jovem realize o seu gesto de fé, não a recrimina, nem a despreza, ao contrário, a acolhe com um sorriso, pois conhece a intenção do seu coração. O Salmo diz: “antes que a palavra chegue aos meus lábios, tu já a conheces Senhor!”.69

É esta a maneira amável de Deus agir com seus filhos: paciência, bondade, respeito, atenção e sensibilidade! “Eu vi o clamor do meu povo, ouvi e desci...”70 Deus viu a necessidade dos seus, desceu e lhes revelou o seu amor. Um Deus materno, vivo e atuante na história da humanidade, que caminha lado a lado com os seus e não os abandona.

67 Canções católicas 68 René Laurentin, Lourdes Histoire Authentique 2 69 Sl 139, 4 70 cf. Ex 3

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85- Desde o início da história da Salvação, Deus age em favor dos seus filhos de maneira simples, significativa e real. Para Bernadette a água benta é um sinal expressivo da sua fé. Ela acredita no poder que a mesma pode lhe dar. Maria acolhe este gesto através do sorriso. É uma resposta de que as forças do mal não tem nenhum poder sobre o bem, pois Deus é o próprio Bem.

A Virgem de Lourdes indica a Bernadette outra dimensão da realidade. É um novo caminho a percorrer. Na interioridade do coração de Bernadette e de Maria há uma mútua compreensão. Ela compreende e anuncia a Mensagem da Senhora de Massabielle. Na sacralidade deste Mistério, Bernadette torna-se a serva fiel de Maria e anunciadora de sua Mensagem.

A partir deste momento, cada apelo da santa Virgem na Gruta de Massabielle fará do Rochedo insalubre, escuro e úmido o Templo Sagrado de Deus. Lugar da Divindade, do Sagrado, do Silêncio e da Oração.

Maria guarda no seu coração as tristezas e as inquietações da humanidade e, pelo seu amor maternal, as eleva a Deus que as transforma em esperanças e alegrias. Maria rompe o silêncio 86- A Virgem Mãe de Deus rompe o silêncio e usa a Palavra para revelar, pedir, convidar, enviar e confortar o coração de Bernadette. Todas as palavras de Maria nos recordam o Evangelho. O seu Filho nos mostra quem é o Pai celeste e ela o comunica a toda humanidade. Maria nos indica o caminho, por excelência, através da Palavra que, tanto quanto o silêncio, foi fecunda em sua vida. A palavra meditada, interiorizada no coração, suscita a força e a beleza transformadora que ela contém. A força desta Palavra proferida por Maria é a própria voz de Deus, que usa simplesmente da pedagogia do Amor. Maria fala e suscita no coração de Bernadette a disposição de estar a caminho na busca de uma verdade que ela necessita descobrir.

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Terceira Aparição 87- No dia 18 de fevereiro de 1858, Madame Millet, esposa de um notável de Lourdes, que algumas vezes oferecia trabalho à mãe de Bernadette, obtém a permissão para levar sua filha muito cedo à Gruta. Ela dá à vidente papel e caneta para que a aparição pudesse escrever o seu nome e o que deseja. Bernadette o fez. “Aquerò” disse sorrindo: “Aquilo que devo dizer, não é necessário colocar por escrito”. Depois pergunta à Bernadette: “Quer fazer o favor de vir aqui durante 15 dias?” Esta lhe responde que sim. “Aquerò” acrescenta ainda: “não te prometo a felicidade neste mundo, mas no outro”71.

O que tenho a dizer-lhe não é necessário colocar por escrito 88- Para que serviria uma mensagem escrita? Quem a receberia e a transmitiria? Bernadette não sabia nem ler, nem escrever; é escolhida para ser a mensageira. Grande sinal de respeito da Senhora: leva em consideração a condição de iletrada de sua pequena vidente.

Bernadette, com toda a delicadeza pergunta: Senhora, vós podeis ter a bondade de colocar o vosso nome por escrito, por favor?” Aquerò, com a mesma delicadeza, responderá a Bernadette: “Não é necessário...”. Quando a Senhora diz: não é necessário colocar por escrito, podemos compreender que a mensagem principal já está escrita. Esta vai ser uma recordação, uma memória da nova aliança que deve ser gravada não sobre a pedra ou sobre pergaminhos, mas nas tábuas de carne, no íntimo dos corações. Uma mensagem que nos remete ao Evangelho. Deus escreveu no coração de Bernadette, através de sua Mãe, o essencial da revelação cristã.

89- Desde o início das Aparições, a Senhora do Rochedo nos quer comunicar a mensagem essencial da revelação: Deus é amor. Ao se colocar em atitude de humildade, se abaixar para poder elevar Bernadette ela vem nos ensinar que precisamos ir ao encontro da pessoa, respeitar e acolher sua realidade e favorecer sua relação com 71 René Laurentin, Lourdes Histoire Authentique 2

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Deus. Somos, portanto, convidadas a viver esse amor na profundidade de nossa vocação, como dizia Bernadette: “Não passarei um instante da vida, sem amar”.72

Aprendemos com Maria que a mensagem anunciada por ela, na Gruta de Lourdes, e testemunhada por Bernadette, não deve ser escrita em papel, mas no coração de cada pessoa que se abre à graça de Deus e se deixa conduzir pelo seu Espírito.

“Você quer fazer a gentileza de vir aqui durante 15 dias?” 90- Esta é uma das primeiras palavras que a Senhora de Massabielle diz, no dia 18 de fevereiro de 1858. “Quer”, lembra o Evangelho e recorda a proposta de Jesus ao jovem rico, “se queres...”73 ou aos seus apóstolos, depois do discurso sobre o pão da vida: “Quereis ir embora?”74 Maria deixa Bernadette totalmente livre. O Concílio Vaticano II particularmente insistiu sobre este aspecto da liberdade religiosa: “se a fé é uma herança, cada um deve apropriar-se pessoalmente da mesma para poder dizer com a Igreja, em toda liberdade, eu creio”.

91- “Quer...” - quem dirigiu esta convocação a Bernadette tomou a iniciativa do convite. Depois de duas aparições silenciosas, onde tudo se resumia no olhar, na luz, no sorriso, na oração, atos necessários para tomada de confiança, veio a proposta clara: “Você quer fazer o favor de vir aqui por 15 dias?”

Na terceira vez que Maria aparece na Gruta de Massabielle, ela vem na condição de quem necessita de um favor. Revela-se não somente delicada diante de Bernadette, mas, sobretudo desarmada, e Bernadette se encontra na mesma condição. A atitude humilde de Aquerò mostra que o convite livre e gratuito de Deus requer uma resposta consciente e livre de quem é chamado.

72 Notas íntimas de Bernadete 73 Mt 19,17 74 Jo 6, 67

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Olhava-me como a uma pessoa 92- “A Santa Virgem me olhava como uma pessoa que fala com outra pessoa”, diz Bernadette. Por trás desta declaração, perpassa uma experiência profunda, a experiência de alguém que não fala com superioridade, mas de modo natural e com benevolência. “Quer fazer o favor de vir aqui durante quinze dias”. Aqui nasce, com muita simplicidade, um verdadeiro diálogo com a Senhora: “Falava-me em dialeto e me chamava de você”, disse Bernadette ao ser interrogada pelo comissário Jacomet. Em Lourdes, ela era tratada por “tu”, como se tratava todas as pessoas pobres e marginalizadas, as quais permaneciam em pé diante do procurador imperial.

Aqui é possível entender o que ela sentiu ao escutar a voz suave de Aquerò. Sentindo-se respeitada, seduzida e amada Bernadette não medirá esforços para estar na Gruta, mesmo quando tudo parece contrário. Sua paixão por Maria vai além de cumprir simplesmente o que ela pediu: “Quem a viu uma vez, sentirá o desejo de morrer para revê-la.”75 “Não lhe prometo a felicidade neste mundo, mas no outro” 93- Que outro mundo seria este? Em que consistiria a felicidade? A felicidade pode ser definida como contentamento, grande alegria, exultação. Toda pessoa aspira à felicidade, é um desejo nato do ser humano, mas a compreensão e a forma de vivê-la podem ser diferentes segundo os valores e as crenças que trazemos no coração. O outro mundo é o mundo da ternura e do amor.

94- Na Gruta de Massabielle, Maria promete a Bernadette a felicidade no outro mundo. “Outro mundo” no qual a fé suscita a esperança. Mundo novo que ela descobrirá ao longo das Aparições e de toda a sua vida

Essa é a promessa que anima a Bernadette buscar o Reino de Deus,

75 Le Parole di Bernadette, Città Nuova Editrice

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do qual as Bem-aventuranças é o centro: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do céu. Felizes os aflitos, porque serão consolados...”76 Esse Reino não é deste mundo. Ė a felicidade das bem-aventuranças pregadas por Jesus, é uma felicidade que é fruto da cruz; uma realidade de luzes e sombras que significa entrega de si mesmo aos demais. O mundo da ternura e do amor 95- “O outro mundo” do qual fala Maria é o mundo do Evangelho, onde reina a verdade, a paz, o amor, a justiça, a ternura e o bem querer. Ė o mundo particular que Deus deseja para todos os seus filhos e filhas.

Pode-se pensar: este mundo não existe! Sim, ele existe! Contudo, encontra-se escondido no coração da pessoa de fé, no coração humilde e generoso que busca sair de si mesmo e ir ao encontro do outro. Bernadette, formada por Nossa Senhora, descobriu ao longo da sua vida o valor do sofrimento e da oferta de si mesma. Promessa de felicidade 96- A verdadeira felicidade é deixar Deus habitar em nosso coração. Não existe outro caminho e é exatamente isto que os santos do cristianismo compreenderam.

Bernadette descobriu esse itinerário da vida espiritual e manteve seus olhos voltados para o céu e os braços estendidos para construir na terra esse mundo novo prometido pela Senhora. Para ela, o céu é um horizonte de vida, é uma promessa de felicidade da qual ela já fez a experiência ao contemplar, fascinada, a beleza da Senhora de Massabielle. Assim, Bernadette pôde dizer como São Paulo: “penso que os sofrimentos do tempo presente não se comparam com a glória futura que deverá ser revelada em nós.”77

76 Mt 5,3-5 77 Rm 8,18

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97- “Não lhe prometo a felicidade neste mundo, mas no outro” é uma chamada a compreender o verdadeiro sentido da vida. O “invisível” torna-se presença que ilumina o visível, a vivência, o cotidiano, as aparentes ou reais contradições. Maria nos convida a alimentar nossa esperança no mundo que vem, pois Ela mesma é “imagem da eterna Sião, sinal de esperança e consolação para o povo de Deus, até que venha o Dia do Senhor”.78

MÍSTICA DO SILÊNCIO E DA ORAÇÃO O Silêncio fecunda a oração 98- Deus, na sua bondade infinita, escolheu um lugar privilegiado para manifestar o seu amor através de Maria Imaculada: Lourdes. Aqui a natureza convida ao silêncio e à oração. A Gruta, as árvores, o prado, a montanha e a planície contribuem para o silêncio repleto de Deus. Até mesmo o Gave passa silencioso diante da Gruta, deixando as quedas d’água distante do Santuário, conservando apenas o murmúrio suave da água que corre como convite a elevar o pensamento a Deus.

99- Através da narração das dezoito Aparições, apenas em sete a Virgem Maria fala; nas demais permaneceu em silêncio, mas não deixou de comunicar-se com Bernadette. O silêncio manifestado em Lourdes é um silêncio fecundo, gerador de vida e de esperança. A experiência do encontro silencioso, vivida entre Maria e Bernadette, aconteceu de uma maneira intensa e se prolonga até hoje em Lourdes, onde ocupa um lugar especial.

100- Não se tem muito conhecimento sobre o tempo das Aparições, exceto o que já foi dito. A duração de aproximadamente uma hora é ocupada principalmente pela recitação do rosário, quando a Senhora passa as contas entre os seus dedos. Ela acompanha Bernadette no Pai-Nosso e só move os lábios no Glória ao Pai.

78 LG 68

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A Senhora ensinou uma oração a Bernadette, que ela recitou todos os dias, e lhe confidenciou segredos que Bernadette não revelou a ninguém. Esse é o tempo das confidências. Ainda não é o tempo do testemunho e da missão.

101- A Exortação "Marialis Cultus" apresenta Maria como modelo de Oração, “Virgem Orante”. Em Lourdes, a Virgem aparece numa atitude de oração. Seu primeiro contato com Bernadette foi silencioso, mas fez brotar a oração: o sinal da Cruz, o rosário. Nas Aparições seguintes, as palavras da Virgem, explícita ou implicitamente, convidam à oração.

102- A Gruta é o lugar da oração permanente: “Pedi e dar-se-vos-á; buscai e encontrareis; batei e vos será aberto”79; ali Maria nos convida, através de Bernadette, a entrarmos numa profunda sintonia com Deus; oferece diversas oportunidades de encontro consigo mesmo, com Deus e com os irmãos.

103- Ao fazermos essa memória, da relação estabelecida da Virgem com Bernadette, compreendemos que a dimensão orante da nossa vida se concretiza a partir dos fatos e das realidades da nossa própria história, redimensionada sob a ação de um Deus que não desiste de amar. Lourdes nos permite mergulhar nesse mistério da singeleza de Deus. Os olhares, as buscas de curas e a sede de Deus traduzem o desejo inquietante da humanidade de encontrar algo que lhe permita ser feliz.

Portanto, “a oração é um elemento essencial para nós, Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes; ela nos dispõe ao encontro de intimidade com Deus-Trindade e nos leva à conversão” 80.

79

Mt, 7,7

80 Art. 36a

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Lourdes, a Capital da Oração 104- Lourdes, através de Maria e Bernadette, reintegra todas as pessoas sedentas de Deus no espírito profundo de oração, pois ali são vividas as mais diversas experiências de libertação, curas e conversões. A participação na Eucaristia, Reconciliação, Procissão do Santíssimo Sacramento, o Caminho da Cruz permitem que todos possam entrar no Mistério da vida de Cristo.

Peregrinos de toda parte, que buscam na Mãe de Deus um conforto e um revigoramento na fé, participam da procissão luminosa e da oração do Rosário; bebem da água que vem da Fonte, lavam o rosto, mergulham nas piscinas, contemplam o jorrar da fonte. A diversidade de culturas, fé, raças e línguas que reza com Maria remete a um novo Cenáculo: “Todos perseveravam na oração com Maria, a Mãe de Jesus” 81

105- Lourdes foi chamada a “Capital da Oração” porque nela a oração se desfia como um rosário que não tem fim. Nesse lugar se aprofunda a oração de Bernadette que encontra na simplicidade do coração o mais poderoso meio de tocar o coração da Misericórdia.

Esta é a seiva que alimenta a nossa vocação e missão: uma vida enraizada na oração e encarnada na realidade. Isto capacita-nos a testemunhar o amor de Deus, como discípulas de Jesus, sob o olhar da Virgem Imaculada.

Lourdes e o Rosário 106- Em Lourdes, Maria vem solidificar a dádiva que é contemplar os Mistérios da Vida de seu Filho Jesus através da oração do rosário. Ela chega como um sol a clarear nossa vida e o nosso coração, e traz consigo o seu rosário que brilha como o ouro, revelando a Bernadette a realeza e a divindade de Deus. Bernadette afirma: “enquanto eu

81 At 2,14

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rezava o rosário, as contas do seu deslizavam entre os seus dedos!”82. Este gesto de Maria é um ato de louvor à Trindade e, ao mesmo tempo, uma expressão de comunhão com Bernadette e com todas as pessoas que contemplam os Mistérios do seu Filho através da oração do rosário.

107- A Mãe de Deus, também nos convida a uma prática assídua da oração que nos configura com Cristo. Todos os Mistérios de sua vida estão contemplados na oração do rosário. Mistérios da alegria, da luz, da dor e da glória. Ao mesmo tempo, esta profunda e bela oração, nos exercita a dar frutos, pela compreensão e a interiorização de cada palavra que rezamos. Mais que uma devoção, recitar o rosário nos permite contemplar e participar dos mistérios da vida de Cristo.

108- Temos dois lugares consagrados à meditação do Rosário no Santuário: a Basílica do Rosário e a Gruta. A Basílica do Rosário onde se contempla todos os Mistérios da vida de Cristo, desde os gozosos até os luminosos, é uma verdadeira obra de arte que possibilita visualizar as cenas da vida de Cristo e de Maria. É um convite a rezarmos e aprofundarmos o significado de cada Mistério de Cristo em nossa vida cristã.

A Gruta é o lugar onde milhares de peregrinos se colocam diante da Virgem, como Bernadette, para contemplar e rezar o rosário.

109- Além desses, destacamos a procissão das velas, na qual os peregrinos caminham na noite escura, iluminados pela luz da fé, invocando Maria e meditando os mistérios de seu filho – Jesus - trazendo em seus corações um especial mistério de sua vida para oferecer a Maria. Sejam eles de alegria ou júbilo, de dores ou sofrimentos, todos revelam uma profunda confiança no Senhor.

Tudo isso nos leva a aprofundar nossa espiritualidade como consagradas. De Lourdes, fonte das nossas raízes históricas, brota a Mística que somos chamadas a vivenciar.

82 René Laurentin, Lourdes Histoire Authentique 2

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Lourdes e a Eucaristia 110- São intensas as manifestações Eucarísticas em Lourdes. Nesse lugar onde a Virgem Maria Imaculada colocou seus pés sobre o rochedo, as bênçãos se multiplicam e as graças são abundantes. Maria vem intensificar o que no Evangelho é revelado. “Fazei tudo que ele vos disser”.83 Com ela, seu Filho Jesus transforma as dores em alegrias e renova a esperança de cada peregrino.

111- O culto Eucarístico está presente a todo instante no Santuário, em Lourdes. Na Gruta, diariamente, é celebrada a Eucaristia; nas diversas capelas e Igrejas, como também nas basílicas, a presença de Jesus é adorada e contemplada.

112- É na Eucaristia que milhares de pessoas encontram um novo vigor para sua fé. Uma vez que é o próprio Cristo que se dá na gratuidade a toda humanidade. Nela acontece uma comunhão entre o Céu e a Terra, e somos chamados a viver a mistagogia do ser Pão, ser Comunhão.

113- Lourdes intensifica a presença Mística do Corpo de Cristo, porque Maria, que é sacrário vivo, vem dar Jesus aos fracos e aos pequenos. Bernadette experimentou o amor e testemunhou o verdadeiro sentido da Eucaristia: ser Pão doado, partilhado e triturado....

114- “Adorar o Senhor em espírito e verdade” é o caminho à prática do serviço e à verdadeira comunhão, que se resume na entrega e na gratuidade total do nosso SER ao outro(a). Lourdes, pode-se dizer, é o lugar da Eucaristia, da plena comunhão, da fraternidade partilhada, do amor oblativo.

115- O culto Eucarístico se prolonga ainda na procissão do Santíssimo Sacramento que se realiza habitualmente com a participação de milhares de peregrinos; ato solene que se perpetua no santuário de Lourdes; é uma resposta de fé e amor dos peregrinos que

83 Jo 2, 5

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incansavelmente, em um só coração e uma só voz, agradecem ao Cristo Eucarístico pelas curas e graças recebidas.

Na basílica São PIO X, onde se finaliza esse momento sublime de oração e adoração, os doentes recebem uma bênção especial e encontram, no Cristo, consolo e esperança para suas enfermidades. Alguns dos milagres reconhecidos aconteceram exatamente na bênção do Santíssimo Sacramento.

116- Ressaltar o nome da maior basílica de Lourdes - São PIO X, é uma forma de recordar que Ele foi um fiel adorador da Eucaristia e deu permissão para as crianças receberem Jesus na comunhão.

Pelo seu amor e zelo à Eucaristia, na Mensagem pronunciada em abril de 1911, ele afirma que Lourdes excede em glória aos outros santuários marianos: “A glória única do Santuário de Lourdes reside no fato de nele serem os povos atraídos de toda parte, por Maria, à adoração de Cristo Jesus no santo Sacramento”.84

117- Inseridas nesse mistério do Corpo Místico de Cristo, fazemos parte desta real presença de Jesus quando compartilhamos o ser Eucaristia e desenvolvemos a espiritualidade da comunhão. Chamadas a viver uma espiritualidade Eucarístico-Marial, somos, por vocação e missão, memorial da Vida, Paixão, Morte e Ressureição do próprio Cristo.

A PENITÊNCIA E A DESCOBERTA DA FONTE 118- A Oitava e Nona Aparições se deram na quinta e sexta-feira santa, período privilegiado para todos os cristãos viverem um pouco mais de penitência. Entretanto, sabemos que Bernadette não esperou a oitava Aparição para viver um espírito de penitência; a enfermidade, a fome, a humilhação familiar e tantos sofrimentos naturais foram vividos como penitências porque tinha confiança em Deus. Assim, em Lourdes, Nossa Senhora não veio ensinar a

84 Pio X, Carta Encíclica: Le Pèlerinage de Lourdes, nº 8

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Bernadette o que é a penitência e, sim, animá-la para que pudesse sentir-se capaz de ser anunciadora e protagonista da verdadeira conversão, que consiste em acolher o amor eterno e viver na dignidade de filho(a).

Oitava Aparição 119- “Bernadette chega à gruta, acende a vela, se põe de joelhos, faz passar as contas do rosário. Apenas terminando um mistério, os Lourdenses se dão conta de que seu rosto se torna branco e mais suave, os gestos são mais rápidos. Tudo é como de costume? Não, hoje há algo de novo. Bernadette pôs-se a escutar atentamente e de maneira mais séria e com os olhos fixos no nicho, então, pareceu entrar em colóquio íntimo com a Visão. A Bela Senhora do Rochedo pede que Bernadette anuncie à multidão: Penitência, Penitência, Penitência. Reze a Deus pelos pecadores. Beije a terra pela conversão dos pecadores”.85

120- O apelo que a Virgem Mãe de Deus faz a Bernadette se estende a toda humanidade. Estas expressões constituem aspectos importantes da Espiritualidade de Lourdes. São palavras fortes, pronunciadas no coração de uma adolescente que vive o momento mais tenso e intenso de sua existência. Bernadette, com toda a força de sua alma, transmite a mensagem não somente aos que se encontravam presentes, mas a toda a humanidade ferida pela dor do pecado.

Penitência, Penitência, Penitência 121- Em cada etapa da História, Deus vem ao encontro do ser humano e lhe fala segundo o tempo e os acontecimentos; é um Deus encarnado. As Aparições transcorrem durante o tempo da Quaresma. É um convite à conversão pessoal. Toda conversão é exigente, mesmo

85 Revista Magazine de Lourdes, Outubro/Novembro de 2007

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que o perdão de Deus seja gratuito. Assim como se fala de um “processo doloroso” que se deve passar para poder recuperar a vida, a conversão também é inseparável do “processo de penitência.”

122- Se a penitência tem por vocação mudar os corações de pedra em corações que amam, ela requer do ser humano atitudes que influenciam nesta retomada de consciência de sua condição de frágeis criaturas e conduzem a uma preparação espiritual, física, moral e ética do estar disposto a voltar aos braços de Deus. “Penitência, penitência, penitência”! Palavra evangélica que pede conversão, mudança de vida, volta às fontes.

Reze pela conversão dos pecadores 123- Pela penitência, é possível entrar no processo de conversão que consiste em voltar o coração a Deus e aos seus irmãos, admitindo seus limites e acolhendo suas dificuldades e fraquezas. “Reze pela conversão dos pecadores” nos insere na comunhão com todos, nos faz solidárias na condição humana e ajuda a perceber que o pecado impossibilita a felicidade dos filhos e filhas de Deus. Rezar pelos outros é sair de si e tocar espiritualmente a alma de um outro ser, unindo-se pela condição de frágeis criaturas em busca do Criador.

124- Ao serem pronunciadas estas palavras de penitência, a multidão sedenta de grandes sinais se dá conta de que se trata de uma presença Divina que quer um encontro pessoal; é um Deus que desce, vem ao encontro do ser humano, mostra sua face de bondade, busca a sua criatura e lhe devolve a dignidade de filho/a criado/a à sua imagem e semelhança. Na Bíblia, a palavra penitência significa a dinâmica do voltar-se para Deus, desviando-se do pecado. Converter-se e arrepender-se constituem o mesmo movimento espiritual. O profeta Joel diz: “Rasgai o vosso coração e não as vossas vestes, (fazei penitência) e voltai a Javé, o vosso Deus; (convertei-vos).”86

Portanto, a Mensagem de Lourdes, sobretudo a vida de Bernadette, nos ajuda a fazer uma releitura desse caminho processual em nossa 86 Joel 2,13

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vida, já que somos condicionadas por nossa própria história pessoal e inseridas numa sociedade que muitas vezes deixa esquecidos os valores essenciais de uma vida cristã.

Beije a terra pela conversão dos pecadores 125- Olhando para a vida de Bernadette, constata-se o que a penitência e a conversão significaram para ela. Sua realidade de doença e sofrimento, bem como as necessidades, a fortaleceram no caminho da aceitação e no processo de transformação interior. Certamente a penitência que a Virgem pediu a Bernadette vai além dos gestos humilhantes e ascéticos; eles predispõem à conversão interior porque expressam o cuidado de Deus por suas criaturas. Neste sentido se compreende a mensagem de penitência pregada pelo precursor às margens do Jordão: "Convertei-vos porque o Reino de Deus está próximo."87

126- Beijar a terra é reconhecer quem somos e de onde viemos numa atitude de gratidão ao Senhor; é abrir-se a uma relação respeitosa e cuidadosa com a nossa casa comum; é comprometer-se com sua vida e a vida que dela provém. Beijar a terra é debruçar-se no colo fecundo de Deus para aprender com Ele a sermos geradoras de vida; é inclinar-se aos irmãos e irmãs e dispor todo nosso ser à verdadeira comunhão (ad-orar).

Nona Aparição 127- “Às seis da manhã, Bernadette está de joelhos, o rosário em uma mão, a vela acesa na outra. Começa a oração. Depois, dá a vela à sua tia e tira o capuz. Seu rosto, porém, apresenta sinais de inquietude, de tristeza. Seus gestos são bruscos, anda de joelhos, levanta-se, vai a todas as direções sem razão aparente. Está na Gruta, depois se dirige até o Gave, volta novamente, olha para o nicho, vai até o fundo da

87 Mt 3, 2

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cavidade. Raspa o solo, cava a terra com as mãos, tira água barrenta e por três vezes tenta beber, na quarta a bebe, lambuza o rosto de barro, beija o solo sujo da Gruta e sai para comer a erva que está a seus pés...”88 Andar de joelhos 128- Andar de joelhos na encosta molhada da Gruta era uma penitência para as pessoas de Lourdes, porém não para Bernadette. Seu gesto de beijar o solo, andar de joelhos com os braços abertos em cruz, sem tocar o solo com as mãos, ela o fazia com uma vivacidade surpreendente, levantando-se e abaixando-se sem hesitar. Certamente, recebia do Alto uma força maior para poder realizar o que lhe era pedido. No final da Aparição, Bernadette não apresenta nenhum ferimento; ela permanece fisicamente intacta. Tudo isso confirma que a Senhora, que fez um apelo à penitência, faz, sobretudo, um apelo à conversão. Cavar a fonte, Beber e Lavar-se 129- Em todas as Aparições, Maria, a Mãe do Cristo Redentor, vem oferecer uma palavra de esperança. Mas na nona aparição, Ela convida Bernadette a descobrir a fonte. Na Gruta de Massabielle, Bernadette certamente representa toda a humanidade, que precisa ir à fonte. Mas ir à fonte e descobri-la não é suficiente para Maria. Nos gestos da Mãe de Deus transfiguram-se os mesmos gestos de seu filho Jesus que vem a todos nós como dom e graça.

130- Ir à fonte e descobri-la tem uma grande repercussão histórica em nossa vida. Contemplá-la e fazermos a verdadeira experiência do encontro com Deus é tão exigente quanto foi para Bernadette. Maria disse: “Vá beber na fonte e lavar-se.” São três ações - Ir, Beber e Lavar-se – que nos interpelam a sairmos de uma realidade tímida,

88 René Laurentin, Lourdes Histoire Authentique 4

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cômoda, com seguranças e confortos, para uma vida sob o dinamismo do Espírito.

131- Na Aparição do dia 25 de fevereiro, Bernadette demora a compreender a mensagem de Maria e não consegue interpretar os gestos que lhe são pedidos. Se entrarmos nesta comunhão do amor filial de Maria com Bernadette e de Deus com a humanidade, podemos compreender os sinais da Virgem. Maria sai da cavidade onde costumava aparecer, desce e se aproxima de uma adolescente de 14 anos. A Imaculada desinstala-se e aproxima-se.

132- O semblante da Virgem é transfigurado de ternura e amor; Bernadette fica confusa diante dos sinais da Dama de Massabielle. “Não seria a fonte no rio Gave?” Interroga-se. O seu coração está repleto de dúvidas. Maria insiste e, por três vezes, aponta para o lugar certo. A delicadeza de Maria recorda a delicadeza e a paciência de Deus para conosco. Tantas vezes nos deixamos amedrontar pelas incertezas e inseguranças da vida e não compreendemos a direção indicada por Deus.

Cavar a nossa terra interior 133- Bernadette foi convidada pela Senhora a cavar a terra, a retirar os empecilhos que não deixavam a água correr. Também nós somos convidadas a cavar nossa terra interior, a tentar realmente conhecermo-nos em profundidade. Isto significa direcionar nosso olhar para ousar ver com clareza e humildade nossos sentimentos, nossas motivações. Ousar colocar o nosso olhar sobre nossa pobreza, nossos limites, para retornar a Jesus a fim de que Ele libere em nós a fonte de água viva. Fazer um esforço para libertarmo-nos de tudo aquilo que nos impede de sermos fonte; remover a lama de nossas fraquezas para encontrar a água clara da graça do Batismo através do sacramento do perdão. Estes gestos aparentemente sem significado são meios de conversão, fonte de paz e de amor.

134- A Mensagem de Lourdes é um apelo a renovar nosso espírito; a sermos fontes vivas para gerar vida! Somos diariamente convidadas,

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através dos sinais visíveis e invisíveis, a deixar-nos tocar pela ação de Deus. Beber da água é deixar-nos purificar e fazer a experiência do deixar-se encontrar pelo Cristo; mas só a abertura à sua graça possibilita o processo contínuo de mudança e conversão. Nós, Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes, somos convocadas, por Maria, a testemunhar, por uma vida de constante conversão, este Amor Salvífico de Deus que Ela revelou ao mundo: o seu Filho Jesus.

Água suja 135- Bernadette lava o rosto com as mãos sujas de barro e, repentinamente, seu olhar se ilumina. O que parece ser um gesto tão simples, na verdade se torna incompreensível diante da multidão que a observa. Bernadette estaria louca? Não. As atitudes de Bernadette são evangélicas. “Deus escolheu o que era fraco, para confundir os fortes”89

136- Desde aquele dia 25 de fevereiro de 1858, para milhares de peregrinos que vão a Lourdes, a "lama" de sua existência é substituída pela água clara da graça e do amor. Contudo a simbologia da água, em Lourdes, nos remonta à abundante graça de Deus através de Maria que convida a todos a beber da mesma fonte, lavar-se, purificar-se, saciar-se. É forte esta simbologia tão evidente nas aparições; milhares de peregrinos buscam em Maria a presença do Amor de Deus que cura e liberta.

Comer a erva 137- Bernadette não estranha ter que comer erva. A medicina tradicional se faz à base de plantas. Sabe-se que a erva purifica o organismo por suas qualidades depurativas. Bernadette obedeceu à Senhora sem questionar. Seu gesto não foi vivido, a princípio, como

89 1Cor. 1,26

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uma penitência; comer a erva amarga, recorda a passagem bíblica: “...comerão a carne assada no fogo e acompanhada de pão sem fermento e ervas amargas”90, e expressa tudo o que há de amargura na vida para obter a conversão e libertação dos pecadores. Isto pode ser interpretado, inclusive, a partir do nome da erva que a Santíssima Virgem pediu que Bernadette comesse: chamava-se, vulgarmente, “dorine”. Penitência e sorriso 138- Uma das grandes originalidades da Mensagem de Lourdes é que Bernadette riu na Gruta. A comunicação entre ela e a Senhora estabeleceu-se também com sorrisos. Bernadette diz que a Senhora sorri ao lhe pedir que comesse a erva em penitência pela conversão dos pecadores.

139- Na noite da nona Aparição, o procurador Dufour a convoca para um interrogatório penoso e a proíbe que volte à Gruta. Bernadette, que nessa mesma manhã foi humilhada e tratada de “louca”, responde prontamente: “sinto demasiada alegria quando vou”. Ela fala desses momentos de penitência com um tom risonho. Sabe que isso constitui uma etapa positiva em sua vida e não uma recordação trágica. O riso e o sofrimento a tornaram livre.

140- Era tão humilde que não puderam humilhá-la. E no famoso dia de sua profissão religiosa, quando Madre Joséphine Humbert disse que Bernadette não servia para nada, contestou feliz a esse juízo temerário: “é verdade”!

A vida de Bernadette foi uma vida do coração. Bernadette se purificou com o fogo da penitência e aprendeu com rapidez o esquecimento de si; abandonou-se à opacidade e no caminho reconheceu, como a Mãe do Céu, que o Senhor eleva os humildes de coração.

90 Ex 12, 8

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Reconciliai-vos com Deus 141- A água que jorra abundantemente em Lourdes é o sinal forte e expressivo da busca incansável de tantos irmãos(as) que vão matar sua sede. O beber da água e lavar-se é um gesto que nos permite ser reconciliados em Deus e a voltar à fonte primeira, onde fomos pensados, gerados e criados para o Amor. O pecado quebra a originalidade desta graça que nos foi dada. No amor da Trindade Santa, somos novamente recriadas para um único objetivo: sermos de Deus! Somos cada dia chamadas a voltar a esta relação com Deus-Pai e reconciliarmo-nos no seu mistério Salvífico!

A simbologia da água nos reconduz ao nosso Batismo quando, começando a vida cristã, somos convocadas a responder à vocação primeira: “sermos santas”. A alegria do perdão 142- Purificadas e revitalizadas por esta água podemos caminhar na direção da perfeição, que não se resume em orações formais e habituais, em dogmas da Igreja ou quantidade de Eucaristia que recebemos e, nem tão pouco, em conhecer tudo das Sagradas Escrituras. É necessária, precisamente, uma predisposição do nosso coração à graça do Senhor que nos convida a encontrá-Lo e fazer a experiência do seu amor, que nos compromete uma com as outras e impulsiona a viver o perdão, a partilha dos dons e a justiça.

143- “Em Lourdes, a Virgem Maria convida Bernadette à conversão e à oração pelos pecadores. Isto nos compromete a tomar consciência de nossos pecados, a nos aproximar com frequência do Sacramento da Reconciliação, sinal do Amor de Deus. É importante cultivarmos a ascese pessoal e entrar no caminho permanente de conversão...”91 para fazermos emergir a imagem da beleza de Deus que ama, é gratuito, generoso e bom. “Pelo sacramento da penitência ou da reconciliação, confessamos a nossa pequenez e nossas fragilidades e 91 Const. Art 43

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nos propomos a caminhar alimentadas com o Pão da Palavra e da Eucaristia, que nos devolve a imagem do Deus criador que foi esfacelada pelo pecado”92

Décima Segunda Aparição 144- A Aparição do dia 1º de Março foi silenciosa, mas neste dia aconteceu o primeiro milagre em Lourdes. “Nesta noite, impelida por uma súbita inspiração, Catherine Latapie, levantou-se às 3 da manhã, acordou os filhos pequenos e caminhou até Lourdes. Há dois anos o seu papel de mãe de família se tornara demasiado difícil de aguentar. A invalidez de sua mão direita, provocada pela queda de uma árvore, em outubro de 1856, dificultava cada vez mais o cumprimento das suas obrigações de sempre. Assim, na madrugada de 1º de março de 1858, chega à gruta, ajoelha-se e reza. Depois emerge a sua mão no fino fio de água turva que é ainda a fonte, três dias após a sua descoberta por Bernadette. Os seus dedos endireitam-se rapidamente e retomam a agilidade. Ela pode de novo alonga-los e servir-se deles com a mesma facilidade que antes do acidente. Contudo é urgente o seu regresso a casa, porque precisamente no mesmo dia da cura, ela dá à luz ao seu terceiro filho, Jean Batiste, que, em 1882, se tornava sacerdote”93 Os Milagres em Lourdes 145- Em Lourdes, todos os dias, se revive o milagre da vida, na vida daqueles que creem e buscam em Deus uma resposta diante de sua inquietações, desejos, sofrimentos e sonhos. Maria acolhe no seu coração as dores e as feridas da humanidade e, para as pessoas de fé, Lourdes continua sendo o lugar da comunicação entre Deus e a humanidade, através da Virgem Maria.

146- São incontáveis, até hoje, a diversidade de milagres existentes

92 CIC n° 1422-1424 93 Lourdes Magazine, Edição Especial, Os Miraculados, p. 4

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na vida de milhares de peregrinos que encontraram alegria e esperança em suas vidas depois de uma experiência profunda de Deus frente ao sofrimento. Há muitos milagres existentes e não revelados. Milagres de conversões, de fé, de encontro com Deus, de curas, de perdão e tantos outros. Porém, narraremos apenas dois constatados oficialmente pelo Santuário e reconhecidos pela Igreja.

147- Em Lourdes, oficialmente, são reconhecidos 69 milagres pela Igreja. Graças, frequentemente, de curas e mais de 80% dos casos, às mulheres. A grande parte dos milagres acontece após o banho nas piscinas e, outros, no momento da Eucaristia. O caso mais recente de cura aconteceu em 04 de maio de 1989, porém o reconhecimento pela Igreja se deu em 2013. Danila Castelli, da Diocese de Pavia-Itália, sofrera de hipertensão crônica e sentia fortes dores uterinas por conta de um grave tumor. Esta mulher já havia passado por várias intervenções cirúrgicas sem obter nenhum resultado. Em Lourdes, ela encontra a cura através de Maria, após o banho nas piscinas.

148- Outro milagre considerado Eucarístico ocorreu no dia 08 de Outubro de 1948, numa peregrinação do Rosário. Jeanne Fétel, de origem francesa, da cidade de Rennes, sofreu uma intervenção cirúrgica de uma apendicite e logo depois foi diagnosticada uma tuberculose, sem muitas chances de vida. O momento de sua cura se deu na Missa das 7h30min, diante do altar de Santa Bernadette, situado na esplanada do santuário. Precisamente, à hora da comunhão, veio um grande bem estar e a confirmação de um Milagre. O sinal obtido desta cura foi o desaparecimento de uma longa hemorragia, pelo nariz e pela boca, que a dificultava falar e comer. Até aquele momento da Eucaristia, os olhos de Jeanne Fétel permaneciam fechados, sem sinais vitais. Deus veio ao seu encontro devolvendo-lhe a alegria e a vontade de viver outra vez!

149- A ciência não conseguiu explicar a razão dessas curas e de tantas outras; para a medicina estas duas mulheres, não viveriam muito tempo. Isso confirma que tudo o que aconteceu é milagre, é intervenção divina!

“A fé é um ato pessoal, enquanto resposta livre do homem a Deus

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que se revela. Mas é ao mesmo tempo um ato eclesial, que se exprime na confissão: «Nós cremos». De fato, é a Igreja que crê: deste modo, ela, com a graça do Espírito Santo, precede, gera e nutre a fé do indivíduo. Por isso a Igreja é Mãe e Mestra. Não pode ter a Deus por Pai quem não tem a Igreja por Mãe.”94 A Igreja é a porta voz da Mensagem de Jesus Cristo que, pela sua obra da Redenção, nos revela o Pai e sua vontade.

150- Toda ação de Deus revelada na vida de cada homem e de cada mulher deve ser transmitida, para que ela seja testemunhada como um ato de fé e, assim, a glória de Deus possa ser reconhecida diante dos crentes e descrentes. Lourdes é esse lugar do testemunho e da ação de um Deus presente na vida de seus filhos. Como Bernadette experimentou a bondade transbordante de Deus em sua vida, assim, até hoje, todas as pessoas que vão a Lourdes continuam participando e experimentando a alegria da conversão a Cristo, que a Virgem Maria continua oferecendo aos seus filhos e filhas. 151- O dom da Fé já é uma graça, pois mesmo sem ver e sem compreender se espera por algo. Os grandes milagres acontecem na existência humana para recordar a humanidade que o maior Milagre da vida é o amor e o poder que ele exerce de transformar e salvar. Em Lourdes, “mais importante que recuperar a vista é recuperar a fé.”95 Décima Terceira Aparição 152- “A 13ª aparição se deu no dia 02 de março. A multidão cresce sempre mais. A Senhora diz a Bernadette: ‘Vá dizer aos padres que venham aqui em procissão e que construam uma capela’. Bernadette se enche de coragem e vai ao pároco, Padre Peyramale, homem bom, mas que impressionava pela sua estatura, e era temido pelo seu temperamento colérico. Ele a recebe muito mal. O sacerdote não pode aderir às exigências da Senhora, transmitida por Bernadette, porque acredita que ela se engana, mesmo que seja de boa fé. Então

94 S. Cipriano, CIC 166-169; 181 95 Frase escrita no monumento ofertado por uma senhora italiana, em Lourdes

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pede a Bernadette que a Aparição diga seu nome e que faça florir a roseira que está junto à gruta. O nome ela revela no dia 25 de março, mas a roseira não floriu!”96 Construção da Capela e a procissão 153- A construção da Capela teve início em 1862. Com capacidade para 120 pessoas, sua inauguração e bênção aconteceram no dia 19 de maio de 1866, vigília de Pentecostes, na presença de Bernadette Soubirous. A Cripta é, portanto, o primeiro santuário de Lourdes, depois da Gruta. 154- Entretanto, ao pedir a construção da capela, a Virgem não se referia, propriamente, à Igreja, templo material, mas à Igreja, edifício espiritual, do qual os cristãos devem ser as “pedras vivas”;97 à Igreja, Corpo de Cristo, onde todos, sob a guarda de seus Pastores, têm seu lugar e sua vez; à Igreja que celebra a Eucaristia, memorial da Páscoa do Senhor, e se faz eucaristia para os irmãos. Eis a razão pela qual a Virgem pediu sobre o rochedo uma capela, lugar de oração, de encontro, de evangelização. Vir em procissão 155- Procissão, no “patois” de Lourdes, é a paróquia em peregrinação que vai a um determinado lugar, marcado pela presença do divino, do sobrenatural. A peregrinação alerta para nossa condição de pessoas em caminho, em busca da verdadeira pátria pois, “não temos aqui morada permanente.”98 A partir de Abraão, somos todos peregrinos a caminho da Terra Prometida, onde encontraremos perene gozo e festa. Lourdes prefigura esta realidade: as multidões acorrem à “capela” erguida sobre o rochedo de Massabielle. De fato, aí, todos os continentes, todas as raças, todos os países, os anciãos, os jovens, os

96 René Laurentin, Lourdes Histoire Authentique 5

97 1Pd. 2,5 98 cf Hb 11,13

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doentes, os de boa saúde, todos se encontram.

156- Em Lourdes, diariamente, existem duas grandes procissões lembrando que somos um “povo a caminho em busca do encontro com Deus”99: a procissão do Santíssimo Sacramento e a procissão das Velas. Elas prefiguram a grande procissão da nossa existência, cujos passos damos cotidianamente, e recordam que o encontro com Deus passa primeiro pelo encontro com o/a outro/a. A insistência de Maria em relação à procissão está ligada com a necessidade de reunir as pessoas pelos laços da caridade e incentivar o caminhar juntos. As pessoas que compõem a multidão 157- As primeiras testemunhas dos acontecimentos de Lourdes são as crianças pobres da escola de Bernadette e algumas mulheres. No entanto, após cada aparição aumentava o número de pessoas que acompanhava Bernadette na Gruta. O contingente mais importante de fiéis é o constituído pelas mulheres da classe baixa (terminologia das informações da polícia). As primeiras mulheres da burguesia que vêm à Gruta são membros da Congregação das Filhas de Maria, uma confraria de piedosas pessoas, ativas na paróquia, e na qual as classes sociais se juntam. Com a descoberta da fonte, as mulheres dos notáveis também fazem sua peregrinação. Vão convencer os homens de boa reputação para que as conduzam a Massabielle, à meia-noite. Graças às senhoras, os senhores do Café Francês entram em ação.

158- As últimas Aparições trazem sua nota de originalidade. No princípio, os homens da classe baixa são numerosos; entre eles, um grupo de quinhentos operários que vieram dos canteiros de mármore e de pedra azulada de Lourdes. A partir da décima quinta Aparição, os estrangeiros são cada vez mais numerosos na Gruta.

99 cf. LG 9

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Lourdes acolhe um povo de todas as nações 159- Lourdes também é chamada de “Cidade Fraterna”, pois aí, a fraternidade, a acolhida, a diversidade, tudo é contado para que os peregrinos, doentes ou não, se sintam acolhidos. Toda a organização do Santuário favorece para que mulheres e homens se abram aos outros, especialmente aos pequenos e sofredores. E quem se sente acolhido, a seu tempo, poderá também acolher, ou seja, entrar na experiência da peregrinação.

Como é do nosso conhecimento, tudo começou naquela manhã fria de 11 de fevereiro de 1858, quando Maria acolhe Bernadette Soubirous na gruta de Massabielle. Em Lourdes, hoje se busca receber bem as pessoas para que elas possam acolher a Mensagem Divina e assim encontrarem Deus. 160- A construção da Basílica com seus braços abertos recorda o abraço amoroso de Deus que quer reunir todos os seus filhos, tornando-os um só povo, acolhendo-os com ternura e bondade, sem fazer acepção de pessoas. A própria Gruta é um grande símbolo da acolhida. Maria está lá no alto do rochedo, acolhendo os peregrinos que chegam, conduzindo-os ao centro da Gruta onde está o altar para a celebração da Eucaristia, e mostrando-lhes a fonte onde se encontra a “Água Viva” que é o próprio Cristo. Muitas raças, um só povo 161- Hoje, sem dúvidas, podemos dizer que a multidão é um dos grandes “sinais de Lourdes”. Este é um lugar privilegiado onde se toma consciência do caráter universal da Igreja. Aí se ouvem as diversas línguas e se veem todas as cores de pele. Mas existem outras diferenças que são às vezes contrapostas: jovens e idosos, ricos e pobres, enfermos e sãos, todos são integrados e tem acesso a participar da vida.

162- Em Lourdes são superadas as diferenças de origem social, religiosa, étnica, cultural, física. Encontramos todos nas esquinas das

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ruas, nas estradas, na vida ordinária do dia a dia. A perspicácia da fé nos faz descobrir, na multidão, um sinal do desejo de Deus pela humanidade: uma multidão que se torna um povo de peregrinos. Estabelece-se misteriosamente um vínculo entre todos, não obstante a diversidade de situações.

163- Pouco a pouco as diferenças que colocam uns contra os outros, nações contra nações, raças contra raças, tornam-se riquezas partilhadas, vidas envolvidas, multidões solidárias. Os jovens que cuidam, acompanham e assistem aos enfermos e idosos percebem o sentido da doação voluntária e testemunham que o amor é possível, mesmo em um mundo marcado pelo egoísmo e pela violência. Da diversidade à unidade 164- Em Lourdes as pessoas são convidadas a passar da diversidade à unidade, do pessoal à fraternidade, do individual ao comunitário. Uma peregrinação é um pouco de tudo isto: um movimento de pessoas que chegam de diversos lugares e se coloca imediatamente em procissão para constituir a família de Lourdes. Este princípio de unidade se encontra evidente na multiplicidade de línguas nas quais são oferecidos os sacramentos, a oração do rosário, o material impresso, a atenção com os peregrinos. Lá aprendemos que é necessário acolher cada pessoa como ela é; que todos os peregrinos devem ser acolhidos do mesmo modo, que todos têm lugar no coração de Deus. A globalização do amor 165- A globalização não é somente um fenômeno econômico, mas uma realidade profundamente humana e espiritual. Lourdes nos dá o exemplo da globalização do amor, pois abre o coração do homem e da mulher ao esquecimento de si, ao encontro com o outro/a, à atenção para com os doentes e sofredores e ensina a fraternidade, a esperança e o sentido da própria vida.

166- O que mais chama a atenção em Lourdes é que não é somente

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um lugar reservado aos cristãos praticantes. A prioridade é acolher a todos sem distinção, especialmente aqueles que sofrem com seus males ou deficiências. E para atender as necessidades de toda a missão do santuário surgem vários grupos de voluntários que, desde o início das aparições, acolhem os peregrinos numa entrega constante de si ao serviço alegre e generoso àqueles que necessitam. Os enfermos e o serviço voluntário em Lourdes 167- Após as Aparições Bernadette permaneceu seis anos no “Hospício de Lourdes”, atual Hospital Municipal, na época dirigido pelas Irmãs da Caridade de Nevers. Foi ali que ela respondeu à sua vocação profunda: servir a Deus, servindo aos doentes. Como “Voluntária da Senhora de Massabielle”, Bernadette fica a disposição da mesma: “Você pode fazer o favor de vir aqui durante quinze dias?” Ela responde sim e o faz com grande alegria, sem medir esforços, mas não sem dificuldades. Em muitos momentos não tinha apoio e nem o consentimento dos seus para ir à Gruta.

168- Bernadettee é o modelo de uma vida cristã. Sua disponibilidade, seu despojamento e sua bondade, são virtudes enraizadas em sua alma, alicerçada no seu ambiente familiar. Por esta razão ela não se cansa de colocar-se inteiramente à disposição da Virgem que a conduz neste ministério do serviço e da gratuidade. Ela compreende perfeitamente no seu coração a intensidade da Palavra de Deus: “Recebestes de graça e de graça dai também vós”.100

169- A disponibilidade para o trabalho voluntário é uma atitude evangélica de tantas pessoas que desejam responder ao apelo do amor de Deus manifestado em Lourdes. Esta resposta requer de cada um doação e entrega total de si.

Hoje, os voluntários em Lourdes são convidados a colocar seus passos nos passos de Bernadette. Seguir seu exemplo e dar continuidade a

100 Mt 10, 8

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esse valoroso e digno gesto de doação para com aqueles que mais necessitam. 170- Nesta dinâmica compreende-se a cumplicidade evidente entre os doentes e os voluntários; cada um na sua condição se torna peregrino. Os voluntários e os peregrinos que vão a Lourdes têm sede da “atenção do coração”, como sublinhou Bento XVI em sua primeira encíclica, Deus é caridade.101 Os Doentes 171- Lourdes é considerada, por excelência, o santuário dos doentes. Ali, nas suas macas ou cadeiras, os doentes têm a preferência e são tratados com todo carinho e atenção pelos voluntários que estão ao seu serviço. Entre lágrimas de alegria e gratidão, percorrem toda a esplanada e, muitas vezes, são miraculosamente curados. Dos milagres reconhecidos, a maioria se compõe de curas que aconteceram durante a procissão eucarística. 172- Lourdes acolhe doentes das mais diversas realidades. Por isso, em cada uma de nossas Comunidades, somos convocadas a acolher os doentes, principalmente nossas Irmãs que, pelos limites da idade ou saúde debilitada, necessitam mais de nossa presença e de nosso amor fraterno. Pela nossa consagração neste Instituto, que tem como fundamento de sua Espiritualidade a Mensagem de Lourdes, somos já voluntárias a serviço da Igreja e de nossas Irmãs que vivem em Comunidade. Voluntários 173- Sabe-se que, desde o início, Lourdes conta com a força e dedicação dos voluntários. São pessoas de todos os continentes. Cada uma com sua própria motivação, mas todas querem servir os doentes ou portadores de necessidades especiais, ou mesmo prestar um serviço qualquer no Santuário. Generosamente, os voluntários pagam 101 Deus Caritas est, 31

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a própria viagem e hospedagem para poder prestar este serviço. Pagam para trabalhar gratuitamente!

174- Os passos de cada voluntário em Lourdes seguem na direção do amor fraterno, da escuta, da partilha dos dons e da própria vida. Sob o frio ou a luz forte do sol, o trabalho é continuo em Lourdes. O próprio Cristo nos insere nesta mesma dinâmica do serviço. “O Filho do Homem veio para servir e não para ser servido!”102. Esta atitude brota de um coração livre e disponível, da alegria de servir e fazer o bem à outra pessoa.

175- Existem vários grupos de voluntários que se doam e doam do seu tempo em diversas instituições e organizações que surgiram ao longo de todos esses anos. Eles estão presentes em diferentes setores, servindo e ajudando a favorecer o bom andamento de tudo o que acontece no santuário. Entre eles destacamos:

1. Os hospitaleiros que se ocupam de toda acolhida e hospitalidade aos doentes; eles estão no meio das pessoas para dar-lhes as informações necessárias.

2. A Cité San Pierre, pedida por Bernadette, onde os voluntários acolhem os peregrinos que não têm condições financeiras de pagar uma hospedagem completa.

3. A Cidade dos Jovens que acolhe os que vêm como voluntários e os jovens que buscam uma formação espiritual.

4. Os Voluntários das piscinas que se revezam num trabalho constante de oração e doação, num profundo respeito por todos que ali vão “lavar-se” de suas feridas físicas e espirituais.

5. A Permanência no Cachot, antiga prisão onde viveu a família de Bernadette, hoje muito visitado pelos peregrinos que são acolhidos e iniciados na história da família Soubirous.

176- Para realizar essa missão, os voluntários são formados pelos dirigentes, pois, além do serviço, eles têm a missão de transmitir a

102 Mc 10,45

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mensagem de Lourdes, o que requer de todos um tempo de formação e aprofundamento da mesma na sua vivência cotidiana.

177- Podemos dizer que Lourdes é um reflexo da felicidade, da comunhão fraterna e da singeleza dos pequenos gestos. Nossa vida se prefigura na vida do próprio Cristo que, por excelência, é solidário com os mais pobres e os mais necessitados. “N’Ele a solidariedade alcança as dimensões do mesmo agir de Deus. N’Ele, e graças a Ele, também a vida social pode ser redescoberta, mesmo com todas as suas contradições e ambiguidades, como lugar de vida e de esperança, enquanto sinal de uma graça que continuamente é oferecida a todos e que, enquanto dom, convida às formas mais altas e abrangentes de partilha”.103

178- Deus escolhe homens e mulheres como escolheu Maria para redimensionar a História Salvífica da humanidade. Maria é a mulher por excelência, plena da perspicácia e sensibilidade humana e divina, aberta a realizar a vontade de Deus. “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua Palavra”.104 179- Para nós, Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes, este é, sem dúvida, um apelo a abrir nosso coração, nossos braços, nossa mentalidade, nossas casas, para acolher o novo que vem ao nosso encontro, abrir-nos às realidades do mundo sedento de amor e de Esperança. Dar nosso tempo e nossa vida no serviço alegre, generoso e gratuito ao Senhor, em cada pessoa que necessita. “Toda vez que fizerdes a um destes meus irmãos é a Mim que o fazeis”.105 Décima Sexta Aparição A revelação do nome da Senhora 180- “No final da noite, Bernadette acorda a sua família e vai até a Gruta. Para que o Pároco realize os desejos da senhora, é preciso que 103 CIC n°196 104 Lc 1, 38 105 Mt 25, 35-40

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esta diga o seu nome. Bernadette insiste. É somente na quarta vez que a senhora responde: ‘Que Soy Era Immaculada Councepciou’, (Eu sou a Imaculada Conceição). Dois gestos acompanham as palavras. Em um primeiro tempo, a senhora abre os braços e estende as mãos em direção a terra; depois ela junta as mãos e olha para o céu. Quando se trata de fazer uma estátua, Bernadette especificará que Nossa Senhora não levantou sua cabeça, mas os olhos” 106 Eu sou a Imaculada Conceição 181- Bernadette não entendeu o que a Virgem lhe disse, mas ela sabe que tem, finalmente, uma resposta. Ela deixa lá a vela, como sempre fazia, e corre para a casa paroquial repetindo essas palavras desconhecidas, com medo de esquecê-las. Ela as diz ao padre e este responde de forma lógica: “Uma mulher não pode ter esse nome”.107 Mas, ao mesmo tempo, o Padre Peyramale acredita nas afirmações de Bernadette e na veracidade das Aparições: Bernadette não poderia ter inventado essas abstratas e sábias palavras, ela não consegue se lembrar de qualquer lição do catecismo. Além disso, mais tarde, Bernadette não vai usar essa expressão quando se dirige à Virgem, até porque são palavras que lhe foram ditas. Na parte da tarde, a irmã do coletor de impostos explicou a Bernadette o que significava a Imaculada Conceição.

182- Certamente não é por acaso que a senhora vestida de branco espera o dia 25 de março de 1858, dia da Anunciação, para revelar a Bernadette o seu nome: “Que Soy Era Immaculada Councepcion”. A Mãe de Jesus ao revelar o seu nome a Bernadette, não revela um dado civil, mas um nome com o qual o anjo Gabriel a saudou na anunciação. A cheia de graça, sem sombra de pecado. A Imaculada Conceição revela a sua identidade, o seu ser. Maria confirma a sua maternidade divina e, ao mesmo tempo, reforça o dogma da Imaculada Conceição proclamado pelo Papa Pio IX, no dia 08 de

106 Guia oficial do Santuário, volume 1, p. 27 107 René Laurentin, Lourdes Histoire Authentique 5

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dezembro de 1854.

183- O tema da Imaculada Conceição só pode ser compreendido sob os olhos da fé em um Deus que apostou na criação humana ao escolher uma mulher para ser a Mãe de seu Filho. Maria é colocada numa relação singular com Deus Pai, ao acolher o Filho na sua carne.

184- Neste mesmo ano da proclamação do dogma, se multiplicavam as manifestações populares; os cristãos católicos expressavam com ênfase o seu amor e devoção a Maria, Mãe do Salvador e da Humanidade. “Por graça e privilégio de Deus Onipotente em previsão dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, a bem aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua concepção, foi preservada de toda mancha do pecado original”.108 Deste modo, a Igreja como portadora da missão de Cristo, nos confirma o dom que é Maria para a Igreja Universal.

185- Na profundidade da Gruta de Massabielle, Maria revela a Bernadette, a Igreja e ao mundo a sua vocação, ou seja, acolher e carregar nas suas entranhas o Deus que se doa. Se na Gruta é possível encontrar tantas pessoas de diferentes culturas, é porque todas receberam o seu nome e sua vocação de graça: “fostes criado por Deus, por um Deus que se faz pequeno, porém, com um sonho de despertar em ti o amor que dá a vida.” Através do ser Imaculado de uma mulher, Maria, nós podemos contemplar o Criador.

186- A aparição da Virgem Maria, em Lourdes, é uma graça particular que cria uma intimidade entre Deus e as pessoas. “Eu Sou a Imaculada Conceição” é o ponto culminante da Mensagem e orienta os nossos corações ao mistério do amor, isto é, convida-nos a reconhecer a presença de Deus nas criaturas e no mundo. A Imaculada, a primeira resgatada, a “Mulher Nova”, nos lembra do amor primeiro de Deus: amor que gera fecundidade em Maria, em Bernadette e em cada uma de nós. É uma mensagem plena de vida, de esperança e de misericórdia, que convida cada pessoa ao gesto de

108 CIC n°490

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fraternidade e de universalidade. O imenso dom da Imaculada Conceição foi acolhido e respondido de maneira fiel e coerente por Maria. Sua adesão ao plano de Deus se nutre de um amor intenso, que arde em seu coração graças à sua imaculada pureza. 187- O nome da Imaculada exprime nossa vocação primeira de filhos/as de Deus, mas, ao mesmo tempo, a “Cheia de Graça” nos convida a vivermos numa transparência de vida cujo mistério nos possibilita sinalizar o grande Mistério a todos aqueles e aquelas a quem somos enviadas em missão. Devemos ser o reflexo do Amor primeiro de Deus num mundo sedento da Palavra que clama por justiça, paz e esperança. Como Maria, “Deus nos escolheu para sermos santas e imaculadas em sua presença”.109 Décima Sétima Aparição O milagre da vela

188- “No dia seguinte, quarta feira de Páscoa, antes do amanhecer, Bernadette estava na Gruta. Havia já uma centena de pessoas. Pouco tempo depois havia mil pessoas. Bernadette estava em êxtase, ao redor de um impressionante silêncio. Mas que rumor é esse que se entende no meio da multidão? Um passo pesado, uma voz autoritária, caminhando em direção ao lugar desejado por todos. ‘Deixai-me passar!’ É o doutor Dozous. Há muito tempo que ele desejava examinar o êxtase: “Eu não venho como inimigo, mas em nome da ciência. Sou o único que pode verificar o fato religioso que acontece aqui, deixai-me seguir esse estudo”. Eis que um fenômeno incomum mobiliza sua atenção, lhe fez esquecer o porquê de sua vinda ali. Bernadette segurava com seus pulsos a haste da vela e com as duas mãos protegia a chama contra o vento. Envolvia a chama luminosa como dois pedaços de uma concha.

Através dos dedos entreabertos, a chama iluminava as palmas das mãos encurvadas: ‘Mas ela não se queimava!’, escreve Dozous. Não crê no que seus olhos veem. Depois do êxtase, examina os dedos e a mão da vidente; esta não entendia o que lhe faziam. ‘Não aconteceu nada! Não tem nada’, 109 Cf. Ef 1,4

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exclama. Num momento foi abalado pela fé. Com a exuberância explosiva que o caracterizava, proclama o prodígio no Café Francês, diante do comissário, que discretamente anotava, no seu caderno, as palavras exaltadas do doutor: ‘Para mim é um acontecimento sobrenatural, ver Bernadette ajoelhada na Gruta, em êxtase, tendo uma vela acesa na mão, cobrindo com suas mãos a chama; ela não parecia sentir a menor impressão do contato de suas mãos com o fogo. Eu a examinei. E não existia o menor indício de queimadura”.110

189- O "milagre da vela" tem um sentido especial na mística de Lourdes. O estranho fato observado por testemunhas ocorre na quarta-feira da Páscoa e um dos principais símbolos da liturgia pascal é o Círio. A vela que representa o Cristo ressuscitado, a luz que vence as trevas da morte, dá uma dimensão Pascal a Mensagem de Lourdes. Como o sinal da cruz, no primeiro dia, o chamado à penitência, o pedido de uma procissão e da Igreja, a revelação do nome da Senhora, o milagre da vela constitui uma nova assinatura às Aparições de Lourdes. O ideal do cristão chamado a ser luz do mundo é que a luz do Ressuscitado transpareça através da sua vida, como a chama da vela através dos dedos de Bernadette, no dia 7 de Abril.

Última Aparição: do outro lado do rio Gave 190- Bernadette só volta à Gruta no dia 16 de julho de 1858, no final da tarde (enquanto quase todas as Aparições ocorreram no período da manhã). Ela se sente de novo atraída a ir à Gruta. Esconde-se sob o seu capuz e duas ou três meninas a acompanham. O acesso à Gruta é proibido e uma cerca impedia a aproximação das pessoas. Bernadette não teve dúvidas, passou para o outro lado do rio Gave e, ali, vê pela última vez a Virgem Maria que lhe sorri; foi o adeus! Sua presença é sentida após alguns momentos, quando ela se põe a acender sua vela e rezar o terço. Depois dirá em tom de admiração e alegria: “Eu nunca a vi tão bela!”111. Também revela que não sofreu

110 Revista Lourdes Magazine, Numero Especial: As Sete Chaves de Lourdes, o sinal da Luz. 111 René Laurentin, Lourdes Histoire Authentique 6

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com a distância imposta pela cerca. A Virgem Mãe de Deus vem ao seu encontro para dizer-lhe que a fidelidade de Deus se cumpre “aos que sabem esperar e aos que acreditam sem mesmo ver”.112

191- Sem dúvidas, a Dama de Massabielle, nesta Aparição, nos convida a entrar no mistério da contemplação. Contemplação do amor, de uma alegria que não cessa e da unidade com o Mistério da Vida de seu Filho Jesus. 192- A beleza de Maria nesta última aparição se tornou perceptível no rosto repleto de alegria, pureza e serenidade de Bernadette. Ela, a mais pobre, a mais ignorante, a mais humilde, aceita em sua vida a vontade d’Aquela que lhe chama. Maria também tem a alma pura e aberta aos desígnios de Deus e será lembrada entre todas as gerações “porque encontrou graça diante de Deus”.113 No encontro dessas duas naturezas, humana e divina, há uma complementariedade total da condição do homem que encontra no próprio Deus o seu fim único. Passar para a outra margem 193- Diante do desafio de ser impedida de chegar à Gruta, Bernadette não se intimida ou desanima, ao contrário, vai à luta, passa para a outra margem do rio Gave e lá se encontra com a Mãe do Céu, toda resplendente de beleza e de luz, ainda mais próxima que nas outras aparições.

194- Passar para a outra margem nos reporta ao Evangelho de Jesus quando Ele mesmo convida seus discípulos “a passarem para o outro lado”.114 Nada se impõe à graça de Deus; ela é fonte geradora de vida. É ela que interage e dinamiza o coração humano porque “para ELE fomos criados, nele vivemos, nos movemos e existimos”.115

195- Maria comunica esta graça divina e suscita no coração de Bernadette a liberdade de “sair”, se dispor e buscar novos meios e 112 Mt 13,10-17 113 Lc 1,46-55 114 Mc 4,35 115 At 17,28

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oportunidades para ver a sua “Bela Senhora”.

Maria também nos chama para irmos ao outro lado da margem, a não permanecermos paradas diante dos desafios que a vida nos propõe. É necessário termos as mesmas atitudes de Bernadette: espera confiante e coração fortalecido pela oração para ver, com os olhos da fé, a interioridade dos fatos e a realidade do nosso próprio caminhar na direção das bem-aventuranças.

196- Bernadette vive intensamente o êxtase e entra na contemplação ao fixar seu olhar na Virgem Maria. A contemplação antecipa o permanecer em Deus. Para nós, Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes, essa aparição é um apelo a fixar os olhos em Maria e contemplar o Mistério de Deus em nossa vida, para vencermos nossos medos, nossas dores e tudo o que nos impede de avançar, de ir à outra margem. Ela nos ensina que nossa esperança tem que ser ativa; ir além de uma vida de conforto e acomodação, ir além das dificuldades, das falsas ideologias para realizar escolhas proféticas e corajosas. Sua pedagogia de Amor nos impulsiona a manter no coração a admiração pelo encontro com Cristo e, com o olhar fixo n’Ele, verdade que liberta, continuarmos a superar barreiras e construir pontes que difundam sempre mais uma cultura do encontro.116 A autenticidade das Aparições 197- Em 28 de Julho de 1858, Monsenhor Laurence, Bispo de Tarbes, institui uma comissão encarregada de estudar as Aparições na Gruta de Lourdes, da qual o Padre Peydessus foi membro atuante. Quatro anos depois das aparições, em 18 de Janeiro de 1862, Monsenhor Laurence declara solenemente, em nome da Igreja, que as aparições são autênticas: “Nós acreditamos que a Imaculada Maria, Mãe de Deus, apareceu realmente a Bernadette Soubirous, no dia 11 de fevereiro de 1858 e nos dias seguintes, ao todo 18 vezes, na Gruta de Massabielle, perto da cidade de Lourdes; que esta aparição se reveste 116 Papa Francisco, Homilia 02/fev/2016.

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de todos os caracteres da verdade, e que os fiéis têm fundamentos para crê-las como autênticas”.117

O PROTAGONISMO DAS MULHERES EM LOURDES Lourdes na perspectiva de duas Mulheres 198- O “Sim” de Maria e o “Sim” de Bernadette aproximam o mundo de Deus, atraente e desconcertante, do mundo das pessoas com sua carência radical. Maria toma a iniciativa, se aproxima e, com delicadeza e sensibilidade, toca profundamente o ser de Bernadette. A experiência da alegria e da acolhida de Maria, vivida por esta jovem, transforma-a e a lança como fiel mensageira do projeto de Deus para o seu povo. “Vá dizer aos padres que construam aqui uma Igreja!”

Nos momentos mais difíceis da vida, a jovem de Nazaré e Bernadette responderam sim à vontade de Deus. O sim de Maria fecundou um novo tempo da história da humanidade; o sim de Bernadette transformou a realidade do Rochedo de Massabielle e a pequena cidade de Lourdes.

199- A Virgem Imaculada e Santa Bernadette foram protagonistas da história, mulheres abertas à ação do Espírito Santo e plenas de fé. Elas são ícones da esperança e da confiança em Deus. São jovens, mulheres na mesma condição social, recebem uma missão específica: A Virgem de Sião, gerar e ser a mãe do Salvador; Bernadette, recordar à humanidade o amor infinito, gratuito e salvífico de Deus a todos, em particular aos excluídos, doentes e pobres.

Bernadette acolheu a mensagem que a Virgem Maria lhe confiou ao longo de todas as aparições e comunicou somente aquilo que lhe foi transmitido, mas o que lhe foi dito em segredo conservou no seu coração. Ela não foi um instrumento frio e impassível ao que Maria lhe confiou; fez-se destinatária e transmissora da mensagem de

117 Site Oficial de Lourdes, Cronologia das Aparições

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esperança para a Igreja e o mundo.

A presença das mulheres nas Aparições 200- As primeiras testemunhas das Aparições são as crianças e algumas adolescentes pobres da escola de Bernadette. Além delas, as tias de Bernadette, a Sra. Millet e outras mulheres querem ver o que acontece na Gruta de Massabielle. A multidão de fiéis, que aos poucos vai aumentando na Gruta, é constituída pelas mulheres da “classe baixa”118. As primeiras mulheres da burguesia que vem são membros da congregação das Filhas de Maria, uma confraria de piedosas pessoas ativas na paróquia, na qual as classes sociais se juntam. Com a descoberta da fonte, as mulheres dos notáveis fazem sua peregrinação. Desejam ver Bernadette em êxtase de manhã cedo e, para isso, convencem os homens de boa reputação que as conduzam a Massabielle, à meia-noite. Graças às senhoras, os senhores do Café Francês, entram em ação. O interventor de impostos, senhor Jean Batiste Estrade, acompanha sua irmã Emmanuelite. Sente-se aliviado ao encontrar na Gruta um médico, um capitão e o decano do Colégio de Advogados de Lourdes, que acompanham sua esposa, sua irmã e sua filha.

201- Outro fato importante que teve a participação ativa das jovens mulheres, durante as Aparições, foi a procissão das velas, durante o mês de Maria. No dia 7 de maio de 1858, um letreiro colocado na Gruta dizia ser proibido depositar objetos naquele local, e que toda infração seria punida. Então, um grupo de meninas das Filhas de Maria resolveu caminhar com as velas acesas. Assim, no dia 11 de maio de 1858, à noite, vêm à Gruta com suas velas acesas e, enquanto caminham, cantam as ladainhas da Virgem. As jovens, ao cair da noite, vão cantando em procissão até a Gruta, iluminadas pelas velas. Acabava de nascer a procissão das velas!

202- Maria, Bernadette e as mulheres presentes nas primeiras aparições em Lourdes são forças femininas que transformaram vidas 118 Terminologia das informações da polícia

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e realidades, o tempo e a história, deixando a todos uma mensagem de Amor e de Esperança, um caminho a percorrer. Companheiras dos que vivem à margem da sociedade - os pobres, as mulheres marginalizadas, os sem voz, os abandonados - elas nos indicam, ainda hoje, a Fonte que continua a jorrar vida: Jesus Cristo.

Foi neste terreno fecundo que se desenvolveu a nossa mística de Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes, e se constituiu o nosso lema, a Cristo por Maria.

203- A mensagem de Lourdes é um apelo à mudança de vida e a reconhecermos as nossas fragilidades; a permanecermos unidas à Virgem Maria, a Bernadette e aos nossos fundadores; a estarmos atentas e abertas à ação do Espírito Santo, que nos chama “a anunciar e testemunhar com fidelidade e audácia profética o Amor Salvífico de Deus manifestado em Lourdes”. 119 204- A Identidade, a Missão e o Apostolado do nosso Instituto estão presentes nas palavras que expressam nosso Carisma: “Ser sinal de vida e de esperança testemunhando o amor salvífico de Deus que se manifesta em Lourdes”.

A EUCARISTIA E MARIA 205- À dimensão eucarística de nossa espiritualidade se entrelaça à dimensão marial. É que a prática eclesial, ontem como hoje, mantém estreita relação entre a devoção eucarística e a devoção marial. É um fato que se pode constatar, tanto na liturgia ocidental como na oriental, particularmente, nas Orações Eucarísticas.

As fórmulas litúrgicas são, assim, testemunhos da fé e guia da piedade eucarístico-marial. A maternidade de Maria é particularmente percebida e vivida pelo povo cristão no Banquete sagrado - memorial do mistério da Redenção – “no qual se torna presente Cristo, no seu verdadeiro corpo, nascido da Virgem

119 Constituições - Art. 60

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Maria”.120 Aqui se aplica a antiga fórmula: "lex credendi", "lex orandi" (a lei do crer é a lei do orar), expressa pelos Padres da Igreja e transmitida pela tradição que professa a fé na maternidade divina de Maria e, ao mesmo tempo, sua maternidade espiritual em favor de todos os resgatados. Esta verdade ilumina o Mistério Eucarístico com uma luz marial: a Mãe de Jesus está também associada à Eucaristia na medida em que ela continua sua participação na obra da Redenção.

A Presença "icônica" da Virgem na Igreja é evidente. Maria, Mãe e figura da Igreja, é modelo e educadora de seus filhos no modo de viver os divinos mistérios.121

206- Lourdes, a cidade de Maria, é também uma "terra eucarística". Afirmações semelhantes são frequentes. Em Bref, de 25 de Abril de 1911, o Papa São Pio X, com muita precisão, se expressou: "A glória reservada pela Providência ao santuário de Lourdes é, nós o sabemos, que de todas as partes, a Virgem atrai os povos para os colocar em adoração aos pés de seu Filho. O fato é tão esplendoroso que este Santuário irradia para o mundo católico ao mesmo tempo, como centro do culto marial e como o mais glorioso trono do culto eucarístico” Desta estreita relação entre a Eucaristia e Maria, nota tão característica de Lourdes, nosso Instituto nutre suas raízes e confirma a sua espiritualidade eucarístico-marial.

LEGADO DOS FUNDADORES A Madre fundadora e seu amor a Maria 207- Eugénie Ducombs, desde a formação cristã recebida em família, nutria terna e filial devoção à Santíssima Virgem. A data de seu

120 RM 43 (Redemptoris Missio) 121 MC 16 (Marialis Cultus)

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nascimento, 21 de novembro, memória litúrgica da Apresentação de Maria no Templo, seu Batismo em 04 de dezembro, período da novena da Imaculada, sua Primeira Eucaristia, 15 de agosto, solenidade da Assunção de Maria, e outros acontecimentos de sua vida, lembram uma feliz coincidência com as comemorações em honra da Virgem.

208- Em sua vida espiritual recebeu forte contributo do Padre Jean Louis Peydessus, missionário de Nossa Senhora de Garaison. Assimilou a devoção mariana do Santuário, centrada nas dores de Maria. Sendo assim, quando em 1863, foi fundado o Instituto, deram ao pequeno grupo o nome de Irmãs do Coração Sofredor e Imaculado de Maria. Eugénie Ducombs, ela própria, recebeu em religião o nome de Madre Maria de Jesus Crucificado com o qual tão bem se identificou.

209- Temos como inspiração de Deus a intuição da Madre Maria de Jesus Crucificado, no tocante à fundação em Lourdes. Diante das dificuldades de ordem material que se apresentaram à nascente comunidade, em Lannemezan, a boa Madre pensava em Lourdes, onde via campo aberto para expansão do Instituto. No decorrer subsequente dos acontecimentos, a força do Alto não lhe faltou na concretização de seu intento.

"A transferência do Instituto para Lourdes alargou as perspectivas de seus fundadores e os fez tomar consciência de sua destinação definitiva, sem a desviar, nem afastar da finalidade de suas origens. A devoção à Imaculada Conceição, da qual receberam pouco depois o nome, não podia deixar de crescer devido à proximidade da Gruta. As Irmãs tinham consciência, realmente, de terem sido chamadas a Lourdes, para aí viver e irradiar a devoção à Imaculada e o culto da Eucaristia, perpetuando a mensagem das Aparições".122

210- Alguns escritos do Padre Piccirillo e do Padre Peyramale testemunham o quanto a fundação, em Lourdes, tão desejada por

122 Manuscrito de Madre Louise Marie, C 1915

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Madre Maria de Jesus Crucificado, foi um passo fecundo para o Instituto.

"Sinto-me feliz, Revma. Madre, de ter a ocasião de entrar em relação com a sua comunidade. Isto me proporcionará um beneficio muito precioso de ter, junto à Gruta da Santíssima Virgem, uma intérprete de meus votos e de minhas pobres orações à nossa Mãe Imaculada e, por vezes também, uma ajuda para propagar, entre nós, como procuro fazê-lo, a devoção a Nossa Senhora de Lourdes".123

"Vejo também que, ao lado das dificuldades, tivestes consolações sólidas e a principal é a de vos ver cercada de um tão grande número de Irmãs que a vós se reuniram e puseram toda a sua dedicação a serviço da Santíssima Virgem Maria".124

"A Virgem Imaculada, que é a Mãe das Dores, mostrar-se-á sempre Mãe; levastes aos pés de seu Santuário de Lourdes, uma multidão de virgens".125 A presença de Maria foi uma constante na vida de nossa Fundadora. Como a Virgem, e, a seu exemplo, ela "conservava cuidadosamente todos os acontecimentos e os meditava em seu coração."126

Padre Jean Louis Peydessus, Apóstolo de Maria 211- Toda vida do Padre Peydessus foi marcada pela devoção a Maria. As fontes históricas comprovam largamente. Fundador dos Missionários de Nossa Senhora de Garaison, ele colocou todo trabalho interior e toda ação apostólica de seus missionários nas mãos de Nossa Senhora: "Para Maria, por Maria" é a divisa que ele dá ao Instituto. Todavia, a devoção à Pietà que, durante séculos, predominou no Santuário de Garaison cederá lugar à da Imaculada Conceição da qual os Missionários tomam o nome, quando da sua instalação em Lourdes, em 1866. Para eles, as dores de Maria não

123 Carta do Padre Piccirillo, 4.12.1872 124 Idem, 18.12.1873 125 Carta de Mons.Peyramale,18.12.1874 126 cf. Lc 2,20

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deixarão de ser particularmente honradas, mas passam a um segundo plano, o que é bastante lógico: a participação de Maria na obra da Redenção provém de sua Imaculada Conceição.

212- Por semelhante processo passou o nosso Instituto, como foi visto anteriormente. No que concerne particularmente às Irmãs da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de Lourdes, destacamos do Projeto de Constituições do Padre Peydessus, 1880, no Capítulo VI, sobre a "Devoção à Maria", algumas normas válidas ainda hoje:

1- A vida das Religiosas da Imaculada Conceição deve ser toda penetrada da devoção a Maria. O nome que elas têm é suficiente para que não a esqueçam jamais.

2- Elas estimarão sem cessar, como honra insigne, pertencer a esta Congregação.

3- Elas falarão frequentemente da felicidade de amar e honrar a Santíssima Virgem e jamais farão algo que possa desagradar a esta boa Mãe.

4- As festas da Santíssima Virgem serão celebradas solenemente.

5- Cada sábado será, para as Religiosas da Imaculada Conceição, o "Dia de Maria".

6- Elas terão como dever praticar os ensinamentos da Santíssima Virgem na Gruta de Lourdes. Serão devotas do Sinal da Cruz e do Rosário, da Penitência, da Oração pelos pecadores.

7- Cada Religiosa sentirá a necessidade de ser por toda parte apóstola da Santíssima Virgem.

ESPIRITO DO INSTITUTO 213- Em nosso contexto, "Espírito" é a maneira de ser, de sentir e de agir de um grupo que, numa esfera sobrenatural, tem objetivos comuns. A tradição corrente do Instituto pode experimentar em sua práxis o Espírito de Simplicidade e Alegria, frutos da ação do Espírito Santo em nós, como pessoas e como grupo: "Se vivemos pelo Espírito,

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pelo Espírito pautemos a nossa conduta".127

214- A comunidade dos primeiros cristãos já vivia na simplicidade e alegria: "Dia a dia, frequentavam assiduamente o templo, partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração".128

215- Simplicidade e alegria perpassam todas as Aparições de Lourdes, seja na expressão sempre jovial e sorridente da Virgem, seja na pessoa de Bernadette, pobre e humilde, seja no conteúdo mesmo da Mensagem, gestos, palavras e demais elementos que a envolvem.

216- Simplicidade e alegria caracterizavam a comunhão fraterna e a oração das primeiras Irmãs: "Uma santa união, uma piedade verdadeira, uma doce e pura alegria faziam desta família de Nossa Senhora de Lourdes, tão pobre e tão provada, um pequeno paraíso".129 217- A simplicidade e a alegria brotam em nós como frutos de uma vida que se entrega fiel e generosa ao seguimento de Cristo. Esse espírito se torna evidente em nossa oração, na partilha, na abertura, no acolhimento, no trabalho, no apostolado, no contato com as pessoas do nosso relacionamento cotidiano. Enfim, a simplicidade e a alegria devem perpassar todo o nosso ser e agir de pessoas consagradas ao Senhor. Sirva-nos de constante estímulo o "desejo vital" de nossa Madre Fundadora: "Minhas filhas, sejam simples e humildes na caridade e na oração."

O LUGAR DE MARIA EM NOSSA VIDA 218- Exemplar de toda a Igreja no exercício do culto, Maria é evidente mestra de vida espiritual para o povo cristão e para nós, em particular. Contemplando-a em sua atitude de fé, de escuta, de oração e de entrega, devemos fazer da própria existência um culto a Deus, e em consequência, uma comunhão de vida com os irmãos. 127 Gl 5,25 128 At 2,46 129 Memórias

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Escritos do passado comprovam o lugar de Maria no Instituto e na vida de cada Irmã. Recordemos alguns:

1- Uma santa harmonia, uma doce alegria, fazem desta pequena e tão provada Comunidade um pequeno paraíso. Nunca entre as Irmãs uma palavra ofensiva. Prometeram à sua Mãe Imaculada de se amarem.130

2- Vocês são, oficialmente, filhas de Nossa Senhora de Lourdes. Mostrem-se dignas dela.131

3- O Noviciado se faz, em Lourdes, sob o olhar de Maria.132

4- Como Maria, devem se distinguir pela piedade, simplicidade, humildade, obediência. Unirão a vida ativa à contemplativa.133

219- As Constituições antigas, como as atuais, destacam a dimensão Marial de nossa espiritualidade e apresentam Maria, Mãe e Mestra,134 como modelo e inspiração de nossa união com Cristo. Cabe-nos acolher e encarnar na vida o que aí se dispõe.

CONCLUSÃO 220- Em síntese, pode-se dizer que o Carisma, a Espiritualidade e o Espírito do Instituto se entrelaçam como numa “dança circular”, que se movem ao ritmo da Mensagem da Imaculada de Lourdes, e se expressam no ser e no agir de cada membro que dispõe todo o seu ser a serviço da vida.

Essas forças identitárias do Instituto, assumidas e vividas por nós, Irmãs, evidenciam a experiência de Deus, que o originou e o sustem, fortalecem a vida em comunhão, tornam fecunda a sua missão profética.

130 Agenda,1871 131 Dom Pichenot, 1871 132 Padre Peydessus, 1874 133 Espírito das Relig. da I.C.N.S.L. 134 Cf. Arts. 3, 18, 28, 42, 49, 74, 123

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Na fidelidade ao Espírito do Senhor, empenhemo-nos em assumir, como Maria, o seguimento do Cristo e a causa de seu Evangelho para cantarmos jubilosas o nosso MAGNIFICAT!

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