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Estudos Feministas, Florianópolis, 21(3): 496, setembro-dezembro/2013 1015 Condições de produção dos Condições de produção dos Condições de produção dos Condições de produção dos Condições de produção dos feminismos ar feminismos ar feminismos ar feminismos ar feminismos artísticos em P tísticos em P tísticos em P tísticos em P tísticos em Por or or or ortugal tugal tugal tugal tugal 1 Copyright © 2013 by Revista Estudos Feministas. 1 Este artigo foi desenvolvido no âmbito da tese de doutoramento intitulada de Condições de produ- ção e práticas de recepção da arte feminista, pela Universidad del País Vasco, com a colaboração do Instituto de Sociologia da Universi- dade do Porto. O financiamento foi garantido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Rui Pedro Paulino da Fonseca Instituto de Sociologia Faculdade de Letras da Universidade do Porto Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: A primeira secção deste artigo incide num estudo representativo dos feminismos artísticos praticados em Portugal. Grande parte das referências de artistas, activistas ou grupos foi pesquisada e acedida on-line, num processo de trabalho que combinou a consulta e pedidos de depoimentos às/aos artistas sobre as suas obras e imagens. A segunda secção pretende mensurar as condições de produção de arte feminista. Tal foi possível sobretudo através do levantamento de dados on-line relativos à representatividade de artistas homens e mulheres em algumas das principais instâncias artísticas. Adicionalmente, foram articulados alguns testemunhos de agentes artísticos que documentassem alguns dos obstáculos presentes no sistema artístico português impostos às mulheres artistas, assim como à produção de arte feminista. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave: condições; produção; feminismos; artísticos; Portugal. Os feminismos ar Os feminismos ar Os feminismos ar Os feminismos ar Os feminismos artísticos em P tísticos em P tísticos em P tísticos em P tísticos em Por or or or ortugal tugal tugal tugal tugal Pelo recurso à história da arte portuguesa ou a outras áreas de investigação, designadamente a mestrados ou doutoramentos, apreendem-se escassos, ou praticamente nulos, registos de arte feminista. A carência desse tipo de documentação implica perpetuar o desconhecimento sobre a variedade práticas artísticas e estéticas que se articulam com as directrizes do próprio movimento feminista. Adicionalmente, ainda se mantêm anónimas as motivações e influências das/os artistas, de testemunhos e de registos que remetam às suas motivações e condições de produção. No início da década de 1950, existira uma deficiente promoção da arte portuguesa no estrangeiro conjuntamente com um desinteresse generalizado pelas artes; assistira-se, paulatinamente, a uma separação entre o gosto oficial e a vanguarda artística. 2 O vanguardismo foi-se tornando numa prática estabelecida. De acordo com Margarida Tengarrinha, existia uma luta, dentro do ensino académico da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL), pela modernização 2 Nuno Chuva Vasco, 2005 p. 5 e 6.

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Estudos Feministas, Florianópolis, 21(3): 496, setembro-dezembro/2013 1015

Condições de produção dosCondições de produção dosCondições de produção dosCondições de produção dosCondições de produção dosfeminismos arfeminismos arfeminismos arfeminismos arfeminismos artísticos em Ptísticos em Ptísticos em Ptísticos em Ptísticos em Pororororortugaltugaltugaltugaltugal11111

Copyright © 2013 by RevistaEstudos Feministas.1 Este artigo foi desenvolvido noâmbito da tese de doutoramentointitulada de Condições de produ-ção e práticas de recepção daarte feminista, pela Universidad delPaís Vasco, com a colaboração doInstituto de Sociologia da Universi-dade do Porto. O financiamentofoi garantido pela Fundação paraa Ciência e Tecnologia.

Rui Pedro Paulino da FonsecaInstituto de Sociologia Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: A primeira secção deste artigo incide num estudo representativo dos feminismosartísticos praticados em Portugal. Grande parte das referências de artistas, activistas ou gruposfoi pesquisada e acedida on-line, num processo de trabalho que combinou a consulta e pedidosde depoimentos às/aos artistas sobre as suas obras e imagens. A segunda secção pretendemensurar as condições de produção de arte feminista. Tal foi possível sobretudo através dolevantamento de dados on-line relativos à representatividade de artistas homens e mulheresem algumas das principais instâncias artísticas. Adicionalmente, foram articulados algunstestemunhos de agentes artísticos que documentassem alguns dos obstáculos presentes nosistema artístico português impostos às mulheres artistas, assim como à produção de artefeminista.Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave: condições; produção; feminismos; artísticos; Portugal.

Os feminismos arOs feminismos arOs feminismos arOs feminismos arOs feminismos artísticos em Ptísticos em Ptísticos em Ptísticos em Ptísticos em Pororororortugaltugaltugaltugaltugal

Pelo recurso à história da arte portuguesa ou a outrasáreas de investigação, designadamente a mestrados oudoutoramentos, apreendem-se escassos, ou praticamentenulos, registos de arte feminista. A carência desse tipo dedocumentação implica perpetuar o desconhecimento sobrea variedade práticas artísticas e estéticas que se articulamcom as directrizes do próprio movimento feminista.Adicionalmente, ainda se mantêm anónimas as motivaçõese influências das/os artistas, de testemunhos e de registosque remetam às suas motivações e condições de produção.

No início da década de 1950, existira uma deficientepromoção da arte portuguesa no estrangeiro conjuntamentecom um desinteresse generalizado pelas artes; assistira-se,paulatinamente, a uma separação entre o gosto oficial e avanguarda artística.2 O vanguardismo foi-se tornando numaprática estabelecida. De acordo com Margarida Tengarrinha,existia uma luta, dentro do ensino académico da EscolaSuperior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL), pela modernização

2 Nuno Chuva Vasco, 2005 p. 5 e6.

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dos critérios da Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA),nomeadamente pela eleição de júris de exposições e deórgãos directivos “[...] isentos de influências fascistas [...]”.3 Naprática, as encomendas públicas eram maioritariamente diri-gidas à escultura e à tapeçaria e aludiam a temáticas patrió-ticas, tais como o império ultramarino e os “heróis nacionais”.4

Ainda pouco divulgadas no contexto português,Paula Rego, Ana Vieira e Lourdes Castro foram as primeirasmulheres que, na década de 1960, preconizaram uma lin-guagem artística que integrava elementos femininos quenão tinha como propósito agradar o olhar masculino. Noentanto, não se vislumbram de forma clara, sobretudo notrabalho artístico de Lourdes de Castro e Ana Vieira, questõesde protesto ou de reivindicação relacionadas com aidentidade.

Em obras como Salazar a vomitar a pátria, sempre àsordens de sua excelência ou ainda na violenta cena de vin-gança doméstica, A mulher do macaco vermelho corta-lheo rabo, Paula Rego “[...] satiriza e castiga alegoricamente aautoridade incontestável do pai enquanto chefe de família.”5

Algumas das obras da autora reflectem a visão arcaica damulher concebida pelo e durante o Estado Novo: por exemplo,cenários em que a “fada do lar” é dedicada e submissa aohomem são contrapostos e denunciados pela artista.

A marginalização cultural que Portugal sofrera por par-te de alguns países europeus e organizações internacionaisdurante o regime autoritário de Salazar e Marcelo Caetanoveio agravar o isolamento das/os artistas em Portugal, o que,consequentemente, se tornou num entrave ao reconhecimentoe aceitação da arte portuguesa no estrangeiro. Tal nãoimpediu, em inícios da década de 1970, a agregação deartistas, o estabelecimento de acordos entre agentes einstituições, a contratação de críticos, etc.,6 o que provocariaum crescimento do mercado artístico nacional.

Uma das primeiras artistas portuguesas, integradas nocircuito artístico português, que focaram questões de género,ainda antes do 25 de Abril de 1974, foi Maria José Aguiar.Partindo das suas percepções pessoais sobre género e corpo,a sua obra apresenta um imaginário autorreferencial decaracterísticas autobiográficas, uma tentativa de dissoluçãoda identidade através da prática artística,7 o que implicoupara a autora, assim como para outras/os artistas da época,dificuldades de manifestação e integração artística, devidoaos mecanismos de censura do regime do Estado Novo: as/os artistas que não cumprissem com os preceitos dos “bonscostumes” ditados pelo gosto do regime teriam mais dificul-dades em mostrar o seu trabalho aos públicos. Essa seriauma das razões pelas quais muitas/os artistas imigrariam parao estrangeiro.

4 Cf.: Margarida Tengarrinha,2008, p. 5.

3 Chuva Vasco, 2005

5 Paula Cristina Figueiredo CABRALe Sónia Cristina IldefonsoRODRIGUES, [s.d.], p. 9.

6 Gonçalo COUCEIRO, 2004, p.12.

7 Cf.: Catarina Carneiro de SOUSA,2011 , p. 9.

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CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS FEMINISMOS ARTÍSTICOS EM PORTUGAL

Influenciada pela Pop Art, Maria José Aguiar empre-enderia uma série de obras intitulada de Marcas, que viria acriar alguma polémica no contexto artístico português. À seme-lhança de obras anteriores, essa série problematiza questõesde género e as relações de poder inscritas nos corposbiológicos. Em Marcas, as significações eróticas não estãoinscritas nos falos representados. Os falos surgem como estili-zados, serializados formando um padrão decorativo. São,portanto, banalizados, desapropriados da sua unicidade,desconectados dos portadores. Catarina Sousa Carneirodescreve que, nesse projeto,

[...] o pénis torna-se módulo/padrão, invadindo oespaço, completamente despersonalizado, lembran-do, nessa repetição, processos de organização formalminimais […]. O falo vê-se esvaziado de poder simbólicoe reduzido a marca indiscriminada, despido da suaindividualidade e, portanto, da sua heroicidade; […]para se transformarem em signos [...].8

Outra artista portuguesa cuja alguma da obra é en-quadrável no feminismo artístico é Helena Almeida. A partirda década de 1970, essa artista dedicar-se-ia a usar o seucorpo como ponto de partida para produzir algumas dassuas obras alusivas às representações da mulher. Na sérieOuve-me,9 em dispositivo fotográfico a preto e branco, HelenaAlmeida autorrepresenta-se com a indumentária tradicionalde muitas mulheres portuguesas, onde a sua identidadesugere formas diversas de questionamento em relação aosaspectos mitológicos e simbólicos da cultura tradicionalinerente à própria condição da mulher, assim como da autoraque também os experiencia.

Até ao dia 25 de Abril de 1974, a arte portuguesa atra-vessara um relevante momento mercantilista, com a atribuiçãode prémios; com a abertura de novas galerias; as instituiçõesartísticas tinham extensos programas que aliciavam o públicoe encontravam-se perfeitamente ativas e empenhadas.10

Algum coletivismo exagerado de 1975 seria substituído porum igualmente exagerado individualismo, que se confundiucom o vedetismo baseado nas cotações. Também um excessode vigilância ideológica foi substituído, pouco a pouco, porum excesso de vigilância anti-ideológica.11

Posteriormente começara a existir uma deterioraçãoeconómica do circuito artístico em Portugal, com galerias aencerrarem as portas e artistas a encontrarem dificuldade emexpor e escoar as suas obras. Mas, em 1978/79, o mercadoartístico em Portugal entraria novamente em ascensão com oaparecimento de novos artistas que alcançariam visibilidadeno estrangeiro. Internamente, o espírito contestatário ia-sedesvanecendo e dando lugar a um crescente individualismo,

10 Cf.: CHUVA VASCO, 2005, p. 9.

8 SOUSA, 2011, p. 36-39.

9 Algumas obras a artista em: <http://loveoutoflust.wordpress.com/2011/10/06/fotografia-helena-almeida/>.

11 Cf.: Rui Mário GONÇALVES,1998, p. 116.

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enquanto a produção artística dava sinais de utilizar as novastendências estilísticas oriundas do estrangeiro.

O mercado artístico português revitaliza-se com osurgimento da Fundação Calouste Gulbenkian e com o Centrode Arte Moderna. O governo, com orçamentos limitados, procu-rara envolver empresas privadas e, mediante a lei do mecena-to (estabelecida em 1986), subsidia projectos de investigaçãoe projectos artísticos individuais.12 Essa conjuntura abriria opor-tunidades para que artistas apresentassem obra em impor-tantes exposições nacionais e internacionais, assim comoartistas estrangeiras/os se sentissem tentadas/os em expor emPortugal. Esse incitamento à competitividade acabaria porreforçar o individualismo entre criadoras/es que procuravamfinanciamentos e oportunidades de projecção em instituiçõesartísticas. Embora algumas mulheres artistas, tais como IldaDavid, Lourdes Castro, Helena Almeida, Ana Haterly, que, nassuas obras, fizeram constar questões de género, vissem assuas carreiras valorizadas, esse número de mulheres era insig-nificante face aos homens artistas que, sob uma perspectivamasculina, tratavam artisticamente com temas semelhantes.

A globalização económica e cultural em Portugal dariasinais na produção artística nacional, sobretudo através dasnovas gerações que aproximariam as suas produções, noque respeita ao estilo e aos conteúdos, à produção estran-geira, com particular incidência nas tendências vanguar-distas provenientes dos Estados Unidos, Itália e Alemanha.Paulatinamente, o próprio gosto artístico dominante esque-ceria as tradições e valores portugueses e reproduziria o queRui Mário Gonçalves designou de “regionalismo alheio”.13

Na década de 1990, a arte em Portugal continuariana senda das tendências dos principais centros artísticos doOcidente. O site-specific, a instalação e outros suportes quesurgiriam com novas tecnologias seriam comummente maisusados pelas/os artistas e integrados no circuito artístico. Ainternet também permitiria uma disseminação de (potenciais)temáticas alusivas aos recém-formados movimentos LGBT, oque originaria que artistas pudessem empreender umaproblematização/desconstrução da sexualidade e daidentidade.

Em Portugal, novos espaços começaram a acolhertemáticas relacionadas com a identidade e sexualidade.IDENTIDADES,14 um movimento intercultural (estabelecido em1996), assim como a cooperativa cultural GESTO (formadaem 1988) têm permitido uma rede entre instituições artísticase culturais, de artistas, professores e cidadãos/ãs de Portugale do estrangeiro, originando a troca de experiências, práticas,ideias, a partir das quais algumas artistas feministas portugue-sas têm tido à sua disposição para desenvolver e expor o seutrabalho.15

13 GONÇALVES, 1998. p. 116.

12 Cf.: GONÇALVES, 1998.

14 Ver: ID: identidades http://www.identidades.eu/node/21.15 Outros espaços, tais como aGaleria SMS do Museu deArqueologia da Sociedade MartinsSarmento – Guimarães; a Casada Cultura da Trofa; a Livraria 100ªPágina, em Braga; ou a Eira 33,em Lisboa, permitiram, no novomilénio, a existência de eventosartísticos feministas, em particularde exposições do ALL MYINDEPENDENT WOMEN.

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CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS FEMINISMOS ARTÍSTICOS EM PORTUGAL

Uma das questões mais prementes da década de1990, relacionadas com os direitos das mulheres, remonta aoprimeiro referendo (1998) sobre a Interrupção Voluntária daGravidez, do qual o “não” saiu vencedor com 51% dos votos,e uma esmagadora abstenção na ordem dos 69%. Paula Regofoi uma das artistas portuguesas que imediatamente reagiramem tom crítico, mostrando que o resultado do referendo se deviaàs reminiscências de um passado tradicionalista e opressivo.A artista pintara uma série de quadros dedicados ao tema,para serem expostos em Portugal. A jovem mulher representadapor Paula Rego (da série Aborto16) permanece no espaçodoméstico e é retratada com uma expressão de sofrimento,entregue à solidão, surge sentada na cama, tensa, de pernasabertas. Essa mulher confronta o/a espectador/a com umsemblante de dor, medo e humilhação, num cenáriodespojado de detalhes que enfatiza o balde e o recipientede louça.

É um dos quadros de uma série que

[…] apresenta uma denúncia do aborto clandestino efoi iniciada pela pintora como uma reacção directaàs condições em que decorreu o referendo de 1998,nomeadamente face à elevada abstenção que sepoderia exprimir como indiferença perante o pro-blema. Estas representações são como que verídicascaricaturas, fomentando diversas reações.17

Ainda em 1999, no contexto académico, as entãoestudantes Carla Cruz, Ana Medeira, Catarina Carneiro deSousa e a Isabel Carvalho formariam o grupo ZoiNA.18 Esseseria um dos primeiros projetos feministas dessa geração deartistas que seria exposto (em 2001) no espaço alternativoCaldeira 213, essencialmente criado por estudantes daFBAUP, voltado para o ativismo artístico, e que contemplariaos feminismos artísticos na sua programação.

Artistas feministas, integradas no campo artístico,aperceberam-se da importância em iniciarem colaboraçõescom movimentos associativos de mulheres, tais como a UMAR,de referenciarem feministas com trabalho reconhecido,assim como celebrarem alguns dos momentos-chave dofeminismo19 em Portugal.20 Muitas dessas artistas dão voz aoALL MY INDEPENDENDT WOMEN (AMIW) – um projeto artísticofeminista comum, já com algumas edições, de “[...] mulherese homens que questionam a sua posição no mundo, e nomundo da arte através da especificidade do seu género[…], questionando […] o que é isto de se ser mulher na nossasociedade, ser feminino ou masculino.”21

Carla Cruz surge como uma figura central do AMIW.Responsabiliza-se por acompanhar artistas, seleccionarobras e organizar eventos, assim como dar força a um coletivofeminista que se expressa pelas artes plásticas.

16 Algumas obras da série abortopodem ser vistas em: http://ntvpi.blogspot.pt/2007/01/eles-tm-o-zzinho-ns-temos-paula-rgo.html.17 CABRAL e RODRIGUES, [s.d.], p. 10.18 “Zoina, s. e adj. 2 gén. Pessoaou designativo de pessoa estonte-ada; s. f. (prov.) mulher mal com-portada. (De zaino?)“ A ZOiNA éum grupo feminista de intervençãoartística constituído por quatro ele-mentos ligados às artes plásticas.O grupo funcionava através do de-bate de ideias e acções artísticas.Iniciado por Ana Medeira CarlaCruz, Catarina Carneiro de Sousae Isabel Carvalho, foi extinto em2004. (Cf: Carla CRUZ, 2004.Website da ZOiNA: <http://carlacruz.net/2011/collective/collective-two?lang=pt#/26>.19 O feminismo, enquanto movi-mento que procurar cessar com a“dominação masculina”, manifes-ta-se através de uma grande diver-sidade de dinâmicas desafiadorasda sociedade patriarcal manifes-tas nas estruturas sociais, por sujei-tos e instituições. O feminismo temvindo a procurar redefinir a identi-dade da mulher estabelecida cul-turalmente, tendo sempre comohorizonte o estabelecimento daigualdade entre homens e mulhe-res. A defesa dos direitos das mulhe-res é o ponto crucial do feminismoque, nas suas diversificadas formasde luta contra o sexismo e outrasformas de descriminação (tais co-mo o racismo, a homofobia, a trans-fobia, a lesbofobia, o especismo,etc.), procura assegurar a igualda-de de direitos em ambas as esferaspública e privada.20 Veja-se a edição da exposiçãoNovas Cartas Portuguesas, queteve lugar na Casa da Esquina,em Coimbra, de 21 de maio a 19de junho de 2010. Essa exposiçãoveio acompanhada de umapublicação de título homônimo,na qual se incluíram textos deteóricas feministas que trabalhamdentro e fora do âmbito artístico.21 Carla Cruz, 2005, p. 10, parte dotexto de apresentação da exposi-ção ALL MY INDEPENDENDT WOMENque esteve patente no MuseuMartins Sarmento, disponível em:<http://www.csarmento.uminho.pt/ftp/docs/CarlaCruzAMIW.pdf>.

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Em uma das edições do AMIW, as artistas integrantesprocuraram dar voz e expressão à obra literária As Novas CartasPortuguesas. Recorde-se uma das obras das participantes daexposição AMIW, a artista Paula Tavares,22 que alude à obraliterária Minha Senhora de Mim, (escrita por uma das “trêsMarias”, Maria Teresa Horta), através da “[...] construção de umconjunto de fotografias, retratos de ‘senhoras de si [...]’”.23

Embora os ativismos ambientais preconizados peloecofeminismo, em particular os direitos dos animais, perma-neçam fora da agenda artística portuguesa,24 pode-se afirmarque essa nova geração de artistas feministas portuguesas,ainda que mais tarde que em muitos países do Ocidente,tem dado corpo a questões ligadas ao multiculturalismo,globalização, teoria queer e outros ativismos sociais, tal comoo imperialismo. Note-se a obra BLOOD 4OIL Installation aboutthe stories of Oil (2004)25 – é uma instalação de desenhos deCarla Cruz que contém fragmentos que relembram o petróleocomo um dos motivos da invasão de algumas das grandespotências ocidentais no Médio Oriente.

Com distintas gradações de redundância, por vezesmais seguidoras da anomia26 por força do próprio sistema ar-tístico, resultam diferentes modelos de prática artística do femi-nismo português, muitas delas não institucionalizadas. Note-se o caso do recurso à internet enquanto suporte. Por exemplo,o projecto Clarissa,27 da autoria de Isabel Carvalho, é um es-paço on-line em que são depositados fetiches, fantasias demulheres, ou de qualquer sujeito que assuma uma identidadefeminina. O propósito deste projecto consiste em dar azo aque mulheres tornem públicos os seus desejos e cumpram umpapel activo na determinação dos seus próprios enredos. Poroutro lado, Clarissa contraria a escassez de representatividadede fantasias femininas, assim como a tendência hegemónicadas representações em que a mulher surge o sujeito passivode enredos produzidos para o enlevo masculino.

Estritamente desde o interior do campo artístico portu-guês, as artistas feministas, a maior parte com formação artísti-ca universitária e com pesquisa realizada no âmbito de ques-tões de género, têm dado representatividade a temáticasalusivas à identidade sexual, menstruação, capitalismo,homofobia, transfobia, bissexualidade, representaçõesculturais de género, aborto, maternidade, entre outras.

Um outro projeto contemporâneo que desconstrói aidentidade social, o Aparelho Reprodutor,28 de CatarinaCarneiro de Sousa, questiona a identidade social enquantoum processo de aquisição resultante das relações e doscontextos sociais. De acordo com a autora,

[…] o aparelho reprodutor estabelece-se, na moral nasociedade ocidental, como identidade social. Metafo-ricamente podemos fazer um paralelo entre órgãos

22 Essa obra de Paula Tavares podeser vista em: http:/www.flickr.com/p h o t o s / a l u a p _ s e r a v a t /4 6 3 1 4 4 8 5 6 1 / i n / s e t -72157600900763131.23 Paula Tavares, em declaraçõessobre a peça (2005, nãopaginada): <http://www.flickr.com/photos /a luap_seravat / se ts /72157624118474104/>.24 Actualmente, ainda em 2011,também nos movimentos associa-tivos, o ecofeminismo e os direitosdos animais permanecem à parteda agenda.25 Instalação realizada posterior-mente à ocupação militar ilegalno Iraque (2003), sob o alegadoenvolvimento de Saddam Husseinnos atentados terroristas do 11 desetembro, ou da sua ameaça àsegurança nacional dos EUA comarmas de destruição maciça.Imagens presentes em: <http://carlacruz.net/2004/project/blood-4-oil-estorias-do-etroleo#/0>.26 A anomia é fomentada naprópria formação artística superior,mas é sobretudo institucionalizadapelo mercado e circuito artístico.27 Projecto Clarissa, de IsabelCarvalho, em: <http://ww.clarissa-net.blogspot.com/>.

28 Este projeto de Catarina Carneirode Sousa está documen-tado em:<http://www.vermelhovivo.net/blog/page_id=54>.

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sexuais/genitais/reprodutores e aquilo que seria o seuequivalente afectivo/psicológico/intelectual. […] Oconceito de reprodução torna-se símbolo de uma rela-ção afectiva/política e não um objetivo em si mesmo.29

Sobretudo a partir da segunda metade do século XX,a formação das identidades masculina e feminina tem estadointimamente associada a práticas de consumo, que conse-quentemente têm sido fundamentais na classificação dessesbinómios de género, assim como no seu posicionamento emdeterminada ordem social. A reprodução dos sistemas devalores integrados em objectos e serviços dá-se através daconcepção de representações autogratificantes, “hiperse-dutoras” (como a publicidade, cinema, televisão, etc.),transmissoras de estímulos de felicidade, status, que incitema estilos de vida, mas não necessariamente a condutas éticas.Exemplos ilustrativos são os anúncios publicitários de cervejaportuguesa que apresentam enredos em que os homenssurgem na cena principal a desempenharem determinadasacções de conversação, a liderarem os discursos e osacontecimentos versus mulheres que são renegadas aosilêncio, que surgem objetificadas sexualmente, em tarefas epapéis secundários, cujos corpos são dispostos de forma aagradarem ao olhar masculino.

A mercantilização das identidades, ainda conferidorade assimetrias, é contestada subtilmente na obra Not For Sale,de Ana Cardim,30 que resulta da

[...] análise do choque entre a crise económica que ésentida globalmente e a crise crescente de valoresque a acompanha». A artista refere ainda que «estesistema não dá a devida importância às necessidadesdo indivíduo, porque o indivíduo se vê obrigado aintegrar esse mesmo sistema materialista para garantirsua sobrevivência num cenário de olhares inúteis,levando ao sofrimento e sentimento de desespero […].31

No feminismo artístico português, também são tratadastemáticas alusivas à distribuição de papéis na esferadoméstica. No sistema cultural português, ainda se preconizampráticas enraizadas nas representações da “fada da casa”e, presentemente, encarregam-se às mulheres (neste mesmoperíodo em que o mercado laboral conta com a sua massivapresença) com a função de cumprirem, em regime deexclusividade, com as tarefas domésticas. Embora as novasgerações sintam aspirações profissionais mais elevadas, nãodeixam de aderir aos modelos tradicionais implicados nacondição de suportarem as tarefas domésticas, em modo dadupla jornada. Assim o assinala Isabel Baraona,32 querepresenta a casa como um “duplo do corpo” da mulher,como

29 Catarina Carneiro de SOUSA:Projeto de 1998/03, em: <http://www.vermelhovivo.net/blog>.

30 O projeto de Ana Cardim podeser visto em: <http://anacardim.com/work.php?w=42>.

31 Declarações Ana Cardim, 2009:< h t t p : / / n a c a r d i m . c o m /work.php?w=42>.

32 O trabalho da artista estádisponível em: <http://ww.isabelbaraona.com>.

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[...] um arquétipo associado ao mundo feminino, simulta-neamente o espaço materno acolhedor e o espaçode domesticação (castração). A casa é um territóriofísico bem delimitado, gerido por afectos e segundouma ordem por nós implantada: é o corpo que nosprotege e abriga, seja uma casa, tenda, cabana, cas-telo, ovo ou casca ou útero […]. É um qualquer espaçointensamente vivido na usura do quotidiano, modeladopelas relações contingentes entre pessoas e objectos.A casa é o palco do primeiro amor e do primeiro drama,é, por excelência, o local iniciático que nos instrui sobrea sobrevivência e nos atira para o mundo.

Também sexualidades e representações alusivas àtransexualidade, transgénero, lesbianismo, homossexuali-dade, alternativas ao binómio sexual masculino/feminino, têmsido objecto de análise nas artes em Portugal, potenciandolugar a debates em torno desse tipo de questões em váriasesferas da vida artística (espaços públicos, contexto acadé-mico, espaços privados, em rede, etc.).

Carla Cruz realizou a peça Homoludens/Homofóbico(2007),33 uma instalação luminosa enquadrável no espaçopúblico, cujas formas remetem para as festas populares. Opainel contém desenhos de néon de um homem e de umamulher que acendem alternadamente, assim como as pala-vras Homoludens e Homofóbico, respetivamente. A transforma-ção de homem em mulher e vice-versa transgride, por umlado, com a heteronomia relacionada com a indumentária.Por outro lado, promove o reconhecimento descomplexadoda homossexualidade e irrompe com a monopolização daheterosexualidade também presente na cultura popular, nosmassmedia, assim como na publicidade integrada nos espa-ços públicos.

Homens artistas portugueses também têm cumpridoum papel importante no feminismo e no combate à discrimina-ção com base no género. Têm vindo a afirmar novas identida-des, assim como dando consistência à desconstrução deatitudes e representações discriminatórias em relação àdiferença. Na obra Self Potrait with a Bear, Miguel Bonnevile34

transveste-se e autorrepresenta-se como noiva de um urso. Éum trabalho que, de acordo com o autor, contém uma “[...]carga simbólica muito pessoal [...]”. Ao autorrepresentar-secomo noiva, Bonneville aniquila a heteronormatividade docasamento e valida, no âmbito representacional, os casa-mentos que acolham uniões de identidades transgéneras.

A autobiografia do autor, exposta nessa e noutrasobras, resulta do seu percurso de vida, do seu sistema devalores em contraste com as suas experiências pessoaisexternas. Tal como o próprio autor indica: “E o meu trabalho –a minha vida – é precisamente […] sobre as possibilidades

33 Esta instalação de Carla Cruz estádisponível em: <http://carlacruz.net/2007/project/portugues-homoludenshomofobico?lang=pt#/0>.

34 Alguns autorretratos de MiguelBonneville encontram-se em:<ht tp: / /www.bastudio.com/uggestions.php?id=20>.

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que temos e que nos são interditas por regras sociais, porregras que acabam por se tornar invisíveis e opressoras.”35

Um outro artista que aborda questões de género, sobum ponto de vista mais crítico, é Filipe Canha. Num dos seusprojetos, aborda o transgendering e intitula-o de Gisberta.É um projeto que serve, por um lado, para relembrar o casode assassinato de uma imigrante brasileira, prostituta,transexual, que foi perseguida em várias ocasiões cominsultos e agressões até um dia ser assassinada (a 14 defevereiro de 2006) por 14 adolescentes, a maior parte delesprovenientes de uma instituição de acolhimento ligada àIgreja Católica.36 Tornou-se num caso conhecido tambémpela forma de divulgação por parte dos media portuguesesque “[...] falavam do assassinato de ‘um travesti’, boa partedestes referiu apenas a condição de ‘sem-abrigo’ ou deprostituta, ‘toxicodependente’, de Gisberta, referida tambémpor parte da imprensa como Gisberto, o seu nome legal.”37

O projeto Gisberta, de Filipe Canha,38 precedido deinvestigação sobre transgénero, não relembra apenas o ódioe a violência que ocorre em relação a transgéneros, comoatinge o degrau da transexualidade através da (simulada)mudança cirúrgica de sexo na performance realizada peloautor. Normas comportamentais fundadas na cultura heteros-sexual e mesmo em concepções científicas39 são assim coloca-das em causa através deste projecto apologético da diversi-dade, mas também crítico em relação a práticas sociais discri-minatórias enraizadas, inclusivamente nas novas gerações.

A produção artística feminista e o feminismo politica-mente orientado em movimentos, assim como outros movimen-tos de esquerda, começaram a ter progressivas colaboraçõesapenas a partir do novo milénio que, até então, haveriamsido praticamente nulas. As/os recentes artistas feministas queoperam no campo artístico e activistas que trabalham com aestética mostram sinais de um trabalho cada vez maisengajado com investigações empreendidas nas áreas degénero, mas também com referências do movimento feminista.

Mas também sucede o procedimento inverso.Associações, como a UMAR, vêm também utilizando aestética ao serviço dos feminismos, procurando tirarvantagens das suas potencialidades aos juntarem esforçosentre diferentes gerações que têm diferentes capitais deexperiências em distintas arenas. Note-se o caso deMudanças com Arte (de 2010), um projecto de intervençãosocial que envolveu 20 turmas de oito escolas, um total de390 alunos (183 rapazes e 207 raparigas) dos sétimo, oitavoe nono anos, e ainda 26 docentes, 90 famílias eencarregados de educação.40 As temáticas abordadaspelos/as estudantes foram alusivas aos direitos das mulheres,violência doméstica, violência no namoro, desigualdades

39 Relembre-se como exemplo oAmerican Diagnostic StatisticalMental Health Manual (DSM), queconsidera o transgénero como umderivado de sintomas disfóricos.

35 Declarações de MiguelBonneville, 15 de gosto e 2011(por e-mail).

36 Cf. Portugal Gay, Pedido de Ação– Gisberta assassinada no Porto:http://portugalgay.pt/politica/portugalgay71b.asp>.

37 Ver: <http://portugalgay.pt/politica/portugalgay71b.asp>.38 Este projeto de Filipe Canha estádocumentado em: <http://contemporaryperformance.org/photo/gisberta-transgendering-6>.

40 Cf. <http://www.umarfeminismos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=207&ltemid=38>.

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de género, bullying, homofobia, entre outras. Após a trocade experiências entre as/os estudantes e os/as técnicas/os eapós algumas reflexões sobre alguns dos mecanismos discri-minatórios presentes nas relações de género e nas repre-sentações da cultura contemporânea, foi proposto às/aosalunas/os que executassem os trabalhos práticos. As/osestudantes envolvidas/os, com a devida orientação, utiliza-ram a poesia, o cinema, a música, a pintura e o teatro comomédiuns que reflectiram as competências apreendidasdurante o seu processo de aprendizagem.

Numa apreciação generalista de todas as representa-ções dos/as alunos/as, contemplou-se uma predominânciade atitudes de censura contra a violência física e simbólica econtra a descriminação no âmbito dos mais diversos tipos derelações interpessoais entre os sexos. Procuraram, por outrolado, representar práticas sociais mais inclusivas, dando umacarga positiva a atitudes e comportamentos mais justospreconizadores da igualdade, da aceitação da diferença edo respeito ao/à próximo/a.

Influenciadas do legado das gerações anteriores,mas também devido às especializações empreendidas emestudos de género em universidades portuguesas eestrangeiras, as novas gerações de feministas (algumas dasquais não são formadas em artes plásticas) empreendeminovadoras formas de promover os feminismos através daarte e da estética. Algumas delas, associadas à UMAR,começam a organizar as primeiras exposições exclusivasde arte feminista, como o FeministizARTE,41 o primeiro festivaltemático a ter lugar em Portugal.

Organizado pela UMAR Núcleo de Braga, esse festivalfuncionou, na sua primeira edição de 2008, como concursoque incitou exclusivamente à participação de arte feminista,conseguindo reunir diversas obras de artistas do contextonacional em espaços como o Museu Regional deArqueologia Dom Diogo de Sousa, o Museu Nogueira daSilva, a Torre de Menagem e o Auditório Adelina Caravanado Conservatório de Música Calouste Gulbenkian em Braga.

Preconizando a arte como “[...] instrumento privilegiadode activismo, sensibilização e intervenção social [...]”, propor-cionadora de “[...] reflexão e promoção da mudança [...]”,42

jovens investigadoras feministas (Ana Forte, Lucinda Saldanhae Rita Machado) empreenderam um evento de arte feministano Porto cujas/os artistas participaram por convite em exposiçõesque tiveram lugar na cidade do Porto (Rota do Chá, Labirinto eCadeira de Van Gogh).

Um outro grupo, que surgiu em 2009, voltado estrita-mente para o activismo feminista, e que tem mantido umaconstância de intervenções nos mais variados âmbitos emconsonância com a UMAR, tem sido o Grupo de Activismo e

41 Ver: <http://feministizarte.wordpress.com/>.

42 Ver: <http://demulherparamulher.redejovensigualdade.org.pt/?p=532>.

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Transformação pela Arte (GATA). Uma das razões da criaçãodo GATA consistiu na organização de “[...] parcerias e cola-borações com outras instituições e organizações que parti-lhem os mesmos objectivos ou valores – tais como a UMAR,uma reconhecida ONG [...]”; também tem a ver com a possibi-lidade de estas oferecerem “[...] uma existente infraestruturae audiência.”43

Cada vez mais voltado para a transformação social,esse coletivo tem abordado questões de género sob umponto de vista feminista, através da ação criativa e de “[...]estratégias de guerrilha arte e ironia/paródia comocomentário social crítico [...]”. 44

GATA é um grupo pelo activismo que cruza fronteiras(de género, de disciplinas, etc.) e por vezes tambémusamos o campo artístico, embora não seja ondeapontamos ter o nosso maior impacto (queremosfazê-lo de forma mais ampla na arena cultural epolítica, e o uso da arte é uma forma de o fazer).45

As acções do GATA exercem essencialmente funçõesconotativas; procuram actuar sobre os/as receptores/as demodo a modificarem condutas e comportamentospenalizantes para as mulheres. Uma das suas acções,articuladas com a UMAR, consistiu na Rota dos Feminismos,no ano de 2011, dedicado ao assédio sexual no espaçopúblico e no trabalho. Essa foi uma ação realizada atravésde performances que percorreram várias cidadesportuguesas (Faro, Beja, Setúbal, Lisboa, Viseu, Coimbra,Porto) e que visou à “[...] legislação desadequada e ainexistência de respostas sociais necessárias às vítimas [...]”.Procurou actuar preventivamente, procurando sensibilizar asociedade civil para o assédio sexual, prática aindaenraizada na sociedade portuguesa. Por outro lado, adenúncia deste problema intencionou levá-lo para aagenda política de forma a “[...] conduzir à mudança dalegislação [...]”,46 mediante a criação de leis mais punitivaspara esse tipo de violência, assim como a “[...] criação deinstrumentos de apoio às vítimas.”47

Um outro grupo, o Coletivo Feminista,48 de Lisboa, quepretende acessibilizar os feminismos fazendo uso sobretudodo espaço público, designa-se como “[...] um grupo informalde mulheres e homens que desejam contribuir para trazer ofeminismo para as ruas, para os pensamentos, para asconversas de café, de recreio ou de escritório, para a vidaquotidiana [...]”.49

Surgido em 2006, está completamente desconectadodo campo artístico e tem vindo a empreender ações ligadasa várias questões relacionadas com a despenalização doaborto, a homofobia, a violência de género, o casamento

45 Declarações por e-mail de umadas membros, Deidré DeniseMatthee, a 20 de setembro de2011.

43 Declarações por e-mail deDeidré Denise Matthee, a 20 desetembro de 2011.

44 Ver website do GATA: <http://g4t4.wordpress.com/about/>.

46 Ver: Rota dos Feminismos contrao Assédio Sexual, da UMAR: http://sites.google.com/site/rotadosfeminismos/home_pt/tudo-sobre.47 Ver: Rota dos Feminismos contrao Assédio Sexual, da UMAR: <http:/ / s i t e s . g o o g l e . c o m / s i t e /rotadosfeminismos/home_pt/tudo-sobre>.48 Informações sobre o ColetivoFeminista em: <http://www.colectivofeminista.blogspot.pt/>.49 Cf. website do ColectivoFeminista: http://colectivofeminista.blogspot.com/2006/04/o-que-o-colectivo-feminista.html>.

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civil homossexual, etc., inclusivamente a promoção da práti-ca feminista nos homens.

Condições de produção dos feminismosCondições de produção dos feminismosCondições de produção dos feminismosCondições de produção dos feminismosCondições de produção dos feminismosararararartísticos em Ptísticos em Ptísticos em Ptísticos em Ptísticos em Pororororortugaltugaltugaltugaltugal

Inquirir instituições culturais e averiguar a representati-vidade de artistas, por género, pode ser um válido indicadorsobre se a igualdade de género é, ou não, uma realidadealcançada no campo artístico. A internet revelou ser um vali-oso recurso que permitiu aferir a representatividade de ho-mens e mulheres artistas em algumas das principais institui-ções artísticas nacionais (Museu de Serralves; 17 galeriasda cidade do Porto; Plataforma Anamnese; concurso BESRevelação; e Bienal de Cerveira e Coleção da FundaçãoIlídio Pinto).

Pretendeu-se compreender se a formação artística é,ou não, um dos critérios fundamentais para a consagraçãoe visibilidade de artistas. Para tal efeito, recorreu-se ao Insti-tuto Nacional de Estatística e recolheram-se dados relativosà diplomação e/ou frequência universitária nos anos lectivosde 1997/1998, 2004/2005 e 2007/2008. Para substanciar olevantamento desses dados, em particular sobre as condi-ções do feminismo artístico em Portugal, foram recolhidosdepoimentos de artistas e de outros agentes que actuamdentro e à margem do campo artístico.

Campo artístico, um campo integrado naCampo artístico, um campo integrado naCampo artístico, um campo integrado naCampo artístico, um campo integrado naCampo artístico, um campo integrado nasociedade e integrante de assimetrias desociedade e integrante de assimetrias desociedade e integrante de assimetrias desociedade e integrante de assimetrias desociedade e integrante de assimetrias degénerogénerogénerogénerogénero

Há regras e mecanismos que estruturam o campoartístico que, nas práticas de legitimação e consagraçãode uma carreira, demonstram ser semelhantes a outros cam-pos do mercado laboral, assim como na ocupação de pos-tos de poder. Na arena política (em 2011), com o recente-mente governo eleito, o Partido Social Democrata, num totalde 230 deputados/as na Assembleia da República, apenas60 são mulheres;50 dados que significam uma baixademocratização da distribuição de poderes entre homense mulheres na arena política em Portugal.51

Num artigo publicado por Eugénio Rosa, As desi-gualdades entre homens e mulheres não estão a diminuirem Portugal, cujos indicadores são retirados do InstitutoNacional de Estatística (INE), subjaz a referência de que asmulheres portuguesas apresentam mais índices educativos,mas que, no entanto, são as mais afectadas pelo desem-prego. No ano de 2007, 42,8% da população empregadacom o ensino básico eram mulheres; 49,4% da população

50 Ver: website da Assembleia daRepública de Portugal: <http://www.parlamento.pt/DeputadoGP/Paginas/Deputados.aspx>.51 Poder-se-ia, contudo, interrogarse a paridade entre deputados edeputadas no parlamento origi-naria maior igualdade de génerona sociedade portuguesa, umavez que os aparelhos partidáriosestruturam discursos dominantes,perpetuadores de preconceitosde género, que muitas deputadasreproduzem mesmo sendo aves-sos aos seus próprios interesses.

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com o ensino secundário eram mulheres; e a populaçãocom ensino superior indicava 58,8% de mulheres.52

No ensino superior, são as mulheres que apresentammaiores índices de aquisição de diplomas e de frequênciauniversitária. No ano lectivo 2005/2006, das/os 71.828 diplo-madas/os, 65,4% eram mulheres. No ano lectivo 2006/2007,das/os 366.729 alunas/os inscritas/os no ensino superior, 54%eram mulheres, o que mostra que as mulheres apresentamuma taxa de finalização de cursos superior à dos homens.

A Tabela 1 atesta uma alta feminização dos cursossuperiores, com exceção de engenharias, transportes, arqui-tectura e construção, áreas que permanecem altamente mas-culinizadas. Em cursos superiores, como Ciências da Educa-ção, 82,4% que frequentaram o ano lectivo de 2006/2007 e84,8% de diplomadas/os em 2005/06 eram mulheres; emHumanidades, 63,2% que frequentaram o ano lectivo de2006/2007 e 71,6% de diplomadas/os em 2005/06 erammulheres; em Ciências sociais e do comportamento, 63,2%que frequentaram o ano lectivo de 2006/2007 e 61,9% dediplomadas/os em 2005/06 eram mulheres; em Informação eJornalismo, 68,3% que frequentaram o ano lectivo de 2006/2007 e 75,8% de diplomadas/os em 2005/06 eram mulheres.53

Nos cursos de Artes, num total de 17.850 alunas/osmatriculadas/os no ano lectivo de 2006/2007, 9.934 (55,7%)eram mulheres. Em 3.593 alunas/os diplomadas/os no anolectivo de 2005/2006, 2.158 (60,1%) eram mulheres.

Um estudo coordenado pelo The Marketing School(IPAM) junto de 63 PMEs revela que o género é um dos entraves(juntamente com a etnia e a deficiência) para a aquisiçãode emprego.54 O estudo revela que, da percentagem de59% dos/as trabalhadores/as das 63 empresas, 41% sãomulheres. Em relação aos salários, o salário médio doshomens ronda os 849 euros e o das mulheres ronda 721euros. Nessas mesmas empresas, 78% dos cargos de chefiasão ocupados por homens e 22% por mulheres.55

De acordo com o Livro Branco das Relações Laborais,as desigualdades aumentam com a idade e a escolaridade:até aos 24 anos, as remunerações dos homens são, em média,superiores às das mulheres em 9%; entre 25-34 anos, em 16%;entre 35-44 anos, superiores em 32%; entre 45-54 anos, em42%; e, entre 56-64 anos, as remunerações dos homens são,em média, superiores às das mulheres em 47%.56 Também asmulheres são mais atingidas pelo desemprego, e essasestatísticas intensificaram-se nos últimos anos. Em 2004, 53,1%das/os desempregadas/os eram mulheres; e, em 2007, apercentagem de mulheres subiu para 56,1%. A percentagemde 58,3% relativa ao desemprego de pessoas com o ensinosecundário pertencera às mulheres; por fim, 70,3% demulheres com o ensino superior ficaram no desemprego.

52 Cf.: Eugénio Rosa, 2008.

54 Quais são os entraves aoemprego em Portugal? Agênciainanceira, 20 fev. 2011.

53 Eugénio Rosa, 2008.

55 Quais são os entraves aoemprego em Portugal? AgênciaFinanceira, 20 fev. 2011.

56 Cf.: Rosa, Eugénio, 4 de marçode 2008.

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CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS FEMINISMOS ARTÍSTICOS EM PORTUGAL

Portanto, quanto mais alto é o nível de escolaridade, maior éa proporção de mulheres desempregadas.57 Dados relativosao subsídio de desemprego revelam que, em 2007, os homensrecebiam um montante superior ao das mulheres (431 Eurospara 340 Euros), assim como o subsídio social superior (216Euros para 214 Euros).58

No contexto português, quanto mais elevado é o nívelde escolaridade, maior é a percentagem de mulheres, emparticular no ensino superior, quer no número de alunas,quer no número de diplomadas. Assim, no ano lectivo 2005/2006, das/os 71.828 diplomadas/os desse ano, 65,4% erammulheres. No ano lectivo de 2006/2007, das/os 366.729estudantes inscritas/os no ensino superior, 54% erammulheres, o que mostra que a taxa de finalização de cursospor parte mulheres é superior à dos homens. De acordo como INE, as mulheres, apesar de terem uma escolaridade maiselevada, continuam a não ser maioritárias nas profissõesque exigem maiores qualificações: o desemprego continuaa atingir mais as mulheres do que homens diplomadas/os.

Representatividade de género no ensinoRepresentatividade de género no ensinoRepresentatividade de género no ensinoRepresentatividade de género no ensinoRepresentatividade de género no ensinoe campo artístico portuguêse campo artístico portuguêse campo artístico portuguêse campo artístico portuguêse campo artístico português

57 Cf.: Rosa, Eugénio, 4 de marçode 2008.

58 Cf.: Rosa, Eugénio, 4 de marçode 2008.

Anos Lectivos 1997/1998 2004/2005 2007/2008Homens 1.711 (42%) 6.525 (43%) 7.916 (44%)Mulheres 2.384 (58%) 8.465 (57%) 9.934 (56%)Total 4.095 14.990 17.850

Fonte: INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA, 2010.

TABELA 2: Número de alunas/os matriculados no ensino superior artístico (Licenciatura) nosanos de 1997/1998; 2004/2005; 2007/2008 em Portugal

Nos cursos superiores artísticos em Portugal, temhavido, há mais de uma década, uma predominância demulheres – assim o confirma o INE. No ano lectivo de 1997/98, num total de 4.095 estudantes matriculadas/os, 1.711eram homens e 2.384 eram mulheres; no ano lectivo de 2004/05, num total de 14.990 estudantes matriculadas/os, 8.465eram mulheres e 6.525 eram homens; no ano lectivo de 2007/08, em 17.850 estudantes matriculados, 9.934 eram mulherese 7.916 eram homens.

Os dados do INE revelam que a assimetria entre diplo-mados e diplomadas em cursos artísticos em Portugal temsido quantativamente favorável às mulheres. Contudo, é umaassimetria que não corresponde, em proporção, à sua repre-sentatividade/legitimação em instituições artísticas portu-guesas.

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Um dos critérios de escolha para análise das institui-ções artísticas portuguesas, as quais fornecem dados on-lineconcernentes à representatividade entre artistas e curadoras/es por género, consiste na condição de elas representaremprodução artística contemporânea actual, portanto, passívelde contemplar jovens artistas emergentes, mas também outros/as já com alguma cotação no circuito artístico.

A Anamnese foi a primeira plataforma portuguesa deinformação e divulgação on-line a estar acessível, cujosdados armazenados (entre 1993 e 2003) divulgam a atividadede artistas portugueses/as emergentes que circulam noprincipal circuito artístico nacional e estrangeiro. Possibilitaaceder aos dados biográficos e a portfolios artísticos e permitemensurar representatividade autoral, por género. É uma plata-forma que assinala a crescente profissionalização de jovensartistas portuguesas/es emergentes, através da sua formaçãoartística especializada, sobretudo em universidades, mastambém promove, consagra e fornece pistas sobre os seuspercursos no circuito artístico nacional e estrangeiro. Deacordo com a recolha de dados levantados, a Anamnesefornece um registo de 417 artistas associados/as, dos/as quais263 (63%) são homens e 154 (37%) são mulheres.59

A fundação da Bienal de Cerveira fornecera, on-line,dados relativos a artistas participantes premiadas/os das res-pectivas mostras e possibilitou auferir sua representatividade,por género. Essa fundação acolhe como propósito a promo-ção de arte contemporânea nacional e internacional atravésda organização de bienais de arte cujos/as artistas expõempor concurso e/ou por convite. No que diz respeito à premiaçãode artistas homens e mulheres, os indicadores da Bienal apon-tam que foram premiados/as (de 1980 a 2008) 101 artistas,dos quais 70 (69%) são homens e 31 (31%) são mulheres.60

O próximo levantamento de dados foi realizado nacidade do Porto, em 17 galerias de arte contemporânea, amaior parte delas situada na Rua Miguel Bombarda (asdemais espalhadas por outras localidades da cidade), todascom um peso significativo na cena artística portuguesa einternacional. Essa rua é conhecida pela sua concentraçãode galerias de arte que inauguram exposições em simultâneonos primeiros sábados de cada mês, atraindo muitos públicos,artistas, coleccionadores e apreciadores. No mês de setembrode 2010, as galerias mencionadas nas tabelas 5, 6, 7apresentavam um total de 494 artistas associados/as, 377(76%) homens e 117 (24%) mulheres.

Todas as galerias, sem excepção, representam maishomens que mulheres. Algumas delas apresentam taxas muitobaixas de representatividade de mulheres, tais como a Qua-drado Azul, Fernando Santos e Cordeiros, que representam,cada uma delas, apenas 10% de artistas mulheres. A galeriaVera Lúcia e a Interatrium têm associadas 13% e 14% de mu-

60 Dados levantados em abril de2008: <http://www.bienaldecerveira.pt/portal/page/portal/fbac/fundacaobienaldecerveira>.

59 Dados levantados em abril de2008: <http://www.anamnese.pt/?projecto=az>>>>>.

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CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DOS FEMINISMOS ARTÍSTICOS EM PORTUGAL

lheres, respectivamente. A galeria que representa a taxa maiselevada de mulheres é a Alvarez, com 43% de artistas mu-lheres, contudo, em menor percentagem que os homens (57%).

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61 Dados retirados em setembrode 2010, nos respectivos websitesdas galerias.

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O website da fundação de Serralves dispõe de umacervo de todos/as os/as artistas que expuseram no museu,assim como dos/as comissários/as envolvidos/as. Foi feitauma recolha de representatividade de ambos os agentesartísticos (artistas e comissários/as) de 1º de setembro de1999 a 24 de setembro de 2010. No que diz respeito àprodução artística que esteve patente nas sucessivasexposições (de 1º de setembro 1999 a dezembro de 2010)em Serralves, dos/as 296 artistas participantes, apenas 54(18%) são mulheres. No que respeita ao comissariado, muitasvezes com agentes artísticos reincidentes (ou seja quecomissariaram várias vezes), num total de 207, apenas 39(19%) são comissárias; 168 (81%) são homens.62

O concurso BES Revelação, cujos dados on-lineatinentes à representatividade de artistas e comissariadopor género foram levantados desde a primeira edição em2005 até a de 2010, trata-se de um concurso que visaincentivar a produção e a criação artística de jovensportugueses, tendo por base uma lógica de divulgação,lançamento e apoio a todos os que recorram ao mediumfotografia. Os dados relativos a esse concurso revelam umabaixa presença de mulheres, de sete (33%), num total de 21jovens artistas que tiveram a oportunidade de mostrar o seutrabalho. No comissariado do BES Revelação, num total de19 agentes 13 (69%) são homens e seis (31%) são mulheres.63

Finalmente, a Fundação Ilídio Pinto dispõe de umacolecção de obras criadas a partir de 2000, essencialmentede artistas portugueses/as das novas gerações, e certifica abaixa representatividade de obras realizadas por mulheres.Num total de 85 artistas portugueses/as representados/as,74 (69%) são homens e 26 (31%) são mulheres.64

Os indicadores de todas estas recolhas (na PlataformaAnamnese; na Bienal Internacional de Cerveira; em 17 gale-rias da cidade do Porto; no Museu de Serralves; e no concursoBESrevelação), relativas à representatividade de artistas pre-miadas/os e de comissários/as no contexto artístico português,revelam uma mesma contradição, também apanágio emoutras áreas de trabalho: as mulheres artistas portuguesasapresentam índices mais elevados de qualificações, masuma muito baixa presença nos espaços artísticos consagran-tes. O campo artístico em Portugal assume-se como mais umaarena profissional que premeia mais os homens e assegura adesigualdade de oportunidades.

Obstáculos para o feminismo artísticoObstáculos para o feminismo artísticoObstáculos para o feminismo artísticoObstáculos para o feminismo artísticoObstáculos para o feminismo artísticofundados em discriminações de génerofundados em discriminações de génerofundados em discriminações de génerofundados em discriminações de génerofundados em discriminações de génerohistoricamente consolidadashistoricamente consolidadashistoricamente consolidadashistoricamente consolidadashistoricamente consolidadas

Se se procurar apurar critérios de selecção/consagra-ção de obras de arte, muito dificilmente se apreenderá uma

62 Dados levantados em abril de2008: <http://www.serralves.pt/calendario/index.php?accao=pesquisa&tipo_evento=1&tipo=passadas>.

63 Dados levantados em abril de2010: <http://www.bes.pt/sitebes/cms.aspx?plg=63b23525-20b2-406c-b31d-1dad49c06307>.

64 Dados disponíveis na FundaçãoIlídio Pinto: <http://www.fundacaoip.pt/coleccao/pt/a/>.

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cartilha igual para dois galeristas ou comissários. Muitas vezes,os critérios nem são verbalizados e, quando são, podem apre-sentar-se em registos tautológicos; por exemplo, quando umagalerista refere que expõe na sua galeria “[...] obras de algunsartistas estrangeiros que tenham um trabalho interessante [...]”;ou em forma de comentários não fundamentados, tal comoquando ela refere que “[…] normalmente o trabalho [artístico]tem de me dizer alguma coisa: se não gostar do trabalho nãoexponho.”65

Devido à elevada competitividade e consequentesaturação da produção artística, poderá existir um consensonos agentes consagrantes sobre que, no circuito artístico, devahaver uma demanda pela originalidade relativamente às/aos criadoras/es que atuam ou que pretendam entrar no cir-cuito. Porém, a originalidade ou a capacidade de criar sur-presa não consistem em façanhas exclusivas aos homens ar-tistas. Sobrepõe-se antes a crença, ou a adesão dóxica –disposições-chave que fundamentam a valorização/especu-lação da obra de arte e que têm vindo a consubstanciar aolongo da história, com o reforço da história e da crítica daarte, o mito do “homem-génio” ou da “obra-mestra”, queinvariavelmente tem autoria masculina. Um dos outros critérios,adotados por galeristas, consiste na necessidade em atraíremartistas com maior cotação no mercado ou “[...] de preferênciaconhecidos [...]”,66 como mencionou a galerista ManuelaHobler, da galeria Art Hobler.

A ausência das mulheres nas academias de belasartes, ainda apanágio na segunda metade do século XX,pode ser explicada pela existência de sistemas societais patri-arcais que sujeitavam as mulheres à esfera privada, que asencarregavam com tarefas domésticas juntamente com asda procriação, negando-lhes possibilidades de aceder àesfera política e à educação – o que limitara de forma deter-minante a possibilidade de elas promoverem os seus própriosinteresses. Esta conjuntura poderá explicar, em parte, a pre-sença muito ténue de mulheres, do não surgimento de “génias”no campo artístico ao longo da história da arte. Contudo, aslutas das feministas portuguesas pelos direitos laborais aolongo do século XX e no início do século XXI originaram con-quistas e mudanças consequentes em que se pode reco-nhecer a existência de mais igualdade em várias áreas profis-sionais, mesmo no campo artístico, mas, no que respeita àformação artística especializada, constata-se que esta nãoconsiste num critério de consagração no campo da arte, vistoque actualmente as mulheres apresentam mais índices deformação, mas que, no entanto, têm uma visibilidade nitida-mente menorizada.

Também as posições legitimadoras e consagrantespermanecem altamente masculinizadas, desde logo pelos

66 Manuela Hobler, 1º de marçode 2008.

65 Declarações de ManuelaHobler, galerista da Art Hobler, 1ºde março de 2008: <http://b o m b a r t e . b l o g s . s a p o . p t /3510.html>.

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agentes que detêm a capacidade de injectar capital eco-nómico no mercado artístico: à semelhança do que se passanos países ocidentais, coleccionadores e investidores sãomaioritariamente homens, a maior parte com cargos empre-sariais.67 Adicionalmente, são essencialmente homens outrosagentes responsáveis pela curadoria e comissariado, peladirecção de museus, galerias, centros e fundações culturais.68

Mesmo nas mais prestigiadas academias de arte emPortugal, continuam a ocorrer discursos e práticas discrimina-tórias em relação a mulheres artistas que se profissionalizam:

Eu senti obstáculos na universidade pelo simples factode ser mulher! Enquanto estudante de licenciatura,nos anos 90, era normal que as notas mais altasfossem dadas muito mais frequentemente a rapazesdo que a raparigas, pelo simples facto que os seusprojectos eram levados muito mais a sério que osnossos. Perante o meu trabalho e o de um colegarapaz, feitos com processos semelhantes, umprofessor dizia-me ‘aconteceu-lhe isto aqui,aconteceu-lhe aquilo ali’ enquanto ao meu colegadizia ‘decidiu fazer isto, decidiu fazer aquilo, lembro-me de ter ficado completamente estupefacta, masnessa altura ainda não trabalhava com género [...].69

Volvida mais de uma década desde que CatarinaCarneiro de Sousa terminou o seu curso em Artes Plásticas, asua experiência testemunha a existência de preconceitosdentro da sua universidade em relação ao feminismo artístico:

Quando fiz o meu Mestrado em Estudos Artísticos,especialização em Teoria e Crítica da Arte […] tambémfoi bastante habitual ser advertida que as leiturasfeministas implicavam uma visão redutora das obrase mesmo prescritiva, disseram-me isso uma vez, quea crítica feminista (em geral) era uma crítica prescritiva[…]. Lembro-me de até colegas artistas, da nossageração, nos dizerem que o feminismo era uma‘aberração’ e de acharem, por ignorância, que erauma espécie de machismo invertido [...].70

Confirma a segregação da produção artísticafeminista em galerias:

Também me aconteceu uma vez numa galeriadizerem-me que não me podiam expor porque o meutrabalho era ‘demasiado feminista’ […]. Ser atacadapor ser feminista é uma coisa diária! É como andarcom um alvo ao peito. Todos os dias alguém tem umapiada para dizer ou uma provocação para fazer...71

Também homens artistas, tal como Miguel Bonneville,que realizam trabalhos evocadores de questões de génerosob uma perspectiva feminista, sentem dificuldades:

67 O comendador Joe Berardo, umbilionário português, é dono da“Berardo Collection”, no MuseuColecção Berardo - uma dasmaiores coleções de arte modernae contemporânea do mundo.68 De realçar alguns dos nomesmais sonantes que ocupam posi-ções dominantes na cena artísticaportuguesa: Alexandre Melo,crítico e curador; Pedro Lapa,curador e diretor de Museu; JoãoFernandes, diretor de Museu;Miguel Amado, curador e crítico;Paulo Reis, curador e crítico;Bernardo Pinto de Almeida,comissário e curador; Delfim Sardo,curador; Miguel Von Hafe Péres,crítico, curador e comissário; JoãoPinharanda, crítico e comissário;Luís Serpa, comissário; NunoCrespo, comissário; Jürgen Bock,comissário; Nuno Grande,comissário; Isabel Carlos, crítica ecuradora; Ricardo Nicolau,curador, etc.69 Catarina Carneiro de Sousa,declarações a 27 de julho de2011.

70Catarina Carneiro de Sousa,declarações a 27 de julho de2011.

71 Catarina Carneiro de Sousa,declarações a 27 de julho de2011.

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Sei que o meu trabalho é considerado quase como‘marginal’ (aqui em Portugal) devido ao seu conteúdoe às suas diversas formas. O meio artístico é muitopequeno; há grupos, lobbies, tendências, modas, quelevam a que me ponham de parte e a que eu meponha de parte. […] Performance, identidade,autobiografia, são todos caminhos difíceis emPortugal. Há um medo imenso de falar sobre sipróprio, um medo de exposição, um medo deconflito. […] Cada vez mais sinto dificuldade emapresentar performances porque são consideradas‘difíceis’ para o ‘tipo de público’ dos festivais. Bolsase residências também são difíceis de obter quandonão se faz um tipo de trabalho que não se encaixa nopanorama geral.72

Considerações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações Finais

Mulheres artistas e artistas que tratem de questões degénero, ao estarem demasiadamente imersas/os nas dificul-dades num sistema artístico dominado pelos homens, a sualuta passará pela necessidade, intrínseca ao campo, emproduzir arte sob um rol de referências maioritariamente mas-culinas, sem deixarem de ombrear com homens num sistemade regras de valorização artística determinadas por eles.

A corrente escassez de estudos (catálogos, monogra-fias, etc.) que aglomerem o trabalho de mulheres artistas emPortugal é um outro indicador da falta de interesse por partede galeristas, coleccionadores/as, críticos/as, historiadores/as e editores/as. Este consiste em mais um sinal da perpetua-ção de práticas discriminatórias que atesta a baixa consa-gração de mulheres artistas. Tal como sucedeu no passado,o sistema de consagração de artistas no presente transformar-se-á na história da arte do futuro: as referências artísticas e as/os “artistas geniais” continuarão ainda por surgir, para as ge-rações vindouras, essencialmente no masculino.

A história da arte moderna e contemporânea em Portu-gal ainda se evidencia como uma história dos homens artis-tas; assim o certifica a escassa consagração de mulheres, aspoucas que conseguem ultrapassar as barreiras (invisíveis)de género rumo ao circuito artístico. A marginalização dasmulheres em instâncias artísticas assegura a continuidadeda primazia de homens nas posições de poder, assim comose continua a discriminar representações artísticas de génerocontra-hegemónicas.

Tal como desvendam os dados recolhidos, apesar deas mulheres artistas em Portugal estudarem e terem maiscompetências, continuam a ter uma baixa solicitação porparte dos críticos, museus e galerias. A marginalização demulheres artistas e dos feminismos artísticos (ou discursos de

72Declarações de Miguel Bonneville,via e-mail, em 15 de agosto de2011.

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género contra-hegemónicos) deriva da dominância de ho-mens nas posições de poder e de consequentes cartilhasque controlam e orientam critérios discriminatórios, nem sem-pre verbalizados. Face às restrições do mundo artístico, algu-mas mulheres artistas e artistas feministas têm-se organizadocolectivamente pela procura de criar e/ou recorrer a espaçosalternativos como forma de acessibilizar as suas produções.Ainda que por intenção não declarada, esses espaços alter-nativos são também encarados como rampas para o lança-mento de carreiras artísticas que implicam a demanda de vi-sibilidade. Contudo, alguns desses espaços não deixam deestar afastados do mercado principal, portanto dos agentesconsagrantes, o que acentua a necessidade de artistas pre-tenderem comercializar as suas obras. Adicionalmente, algunsdesses espaços não comerciais (com excepção dos espaçospúblicos) têm uma escassa adesão de públicos, o quetambém dificulta a disseminação de feminismos através daarte/estética.

No início deste novo milénio, o feminismo artístico eestético em Portugal vivem um tempo áureo no que diz respeitoà mobilização das artistas e activistas. O crescente interessepor parte de artistas e activistas contribui para que haja umacada vez maior quantidade e diversidade de produção,assim como uma crescente autonomia, apesar de condiciona-lismos de legitimação institucional. Ao contrário do que acon-tece em alguns países onde o feminismo artístico está maisdesenvolto, Portugal ainda carece de críticas/os e historiadoresque edifiquem uma história da arte feminista portuguesa, deartigos e livros que aclarem as distintas contribuições artísticasfeministas, que façam luz sobre a forma mais conteúdo nasua dimensão simbólica, que reflictam as reivindicações eproblemáticas de género sem deixar de as remeter para osfeminismos. Contudo, as posições e os gostos necessitariamse diversificar. Se, nas posições dominantes do mercadoartístico português, não existir um apologismo em relação aosfeminismos artísticos, o que implica a existência de agentesculturais (críticos, galeristas, coleccionadores, etc.) receptivosà causa, muito dificilmente artistas feministas portuguesas,que se encontram na periferia mercantil, entrarão no circuitoartístico principal.

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[Recebido em 24 de março de 2012,reapresentado em 16 de março de 2013

e aceito para publicação em 18 de abril de 2013]

Production Conditions of Artistic Feminisms in PortugalProduction Conditions of Artistic Feminisms in PortugalProduction Conditions of Artistic Feminisms in PortugalProduction Conditions of Artistic Feminisms in PortugalProduction Conditions of Artistic Feminisms in PortugalAbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: The first section of this article focuses on feminist art produced in Portugal. Most of thereferences concerning artists, activists and groups were surveyed and accessed online, a workprocess that combined the consultation and requests for statements of the artists about theirartworks. The second section aims to measure the production conditions of feminist art in Portugal.This was achieved mainly through the online data collection relating to representation of menand women artists in some of the main artistic institutions. Additionally, were articulated somewitnesses of artistic agents to document some of the obstacles present in the Portuguese artworld imposed on women artists, as well feminist artists.Key WordsKey WordsKey WordsKey WordsKey Words: Production; Conditions; Artistic; Feminisms; Portugal.