Instrumentos Jurídicos par a Implantação do ... · Nilton José Rodrigues Revisão Célio...

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  • ISBN 9788571038271

    Apoio:

  • Instrumentos jurdIcos para a Implementao do desenvolvImento sustentvel (vol. II)

    legal Instruments for the ImplementatIon of sustaInable development (vol. II)

  • Gro ChancelerDom Washington Cruz, Cp

    ReitorProf. Wolmir Therezio Amado

    Editora da PUC Gois

    Pr-Reitora da Prope e Presidente do Conselho EditorialProfa. Dra. Sandra de Faria

    Coordenadora Geral da Editora da PUC GoisProfa. Nair Maria Di Oliveira

    Conselho EditorialAidenor Aires Pereira - Presidente do Instituto Histrico e Geogrf ico do Estado de Gois

    Edival Loureno - Unio Brasileira de EscritoresGetlio Targino - Presidente da Academia Goiana de Letras

    Helosa Helena de Campos Borges - Presidente da Academia Feminina de LetrasProfa. Helosa Selma Fernandes Capel - Universidade Federal de Gois

    Profa. Dra. Maria do Esprito Santo Rosa Cavalcante - Pontifcia Universidade Catlica de GoisProfa. Dra. Mrcia de Alencar Santana - Pontifcia Universidade Catlica de Gois

    Maria Lusa Ribeiro - Presidente da Academia Goianiense de LetrasProfa. Nair Maria Di Oliveira - Pontifcia Universidade Catlica de Gois

    Profa. Dra. Regina Lcia de Arajo - PesquisadoraProf. Ms. Roberto Malheiros - Pontifcia Universidade Catlica de Gois

  • Goinia, 2012

    michel prieur;jos antnio tietzmann e silva

    (orgs.)

    Instrumentos jurdIcos para a Implementao do desenvolvImento sustentvel (vol. II)

    legal Instruments for the ImplementatIon of sustaInable development (vol. II)

  • I59 Instrumentos jurdicos para a implantao do desenvolvimento sustentvel/Organizado-res, Michel Prieur, Jose Antnio Tietzmann e Silva. Goinia: Ed. da PUC Gois, 2012.

    628 p.: 16x22 cm

    ISBN 978-85-7103-827-1 Artigos publicados em vrios idiomas, sobre temas negociados na Rio + 20. Inclui

    bibliografia.

    1. Desenvolvimento sustentvel. 2. Direito ambiental. I. Prieur, Michel (org.). II. Silva, Jos Antnio Tietzmann e (org.). III. Ttulo.

    CDU: 502.131.1

    by Michel Prieur;Jos Antnio Tietzmann e Silva

    (Organizadores)

    Editora da PUC GoisRua Colnia, Qd. 240C, Lt. 26-29, Chcara C2, Jardim Novo Mundo

    CEP. 74.713-200 - Goinia - Gois - BrasilSecretaria e Fax (62) 3946-1814, Revistas (62) 3946-1815Coordenao (62) 3946-1816, Livraria (62) 3946-1080

    www.pucgoias.edu.br/editora

    Comisso Tcnica

    Biblioteca Central da PUC GoisNormalizao

    Nilton Jos RodriguesReviso

    Clio Otaclio da Silva Editorao Eletrnica

    Flix PduaArte Final de Capa

    Laerte Arajo PereiraCapa

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, armazenada em um sistema de recuperao ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio,

    eletrnico, mecnico, fotocpia, microf ilmagem, gravao ou outro, sem escrita permisso do editor. Direitos de publicao reservados a: Michel Prieur;

    Jos Antnio Tietzmann e Silva (Organizadores). Sanes previstas na Lei n. 5.988, de 14.12.1973, artigos 122-130.

    Impresso no Brasil

  • sumrio

    Prefcio 9Apresentao 15

    PArte 1: Sobre o PrincPio de Proibio de retroceSSo em mAtriA AmbientAl

    michel prieur: o princpio de no regresso em direitoambiental existe. eu o encontrei 19traduzido do francs por Jos Antnio tietzmann e Silva

    Isabel de los ros: el Principio de irreversibilidad en el derecho Ambiental Venezolano 47

    PArte 2: ASPectoS inStitucionAiS AcercA dA Proteo internAcionAl do meio Ambiente: que AVAnoS Podem-Se eSPerAr?

    jos antnio tietzmann e silva e dimas pereira duarte jnior: environnement, droits de lHomme et gouvernance globale: dun besoin leffectivit 61

    alexandra cuenin: la transformation du conseil economiqueet Social: vers une revalorisation du pilier environnemental et une participation accrue des ong 111

  • 6 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    deme baba hamady: necessits et Finalit de la cration dune ome 125

    sandra cureau: Por que uma organizao mundial de meio Ambiente? 135

    PArte 3: o PlAneJAmento e A AVAliAo eStrAtgicoS, o ordenAmento territoriAl e A mitigAo doS imPActoS AmbientAiS

    julien prieur: lemergence de dispositifs Stratgiques et Programmatoires : lexemple des Stratgies nationales de dveloppement durable (Sndd) 147

    jos heder benatti e luly rodrigues da cunha fischer: land tenure regularization and environmental regulation enforcement in the State of Par, brazil 169

    mrcia dieguez leuzinger: efetividade da conservao de Hbitats naturais: criao, implementao e gesto de unidades de conservao 185

    andressa de oliveira lanchotti: Pela Avaliao de impacto Ambiental dos tratados internacionais de meio Ambiente 203

    nadia christinet: l'valuation environnementale: une convention mondiale 221

    PArte 4: dAnoS, cAtStroFeS e reFugiAdoS AmbientAiSantoni pigrau sol: Sur la responsabilit des Socits transnationales pour graves dommages environnementaux 231

    jean jacques poumo leumbe: catastrophes et urgences environnementales en Situation de Post conflit en Afrique 251

    valeria berros: les catastrophes et les urgences environnementales en Amrique latine 265

    sandra akemi shimada Kishi: desenvolvimento Sustentvel e desenvolvimento dos Povos e das comunidades tradicionais no contexto das catstrofes Ambientais 275

  • Sumrio 7

    lee Kwangyoun: les deplacs environnementaux et le Principe Pollueur-Payeur 297

    PArte 4: dAnoS, cAtStroFeS e reFugiAdoS AmbientAiSpaulo mrcio cruz e Zenildo bodnar: o novo Paradigma do direito na Ps-modernidade 305

    gabriel real ferrer: Sostenibilidad, transnacionalidad y trasformaciones del derecho 323

    jacqueline morand-deviller: les biens Publics communs 349

    ricardo stanziola vieira: A construo do direito Ambiental e da Sustentabilidade: reflexes a partir da conjuntura da conferncia das naes unidas sobre desenvolvimentoSustentvel (rio + 20) 355

    PArte 6: exPlorAo e geSto SuStentVel de FloreStASluciane martins de arajo e elida sguin: o Princpio do cuidador recebedor 391

    eckard rehbinder: illegal logging: cooperation or conflict between Producer and consumer countries? 421

    jean-marie breton: ethnodeveloppement, dveloppement durable et Justice environnementale la gestion touristique des ressources Patrimoniales des communauts traditionnelles et Autochtones Amazoniennes (le cas de la guyane franaise) 437

    gladys de los santos gmez e omar marcelino sa: Situao Jurdica e Ambiental da Floresta nativa na Argentina: do global ao local 459

    PArte 7: A Proteo internAcionAl dAS guAS e do meio mArinHo

    gilberto dvila rufino: Perspectives de la gestion intgredes Zones ctires en Amrique latine 469

  • 8 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    jos juste-ruiz: conservation and Sustainable use of marine biodiversity beyond Areas of national Jurisdiction 491

    mara e. giunta: les Problmes environnementaux dus aux exploitations Ptrolires dans les territoires en conflit: pour une rglementation internationale de lexploitationptrolire off-shore 515

    ryan b. stoa: Harmonizing international Water law: current challenges and future prospects 533

    PArte 8: gerAo de energiA e mudAnAS climticASvictor b. flatt: climate change Adaptation law and Sustainable energy 551

    christophe Krolik: la transition Vers des energies de Paix 555

    PArte 9: SAde, AlimentAo e JuStiA AmbientAllaurent vassallo: le developpement durable en etablissement de Soins ou lintegration des droits de lhomme en Sante 575

    mohamed ali mekouar: droit a lalimentation et economie Verte 579

    mrcio ricardo staffen e Zenildo bodnar: A tutela Judicial-Participativa do Ambiente: o lugar dos Juizados especiais 595

    declarao sobre os engajamentos Ps-rio+20 613dclaration sur les engagements post rio+20 617Statement on Post rio+20 commitments 621declaracin sobre los compromisos Post rio+20 625

  • uma imensa honra apresentar o livro Instrumentos Jurdicos para a Implementao do Desenvolvimento Sustentvel (vol. II) contendo um acervo importante de reflexes sobre a Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Sustentvel, denominada Rio + 20, realizada no Rio de Janeiro (RJ), Brasil, em 2012.

    O Centre International de Droit Compar de lEnvironnement CIDCE/Limoges organizou, juntamente com a FGV Fundao Getlio Vargas/Rio de Janeiro e o Environmental Law Institute/Washington, o Encontro mundial de juristas de meio ambiente para a Rio + 20, que ocorreu no Jardim Botnico Rio de Janeiro , de 15 a 17 de junho de 2012.

    O CIDCE tem sede na cidade de Limoges (Frana), instalado no CRIDEAU Centre de Recherches Interdisciplinaires em Droit de lEnvironnement, de l Amnagementet de lUrbanisme, e foi institudo em 1982. O professor Michel Prieur presidente do Centro desde sua fundao e tem-se devotado intensamente para a organizao do evento mencionado.

    Participaram do Encontro Mundial de Juristas do Meio Am-biente para a Rio + 20 mais de oitenta juristas, de diferentes nacio-nalidades, abordando, com plena liberdade de opinio a maioria dos temas que estavam na Agenda da Conferncia das Naes Unidas e que constituem o cerne das preocupaes e pesquisas de muitos cen-

    prefcIo

  • 10 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    tros acadmicos e instituies privadas e pblicas ambientais. Muitos dos temas tratados no encontro mundial referido esto presentes nes-te livro.

    Coordenam esta publicao Jos Antnio Tietzmann e Silva e Michel Prieur. Tietzmann e Silva fez seu curso de mestrado e doutora-do na Universidade de Limoges. Teve publicada sua tese de doutorado, Le Droit et les tablissements Humains Durables, em 2011, e leciona na Pontifcia Universidade Catlica de Gois.

    Passo a tratar, em sntese, de trs momentos da histria do direi-to internacional ambiental: a Declarao Rio de Janeiro/1992, a De-clarao Joahannesburg/2002 e a Declarao Rio de Janeiro/2012.

    A Declarao Rio de Janeiro/1992, mais conhecida como Rio/92, foi um evento de transcendente significado, e representou um marco evolutivo em relao primeira e forte Conferncia das Naes Unidas, em Estocolmo Sucia, em 1972. Para se chegar aos 27 prin-cpios que compem a Declarao Rio/92, muitos encontros prepara-trios foram realizados, inclusive em Siena Itlia/1990, em que fiz parte da Delegao do Governo brasileiro.

    Durante a realizao da conferncia que foi organizada pelo CIDCE, pela Sociedade Brasileira de Direito Ambiental e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil , os juristas reuniram-se, por vrios dias, em uma das tendas armadas na Praia do Flamengo. Merece transcrio a afirmao do notvel e saudoso professor Alexandre-Charles Kiss, em seu pioneiro livro Droit International de lEnvironnement: os princpios formulados no Rio tambm irrigaram todo o direito convencional do meio ambiente, tanto os tratados universais como setoriais ou transversas e contriburam para formao das regras costumeiras de direito.1

    Dez anos aps, a Organizao das Naes Unidas convocou uma Conferncia Internacional sobre Desenvolvimento Sustentvel, em Joannesburg frica do Sul. Ao dirigir-se aos participantes dessa conferncia, disse Koffi Annan Secretrio-Geral da ONU:

    a presente Cpula est voltada para um elemento chave do programa: a interdependncia dos humanos e de seu meio am-biente natural. Cessemos de ficar na defensiva econmica e ar-

    1 KISS. Alexandre-Charles; BEURIER, Jean-Pierre. Droit International de lEnvironnement. 3. ed. Paris: ditions A. Pedone, paragraphe 54, p. 44, 2004. (Minha traduo).

  • PreFcio 11

    memo-nos de coragem poltica. Olhemos diretamente para uma verdade desconcertante: o modo de desenvolvimento ao qual estamos habituados deu lucro a alguns, mas espoliou a maioria.2

    Uma das ideias motrizes da Conferncia de Joannesburg/2002 foi a promoo de parcerias sociais. Consta da Declarao Final que

    o desenvolvimento sustentvel supe uma perspectiva de longo prazo e uma larga participao para a elaborao de polticas para tomada de decises e execuo em todos os nveis. Como parceiros sociais, ns continuaremos a encorajar o surgimento de parcerias es-tveis que agreguem os principais grupos interessados, respeitando a independncia de cada deles, pois cada um tem um papel importante a desempenhar3

    Nas conferncias da ONU de 2012, como de 2002, no se con-seguiu finalizar nenhuma conveno, instrumento importante no Di-reito Internacional, por conter regras obrigatrias, que, normalmente, cria um sistema de controle de sua efetividade. Foram formuladas de-claraes, que, mesmo no tendo carter obrigatrio, acabam por ser incorporadas como regras costumeiras.

    A Declarao da Conferncia Internacional das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Sustentvel Rio + 20 proclama o respeito Natureza, dizendo:

    ns reconhecemos que a Terra e seu ecossistema constituem nossa casa, e a expresso Me Terra usada em numerosos pases e regies, e notamos que certos pases reconhecem os direitos da natureza no quadro da promoo do desenvolvimento sustentvel. Estamos convencidos de que para chegarmos a um justo equilbrio entre as necessidades econmicas, sociais e ambientais das geraes atuais e futuras, necessrio promover a harmonia com a natureza.4

    2 http://www.francophonie.org/IMG/pdf/Johannesburg.pdf. Acesso em 2 nov. 2012. (Minha traduo).

    3 Dclaration politique. Dclaration de Johannesburg sur le dveloppement du-rable. Rapport du Sommet mondial sur le dveloppement durable. Nations Unies. Johannesburg, (Afrique du Sud), 26 aot 4 septembre 2002. A/CONF. 199/20. (paragraphe 26). http://bd.stp.gov.ml/padelia/pdf/johannesburg.pdf. Acesso em: 2 nov. 2012. (Minha traduo).

    4 Lavenir que Nous Voulons. Confrence des Nations Unies sur le dveloppement durable Rio + 20. Nations Unies, A/Conf./A 216/L.1. pargraphe 39. (Minha traduo).

  • 12 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    Os denominados direitos da natureza no existem isolados e nem significam imobilizao das atividades humanas. Convm lembrar o axioma:

    Sic uteretuo alienum non laedas (usa o que teu no preju-dicando os outros). Essa mxima leva-nos a usar o que nosso sem complexo de culpa e, pelo contrrio, com um sentido de adequao prpria capacidade e fim da coisa utilizada. Mas, ao mesmo tempo, que se incita ao uso, coloca-se a utilizao no quadro da relao social, vedando-se o prejuzo a outrem.5

    Na amplitude da Declarao Rio + 20, com seus 283 pargrafos, quero colocar em relevo a abordagem sobre a participao e a informa-o. Ns insistimos em que o desenvolvimento sustentvel deva be-neficiar a todos, assegurando a participao de todos, compreendendo tambm os jovens e as crianas.6 Insistimos que uma larga partici-pao do pblico, o acesso informao e aos procedimentos judiciais e administrativos so indispensveis promoo do desenvolvimento sustentvel.7

    Estamos conscientes do papel desempenhado pela sociedade civil e da importncia de propiciar a participao ativa de todos os membros da sociedade civil no desenvolvimento sustentvel. Reconhecemos que a melhora da participao da sociedade civil depende, dentre outros fatores, da ampliao do acesso informao, do fortalecimento das ca-pacidades da sociedade civil e da criao de um ambiente favorvel. Re-conhecemos, ainda, que a tecnologia da informao e da comunicao facilitar o fluxo de informao entre os governos e a populao. Neste sentido, indispensvel melhorar o acesso tecnologia da informao e das comunicaes, especialmente as redes e servios de banda larga, e preencher o fosso digital, reconhecendo a contribuio da cooperao internacional sobre esse aspecto,8

    5 MACHADO, Paulo A. L. Direito dos Cursos de gua Internacionais. So Paulo: Malheiros, 2009. p. 249.

    6 Lavenir que nousvoulons. Confrence des Nations Unies sur le dveloppement durable Rio + 20.Op. cit. paragraphe 31. (Minha traduo).

    7 The future we want. United Nations Conference of sustainable development. Rio + 20. United Nations, A/Conf./A 216/L.1. 43. (Minha traduo).

    8 O Futuro que Queremos. Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Desarrollo Sostenible. Naciones Unidas, A/Conf./A 216/L.1. Rio de Janeiro (Brasil), 20 a 22 de junio de 2012. (Minha traduo).

  • PreFcio 13

    Acredito que o livro que vem a lume servir para impulsionar mentes e comportamentos para um posicionamento cvico de cobrana da transformao da poltica internacional ambiental. Os acontecimen-tos fsicos mundiais furaces, terremotos, inundaes e secas no desmentem as conclamaes por um engajamento efetivo dos pases e das Naes Unidas.

    Termino trazendo uma manifestao de Michel Prieur:A amplitude do direito internacional do meio ambiente atesta

    a vontade coletiva dos governos e dos povos de agir intensamente para preservar o Planeta das degradaes brutais ou lentas, acidentais e/ou difusas, globais ou locais. preciso, ainda, que os tratados sejam apli-cados e que as recomendaes inspirem as polticas nacionais.9

    Piracicaba, 3 de novembro de 2012.

    Paulo Affonso Leme MachadoVice-Presidente do Centre International de Droit Compar de

    lEnvironnement CIDCE.Professor na Faculdade de Direito da Uni-versidade Metodista de Piracicaba UNIMEP. Mestre em Direito Ambiental Universidade de Strasbourg (Frana). Doutor Honoris Causa UNESP e Doutor em Direito PUC So Paulo (SP). Prmio Internacional de Direito Ambiental Elizabeth Haub (1985). Pro-fessor Convidado na Universidade de Limoges/Frana (1986-2003). Promotor de Justia (aposentado). Autor do livro Direito Ambiental Brasileiro (20. ed.).

    9 PRIEUR, Michel. Prface. In: PRIEUR, M.; DOUMBE-BILLE, S. (Dir.). Re-cueil Francophone des Traits et Textes Internationaux en Droit de L Environnement. Bruxelles: Bruylant, 1998. (Minha traduo).

  • Desde a sua criao, o programa de mestrado em Direito, Rela-es Internacionais e Desenvolvimento (MDRID) da PUC Gois tem-se envolvido diretamente com questes atinentes ao cenrio das relaes internacionais, entre as quais se destaca a temtica ambiental, que constitui uma das suas linhas de pesquisa. Por isso, foi natural e esperada a participao do programa na recente Conferncia da ONU sobre desenvolvimento sustentvel, a Rio+20.

    Essa participao mobilizou diversos docentes, entre os quais me incluo, assim como os professores Dimas Pereira Duarte Jnior, Lucia-ne Martins de Arajo e a coordenadora do programa, professora Geisa Cunha Franco. Esse grupo no se limitou a marcar presena no Rio, em junho de 2012, mas iniciou suas atividades bem antes, ao tomar parte nos diversos eventos preparatrios a esse encontro, auspiciados pelo Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE) e pelo Programa em Direito e Meio Ambiente (PDMA), da Faculdade de Direito da Fundao Getlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.

    Essas atividades prvias consistiram em trs momentos, em que se reuniram juristas de meio ambiente. Um, foi realizado na Frana, em Limoges, em setembro de 2011, e os outros dois no Brasil, no Rio de Janeiro: em junho desse mesmo ano, e, finalmente, pouco antes da Conferncia, em junho de 2012, no Jardim Botnico. Cada um desses momentos foi rico no apenas por propiciar debates e exposio de

    apresentao

  • 16 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    trabalhos, mas tambm por dar oportunidade para a apresentao de propostas. Ali ns, os juristas do meio ambiente, pudemos externar ao mundo nossas sugestes e envi-las ao Secretariado-Geral da ONU, por meio do CIDCE, organizao no governamental fundada e presi-dida pelo infatigvel jurista ambiental francs Michel Prieur, que conta com o ilustre professor brasileiro Paulo Affonso Leme Machado na Vice-Presidncia.

    Pois bem, se no presente momento apresento ao caro leitor esta obra, que sintetiza elementos apresentados por ocasio da Reunio Mundial de Juristas do Meio Ambiente de junho de 2012, pela per-sistncia e pelo amor causa jurdico-ambiental de Michel Prieur e Paulo Affonso Leme Machado. So eles verdadeiros cones do cenrio global do Direito do Ambiente, que tm contribudo para a concreti-zao de normas internacionais no Brasil, na Frana e em outros pases, bem como para a implementao e a melhoria da proteo jurdica do ambiente. Ainda hoje ambos do a sua efetiva contribuio para a causa, auspiciando o evento realizado no Jardim Botnico do Rio de Janeiro, em junho deste ano de 2012.

    Esse evento parte de um processo que contou com diversos parceiros, entre os quais a PUC Gois, que, com muita honra, se agre-gou, contribuindo com a participao de professores do seu programa de ps-graduao, e com a edio desta obra, que o segundo volume de Instrumentos Jurdicos para a Implementao do Desenvolvimento Sustentvel. O primeiro volume foi publicado no Rio de Janeiro, pela FGV Direito Rio e pelo PDMA, em junho de 2012.

    Diante disso, com vistas justamente a dar continuidade ao pri-meiro volume, que abriga parte das contribuies dos participantes no mencionado evento, optamos por manter no s o mesmo ttulo, mas tambm formatao e estruturao similares s dessa obra. Por isso, os diferentes captulos que compem o presente livro se dividem por temas, que so pertinentes tanto ao cenrio internacional quanto ao ce-nrio interno local no de mero reflexo dos compromissos assumidos internacionalmente, mas determinante para a sua consecuo.

    A obra abarca nove grandes temas: o princpio de proibio de retrocesso em matria ambiental; os avanos institucionais na proteo internacional do meio ambiente; o planejamento e a avaliao estrat-gicos, o ordenamento territorial e a mitigao dos impactos ambien-tais; os danos, as catstrofes e os refugiados ambientais; aspectos so-bre o Direito e o desenvolvimento sustentvel; a explorao e a gesto

  • APreSentAo 17

    sustentvel de florestas; a proteo internacional das guas e do meio marinho; a gerao de energia e as mudanas climticas; sade, alimen-tao e justia ambiental.

    Esses temas so abordados por 39 autores, que figuram entre os mais destacados pesquisadores do Direito Ambiental em seus respec-tivos pases e no cenrio internacional, trazendo, por sua experincia e pela participao, ao processo preparatrio da Conferncia onusiana e prpria Rio + 20, uma viso a mais atual possvel sobre cada um dos temas em pauta.

    Ao finalizar esta breve apresentao, no poderia deixar de men-cionar a importncia da colaborao e agradecer sem, infelizmente, poder citar todos os que deveriam aqui figurar a algumas das pessoas e entidades que permitiram que cada um dos eventos preparatrios Conferncia se realizasse, a comear pelo seu idealizador, o professor Michel Prieur, o pessoal da FGV Direito Rio e do PDMA, em espe-cial os professores Carina Costa de Oliveira e Rmulo Silveira da Ro-cha Sampaio, assim como Eleanor Mitch e Stphanie Bartkowiak, que muito trabalharam pelo CIDCE. imprescindvel, igualmente, subli-nhar o apoio incondicional dado pela PUC Gois edio desta obra e participao de seus professores em todo o processo, assim como o apoio da Fundao de Apoio Pesquisa do Estado de Gois (FAPEG).

    Enfim, resta ainda fazer um agradecimento especial ao professor Paulo Affonso Leme Machado que, com sua grandeza, enriquece com um belssimo prefcio a presente obra.

    Constatando-se que o princpio de proibio do retrocesso em matria ambiental tema de trabalho e das propostas enviadas a partir das reunies preparatrias Conferncia Rio + 20 organizadas pelo CIDCE f igura no documento final da Conferncia onusiana, espera-se que esta obra possa inspirar os novos pesquisadores e os confirmados juristas de meio ambiente na busca de um futuro melhor para a Humanidade.

    Goinia, novembro de 2012

    Jos Antnio Tietzmann e SilvaAdvogado e consultor em Direito Ambiental. Professor do Mestrado

    em Direito, Relaes Internacionais e Desenvolvimento da PUC-Gois. Pesquisador associado ao CRIDEAU-OMIJ.

  • parte 1

    sobre o prIncpIo de proIbIo de retrocesso em matrIa

    ambIental

    o prIncpIo de no regresso em dIreIto ambIental eXIste. eu o encontreI

    michel Prieur*traduzido do francs por Jos Antnio tietzmann e Silva**

    Introduo

    Em nome da soberania dos parlamentos, o tempo do Direito recusa a ideia de um direito adquirido sobre as leis: o que uma lei pode fazer outra lei pode desfazer. No estaria a, na seara ambiental, uma porta aberta ao retrocesso do direito, capaz de prejudicar as geraes presentes e futuras?

    O ambiente uma poltica-valor que, por seu peso, traduz uma busca incessante de um melhor ser, humano e animal, em nome do

    * Professor Emrito da Universit de Limoges (UNILIM Frana), Diretor Ho-norfico da Facult de Droit et des Sciences Economiques da UNILIM (Fran-a), Presidente do Centre International de Droit Compar de lEnvironnement (CIDCE Frana), Membro da Comisso de Direito Ambiental da International Union for Conservation of Nature (UICN).

    ** Advogado e consultor em Direito Ambiental em Goinia (Jnathas Silva e Advogados Associados Brasil), Professor do Mestrado em Direito, Relaes Internacionais e Desenvolvimento da PUC Gois (Brasil).

  • 20 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    progresso permanente da sociedade. Assim, em sendo as polticas am-bientais o reflexo da busca de um melhor viver, de um respeito natu-reza, elas deveriam vedar todo tipo de regresso.

    O objetivo principal do Direito Ambiental contribuir para a di-minuio da poluio e preservao da diversidade biolgica. Contudo, no momento em que o Direito Ambiental consagrado por um grande nmero de constituies como um novo direito humano, ele parado-xalmente ameaado em sua essncia. Em vista disso, no deveria o Direi-to Ambiental entrar na categoria das regras jurdicas eternas, irreversveis e, assim, no revogveis, em nome do interesse comum da humanidade?

    No atual momento, so vrias as ameaas que podem ensejar o recuo do Direito Ambiental: (a) ameaas polticas: a vontade dema-ggica de simplificar o Direito leva desregulamentao e, mesmo, deslegislao em matria ambiental, visto o nmero crescente de normas jurdicas ambientais, tanto no plano internacional quanto no plano nacional; (b) ameaas econmicas: a crise econmica mundial favorece os discursos que reclamam menos obrigaes jurdicas no mbito do meio ambiente; dentre eles, alguns consideram que essas obrigaes seriam um freio ao desenvolvimento e luta contra a po-breza; (c) ameaas psicolgicas: a amplitude das normas em matria ambiental constitui um conjunto complexo, dificilmente acessvel aos no especialistas, o que favorece o discurso em favor de uma reduo das obrigaes do Direito Ambiental.

    As formas de regresso so diversas: (a) excepcionais em Direi-to Internacional Ambiental,1 elas so difusas no Direito Comunitrio, por ocasio da reviso de certas diretivas; b) nas normas de Direito Ambiental interno, entretanto, h, em vrios pases, uma crescente re-gresso, que , nas mais das vezes, insidiosa: ela se d por modifica-es aportadas s regras procedimentais, reduzindo a amplitude dos direitos informao e participao do pblico, sob o argumento de aliviar os procedimentos; ela ocorre, igualmente, pelas derrogaes ou modificaes das regras de Direito Ambiental, reduzindo ou transfor-mando em inoperantes as regras em vigor.

    Em face dessas ameaas de regresso, os juristas ambientais de-vem reagir de maneira dura, com fundamento em argumentos jurdi-

    1 A primeira regresso formal em direito internacional consiste na denncia do Pro-tocolo de Kyoto pelo Canad, por ocasio da 17 COP (Conferncia das Partes) Conveno sobre as mudanas climticas, realizada em Durban em dezembro de 2011. Existe uma ao, na justia canadense, em desfavor do Estado, a esse propsito.

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 21

    cos inquestionveis. A opinio pblica, uma vez alertada, no admitiria retrocessos na proteo ambiental, visto que isso implica ameaa pr-pria sade humana.

    Um grupo de juristas especialistas no tema foi criado em agos-to de 2010 no seio da Comisso de Direito Ambiental da Unio In-ternacional para a Conservao da Natureza (UICN). Seu objetivo compartilhar, na esfera universal, as experincias e os argumentos jur-dicos capazes de frear as ameaas de retrocesso do Direito Ambiental (PRIEUR e SOZZO, 2012).

    Para descrever esse risco de no retrocesso, a terminologia utilizada pela doutrina ainda hesitante. Em certos pases, fala-se num princpio de stand still (imobilidade). o caso da Blgica (HA-CHEZ, 2008). Na Frana, utiliza-se o conceito de efeito cliquet (tra-va), ou regra do cliquet anti-retour (trava anti-retorno). Os autores falam, ainda, da intangibilidade de certos direitos fundamentais (DE FROUVILLE, 2004). O no retrocesso est assimilado, igual-mente, teoria dos direitos adquiridos, quando esta ltima pode ser atacada pela regresso. Evoca-se tambm a irreversibilidade, notadamente em matria de direitos humanos.2 Enfim, utiliza-se a ideia de clusula de status quo.3 Em ingls, encontramos a expres-so eternity clause ou entrenched clause, em espanhol, prohibicin de regresividad o de retroceso, em portugus, proibio de retrocesso. Utilizaremos a frmula de princpio de no regresso, para mos-trar que no se trata de uma simples clusula, mas de um verdadeiro princpio geral do Direito Ambiental, na medida em que o que est em jogo a salvaguarda dos progressos obtidos para evitar ou limi-tar a deteriorao do meio ambiente.

    Tendo em vista sua forma genrica, o princpio de no regresso , alm de um princpio, a expresso de um dever de no regresso que se impe Administrao. Uma frmula positiva, como um princpio de progresso, no foi por ns escolhida por ser demasiado vaga e pelo fato de se aplicar, de fato, a toda norma enquanto instrumento que funcione a servio dos fins da sociedade. Ao nos servirmos da expresso no regresso, especificamente na seara do meio am-biente, entendemos que h distintos graus de proteo ambiental e

    2 Teoria de Konrad Hesse. 3 Expresso utilizada por S. R. Osmani, em relatrio para a Comisso dos Direitos

    humanos sobre as Polticas de Desenvolvimento no contexto da Globalizao, 7 de junho de 2004, E/CN.4/sub.2/2004/18.

  • 22 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    que os avanos da legislao consistem em garantir, progressivamen-te, uma proteo o mais elevada possvel, no interesse coletivo da humanidade.

    Na primeira edio de nosso Droit de lenvironnement, publi-cado pela Editora Dalloz em 1984, havamos chegado, de modo premonitrio, na concluso, seguinte pergunta: regresso ou pro-gresso do Direito Ambiental?. Constatvamos naquele momento apenas e to somente os retrocessos do Direito Ambiental j verifi-cados em certas reformas que se fizeram em nome da desregula-mentao (PRIEUR, 1987), sem que fossem propostos remdios a essa situao.

    Desde ento, tendo sido o meio ambiente consagrado como direito humano, podemos opor regresso do Direito Ambiental ar-gumentos jurdicos fortes, em nome da efetividade e da intangibili-dade dos direitos humanos. A 6a edio do Droit de lenvironnement, de 2011, referencia a regresso em vrios captulos e demonstra que a no regresso uma necessidade urgente, para salvaguardar o fu-turo do Direito Ambiental (PRIEUR, 2011).4 As publicaes fran-cesas mais recentes tm igualmente concedido espaos novos no regresso (VAN LANG, 2011; LAVIEILLE, 2011; NAIM-GES-BERT, 2011).

    Para promover a no regresso como um novo princpio funda-mental do Direito Ambiental, convm ter apoio numa argumentao jurdica que funda um novo princpio, que se agrega aos princpios j reconhecidos: preveno, precauo, poluidor-pagador e partici-pao do pblico. As bases dessa argumentao jurdica repousam sobre trs elementos: a prpria finalidade do Direito Ambiental, a necessidade de se afastar o princpio de mutabilidade do direito e a intangibilidade dos direitos humanos. Constataremos, ento, que, do direito internacional ao direito nacional, encontram-se j vrias ilustraes do princpio de no regresso, o que abarca, inclusive, a jurisprudncia. A Conferncia da Organizao das Naes Uni-das sobre o Desenvolvimento Sustentvel, tambm conhecida como Rio+20, foi a ocasio de suscitar, oficialmente, a discusso acerca da importncia da no regresso como condio para o desenvolvimen-to sustentvel.

    4 Recomendamos, nesse sentido, consultar, no ndice alfabtico da obra, o vocbu-lo rgression.

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 23

    1 os fundamentos tericos do princpio de no regresso

    1.1 O Carter Finalista do Direito Ambiental

    Desde as suas origens, na dcada de 1970, o objetivo do Direito Ambiental no era apenas regulamentar o meio ambiente, mas tam-bm contribuir para a reao contra a degradao ambiental e o esgo-tamento dos recursos naturais. O Direito Ambiental , por natureza, um direito engajado, que age na luta contra as poluies e a perdada biodiversidade. um direito que se define segundo um critrio finalis-ta, pois se dirige ao meio ambiente: implica uma obrigao de resulta-do, qual seja, a melhoria constante do estado do ambiente.

    o Direito Ambiental, tambm, a expresso poltica de uma tica ou de uma moral ambiental, segundo a expresso do presidente francs Georges Pompidou, em seu discurso de Chicago, de 28 de fevereiro de 1970. Todo retrocesso do Direito Ambiental seria, ento, imoral. Seria, tambm, ilegal ou inconstitucional?

    Verificaremos, desde logo, que os princpios clssicos do Direito Ambiental, como os que figuram na Declarao do Rio de Janeiro, de 1992, em vrios tratados internacionais e nas constituies ou leis nacionais, podem facilmente ser interpretados como suporte do no retrocesso.

    A preveno impede o recuo das protees; a sustentabilidade e as geraes futuras enviam perenidade e intangibilidade, para preservar os direitos de nossos descendentes ao gozo de um ambiente no degradado; a precauo permite que a irreversibilidade seja evitada, esta um exemplo claro de regresso definitiva; a participao e a infor-mao do pblico permitem a garantia de um nvel de proteo sufi-ciente, graas a um controle cidado permanente. Enfim, segundo Ost (1999), a manuteno de um nvel de proteo, ao menos equivalente quele a que j se chegou, no faz seno introduzir a posta em prti-ca pensada de um projeto de sociedade, inscrito na perenidade. Toda regra ambiental, a priori, tem por fim uma melhor proteo do meio ambiente. No se imagina que a lei nova tenha a finalidade de permitir maiores nveis de poluio ou a destruio da natureza. Entretanto, vrias so as normas sobre caa, em especial na Frana, que tm por objetivo reduzir os direitos da fauna silvestre, estendendo os perodos de caa ou sendo mais permissivas em relao s tcnicas utilizadas pelos caadores.

  • 24 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    O que est em jogo aqui a vontade de suprimir uma regra constituio, lei ou decreto ou de reduzir seus aportes em nome de interesses, claros ou dissimulados, tidos como superiores aos interesses ligados proteo ambiental. A mudana da regra que conduz a uma regresso constitui um atentado direto finalidade do texto inicial. O retrocesso em matria ambiental no imaginvel. No se pode considerar uma lei que, brutalmente, revogue normas antipoluio ou normas sobre a proteo da natureza; ou, ainda, que suprima, sem jus-tificativa, reas ambientalmente protegidas.

    de se notar, ainda, que a regresso do Direito Ambiental ser sempre insidiosa e discreta, para que passe despercebida. E, por isso, ela se torna ainda mais perigosa. Os retrocessos discretos ameaam todo o Direito Ambiental. Da a necessidade de se enunciar claramente um princpio de no regresso, o qual deve ser consagrado tanto na esfera internacional quanto na esfera nacional.

    1.2 A Necessidade de se Afastar o Princpio da Mutabilidade do Direito

    Segundo os princpios da teoria jurdica, no se poderia simples-mente revogar a teoria da mutabilidade do Direito sem que os funda-mentos do sistema democrtico fossem ameaados.

    Os autores clssicos consideram que o Direito deve se subme-ter, necessariamente, a uma regra de adaptao permanente, reflexo da evoluo das necessidades da sociedade. Toda regra jurdica deve ser passvel de modificao ou revogao a qualquer momento, pois no seria moralmente aceitvel que uma gerao de homens tenha o poder de vincular ou de sujeitar a posteridade, at o fim dos tem-pos, ou de decidir para sempre como o mundo deva ser organizado (Thomas Paine, Les droits de lhomme, 1792). nesse sentido que o Artigo 28 da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 24 de junho de 1793, proclamava na Frana que uma gerao no pode sujeitar as geraes futuras s suas leis. Este artigo nunca en-trou em vigor.

    O meio ambiente e o desenvolvimento sustentvel nos obrigam a pensar hoje de maneira diferente, afastando o princpio da muta-bilidade do Direito. Isso porque o meio ambiente, como os direitos humanos, constituem excees a essa regra. Nesse sentido, h de se considerar que, junto com o princpio de desenvolvimento sustentvel, no se pode esquecer dos direitos vida e sade das geraes futuras

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 25

    e, assim, h de se impedir que se tomem medidas que possam causar danos a elas.

    Reduzir ou revogar as regras de proteo ambiental teria como efeito impor s geraes futuras um ambiente mais degradado. Nesse sentido, o Artigo 28, acima mencionado, se interpretado literalmente e combinado com o princpio do desenvolvimento sustentvel, pode ser compreendido, no contexto ambiental atual, como favorvel ao princpio de no regresso, pois veda a submisso das geraes fu-turas a normas responsveis pelo recuo na proteo jurdica do meio ambiente.

    1.3 A Intangibilidade dos Direitos Humanos

    Segundo Rebecca J. Cook, o princpio de no regresso est implcito nas convenes sobre os direitos humanos. Na realidade, a no regresso dos direitos humanos mais que implcita: ela tica, prtica e quase judiciria. Nos termos da Declarao Universal dos Direitos do Homem, a finalidade desses direitos favorecer o pro-gresso social e instaurar melhores condies de vida (COOK, 1990, p. 683. Grifamos). Da, resultam para os Estados obrigaes positivas, em especial na seara ambiental. Assim, segundo a bela frmula de um autor, a no regresso uma obrigao negativa inerente a toda obri-gao positiva que decorre de um direito fundamental. Vrios textos internacionais de direitos humanos destacam o carter progressivo dos direitos econmicos, sociais e culturais, aos quais se vincula o direito humano ao ambiente. Deduz-se, pois, dessa progressividade uma obri-gao de no regresso, ou no regressiva.

    O Pacto Internacional relativo aos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de 1966 (PIDESC) visa ao progresso constante dos direi-tos ali protegidos; interpretado como proibio regresso. O Di-reito Ambiental, uma vez afirmando o direito humano ao ambiente, pode beneficiar-se dessa teoria do progresso constante, aplicada nota-damente em matria de direitos sociais. O Comit dos Direitos Econ-micos, Sociais e Culturais da ONU, em sua observao geral n. 3, de 14 de dezembro de 1990, estigmatiza toda medida deliberadamente regressiva. A observao geral n. 13, de 8 de dezembro de 1999, por sua vez, declara que o Pacto no autoriza nenhuma medida regressiva que diga respeito ao direito educao, tampouco aos demais direitos ali enumerados.

  • 26 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    A Conveno Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Ho-mem e das Liberdades Fundamentais, interpretada pela Corte Euro-peia de Direitos Humanos, incluiu o meio ambiente entre os direitos fundamentais que so protegidos indiretamente. A frmula utilizada pela Corte no caso Tatar contra Romnia, de 27 de janeiro de 2009, leva a admitir um direito ao gozo de um meio ambiente so e pro-tegido, por meio do Artigo 8o da Conveno.5 Pode-se, desde logo, considerar que os artigos 17 e 53 da Conveno, que probem a inter-pretao extensiva das limitaes aos direitos ali enunciados, reconhece ainda que de forma muito prudente uma certa obrigao de no regresso ou, pelo menos, uma obrigao de considerar o dispositivo que seja o mais favorvel, em matria de proteo dos direitos humanos enunciados pela Conveno.

    Em caso de conflito entre uma norma e a Conveno, ou entre outra conveno e a Conveno Europeia dos Direitos Humanos, o texto mais protetor do meio ambiente que dever ser aplicado. O Arti-go 17, inspirado pelo Artigo 30 da Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948, encontrado no Artigo 5o de ambos os pactos de 1966, volta a proibir os Estados de se servirem dos direitos existentes para destru-los ou limit-los, visto que a destruio ou a limita-o de um direito fundamental constitui, claramente, uma regres-so. Todavia, nenhum julgado da Corte de Estrasburgo permite ainda medir precisamente como ela poderia reagir em face de retrocessos na proteo de um direito para alm dos limites normalmente admitidos.

    A Conveno Americana de Direitos Humanos, adotada em 1969, prev em seu Artigo 26 a garantia progressiva do pleno gozo dos direitos, o que implica, da mesma maneira que no PIDESC, uma adaptao temporal e a no regresso. O Artigo 29, tratando das nor-mas de interpretao, esclarece que no possvel suprimir o gozo dos direitos reconhecidos ou de restringir seu exerccio para alm do que preveja a Conveno.

    O Protocolo de San Salvador sobre os direitos econmicos, so-ciais e culturais, de 1988, comporta um artigo expressamente dedi-cado ao ambiente (Artigo 11). Ora, mesmo que esse artigo no seja oponvel diante da Comisso Interamericana de Direitos Humanos ou da Corte, ele se submete ao princpio trazido pelo Artigo 1o, relativo

    5 Vide artigo de J. P. Marguenaud na Revue Juridique de lEnvironnement, 2010-1, p. 62.

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    progressividade dos direitos humanos, capaz de conduzir ao pleno exerccio dos direitos reconhecidos, o que implica, necessariamente, sua no regresso.

    De acordo com um comentrio oficial da Organizao dos Es-tados Americanos (OEA), as medidas regressivas so todas as dispo-sies ou polticas cuja aplicao significa uma diminuio do gozo ou do exerccio de um direito protegido.6 Um recuo na proteo ambien-tal constituiria, assim, uma regresso juridicamente condenvel pelos rgos de controle da Conveno e do Protocolo acima mencionados.

    No caso dos Cinco Aposentados Contra o Peru, a Comisso Interamericana de Direitos Humanos, em sua deciso n. 23/01, de 5 demaro de 2001, declarou que o carter progressivo da maioria das obrigaes dos Estados em matria de direitos econmicos, so-ciais e culturais implica, para eles, uma obrigao geral e imediata de concretizar os direitos j consagrados, sem direito de voltar atrs. As regresses na matria podem constituir uma violao, entre outros, do Artigo 26 da Conveno Americana ( 86). A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em seu julgado n. 198, de 28 de fevereiro de 2003, confirmou o mrito da deciso da Comisso, sem precisar, en-tretanto, de maneira expressa, que a regresso configure uma violao da Conveno de 1969.

    Essa proibio de retrocesso dos direitos humanos, aqui discre-tamente generalizada, pode talvez no chamar a ateno dos positivis-tas; ela , entretanto, capaz de satisfazer aos moralistas e repercutir, de forma inevitvel, sobre o direito ao ambiente, enquanto novo direito humano. A apario desse novo princpio, aplicvel ao meio ambiente, est em total sinergia com o carter finalista e voluntarista desse direi-to. Poderia, inclusive, levantar menos objees e resistncia do que a no regresso no mbito dos direitos sociais.

    Essa ideia de garantir um desenvolvimento contnuo e pro-gressivo das modalidades do exerccio de um direito ao ambiente, at aos nveis mais elevados de sua efetividade, pode parecer utpica. A efetividade mxima a poluio zero. Sabemos que isso imposs-vel. Todavia, entre a poluio zero e o uso das melhores tecnologias disponveis para reduzir a poluio existente, h uma grande margem de manobra.

    6 Conselho Permanente da OEA. Normespourllaborationdesrapportspriodiquesprvues lart. 19 du Protocole de San Salvador, OEA/Ser.G.CP/CAJP-222604, de 17 de dezembro de 2004.

  • 28 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    A no regresso vai, assim, se situar num cursor entre a maior despoluio possvel que evoluir no tempo, graas aos progressos cientficos e tecnolgicos e o nvel mnimo de proteo ambiental, que tambm evolui constantemente. O recuo hoje no seria o mesmo recuo de ontem, como se pode notar das palavras de Naim-Gesbert (2011, p. 28), para quem a no regresso permite uma adaptao evo-lutiva, em espiral ascendente, do Direito Ambiental.

    2 as Ilustraes do princpio de no regresso

    2.1 Em Direito Internacional Ambiental

    O professor Maurice Kamto, de modo perspicaz, constatou, desde 1998, que o Direito Internacional Ambiental chama a ateno para as obrigaes de stand still (KAMTO, 1998). Com efeito, a no regresso figura, de maneira explcita ou implcita, nas declaraes ou nas convenes internacionais ambientais, vista como, sejam elas de mbito universal ou regional, instrumentos que visam melhoria do meio ambiente. O carter finalista do Direito Internacional Ambiental se verifica facilmente da leitura de todas as convenes internacionais sobre meio ambiente. Trata-se, como precisa o princpio 7o da Declara-o do Rio de Janeiro de 1992, de conservar, proteger e restabelecer a sade e a integridade do ecossistema terrestre. Esse objetivo de pro-teo , a contrario sensu, uma afirmao de que toda medida contrria a ele est proibida.

    Certas convenes trazem, s vezes, de maneira expressa, que no se pode voltar atrs. Assim, nos termos do acordo norte-americano de cooperao na seara ambiental(ALENA), de 1994, e do acordo de livre comrcio entre os Estados Unidos e a Amrica Central (CAFTA-DR), de 2003, fica proibida a reduo dos nveis de proteo ambiental. Dessa forma, os Estados Unidos aceitaram a no regresso ambiental desde 1994 em seus tratados multilaterais, o que os levaria a estar numa posio desconfortvel para negar a existncia desse princpio.

    A no regresso aparece igualmente nas clusulas de salvaguar-da, permitindo uma proteo reforada do meio ambiente. O Artigo 2o do Protocolo de Cartagena, de 2000, sobre a preveno dos riscos bio-tecnolgicos, permite aos Estados tomar medidas mais rigorosas para a conservao e a utilizao sustentvel da diversidade biolgica. Na Conveno sobre o Direito do Mar, os artigos 208, 209 e 210 dizem

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 29

    respeito a diversos tipos de poluio marinha e impoem aos Estados que suas leis, seus regulamentos e suas medidas nacionais no sejam menos eficazes que as normas de carter mundial. A Conveno de Basileia sobre o controle dos movimentos transfronteirios de resduos perigosos, de 1989, permite aos Estados, em seu Artigo 11, impor condies suplementares para melhor proteger a sade humana e o meio ambiente. A Conveno de Berna de 1979 sobre a conservao da vida selvagem e do meio natural da Europa, permite aos Estados, em seu Artigo 12, adotar medidas mais rigorosas do que as previstas pela Conveno. A Conveno de Helsinki, de 1992, sobre os efeitos transfronteirios de acidentes industriais, prev que as Partes possam adotar, de maneira individual ou conjunta, medidas mais rigorosas (Artigo 2-8).

    Nesse mesmo esprito, em caso de conflito entre as disposies de uma conveno e o direito nacional, certos tratados consagram, a priori, a superioridade da regra mais favorvel ou mais estrita, em matria de proteo ao ambiente. Citemos, como exemplo, o Artigo 12 da Conveno Europeia da Paisagem, de 2000; o Artigo XII-3, da Conveno de Bonn sobre as espcies migratrias que pertenam flora selvagem; ou, ainda, o Artigo 12 da Conveno de Berna re-lativa conservao da vida selvagem e do meio natural da Europa. Essa superioridade jurdica da regra mais protetora do meio ambiente pode, inclusive, visar tanto s regras existentes, quanto s regras fu-turas (Artigo 12 da Conveno Europeia da Paisagem).

    Enfim, dentro das clusulas de compatibilidade entre as distin-tas convenes internacionais, a preferncia ser dada ao mais elevado nvel de proteo ambiental. Uma recompensa dada ao tratado mais favorvel em matria ambiental. assim, por exemplo, na Conveno sobre a Diversidade Biolgica, cujo Artigo 22-1 leva ao predomnio de seu texto sobre todo outro acordo internacional existente, cujo respei-to causaria srios danos diversidade biolgica ou constituiria uma ameaa a ela. O Protocolo de Cartagena sobre a previso dos riscos biotecnolgicos no permite acordos regionais, seno sob a condio de que eles no conduzam a um grau de proteo menor que o pre-visto pelo Protocolo (Artigo 14-1).A Conveno de Espoo, de 1991, sobre a avaliao de impactos sobre o meio ambiente num contexto transfronteirio, prev que os acordos bilaterais possam aplicar as me-didas mais estritas (Artigo 2-9). A Conveno de Basileia de 1989, sobre os rejeitos, permite acordos regionais, sob a condio de que

  • 30 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    enunciem disposies que no sejam menos ecologicamente racionais que aquelas previstas pela Conveno (Artigo 11-1). A j mencionada Conveno de Helsinki, de 1992, dispe, em seu artigo 24-2, que as partes podem adotar medidas que forem as mais rigorosas em virtu-de de acordos bilaterais ou multilaterais.7

    Por essas clusulas, os Estados buscam garantir a mxima eficcia da proteo ambiental, em relao aos objetivos almejados (WECKEL, 1989, p. 356). De toda forma, se tivessem um contedo menos rigoro-so que a conveno-quadro, as convenes ou os protocolos de aplica-o constituiriam uma regresso proibida, que poderia ser submetida a um processo de arbitragem internacional ou contestada por quaisquer das Partes, diante da Corte Internacional de Justia (CIJ). A regra lex posterior derogat priori encontra-se, assim, afastada em benefcio da no regresso, que se exprime atravs da ideia da busca da proteo mais estrita para o ambiente.

    2.2 No Direito Ambiental da Unio Europeia (UE)

    O Tratado da UE, aps o Ato nico de 1987, proclama claramen-te que o objetivo da poltica comunitria de ambiente a preservao, a proteo e a melhoria da qualidade ambiental [...] a utilizao prudente e racional dos recursos naturais (Artigo 191 do Tratado sobre o funcio-namento da UE). O Artigo 11 desse mesmo Tratado menciona, inclu-sive, as exigncias da proteo ambiental, e o Artigo 191-2 reitera o termo, alm de precisar que a poltica da Unio na seara ambiental visa a um nvel de proteo elevado. Essa exigncia de um nvel elevado de proteo ambiental , por oportuno, formulada uma segunda vez, desta feita ainda mais claramente, pelo Artigo 3-3 do Tratado sobre a UE, se-gundo o qual a Unio trabalha [...] pelo desenvolvimento sustentvel da Europa, fundado sobre [...] um nvel elevado de proteo e de me-lhoria da qualidade ambiental. Vrias diretivas sobre o meio ambiente estabelecem claramente que seu objetivo garantir, diretamente, um nvel elevado de proteo ambiental.

    Mesmo que o direito ao ambiente no figure como direito fun-damental no Tratado, ele tem todas as virtudes dessa categoria de nor-mas, em especial pelo fato de que, com o Tratado de Lisboa, em vigor

    7 A mesma expresso utilizada no Artigo 4-8 do Protocolo de 18 de junho de 1999 sobre a gua e a sade.

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 31

    desde 1o de dezembro de 2009, atribuiu-se Carta dos Direitos Fun-damentais da UE8o mesmo valor jurdico que tm os tratados (Artigo 6o do Tratado sobre a UE), com seu Artigo 37 dispondo sobre a pro-teo do meio ambiente (PRIEUR, 2005, p. 483). A Carta tem por objetivo reforar a proteo dos direitos fundamentais (prembulo). O Artigo 37 evidencia o que deve ser interpretado como uma afirma-o da irreversibilidade das medidas que dizem respeito ao ambiente: o nvel elevado de proteo ambiental e a melhoria de sua qualidade. A regresso parece ser impossvel em face dessas duas exigncias, que se voltam promoo de um meio ambiente cada vez melhor.

    Essas disposies, como todos os demais direitos fundamentais, so, alm disso, regulamentadas pelos artigos 53 e 54 da Carta dos Di-reitos Fundamentais da UE. A Carta no pode ser interpretada como limitao aos direitos reconhecidos, tampouco como implicao do direito de destru-los ou de limit-los alm do que se preveja. Nesse caso, as disposies reforam a obrigao de no regressividade e, as-sim, a proibio do retrocesso na proteo jurdica do meio ambien-te. Trata-se de clusulas clssicas nas convenes de direitos humanos, caso dos artigos 17 e 53 da Conveno Europeia de Direitos Humanos.

    Busca-se dar preferncia ao sistema mais protetor e, assim, pri-vilegiar sempre o nvel mais elevado de proteo ambiental. Resulta, da, necessariamente, um privilgio dado no regresso, como bem demonstra o Artigo 53 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, garantindo, segundo Azoulai (2005, p. 706) que a evoluo no pode se fazer seno no sentido da progresso, e no no da regresso.

    2.3 A No Regresso em Direito Constitucional

    O princpio de no regresso do Direito Ambiental deveria poder apoiar-se tanto sobre as normas constitucionais no revisveis como sobre os direitos fundamentais, no derrogveis.

    Deve-se, com efeito, distinguir a no regresso decorrente da proibio expressa de se modificarem as normas constitucionais ambientais, daquela regresso resultante da vedao constitucional imposta ao legislador, de reduzir a extenso de um direito funda-mental.

    8 Adotada em 12 de dezembro de 2007 e publicada no JO C-303, de 14 de dezem-bro de 2007.

  • 32 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    Deixando de considerar os casos especficos do Brasil e de Por-tugal, encontramos poucas constituies que pretendem congelar o direito aplicvel, proibindo expressamente toda modificao constitu-cional de seu contedo em matria ambiental.

    A Constituio brasileira de 1988 comporta vrios dispositi-vos sobre o meio ambiente, dando, assim, a essa poltica, um lugar eminente na hierarquia jurdica. Com efeito, apesar de esses disposi-tivos no figurarem no Ttulo II, consagrado aos direitos e garantias fundamentais, a doutrina considera que os direitos ligados ao meio ambiente constituem, tanto no plano material como no plano formal, direitos fundamentais (LEME MACHADO, 2005; 2011; FENS-TERSEIFER, 2008, p. 159 e s.). Essa Constituio comporta um dispositivo original, que consiste em enunciar que direitos e garan-tias individuais esto excludos de uma reviso constitucional, se-gundo o Artigo 60, 4o a chamada clusula ptrea, ou clusula de intangibilidade constitucional. Esses direitos so considerados, assim, como direitos adquiridos. Parece, portanto, estar claramente admitido que a proteo constitucional do meio ambiente faa parte dos direitos adquiridos qualificados de ptreos, no admitindo qual-quer reviso.9

    Alm dessa no regresso constitucional, existiria igualmente no direito brasileiro um princpio de no retrocesso, ou princpio de proibio da regresso ambiental, que se impe ao legislador.10 A expresso atribuda a Ingo Wolfgang Sarlet, em suas aulas em Porto Alegre, sobre direitos fundamentais e a Constituio, em 2005 (FENSTERSEIFER, 2008, p. 258, nota 746). Esse seria um princ-pio constitucional implcito, que se impe ao legislador em nome da garantia constitucional dos direitos adquiridos, do princpio consti-tucional de segurana jurdica, do princpio da dignidade da pessoa humana e, finalmente, em nome do princpio de efetividade mxima dos direitos fundamentais nos termos do Artigo 5o, 1o, da Cons-tituio brasileira de 1988.11

    9 Segundo da SILVA (2007, p. 928): Um amendement du texte constitutionnel ne saurait modifier ce droit fondamental ( lenvironnement).

    10 Garantia da proibio de retrocesso ambiental. Molinaro (2006) fala no princ-pio de vedao da retrogradao socioambiental.

    11 Essa justificativa terica para o princpio de no regresso aplicada em matria de direitos sociais, mas poderia se aplicar tambm aos demais direitos fundamen-tais, segundo Sarlet (2006, p. 346).

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 33

    Essa intangibilidade dos direitos fundamentais existe noutras constituies, na condio de intangibilidade constitucional absoluta ou clusula de eternidade.

    Segundo Lepsius (2009, p. 13), a constituio alem garante, em seu Artigo 19-2, o contedo essencial dos direitos fundamen-tais, que fazem parte dos domnios intangveis, beneficiando-se, assim, da perenidade constitucional do Artigo 79-3 da Lei Funda-mental de 1949. O contedo essencial de um direito diz respeito sua substncia e finalidade. A referncia ambgua aos fundamentos naturais da vida e aos animas, no Artigo 20-a, no impede que, em teoria, uma lei que violasse manifesta e massivamente o que j foi conquistado em matria ambiental seja muito provavelmente incons-titucional (BOTHE, 2005).

    Podemos evocar, da mesma forma, a situao da Turquia, que introduziu em sua constituio o direito de cada um a um ambiente so e equilibrado, entre os direitos e deveres sociais (Artigo 56). Esse dispositivo poderia ser tachado de intangvel, beneficiando-se do que dispe o Artigo 4o da Constituio turca, a ttulo de dispo-sies inalterveis, visto que esse artigo proclama como intangvel o Artigo 2o, que visa aos direitos do Homem e reenvia aos princpios fundamentais do prembulo. Ora, esse prembulo remete, segundo Kaboglu (2009), aos direitos e s liberdades enunciados na Consti-tuio, dentre os quais figura claramente o direito ao ambiente.

    O exemplo talvez mais claro do princpio de no regresso em nvel constitucional e em matria ambiental est na Constituio do Buto, de 2008, cujo Artigo 5-3 proclama que 60% das florestas do pas so protegidas pela eternidade.

    Ao lado dessa intangibilidade dos direitos garantidos constitu-cionalmente, existe, de modo mais difundido, uma no regresso que se impe ao legislador. Encontramos em vrios textos constitucionais sul-americanos essa ideia, qual seja, a de que os poderes do legislador encontram-se limitados pelas finalidades buscadas por certos direitos essenciais. Assim, segundo a Constituio argentina, os princpios, garantias e direitos reconhecidos nos artigos precedentes, no pode-ro ser modificados pelas leis que regulamentem seu exerccio (Artigo 28). De maneira ainda mais clara, a constituio da Guatemala dispe, em seu Artigo 44, que sero nulas de pleno direito as leis, as dispo-sies governamentais e outras medidas que diminuam, restrinjam ou deformem os direitos que a Constituio garante (COURTIS, 2006,

  • 34 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    p. 21). A constituio do Equador, de 2008, a primeira a mencionar expressamente a no regresso em matria ambiental. importante notar, nesse sentido, que em todas as constituies o meio ambiente est consagrado como um direito protegido e que, em virtude disso, todos esses Estados devem admitir de jure a no regresso do Direito Ambiental.

    A constituio francesa, em suas disposies sobre a reviso constitucional (artigo 89, ltima alnea), probe toda reviso que aten-te contra a forma republicana de governo. A Carta do Ambiente pode, assim, ser modificada, desde que respeitado o procedimento de reviso constitucional. Nenhuma de suas disposies formalmente intang-vel, mesmo que o seu carter finalista engaje a humanidade e as gera-es futuras.

    Todavia, contrariamente a vrios textos constitucionais, a Carta no formula para o Estado uma obrigao de proteger ou de aportar melhorias ao meio ambiente, o que poderia constituir um fundamento jurdico para a obrigao de no regresso. Poderamos, entretanto, buscar apoio no Artigo 2o da Carta, que impe a toda pessoa o dever de tomar parte da preservao e da melhoria do meio ambiente, o que compreende tanto o Estado como o legislador.12Assim, esses lti-mos no poderiam adotar medidas que viessem a ter efeitos inversos preservao e melhoria do ambiente.

    Num dos comentrios Carta, Trouilly (2005, p. 21) considera que o dever pesa tambm sobre as pessoas pblicas, num esprito finalista: o objetivo consiste no apenas em frear ou em reduzir a de-gradao ambiental, no mbito de uma poltica defensiva, mas tambm em aportar melhorias ao estado daquele ambiente. Segundo o mesmo autor, o Conselho Constitucional poderia, assim, censurar o legislador que reduz de maneira excessiva os deveres ambientais, pela introduo de normas mais permissivas em matria de installations classes.13 Um recuo na proteo do meio ambiente, atravs de uma diminuio dos deveres ambientais, poderia, ento, ser considerado uma violao da constituio, encontrando sua origem na constatao de uma regresso.

    Para alm do meio ambiente, Decaux et al. (1995, p. 899), em seu comentrio ao Artigo 60 da Conveno Europeia de Direitos Hu-

    12 Vide MARGUENAUD, J. P. (2007, p. 879).13 Essa categoria jurdica compreende as atividades industriais incmodas, insalu-

    bres e perigosas.

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 35

    manos, mencionam precisamente o conceito de regresso aplicvel Frana, ao considerarem que uma nova lei ou conveno internacional que sejam contrrias a um dos elementos do bloco de constitucionali-dade do qual faz parte, desde 2005, a Carta do Ambiente seriam bloqueadas, supe-se, pelo Conselho Constitucional. Isso equivale-ria a considerar que, em nome da no regresso, o legislador tem uma obrigao negativa, no sentido de no se introduzirem restries aos direitos fundamentais adquiridos.

    A Constituio belga introduziu, em 1994, o direito proteo de um ambiente so (Artigo 23, Alnea 3). Ela confia aos legisladores o cuidado de garantir os direitos fundamentais enumerados. O objeti-vo consiste, ento, em pr em prtica os direitos enunciados, a fim de torn-los efetivos, mesmo que se considere que eles tenham efeito di-reto e que somente a lei pode juridiciz-los. Os trabalhos preparatrios e a doutrina belga, em especial Hachez (2008, p. 44 e s.), consideram que o Artigo 23 se beneficia da obrigao de stand still, consistindo em garantir a ausncia de retrocesso para os direitos protegidos. Essa obrigao se impe ao legislador. Segundo o Prof. Louis-Paul Suetens (1998), o Artigo 23 contm pelo menos uma obrigao de stand still, ou seja, que ela se ope a que, na Blgica, o(s) legislador(es) tome(m) as medidas que vo de encontro aos objetivos de proteo de um ambien-te so. A vantagem da nova disposio constitucional consiste, segun-do Suetens (1998, p. 496), essencialmente em que no se pode voltar atrs sobre as regras de direito j existentes e sobre a proteo de um ambiente so, que se concretiza graas a essas regras.

    Em 2007, a Blgica procedeu a uma nova insero do meio am-biente em sua constituio, visando aos objetivos do desenvolvimen-to sustentvel e da solidariedade intergeneracional (Artigo 7o bis da Constituio). Igualmente submetida obrigao de stand still, essa disposio, ainda que bastante vaga quanto ao seu contedo normati-vo, permite reforar o objetivo ambiental constitucional, a menos que ela no abra a porta a recuos sutis, justificados pela referncia ao inal-canvel desenvolvimento sustentvel, verdadeira caixa de Pandora das conciliaes impossveis.

    2.4 A No Regresso na Jurisprudncia

    Pode o juiz impedir a regresso pelo controle do respeito aos objetivos ambientais da norma?

  • 36 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    A no regresso dos direitos fundamentais foi reconhecida em Portugal a propsito do direito sade, numa deciso do Tribunal Constitucional (Deciso n. 39, de 1984), segundo a qual os objetivos constitucionais impostos ao Estado em matria de direitos fundamen-tais o obrigam no apenas a criar certas instituies ou servios, mas tambm a no os suprimir, uma vez criados.

    Para a Corte Constitucional da Colmbia, a clusula de no regresso em matria de direitos econmicos, sociais e culturais supe, finalmente, que uma vez atingido certo nvel na concretizao dos di-reitos econmicos, sociais e culturais, por meio de disposies legis-lativas ou regulamentares, as condies preestabelecidas no podem ser enfraquecidas pelas autoridades competentes, sem que haja uma justificativa sria (ARANGO, 2006, p. 157).

    No Brasil, a no regresso j foi admitida no mbito dos direitos sociais.14 Vrias aes esto em curso na seara ambiental, sob a presso de parte da doutrina, que busca fazer que o princpio de proibio de retrocesso ecolgico seja consagrado judicialmente, o que se faz com fundamento no princpio constitucional de no regresso, estendido aos atos legislativos dos entes federados. Nesse sentido, merece desta-que a ao direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral de Justia do Estado de Santa Catarina, em face de uma lei esta-dual que reduzia os limites do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro: o princpio da proibio do retrocesso ecolgico significa que, afora as mudanas de fatos significativos, no se pode admitir um recuo tal dos nveis de proteo que os leve a serem inferiores aos anteriormente con-sagrados. Isso limita as possibilidades de reviso ou de revogao.15 No mesmo estado, outra ao visa o ento recm-promulgado Cdi-go Ambiental de Santa Catarina, norma considerada pelas associaes requerentes como redutora do nvel de proteo ambiental. Essa ao est ainda sub judice diante do Supremo Tribunal Federal, que faz as vezes de corte constitucional.16 Uma deciso do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul j anulou umamodificao na constituio daquele

    14 Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, julgamento de 18 de dezembro de 2008, processo n. 7002162254; Tribunal de Justia de So Paulo, julgamento de 25 de agosto de 2009, processo n. 5878524400.

    15 Ministrio Pblico do Estado de Santa Catarina, ADIN n. 14.661/2009, de 26 de maio de 2009.

    16 ADIN n. 4.252.

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 37

    estado por se tratar de retrocesso ecolgico, o que se fez com funda-mento na doutrina relativa regresso social trata-se de permitir a queima dos campos como tcnica de limpeza agrcola.17 O Superior Tribunal de Justia, em relatrio do ministro Antnio Hermann Ben-jamin, mesmo no havendo reconhecido formalmente o princpio de no retrocesso, j o levou em conta em vrios casos. A vedao de emenda constitucional em matria ambiental leva a considerar que o Poder Executivo, como o Poder Legislativo, estejam vinculados pelos objetivos enunciados constitucionalmente.

    Aps a consagrao constitucional do ambiente, o Conselho de Estado grego j reconheceu, algumas vezes, a existncia de um ganho legislativo, como demonstra Yannakopoulos (1997, p. 40). A lei n. 1.577/1985, que trata do regulamento geral de construo, foi considerada contrria constituio por levar ao agravamento das condies de vida dos habitantes, o que atentava contra um direito urbano adquirido (Ass. 10/1988). Sobre os direitos adquiridos, a jurisprudncia grega seria mais protetora em matria ambiental do que em matria social.

    , todavia, na Blgica que se encontra a jurisprudncia mais clara-mente consagrada no regresso.18 Num julgamento de 27 de novem-bro de 2002 (n. 169/2002), a Corte de Arbitragem, aplicando o Artigo 23 da constituio belga, em matria social, impe ao legislador no atentar contra os direitos j garantidos.Vrias opinies do Conselho de Estado consideraram que os decretos atentariam contra a obrigao de stand still, ao dispensar ou no prever garantias que j existiam em favor do meio ambiente. O julgamento Jacobs, do Conselho de Estado, da-tado de 29 de abril de 1999 (n. 80.018), o primeiro a aplicar o princ-pio ao contencioso, ordenando a suspenso de um regulamento atacado, que reduziria as exigncias ambientais impostas s pistas de motocross. A Corte de Arbitragem, numa deciso de 14 de setembro de 2006 (n. 137/2006), chegou a censurar uma lei que modificava o Cdigo Wallon de ordenamento territorial, por sensvel regresso. Resulta da que um simples recuo, incapaz de se afirmar como uma regresso sensvel, no seria censurado. A maioria dos casos em que a regresso foi censurada diz respeito ao enfraquecimento ou revogao das garantias procedi-

    17 ADIN n. 70005054010, deciso de 16 de dezembro de 2002.18 Para uma apresentao detalhada em matria ambiental, vide Hachez (op. cit. p.

    109-149), Hachez & Jadot (2009, p. 5-25) e Haumont (2005, p. 41-52).

  • 38 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    mentais existentes nacionais, comunitrias ou internacionais, como o caso da Conveno de Aarhus suscetveis de conduzir a uma perda na proteo ambiental (NEURAY; PALLEMAERTS, 2008, p. 150).

    Na Frana no se encontra seno uma posio jurisprudencial do Conselho Constitucional, que se aplica desde 1984 a certos direitos fundamentais, e que poderia levar ao reconhecimento de um princpio de no regresso em matria ambiental. Trata-se da jurisprudncia dita de effet cliquet (efeito trava). A expresso vem dos que j comentaram o caso, no havendo jamais sido utilizada pelo Conselho Constitucio-nal.19 A frmula utilizada infeliz e faz pensar mais numa tcnica de mecnica do que num princpio jurdico.

    Em razo de a jurisprudncia francesa no haver censurado o re-cuo seno raramente e apenas quanto ao cerne dos direitos em questo, Louis Favoreu chegou a mencionar um effet artichaut (efeito alcacho-fra), o que pode parecer mais ecolgico, todavia num vocabulrio ain-da no jurdico neste caso, mais gastronmico. Em todo caso, seria prefervel que, em se tratando de meio ambiente, os efeitos cliquet e ar-tichaut fossem chamados simplesmente de princpio de no regresso.

    Raphal Romi (2004, p. 10) considera que o effet cliquet con-duzir inelutavelmente a que o legislador seja obrigado pela Carta cada vez que modificar uma norma jurdica; esse certamente o prin-cipal aporte da constitucionalizao do meio ambiente no contexto francs. Toda modificao legislativa que no seja no sentido de um dos objetivos definidos pela Carta do Ambiente encontraria a censura do Conselho Constitucional (DRAGO, 2004, p. 133). Essa tambm a opinio de Agathe Van Lang (2008, p. 374), que escreveu a propsito do direito ao ambiente e do futuro papel do Conselho Constitucional: ele poder tambm censurar as leis que configurariam unicamente um recuo na sua proteo [do ambiente], em nome do effet cliquet.

    A constitucionalizao do ambiente, na Carta adotada em 2005, teve como efeito inegvel a proibio, para o legislador, de suprimir os textos legais que protegem o meio ambiente. Nesse sentido, segundo Gay e de Lamothe (2007, p. 423), a alta jurisdio poderia, assim, garantir que um novo dispositivo legal, mais restritivo, no prive das garantias legais as exigncias que decorrem da Carta. At o presente momento, no h deciso que tenha sido adotada pelo Conselho Cons-

    19 exceo da retomada da formulao dos autores das aes no seio do Conselho Constitucional, n. 202-461 DC, de 29 de agosto de 2002, considerando 64.

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 39

    titucional em matria ambiental. Essa situao, todavia, deve rapida-mente se modificar.

    Com efeito, o Conselho Constitucional francs pode verificar que as leis votadas no sejam contrrias Carta Ambiental e, para tanto, as possibilidades para interpel-lo a esse respeito vieram a ser incrementadas com a reviso constitucional de 23 de julho de 2008,20 que introduziu a questo prioritria de constitucionalidade (chamada QPC), que pode ser eventualmente levantada diante de qualquer juris-dio. O Conselho de Estado francs pode, ex officio, verificar que os textos regulamentares respeitem a lei e a Constituio.

    certo que o legislador no pode atentar contra os direitos fun-damentais, mister manter um regime pelo menos to protetor quanto o que vigora. Trata-se de melhorar o exerccio real de um direito, tornando-o mais efetivo, o que obriga o Parlamento a dar sempre legis-lao um efeito ascendente, segundo a expresso de Dominique Rous-seau (2010, p. 261). Entretanto, segundo esse mesmo autor, o Conselho Constitucional ainda no encontrou o justo equilbrio, visto que chega, por vezes, a tolerar a diminuio ou a reduo da proteo dos direitos fundamentais, o que d legislao um efeito descendente.

    Em matria ambiental, como no que tange a outros direitos hu-manos, o legislador tem, assim, sua competncia vinculada: apenas pode tornar mais efetivos os direitos enunciados pela Carta, sem os distinguir, com vistas a respeitar a finalidade e os objetivos do Direito Ambiental, tais quais expressos pela Carta de 2005, o que compreende, inclusive, seus consideranda. Favoreu (1986, p. 482) afirma, mesmo, que O legislador no tem competncia seno para reforar um direito ou uma liberdade, possibilitando o exerccio mais efetivo desse direito; no tem competn-cia para diminuir as garantias de efetividade.Essa jurisprudncia impe claramente a no regresso, segundo Cohendet (2005, p. 109; 2008, p. 79-80): O Conselho Constitucional deve obstaculizar a regresso dos direitos humanos, cujo respeito exigido pela Constituio.21

    Mesmo diante da ausncia de um princpio de no regresso, seja pela falta de dispositivos constitucionais ou internacionais suficiente-

    20 Introduzindo um artigo, o 61-1 na Constituio, completado pela lei orgnica n. 2009-1523, de 10 de dezembro de 2009, e pelo decreto n. 2010-148, de 16 de fevereiro de 2010.

    21 H, todavia, parte da doutrina que ainda se ope a essa evoluo e considera que no existe na Frana um cliquet anti-retour, contrariamente ao que j foi escrito h muito tempo. Vide, nesse sentido, Mathieu (2005, p. 73).

  • 40 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    mente explcitos, seja, ainda, pela falta de jurisprudncia que inove na matria, certo que vrias jurisdies poderiam servir-se facilmente dos conceitos que j so largamente admitidos e cujos resultados se-riam equivalentes aplicao formal do princpio de no regresso. Esses conceitos, que acompanham o raciocnio da maioria dos juzes constitucionais, so: o princpio da segurana jurdica, o princpio da confiana legtima, o princpio dos direitos adquiridos em matria de direitos humanos, o controle da proporcionalidade. Pode-se pensar que a presso social coletiva em favor de melhor proteo ambiental venha a converter em intolerveis as medidas regressivas, o que levaria o julgador, igualmente, a censur-las.

    O princpio de no regresso em matria ambiental no um obstculo evoluo do Direito. Ele no congela a lei; no cons-titui uma verdadeira intangibilidade, como vlido para os direitos humanos. As descobertas cientficas, graas pesquisa estimulada pelo princpio de precauo, assim como as melhorias aportadas ao meio ambiente, podem conduzir supresso da proteo que no seja mais til ao meio ambiente, como exemplo a supresso da inscrio de uma espcie na lista daquelas ameaadas de extino por haver-se re-constitudo na natureza. Os progressos contnuos do Direito Ambien-tal, vinculados aos progressos da cincia e da tecnologia, fazem com que os limites de no regresso estejam em constante mutao. Da por que as reformas sucessivas do Direito Ambiental integrarem as novas exigncias tecnolgicas mais protetoras do ambiente.

    Em todo caso, h limites aos prprios limites tolerados. Em se tratando de um princpio de no regresso, as hipteses de retrocesso no podem resultar seno de uma interpretao restritiva das normas e condies. A regresso no deve, jamais, ignorar a preocupao de tornar cada vez mais efetivos os direitos protegidos. Enfim, o recuo de um direito no pode ir aqum de certo nvel, sem que esse direi-to seja desnaturado. Isso diz respeito tanto aos direitos substanciais quanto aos direitos procedimentais. Deve-se, assim, considerar que, na seara ambiental, existe um nvel de obrigaes jurdicas funda-mentais de proteo, abaixo do qual toda medida nova deveria ser vista como violadora do direito ao ambiente. Esse nvel ou standard mnimo no existe a priori. Ele depende de cada pas e dos setores do meio ambiente considerados gua, ar, rudo, paisagem, solos, bio-diversidade. Ele poderia haver sido denominado mnimo ecolgico essencial.

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 41

    Entendemos, todavia, que o conceito perigoso: no existe um m-nimo essencial em matria ambiental, j que no h seno um nvel ade-quado de proteo, consideradas as tecnologias disponveis. O Comit de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais explicitou que, para um Esta-do ser reconhecido como cumpridor de suas obrigaes fundamentais mnimas, deve-se levar em conta as obrigaes que pesam sobre o pas considerado, em matria de recursos.22 Significa, de alguma forma, aplicar o princpio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, do Direito Ambiental, o que levaria os limites a variarem segundo o territrio e os recursos econmicos considerados.

    Para determinar os limites, ou os minima ecolgicos aplicveis, so indispensveis indicadores ambientais, tanto cientficos quanto jurdicos. Respondem ao movimento, ora em curso, de elaborao de indicadores para os direitos humanos (HACHEZ, 2008, p. 636).23 Um marco con-ceitual e metodolgico foi elaborado para definir indicadores quantitati-vos, alm de outros dados estatsticos, para servir promoo e ao con-trole da aplicao dos instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos, tanto civis e polticos, quanto econmicos, sociais e culturais.24

    O conceito de contedo mnimo de direitos deveria, contudo, ser objeto de uma reflexo especial, adaptada matria ambiental. No deveria constituir um pretexto para reduzir abusivamente os limites de proteo ambiental. As anlises feitas em matria de contedo mnimo no mbi-to social no deveriam ser estendidas sistematicamente seara ambiental, posto que a histria e os dados de ambos no permite que se confundam. Alm disso, as exigncias internacionais e, sobretudo, as da UE, impem, sempre, em matria ambiental, um nvel elevado de proteo, o que no compatvel com qualquer tolerncia que signifique regresso, reduzindo a proteo a nveis mnimos, com o risco de serem muito baixos.

    O contedo mnimo em matria ambiental deveria, assim, ser a proteo mxima, consideradas as circunstncias locais. Assimilar o contedo mnimo a um simples limite ao princpio de no regresso abusivo. Somos bastante reservados quanto s teorias nascentes, que bradam os mritos de um mnimo ecolgico como obstculo re-

    22 Observaes Gerais n. 3 (1990), para. 10.23 Vide tambm Observaes Gerais do Comit dos Direitos Econmicos, Sociais e

    Culturais n. 14 a 18, que comportam, todos, partes consagradas aos indicadores.24 Relatrio dos presidentes dos rgos criados por meio de instrumentos internacio-

    nais relativos aos direitos humanos, Genebra, 23-24 de junho de 2005(A/60/78).

  • 42 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

    gresso do Direito Ambiental. O obstculo regresso , isso sim, a crescente gravidade da degradao ambiental, ademais da necessria sobrevivncia da humanidade.

    Convm, assim, a ttulo excepcional, no tolerar regresses se-no na medida em que elas no contrariem a busca de um nvel elevado de proteo ambiental e preservem o essencial do que j foi adquirido em matria ambiental.

    consideraes finais

    Os crticos ao princpio de no regresso ambiental no deixaro de invocar uma nova forma de imobilismo ou de conservadorismo. Na realidade, avaliaremos rapidamente o quanto o direito ao ambiente no um direito humano como os demais. Salvaguardar o que j foi adquirido em matria ambiental no uma volta ao passado, mas, ao contrrio, uma garantia de futuro.

    O Direito Ambiental contm uma substncia estreitamente vin-culada ao mais intangvel dos direitos humanos: o direito vida, com-preendido como um direito de sobrevivncia em face das ameaas que pesam sobre o Planeta, pelas degradaes mltiplas do meio onde es-to os seres vivos.

    Essa substncia, entretanto, um conjunto completo, cujos elemen-tos so interdependentes. Da, uma regresso local, mesmo que limitada, pode ensejar outros efeitos, noutros setores do ambiente. Tocar numa das pedras do edifcio pode levar ao seu desabamento. por isso que os juzes que tero o trabalho de mensurar at onde se poder regredir sem que isso implique condenar o edifcio, devero ir alm da jurisprudncia antiga, relativa intangibilidade dos direitos tradicionais, imaginando uma nova escala de valores, para melhor garantir a sobrevivncia do frgil equilbrio homem-natureza, considerando a globalizao do ambiente.

    Uma prova da fora popular da no regresso est em sua con-sagrao democrtica, no referendo realizado na Califrnia, em 2 de novembro de 2010, quando a maioria dos eleitores daquele estado nor-te-americano votou contrariamente suspenso da vigncia de uma lei sobre mudanas climticas e reduo das emisses de gases de efeito estufa, aniquilando, assim, as pretenses do setor petrolfero.

    Desde 2011, a no regresso entrou, no debate poltico, o que conduz, pouco a pouco, sua consagrao jurdica, nas searas inter-nacional e nacional. Com efeito, vrios indcios provam a emergncia

  • o PrincPio de no regreSSo em direito AmbientAl exiSte. eu o encontrei 43

    da no regresso na agenda internacional: a resoluo do Parlamento Europeu, de 29 de setembro de 2011, relativa Rio + 20 ( 93); a Re-comendao n. 1 dos juristas do meio ambiente, reunidos em Limoges (Frana), em 1o de outubro de 2011 (vide www.cidce.org); o relatrio brasileiro, apresentado ao Secretrio da conferncia Rio + 20; o acordo dos majour groups durante as negociaes da Rio + 20, em Nova York, em dezembro de 2011 e em janeiro de 2012; a Chamada de Lyon, da Organizao Internacional da Francofonia (OIF), em vista da Rio + 20; assim como a resoluo apresentada no Congresso Mundial da UICN em Jeju, em setembro de 2012.

    E, mais recentemente, devemos destacar que a no regresso faz parte do texto final da Conferncia Rio+20. Ela est no pargrafo 20 da declarao O futuro que Queremos, assim enunciada:

    Reconhecemos que, desde 1992, a integrao das trs dimenses do desenvolvimento sustentvel vem progredindo de maneira desigual e tem sofrido reveses, agravados pelas mltiplas crises financeiras, econmicas, alimentares e energticas, as quais puseram em xeque a aptido de todos os pases, especialmente os pases em desenvolvimento, para alcanar o desenvolvimento sustentvel. Nesse sentido, essencial no retroceder em relao aos engajamentos subscritos por ocasio da Conferncia de 1992. Reconhecemos igualmente que as consequncias das mltiplas crises hoje vividas pelo mundo so um dos principais problemas a serem enfrentados pelos pases, em especial os pases em desenvolvimento.

    Nota-se, assim, que a no regresso j est reconhecida como indis-pensvel ao desenvolvimento sustentvel, como garantia dos direitos das geraes futuras. Ela refora a efetividade dos princpios gerais do Direito Ambiental, enunciados no Rio de Janeiro em 1992. um verdadeiro se-guro para a sobrevivncia da humanidade, devendo ser reivindicada pelos cidados do mundo, impondo-se, assim, aos Estados.

    Para aprofundar e discutir esse novo princpio de Direito Am-biental, junte-se ao grupo de especialistas jurdicos da Comisso de Direito Ambiental da UICN contatando: [email protected], [email protected].

    referncias

    ARANGO, R. La prohibicin de retroceso em Colombia. In: COURTIS, Christian (Org.). Ni un paso atrs. Buenos Aires: Ed. Del Puerto, 2006.

  • 44 inStrumentoS JurdicoS PArA A imPlementAo do deSenVolVimento SuStentVel

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