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INSTRUMENTOS PARA UM GERENCIAMENTO SUSTENTÁVEL DA ÁGUA: A QUESTÃO DO ENQUADRAMENTO DE CORPOS D’ÁGUA INTERMITENTES. Jose Antonio Almeida de Lacerda Dissertação de Mestrado Brasília – D.F., Junho de 2003.

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  • INSTRUMENTOS PARA UM GERENCIAMENTO SUSTENTÁVEL DA ÁGUA: A QUESTÃO DO ENQUADRAMENTO DE CORPOS D’ÁGUA

    INTERMITENTES.

    Jose Antonio Almeida de Lacerda

    Dissertação de Mestrado

    Brasília – D.F., Junho de 2003.

  • I

    UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

    Instrumentos para um Gerenciamento Sustentável da Água: a Questão do Enquadramento de Corpos d’Água Intermitentes.

    Jose Antonio Almeida de Lacerda

    Orientador: Dr. Oscar de Moraes Cordeiro Netto

    Dissertação de Mestrado

    Brasília-DF: Junho/2003.

  • II

    UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

    Instrumentos para um Gerenciamento Sustentável da Água: a Questão do Enquadramento de Corpos d’Água Intermitentes.

    Jose Antonio Almeida de Lacerda

    Dissertação de Mestrado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade

    de Brasília, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Mestre em

    Desenvolvimento Sustentável, área de concentração em Política e Gestão Ambiental, opção

    Profissionalizante.

    Aprovado por: __________________________________________ Oscar de Moraes Cordeiro Netto, Doutor – UnB – DF. Orientador __________________________________________ José Aroudo Mota, Doutor, CDS/UnB – DF. Examinador Interno __________________________________________ Yvonildes Dantas Pinto Medeiros, Doutora – UFBA. Examinador Externo

  • III

    Brasília-DF, 18 de Junho de 2003. LACERDA, JOSE ANTONIO ALMEIDA DE.

    Instrumentos para um Gerenciamento Sustentável da Água: a Questão do Enquadramento de Corpos d’Água Intermitentes, 112 p., 297 mm, (UnB-CDS, Mestre, Política e Gestão Ambiental , 2003).

    Dissertação de Mestrado – Universidade de Brasília. Centro de Desenvolvimento Sustentável.

    1. Gerenciamento de Recursos Hídricos. 2. Rios Intermitentes e Sustentabilidade.

    3. Instrumento de Gestão Ambiental. 4. Enquadramento de Corpos d’Água Intermitentes.

    I. UnB-CDS II. Título

    É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta dissertação e

    emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. O autor

    reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta dissertação de mestrado pode ser

    reproduzida sem a autorização por escrito do autor.

    ______________________________ Jose Antonio Almeida de Lacerda.

  • IV

    DEDICATÓRIA

    Ao meu pai Cícero Cavalcante de Lacerda (In Memoriam) e a minha mãe Teresinha Almeida

    de Lacerda, que me engrandeceram com virtudes do ser humano.

    A Carla Andrade de Lacerda, esposa, e minha filha Juliana Andrade de Lacerda por

    acreditarem na minha pessoa, incentivarem na conclusão deste trabalho e compreenderem as

    minhas ausências em muitos momentos importantes.

    Aos meus irmãos Cícero Lacerda, Celso Lacerda e Washington Lacerda, que apoiaram e

    incentivaram a realização deste sonho.

    A Constantino Araújo (In Memoriam) pela paciência nos momentos mais difíceis.

  • V

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço primeiramente a Deus, eterna fonte de energia e sabedoria.

    Muitas pessoas fizeram parte dessa conquista, seja apoiando, acreditando, cobrando ou sorrindo.

    Ao Dr. Fausto Azevedo, Ex-Diretor Geral do Centro de Recursos Ambientais - CRA, pelo

    incentivo e a realização do mestrado, proporcionando a capacitação do corpo técnico, para

    soluções nas questões ambientais.

    A Dra. Lucia Cardoso, Diretora Geral do Centro de Recursos Ambientais – CRA, pela

    continuidade do curso e apoio para conclusão da dissertação.

    Ao Dr. Ronaldo Martins, Diretor de Recursos Naturais do CRA, pelo apoio fundamental ao

    desenvolvimento da conclusão dos trabalhos.

    Ao Prof. Oscar Cordeiro, pela aceitação em participar como orientador, permitindo melhor

    clareza para conclusão dessa dissertação.

    Aos examinadores da banca de avaliação da dissertação, Prof. José Aroudo Mota e Profa.

    Yvonildes Medeiros, por disporem de seu precioso tempo à leitura e avaliação deste trabalho.

    Aos professores do CDS, principalmente aos Professores Antonio Brasil, Marcel Bursztyn,

    João Nildo, Laura Duarte e Paulo Engler, pela dedicação de transmitir seus conhecimento e

    orientação nas minhas dificuldades.

    Ao colega Prof. Mauricio Fiúza pelo incentivo, orientação e discussão para o desenvolvimento

    do trabalho.

    Aos colegas da Coordenação de Avaliação do CRA, Química.Lilia Macedo, Geólogo Wilson

    Rossi, Biólogo Ailton Junior e Bióloga Ana Cláudia, pelo apoio e paciência nas horas mais

    difíceis das nossas tarefas.

  • VI

    A Coordenadora do curso Dra. Tereza Muricy e a todos os meus colegas do mestrado, pela

    amizade e apoio durante o período que estudamos juntos.

    Ao Grupo de Recursos Hídricos da Escola Politécnica da UFBA, pelo apoio prestado.

    Ao Dr. Jorgen Leeuwestein, pela valiosa contribuição para conclusão da minha pesquisa.

    A estagiária de Geografia Franciene Cruz, pela elaboração dos Mapas da Qualidade das Águas e

    Localização da Bacia do Rio Salitre.

    Aos especialistas pelas informações prestadas: Prof. Antonio Lanna, Prof. Jose Teodomiro,

    Prof. Severino Agra, Prof. Fernando Esteves, Geólogo Carlos Pamponet, Engo Juan

    Santiago, Frei Dom Luis Capprio, Engo Agrônomo Ilton Lorens e ao Geógrafo Eduardo

    Grabiel.

    Aos colegas Alex Santiago, Zulmira Lacerda, Lívia Felzemburg, Andréa Marchesini,

    Aloísio Cardoso, Eduardo Dultra, Jorge Duque, Jurandy Souza, Ailton Gomes, Helmut

    Zimmermann e Thiago Leal, pelo incentivo e apoio.

  • VII

    RESUMO

    O presente trabalho estabeleceu como ponto de partida a revisão bibliográfica de estudos

    desenvolvidos sobre enquadramento de corpos d’ água intermitentes, buscando entender a sua

    importância no que concerne a sua ocupação e uso do solo, uso da água, a disponibilidade hídrica

    e sua qualidade ambiental. O objetivo básico desta pesquisa foi estabelecer princípios para

    formulação de um modelo para enquadramento de corpos d’ água intermitentes, que levem em

    conta as suas especificidades e seus usos. Na última metade do século passado, com a introdução

    de tecnologias que revolucionaram as formas de desenvolvimento do setor produtivo, vêm-se

    agravando as relações do homem com uso dos recursos naturais, principalmente a água. Nesse

    aspecto, o trabalho procura mostrar que tais desajustes vêm ocorrendo de forma intensa na

    região do Semi-árido. De posse de todas essas informações e considerando-se a proposta ao

    longo de todo o trabalho, estabeleceu-se uma abordagem interdisciplinar, sobre desenvolvimento

    de estudo de enquadramento em corpos d’água intermitentes, uma vez que o estudo vem sendo

    prejudicado e não dispõe de informações essenciais para a classificação das águas com base nos

    seus usos preponderantes e sua disponibilidade, condições consideradas fundamentais para sua

    gestão. Por fim, são apresentados os resultados sobre a questão ambiental da bacia do rio Salitre,

    como um caso de estudo, e as principais proposições para apoiar o enquadramento de corpos

    d’água intermitentes tais como: Revisão da Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente -

    CONAMA 20/86, incluindo a questão dos corpos d’água intermites; Não permissão de

    lançamento de efluentes líquidos ou sólidos, mesmo que tratados, em qualquer período, só

    permitindo disposição de efluentes líquidos por infiltração no solo, na irrigação, e evaporação ou

    quando o padrão de qualidade da água do lançamento seja igual ou superior ao trecho de

    montante; Priorização dos usos destinados ao Abastecimento Humano de forma direta no

    manancial e não a partir de bombeamento; Dessedentação de Animais; Preservação da

    Comunidade aquática; Cultura de subsistência e Harmonia paisagística.

  • VIII

    ABSTRACT

    This assignment established as a start point one bibliographic review of development studies

    about framing of intermittent stream, to understand its importance about its occupation and its

    soil and water uses, hydric availability and its environmental quality. The basic purpose of this

    research was to establish principles to formulate one model to frame intermittent stream that

    gives attention to its particularity and its uses. This latest middle century, with technology

    introduction that revolutionized the development ways of the productive sector the human

    relationship with the use of the natural resources has been getting worse, specially the water. In

    this aspect, the assignment shows that these modifications have been happening intensely in the

    Semi-arid zone. With this informations, and considering the purpose of this assignment, it was

    established one interdisciplinary approach, about development of studies of framing of

    intermittent and transitories stream, for most studies don’t have informations for the

    classification of the water, based on its important uses, as it availability, conditions considered

    essential to water management. In the end, the results about the River Salitre basin environmental

    question are presented as a study and the mains propositions to support the framing, such as: the

    review of Resolution National Counsel of Environment – CONAMA 20/86, including the

    intermittent stream question, no allowance for the dumping of liquids or solids effluents, treated

    or not, in any period, only permit the dumping of liquids effluents by ground infiltration, in the

    irrigation and evaporation or that the standard of dumping water quality to be the same or

    superior of the upstream; to priorize the human supply uses directly in the source and not by the

    bombardment, animals water supply, aquatic community preservation, subsistence culture and

    harmonic landscape.

  • IX

    SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 01 2. OBJETIVO DA PESQUISA 04 3. METODOLOGIA ADOTADA 06 4. MARCO CONCEITUAL E TEÓRICO 08 4.1 PADRÕES DE QUALIDADE AMBIENTAL 08 4.2 USOS, FUNÇÕES, QUANTIDADE E QUALIDADE DA ÁGUA 10 4.3 CONSULTAS A ESPECILISTAS E A DECISORES 16 5. O INSTRUMENTO DE ENQUADRAMENTO 25 5.1 DEFINIÇÕES 25 5.2 A LEGISLAÇÃO E A PRÁTICA REFERENTE AO INSTRUMENTO 26 5.3 ASPECTOS TÉCNICOS REFERENTES AO ENQUADRAMENTO 28 5.4 O ENQUADRAMENTO: EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E ESTRANGEIRAS 32 6. RIOS INTERMITENTES E SUSTENTABILIDADE 36 6.1 ASPECTOS TÉCNICOS E ESPECIFICIDADES DE RIOS INTERMITENTES 36 6.2 A QUESTÃO NO SEMI-ÁRIDO BRASILEIRO 41 6.3 A GESTÃO DA ÁGUA: ENFOQUE SEMI-ÁRIDO 44 6.4 RECURSOS HÍDRICOS E SUSTENTABILIDADE 52 7. A BACIA DO RIO SALITRE 54 7.1 DESCRIÇÃO E DADOS GERAIS DA BACIA 54 8. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO 71 8.1 QUALIDADE DA ÁGUA 71 8.1.1 PONTOS DE AMOSTRAGEM 72 8.1.2 PARÂMETROS 76 8.1.3 AVALIAÇÃO 76 8.1.4 ANÁLISE DOS RESULTADOS 81 8.2 PROPOSIÇÕES PARA ENQUADRAMENTO DE CORPOS D’ÁGUA

    INTERMITENTES 82 9. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 88 REFERÊNCIA. 91

  • X

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 3.1 – Esquema de abordagem metodológica da dissertação 07 Figura 6.1 - Rio efêmero “riachão” no povoado de Delfino, localizado nas coordenadas:

    Lat. 10º 21’ 25,1” S e Long. 41º 07’ 05,0” W., município de Umburanas, BA. Outubro 2002.

    37

    Figura 6.2 - Rio intermitente “riacho do Rodrigo”, próximo ao povoado de Delfino,

    localizado nas coordenadas: Lat. 10º 17’ 51,3” S e Long. 41º 02’ 40,9” W., município de

    Umburanas, BA. Outubro 2002.

    37

    Figura 6.3 – Trecho intermitente rio Salitre. Coordenadas: Lat. 10º 56’ 52,0 “S e Long. 41º

    04’ 23,0” W., município de Ourolandia, BA. Outubro 2002.

    38

    Figura 7.1 – Localização da Bacia do Rio Salitre no Estado da Bahia. 55

    Figura 7.2 – Mapa da divisão municipal 56

    Figura 7.3 - Ponto de nascente do rio Salitre no município de Morro do Chapéu, BA.

    Outubro 2002. (Aloisio Cardoso).

    57

    Figura 7.4 - Diagrama Unifilar da Bacia 58

    Figura 7.5 - Exemplar de Pau de Jacaré (Vochysia sp), comum na transição do

    cerrado/caatinga, área da nascente do rio Salitre, município de Morro do Chapéu, BA.

    Outubro 2002.

    62

    Figura 7.6 - Aspecto geral da Caatinga Arbustiva Arbórea densa na área do povoado de

    Delfino, município de Campo Formoso, BA. Setembro 2002.

    62

    Figura 7.7 - barragem “Sabiá I”, com destaque para as plantas aquáticas em primeiro plano

    a (1) vitorinha (Nympha sp) e a (2) taboa (Typha domingeusis) nas áreas assoreadas,

    município de Juazeiro, BA. Setembro 2002.

    63

    Figura 7.8 - barragem “Sabiá I”, recebendo água bombeada do rio São Francisco,

    município de Juazeiro, BA. Setembro 2002.

    64

    Figura 7.9 - barragem “Arame”, operação paralisada por falta de energia, município de

    Juazeiro, BA. Setembro2002.

    64

    Figura 7.10 - barragem “Angico”, a única barragem alimentada pelo rio Salitre, município

    de Juazeiro, BA. Setembro 2002.

    65

    Figura 7.11 - barragem “Pedro Nilson”, a montante da barragem “Cachoeira”, no povoado

    de Tamboril, município de Morro do Chapéu, BA. Setembro 2002.

    65

    Figura 7.12– Barragem de Ourolândia, município de Ourolândia, BA. Setembro 2002. 66

    Figura 7.13- Placa informativa, quanto à preservação ambiental da barragem “Cachoeira”,

    no povoado de Tamboril, município de Morro do Chapéu, BA. Setembro 2002.

    66

  • XI

    Figura 7.14- Esgotamento sanitário a céu aberto no povoado Catinga do Moura, BA,

    (GRH/UFBA, 2002).

    68

    Figura 7.15 - Resíduos Sólidos (lixo domestico a céu aberto), município de Ourolândia,

    BA,. (GRH/UFBA, 2002).

    68

    Figura 7.16 - Aplicação de praguicidas no plantio – Barragem Galgavel “Horto”, município

    de Juazeiro, BA.Setembro 2002.

    69

    Figura 7.17 - Lavagem de animal na barragem Sabiá, município de Juazeiro, BA. (UFBA,

    2002).

    69

    Figura 7.18 - Dessendetação de animal e Lavagem de roupa no rio Salitre, povoado de

    Curral Velho, município de Campo Formoso, BA. Setembro 2002.

    70

    Figura 7.19 - Ocupação urbana, povoado de Curral Velho, município de Campo Formoso,

    BA.Setembro 2002.

    70

    Figura 8.1 - Ponto de coleta (RS 0 050), Lat. 11º 12’ 49,4” S e Long 41º 06’ 07,6” W,

    barragem “Cachoeira”, povoado de Cachoeira, município de Morro do Chapéu, BA.

    Setembro 2002.

    73

    Figura 8.2 - Ponto de coleta (RS 0 150), Lat. 10º 56’ 52,0” S e Long. 41º 04’ 23,0” W, rio

    Salitre, sob ponte BA 368, município de Ourolândia, Ba. Setembro 2002.

    73

    Figura 8.3 - Ponto de coleta (RS 0 200), Lat. 10º 01’ 14,3” S e Long. 40º 41’ 56,7” W, rio

    Salitre, a montante da confluência com o rio Pacui, povoado de Abreu, município de

    Campo Formoso, BA. Setembro 2002.

    74

    Figura 8.4 - Ponto de coleta (RS 0 300), Lat. 09º 54’ 52,8” S e Long 40º 39’ 06,5” W, rio

    Salitre, sob ponte, povoado Curral Velho, município de Campo Formoso, BA. Setembro

    2002.

    74

    Figura 8.5 - Ponto de coleta (PC 0 900) Lat. 10º 01’ 06,9” S e Long. 40º 41’ 59,0” W, rio

    Pacui, confluência com o rio salitre, povoado de Abreu, município de Campo Formoso,

    BA. Setembro 2002.

    75

    Figura 8.6 - Ponto de coleta (RS 0 400), Lat. 9º 40’ 44,0” S e Long. 40º 36’ 22,1” W, rio

    Salitre, povoado de Junco, município de Juazeiro, BA. Setembro 2002.

    75

    Figura 8.7 - Ponto de coleta (RS 0 600), Lat. 9º 26’ 23,0” S e Long. 40º 49’ 54.6” W, rio

    Salitre, sobre ponte, povoado Campo dos Cavalos, município Juazeiro. BA. Setembro 2002.

    76

    Figuras 8.8 - Mapa de Qualidade das Águas. 80

    Figura 8.9 – Diagrama para enquadramento de corpos d’água intermitentes. 87

  • XII

    LISTA DE QUADRO

    Quadro 5.1 – Comparativo dos sistemas de enquadramento. 35 Quadro 7.1 - Fatores de pressão na qualidade das águas, indicadores e ações de controle

    para a bacia hidrográfica do rio Salitre.

    67 Quadro 8.1 - Rede de Amostragem da Bacia do Rio Salitre. 72 Quadro 8.2 - Resultados das Análises Físico-Químicas e Bacteriológicas da Bacia do Rio

    Salitre.

    78 Quadro 8.3 – Qualidade das Águas da Bacia do Rio Salitre. 79 Quadro 8.4 - Razão de Absorção de Sódio (RAS) da Bacia do Rio Salitre. 81

  • XIII

    LISTA DE ABREVIAÇÕES

    ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária

    ANA - Agência Nacional de Água

    BA – Estado da Bahia

    CEEIBH - Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas

    CETIND – Centro Tecnológico Industrial Pedro Ribeiro

    CEPED – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento

    CERH - Conselho Estadual de Recursos Hídricos

    CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do São Paulo

    CNRH - Conselho Nacional de Recursos Hídricos

    CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco

    CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente

    COPAM - Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais

    CRA – Centro de Recursos Ambientais

    DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

    DBO5 - Demanda Bioquímica de Oxigênio, de 5 dias.

    EMBRAPA – Empresa Brasileira de Agropecuária

    FEAM - Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais

    FEPAM - Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul

    IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis

    IGAM - Instituto Mineiro de Gestão das Águas

    IMA – Instituto Manoel Novais

    IQA - Índice de Qualidade de Água

    MG – Estado de Minas Gerais

    MINTER - Ministério do Interior; extinto pela Lei 8.028, de 12 de abril de 1990.

    MMA Ministério de Meio Ambiente

    OCDE – Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico

    OD oxigênio dissolvido

    PDRH – Plano Estadual de Recursos Hídricos

    PGRH – Programa de Gerenciamento de Recursos Hídricos

    PQA – Programa de Qualidade das Águas

    PROINE – Programa de Irrigação do Nordeste

    PROAGUA – Programa de Desenvolvimento Sustentável dos Recursos Hídricos

    Q7, 10 - Vazão mínima média de sete dias consecutivos, com dez anos de recorrência.

  • XIV

    RAS - Razão de Absorção de Sódio

    SEMA - Secretaria do Meio Ambiente do São Paulo

    SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente

    SRH - Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente

    SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

    UFBA – Universidade Federal da Bahia.

  • 1

    1 - INTRODUÇÃO

    O Estado da Bahia, possuidor de grandes dimensões territoriais, apresenta heterogeneidade de

    paisagens geográficas, reflexos de interação de diferentes elementos naturais.

    O manejo adequado dos ecossistemas hídricos é considerado uma prioridade nas políticas de

    gestão e controle ambiental, devido ao fato da a água ser, individualmente, o fator mais

    importante para o desenvolvimento de atividades produtivas e para a qualidade de vida.

    Com a aceleração de mudanças sociais e econômicas em regiões menos desenvolvidas, muitos

    rios se tornam alvo de inúmeras agressões, resultando diversos problemas para a gestão ambiental

    na Bacia Hidrográfica.

    A avaliação de cenários voltados para a sustentabilidade engloba uma série de ações que

    estabelecem a preservação e a conservação ambiental, dentro dos espaços regionais, exigindo uma

    forte intervenção em áreas onde o processo de desenvolvimento econômico possa vir a

    comprometer a qualidade ambiental.

    O enquadramento dos corpos de água não se baseia, necessariamente, no estado atual da

    qualidade dos cursos d’água, mas nos níveis de qualidade que estes deveriam possuir para atender

    às necessidades definidas pela sociedade. Trata-se de um instrumento de proteção dos níveis de

    qualidade dos corpos de água, que considera que saúde e bem-estar humano, bem como o

    equilíbrio ecológico aquático, não devem ser afetados pela deterioração da qualidade das águas.

    Também considera que os custos do controle de poluição podem ser mais adequados quando os

    níveis de qualidade exigidos para um determinado corpo de água ou seus diferentes trechos

    estiverem de acordo com os usos que se pretende estabelecer.

    Discuti-se, neste trabalho, a questão do enquadramento dos cursos d’água intermitentes. O texto

    é constituído desta introdução como Capítulo primeiro, de oito capítulos e das correspondentes

    referências bibliográficas.

    No Capítulo Segundo, são apresentados o objetivo geral e os específicos da presente

    dissertação, visando a estabelecer princípios, selecionar indicadores de qualidade ambiental e

    propor a adoção de novas classes de usos das águas a serem considerados para o enquadramento

  • 2

    de corpos d’água intermitentes, de acordo com o disposto nas Resoluções nº 20/86 do Conselho

    Nacional de Meio Ambiente - CONAMA e nº 12/00 do Conselho Nacional de Recursos

    Hídricos - CNRH. Além dos objetivos, foram também abordados neste capitulo a hipótese e a

    justificativa do trabalho:

    No Capítulo Terceiro, é apresentada a metodologia utilizada na pesquisa, com discussão dos

    métodos e técnicas adotadas para obtenção dos dados, desenvolvimento de atividades e avaliação

    dos resultados.

    O conteúdo do Capítulo Quarto contempla o marco conceitual e teórico, apresentando

    basicamente informações coletadas a partir de uma pesquisa realizada a partir de uma revisão

    bibliográfica, considerando os padrões de qualidade ambiental e usos, funções, quantidade e

    qualidade da água, propiciando informações básicas sobre os aspectos inter-relacionados ao

    instrumento de enquadramento.

    O Capítulo Quinto cobre o instrumento de enquadramento de água, quanto aos aspectos da

    definição, legislação e prática, técnica e experiências nacionais e exemplos de experiências

    internacionais.

    O Capítulo Sexto contempla o tema “rio intermitente e sua sustentabilidade”, apresentando

    uma abordagem quanto aos aspectos técnicos relativos à intermitência de rios. Outro tema

    enfocado neste capítulo foi à questão do Semi-Árido Brasileiro, no que se refere à gestão e à

    sustentabilidade dos recursos hídricos, principalmente dos cursos de água intermitentes.

    O Capítulo Sétimo apresenta as descrições e dados gerais da bacia do rio Salitre, considerando

    como caso de estudo, envolvendo os aspectos do meio físico, biótico e antrópico.

    No Capítulo Oitavo, é apresentado o desenvolvimento do trabalho quanto a:

    • Qualidade da Água - Teve-se como objetivo avaliar a qualidade das águas do rio Salitre,

    visando a conhecer seu estágio atual, com vistas a subsidiar uma avaliação sobre as

    condicionantes de enquadramento de corpos d’água intermitentes, de um modo geral, e

    do rio Salitre, em particular.

  • 3

    • Proposições para Enquadramento de Corpos d’Água Intermitentes - Neste item do

    trabalho, sugerem-se alguns princípios básicos para que se venha fundamentar melhor a

    questão do enquadramento de corpos d’água intermitentes.

    No Capítulo Nono, são apresentadas as conclusões e recomendações a que se chegou durante o

    desenvolvimento do trabalho.

  • 4

    2 - OBJETIVO DA PESQUISA

    O objetivo geral desta pesquisa é avaliar elementos para formulação de um modelo para

    enquadramento de corpos d’água intermitentes, que leve em conta as especificidades desses

    cursos d’água e os usos que deles se fazem, analisando-se o disposto nas Resoluções nº 20/86 do

    Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA e nº 12/00 do Conselho Nacional de

    Recursos Hídricos - CNRH.

    Ao se proceder a essa avaliação, pretende-se também:

    • Sugerir indicadores de qualidade ambiental para corpos d’água intermitentes, que

    possibilitem o enquadramento de acordo com suas características (regime hídrico) e os

    usos preponderantes a que se destinam.

    • Estudar a adoção de novas classes de usos das águas a serem consideradas para o

    enquadramento de corpos d’água intermitentes.

    Na conjuntura atual, diante dos conflitos oriundos do uso inadequado dos corpos hídricos, como

    corpo receptor de efluentes industriais, domésticos, o uso intensivo da agricultura irrigada, e

    fundamentado no fato de que esses recursos hídricos devem ser utilizados, levando-se em conta

    suas capacidades, limitações e dinâmica própria, garantindo seu uso continuado com o máximo

    de aproveitamento de suas potencialidades e o mínimo impacto na qualidade de suas águas,

    permitindo também estabelecer um sistema de vigilância sobre os níveis de qualidade das águas

    dos mananciais, é oportuna e necessária a realização de estudo em corpos d’água no semi-árido,

    por apresentar particularidades tais como: uso intensivo de agricultura irrigada; mineração,

    conflito no uso das águas, e principalmente, pelo seu regime hídrico, por se apresentar

    intermitentemente durante boa parte do ano.

    Os atuais modelos de enquadramento de bacias hidrográficas não levam em conta as

    especificidades dos rios intermitentes, principalmente o fato de que, durante boa parte do ano

    não há água nesses cursos.

  • 5

    Com o objetivo de superar essa deficiência e para uma melhoria da gestão ambiental nas bacias,

    onde a classe é “intermitente”, impõe-se, como uma prioridade para os gestores dos recursos

    hídricos, o estabelecimento de novos princípios para o enquadramento desses corpos.

  • 6

    3 - METODOLOGIA ADOTADA.

    A execução dos trabalhos seguiu uma orientação fundamentada nos objetivos propostos, visando

    levantar os diversos segmentos ambientais, procurando adequar às especificidades da área. Foi

    adotada a metodologia a seguir apresentada, representada, esquematicamente, na Figura 3.1.

    Observou-se a seguinte seqüência de atividades: levantamento e pesquisa bibliográfica e a

    especialistas, envolvendo a experiência em gestão da água e a aplicação dos instrumentos de

    gestão, em geral e dos instrumentos de enquadramento em particular; aspectos de

    monitoramento da qualidade das águas; levantamento de campo; avaliação de condicionante de

    natureza técnica e outros e formulação de proposições para enquadramento.

    O levantamento e a análise bibliográfica envolveram pesquisa em relatórios, documentos e

    publicações de estudos de caso e na internet. Foram consideradas as bibliografias obtidas durante

    a evolução do trabalho, a referência bibliográfica de cada pesquisa e aquelas indicadas pelos

    profissionais consultados nas áreas afins aos temas do estudo.

    Além das publicações pesquisadas, recorreu-se a especialistas nas diferentes questões envolvidas

    com o enquadramento. Essas consultas se deram a partir de participações de eventos, reuniões

    técnicas, congressos, seminários que ocorreram durante o período de preparação da dissertação,

    consultas por fax, internet e e-mail a institutos, universidades e profissionais da área.

    Foram, também, pesquisadas as experiências brasileiras no desenvolvimento de estudos de

    enquadramento de corpos d’ água, objetivando conhecer a existência da prática desse

    instrumento, principalmente em corpos d’água intermitentes, bem como subsidiar uma reflexão

    dos atuais modelos de enquadramento de curso de água.

    As considerações dos elementos obtidos na pesquisa bibliográfica, na consulta aos especialistas e

    na avaliação do caso de estudo, permitiram formular conjunto de condicionantes de natureza

    técnica, institucional e legal associadas a um processo de enquadramento de rios intermitentes.

    Esse conjunto de condicionantes aliados à reflexão sobre a questão permitiu formular o grupo

    de elementos que definem uma proposição de enquadramento de rios intermitentes.

  • 7

    Figura 3.1 – Esquema de abordagem metodológica da dissertação.

    Condicionantes técnicas, institucionais elegais (enquadramento rio intermitente)

    Proposições para enquadramento de riosintermitentes

    Avaliação da proposição

    Levantamentobibliográfico

    Caso de EstudoEspecificidades de riosintermitentes.

    Marco Conceitual eTeórico

    INÍCIO

    FIM

  • 8

    4 - MARCO CONCEITUAL E TEÓRICO A importância de estudar os corpos d’ água intermitentes reside, principalmente, em uma nova

    concepção no tratamento das questões inerentes á gestão ambiental dos recursos hídricos,

    especificamente na sua unidade de planejamento, á bacia hidrográfica.

    O objetivo básico deste capítulo é discutir conceitos, por meio de revisão bibliográfica,

    considerando os padrões de qualidade ambiental e usos, funções, quantidade e qualidade da água

    e consultas dirigida a profissionais, propiciando informações básicas sobre os aspectos inter-

    relacionados ao instrumento de enquadramento.

    4.1 - PADRÕES DE QUALIDADE AMBIENTAL.

    Para cada uso da água, são definidos limites máximos de impurezas que a mesma pode conter.

    Esses limites, quando estabelecidos por organismos oficiais, são chamados de padrões de

    qualidade.

    A qualidade é representada por características intrínsecas, geralmente mensuráveis, de natureza

    física, química e biológica. Essas características, se mantidas dentro de certos limites, viabilizam

    determinado uso. Esses limites constituem os critérios (recomendações), ou padrões (legais) da

    qualidade da água (Derisio, 1992).

    O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, do Ministério do Meio Ambiente,

    instituiu como instrumento de regulamentação a Resolução CONAMA n.o 20, de 1986, que

    estabelece o sistema de classificação de águas. Em 1997, foi promulgada a Lei nº 9.433 a Política

    Nacional de Recursos Hídricos, que define como um dos instrumentos o enquadramento de

    corpos de água.

    Os padrões de qualidade ambiental são critérios normativos de limites admissíveis para garantir a

    qualidade de um componente do meio ambiente ou a proteção da saúde e do bem-estar da

    população. Os padrões de qualidade deverão basear-se em estudos científicos dos efeitos

    produzidos por poluentes específicos e são estabelecidos em níveis que possam propiciar uma

    margem de segurança adequada.

  • 9

    No Brasil, os padrões de qualidade de água são estabelecidos na Resolução n. º 20, de 18 de

    junho de 1986, que define que o enquadramento dos corpos de água como o estabelecimento do

    nível de qualidade (classe) a ser alcançado ou mantido em um segmento do corpo de água ao

    longo do tempo. São classificadas em nove as águas doces, salobras e salinas do território

    nacional. Para cada classe, são definidos limites ou condições de qualidade a serem respeitados de

    modo a assegurar seus usos preponderantes, sendo mais restritivo quanto mais nobre for o uso

    pretendido.

    Considerando esses aspectos, a Resolução CONAMA 20/86 estabeleceu limites de lançamento

    de resíduos. Esses limites podem ser absolutos, como no caso da Classe Especial, em que “não

    serão tolerados lançamentos de águas residuárias, domésticas e industrias, lixo e outros resíduos

    sólidos, substâncias potencialmente tóxicas, defensivos agrícolas, fertilizantes químicos e outros

    poluentes, mesmo tratados” (art. 18). Nos outros casos, são tolerados lançamentos desde que,

    além de atenderem uma serie de restrições no que tange à qualidade do efluente, “não venham a

    fazer com que os limites estabelecidos para as respectivas classes sejam ultrapassados” (Art.19),

    (Lanna, 1995).

    O enquadramento é um instrumento de gestão ambiental que estabelece metas de qualidade de

    água para garantir usos preponderantes atuais e futuros. Cada tipo de uso de água requer

    características físico-químicas e biológicas específicas. Por isso, deverão ser avaliadas as

    qualidades, atual e futura, exigidas para atender o conjunto de usos por trecho. Em sendo

    quantidade e qualidade de água intrinsecamente inter-relacionadas, o balanço entre

    disponibilidade e demanda pelo uso de água deverá ser avaliado no processo de enquadramento.

    Várias são as tipologias para definir usos e funções da água. Adota-se, aqui, uma tipologia na qual

    os usos de água podem ser agrupados em três funções: sobrevivência, bem-estar e produção.

    Considerando-se que um uso pode impossibilitar o outro, deverão ser identificados os impactos

    ambientais causados. Limites ou condições para dez tipos de uso de água e efluentes, ou seja,

    padrões de qualidade de água, são estabelecidos na Resolução CONAMA nº 20/86.

    (Leeuwestein, 2000).

    Pode-se entender por poluição da água qualquer alteração de suas características física, química e

    biológica, de modo a torná-la prejudicial às formas de vida. A poluição das águas basicamente

  • 10

    origina-se de quatro tipos de fontes: poluição natural, poluição industrial, poluição urbana e

    poluição agropastoril (CETESB, 1993).

    • Poluição natural – associada à atividade humana, causada por chuva e escoamento

    superficial, salinização e decomposição de vegetais mortos;

    • Poluição industrial – constitui-se de resíduos líquidos e sólidos gerados nos processos

    industriais de uma maneira geral, apresentando-se como fator mais significativo em

    termos de poluição;

    • Poluição urbana – proveniente de aglomerados urbanos, que geram efluentes

    domésticos, lançando direta e indiretamente “in natura” nos cursos de água;

    • Poluição agropastoril – decorrente das atividades ligadas à agricultura e à pecuária, por

    meio do uso de defensivos agrícolas e de fertilizantes e por meio de excrementos de

    animais, além de erosão.

    4.2 - USOS, FUNÇÕES, QUANTIDADE E QUALIDADE DA ÁGUA.

    A quantidade e a qualidade da água são intrinsecamente inter-relacionadas. Além da quantidade, a

    qualidade da água assegura determinado uso ou conjunto de usos. A qualidade condiciona a

    quantidade de água existente em um corpo de água para consumo final ou insumo de processo

    produtivo. Quanto à natureza de utilização, existem três possibilidades (Lanna, 1997):

    • Consuntivo: refere-se aos usos que retiram a água de sua fonte natural, diminuindo

    espacial e temporalmente as disponibilidades quantitativas;

    • Não-consuntivo: refere-se aos usos que retornam à fonte de suprimento praticamente a

    totalidade da água utilizada, podendo haver modificação no seu padrão temporal de

    disponibilidade quantitativa;

    • Local: refere-se aos usos que aproveitam a disponibilidade de água em sua fonte sem

    modificação relevante, temporal ou espacial, de disponibilidade.

  • 11

    Em nossa vida social e econômica, a água pode ser utilizada para usos múltiplos, tais como:

    abastecimento humano, abastecimento industrial, irrigação, dessedentação de animal,

    proteção das comunidades aquáticas, recreação e lazer, geração de energia elétrica,

    navegação, diluição e afastamento de despejos, harmonia paisagística, pesca e

    aqüicultura.

    • Abastecimento humano - Trata-se do uso mais nobre da água, não só a água para

    beber, essencial à manutenção da vida, mas a água de beber que é utilizada também para

    higiene pessoal, preparação de alimentos, limpeza de área, lavagem de roupas e utensílios,

    rega de jardins, entre outros usos.

    • Abastecimento industrial - Utilizada como matéria-prima ou em processos de

    resfriamento, lavagem, caldeiras, produção de vapor e outros.

    • Irrigação - Devem ser considerados os tipos de culturas a serem irrigadas, se

    alimentícias, se produtoras de frutas e verduras ingeridas cruas. Em função do tipo de

    cultura, pode ser exigido um maior ou menor rigor quanto às impurezas presentes na

    água. Outro aspecto a considerar nesse uso é quanto à salinização ou à impermeabilização

    do solo, que podem ocorrer devido à presença de alguns compostos químicos na água.

    • Dessedentação de animal - Uso que requer algumas exigências quanto à qualidade da

    água, sem maior preocupação quanto aos aspectos estéticos.

    • Proteção das comunidades aquáticas - Uso muito discutível, em termos de qualidade.

    Esse uso visa à manutenção do equilíbrio ecológico do meio aquático, bem como, no

    cultivo (piscicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. Alguns requisitos de

    qualidade são exigidos para a água, principalmente quanto à sobrevivência das espécies ou

    aos padrões sanitários, quando são destinados ao consumo humano.

    • Recreação e lazer - Atividade que apresenta significado social e econômico cada vez

    maior, em decorrência do processo de urbanização. Em relação à recreação, predominam

    dois tipos: aquelas em que o homem entra em contato direto com a água (contato

    primário, a exemplo da natação, esqui aquático e do surfe) e aquelas em que não há

  • 12

    contato direto com a água (contato secundário, a exemplo de esportes náuticos com uso

    de barco a remo, ou vela ou motor e pesca esportiva);

    • Geração de energia elétrica - o aproveitamento da energia hidráulica e sua

    transformação em elétrica tornou-se um dos mais intensos usos da água. Outras

    tecnologias de geração de energia elétrica, como a utilização de combustível fóssil, ou

    nuclear, em usinas termoelétricas utilizam água em grande quantidade para produção de

    vapor e controle térmico das instalações. Quanto à qualidade da água, os maiores

    cuidados são com relação às impurezas que possam provocar incrustações, corrosão nas

    tubulações e turbinas, bem como em outros equipamentos.

    • Navegação - utilizada em grande escala para os transportes principalmente de cargas e

    passageiros, possibilitando uma integração com os outros meios de transportes;

    • Diluição e afastamento de despejos - apesar de não ser um dos usos nobres, é preciso

    não esquecer que se trata de um das mais antiga e indispensável utilização da água. A

    atividade humana e industrial gera, cada vez mais, uma serie de resíduos que, de uma

    maneira ou de outra, tem de ser disposto no ambiente, após tratamento adequado;

    • Harmonia paisagística – á água é um elemento da maior importância para a harmonia

    paisagística dos recursos hídrica. Este uso apresenta associado aos interesses turísticos e a

    pratica de esportes aquáticos;

    • Pesca e aqüicultura – a pesca é o ato de se retirar organismo aquáticos de um corpo

    hídrico, enquanto que a aqüicultura pode ser definida como cultura de organismos que

    necessitam dos ambientes aquáticos para o desenvolvimento de parte ou de sua totalidade

    de seu ciclo vital. Este uso requer exigências na qualidade da água para alimentação e

    proteção.

    Como foi abordado no item 4.1, os usos podem ser divididos em três funções principais:

    sobrevivência, bem-estar e produção:

    • A função de sobrevivência está ligada à necessidade dos organismos de se hidratarem e

    de se reproduzirem em ambientes salubres;

  • 13

    • A função de bem-estar se relaciona à qualidade de vida do homem;

    • A função de produção está ligada às atividades econômicas.

    Na função de sobrevivência, enquadram-se os usos de abastecimento humano e de proteção

    das comunidades aquáticas. São usos mais nobres, que necessitam de padrões mais restritivos de

    qualidade da água. A qualidade das águas potáveis pode ser afetada por vários contaminantes que

    impossibilitam seu consumo, a exemplo dos defensivos agrícolas e metais pesados introduzidos

    no ambiente. Os defensivos agrícolas são sintetizados artificialmente, fazendo com que a

    biodegradabilidade desses componentes seja baixa. Quanto aos metais pesados, esses são

    lançados nas águas, principalmente, pelos despejos de origem industrial, mineração e uso de

    fertilizantes e praguicidas.

    A água para esse fim deve ser de boa qualidade, inclusive quanto aos aspectos estéticos, isenta de

    substâncias tóxicas e livres de microrganismos patogênicos, que podem causar uma série de

    doenças.

    A diminuição do nível de água nos corpos de água tem conseqüências sobre os ecossistemas

    aquáticos. Para garantir a vida aquática, necessita-se de uma quantidade mínima de água. A vazão

    máxima explorável de água para os demais usos é, portanto, limitada por uma vazão mínima

    ecológica.

    Organismos aquáticos são suscetíveis a mudanças de qualidade no seu meio ambiente. Mudanças

    de pH e estresse térmico podem afetar crescimento, fertilidade, migração, desova e morte dos

    peixes. Sólidos podem afetar os órgãos respiratórios de animais aquáticos e arrastar certos

    organismos em suspensão para o fundo ou soterrar organismos pedônicos ou bentônicos

    (IBAMA, 1995) citado por Leeuwestein, (2000).

    Defensivos agrícolas podem ser altamente tóxicos em baixa concentração sobre o ecossistema

    aquático, são nocivos à saúde e bioacumulam-se na cadeia alimentar (EMBRAPA, 1993). Podem

    causar efeitos crônicos e agudos e alguns são associados aos efeitos carcinogênicos, teratogênicos

    e mutagênicos sobre os organismos aquáticos. Também podem causar alterações dos padrões de

    diversidade, produtividade e processos sucessionais do ecossistema. Metais pesados são

    diretamente absorvidos pelo plâncton, enquanto a fauna aquática tem três formas de incorporar

  • 14

    esses metais: por meio da alimentação, da respiração e por adsorção à superfície do tegumento

    (Ferreiro 1985). Intoxicação pode ocorrer de maneira direta, com o estresse fisiológico,

    modificações do metabolismo e morte das espécies ou pode ocorrer de maneira crônica pela

    bioacumulação dos metais (IBAMA, 1995).

    A função de bem-estar da água está ligada aos usos de harmonia paisagística, recreação e lazer.

    O uso para harmonia paisagística depende, principalmente, do aspecto estético dos corpos

    hídricos, determinando que os parâmetros para enquadramento sejam essencialmente físicos. É

    necessária a ausência de odor, cor, materiais flutuantes e óleos e graxas na água, não havendo

    grandes exigências com relação aos parâmetros biológicos e químicos.

    Para os usos de recreação e lazer de contato primário, as exigências de qualidade de água são mais

    restritivas. Como a água para abastecimento, esses usos necessitam de água livre de organismos

    patogênicos e componentes tóxicos. Além disso, a estética da água é fator limitante. A qualidade

    de água para recreação de contato secundário só requer água sem substâncias que produzam cor,

    odor e turbidez. A quantidade necessária depende do tipo de atividade exercida, como pesca

    recreativa, iatismo, remo e mergulho. Os impactos ambientais são, principalmente, voltados à má

    utilização do uso da área de lazer, resultando na acumulação de lixo, erosão, poluição e

    contaminação dos corpos hídricos. (Leeuwestein, 2000).

    Na função de produção de água, classificam-se os usos de abastecimento industrial, irrigação,

    dessedentação de animais, geração de energia elétrica, navegação e diluição/afastamento.de

    despejos

    A demanda industrial de água decorre, em grande parte, do seu aproveitamento para arrefecer

    processos com geração de calor. Pode ser fonte de energia hidráulica ou de geração de vapor com

    altas pressões, objetivando gerar energia elétrica. Pode ser elemento de desagregação ou diluição

    de partículas minerais, podendo ser utilizado como insumo do processo industrial e como meio

    fluido para transporte (Lanna, 1997).

    A qualidade de água necessária depende do tipo de processamento industrial. Há restrições

    qualitativas na produção de alimentos (livres de constituintes prejudiciais à saúde) e em caso de

    geração de vapor (baixo pH e dureza). Usinas hidrelétricas necessitam de uma água de baixa

  • 15

    agressividade e usinas nucleares ou termoelétricas necessitam de baixa dureza. As atividades

    industriais comprometem a qualidade de água durante o processo, seja por poluição térmica ou

    por geração de efluentes. É uma fonte de poluição pontual, cujos impactos sobre os recursos

    hídricos são amplos devido à sua diversidade de acordo com Guazzeli (1998), apud Leeuwestein

    (2000).

    A irrigação exige grandes volumes de água. Cerca de 98% do volume retirado pelas plantas são

    transferidos diretamente para a atmosfera por meio da evapotranspiração das culturas. A

    qualidade da água utilizada para irrigação é importante, especialmente para zonas onde

    temperaturas altas e umidades baixas resultam em taxa alta de evaporação/transpiração do solo.

    Os sais minerais originados da água utilizada para a irrigação podem-se acumular na superfície do

    solo, o que afeta a germinação, densidade e desenvolvimento vegetativo da cultura, reduz sua

    produtividade e, nos casos mais sérios, pode levar à morte generalizada das plantas, como explica

    Bernardo (1997), apud Leeuwestein (2000).

    A quantificação da demanda de água na pecuária pode ser feita multiplicando-se o consumo do

    animal pela quantidade de animais por área. A qualidade da água para dessedentar animais é

    menos exigente do que para consumo humano. No entanto, exige-se água de baixa agressividade

    e livre de microrganismos patogênicos, defensivos agrícolas e metais pesados. A pecuária é uma

    fonte de poluição difusa, provocando cargas orgânicas e poluição de nutrientes.

    Segundo Borghetti et al. (1999), a aqüicultura pode ser definida como o cultivo de organismos que

    necessitam dos ambientes aquáticos para o desenvolvimento de parte ou da totalidade do seu

    ciclo vital. Quanto à pesca, esta é o ato de retirar organismos aquáticos de um corpo hídrico.

    Esses dois usos necessitam de água em quantidade e qualidade adequadas, para preservar

    condições ao desenvolvimento de espécies com valor economicamente comercial. É necessário

    garantir uma vazão mínima ecológica e condições físico-químicas e bacteriológicas específicas

    para cada tipo de espécie.

    No Brasil, a rede hidroviária interior atual é constituída por rios navegados em corrente livre e

    por hidrovias geradas pela canalização de trechos de rios, além de extensos lagos isolados criados

    pela construção de barragens para fins exclusivos de geração hidroelétrica (Godoy et al. 1999).

    Esses usos dependem, basicamente, de disponibilidade de água com qualidade adequada.

  • 16

    A água pode ser usada como meio de diluição e depuração. Os efluentes gerados pelo

    esgotamento sanitário e pelas atividades industriais são lançados nos corpos hídricos. Os

    poluentes das atividades rurais podem entrar em rios e córregos por meio do escoamento

    superficial e subsuperficial ou chegar por percolação profunda aos depósitos. Muitos desses

    efluentes não recebem tratamento prévio algum.

    Considera-se que o uso de diluição não exige água de boa qualidade, mas a alta concentração de

    oxigênio dissolvido aumenta a capacidade de autodepuração de água e a capacidade de absorver

    despejos. A quantidade de água exigida para diluição depende das vazões e concentrações de

    poluentes nos efluentes e da capacidade de autodepuração do corpo hídrico.

    4.3 - CONSULTA A ESPECIALISTAS E A DECISORES.

    A fim de obter mais dados e informações a respeito das especificidades dos cursos de água

    intermitentes, foram consultados:

    Antônio Lanna, Antonio (2002) - Uma grande porção do Nordeste tem sua rede hidrográfica

    formada por rios intermitentes. Por exemplo, o rio Jaguaribe em território do Estado do Ceará,

    que drena uma área de 25.000 km2, aproximadamente metade do Estado, já passou cerca de 18

    meses completamente seco. Nessa região, assente sobre solo cristalino, os reservatórios

    superficiais constituem-se nas principais fontes de água para abastecimento das populações e para

    a irrigação. Essa particularidade do regime hidrológico da região pode levar à seguinte questão:

    será necessário um enquadramento específico para os corpos de água da região? Será necessária

    uma resolução específica?

    Para responder à questão acima é interessante analisar a questão considerando-se o local em que

    se ocorre o uso, se dentro ou fora do corpo de água. No caso de usos no corpo de água, como

    natação, não há motivo para enquadramentos diferentes, visto que os objetivos do

    enquadramento visam proteger a saúde das pessoas do contato com a água. Então a classe do

    corpo de água é definida pelo nível de tolerância do corpo humano e não pelo regime hidrológico

    da região.

  • 17

    Mauricio Fiúza (2000), Prof. da Escola Politécnica, UFBA - A legislação relativa à classificação e

    usos das águas nacionais vem sendo aprimorada desde a primeira lei, ainda do período da SEMA

    - Secretaria Especial do Meio Ambiente até a atual CONAMA 20.

    Se, de inicio, eram até ignoradas as classes relativas às águas salobras e salgadas, ainda hoje, ainda

    que acrescidas das novas classes que contemplam essas características, existem algumas definições

    concernentes, por exemplo, às águas de sub-superficie e aos rios intermitentes.

    Com relação aos rios intermitentes, bastante comuns na região semi-árida do Brasil, o referido

    pesquisador fala da expectativa de proposições, com base em um estudo de caso do rio Salitre, de

    uma classificação e respectivos usos.

    Segundo o pesquisador, pretende-se disciplinar o uso potencial com relação a esses rios que,

    embora secos em determinada época do ano, em tempos mais chuvosos, há, por vezes, água em

    abundância e, é evidente, que os usos na época de seca podem muito bem se refletir na qualidade

    da água na época de cheia.

    Algumas atividades, por exemplo, são realizadas no leito do próprio rio seco, mais ainda úmido

    relativa à absoluta necessidade de sobrevivência das populações ribeirinhas, como, por exemplo,

    o cultivo de alimentos de subsistência.

    Luis Capprio (2002), Frei da Arquidiocese do município de Barra, afirma serem muitos os na

    bacia do São Francisco, principalmente na região do semi-árido nordestino, que compreende as

    regiões do sub-médio e baixo São Francisco.

    Alguns são intermitentes pela própria natureza, correm nas cheias e secam na seca, deixando seus

    leitos como estradas pedregosas ou arenosas. Outros tornam-se intermitentes pelos tratos

    recebidos pelos usuários, tais como: Desmatamento de suas nascentes, Desmatamento e morte

    de seus afluentes, Excesso de uso para irrigação, Desvio do leito natural para outros usos e

    Contaminação por poluição química ou esgotamento sanitário.

    Esses rios intermitentes merecem um cuidado e atenção especial pela fragilidade de sua realidade.

    São rios importantes porque, geralmente, cortam regiões muito secas.

  • 18

    É comum se encontrar a população ribeirinha cavando buraco para extrair um pouco de água no

    sub-solo do leito seco.

    Existem experiências bem sucedidas de perenizar rios intermitentes. Esse esforço é muito bem

    vindo e seria uma das soluções para revitalizar o rio São Francisco, que, se não for bem cuidado,

    poderá também, num futuro médio, tornar-se um rio intermitente (Que Deus nos livre desta

    catástrofe...).

    Agra Filho (2000), Prof Escola Politécnica, UFBA, em relação a enquadramento de rios no Brasil

    manifestou as seguintes considerações:

    A abrangência regional e predominância de rios intermitentes no Nordeste já seriam um fator de

    importância para desenvolver estudos nessa temática. Além disso, julga fundamental essa

    preocupação e um real compromisso com a realidade nordestina. Pesquisas que venham a

    promover o aprofundamento de reflexões da realidade regional tornam-se prioritárias e de

    relevante contribuição para o conhecimento de nossa realidade e certamente para a área de

    conhecimento em questão;

    A questão dos rios intermitentes emerge, ainda, como área de conhecimento instigante, porque

    permite um aprofundamento de significado e efetividade dos critérios de classificação vigente e,

    sobretudo, da pertinência ou suficiência dos usos múltiplos considerados (acredito ser esta uma

    questão crucial da investigação).

    José Theodomiro (2002), Presidente da CEEIVASF e Secretario Executivo do Instituto Manoel

    Novais – IMAN. A Lei 9433 prevê o gerenciamento das águas no que se refere à quantidade e à

    qualidade. O enquadramento das águas de uma bacia tem suas dificuldades inerentes a volume de

    informações, coleta de dados por amostragem e análise. A coleta de dados pode-se iniciar pelos

    pontos mais atingidos, por substâncias orgânicas, minerais e químicas, que deterioram a qualidade

    água, bem como iniciar-se a análise pelos volumes, vazões e pela capacidade de diluição ou

    transporte.

    Nos rios intermitentes, sem dúvida, métodos e modelos devem ainda ser estudados, para

    avaliação dos efeitos das acumulações nefastas em período seco e das repercussões desse

    processo nos períodos úmidos.

  • 19

    É fundamental que se inicie o estudo de modelos de enquadramento que, indubitavelmente, serão

    diferenciados daqueles utilizados para rios permanentes, embora se entenda a possibilidade de

    utilização de mesmos parâmetros em períodos em que rios intermitentes assemelham a águas

    permanentes.

    O entrevistado considera ser de maior importância a proposta de buscar, pela pesquisa e estudo,

    um modelo de enquadramento dos rios intermitentes, já que, para essa característica, constituem-

    se em rios que talvez sofram muito mais drasticamente os efeitos da utilização como despejo de

    substâncias indesejáveis.

    Mesmo que um estudo dessa ordem não chegue a um resultado satisfatório, é de suma

    importância que seja iniciado, uma vez que na região nordeste, com 60% de embasamento

    cristalino, apresenta-se a intermitência na esmagadora maioria dos seus rios, que apesar disso não

    deixam de ser utilizados como despejo, principalmente de esgotos, quer industrial ou doméstico.

    É de se supor que, como não sofrem essas substâncias transporte imediato permanecendo

    paradas ou com lenta distribuição e baixa vazão, uma analise e um estudo de contaminação

    subterrânea sejam indispensáveis, devendo constar do elenco de estudos a serem efetuados.

    O referido entrevistado vê o enquadramento de rios intermitentes como de complexidade muito

    maior do que enquadrar águas permanentes, mas de proporcional importância para a visão de

    qualidade que deve ensejar o gerenciamento das águas nacionais.

    Fernando Esteves, Engo Florestal (2002), afirma ser incontestável a importância da vegetação

    ciliar na manutenção do equilíbrio hidrológico dos cursos de água do semi-árido nordestino.

    As caatingas aluvionares assumem uma feição própria na paisagem da caatinga, sendo comum a

    presença da craibeira (Tabebuia aurea (Manso) Benth & Hook. f. ex Moore), salgueiro (Vitex sp) e

    catingueira (Caesalpinea pyramidalis Tul.) para os cursos de água doce e a carnaúba (Copernicea

    prunifera (Miller) H. E. Moore) para os cursos de água salobra.

    A existência de formações ciliares ao longo dos cursos d’água a despeito de outras regiões,

    desempenha funções vitais no equilíbrio do sistema hídrico, principalmente em que diz respeito à

    interceptação da precipitação, liberação gradual da água e manutenção dos níveis de lençol

  • 20

    freático dentre outros. Essa condição para o ecossistema da caatinga é bem mais relevante, uma

    vez que o fator água é limitante e vital no equilíbrio do ecossistema.

    A predominância de águas salinizadas ao longo dos cursos de água intermitentes e efêmeros do

    rio Salitre propicia a formação de belas paisagens, em que predominam as folhas palmadas das

    carnaúbas.

    Nos locais onde é maior o nível de degradação é comum a ocorrência de taboa (Typha

    dominguensis (Pers.) Kunth), algaroba (Prosopis juliflora (Sw) DC.), vitorinha (Nympha sp).

    O atual estágio de conservação em que se apresentam as caatingas aluvionares tem elevado o

    nível de comprometimento ambiental dos cursos de água que formam a bacia hidrográfica do rio

    Salitre, fazendo-se necessária a adoção em caráter de urgência, de medidas que venham a

    assegurar a recuperação de um bem tão fundamental para as comunidades e todo meio ambiente

    que as cercam.

    Juan Santiago (2002), Engo. Civil, especialista em Recursos Hídricos, descreveu a intermitência

    dos cursos d'água e a qualidade das suas águas.

    Segundo o entrevistado, a variação sazonal dos indicadores de qualidade d'água é regida pelo ciclo

    anual do regime fluvial. Portanto, a caracterização adequada da qualidade d'água requer a

    associação entre os indicadores de qualidade e os parâmetros hidrológicos, para caracterizar a

    variabilidade do regime.

    Discutiu o entrevistado sobre escolha de parâmetros hidrológicos para a descrição quantitativa,

    nos quais apóiam-se os indicadores de qualidade. Da variabilidade do regime interessa,

    principalmente, a definição do período de estiagem. A estiagem é descrita por meio de

    parâmetros que reflitam a intensidade e a persistência do período seco.

    A persistência é definida como a duração (em tempo) em que a vazão permanece igual ou inferior

    a um dado valor de referência.

    Em rios perenes, é possível fixar uma persistência crítica em função do habitat que nele se

    desenvolve, ou para as populações que dele se servem. Fixada a persistência, avalia-se a

    intensidade como um dos parâmetros relacionados a seguir:

  • 21

    Desvio entre o valor normal e o valor observado, como é o caso do coeficiente de variação;

    Valor associado a uma dada freqüência de ocorrência, como é o caso da vazão Q90;

    Valor associado a um dado período de recorrência.

    Os empregos de parâmetros associados à recorrência são sempre preferidos, pois fornecem

    resultados independentes do período de observação.

    Por questões metodológicas, a persistência é normalmente padronizada, por exemplo, em 7 dias.

    Fixado o intervalo crítico, adota-se um critério de risco associado, por exemplo, que o fenômeno

    aconteça no máximo uma vez a cada 10 anos. Chega-se, assim à definição da vazão mínima de 7

    dias e 10 anos de recorrência.

    A intensidade da estiagem em rios intermitentes é predefinida como nula. Portanto, os

    parâmetros hidrológicos normalmente empregados na caracterização de rios perenes são

    inadequados à realidade dos rios intermitentes. Nesses casos, só cabe a caracterização da

    persistência, seja associada à vazão nula, seja associada a uma intensidade padronizada.

    A definição da persistência associada a uma dada intensidade não nula (vazão mínima) apresenta

    uma vantagem de ordem prática; pode-se definir o valor de uma “vazão sanitária” mínima, como

    aquela que estabelece a condição limite do índice de qualidade e, a partir desta, calcular a duração

    (ou persistência) em que o curso d'água encontra-se por baixo do referido limite.

    A variável que define esse parâmetro é medida em unidade de tempo. A duração assim

    determinada é uma variável que pode ser ajustada a uma função de distribuição estatística. Dessa

    forma, o parâmetro hidrológico para rios intermitentes seria, por exemplo, a duração média em

    dias em que o curso d'água apresenta um índice de qualidade por baixo de um dado limiar de

    qualidade, associado a um período de recorrência de 10 anos.

    A definição de limiares de qualidade facilita a compreensão da evolução temporal da condição

    ambiental de um dado manancial.

    Ainda, deve-se observar que o enfoque da duração por limiares de qualidade é genérico e, como

    tal, também poderia aplicar-se ao caso de rios perenes.

  • 22

    Carlos Pomponet (2003), Geólogo/ CRA, o entendimento a respeito de rios intermitentes ou

    temporários passa pela própria definição clássica de rios superficiais: correntes de água doce que

    se formam a partir de precipitação - chuvas, ou a partir de fontes de águas surgentes - olhos

    d'água. Daí conclui-se: em regiões - bacias, quando não existem chuvas suficientes ou presença de

    olhos d'água, para manter um fluxo caudal permanente no canal do vale, esses rios são

    denominados de rios intermitentes ou temporários. Normalmente, não há fluxo durante o

    período de seca.

    Os rios denominados de efêmeros ou torrentes: são aqueles que somente existem quando em

    período de fortes chuvas. Pouco tempo depois de cessadas as chuvas, deixa de existir o fluxo e,

    conseqüentemente, o rio.

    É a região confinada pelo perímetro do Semi-Árido do Nordeste Brasileiro, que, também

    corresponde à região do Polígono das Secas, que retrata melhor a denominação de rio

    intermitente. A probabilidade de existência de rios regionais perenes nessa área é quase que nula,

    motivadas não só pela falta dos requisitos necessários - chuvas suficientes ou presença de olhos

    d'água, consubstanciadas pela geologia da região, ora em ambiente cársticos, ora em ambiente

    pedregoso. Em ambos os casos seus substratos rochosos são caracterizados por alta porosidade,

    fissuramento e traturamento, que permitem rápida infiltração dessas águas, conduzindo-as a

    níveis mais profundos, que se acumulam em fendas e fraturas, ou em cavernas. É comum a

    presença, em trecho desses rios, de fluxo de águas.

    Outrossim, para o enquadramento dos corpos de água em classes, quanto ao uso preponderante,

    desses rios temporários, faz-se necessário que se insira a coleta de sedimentos no fundo do canal,

    quando do período seco, bem como a coleta de água dos níveis freáticos, não aflorantes, com

    vistas à verificação de contaminantes.

    Ilton Lorens (2003), Engo Agrônomo, no que se refere à região semi-árida da Bahia e Nordeste,

    em que são comuns longos períodos sem chuvas, lembra que as populações utilizam todos os

    recursos possíveis para conseguir água, a fim de atender as suas necessidades básicas.

    A ausência de rios perenes ou mananciais subterrâneas de boa qualidade faz com que o agricultor

    da caatinga utilize os rios intermitentes como fonte de abastecimento.

  • 23

    Os rios intermitentes ou temporários oferecem água apenas na época das águas e algumas vezes

    esses cursos continuam a correr por algum tempo após o fim das águas. O regime de chuva

    torrencial faz com que as águas nesses rios se avolumem com grande rapidez nos leitos dos rios,

    provocando grandes correntezas.

    Qualquer que seja o uso da água exige-se uma condição mais ou menos uniforme de

    fornecimento, não podendo adaptar-se, na maioria dos casos, às condições de vazões variáveis

    que ocorrem na natureza, que permitem grande fornecimento na época das chuvas e extrema

    escassez no período de estiagem. Esse fato passa a originar a necessidade de regularização por

    meio de mecanismos como barragens, desvios ou cacimbas.

    A água constitui-se em um elemento vital para o homem sobre diversos aspectos, principalmente

    nas regiões do semi-árido, em que as populações utilizam barramentos para acumulação e

    armazenamento de água ou, até mesmo, de cacimbas no leito do rio.Geralmente, essa água,

    acumulada em reservatórios e ou cacimbas em rios intermitentes, serve para atender os processos

    biológicos mais imediatos dos homens, isto é, higiene pessoal, alimentação humana e

    dessendentação de animais.

    A degradação ambiental, principalmente ligada à atividade agropecuária, vem contribuindo de

    maneira direta e efetiva para redução do volume de água e a conseqüente utilização dos

    mananciais intermitentes e temporários. Assim sendo, a proteção dos recursos hídricos em geral

    depende, fundamentalmente, de medidas disciplinadoras do uso do solo ao longo de toda bacia

    hidrográfica.

    Eduardo Gabriel (2003), Geógrafo, afirma que, dentre as regiões semi-áridas, o semi-árido

    brasileiro é um dos mais úmidos do mundo. Embora, ao se comparar esse espaço com outras

    regiões brasileiras, fatalmente a característica mais evidente será a ausência de água. Entretanto, o

    semi-árido não é um espaço homogêneo do ponto de vista ambiental. Existem diversos sub-

    espaços que compõem um mosaico paisagístico bastante diversificado. Ao se observarem às áreas

    serranas presentes, pode-se perceber que aí existe um grau de umidade mais elevado, em

    comparação ao restante do semi-árido, devido à altitude. Essa variável topográfica resulta em

    áreas com uma vegetação diferenciada das demais encontradas.

  • 24

    São nessas áreas mais altas e mais úmidas do semi-árido que surgem os rios da região. A rede

    hidrográfica semi-árida é bastante diferenciadas das demais regiões do país, haja vista uma série

    de fatores distintos. Quando associados a esses fatores, as paisagens resultam em um mosaico

    que caracteriza a região. Temperatura média, topografia, vegetação remanescente, pluviosidade,

    geologia, além das atividades antrópicas, formam, no Semi-Árido, um importante espaço para a

    pesquisa. Nesse sentido, analisar um componente ambiental, como a hidrografia, requer uma

    análise dos outros fatores que compõem a paisagem a ser pesquisada.

    Os rios permanentes possuem suas nascentes nas áreas mais úmidas ou de topografia mais

    elevada da região. Entretanto, ocorre uma variação no seu regime devido à irregularidade da

    pluviosidade. Os rios intermitentes são mais comuns na região. Geralmente, são canais tributários

    de um rio maior, com suas nascentes localizadas em pequenas elevações. Devido à irregularidade

    pluviométrica e à evaporação elevada, o escoamento ocorre em épocas distintas, ou mesmo, em

    um único e curto período (quando ocorre a chuva concentrada na região). Nesse período,

    relativamente curto, os canais passam a ter um escoamento concentrado, arrastando material

    inconsolidado dos leitos para outros lugares.

    Como o período de chuvas no semi-árido é muito curto, as alterações na paisagem são sutis, já

    que a quantidade de chuvas não é suficiente para permitir uma erosão significativa. Assim, a

    competência hídrica é menor, ao se compararem esses rios das outras regiões, resultando em

    leitos rasos, estreitos e pouco erodidos em suas margens. Essa morfologia fluvial permite o

    pesquisador caracterizar a região no que ela possui de mais significativo: a sua paisagem.

    Além da morfologia, outro aspecto interessante deve ser levado em consideração. Mesmo nas

    épocas secas, quando não ocorre o escoamento, as áreas mais próximas do leito desses rios são

    geralmente mais úmidas, podendo, por vezes, abrigar espécies vegetais e animais mais resistentes

    à deficiência hídrica. Algumas espécies de peixes, por exemplo, levados pelo escoamento sazonal,

    acabam morrendo na ausência da água, e seus cadáveres alimentam outros animais ou mesmo

    contribuem na formação de horizontes superficiais dos solos nos leitos posteriormente secos.

    Em suma, os rios intermitentes, assim como todos os elementos encontrados na paisagem semi-

    árida contribuem para a formação de um ecossistema dinâmico, com suas características

    ambientais específicas e seu papel na elaboração da paisagem.

  • 25

    5 - O INSTRUMENTO DE ENQUADRAMENTO.

    5.1 - DEFINIÇÕES.

    O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, por meio da Resolução 20/86, considera

    que enquadramento de corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes, é um

    instrumento de planejamento que estabelece metas para garantir à água um nível de qualidade que

    possa assegurar seus usos preponderantes.

    O CONAMA (1986) define:

    • Enquadramento: estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou

    mantido em um segmento de corpo d’água ao longo do tempo;

    • Classificação: qualificação das águas doces, salobras e salinas com base nos usos

    preponderantes (sistema de classes de qualidade);

    • Efetivação do Enquadramento: conjunto de medidas necessárias para colocar e/ou

    manter a condição de um segmento de corpo d’água em correspondência com a sua

    classe.

    Segundo a Secretaria de Recursos Hídricos - SRH (2000), o enquadramento é um instrumento de

    proteção que não deve considerar somente o uso e a qualidade atuais, mas, também, o uso e a

    qualidade futuros.

    O enquadramento de corpos d'água segundo usos preponderantes é um instrumento muitas

    vezes polêmico, tanto pela sua instituição como pelo seu modo de aplicação.

    Para Cánepa et al. (1998), a lei 9.433/97 considera, equivocadamente, enquadramento como

    instrumento e não como meta.

    Segundo Barth (1999), há equívocos na aplicação do enquadramento. Ele afirma que estão

    considerando o corpo d'água como se ele estivesse na condição de classe em que já foi

    enquadrado e que essa classe deva ser mantida. Cita exemplo do Estado de São Paulo, em que

  • 26

    uma estação de tratamento de esgotos urbanos não pode ser licenciada porque seus efluentes não

    se enquadram nas características do corpo receptor, a despeito de melhorarem os corpos d'água.

    Argumenta, ainda, que os efeitos dessa situação se agravam quando se observa que o

    enquadramento dos corpos d’ água do Estado de São Paulo foi feito há mais de 20 anos e que

    nunca foram efetuadas atualizações.

    5.2 - A LEGISLAÇÃO E A PRÁTICA REFERENTE AO INSTRUMENTO

    Segundo Newman et al. (1994), apud Leeuwestein (2000), o primeiro tipo de sistema de

    classificação das águas superficiais foi desenvolvido na Europa em, aproximadamente, 1850, e

    baseou-se nos parâmetros biológicos, considerando os diferentes tipos de organismos presentes

    na água poluída e na água limpa. Desde então, uma grande variação de sistemas de classificação,

    com base em parâmetros biológicos ou químicos, foram introduzidos pelos países europeus e por

    outros países como os Estados Unidos e o Canadá.

    A primeira classificação das águas, no Brasil, foi estabelecida a partir da Portaria GM nº 0013/76,

    do Ministério do Interior, por meio da qual foram definidas quatro classes para águas interiores

    do Pais. Para cada classe, além da especificação dos usos, foram fixados também, teores

    máximos de substâncias e as condições a serem atendidas.

    O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, por meio da Resolução nº 20/86,

    estabeleceu nova classificação para as águas doces, salobras e salinas do Território Nacional, a

    partir da definição de 9 (nove) classes, segundo seus usos preponderantes. A resolução considera

    como águas doces às águas com salinidade igual ou inferior a 0,5%; águas salobras com salinidade

    variando entre 0,5% e 30% e as águas salinas com salinidade igual ou superior a 30%.

    A Lei nº 9.433/97 estabeleceu 5 (cinco) princípios básicos que vêm sendo praticados em alguns

    paises que avançaram na gestão de seus recursos hídricos. Um deles é o dos usos múltiplos. No

    Brasil, desde os anos 50, o setor elétrico vinha comandando o processo de gestão dos recursos

    hídricos superficiais, criando uma assimetria de tratamento, com prejuízos para outros setores

    usuários. De acordo com a Lei, todos os setores usuários têm igual acesso ao uso da água. Outro

    aspecto relevante da Lei é quanto ao instrumento de Enquadramento dos corpos d’ água em

    classes de uso, extremamente importante para estabelecer um sistema de vigilância sobre os níveis

  • 27

    de qualidade das águas dos mananciais e permitindo fazer a ligação entre a gestão da quantidade e

    a gestão da qualidade da água.

    Segundo o Art. 9º da Lei 9.433/97, o enquadramento de corpos d’ água em classes, segundo os

    usos preponderantes, visa a assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a

    que forem destinadas e diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações

    preventivas permanentes.

    Tomando-se por base as diretrizes da Lei 9.433/97, seria de se supor que a administração da

    água, ao invés de ser marcada pela execução de planos e ações concernentes à gestão de recursos

    hídricos de forma isolada, passasse a ser integrada, envolvida em parcerias, favorecendo

    sobremaneira a mediação dos conflitos e os usos desses recursos. Aliás, esse é outro caráter

    inovador e desafiador para as políticas públicas, a “gestão integrada”.

    Os recursos a serem utilizados para se trilharem os caminhos balizados pelas diretrizes, ou seja,

    os cinco instrumentos essenciais para a gestão integrada, segundo Rebouças (2000), podem ser

    classificados como instrumentos de planejamento, econômicos e administrativos.

    Os instrumentos de planejamento são:

    • Plano Nacional de Recursos Hídricos – que tem por objetivo atualizar e consolidar os

    chamados Planos Diretores de Recursos Hídricos, que são elaborados por bacias (ou

    conjunto de bacias) hidrográficas;

    • Enquadramento dos corpos de água em classes, de acordo com os seus usos, visando

    estabelecer a vigilância sobre os níveis de qualidade dos mananciais e, conseqüentemente,

    diminuir os custos do combate à poluição, bem como fortalecer a ligação entre a gestão

    da qualidade e a gestão da quantidade.

    O Art. 10 prevê que as classes dos corpos d’água serão estabelecidas pela legislação ambiental e o

    Art 44 institui que compete à Agência da Água - propor ao Comitê o enquadramento dos corpos

    d’água para posterior encaminhamento ao respectivo Conselho Nacional ou Conselho Estadual

    de Recursos Hídricos, de acordo com o seu domínio do curso d’água.

  • 28

    Há, na questão do enquadramento, um conflito institucional, pois o enquadramento é um

    instrumento tanto da gestão de recursos hídricos como da gestão ambiental.

    Nesse caso, percebe-se claramente que, apesar de incorporar alguns princípios e diretrizes que

    favorecem o entendimento de uma visão sistêmica, a Lei das Águas não é completamente

    conclusiva quando estabelece esses instrumentos de gestão. A definição dos padrões de qualidade

    de um rio, bem como os planos de recuperação ou adequação dessa qualidade, certamente terão

    pesos significativos para determinação da outorga do uso da água. Esses elementos determinarão

    que a outorga não propicie uma degradação da quantidade/qualidade da água, causando, assim,

    alteração no seu enquadramento. É imprescindível que esses dois instrumentos sejam trabalhados

    em conjunto, numa interação constante entre a gestão ambiental e a gestão de recursos hídricos,

    o que certamente balizará a aplicação dos instrumentos econômicos preconizados na lei. Essa

    discussão sobre integração entre elementos da Política de Recursos Hídricos e da Política

    Ambiental será abordada mais adiante.

    Depois da instituição da Lei n.º 9.433/97, a competência de enquadramento passou a ser de

    responsabilidade dos Comitês de Bacia Hidrográfica que integram o Sistema Nacional de

    Gerenciamento de Recursos Hídricos. A partir daí, foram desenvolvidas algumas ações pelos

    órgãos federais responsáveis pela implementação do instrumento de enquadramento, haja vista

    tanto a demais havido por definição da Resolução no 12/00 do CNRH, quanto o atual processo

    de reformulação da Resolução no 20/86 do CONAMA.

    5.3 - ASPECTOS TÉCNICOS REFERENTES AO ENQUADRAMENTO.

    Como já foi abordado no item 5.1 deste capítulo, o Conselho Nacional de Meio Ambiente –

    CONAMA, por meio da Resolução nº 20/86, estabeleceu 9 (nove) classes, segundo seus usos

    preponderantes, considerando como águas doces as águas com salinidade igual ou inferior a

    0,5%; águas salobras com salinidade variando entre 0,5% e 30% e as águas salinas com salinidade

    igual ou superior a 30%. A citada resolução enquadrou as águas segundo seus usos, sendo classe

    especial e classe de 1 a 4 referentes à águas doces; 5 e 6 referente às águas salobras e 7 e 8

    referentes às águas salinas.

  • 29

    Classe especial, águas destinadas:

    • Abastecimento doméstico sem prévia ou com simples desinfecção;

    • Preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas.

    Classe 1, águas destinadas:

    • Abastecimento doméstico após tratamento simplificado;

    • Preservação das comunidades aquáticas;

    • Recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho);

    • Irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes

    ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de películas;

    • Criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.

    Classe 2 – águas destinadas:

    • Abastecimento doméstico, após tratamento convencional;

    • Preservação das comunidades aquáticas;

    • Recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho);

    • Irrigação de hortaliças e plantas frutíferas;

    • Criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.

    Classe 3 – águas destinadas:

    • Abastecimento doméstico, após tratamento convencional;

    • Irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras;

    • Dessedentação de animais.

    Classe 4 – águas destinadas:

    • Navegação;

    • Harmonia paisagística;

    • Usos menos exigentes.

  • 30

    Classe 5 – águas destinadas:

    • Recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho);

    • Proteção das comunidades aquáticas;

    • Criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.

    Classe 6 – águas destinadas:

    • Navegação comercial;

    • Harmonia paisagística;

    • Recreação de contato secundário.

    Classe 7 – águas destinadas:

    • Recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho);

    • Proteção das comunidades aquáticas;

    • Criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana.

    Classe 8 – águas destinadas:

    • Navegação comercial;

    • Harmonia paisagística;

    • Recreação de contato secundário.

    O plano de enquadramento de Bacia Hidrográfica, ao ser realizado para uma região ou grande

    bacia hidrográfica, traz dificuldades devido à necessidade de diagnósticos e prognósticos em áreas

    geograficamente muito amplas.

    Com base na Resolução 12 do CNRH, a SRH (2000), elaborou um documento preliminar

    intitulado: "Procedimentos Técnicos para Enquadramento de Corpos d’ Água" para águas

    superficiais, mas não enfoca diretamente para águas subterrâneas e os cursos de águas

    intermitentes.

  • 31

    Entretanto, uma discussão que atualmente ocorre é sobre o enquadramento ou não das águas

    subterrâneas em classes de usos preponderantes. Existe a corrente de profissionais que defende a

    idéia de que essas águas devem ser enquadradas e a corrente daqueles que acham o

    enquadramento desnecessário.

    Os argumentos da corrente contrária ao enquadramento são de que o enquadramento daria

    permissão para poluir águas subterrâneas, que não seria complicado fazer o zoneamento

    qualitativo dos aqüíferos. Por outro lado, a corrente que acredita ser o enquadramento necessário

    rebate argumentado que a utilização das águas subterrâneas vem crescendo sistematicamente e

    não só para abastecimento da águas o que já estaria exigindo algum tipo de enquadramento para

    se preservar dos conflitos de usos.

    O uso desregrado, baseado só em outorga de uso (aspecto quantidade) e a falta de controle

    efetivo do uso e ocupação do solo e do licenciamento ambiental para deposição de resíduos

    sólidos e/ou infiltração de efluentes, contribuem para poluir, de forma progressiva as águas

    subterrâneas. O que ocorre é que, muitas vezes, não se leva em consideração esse tipo de risco

    para a água subterrânea. Por outro lado, também argumentam que, se não está poluída, não tendo

    uso múltiplo, nem sendo degradada, teoricamente, por exemplo, seria classe 1. Se for classe 1,

    não é permitido procedimento algum que possa pôr em risco sua qualidade e, portanto, não seria

    uma licença para poluir. Pelo contrário, estaria estabelecendo uma proteção negligenciada pelos

    órgãos ambientais licenciadores.

    Mesmo em sendo o processo de enquadramento das águas subterrâneas complexo e trabalhoso

    isto não se constituiria em argumento para que ele não seja realizado. Hoje, está-se passando por

    um período de transição e regulamentação do setor de recursos hídricos. Se, para as águas

    subterrâneas, não for dado tratamento adequado, pensando-se nas condições futuras, pode-se

    correr o risco de ser a água subterrânea alijada do processo integrado de gestão correndo riscos

    de degradação, muito mais do que ocorre atualmente.

    Cabe, também, ressaltar que o enquadramento das águas subterrâneas não se resume a adaptá-las

    às classes de águas superficiais estabelecidas pela Resolução CONAMA Nº 20, em 1986. Para as

    águas subterrâneas, teriam de ser criadas novas classes que incorporassem as características

    próprias do recurso hídrico subterrâneo (Leeuwestein, 2000).

  • 32

    Segundo Lanna et al. (2002), várias são as diferenças entre os processos hidrológicos entre os

    corpos de água subterrânea e superficial. A análise pode ser feita segundo duas óticas distintas:

    primeiramente, no que diz respeito à vulnerabilidade à poluição; em segundo lugar, relativamente

    à capacidade, ou facilidade, de recuperação do corpo hídrico, uma vez que o mesmo esteja

    poluído.

    5.4 - O ENQUADRAMENTO: EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E

    INTERNACIONAIS.

    Para elaboração deste item, foram utilizadas poucas referências bibliográficas, em função do

    pouco desenvolvimento teórico sobre o tema, principalmente no que diz respeito aos rios

    intermitentes. De acordo com as pesquisas bibliográficas, são limitados os trabalhos referentes a

    enquadramento de cursos de água. Quanto aos cursos de água intermitente no âmbito estadual,

    federal e internacional, não foi identificado estudo algum de enquadramento desse recurso

    natural.

    De um modo geral, a implementação e a aplicação do instrumento (enquadramento) tornam-se

    difíceis pelas limitações técnicas e instrumentais ligadas à falta de recursos financeiros e às poucas

    experiências na gestão de recursos hídricos. Também, existem incertezas sobre como aplicar o

    instrumento por falta de diretrizes e metodologia, principalmente nos cursos de água

    intermitentes.

    Segue um breve relato sobre e