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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
INSURREIÇÃO DOS SABERES
TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO
DO MST:
UM ESTUDO DE CASO DA ESCOLA AGRÍCOLA 25 DE MAIO – FRAIBURGO/SC.
O ENSINO DE GEOGRAFIA EM QUESTAO
Heitor Antônio Paladim Júnior
São Paulo
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA
INSURREIÇÃO DOS SABERES
TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO
DO MST:
UM ESTUDO DE CASO DA ESCOLA AGRÍCOLA 25 DE MAIO – FRAIBURGO / SC.
O ENSINO DE GEOGRAFIA EM QUESTÃO.
Heitor Antônio Paladim Júnior
Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Geografia Humana, Departamento de Geografia Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Geografia Humana.
Orientadora: Prof. Dra. Sônia Maria Vanzella Castellar
São Paulo, dezembro de 2004.
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Avaliação da Banca Examinadora
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DEDICAÇÃO:
Para todos e todas os (as) Sem Terras e Sem Terrinhas , a todas e todos as (os) Lutadora(e) s da Via Campesina.
Maria Aparecida e Seu Heitor, Meu Pai , minha Mãe
(na memória, na poesia, na alma e no sangue)
Para seus f i lhos e f i lhas: meus três irmãos e oito irmãs. Para os f i lhos e f i lhas dos manos e manas: a “sobrinhada”.
Aos meus padrinhos: Tia Cél ia e Seu Toninho. As t ias: Georgina e Dolores, ao Tio João, Zé Luis
(aos quatro em memória). A tia Ruth e t io Zé, lembranças presentes da infância.
A três grandes seres humanos que se foram no decorrer da pesquisa: À Sem - Terra Nori lde, o engenheiro/estudante José Francisco (Fran) e o irmão de transformar o mundo, Telmo. Muitas saudades desses lutadores do povo.
Paratodos: mães, pais e irmãs e irmãos que a vida me deu. . .
No coração Seu Zé e Maria Bete , Maria Lúcia Amorin Soares, Cri -Cris. . .
Q uer ida J ul i a na , min ha se mpre a mig ona da s Ol ive i ra s ,
Q uan d o t ud o c omeç a c om você vi ver é mai s . . .
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Agradecimentos
Páginas e momento: território de expressar gratidão de maneira mais específica. No
decorrer da vida e de um trabalho desses aprendemos a despontar a sensibilidade (razão
sensível, nos dizeres compromissados de Juliana) para descobrir companheiros, aqueles que
dividem o pão. Compartilham. Um beijo no coração e um abraço do tamanho do mundo
para cada ser humano dessas gratidões.
Agradecer no específico, primeiro a Da Sônia Maria Vanzella Castellar que acreditou no
trabalho e abriu portas: mostrou caminhos. Educadora, sou pura gratidão, pelo mar de
oportunidades. Essas atitudes de amizade e de orientação revelam que seu coração não é
uma simples morada, é castelo: Castelar.
Agradeço a Capes, e aos que nela lutam por uma ciência e tecnologia brasileira com
qualidade social. Sem a concessão da bolsa de estudos, este trabalho seria menos.
Agradeço meus familiares, minhas irmãs e irmãos de sangue: Sueli, Rosa Maria, Miguel,
Silvia, Andréia, Ana, Carolina Fernanda, Marcos. Agradecimentos com juros e
dividendos para Sônia, Leila e Celso, que financiaram (via empréstimo) viagem ao México
para apresentar trabalho no EGAL. Agradeço também aos Cunhados, cunhadas, primas e
primos. Abraços a Telma (caronas na época de aluno especial). Paula e Laura, por escutar
o tio contador de estórias e tocador de violão. Andréia e Sergio Scatena, grato pela
estadia e pela amizade.
Gratidões: Ariovaldo Umbelino, mestre, que até em silêncio e distante nos ensina. Seus
textos conduziram meu viver educador. Ao conhecê-lo pessoalmente, seu companheirismo
e atenção orientam rumo a transformação social. A enorme e importante contribuição no
Exame de Qualificação. Pelos textos lidos e relidos, pela contribuição na Qualificação:
Prof.a Dr.a Maria Elena Simielli. As grandes mulheres e doutoras: Odete Seabra, Ana
Fani A. Carlos, Amélia Damiani, Nídia Pontuscka, Cecília Hanna, Jandira Spalding.
À querida Educadora Dra. Maria Do Carmo e sua filha Adriana, pessoas-mulheres que
mudam o mundo para além de melhor... Ao Dieter, amigo educador, pelo Enigma Brasil,
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desvendado sertões... mais um abridor de inúmeras portas. Carinho ao povo do Magind:
Cláudia, Andréia Lunks, aos estudantes /educadores / as das cinco etnias do Estado de
SP, et alii...
Aos funcionários do Departamento: Ana, Cida, Jurema, Rosângela, Orlando, Tião. Aos
técnicos humanos dos Laboratórios: Josselito Jesus (solidariedade tem nome), Ana
(Aninha), Marisa (Geomorfologia.), Paulo (Cartografia). A pedagoga da urbana: Flor
(adoração). Agradeço ao Casemiro, Marco (Técnico dos PC) e ao Osvaldo (Audiovisual).
Meu apreço aos seguranças e zeladores do prédio da Geografia-História, aos motoristas do
Pierre: Bigode, Ronaldo e Roberto.
Para chegar até aqui, também recebi apoio dos amigos e amigas “das antigas”: Dunga e Si
(junto vem Jorge, Ana e Luisinho), grato por existirem. Dalton, Karine, Néia,
Alexandre, Alexandre da Silva (Biro), André, Ana Júlia, Landinho, Zoê Dalva e
Gustavo Sepúlveda, Gabi, Tati Rotolo (e sua nova contribuição à humanidade), Bel e
Tumolo, Elenira. A todas e todos “Cri-Cris” e “preocupados”, impedimos um
Presidente, criamos espaços rumos aos moinhos de vento.
Agradecimentos também cabem as pessoas do Crusp, vizinhos, muitos agora amigos e
amigas, desde os da chegada: Jesus, Petri, Maria Carmen, Vivian Urquidi, Júlio Xavier
(que contribuiu gramaticalmente nesta dissertação), Sérgio. Os que aí ainda estão: Ari (do
cachimbo), Zé Arthur, Oliver e Eni. Pessoal do 601: Denílson Werle, Jaimir Conte,
Robinson (Bahia). Pedro Dias (Noites), Juliana Oliveira (tri) e Caio, meus amigos (a)
grato pela paciência. As duas Alessandras: uma significante amiga, a pedagoga, a outra um
amor sem letras para expressar a perda. Ao ex-moradores do 506 E (Fabi, Camila, André
Baldraia, Sarita e Maíra). A turma: Michele Yara (Mimi), Walter Aloísio (Balloo),
Frajola, Efifi, Fabiano Zoinho, Anailton, Reginaldo (GG / mineiro), Ângelo, Airol,
Dewar, Janete e Juninho, João Fernandópolis e Mércia, gratos pela força. Aos Berg’s
de Goiânia, Plácido e Cássia. E Alliny, Fernandinha e Robson (trio-Goiânia).
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E também agradecer de coração quem contribui para que a escrita desta dissertação fosse a
contento: Seu Jorge, grato pelo crédito, e a Jane (um beso), Josué que garantiu a
biblioteca e Ricardo que me confiou o som. Ivan e João das Neves que escutaram e
escreveram. Lobão e Fabiano (ex-cunhado). Sem todos a dissertação não aconteceria.
Vizinhos do coração: Cátia, Maurício, André, Augusto e Iracema Jandira, Rogério e
Valentina Piragibe, Admar, Michela, Liane, Thiagão e Aline, Vagner. Aos que do
Crusp já mudaram: Luis Fulano, Wayne, Joca, Denise, Paulo. Aos que no Crusp
trabalham para deixar a moradia estudantil com mais qualidade social: Zósia, Simone,
Maria (Dodô), Ieda e a minha Assistente infelizmente palmeirense: Carla. Os porteiros
Joilson, Marcolino e o grande amigo João. Agradecer a atenção e as prosas do Albertino,
Wilson, Rosângela, Vera, Sizenando, Reinaldo e Sidnei. Agradecer ao camarada
Portuga: seu Fernando. Agradeço a todos os trabalhadores do Crusp, que entendem a
importância dessa moradia para o País.
Finalmente, para encerrar esses sinceros agradecimentos, lembrar das pessoas da
caminhada geográfica: Diana, Flávia (e Júnior da Política), Flávia Grimm, Rosalina
Burgos (somos do mesmo barco), Jerusa, Ana Lúcia, Sônia Romano, Luciana, Marco
Araça, Pimenta, Fernanda Contessoto (escutou e escreveu), Paula Borin, Doraci,
Humberto Galo, Débora, Nilo Lima, Paty Marinho (e o Kauí), Otávio (J) e a Banda
Malacquias na Cozinha, Scarim, Manoel Fernandes, Gilberto Giba, Laércio, Bili
Malachias, Carlão, Chicão, Danton, Sálvio, Paula do Maracatu, Anselmo e Ana,
Mônica Arroio, Vicente, Alexandra (Agrolab), Reinaldo, Larissa e Edu Isnupi, Adriana
Sesti, Yamila, Amanda, Wel, Eliane (a Branca), Adriano (cidadania), André Carvalho,
Soraia (UnG), e aos estudantes e mestras (es) do Agrolab. Agradeço aos que conheci sendo
monitor da Geografia Agrária: aprendi muito com vocês. Apreço especial: amiga Erenai,
duas Priscilas, Amanda Catarruci (furacão), Govinda, Erick, Chepa, Rodrigo Bona,
Mauricio e Juliana (fitness). Gratidão: Edu Morgado, Maria do Fetal e Vitor Hugo,
importantes diálogos. Pelos saberes agradeço as moças que organizaram a Semana de
Geografia 2003. Gratidão a Valdirene, as pessoas que trabalham na AGB – SP. Pessoas do
IEB, lugar importante para nossa caminhada intelectual: Eliana (especialmente especial),
Marili, Caê, Mônica e Vitor, Flávio, Marcão, Felicíssimo(s). Outras caminhadas: José
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Meneses, Eliane (APG), Daniel Feldman, Ania, Sérgio Motejunas, Sebá, Valter
(Sociais/USP - ITESP), Maridene, Dri, Mariana PUC, Ana de Poá (ao Ió e a Iá), Lila de
Pira, Maria Cláudia, Luísa e Débora, Cláudia Guedes, Sylvia Nunes, Lú Monteiro,
Germana, Ana Paula Tatajuba, Márcia (poetisa de SC), Rô (Gaúcha).
Fui ao México, e assim agradeço a quem contribuiu para que lá pudesse me sentir bem:
Alejandro Buenrostro, Zezé, André Larsen (Xoxobil), aos Peraza.
Para encerrar de fato, agradeço as pessoas da Escola Agrícola e dos Assentamentos de
Fraiburgo. Gratidão companheira aos ativistas do MST. Estudantes, Educadores/as,
Assentados/as de Abelardo Luz, em especial ao grupo da Santa Rosa: Roberto, Dona
Maria, Inês Mossi, a todos/as que fazem a Reforma Agrária acontecer. Dan Baron,
Manú, Aldoir, Sônia e criançada, abração...
Essa dissertação é feita de gente... Então, você, que esqueci, cabe dentro dela.... Contribuiu... Agradeço ... inté.
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Sumá rio Resumo........................................................................ dez Abstract........................................................................ onze Resumo campesino...................................................... doze Resumo das línguas desaparecidas............................ treze Álbum d e fo tog ra f ia s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . quatorze Ca ra cte r i za ção da á rea d e e s tudo . . . . . . . . . . qu inze Introdução.................................................................... Página dezessete Lado A Capítulo I – . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página vinte e nove
Capítulo II – . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Página sessenta e um
Lado B
Capítulo III – . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Página cento e treze
1 - O papel dos pesquisadores / as (e, portanto da pesquisa) com os Movimentos de
transformação da sociedade brasileira. Uma reflexão necessária...
2 – Desafios da Metodologia
3 - Acionando o diálogo entre pesquisa qualitativa e pesquisa/ ação - participativa em
educação: os comos e os porquês...
4 – O campo no Campo: observar, entrevistar, participar :
Observar
Entrevistar
Mosaico das vozes: sistematizando as entrevistas
Participar
As Oficinas de Diálogo
Conclusões inconclusas. . . . . . . . . . . . . . . . Página duzentos e cinqüenta e dois .
Bibliografia.................................................. Página duzentos e sessenta e seis .
Anexos ......................................................... Página duzentos e setenta e três .
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RESUMO
Esta dissertação trata da questão agrária brasileira ao enfatizar um estudo de caso
da Escola Agrícola 25 de Maio (Município de Fraiburgo, meio Oeste de Santa Catarina,
Brasil). Essa instituição, organizada pelo movimento sócio-territorial: o MST, atende a
filhos / as de assentados / as e faz parte da luta pela conquista e manutenção da terra de
trabalho. Ao observar o cotidiano escolar, nós investigamos o currículo operado por
educadores e educandos e as diferentes estratégias no processo de ensino-aprendizagem via
CEPRA (Cooperativa de Estudantes pela Reforma Agrária). Observamos também que a
escola e a escolarização ganham sentidos além das visões economicistas presentes na
construção dos valores da modernidade.
No processo pela luta por uma Educação do Campo e por Escolas do Assentamento
é importante pensar em um movimento que desafie a cultura vigente ao propor mudanças
de valores.
O objetivo da dissertação é revelar como esses movimentos com base em dois
conceitos raros como: territorialização e espacialização. A Geografia Agrária e o
entendimento dos movimentos sociais constroem caminhos para a Formação de Educadores
e para que os camponeses tenham voz em outros espaços. A estrutura desse trabalho tem
como apoio oficinas didáticas–pedagógicas e, principalmente o diálogo entre o saber
popular e o científico. Apontamos para uma proposta de uma Geografia das (e nas) Escolas
do Campo, e para um novo conceito de Campesinia (cidadania do campo). Este estudo
“abre portas” para futuros estudos sobre Etnogeografia.
Palavras chave: educação do campo, escolas de assentamentos, Reforma Agrária,
espacialização e territorialização, formação de professores, campesinia.
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ABSTRACT
This dissertation deals with the Brazilian Agrarian question by emphasizing a case
study of Escola Agrícola 25 de Maio (Fraiburgo borough, Middle West of Santa Catarina,
Brazil). This institution, organized by the socio-territorial movement: MST, sees settled
children and is part of the struggle process of conquering and maintening the land of work.
By observing the everyday work at school, we investigate the curriculum operated for
educators and learners and different strategies for the learning-teaching process via CEPRA
(Students Cooperative for the Agrarian Reform). We also noticed that the school and
schooling receive new meanings beyond the economicist views presented to the values of
modernity.
In this process of fighting for “Country Education” and for “Settlement Schools”,
it`s important to think about one movement that challenges the current culture by proposing
the change in values.
The aim of this dissertation is to reveal how these movements based on two rare
concepts such as: Territorialization and Spacialization. The Agrarian Geography and The
Comprehension of the Social Movements, construct paths to the Educators Formation and
allow peasants to construct their voices in other spaces. The framework of this dissertation
is based on the pedagogical didactic group-work, and mainly on the dialogue between
popular knowledge and science. We demonstrated a proposal for Geography in/of the
Country Schools and a concept of peasantry citizenship. This research “opens the doors” to
new studies of Etnogeography.
Key-words: Country Education, Settlement Schools, Agrarian Reform, Territorialization and Spacialization, Educators Formation, peasantry citizenship.
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RESUMO CAMPESINO
“Nós fizemo, lutamo por isso ai e tudo deu certo, né? Aonde que nos temo essa escola hoje
até o segundo grau, né? Não foi com brincadeira que nós conseguimo assegura ela. Porque
teve muito ataque do próprio município, da autoridade do município tentano acaba com a
escola, tentano fecha, que num aceitava nossa proposta, da educação que nóis tinha, que
nóis queria aquilo que era a vontade de nossos filho que falava de nossa história e a, e as
criança aprende, não sabe a velocidade dum avião, mas sabe a aquilo que era pra... que ia
fazê bem pra eles mais tarde, sabê se defendê de certas exploração, de esse sistema que nós
temo, e...”
O Assentado CH colaborando com a pesquisa em entrevista na sua casa .
« Meu coração restava cheio de coisas movimentadas »
João Guimarães Rosa
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RESUM O
NAS L ÍNG UAS NA T IVA S DESS E NO SSO CONT IN EN T E.
?
Pa la v ra s ch ave s: f a lta gent e , fa lt a a l íngua .
14
Á lbum d e fo tog ra f ia s
15
Ca ra cte r i za ção da á rea d e e s tudo
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17
“SE QU ER ES SER UN IV ERSA L,
COM EÇA POR PI NT AR A TUA A LD EI A. ”
T OLST ÓI , E SC RIT OR RUSSO.
I n t ro du ç ã o
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Introdução
Compromisso social é uma ação, entre várias outras que pode funcionar como
pressuposto de uma almejada construção de conhecimento científico. Precisamos manter
esse compromisso nas relações de vivência que estabelecemos com as pessoas que vivem
em um determinado lugar estudado. Ao realizarmos um projeto de pesquisa e, neste
momento, na elaboração final desta dissertação, somos envolvidos por esse compromisso.
Mas o que vem a ser esse compromisso social? Vivemos socialmente em meio ao
dinamismo inovador do uso do conhecimento, a revolução científico – tecnológica. Temos
um compromisso em sanar uma dívida social, não realizada por nós, com os milhões de
brasileiros que, além de excluídos do ensino superior, foram e são excluídos de uma série
de atributos (artefatos e bens) da vida moderna, devido a um grau de relacionamentos que
abraçam injustiças e exploração. Valorizar sobremaneira as Universidades em que somos
estudantes, educadores, trabalhadores, lutando contra o desmantelamento dessa infra -
estrutura e também valorizar o papel da Ciência em nosso viver em sociedade neste início
do século XXI faz-se necessário em tempos de declínio dos investimentos em Ciência e
Tecnologia. Porém, essa valorização vale como anúncio para que afirmemos a
responsabilidade que acompanha nossos atos acadêmicos. Os atributos da vida moderna,
muitos deles proporcionados pelo fazer científico, são relacionados tanto aos artefatos que
proporcionam saúde de qualidade, garantia de acesso a todos os níveis da educação escolar,
como por elementos ligados à industria bélica e ao consumismo exacerbado. Enfim,
contribuem tanto para o exercício da cidadania crítica e criativa, como para a morte. Dessa
forma nos cabe sugerir políticas públicas para redimir o analfabetismo que agora também
se torna científico e tecnológico. No caso de uma boa parte das pessoas no Brasil, nem
sequer terem acesso a esses atributos nos remete a essa dívida e porventura ao compromisso
de resolvê-la. Essa dívida está relacionada à injustiça social que acompanha a má
distribuição da renda, a exploração da mais valia, característica fundamental do Modo de
Produção Capitalista, enfim ao que é hegemônico no mundo em que vivemos. Assim,
podemos ainda lembrar o problema da falta de moradia digna para os trabalhadores urbanos
e a falta de terra para viver em relação à maioria dos camponeses. Supomos que, numa
sociedade de classes, temos uma dívida com o povo, sugerindo que coloquemos nossos
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saberes construídos e sistematizados para a melhoria do viver desse povo, cientes dos
vários (des) entendimentos que essas atitudes carregam. Essa situação supõe que
estreitemos um diálogo com outros saberes, os conhecimentos que a maioria da população
brasileira vem construindo. A divergência sobre o como fazer, como sanar essa dívida,
enriquece a construção do nosso país com mais justiça social. O contrário do compromisso
que busca atender as demandas populares é aquele que opta pela elite, esse segue pelo viés
do status quo; é outro compromisso. Muitos podem pensar que esse discurso está
desgastado, num movimento de construção ideológica que impulsiona esse desgaste. Mas
acreditamos e temos clareza que cada uma dessas palavras é viva dentro dos
acontecimentos enquanto ação na busca de uma nação soberana. Essas palavras, esse
discurso, associado a esses compromissos, é que regem a escolha do tema dessa
dissertação.
Nas próximas páginas expressamos esse compromisso por meio de uma Ciência
Geográfica que pesquisa, pensa, analisa algumas ações de parte do povo brasileiro. Ao
final, contribuímos sugerindo possíveis soluções para limites percebidos. Pretendemos
contribuir para aprendermos mais o Brasil, quem sabe com isso, termos possibilidade de
ensinar. Temos, assim, uma posição vinculada à produção científica de nosso país e sobre
ele. Optamos pelo sentido de liberdade e de resistência de uma parte do povo que, em
movimento, produz conhecimentos. O povo organizado em movimento e a ciência em
movimento. Lições, que, ao vivermos no mundo hodierno, convidam-nos constantemente a
aprender. Sem ser inteiramente e exclusivamente nacionalista, optamos por fazer ciência
envolvida com a resolução dos problemas de nosso país, vinculando assim nossa
construção a um diálogo com os que não tiveram acesso à construção do conhecimento no
interior das academias. Esse é o papel que levamos a cabo, nos apoiando em OLIVEIRA
apud ROCHA (1993: 186) que sugere a realização de uma geografia “comprometida com o
homem e a sociedade, não com o homem abstrato, mas com o homem concreto, com a
sociedade tal qual ela se apresenta, dividido em classes com conflitos e contradições. E
contribua para sua transformação”.
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Propomos, assim, um diálogo entre lugares. Diálogo que impõe distanciamentos e
aproximações. Apurando relações, percebendo limites e possibilidades. Vivemos no limiar
de um novo milênio, quando vários agentes da mídia apontam o “Mercado” como uma
entidade que “fica nervosa”. Atitude essa que reflete o que os grupos interessados
autenticam: o mercado possui vida própria. Diante disso temos que ter clara a opção de que
o povo tem mais que vida, pois possui o direito de ser movimento, e entrar por sua vez na
luta pelo saber. O povo ao qual nos referimos é feito de pele, carne, músculos, nervos e
ossos, tem sangue, mentalidade e coração. São seres humanos vivendo num sistema que os
oprime. No caso aqui travamos uma disputa pela construção intelectual que passa por
entender e explicar a vida (o que é viver/ pra que vivemos/ quem comanda nossas vidas?),
relacioná-la a lugares e temporalidades provoca e impulsiona atitudes que regem os
movimentos populares e quiçá alguns trabalhos e preocupações acadêmicas.
Essa dissertação tem como objetivo apresentar e analisar o papel da Escola de
Assentamento, mostrando como ocorre o ensino de Geografia. Apontamos, a partir disso,
possibilidades e limites da luta dos camponeses organizados através de um movimento
socioterritorial.
A Escola Agrícola 25 de Maio, que atende a cinco assentamentos da Reforma
Agrária no meio oeste de Santa Catarina – um lugar que se estabelece a partir de outros
lugares e outros tempos que a ele se vinculam e por ele são acionados. Foi em nossas
análises o ponto de partir e de chegar. Concluímos que a Escola atua como um referencial
das demandas desses sujeitos. Desta feita a Escola, e neste estudo a Escola Agrícola,
contribui para a Territorialização e Espacialização do MST.
Embora tal assunto – escola do campo e seu papel na espacialização e
territorialização do Movimento Socioterritorial – estejam envolvidos na amplitude da
questão agrária referente ao nosso país, instituída por essa complexidade, são poucos os
trabalhos científicos em geografia, que as têm como temas centrais, embora estejam
presentes de alguma forma nos diversos estudos. Alguns estudos têm levado em conta os
assentamentos rurais e acampamentos ligados à luta de conquista da terra de trabalho por
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parte dos camponeses como novos lugares sociais, poucos têm analisado cada um deles
como um núcleo social de conquista da cidadania.
Estudamos e realizamos nossa pesquisa na zona rural do município de Fraiburgo,
Estado de Santa Catarina (trata-se de uma Escola do Campo). Essa dissertação, no que ela
possui de mais geral, discorre sobre o que a escola do campo representa perante o Capital
hegemônico no mundo de hoje.
Sobre as abordagens que faremos nesta Pesquisa, podemos chamar a atenção para
o imbricamento que há entre as várias faces da realidade brasileira atual, que consideramos
importante destacar para dinamizar nossa pesquisa:
� Questão Agrária brasileira, que apesar de sua complexidade histórica e territorial, a
partir dos sujeitos que a compõem, destacamos o papel da resistência do campesinato
brasileiro, escolhendo lançar um foco para o maior movimento socioterritorial atuante
no Brasil atualmente.
� A relação entre saber acadêmico e saber escolar: pelo viés das sistematizações
Curriculares locais e nacionais do MST, num olhar dialógico da discussão e
sistematização acadêmica sobre esse assunto. Trata-se de um currículo que questiona
tanto os valores dentro da sociedade brasileira, como sugere novidades para o processo
de se fazer a escola, e mais especificamente sobre escola do campo. Sabemos que viver
no campo implica em diferenças sobre o viver no cotidiano de cidades, relacionadas a
trabalho, tempo, espacialidades, etc., porém, percebemos que ser cidadão nos últimos
anos no Brasil, implica em adotar valores nitidamente citadinos, urbanos. Como se dá o
choque entre uma proposta de algo novo e um jeito de escola que tem uma lógica
citadina? Que implicações que esse choque traz? E ainda uma outra questão que nossas
visitas de trabalho sugeriu, foi a que se refere sobre o quanto o saber popular,
construído ali nas práticas escolares do movimento, podem contribuir para a ciência
academicamente construída.
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� A aprendizagem de Geografia numa Escola do Campo, utilizando a formação de
conceitos para compreensão das ações dos sujeitos envolvidos. Analisando nessas ações
a formação de conceitos entre os educadores, avaliação crítica e proposta de ensino de
alguns conceitos para reforçar a relação entre saber acadêmico e saber escolar.
Começamos por perguntar como eles entendem esse lugar novo, esse núcleo de
construção da cidadania, denominado assentamento. Se viverem ali implica em algo
novo também. Como o velho e o novo se encontram e podem sugerir ações de ensino
aprendizagem? Espacialização e Territorialização do Movimento Socioterritorial
passam, assim, a compor as preocupações destes educadores e educandos.
Assim, contribuímos para um estudo que já vem sendo realizado por outros
pesquisadores que buscaram analisar e propor os caminhos do campesinato brasileiro.
Pesquisadores da Faculdade de Educação, do Laboratório de Geografia Agrária da USP, e
também vinculados a outras instituições de ensino superior que têm se preocupado em suas
pesquisas e estudos com os camponeses no Brasil, com a educação do campo (e o ensino de
geografia). O Campo está em movimento. A Geografia está em movimento. Nada melhor
para ambos que os movimentos da realidade brasileira ocupem o “Latifúndio” do saber
sistematizado. Podemos perceber esses temas na Geografia Brasileira a partir de vários
trabalhos de pesquisa sobre os movimentos camponeses que são realizados no nível de
iniciação científica, conclusões do curso de graduação, dissertações de Mestrado e teses de
Doutoramento.
Portanto, cabe explicitarmos que nossa pesquisa abraça uma corrente de
interpretação sobre o desenvolvimento capitalista na agricultura, aquela que entende que
tanto o campesinato como os latifúndios aumentam na relação com esse Modo de
Produção, concordando com Oliveira (1994) que afirma:
“o processo contraditório de reprodução ampliada do capital além de redefinir antigas relações de produção, subordinando-as à sua reprodução, engendra relações não capitalistas igual e contraditoriamente necessárias a sua reprodução”
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Neste processo contraditório do Capital mundializado é que podemos entender os
camponeses, e até a aceitação sobre um determinado tipo de Reforma Agrária, aquela que
não afete a renda da terra. Mas esses sujeitos se reconhecendo subordinados, passam a
resistir e tentar transformar tanto pelo viés econômico, entrando no mercado, como resistir
com sua gama de valores, que por si só já são culturalmente diferentes dos valores
burgueses.
Os conceitos de Espacialização e Territorialização (Thomas,1995.Fernandes,
1999) quando sugeridos para entendermos o papel de uma escola remete a analisarmos essa
instituição na vida da comunidade assentada. Estabelecemos um diálogo, com as
possibilidades e confrontos entre o fazer científico, o saber popular que age localmente
concatenado a um currículo em movimento, do setor de educação do MST, se
especializando e territorializando pelos diversos locais, possuindo abrangência nacional.
Através de uma prática didática-pedagógica de ensino da Geografia, o que
chamamos de “oficinas de diálogo”, despontaram algumas dessas relações. Que assim se
transformaram em material para a construção das próximas páginas desta dissertação.
Antes de apontarmos quais os objetivos do nosso trabalho de pesquisa, ou seja, o
que nos movimentou no ato de pesquisar, cabe lembrar o que nos diz Oliveira (1995):
“Desvendar o Território pode e deve ser uma perspectiva científica para a Geografia”
(Oliveira,1995)
Desvendar esses passos dados pelo Movimento que constroem outra
territorialização é de extrema importância para a Geografia Brasileira, possibilita que ela
mantenha seu papel de ciência comprometida em estudar e sugerir mudanças aos rumos de
nosso país.
Os assentamentos rurais, surgidos a partir da década de 80 do século passado
solicitam esse desvendamento, além disso, podemos atentar para o que nos sugere
Fernandes (2001), quando o mesmo convida aos que almejam estudar essas relações, em
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assumirmos um objetivo em contribuir com o desenvolvimento socioeconômico e político
dos assentamentos rurais, bem como as lutas pela terra e pela Reforma Agrária.
Cientes desse convite, e nos apoiando nesses objetivos que sugerem caminhos,
estipulamos que o objetivo principal desta pesquisa foi procurar entender de que maneira a
Escola e a educação Escolar (com ênfase para o ensino aprendizagem em Geografia)
contribuem para a territorialização dos camponeses organizados através de um movimento
popular (socioterritorial).
Foi necessário entender como as estratégias e táticas do MST se transformam em
ações didáticas pedagógicas e possibilitam que as crianças e jovens, assim como os
educadores façam parte da territorialização e espacialização da luta pela Reforma Agrária.
Lendo o material do Setor de Educação do MST, assim como os cadernos do Movimento
por uma Educação do Campo, bem como visitando o cotidiano escolar e as famílias dos
assentamentos circundante a Escola, percebemos que os limites e as possibilidades, as
aceitações ou não dos caminhos percorridos por essas tentativas de apontar uma discussão
sobre o fazer escolar, sobre a formação dos sujeitos Sem Terras contribui para essa
espacialização e territorialização.
Desta feita, ao analisarmos como está sendo a formação geográfica dos estudantes
e de como uma proposta de ensino pode auxiliar nessa formação, descobrimos que também
podemos estender essas preocupações e contribuir para a formação dos educadores.
De certa maneira o que pretendemos, a partir desta dissertação, é sugerir uma
discussão sobre uma Geografia das Escolas do Campo, através de uma prática de ensino/
aprendizagem de geografia numa escola do campo.
Para alcançarmos esse intento, fez-se necessário estipular e alcançar objetivos mais
específicos durante os caminhos da pesquisa. Assim, verificamos os modos de
funcionamento da Escola Agrícola 25 de Maio, em seus relacionamentos com a pedagogia
do MST e com a comunidade assentada. Será que no dia a dia duma escola de
25
assentamento, ligada a um Movimento Socioterritorial da amplitude do MST, teríamos uma
teoria escolar própria sendo gestada?
Observamos quais os graus de alcance das atitudes pedagógicas realizadas na
Escola para propor novas territorializações e resistências aos camponeses e de como essas
atitudes propõe o novo e/ou reproduzem o velho no que tange à organização escolar.
Analisamos qual a importância (os diferentes pontos de vista) sobre a Escola e o
processo de escolarização que têm os camponeses assentados no município de Fraiburgo –
SC. Para alcançar todo esse intento também levamos em conta a análise a partir de oficinas
didático-pedagógicas com as turmas do ensino fundamental, e com os educadores. Essas
oficinas visaram construir conceitos e desenvolver habilidades, ao mesmo tempo que
abriam caminho para que pudéssemos entender a vida da escola.
A partir desses objetivos levados a efeito e alcançados, sugerimos o debate sobre
os caminhos e as relações que essa pesquisa propõe.
Dessa maneira, os questionamentos apontados a partir do projeto inicial e os que
foram surgindo nos trabalhos de campo permitiram realizarmos e estruturar a seguinte
hipótese geral dessa pesquisa:
Ao que parece a Escola localizada nas áreas de assentamentos de Reforma Agrária
tem um papel importante na territorialização desses assentamentos, possibilitando a
efetivação e continuidade da luta camponesa. Isso possibilita que esses camponeses
comecem dentre as suas preocupações também a valorizarem mais a Escola - fato que não
ocorria antes, devido a um entendimento influenciado pelos valores e choques culturais
proporcionados pelo advento da modernização no Brasil. E de como se organizava as
escolas do campo. Essa opção por Escola altera a própria organização dentro dos
assentamentos e de forma geral no MST, como um todo. Propicia e impulsiona a
transformação do território conquistado.
26
Esta pesquisa se baseou na análise reflexiva de algumas das dinâmicas e
estratégias vivenciadas pelos camponeses para se manterem na terra e assim sustentarem -
se (ou recriarem - se) como sujeitos sociais do campo. O que chamamos de camponeses.
Como afirmam alguns teóricos do Campesinato, que os camponeses têm como limite de
suas ações a sobrevivência, ao freqüentarmos e lermos seus manifestos e manifestações
acrescentamos que também existe uma forte tendência ao cultivo de ensinamentos que
remetem a valores humanistas e culturais inerentes à vida rural, negando o reducionismo
economicista dos valores capitalistas, que apresentam impossibilidade ecológica, êxodos,
exploração, ganância e lucro. Depois de conseguida a terra de trabalho se dá um movimento
para permanecer na terra. Com certeza essa preocupação acontece pelo viés da produção,
da relação com o mercado. Porém é necessário também que levemos em conta que a
Escolarização vem ganhando aspectos importantes para contribuir na construção da
dignidade e identidade camponesa. Ainda que surjam notícias exagerando a venda de lotes,
de experiências que não lograram êxito na iniciativas de cooperação, os assentamentos
rurais continuam. Porém percebemos que enquanto hipótese, essa teve algum de seus
apontamentos negados, enquanto a Escola Agrícola, é uma escola do MST, uma escola dos
Assentados, ainda podem-se perceber limites e avanços que se confrontam. A própria
discussão das ações agroecológicas, uma das atividades que servem como “menina dos
olhos” aos educadores, ainda encontra resistência por parte dos assentados. Mas como se
trata de um projeto em construção, essa divergência se apresenta como “combustível” a um
debate necessário.
Mas esse e outros debates, essas divergências, esses limites e essas possibilidades
pretendem ser explicitados no corpo dessa dissertação, dividida em duas partes, possuindo
três capítulos e as considerações finais.
Dessa maneira, no primeiro capítulo desta dissertação, que tem um caráter mais
teórico, tratamos da educação do MST: apontamos um breve histórico do campesinato
brasileiro até chegar no MST, suas relações com a luta camponesa que se travou no Brasil e
do papel e importância do setor de educação desse movimento socioterritorial. Esse
capítulo faz um caminho que vai do geral para o específico, ou seja, concluímos
27
apresentando a Escola de Ensino Fundamental 25 de Maio (chamada pelo Movimento de
Escola Agrícola) e seu papel para a luta dos camponeses Assentados em Fraiburgo - SC.
Propomos aqui uma Geografia das Escolas Rurais, comentando de maneira inicial sobre a
mesma no Brasil, e no estado de Santa Catarina. Nossa intenção foi a partir da escola em
questão, mesclando com a luta dos Sem Terra de SC, ampliar a discussão sobre as redes
estabelecidas pelo Setor de Educação do MST. A preocupação é comentar sobre a
espacialização e territorialização das escolas do movimento, a partir da análise reflexiva do
cotidiano de uma delas. Os itens que comporão esse capítulo, dizem respeito a uma análise
dos conceitos de territorialização e espacialização numa perspectiva epistemológica da
Geografia Brasileira.
No capítulo dois, abordamos sobre a Formação de Professores, seguindo o mesmo
caminho, primeiro de maneira geral, abraçando veredas teóricas, nos apoiando na discussão
que leva em conta o papel cultural da Sociedade Brasileira e da importância da
escolarização enquanto parte do processo civilizatório. Nesse capítulo, aprofundamos nossa
análise sobre a Escola Agrícola, apresentando suas ações curriculares internas e sua
importância para a luta dos camponeses assentados em Fraiburgo - SC. Tratamos assim de
escrever um capítulo dedicado à contextualização da escola estudada, abordando a
perspectiva espaço/temporal da mesma.
No terceiro capítulo, dissertamos sobre a Metodologia da Pesquisa, apresentamos as
raízes metodológicas e conceituais com as quais trabalhamos. A linha adotada que caminha
pela pesquisa qualitativa, mesclada com o entrelaçamento possível entre a pesquisa-ação e
a pesquisa participativa. Os sujeitos dessa pesquisa – pais, educadores e educandos ligados
a essa escola – com os quais nos relacionamos através de entrevistas, observações e
aplicando oficinas didáticas pedagógicas ou que já denominamos de “oficinas de diálogo”,
aparecem aqui como colaboradores para que possamos entender e sugerir sobre a realidade
vivida por eles. A partir dessas relações descritas e analisadas apontamos assim critérios de
avaliação dos instrumentos utilizados. Desta maneira analisamos algumas contribuições de
estudantes por série: debatemos, à luz de alguns conceitos importantes para a ciência
geográfica e para a geografia escolar, a Geografia numa escola rural e seu currículo em
28
ação. O diálogo entre Saberes: ciência, popular (acumulado das experiências do Movimento
popular) e saber escolar. Este é um capítulo que une algumas discussões teóricas sobre o
ensino de geografia (alfabetização em Geografia) com as oficinas que realizamos na
Escola. O que pretendíamos e o que foi alcançado ao realizarmos três estratégias de
pesquisa: observar, entrevistar e participar.
Finalmente nas derradeiras páginas denominadas de Conclusões Inconclusas,
faremos uma análise geral da experiência desenvolvida, da relação de ensino aprendizagem
geral que ocorreu na Escola neste período que lá estivemos convivendo, para tanto
dialogamos esse capítulo com os demais em algum de seus aspectos. Essa análise final e
geral só terá sentido se propormos um caminho curricular e indicar possibilidades
conceituais para a Geografia ensinada nas escolas de assentamentos e intervir na Geografia
Acadêmica.
Os Acampamentos e Assentamentos do MST e dos outros Movimentos
socioterritoriais/camponeses existentes hoje no Brasil são territorializações e
especializações da luta e resistência a modelos políticos e teóricos (ideológicos) que
atingiram a sociedade brasileira no decorrer do século XX de maneira bastante intensa.
Estarmos organizados e cientes de nosso papel enquanto pesquisadores amplia a
possibilidade de desvendarmos, como aponta Carlos Walter Porto GONÇALVES, os
vetores instituintes das tensões territoriais de nossa época, e nos possibilita contribuir para
a construção de um país mais justo e com qualidade social.
Estamos convencidos, desta maneira, que desvendarmos esses vetores, a partir de
uma escola do campo, de sua prática e vivência pedagógica e comunitária pode contribuir
para o que esperamos seja a construção dos saberes. Isso se transforma, assim, para nós
geógrafos, no que podemos assumir como um compromisso social.
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LADO A
DA UNIVERSIDADE
AO
CAMPO
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PRA SOLETRAR A LIBERDADE
(Zé Pinto)
Tem que estar fora de moda
Criança fora da escola, pois há tempo
Não vigora o direito de aprender
Criança e adolescente numa educação
Decente pra um novo jeito de ser
Pra soletrar a liberdade na cartilha do ABC
Ter uma escola em cada canto do Brasil
Com um novo jeito de educar pra ser feliz
Tem tanta gente sem direito de estudar
É o que nos mostra a realidade do país.
Juntar as forças, segurar de mão em mão,
Numa corrente em prol da educação
Se o aprendizado for além do Be A Bá,
Todo menino vai poder ser cidadão.
Alternativa prá empregar conhecimento
O Movimento já mostrou para a nação
Desafiando dentro dos assentamentos
Reforma Agrária também na Educação
I – MST, a territorialização e a espacialização
da Educação Escolar
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I
MST, a territorialização e a espacialização
da Educação Escolar
1 – Sobre o MST e os camponeses
“O MST representa uma extraordinária vontade de participação política e econômica, dando ao campesinato a voz que não tinha”.
Antônio Cândido
Com essas palavras do Professor Antônio Cândido 1, damos início a este capítulo
em que abordaremos, entre outros assuntos, o papel da Escola e a importância da
escolarização para os camponeses organizados num Movimento Socioterritorial 2. O
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que surge como um fenômeno na história
recente do país 3 traz inovações territorializadas, possui um projeto de transformação que
comporta uma discussão acumulada sobre o desenvolvimento territorial, que solicita a
análise dos geógrafos. O Professor Antônio Cândido, ao prosseguir na entrevista, e a fim de
reforçar a frase que abre esse capítulo, cita o cineasta Paulo Emílio Sales Gomes que num
Manifesto da União Democrática de 1945, trata sobre os trabalhadores rurais do Brasil
como a “A grande Voz Muda da História Brasileira”.
Inicialmente cabe atentarmos para alguns aspectos que surgem a partir da
manifestação desses dois grandes intelectuais brasileiros. Em nosso entendimento podemos
sugerir três provocações a partir dessas colocações: a primeira questão que faremos é o
significado desse emudecer que em parte revela o processo ao qual o campesinato está
1 Entrevista ao CONTRAPONTO – Jornal Curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC/SP (Ano II, n.o 11, Dez. /2002) 2 (Fernandes, 2001, p.30). 3 Internacional pois a luta camponesa hoje se mundializou. Camponeses de vários paises se organizam através da Via Campesina, o francês José Bové é um dos integrantes dessa organização camponesa mundial. É importante ter essa organização presente mas nesse trabalho estaremos mais atento a luta política dos camponeses dentro de nosso país.
32
colocado no decorrer da história do Brasil. Já um outro aspecto que podemos perceber
nessas falas diz respeito à temporalidade. Convém comentar e procurar entender o que
aconteceu com os camponeses nesse interregno entre 1945 e 1984, o ano de surgimento do
MST. Entenderemos o que ocorreu com esses sujeitos se entendermos qual o papel do
nosso país na hegemonia do Modo de Produção Capitalista. Podemos questionar
finalmente se essa “voz”, aqui entendida como vontade de participação cidadã e de
resistência, abarca somente essas duas linhas de atuação citadas por Antônio Candido: o
econômico e o político.
1.a - Significado do emudecimento
Para entendermos o motivo no qual os camponeses sejam considerados sujeitos
mudos requer que realizemos um resgate de uma face do processo histórico a fim de
descobrir os motivos e como outros sujeitos sociais colaboraram para isso. Convém
também que entendamos qual foi o papel que coube à nação brasileira no plano da divisão
territorial (mundial) do trabalho.
A partir da citação do cineasta Paulo Emílio, percebemos que os camponeses
nunca estiveram absolutamente mudos, mas sim tendo suas manifestações emudecidas. Os
camponeses foram emudecidos. Realizaram vários gestos importantes dentro da história
nacional, mas foram banidos dos manuais que contam como o nosso país se formou. Qual o
compromisso dos intelectuais que construíram a história de nosso país? Os gestos e as
atitudes do campesinato sempre foram relatados, quando o foram, de maneira
preconceituosa e caricata por uma enorme parte dos intelectuais.
Vários pesquisadores brasileiros da atualidade 4 que estudam a questão agrária
afirmam que o campesinato brasileiro se consolidou enquanto classe no decorrer dos
4 Vários professores e professoras brasileiras que trabalham e publicam pesquisas sobre o campesinato nas diferentes áreas das ciências humanas: José de Souza Martins (sociologia), Margarida Moura (antropologia), Antônio Cândido (literatura) e os Geógrafos Ariovaldo Umbelino, Regina Sader, Marta Inês Medeiros Marques. O Laboratório de Geografia Agrária da USP – Capital tem uma equipe de estudantes envolvidos com esse tema: Marco Antônio Mitidiero Júnior (estudou o MLST, outro movimento camponês, dissidente do MST), Carlos Alberto Feliciano (seu estudo resultou num mapa dos assentamentos rurais no Brasil, e
33
séculos XIX e XX. Porém cabe lembrar que os grandes proprietários de terra persistem até
hoje desde os tempos da colonização.
Alguns acontecimentos no Brasil são importantes para que possamos entender
como os camponeses puderam se constituir enquanto sujeitos na dinâmica social do país.
Quando a terra ganha a possibilidade de ser comprada e vendida, a partir da Lei de Terras
de 1850, consolida-se a propriedade privada da terra no Brasil, que passa assim a ter o
aspecto jurídico de mercadoria 5. Desta maneira, alteram-se as bases de ordem política e
social no Brasil.
É interessante notar que antes da chegada dos Europeus, ou mesmo em
determinado período, concomitante as doações reais e as Capitanias Hereditárias, os nativos
que habitavam o território americano, tratavam com a terra enquanto um bem comunal.
Com uma cruz numa mão e a espada na outra, os europeus invasores do Novo Mundo
provocaram um etnocídio e um epistemicídio 6, dizimaram pessoas, conhecimentos,
florestas, animais, etc. Aproximadamente quatro milhões de indígenas sucumbiram só em
nosso país até metade do século XIX. Esses povos, aqui no que viria a ser o Brasil, eram no
início da colonização, aproximadamente cinco milhões de seres humanos.
recentemente concluiu o mestrado onde pesquisou sobre a espacialidade e territorialização dos acampamentos), Larissa Mies Bombardi (estudou no mestrado o Bairro Reforma Agrária de Valinhos - SP, que!surgiu de um projeto de Reforma Agrária do Governo Carvalho Pinto, no início da década de 60), Rodrigo Borges (estuda o MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra, que tem sede em Minas Gerais). O professor Bernardo Mançano Fernandes, cujo trabalho e reflexões utilizamos bastante nesta dissertação, pesquisou o MST no Mestrado e Doutorado, atuou no Agrolab durante a década de noventa e hoje ainda os pesquisa a partir da Unesp de Presidente Prudente. 5 Da chegada de Cabral até a assinatura da Lei de Terras, em 1850, por Dom Pedro II, a terra no Brasil era de quem recebia uma doação do Império Português. Portanto as terras, que até 1822 eram todas de propriedade da Coroa Portuguesa, a partir da lei de terras assumiram uma postura de renda capitalizada. Neste interregno de 1822 a 1850 não houve doações, apenas tomada de posse. 6 Conceito desenvolvido por Santos, Boaventura de Souza (2000). Trataremos mais especificamente desse conceito no inicio do capítulo dois dessa dissertação.
34
A origem dos camponeses no Brasil se encontra tanto no advento da imigração
européia 7 e asiática, nos descendentes destas famílias, como nos nativos (indígenas)
escravizados, desterritorializados, que tiveram seus povos reduzidos. Também nos negros
fugitivos que organizaram seus territórios livres, os quilombos. Além desses formaram os
camponeses brasileiros os escravos libertos pelas leis anti-escravistas que conseguiram
continuar trabalhando na terra. É interessante notarmos que a maioria dos escravos libertos
não puderam ter acesso à terra, vitimados pela lei de terras, não possuíam capital necessário
para adquiri-las por compra. Os posseiros que já existiam em pouca quantidade antes da lei
de terras tiveram sua contribuição no que podemos definir como camponês. O passado das
decisões elitistas no Brasil cobra o presente. Os camponeses têm origem nesses fatos e
sujeitos.
A face econômica do Brasil, de 1500 até 1930, foi a de um país Agro - exportador,
tínhamos grande parte da produção agrícola e pecuária destinadas aos países da Europa.
Lembremos Caio Prado Júnior que escreveu que o processo de colonização foi um
empreendimento comercial. Após a Revolução de 1930, quando as novas elites industriais
derrotaram as oligarquias rurais, é gerado o estopim da industrialização, o país começa a se
industrializar de maneira mais intensa.
Quando chegamos em 1945, no manifesto do cineasta Paulo Emilio, já passamos
enquanto nação por duas grandes guerras camponesas: Canudos (1893 a 1897 numa área no
sertão baiano chamado de Arraial de Canudos) e Guerra do Contestado (1912 – 1916 em
Santa Catarina) 8.
7 A vinda de imigrantes europeus no século XIX para o continente americano, e em boa parte para o nosso país, se deve entre outros fatores, da expropriação da terra que essas famílias sofreram em seus países. O Capitalismo na Europa preparou um terreno fértil para a imigração entre esses dois continentes, pois como resultado da lógica capitalista adentrando ao campo, temos pessoas sendo expropriadas das suas terras. Vir para a América, dessa forma significou continuar sendo camponês. 8 Em boa parte da história brasileira os conflitos no campo se fizeram presente. Lutar por terra não é uma característica da contemporaneidade na área rural brasileira. Canudos e Contestado são conhecidos como lutas messiânicas do final do século XIX e início do século XX. A Guerra de Canudos constituiu na união de trabalhadores rurais e ex-escravos que peregrinavam com o beato Antônio Conselheiro em busca da terra prometida. Esta organização de quase 10 mil pessoas não agradou o governo brasileiro, exigindo o seu fim. Foi em Canudos que o exército brasileiro sofreu as primeiras derrotas e que usou pela primeira vez os canhões de guerra. A Guerra do Contestado foi uma guerra camponesa. Os camponeses expulsos pelo governo federal
35
Mas houve outros embates envolvendo o campesinato e a elite brasileira, podemos
lembrar assim da Guerrilha de Porecatu (1950 a 1951, limite entre São Paulo e Paraná),
Movimento de Dona Noca (1951, no Maranhão), no Sudoeste do Maranhão em Pidaré-
Mirim (década de 1950), nas Terras Fluminenses (1950 a 1964), Território Livre de
Trombas e Formoso (o de Trombas e Formoso em Goiás (1948 a 1973)1953, no antigo
norte de Goiás), o Movimento Arranca-Capim em Santa Fé do Sul, Estado de São Paulo
(1950 a 1960), Movimento das Ligas Camponesas (1955 em Vitório de Santo Antão,
Estado do Pernambuco) 9.
1.b Surge um Movimento Socioterritorial: um breve histórico
Após a dissolução das ligas camponesas com o Golpe Militar de 1.o de Abril de
1964, as lutas camponesas por terra de trabalho 10 foram retomadas no Brasil. Em setembro
de 1979, ocorre o acampamento da Encruzilhada Natalino, que é dado como fato precursor
desta retomada. Em janeiro de 1984, realizou-se o Congresso que originou o MST. Vários
movimentos de Camponeses de diversos locais do país resolveram nacionalizar o
movimento. Nesses cinco anos, famílias camponesas organizadas ocuparam11 terras
de suas terras na região de fronteira entre o Paraná e Santa Catarina se rebelam contra o Estado. Este enviou grande efetivo do exército contra 20 mil camponeses, usou os aviões de guerra pela primeira vez. Sobre a Guerra do Contestado é interessante o livro de Mauricio Vinhas (ao final na bibliografia geral). 9 Este foi o movimento que teve maior repercussão na política brasileira na metade do século passado. As Ligas Camponesas apesar de não terem proporcionado uma guerra entre camponeses e exército, muitos destes trabalhadores rurais foram mortos e o movimento foi extinto com o golpe militar de 1964. Veja em Stedile,1997. 10 O conceito terra de trabalho foi bastante trabalhado por Martins (1980) em outras de suas obras. É a terra possuída pelos camponeses que nela trabalham, seja pela posse, seja em terras comunitária, familiar, tribais, tendo por base o direito popular. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) num documento chamado A Igreja e os problemas da terra, originado numa de suas assembléias em fevereiro de 1980, adotou esse conceito para contrapor ao de terra de exploração, que é a terra voltada ao interesse do lucro, apropriada pelo capital, seja por exploração do trabalho, seja por especulação. 11 Aqui utilizamos a mesma posição que utilizam os movimentos socioterritoriais em relação as suas ações quando entram em terras que não cumprem a função social da terra. Existem duas posições para nomear as ações dos sem terra. Uma delas chama essas ações de invasões, já que os Sem Terra estariam invadindo as propriedades privadas e os prédios da administração pública. A palavra invasão é usada pelos proprietários e empresários rurais, pelos governos, pela mídia e por grande parte da sociedade. Existe a que intitula estas
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improdutivas a fim de pressionar por uma Política de Reforma Agrária. Nesses 39 anos que
separam o manifesto escrito e lido por Paulo Emílio até o primeiro encontro gerador do
MST, as elites brasileiras continuaram com sua disposição para possibilitar um país
moderno, mas ainda assim dependente do Capital Externo, ou seja, um país a serviço da
reprodução do Capital.
O processo de industrialização vai gerar uma série de mudanças no território
brasileiro e concomitantemente na vida dos brasileiros. Com a instalação da primeira
fábrica automobilística estrangeira no país em 1956, começa a consolidar-se a substituição
de importações. O automóvel e os eletros - eletrônicos tornam-se referenciais de consumo
para a classe média urbana, enquanto surgem estradas de rodagens e avenidas asfaltadas,
confirmando a invenção de uma sociedade do petróleo e do automóvel. Os parques
industriais atraem famílias que acabam dinamizando determinadas cidades e regiões
brasileiras. Soma-se a tudo isso a construção de grandes barragens das grandes hidrelétricas
com o intuito de atender a demanda de energia elétrica que era crescente.
Nessa transformação, chamada de Modernização Conservadora 12, altera-se a
dinâmica populacional em nosso país, pois os dados censitários acusam o êxodo rural. Essa
migração foi de 13 milhões de pessoas na década de 60 e de 16 milhões na década seguinte,
revelando uma grande mudança: a escolha de um novo eixo da economia brasileira.
No campo, o pacote de inovações é conhecido como revolução verde. Uma nova
maneira de produzir, com tratores, colheitadeiras e outras máquinas, que fez com que
diminuísse a mão de obra utilizada. Esse pacote de mudanças trouxe também uma nova
maneira de produzir que incutiu aos poucos a compra de sementes e agrotóxicos. A
ações como ocupações, na medida que consideram a entrada dos Sem Terras em grandes propriedades improdutivas como um ato de ocupar uma terra, que segundo a Constituição da República de 1988, obrigatoriamente deveria ser desapropriada para fins sociais. Os Sem Terra também chamam de ocupação as manifestações internas nos prédios públicos, por considerar que a “coisa” publica é de todos, do povo, dessa forma não estariam invadindo. 12 Este parece um termo bem apropriado hoje para definir aquele período ditatorial no Brasil. Para saber mais, ler em FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma Agrária e a Modernização no Campo. Terra Livre. AGB. Geografia, Política e Cidadania. São Paulo. SP. nos 11 / 12. p. 153-175. Ago. 92 / Ago. 93.
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monocultura, no caso agora a soja, continuou em seu afã por mais terras, fator que também
expulsa o pequeno agricultor. Convém entendermos a lógica do aumento da dívida externa
e o entrelaçamento com as grandes lavouras 13. As principais heranças dessa época, que
atingem a todos os brasileiros, e deixou seqüelas na vida da nação como um todo: a Dívida
Externa e uma enorme Concentração Fundiária 14.
Convém, finalmente, realçar que muitos dos camponeses que deixaram suas terras
de origem nem sempre foram para as cidades, o êxodo rural no Brasil foi intenso, mas
muitos camponeses permaneceram no campo, resistindo, sejam se assalariando, ou
ocupando e tomando posse de pequenas áreas, cada vez mais se embrenhando para o oeste,
para a Amazônia, fazendo avançar a fronteira agrícola. Muitos deles contribuíram na
construção de cidades de menor porte. Os posseiros, desbravadores do território, que
expandiram as fronteiras agrícolas, tanto quanto o Capitalismo, em boa parte do século
passado contribuíram de maneira intensa para a territorialização do campesinato. Os
projetos de colonização (migratórios) da Ditadura Militar na década de 70 e 80, nas regiões
13 Foram os Governos militares que possibilitaram a tomada de empréstimos diretos ou intermediados às empresas brasileiras junto das Agências internacionais, do mercado financeiro internacional, a fim de ampliar a produção industrial e também criar infra-estrutura para circular e escoar a produção. O crescimento das lavouras de exportação é inevitável, visto que os produtos agrícolas terão pesarão na balança para serem exportados. Café, cana de açúcar, soja, laranja, são alguns dos cultivos que vão tomando conta do campo brasileiro. Estes por sua vez são produzidos em grandes extensões, pois é preciso todo uma rede organizativa para poder vender e fazer com que as mercadorias cheguem ao exterior, e geralmente quem a domina, são os grandes proprietários. 14 O casamento entre construção de estradas, projetos de colonização e modernização de latifúndios foi a tônica desse momento da história brasileira. Os donos das grandes propriedades de terra também passaram a ser os empresários do Centro - Sul, que compraram propriedades nas áreas de Cerrado. Temos uma nova face dos latifundiários. A política colocada em ação pelos Militares consistiu em cinco grandes eixos: a) Viabilizar a internacionalização e a aceleração do processo de industrialização do país, que acabaria refletindo na questão agrária e agrícola. b) Fornecer crédito bancário vinculado ao tamanho da propriedade. Assim, quem possuía as maiores propriedades teve crédito com mais facilidade. Como não havia fiscalização sobre o uso dos créditos, estes estavam servindo para adquirir mais propriedades, aumentando, assim, a expropriação de posseiros e pequenos agricultores. c) Política de incentivos fiscais, para projetos de colonização e projetos agropecuários, com objetivos de aumento da produção. Foram criadas Agências para intermediar os projetos e os incentivos, surgiram assim a SUDENE, SUDAM, etc. d) Financiar a expansão da agricultura para os “espaços vazios” do Brasil, no caso, os cerrados do Centro-Oeste, A Amazônia e o Nordeste. e) Investir na comercialização e na transformação tecnológica do setor agrícola, com construção e melhoramentos de estradas, portos, construção de barragens para hidrenergia e outros investimentos infra-estruturais. O fato é que o poder público acaba desapropriando várias famílias com
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Amazônicas e Centro-Oeste também foram atitudes políticas por parte do Estado que
somaram a essa dinâmica.
Tivemos um atraso político, pois ficamos impedidos por mais de 25 anos a eleger
o presidente da república. Esse autoritarismo vitimou muitas pessoas em nosso país, tanto
no campo como na cidade, sofreram prisões, torturas e exílios por se oporem ao regime.
Vitimou também a educação em nosso país, um dos exemplos foi o acordo MEC – USAID
de 1969, reproduziu-se neste setor da sociedade o que já vinha ocorrendo em outras áreas,
ou seja, a submissão do Brasil em relação aos países capitalistas centrais.
E o que podemos falar da Reforma Agrária, após o fim do governo militar e a
abertura política, houve uma tentativa institucional de fazê-la sair do papel. Mas quando
essa aconteceu foi por intermédio da organização e pressão dos camponeses organizados, e
é assim até hoje.
Chegamos assim no começo de um novo século com dados surpreendentes sobre a
questão agrária no Brasil: conforme a FAO/ 1990, somos o segundo país do mundo em
concentração de propriedade da terra, só perdemos para o Paraguai. Aqui se localiza o
Maior Latifúndio do Planeta. Em relação a distribuição da terras, temos 43% delas com
27.556 latifundiários e as 4,6 milhões de famílias sem terra ficam com apenas 10% das
terras no Brasil. Quanto ao Cultivo, há apenas 40 milhões de hectares cultivados.
Possuímos em nosso território nacional aproximadamente 354 milhões / hectares de terras
cultiváveis. Isso é resultado de uma Concentração que aumentou de 1995 a 2002
Hoje, ao falarmos da Questão Agrária no Brasil, temos que considerar além do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, mais de 40 movimentos
socioterritoriais relacionados a luta por terra, portanto é importante realçar que esses
movimentos surgem como novidade no campo político brasileiro, mas que os camponeses
essas iniciativas. Aqui, também, cabe dizer do investimento em grande dimensão que foi realizado em pesquisas agrícolas.
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em suas lutas, como já relatamos anteriormente, questionaram as condições sociais a que
eram submetidos desde o século XIX15. Nossa pesquisa se prende ao MST.
1.c – O econômico, o político e o educacional: ampliando as dimensões...
Devemos considerar que essas duas linhas de atuação apontadas por Antônio
Cândido 16, ou seja, o aspecto econômico e o político, são importantes. Porém, ampliar o
leque de dimensões, como as ações do MST propõem, faz-se necessário. É Fernandes
(Ago. 92 / Ago. 93. p.153-175) que nos apresenta, como principal mazela causada pelo
modelo de Modernização Conservadora, o fato do mesmo ser concebido em bases
economicistas e tecnicistas. Aponta que ao adotá-lo, os governos militares desconsideraram
as outras dimensões dos processos de transformação na sociedade. Indica que os novos
modelos deverão conceber o processo de modernização em todas as suas dimensões: social,
política e econômica.
O Estado, num plano de caráter puramente voltado para interesses econômicos, ao
tomar a direção de expandir e ocupar as fronteiras agrícolas introduziu cada vez mais a
lógica capitalista, em detrimento da lógica camponesa, expulsou camponeses e favoreceu a
transformação de terra de trabalho em terra de exploração. Portanto, como conseqüência,
o deslocamento de famílias camponesas está vinculado ao favorecimento da produção
15 Entre os anos de 1964 até o começo da década de 1980 qualquer tipo de movimento social, rural ou urbano, foi severamente repreendido. Os principais movimentos sociais que hoje produzem lutas contra o governo se constituíram durante a ditadura militar. São eles: o Movimento dos Povos da Floresta, na Amazônia, o Movimento dos Camponeses Atingidos por Barragens no Sul do país, os Movimentos de Lutas Indígenas. Os Movimentos Grevistas dos Assalariados Rurais e Bóias-Frias, o Movimento dos Pequenos Produtores Rurais, este dois últimos, espalhados por todo Brasil. No entanto, os latifundiários formaram a União Democrática Ruralista (UDR). Elegem muitos deputados que no Congresso Nacional barrariam a realização da Reforma Agrária. Essa entidade fundada em 1985, articulou milícias rurais para proteger os seus latifúndios. Somente nesse ano de fundação da UDR, foram 222 trabalhadores rurais mortos no campo, de janeiro a maio de 1986 mais 86 foram assassinados, despontando o lado perverso de nossa sociedade: o assassinato de trabalhadores rurais, de advogados e padres defensores das causas dos trabalhadores.in PALADIM JR., Heitor Antônio; MITIDIERO JR., Marco Antonio. A questão Agrária no Brasil. São Paulo: Paradidático Ensino Médio, Ed. Escolas Associadas, 2003. 16 Seria uma injustiça com esse importante intelectual, visto que utilizamos a fala retirada de uma entrevista, ou seja, é um pedaço do pedaço. Essa fala que usamos como estopim de nossas preocupações, como dispositivo para iniciar nossa escrita pois é rica em possibilidades, demonstra uma preocupação concernente com os caminhos trilhados por nossas preocupações.
40
capitalista no campo. Há três gerações a maioria dos brasileiros vem sofrendo os efeito das
políticas adotadas pela chamada modernização conservadora brasileira.
Portanto nesta dissertação, fica evidente que essa “voz” do campesinato não teve
nenhuma chance de ser ouvida na história brasileira. O MST vem resgatar essa “voz”,
organizando ocupações, diálogos, marchas e assentamentos. Expressa, assim, mais que a
vontade de participação nestes dois aspectos: o político e econômico. É um movimento que
traz o novo para o cenário político no país. É óbvio que passa pelos fatores econômicos,
mas trazendo uma abertura que nega o economicismo reinante tanto no campo das
interpretações como nas ações para com o Brasil, e que por essas inovações acabam por
possibilitar questionamentos e novas maneiras de se manifestar em torno das mudanças
social, política e econômica.
Vejamos alguns dados que ilustram o tamanho dessa organização. Até dezembro
do ano de 2003, o MST estava organizado em 22 Estados (não havia organização nos
estados do Acre, Amazonas, Roraima e Amapá) e era formado por uma Base social de 1,5
milhão de pessoas (350 mil famílias assentadas e 100 mil acampadas).
Possui aproximadamente, segundo dados fornecidos em sua página da internet,
1.500 escolas públicas que se encontram nos assentamentos, isso proporciona que em volta
de 180 mil pessoas estejam envolvidas com as atividades escolares.
Logo, ao escolhermos uma Escola do Campo em Fraiburgo, município do Meio
Oeste do Estado de Santa Catarina, Região Sul do Brasil, como ponto de partida e de
chegada para as reflexões aqui contidas, reforçamos a nossa hipótese que a atuação dos
camponeses atinge dimensões que extrapolam o limite da participação somente econômica
e política. Assim, o que colhemos de depoimentos e pudemos observar nas localidades
visitadas, complementa-se com os dizeres de Martins, ou seja, a dimensão teórica de nosso
trabalho revela e confirma que os trabalhadores rurais "querem uma reforma social para as
próximas gerações" (Martins, 1994:157).
41
Ou ainda "a questão da terra e do trabalho foi posta em termos de reformas
sociais e não em termos de reformas econômicas". (idem)
Desta feita, Escola do campo parece que rima com reformas sociais, rima com
uma gama de aspectos e abordagens bastante abrangentes, tenta dar conta da complexidade
do mundo em que vivemos, enquanto parece-me que os valores apregoados e impostos pela
modernidade rimam com o economicismo. Mais uma vez aqui podemos aventar as escolhas
feitas pelos Governos Militares nos anos 60 e 70 sobre a política de desenvolvimento para
nossa nação. Os fatores econômicos ganham uma dimensão acima do que a realidade
comporta o que acaba por reduzir a mesma a aspectos meramente econômicos.
Por sua vez, a participação e o convite que os Movimentos do Campo 17 fazem a
partir do final da década de setenta, é de questionar toda a estrutura da vida social em nosso
país. Desta forma nossa ida a campo demonstrou que a intenção ao lutar por escolas dentro
dos assentamentos implica em se preocupar em que os jovens e as crianças possam
aprender conteúdos e valores para continuarem a (e “na”) organização do movimento.
Olhar para o cotidiano de uma escola rural, encravada numa fração conquistada do
território vem nos revelar essa escolha. Esse olhar conjugado com outros olhares, deles
mesmos e de outros teóricos, possibilitam entendimentos dos limites e possibilidades da
luta por escolarização no campo.
17 A Via Campesina, como já dissemos antes, é a união desses movimentos brasileiros com os movimentos camponeses de vários países dos outros continentes. Os camponeses no mundo e os brasileiros não está parados, estão vivos. O movimento dos Movimentos é cotidiano, temos em se tratando de organizações no Brasil, no mínimo quatro, além do MST, que conseguem se destacar e dar uma conotação nacional à especificidade de suas lutas: Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA, Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, Movimento das Mulheres Agricultoras - MMA, União dos Povos da Floresta (incluindo aí seringueiros, índios, castanheiros). Todos internamente promovem e discutem suas próprias ações, têm seus objetivos específicos. Se unem e entre várias atividades já feitas, organizaram em 1999 a Marcha Popular Pelo Brasil, com 1.200 participantes, que marcharam de Niterói - RJ a Brasília – DF. Esse movimento, denominado Consulta Popular, tem por objetivo construir um Projeto Popular para o Brasil. Os movimentos urbanos também fazem parte, assim como vários dos 220 povos indígenas da nação brasileira. Além disso os Movimentos do campo, com o apoio dos órgãos educacionais da ONU, tem se reunido para discutir através de congressos estaduais e Nacionais uma possibilidade de criar o Movimento por uma Educação Básica do Campo. Hoje fortalecido depois de três conferências nacionais e várias conferências estaduais, complementado pela Via Campesina, mudaram essa preocupação de escolarização para “Movimento por uma Educação do Campo”(pretendendo abranger todos os ciclos da escolarização e não somente o básico.)
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A epígrafe deste capítulo, uma canção do CD Arte em Movimento do MST, revela
o apelo dos camponeses organizados num movimento socioterritorial de abrangência
nacional, que hoje se mostra como um dos principais agentes sociais na luta por terra e que
reconhece na luta pela educação escolar _ que respeite a especificidade camponesa e
regional do Brasil _ e também na luta por saúde de qualidade e por melhores condições de
infra-estrutura nos Assentamentos, uma das possibilidades de questionar os caminhos
adotados tanto politicamente, como as escolhas econômicas que a classe dirigente adotou
enquanto projeto de nação.
Fernandes (2000) relata que o Capital mundializando-se, mundializou seu
território, foi nesse turbilhão que o Brasil se viu inserido, de maneira mais intensa nas
últimas quatro décadas do século passado, mas isso não foi somente passível de aceitação,
os assentamentos rurais, na visão desse autor expressam essa resistência:
“O capital (...) produziu, construiu, transformou seu território. E qual foi o resultado desse processo? Uma pequena parte da humanidade apropriou-se de forma privada do mundo. O território capitalista confiscado historicamente no processo de sua construção agora é contestado. A luta dos Sem Terra é marca visível dessa contestação”. (Fernandes, 2000: 13)
O Movimento Sem Terra (MST) é hoje um dos principais opositores ao projeto
Neoliberal, vinculado pelo BIRD (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Banco
Mundial e dos acordos do Governo com o FMI. São esses camponeses organizados que
resistem também ao acordo da Alca e a implantação das sementes transgênicas. Essas são
algumas das bandeiras mais recentes adotadas pelos camponeses organizados que acabam
por se refletirem no conteúdo vivo das escolas de assentamentos. Na letra da canção Pra
soletrar a liberdade de autoria de Zé Pinto, verificamos o tom de crítica social, de
resistência organizada, mas também um tom propositivo, apontando caminhos e saídas.
Uma audição atenciosa do CD Arte em Movimento proporcionará que em outras canções
percebamos essas críticas e proposições. Isso tudo vira arcabouço para o conhecimento e
descobertas a serem apresentadas nas escolas de assentamento. Se insere ao currículo, às
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práticas cotidianas, ou seja, o movimento se espacializa. Isso tudo ganha uma dimensão de
espacialidade no território escolar.
2 - Caros conceitos: alguns conceitos importantes para a Geografia do Campo
“Estamos iniciando uma reflexão fundamental para compreendermos os movimentos sociais além de suas formas de organização, mas também pelos processos que desenvolvem, pelos espaços que constroem, pelos territórios que dominam. Desse modo, nosso desafio é elaborar ensaios que sirvam como referências para construções teóricas”. (Fernandes, 2001:108)
Para a análise sobre Escolas Rurais, é fundamental apresentarmos a discussão
conceitual em torno da questão agrária pelos Geógrafos Ariovaldo Umbelino de Oliveira e
Bernardo Mançano Fernandes. O Sociólogo José de Souza Martins, em seus estudos sobre
o campesinato, apresenta reflexões imprescindíveis sobre essa temática para os que se
projetam no entender/explicar o Brasil 18. Para entendermos os Movimentos
Socioterritoriais, será necessário caminharmos por entre algumas considerações de ordem
teórica e de cunho estatístico no que diz respeito a como se apresentam os camponeses em
relação ao Brasil.
2.a - Os sujeitos sociais do Campo Brasileiro: valores e denominações
Segundo o último censo demográfico realizado e apresentado pelo IBGE 19 em
2001, a população Brasileira é de 169.590.693 de pessoas, sendo que 31.835.143, ou sejam
19 % do total, perfazem a população rural. Observando os dados podemos afirmar que
quase uma Argentina, ou seja, o segundo país em termos populacionais da América do Sul,
habita o campo brasileiro20.
19 Convém lembrar a discussão que Oliveira estabelece entre os dados do IBGE na apresentação introdução da Larissa. BOMBARDI, Larissa M. O Bairro Reforma e o processo de territorialização camponesa.São Paulo: Annablume, 2004. 396p. 20 É interessante destacarmos que mais de metade dos municípios do país, o que dá em torno de 3.500, vivem e giram sua economia a partir das diversas atividades agrícolas. O setor de agricultura no Brasil representa 11% do Produto Interno Bruto (PIB), mas como hoje temos uma economia entrelaçada, complexa,
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Em nosso país os camponeses podem ser denominados como camponeses
proprietários, os camponeses – parceiros, os camponeses – rendeiros e os camponeses –
posseiros. Para entendermos essas diferentes denominações entre os camponeses no Brasil,
vamos a Oliveira (1996: 63) que nos aponta que é devido ao acesso à propriedade ou a
posse é que ela ocorre. Além dos já citados, e seguindo o raciocínio do autor, será que a
partir da década de 80 podemos apontar a existência de camponeses – acampados e também
de camponeses - assentados?
A pequena extensão de terra aparece como característica que edifica essa classe
social 21, que se caracteriza por trabalhar e viver em terras que variam entre 02 e 100
hectares. Contudo nos dados do último censo agropecuário do IBGE (1995/96), desponta a
veracidade da realidade brasileira no campo: a maioria de pequenas propriedades
concentram - se entre 02 e 20 hectares.
Por sua vez, outro atributo importante que nos favorece no entendimento dos
camponeses, enquanto sujeitos sociais, prende-se ao enfoque de como agem no âmbito da
vida social, seus valores. Enfim, uma gama de aspectos que os diferenciam culturalmente
de outros sujeitos sociais.
Um aspecto que demarca a diferença interna desse sujeitos é o acesso ou a
apropriação das terras. Esta se dá sempre de forma familiar, seja alugando ou tomando
posse de uma pequena parcela de terra. A intenção de colocá-la para produzir é com o seu
próprio trabalho e com o de sua família. O trabalho coletivo da família na terra representa
uma manifestação cultural específica dos camponeses. Dificilmente se utilizam o trabalho
assalariado em suas parcelas. O que possibilita uma relativa independência frente ao
e com uma forte influência do setor industrial em relação a agricultura, vamos a 46 % do PIB. Falta pouco para a metade. Ao territorializarmos esses dados a possibilidade de compreensão da importância do rural para a sociedade brasileira se amplia. 21 Uma longa discussão teórica vem sendo travada pela aceitação ou não dos camponeses como uma classe social. Como classe social nos baseamos na contribuição de THOMPSON, 1987, p. 10.
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mercado, ou seja, produz alguns alimentos necessários a sua sobrevivência e comercializa o
excedente a fim de gerar rendimentos para adquirir outros produtos de que necessita.
Outra característica que institui estes sujeitos diz respeito a sua estrutura interna de
organização sócio-cultural. Na maioria das vezes estes camponeses residem próximos uns
dos outros. Formam assim uma comunidade ou um bairro rural, que se caracteriza pelos
seguintes aspectos:
a. Relação íntima com a terra, ou seja, o pleno conhecimento dos ciclos da natureza e
das técnicas de produção, e o reconhecimento desta terra como o lugar da morada,
da produção de alimentos, da reprodução social e de herança da família;
b. Pela prática da ajuda mútua, significando que em momentos específicos, como por
exemplo, o de colheitas ou de construção de casa para os recém casados, a
comunidade ajuda o necessitado sem nada cobrar pelo tempo de trabalho gasto;
c. Pelo trabalho acessório que aparece principalmente nos períodos de entressafras e
em momentos nos quais as condições financeiras das famílias passam por crises,
impondo a necessidade de integrantes destas famílias deixarem o sítio para trabalhar
em outro lugar como forma de manter o sustento de seus familiares. É o caso, por
exemplo, dos migrantes temporários do sertão Nordestino ou do norte de Minas,
que deixam os seus sítios e suas famílias para virem trabalhar, no campo ou na
cidade, na região sudeste;
d. Pelas relações de parentesco, compadrio e vizinhanças travadas na comunidade, ou
seja, são familiares espalhados na mesma comunidade, são as relações de amizade
geradas na vizinhança e são as relações que ultrapassam a condição amizade e
vizinhança, tornando-os compadres;
e. Pelo direito costumeiro, no qual as relações sociais e econômicas estão baseadas na
confiança da palavra e na prática do respeito mútuo entre as pessoas da comunidade,
46
como por exemplo, a negociação da venda ou compra de produtos entre parentes,
compadres e vizinhos não é registrada na lei, mas sim na confiança na palavra entre
os negociadores;
f. Pelas suas manifestações culturais, geralmente com um forte conteúdo religioso. Os
camponeses manifestam-se através de várias festas, citamos as festas juninas, como
exemplo da mais conhecida, mas podemos lembrar da festa do Divino, e os
momentos que se envolvem com as cavalhadas, bumba-meu-boi;
g. Pela sua extrema capacidade de mobilização política contra as ações dos grandes
proprietários rurais ou dos governos que os prejudicam.
Essas são características básicas e fundamentais para entendermos as sociedades
camponesas tanto no Brasil como em outros países. Esses sujeitos sociais estão espalhados
pelo Brasil em diferentes situações e com diferentes denominações 22. Não é papel dessa
dissertação aprofundá-las. Temos apenas que ter claro que essas características contribuem
diretamente para entendermos as ações propostas e descritas nos próximos capítulos deste
trabalho.
22 Temos assim o pequeno proprietário familiar que possui o título de propriedade da terra onde habita e trabalha com sua família na produção. Chamamos de pequeno, pois já dissemos anteriormente que possuem até 100 hectares para trabalharem com sua família. Há o parceiro que, sem possuir terras para plantar, apropria-se de pequenas parcelas de terras com o consentimento do proprietário, cabendo ao parceiro pagar pela concessão da área a seu dono. Os parceiros também podem ser denominados de meeiros, de porcenteiros, rendeiros ou pequenos arrendatários. Essas denominações surgem da relação ou forma que dividem a produção agropecuária com o proprietário, como pagam a terra utilizada. Esse pagamento pode ser em dinheiro ou em frutos da produção do trabalho na terra cedida. Já os posseiros são camponeses que com a sua família apropriam-se de pequenas parcelas de terras sem possuir o título de propriedade ou sem a concessão de uso da área pelo proprietário. Os assentados de projetos de Reforma Agrária são camponeses que geralmente se envolveram num processo de luta pela terra. Os assentados não possuem o título de propriedade privada da terra dos assentamentos rurais22 onde habitam e trabalham. O Estado, ao desapropriar ou ceder áreas próprias para o assentamento destas famílias, concede um termo de concessão de uso. Estes ao pagarem em muitas e suaves parcelas (23 a 30 anos) podem receber o título definitivo do lote. E, enfim, os Quilombolas: são famílias que residem em áreas de antigos Quilombos da época da escravidão. Descendentes dos negros trazidos da África que fugiram à época ou receberam alforria.
47
Contudo, a organização dos trabalhadores também possibilita ações no território.
Uma nova territorialização vem ocorrendo com surgimento de assentamentos rurais 23 que
começaram a se destacar social e territorialmente a partir da década de 80. Esses
assentamentos surgem devido às constantes ocupações realizadas por famílias de
trabalhadores rurais sem terra, que organizados, deram origem aos sujeitos coletivos que se
autodenominam Sem-Terras 24. O MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem -Terra
– em relação às dezenas de movimentos populares de luta pelo acesso à terra de trabalho no
Brasil é o que mais se territorializou.
Essas considerações anteriores corroboram com a idéia de que a luta de classes
produz concretamente o território. Ao produzirem sua existência tanto o Capital, quanto os
trabalhadores geram o território.
Só a partir desses conceitos e maneiras de entender/explicar a relação entre
Capital / Trabalho e nesta dissertação com os sujeitos sociais denominados camponeses
descritas anteriormente cabe apresentar outros dois conceitos importantes para o estudo e
análise dos movimentos socioterritoriais: “territorialização” e “espacialização”. Para que
possamos entender a importância desses e de outros conceitos e categorias, cabe lembrar
Lefebvre (2002 – p. 61 e 62), quando afirma que “os conceitos e as categorias são sínteses
do conhecimento de uma época, potencializam a prática social, em direção a uma prática
consciente de si mesma.”
Essa citação nos leva a pensar que cada época revela uma importância em
compreender os processos sociais, praticá-los, refutando os anteriores ou modificando - os
23 Os Assentamentos Rurais na concepção dos integrantes do MST têm uma especificidade que está ligada à participação no movimento desde o início do envolvimento na luta pela conquista da terra. Um assentamento é um núcleo social, lugar de participar intensamente para conduzir o viver, produzir e reproduzir. É bem mais que uma mera unidade de produção, ganha importância de núcleo social de conquista de cidadania crítica e criativa. Enfim, participativa para uma consciência social de entendimento e possibilidade de ser sujeito na realidade. O assentamento é o lugar de viver, o sonho em memória, o sonho se realizando, e o sonho a conquistar. 24 Sem Terras com letra maiúscula, Caldart (2000) explica o motivo e demonstra a importância desses sujeitos.
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num diálogo que é sempre profícuo. O importante para nós nessa época que vivemos é
entender que não se trata de modificações que estão amarradas em evolucionismos ou ao
discurso de progresso apresentado como movimento natural, ou seja, possuidor de uma
dinâmica que se dá ou se modifica naturalmente. O movimento de transformação de
conceitos, dando maior ou menor importância a um ou outro, transformando os já
existentes ou criando novos, é um movimento de caráter político. Está relacionado a
escolhas ligadas a envolvimentos teóricos - metodológicos. Sendo assim consideramos
estes dois conceitos, espacialização e territorialização, como bem importantes para estudos
e pesquisas realizados por alguns geógrafos para interpretar o campo brasileiro.
Segundo Fernandes (1999, p.136), O MST se espacializa pela sua prática reproduz
as suas experiências ligadas à luta pela terra, escrevem no espaço brasileiro uma dinâmica
própria através de manifestações e ocupações. Quanto à ação de territorializar-se diz
respeito a fração de território conquistado que passa a ser trabalhado pelos Sem-Terras.
Esse é o processo chamado de territorialização do Movimento.
Podemos explicitar mais esses dois conceitos ao diferenciarmos acampamentos de
assentamentos. Nossa experiência como educador, ao ministrarmos cursos sobre a questão
agrária no Brasil, revela que poucas pessoas que habitam as cidades conhecem a diferença
entre esses dois momentos da luta pela terra. Os acampamentos surgem após a ocupação 25
das fazendas pelos Sem Terra. São montados pelas famílias com barracos de lona,
geralmente pretas, dentro da propriedade ocupada ou até nas estradas próximas às
propriedades pretendidas. Os acampamentos podem durar nove anos, conforme relatou uma
agricultora assentada na região em que realizamos nosso trabalho de campo referente a esta
pesquisa, ou então alguns meses, até as famílias serem contempladas nos projetos de
reforma agrária. Independentemente da questão temporal, o fato é que as famílias que
conseguem vencer as atribulações de estarem vivendo dessa maneira num acampamento
contribuem com o que chamamos de Espacialização dos Sem Terra, o que, devido à
persistência desses sujeitos, faz com que conquistem a terra de trabalho: os assentamentos.
25 Ocupação: Feliciano (2003) faz um estudo importante sobre esse tema, diferenças de um assentamento para um acampamento de lonas pretas (em sua grande maioria).
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Os Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária representam a materialização
dos resultados da luta pela terra no território, podemos assim usar o conceito de
territorialização para nos dirigirmos a eles. Atualmente os assentados passam por difíceis
condições financeiras devido à falta de apoio dos órgãos governamentais, o que nos dizeres
dos assentados geram o entendimento de que a luta por terra não termina quando se entra
no lote. Temos assim, em se tratando de acampamento e assentamentos, momentos
diferentes da luta pela terra, portanto cabe afirmar que esses sujeitos, nessas duas situações,
fazem parte da mesma luta. Nos assentamentos aparecem formas de manifestações que
podemos denominar de a luta na terra. Logo num acampamento a luta é pela terra.
Prosseguindo com Fernandes (1999) 26,
“O MST, esse sujeito coletivo, se espacializa pela sua prática, por meio da reprodução das suas experiências de luta (...) Espacializar é registrar no espaço social um processo de luta. É o multidimensionamento do espaço de socialização política. É escrever no espaço por intermédio das ações concretas como manifestações, ocupações...”.
Assim, concluímos nesse esforço de definição novamente com Fernandes27, que
aponta que territorialização pode ser compreendida como
“(...) o processo de conquista da terra. Cada assentamento conquistado é uma fração do território que passa a ser trabalhado pelos Sem Terra. O assentamento é um território dos Sem Terra (...) Se cada assentamento é uma fração do território conquistado, a esse conjunto de conquistas, chamamos de territorialização.” (Fernandes, 1998)
Portanto, na Escola e no processo de escolarização, cabe apontarmos a importância
e como se acionam estes dois conceitos: territorializar e espacializar. Dentro disso
procuramos fazer a seguir um exercício de buscar como se acionam esses conceitos na
realidade escolar (principalmente) dos Sem Terras:
26 (MST: formação e territorialização em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1996) 27 (Gênese de Desenvolvimento do MST. São Paulo: Cadernos de Formação do MST, nº 30, 1998.)
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- Em todos os momentos seja no tempo vivido nos acampamentos pelas famílias Sem
Terra, que hoje são assentados, ou ainda não o são.
- Seja com muitos personagens históricos que podemos relacionar a luta pela
Reforma Agrária, nos diversos países americanos, desde Emiliano Zapata no
México, o Che em Cuba, passando por Marti, Paulo Freire e Florestan Fernandes.
- Pelos jovens que após concluírem o ensino fundamental, encaminham-se para o
ITERRA 28 no Estado do Rio Grande do Sul.
Essas ações evidenciam seu aspecto de temporalidade quando analisamos o
trajeto das lutas pelo acesso à terra de trabalho. São gerações de camponeses, pessoas
que durante os anos (e por que não dizer séculos) acumulam conhecimentos. O MST
aciona tudo isso, une toda essa temporalidade.
Através dessa espacialização e territorialização 29 que é ao mesmo tempo
mundial, nacional e local, surgem possibilidades do reencontro da identidade
camponesa e concomitantemente do resgatar da cidadania crítica e criativa. Da mesma
maneira exerce forte influência na construção de um jeito camponês e brasileiro de ser,
concatenando-se e negando as mazelas e avanços do Capital mundializado. Portanto,
28 O ITERRA - Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária Josué de Castro, criado em janeiro de 1995, no município de Veranópolis, Estado do Rio Grande do Sul, num antigo seminário cedido por Freis Capuchinhos, oferece cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação. Os cursos têm equivalência de ensino médio e em 2002 foi instalado um curso superior de Pedagogia, chamado de Pedagogia da Terra. Os estudantes e mais uma equipe de educadores administram a Escola em forma de cooperativa, e freqüentam a mesma por dois meses ao final e no meio de cada ano, nos outros meses ficam nos assentamentos desenvolvendo o “tempo comunidade”. Todos os estudantes do Magistério, Técnico em Administração de Cooperativas de Assentamentos, Supletivo de ensino fundamental e médio, ao final do curso precisam defender uma monografia para obterem o diploma. 29 Antes de fecharmos essa apresentação das escolhas conceituais que estamos adotando, cabe lembrar que Fernandes nos sugere, após anos estudando o MST pela Geografia Brasileira, que os movimentos socioterritoriais sejam tratados como categorias dentro dessa ciência. Isso tem gerado controvérsias, aceitações, enfim um debate que tem alcançado vários estudiosos do assunto. Mitidiero (2003:xx) apesar de concordar com isso discorda da dinâmica que Fernandes tenta demonstrar com o uso do conceito de territorialização. O curioso é que encontrei essa polêmica sendo trabalhada num texto de um autor Francês. Ou seja, Rafestin, um geógrafo francês, estimulou-nos o uso do conceito de território e o de territorialização relacionado ao uso do poder associado a eles, já o Meta- filósofo Lefebvre também a partir de seus escritos tem possibilitado construções importantes na análise da espacialidade. Agora vemos um autor francês apontando uma polêmica sobre um conceito e dois autores brasileiros, isso serve para mostrar o importante papel que a Geografia Brasileira vem desenvolvendo no estudo do Campesinato organizado em nosso país.
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podemos afirmar que criam coletivamente um jeito camponês de ser, fortalecidos em
muitos (alguns novos) valores que autenticam essa identidade.
3 - O Capitalismo e o Campo: Caminhos da Educação Escolar Rural
“Acreditamos que esta sociedade está sendo construída toda vez que se junta terra com trabalhador, organização com educação, estudo com trabalho e escola com povo” Paulo Freire
Ao se juntarem e se organizarem em gestos, ações, dizeres, ocupando espaços,
acionando espacialidades e territorializações, os Sem Terra questionam o mundo como está
concebido, ensinado, encaminhado. Constroem, assim, um mundo diferente, no mínimo
apontando a esperança onde antes prevaleceram morte e especulação. Querem e constroem
uma sociedade diferente, dialogada e em movimento, são opositores do Sistema de
Produção Capitalista.
É importante, como vimos fazendo desde o começo desta dissertação, ao nos
dirigirmos analiticamente sobre o rural e os camponeses, termos presente o Modo de
Produção Capitalista, que ao se mundializar estabeleceu sua hegemonia tanto no que diz
respeito a superestrutura social como na infraestrutura da sociedade contemporânea,
modificando e impondo valores e ações no viver das pessoas nesses três últimos séculos.
Concordamos, assim, com Fabrini (2002:76) que escreveu o seguinte: “A existência
camponesa deve ser entendida no interior da expansão das relações capitalistas de
produção, que ocorre de forma desigual.”
Nesse processo de desigualdade, expresso por outros intelectuais (Luxemburgo,
Martins, Oliveira, Fernandes) nos remete a toda uma tradição de entender que o Capital ao
entrar no campo, primeiramente na Europa do Século XIX e depois nas Américas e na
Ásia, nem sempre causou o que Lênin e seus seguidores indicaram que estava acontecendo
52
e por acontecer: a inevitabilidade da diferenciação social. Esta refletiria no ocaso dos
camponeses. Um fim inevitável. Teorizado pela sua extinção, visto a inevitabilidade de não
caber na sociedade capitalista. Uma classe incomoda tanto teoricamente, como em suas
ações dentro da sociedade.
Muito já foi escrito sobre como os camponeses foram tratados como sujeitos em
extinção pelos estudos científicos e também pelas políticas públicas adotadas 30. Isso
acabou influenciando o entendimento e a explicação sobre os camponeses pelo mundo
europeizado. No Brasil não foi diferente, podemos buscar exemplos desse tratamento tanto
em obras literárias, no Jeca Tatu proposto por Monteiro Lobato nos anos 10 e 20 do século
XX, passando pelo caipira dos filmes do Mazzaroppi, e também com bastante evidência no
tratamento dado às escolas rurais.
Porém, a lógica dessas ações que separam campo / cidade com enaltecimento do
urbano, em detrimento e subordinação do meio rural, podem ser encontradas desde as
origens do Capitalismo. Ao recorrermos aos escritos de Kaustsky (1986 - p.73) percebemos
a gênese desse tratamento sendo realizado pelas ações da classe burguesa em ascensão. Em
1802, no que viria a ser a Alemanha, agricultura e ciência se mesclaram para explorar de
maneira mais racional as propriedades agrícolas. Os lugares para esses conhecimentos
foram os denominados Institutos Agronômicos (com granjas-modelos), que se apresentam
como as primeiras escolas instaladas no campo, mas que 60 anos depois foram transferidas
para a cidade, lugar eleito pela nova classe dominante como espaço para construção do
conhecimento:
“O ensino agrícola ministrado na grande cidade! Isto constitui a ilustração mais eloqüente de que o campo vive hoje na inteira dependência do centro urbano, que o progresso, no domínio da agricultura, vem da cidade” (Kaustsky, 1976: p. 74).
30 Stédile explicita a polêmica em torno da questão agrária brasileira e uma certa evolução do pensamento sobre a mesma, aponta quatro correntes: O PCB e o PC do B com a tese do resquício do feudalismo, a tese dos economistas da CEPAL, interessados em desenvolver o capitalismo no campo brasileiro, uma terceira que era anticapitalista, baseada nos escritos de Caio Prado Jr. e a quarta que se calcou no pensamento da igreja. Essas teses fortaleceram o debate sobre qual a face da Reforma Agrária deveria assumir, tomaram evidência maior a partir das décadas de 50 e 60.
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Essa citação da obra clássica Questão Agrária31, proveniente do capítulo em que
esse autor apresenta uma análise da agricultura como ciência, entendemos que ganha um
aspecto interessante, uma vez que se refere a uma das faces da lógica que se fortaleceu no
século XIX e que atravessou o século seguinte tanto em políticas públicas como em
análises teóricas sobre o campo. A visão de progresso e desenvolvimento que veio com o
advento da urbanização do mundo contemporâneo, valorizando sobremaneira a cidade,
impôs uma gama de relações que hoje as Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (e
também Educadores e Educadoras das universidades) estão questionando, na busca de
estabelecerem uma identidade brasileira e camponesa.
Para entendermos o Campo Brasileiro no século XXI, devemos lançar nosso olhar
para as ações realizadas na busca de conquistas e da garantia de direitos. A luta por escola e
escolarização para crianças, jovens e adultos está inserida no rol dessas ações realizadas
pelos camponeses organizados, sejam assentados ou acampados, no caso do MST. A
Escola Agrícola 25 de Maio nasce da compreensão desses direitos.
É importante que também conheçamos e discutamos o papel de uma Escola do
Campo, que difere de uma Escola no Campo. O que parece um simples jogo de frases na
verdade revela posições contrárias de tratamento e postura em relação às escolas rurais, o
31 Se nos cabe datar as origens teóricas da Questão Agrária, elegemos 1899, pois nesse ano duas obras de Economia Política foram escritas para explicar as transformações que o Capitalismo vinha acarretando na zona rural européia, com ênfase para a Rússia e a Alemanha. Seus Autores, Lênin e Kaustsky, contribuíram para a discussão com obras específicas sobre essa questão: O desenvolvimento do Capitalismo na Rússia e A Questão Agrária. Esses autores, analisaram as relações de produção capitalista, entrando no campo, modificando a vida de todos que lá habitavam e trabalhavam, modificando as relações sociais, seja economicamente ou politicamente dos países europeus. Esses dois livros são clássicos. Essas obras, e outras, serviram de base para que trabalhadores organizados naqueles países, realizassem ações visando acabar com a exploração capitalista. Lênin, intelectual e fundador do partido socialista, contribui com que os trabalhadores tomassem o poder na Rússia, em 1917. A Revolução Russa é importante para o século XX, sua repercussão mundial originou uma série de fatos, que após a Segunda Guerra Mundial, cindiu-o em dois blocos: o Socialista, liderado pela União Soviética e o Capitalista, pelos EUA. Antes desses livros, todos os acontecimentos ocorridos no campo, eram vistos de forma isolada. Assim as diversas particularidades integrantes da questão agrária puderam ser vistos na totalidade: a relação entre as grandes e pequenas explorações, o endividamento, o direito de herança, a falta de braços, a concorrência de além-mar. Apontam as transformações na vida da gama de sujeitos sociais que viviam na Europa naquela época: camponeses, operários, proprietários de terra, banqueiros, etc. O Capitalismo se estendendo ao campo, é desvendado em sua lógica própria, enquanto uma Relação Social de Produção.
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‘no’ assim realiza uma concepção e uma maneira de pensar e estar no campo, pois revela
um currículo discutido e implantado por concepções urbanas, que segundo Fernandes
(1999), tratou de desconsiderar os quase 30 milhões de brasileiros que vivem diretamente
no Campo. Assim, se partimos de um ponto (a Escola) e de um cotidiano (o do
assentamento, pois a Escola agrícola está dentro do Assentamento), não devemos nos
desprender de aspectos territoriais mais amplos: a nação, o mundo globalizado e de
temporalidades expressas no dia a dia e nos conteúdos que pesquisamos.
3.a - Educação escolar na zona rural brasileira: As escolas “no” campo
Apresentaremos uma breve descrição e análise sobre a educação escolar pública no
meio rural do Brasil no último século. Abrimos um diálogo com três autores, quais sejam:
Alves (2001), Poloni (1990) e Morigi (2003). Em seus trabalhos de pesquisa tiveram como
tema tanto a Escola Pública, como as Escolas Rurais. Assim, o que apresentaremos a seguir
propicia um panorama do ideário que prevaleceu no Brasil em relação à escolarização no
meio rural. Isso também nos favorecerá a entender o motivo da proposta de escola do MST.
É importante, nesse diálogo com os autores, relacionarmos seus escritos aos
pressupostos que apresentamos nas páginas anteriores. O Campesinato no Brasil traz
consigo valores morais e de relacionamento que corroboram para que os entendamos como
sujeitos dentro da sociedade de hoje, assim temos: relação íntima com a terra prática da
ajuda mútua trabalho acessório, relações de parentesco, compadrio e vizinhanças travadas
na comunidade, pelo direito costumeiro, pelas suas manifestações culturais, extrema
capacidade de mobilização política. Mas o que mais gostaríamos de chamar a atenção e que
cabe bem em nossas preocupações dentro desta dissertação é o de como se dá a
sociabilidade primeira dos camponeses. Explico: no campo, as crianças acompanham
muitas vezes os pais no trabalho da lavoura, conforme vão ficando maiores começam a
contribuir em pequenos serviços, ou seja, vão se sociabilizando principalmente em relação
ao trabalho e pegando o jeito de ser camponês. Na cidade, os caminhos de sociabilização
são múltiplos, porém dificilmente antes de idade escolar começam a trabalhar, e quiçá
acompanhar os pais em suas atividades de trabalho. Nas grandes cidades, muitas crianças
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adentram e adquirem sociabilidade em relação à mercadoria. Muitas vezes elas mesmas são
transformadas em mercadorias, no caso meninas menores usadas para satisfazer adultos no
quesito sexual, ou muitas crianças vendendo produtos diversos nas esquinas e semáforos.
Tanto Alves (2001) em seu livro originado de um pós-doutoramento em Filosofia
e História da Educação, como Poloni (1990), com sua dissertação de mestrado junto ao
Depto. de Geografia da USP, e Morigi (2003), que fez mestrado em Educação pela
UFRGS, fazem abordagens específicas e importantes referentes às suas áreas de atuação. O
primeiro trabalho é de cunho histórico e aborda o processo civilizatório impulsionado pelos
ditames europeus. O segundo apresenta um panorama da educação rural no Brasil e o
último aborda as Escolas do MST, aprofundando um pouco mais sobre esse tema e
apresentando vários elementos que são importantes para nossas reflexões nesta dissertação.
Por esse viés é que podemos abordar e dialogar com esses trabalhos a fim de entender como
se deu e vem ocorrendo a espacialização e territorialização do MST e das escolas rurais em
nosso país, ainda que seja pensando a partir de uma escola no meio oeste de Santa Catarina.
O que Morigi define como Escola do Assentamento e Escola no Assentamento, é
bem similar ao que já apresentamos nas páginas anteriores sobre Escola “do” e “no” Campo 32. Assim, uma escola do Assentamento trata de uma escola que os assentados conseguiram
implementar fatores de funcionamento da escola que a vincula diretamente à pedagogia
proposta pelo Movimento de luta pela terra. Já uma escola no assentamento é aquela que
está lá, dentro das linhas demarcatórias do Assentamento, mas nem sequer a comunidade
assentada pode entrar com discussões que lhe dizem respeito. Em nossas viagens pelo oeste
e meio-oeste de Santa Catarina pudemos conviver com esses dois tipos de escola. As duas
instaladas no Assentamento, atendendo e educando filhos dos Assentados, porém apenas o
primeiro caso temos uma escola ligada a um processo de luta social. Entretanto é
importante termos claro que mesmo tratando de uma escola do Assentamento, não significa
32 Essa definição foi apresentada pelo Movimento por uma Educação do Campo e pode ser verificada em suas intenções nos quatro livretos publicados com auxílio da Unicef. São frutos de palestras e considerações sobre várias Conferências que se deram nos Estados, logo depois da 1.a Conferência de Educação Básica do Campo em 1998 em Brasília organizada pelos movimentos sociais do Campo.
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que o Movimento consiga implantar todos os seus princípios filosóficos e pedagógicos que
apresentamos nos anexos desta dissertação.
Ao perguntarmos dentro de um senso comum como é uma escola rural, logo
viriam a seguinte imagem: uma escola pequena com uma professora (ou um professor),
várias séries escolares em uma única turma. Se caso fossemos melhorar nosso grau de
elaboração para entender como é uma escola no ou do campo, poderíamos ouvir as
seguintes afirmações: a escola é pública, ou seja, pode ter tutela do Estado ou do município,
os educadores dão aula para várias turmas ao mesmo tempo, geralmente são leigos,
provavelmente atende as turmas até a quarta série, depois os que vão continuar a estudar
devem se dirigir a sede municipal mais próxima, geralmente as mulheres param de estudar
antes dos homens, as crianças e jovens têm dificuldade de acesso à escola, etc. A Escola
Agrícola que estudamos apresenta alguns desses aspectos e avança em outros.
Mas é Malassis que nos apresenta uma contradição fundamental que paira quando
o assunto é educação escolar no campo:
“(...) O desenvolvimento da educação é necessário para assegurar o desenvolvimento rural, mas envolve o risco de facilitar o acesso a carreiras não agrícolas e de acelerar o êxodo dos mais aptos e dos mais instruídos” (Malassis, 1998: 84)
O que podemos afirmar é que com a partir da LDB e das novas diretrizes da
economia em relação aos gastos públicos em educação por parte dos governantes, a
escolarização sofreu significativas modificações: houve uma centralização e uma
municipalização, ou seja, várias escolas foram desativadas 33. Escolas até a quarta série são
de responsabilidade municipal, de 5.a série do ensino fundamental ao 3.o ano do ensino
médio, geralmente são de tutela do Estado.
33 Em nossas visitas aos assentamentos do oeste de Santa Catarina pudemos perceber um sem números de escolas abandonadas, escolas de primeira a quarta série completamente abandonadas.
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Voltando a Alves (2001), o que notamos em sua obra proveniente de trabalho de
Pós-doutorado em História da Educação, é uma leitura perspicaz de como se produziu
contemporaneamente a Escola Pública. Chama-nos a atenção de como a escola enquanto
uma instituição burguesa se constituiu num sentido dualista, ou seja, uma escola para os
filhos dos trabalhadores e outra para os filhos da classe dirigente. Perfazendo, assim, o
trajeto filosófico das propostas dos pensadores e educadores do século XVIII, que ao
apresentarem o discurso de gratuidade de ensino, igualdade perante a lei, universalidade da
educação pública estão querendo solucionar os problemas de seu tempo, porém no decorrer
do século seguinte se depararam com uma perspectiva de classe 34. Sua tese é a de que a
escola foi fruto da primeira Revolução Industrial, mas que durante quase todo o século XIX
ela não foi plenamente difundida, isso se explicita quando aponta que “essa instituição mal
estava emergindo e, para que fosse erigida em sua plenitude, impunha-se uma
intensificação extraordinária da produção da riqueza social”.
O que os educadores mostraram é que a “escola para todos” na época da
Revolução Burguesa, ou seja, nas últimas duas décadas do século XIX, só pode começar a
ser realizada nos países mais desenvolvidos. A idéia iluminista de Escola para todos assim
surge junto com a fase monopolista do Capitalismo. (26 – 36)
O autor, desta forma, chama-nos a atenção sobre as três vertentes do pensamento
burguês que principiaram a escola pública: a vertente ligada a Revolução Francesa, a
Econômica Clássica e a vertente religiosa da Reforma. (p.53) 35.
34 Criticando assim os autores que apontam e condenam a burguesia como traidora dos trabalhadores após a revolução francesa. O autor classifica, baseado em Gramsci, como materialistas vulgares, ou melhor, adeptos de uma teoria conspiracionista da história aos autores que adotam essa postura. 35 Ao explicar cada uma delas, Alves nos proporciona o entendimento sobre como se constituem a escola e seu atendimento. Aponta que os estudantes (clientela) a partir de então deixam de ser apenas filhos da nobreza e futuros quadros da igreja. A Revolução francesa lança a idéia de instrução pública, escola para todos. Aponta Condorcet como um dos principais divulgadores da idéia de universalização do ensino e destaca o Plan d’education nationale de Michel Lepelletier no qual os direitos de todos a educação são tratados de maneira categórica. Acusa, porém a pouca praticidade desses argumentos, atropelados pela realidade francesa intra e posterior a revolução. Em 1795 tanto a educação para todos com a gratuidade, perderam força devido a vitória dos jacobinos. Quanto à instrução pública na Economia clássica, esse autor nos afirma que a partir “Das riquezas das Nações” de Adam Smith começam a ganhar na Inglaterra a importância da idéia de educar as pessoas comuns, para o bem do processo civilizatório, pois pessoas educadas poderiam defender seus país em futuras guerras. Adam Smith, porém é contrário à idéia de gratuidade do ensino: a extensão dos serviços
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Deste modo, podemos afirmar que essas três vertentes influenciaram o que se
constituiu como Escola no Brasil. Para falarmos sobre Escola Rural brasileira, temos que
levar em conta que até a década de 60 do século passado. No Brasil a maioria da população
morava no campo. Na década de 30 do século XX, o então presidente Getúlio Vargas
pensava em Escola Rural para conter o êxodo que já vinha assustando o governo, pois trata
se de um fenômeno que já havia acontecido nos países centrais. A lógica desse processo
pode ser entendida de maneira simples, importou-se o que entendia por soluções e modelos
que davam certo nesses países, quase que certo de vir junto às dificuldades que já os
haviam atingido.
3 b - As escolas “do” campo: A educação escolar dos filhos e filhas dos Assentados
Na parede de uma das edificações de uma Escola do MST, a Escola de Ensino
fundamental 29 de outubro em Sarandi – RS, encontramos escrita a seguinte frase: “Da
terra brota uma escola em Movimento”
Ao usarem a palavra movimento, tanto os camponeses assentados, como os
educadores e os educandos do movimento têm claro que a ela está diretamente relacionado
um projeto de mudar o Brasil. Querem uma sociedade diferente da que eles viveram antes
de serem acampados ou da que vivem outros sem terras. O assentamento é lugar do novo,
de buscar algo novo. Logicamente uma escola dentro de um assentamento tem também essa
intencionalidade. Da luta pela terra, então conquistada, surge uma escola que está ligada a
escolares não deveria comprometer a produção da riqueza nacional. Aponta também o fisiocrata francês Quesnay que, em sua obra O Quadro Econômico, cita apenas uma vez algo sobre educação no sentido de se preocupar com os filhos dos ricos fazendeiros em permanecerem no campo e acusar os burgueses habitantes das cidades de quererem retirar os mestres escolas que os ensinavam. Os fisiocratas defendiam a idéia de que no rural é que se produzia a riqueza social de uma nação. E, finalmente, temos a vertente Religiosa. Na Idade Média, as escolas preparavam além dos filhos dos nobres, também quadros para a Igreja Católica. A Reforma que se contrapôs à Igreja de Roma, produziu um conjunto expressivo de educadores: Alves chama a atenção de dois deles, Comenius e Ratke. O primeiro é importante, pois está na origem da escola moderna, pensando-a como oficina de homens. Escreveu a Didáctica Magna, na qual propõe uma organização no interior da escola para a atividade de ensino, baseada na manufatura. Esse autor instrumentalizou o fazer didático e propôs, assim, o uso do Manual para os professores. Propôs, o que de fato torna corpo na sociedade, a especialização do trabalho do professor. Podemos citar finalmente que muitos pensadores ligados à proposta
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um movimento de construção do novo. Trata-se de um projeto político emancipatório. Na
Escola, vislumbram, assim, um projeto político pedagógico que abraça as mesmas buscas:
criar e possibilitar a construção de uma nova sociedade, perceber e se livrar do passado
concebendo o futuro, mas vivendo o presente.
Para o Setor de Educação do MST e, portanto, para o Movimento como um todo, a
Escola é um dos momentos das preocupações com a Educação. O que podemos perceber
em nossos estudos é de que educação para o MST é uma preocupação mais ampla do que a
luta por escolas dentro de acampamentos e assentamentos. Mas é lógico que isso não
minimiza o papel e a importância da Escola, da luta por Escola, enquanto lugar de ensino –
aprendizagem, lugar de brotar o movimento. Como afirma Stédile (1997), que o MST visa
por abaixo a cerca do Latifúndio e também a cerca da ignorância, ou ainda como
constatamos na apresentação do Caderno de Formação 18 (ANCA, 2001), que é preciso
romper com a cerca do latifúndio do analfabetismo e da educação burguesa, fazendo a
Reforma Agrária também do saber e da cultura.
De fato o potencial pedagógico das ações que são proporcionadas na vivência do
Movimento podem ser percebidas em diálogos e acontecimentos que travamos e
presenciamos no contato com os camponeses. Gostaria de citar um deles ocorrido quando
da nossa visita ao acampamento Dom Balduino, no Estado de São Paulo, como atividade da
Disciplina Geografia Agrária I do Departamento de Geografia – USP, ministrada pelo
professor Dr. Ariovaldo Umbelino, na qual tive a oportunidade de ser monitor. Numa das
conversas com uma família, já dentro do barraco ao perguntar ao pai o que estava achando
de ser um acampado, o que aquele gesto tinha modificado sua vida, o mesmo falou sobre a
diferença entre ser empregado, só receber ordens, não enxergar nem entender muito bem o
que estava a sua volta, mas agora como coordenador da Brigada das Hortaliças, tinha
aprendido como podia ser um coordenador diferente, preocupado em produzir para muitos.
Antes só sabia obedecer, mas teve que aprender a coordenar dentro de uma linha em que
todos os integrantes se sentem dentro de um projeto que favorece a todos os acampados.
da Reforma também refletiram sobre educação: além do pioneiro Lutero, os filósofos Kant e Hegel e o poeta Goethe.
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Esse exemplo e muitos outros que operam na vida e na consciência dos camponeses Sem
Terra, levam-nos a questionar a possibilidade do novo que vem surgindo nos
acampamentos e nos assentamentos. Como esse novo se defronta com o velho, com valores
já fortemente arraigados nas relações sociais em nosso dia-a-dia. Célia Vendramini,
pesquisadora e educadora de Santa Catarina, num de seus trabalhos, entrevistou alguns
assentados e apontou as mudanças, as aspirações que se dão principalmente nos aspectos
político e das relações sociais: aprender a serem mais coletivistas, lutar por seus direitos,
fazer análise de conjuntura, as mulheres se sentem mais valorizadas e saem do mundinho de
dona de casa, os homens por sua vez fazem também trabalhos domésticos, o que antes não
era comum. (Vendramini, 2000 – 92, 93, 94). De certa maneira, essas são mudanças
significativas para os acampados e assentados que adentram o movimento, ao acionarem o
que estão aprendendo, incorporarem esses aprendizados, aumentarão o grau de pertença e,
assim, podemos começar a perceber questões de identidade camponesa relacionadas com o
que apontaremos como cultura camponesa forjada na luta pela terra. Esses assuntos serão
discutidos mais intensamente nos próximos capítulos.
3.c – O Setor de Educação do MST
O MST adquiriu sua força em se fazer ouvir dentro da sociedade não somente pela
quantidade de seus integrantes, apesar de se autodenominar, segundo Stédile, um
movimento de massa (ou seja, quanto mais pessoas envolvidas melhor), é a qualidade de
sua estrutura organizacional que gera um diferencial importante. Organizam-se por vários
setores que se espelham na escala nacional e atuam em escalas tanto estaduais, como
regionais dentro de cada um desses Estados. O Setor de Educação (Nacional) do MST 36
começou a ser delineado desde as primeiras ocupações no início da década de 80, época em
que nem nacionalizado ainda o movimento era, quando nessas vivências percebiam que as
crianças e os jovens eram bastante prejudicados em termos de escolarização ao ter que
acompanhar as famílias nessas situações. Para termos uma idéia de como se encaminharam
36 O MST se organiza através de vários setores que se articulam entre si. Para tanto, realizam encontros, congressos nacionais. Porém, realizam tanto encontros estaduais, como encontros desses setores que podem ser nacionais ou estaduais. Os setores são os seguintes: frente de massa, produção dos assentamentos, formação, educação, comunicação, finanças, projetos e recentemente o de cultura.
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as situações em relação a esse Setor, cabe lembrarmos que em 1984 os Sem Terras se
constituem como movimento nacionalizado, e em 1987, no Espírito Santo, dá-se o primeiro
encontro nacional de professores de assentamento 37. Desde então, até hoje, o movimento
dentro do movimento não parou de crescer, estruturou-se em cada Estado, em cada
acampamento e em cada assentamento ligado ao MST.
A dinâmica desses tempos iniciais do MST pode ser melhor compreendida a partir
do relato de um assentado sobre o processo de formação das escolas no Assentamento:
CH - A escola primária foi o seguinte... Então quando nóis chegamo no assentamento a minha esposa começou a lecionar debaixo de um barraco de feira. Nós pressionamo para nós conseguir uma... O material, a madeira e a prefeitura assumia alguma coisa, nós ia negocia com a prefeitura pra saí uma... Por uma escola no assentamento que tinha bastante criança, né, então um assentamento com quarenta e cinco família tinha muita piazada naquela época e ai nóis... A esposa começou a trabalhar e logo nói conversemo com o prefeito e nóis conseguimo uma escolinha veia de madeira que tinha aí numa comunidade que fica no retirado de Fraiburgo e foi trazida essa escolinha veia pra cá e nóis construimo na base de mutirão, nóis construimo e a mulher continuou e não conseguia manter contratada... Trabalhou acho uns noventa dias, mas pra daí contratarem ela... É que através da organização da luta, nós conseguimo tudo, né, escola, ... A contratação da professora, né? E ai logo nos conseguimo com o Estado. O Estado... Nós conseguimo a escola primária... Nós conseguimo ela de alvenaria daí... né? Escola Nossa senhora Aparecida... P – Esse nome foi escolhido em assembléia também? CH – Foi escolhido em assembléia porque a primeira.... No fim da verdade quando o padre começou vim rezá os culto campal, não tinha nem onde arrezá, depois foi feito o barraco de feira... Então... de lona e agora nunca da pra fia pra trás porque na realidade o tudo pra nós foi a lona e ai a esteira fez parte bastante onde tinha taquara. Agora onde não tinha era a lona que garantia, né? Na verdade, né? Um padre naquela época vinha reza a missa... Ele trouxe uma santa e era Nossa Senhora Aparecida e daí o pessoal gravou aquilo lá que era importante chamar escola Nossa Senhora Aparecida. Então por isso ganhou esse nome. P – Agora deixa eu só...deixa eu só tirar uma dúvida só. Vocês Chegaram aqui um tempo depois do União da Vitória? CH – Ahã (concorda) P – União da Vitória já tinha uma escola primária ou não tinha ainda?
37 Outra característica do Movimento que fica evidente é a de que os setores surgem da prática acumulada e vivenciada nos vários acampamentos e assentamentos no decorrer desses quase oito anos em que ocorrem as ações, primeiro dos movimentos em cada Estado e depois do movimento nacionalizado a partir de 1984. Trata-se, portanto, de entender que as experiências locais se nacionalizam, para depois serem escritas e voltarem para os diversos locais e servirem de oportunidade de formação e diálogos.
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CH – Na verdade eles também construíram uma escolinha de madeira... Então as escolas de alvenaria saiu na mesma época, já em conjunto com os dois assentamento. Então nós já solidarizamos juntos. É. P – As duas escolas surgiram quase na mesma data. CH – É. Na mesma época... Foi construída na mesma época.
Até aqui esse assentado fez um relato sobre a luta por escolas no assentamento,
percebemos então que as duas escolas de ensino fundamental (1.a a 4.a série) foram
construídas por pressão dos moradores dos dois assentamentos e construídas
concomitantemente pelo Governo do Estado em conjunto com a Prefeitura do município. A
primeira professora se aposentou, há bem pouco tempo atrás numa dessas duas escolas que
estão ainda atuantes e formam estudantes que depois vão para a Escola Agrícola. O
entrevistado prossegue relatando como surgiu essa Escola.
Esse depoimento é construído a partir de um “nóis”, o que demonstra o
coletivismo inerente a um movimento desse porte:
“Bom... a escola agrícola ela é Vinte e Cinco de maio porque ela fala alguma coisa da ocupação de oitenta e cinco (1985). Então, é quando veio essa proposta dessa... Dessa escola agrícola, não era uma proposta agrícola naquele tempo. Naquele tempo a proposta era de um centro de apoio e desenvolvimento. Que veio a proposta e aonde que chegaram. Primeiro nosso assentamento conversa com nós o pessoal do Incra, o pessoal da Funabem porque isso precisava de um... Uma extensão de terreno então as área que eram medida era medida então seria terra da comunidade e os lote, as parcela de cada um e aí o Faxinal Dois num era medido ainda nessa época. Daí foi aonde que o Incra... O pessoal da Funabem discutirem junto e disse : “vamos procurar o pessoal do Faxinal Dois que lá a área não é medida de forma nós conseguí a extensão desse terreno além deles tira a terra da comunidade quando é medida a área mais essa extensão desse terreno pra...” Pra construí esse centro de apoio e desenvolvimento lá, né? E ai eles tiveram... Fizeram uma discussão aqui no Faxinal Dois, tratemos daqui a quinze dias eles voltarem, né? Quando eles vortaram já nos organizamos os dois assentamento junto e tivemo reunião... reunião nas duas área e ai cheguemo a conclusão que nós que tinha que cedê a terra, construí aqui no Faxinal Dois que era a única área dô lugar que ainda não era medida, né? E dali daqueles quinze dia em diante quando existiu essa primeira discussão o pessoal já começou a senta junto, se organiza e pensa de uma escola agrícola que desse... Que tivesse uma aula na prática pras criança até o primeiro grau e deu certo, né? Nós fizemo, lutamo por isso ai e tudo deu certo, né? Aonde que nos temo essa escola hoje até o segundo grau, né? Não foi com brincadeira que nós conseguimo assegura ela porque teve muito ataque do próprio município, da autoridade do município tentando acaba com a escola,
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tentando fecha, que num aceitava nossa proposta, da educação que nóis tinha, que nóis queria aquilo que era a vontade de nossos filho que falava de nossa história e a, e as criança aprende, não sabe a velocidade dum avião, mas sabe a aquilo que era pra... que ia fazê bem pra eles mais tarde, sabê se defendê de certas exploração, de esse sistema que nós tivemos...” (CH – colaborando com a pesquisa através de entrevista concedida em sua residência no assentamento)
Uma vez assentados, a preocupação com a escola para os filhos foi premente,
assim como outros serviços necessários à qualidade de vida e trabalho (água, energia
elétrica, destocamento, estradas arrumadas). Assim, como a conquista da terra se deu na
luta, na base da pressão, percebemos que outros benefícios são conseguidos pelo mesmo
processo 38.
Ao visitarmos algumas escolas do Campo, principalmente no Estado de Santa
Catarina, a princípio não conseguimos distinguir o que as diferencia de escolas de uma
pequena cidade. Talvez a quantidade de estudantes, que é menor, uma bandeira do Brasil e
outra do Movimento hasteada no hall de entrada. Mas permanecendo mais tempo nas
escolas, nessa minha caminhada por diversas instituições escolares, podemos afirmar que o
MST prima pela diferença. Podemos afirmar que essa diferença está territorializada, ou
seja, ela se revela na maneira como ocupam a escola. Essa diferença se espacializa quando
as várias experiências ultrapassam o local e viram exemplos trocados em encontros,
seminários e congressos, podendo ser verificadas nos seus escritos, como esse depoimento
num caderno do Setor atesta:
“E só o trabalho da sala de aula não basta. É preciso estruturar o Setor de educação, promover encontros e cursos com os professores, realizar assembléias com os assentados para aprofundar a prática e a teoria dessa educação que queremos”. (caderno de educação no xx)
Nas idas e vindas desses encontros e reuniões, percebemos que é preciso manter a
Escola viva. Ainda que notemos várias manifestações espacializadas de uma escola
dualista, tendo estruturalmente sua concepção calcada na escola republicana burguesa, os
38 Em entrevista ao jornal televisivo matutino “Bom Dia Brasil” da Rede Globo, o ministro de Reforma Agrária, em início de mandato, acusa a situação precária que se encontra os assentamentos do Brasil. Em nossas andanças para realizar a pesquisa, participamos de um ato de instalação de rede de energia elétrica
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educadores entendem que esses processos educativos que são diferentes demanda tempo
para serem aceitos por todos os assentados. Essa aceitação passa por muita discussão e
exige paciência. Como atesta o mesmo caderno do setor de educação: “A educação é um
processo longo. Exige perseverança, criatividade e ousadia”. (p.xx)
Um dos principais méritos da análise de Vendramini (2000 e 2002) e Morigi
(2003) é justamente apresentar e discutir a escolarização do campo, vinculando Escolas do
Campo ao Setor de Educação do MST. Evidente que por suas formações acadêmicas a
espacialização e a territorialização que envolve essas práticas não são comentadas.Mas as
diferenças, ou seja, os novos encaminhamentos apresentados por essas escolas se
evidenciam nessas obras. Morigi apresenta uma contribuição que se refere à luta político-
ideológica que se dá na escola: compara uma escola pública dentro de um assentamento no
Rio Grande do Sul em seu atrito com a proposta Federal e Estadual no quesito educação.
Os princípios educacionais sugeridos pelo setor e adotados pelas escolas do
movimento, construídos no decorrer desses 20 anos de luta pela terra e por escolarização,
demonstram quais os caminhos que demarcam as ações do MST. Tem sido motivo de
orgulho tanto dos assentados, como dos chamados “sem terrinhas”. Territorializam-se nas
escolas e se espacializaram no diálogo que estabelecido com os apoiadores urbanos ou até
as agências internacionais, haja vista que o setor de educação já recebeu um prêmio da
Unicef em 1997, e tem recebido apoio financeiro desse mesmo órgão ligado à ONU.
Ao adentrarmos a secretaria da Escola Agrícola, notamos no mural esses princípios
ali fixados. Perceber como eles acontecem no cotidiano da escola é um dos compromissos
da nossa dissertação39.
Percebemos, então, que na educação por escolas e de como seriam as
escolas muitas discussões foram travadas até chegar a esses princípios. Em uma
num assentamento que já possuía cinco anos. Ou seja, os assentados ficaram todos esses anos sem energia elétrica. 39 Os princípios pedagógicos e filosóficos da Educação do MST estão nos Anexos desta dissertação.
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delas que se deu internamente na Escola Agrícola, no decorrer dos últimos quatro
anos, a discussão e as práticas agroecológicas se intensificaram, transformando-se,
assim, num princípio local, porém também associado a um dos objetivos e
compromissos gerais do MST, apresentado num outro cartaz que se encontra fixado
na escola, mas que também encontra-se reproduzido em diversos documentos
escritos e da internet elaborados pelo movimento. Neles, lê-se: “Evitar a
monocultura e o uso de agrotóxicos; preservar a mata existente e reflorestar novas
áreas; cuidar das nascentes, rios, nascentes, açudes e lagos; embelezar os
assentamentos e as comunidades, plantando flores, ervas medicinais, hortaliças e
árvores”.
Todas essas preocupações expressas pelos sujeitos do setor acabam se
transformando em publicações, material que provoca a necessidade de letramento e
alfabetização de todos os envolvidos na luta pela terra 40. Aqui, não nos
preocuparemos em comentar sobre essas publicações e encaminhamentos do setor, já
que isso é feito em outras partes desta dissertação.
3.d - Alguns dados da luta pela terra (e por escolas) em Santa Catarina
Alguns dados pesquisados na Internet (INCRA, Ministério de Desenvolvimento
Agrário e MST) e numa entrevista na qual pudemos obter informações com a coordenadora
do setor de educação do MST em Santa Catarina, apontam para que percebamos como se
territorializa e se espacializa a luta por escolas em assentamentos e acampamentos.
Esses dados são de extrema importância para que possamos começar a entender e
analisar a multiplicidade de dimensões em que atua (Caldart, 2001, p. 127) o setor de
educação do MST, tanto localmente como nacionalmente. Essa já é múltipla em relação às
atividades escolares. Esses números devidamente analisados dão uma idéia de como estão
Espacializados e Territorializados os camponeses do MST - SC.
40 Nos anexos, apresentamos uma lista do que já foi publicado pelo setor de educação.
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Partindo para uma visão da territorialização do Movimento no Estado de Santa
Catarina, podemos apontar que existem 104 assentamentos ligados ao MST, o que revela
aproximadamente 4.500 famílias assentadas. Quanto aos acampamentos atualmente
(novembro/2003), ocorrem 15 com cerca de aproximadamente 1.100 famílias acampadas.
Nos acampamentos, o Setor de Educação do MST apresenta e orienta a chamada Escola
Itinerante, criada para atender as crianças em fase escolar. Os educadores geralmente são
estudantes, filhos de assentados, que freqüentam o curso de Magistério em Veranópolis/RS.
No caso da falta desses estudantes, freqüentemente integrantes do acampamento acabam
por assumir o papel de educadores. Além desse curso, são oferecidos outros dois:
Administração de Cooperativas e o curso superior Pedagogia da Terra. A dinâmica desses
cursos atende aos estudantes respeitando o quesito temporal, diferenciado nas relações da
vida camponesa, que requer que os jovens contribuam com os pais no trabalho do lote no
assentamento. Assim, temos tempos que apontam para um currículo diferenciado: tempo-
escola e tempo- comunidade. Dessa maneira, quando estão no tempo-comunidade os
estudantes entre outras atividades, podem atuar como educadores num acampamento.
Em pesquisa realizada pelo setor de educação de Santa Catarina, calculam que
apenas 20% dos adolescentes assentados tem acesso ao Ensino Médio. No ano de 1995,
havia nesse Estado algo em torno de 100 escolas em assentamento, mas em função da
nucleação, esse número reduziu-se quase a metade. Muitos assentamentos não possuem
escola e as crianças estudam em assentamentos vizinhos ou em escolas fora do
assentamento.
Atualmente 27 estudantes, representam o MST do Estado de Santa Catarina,
cursando o magistério no ITERRA (Veranópolis - RS), e quatro fazem Pedagogia da Terra.
Um desses estudantes é educador da Escola Agrícola em Fraiburgo.
Existem atualmente 50 turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) do convênio
com o MEC. O setor de Educação do MST calcula que já alfabetizaram e escolarizaram
mais de 2.000 jovens e adultos nos últimos seis anos no Estado.
67
A pós-graduação começa a ganhar importância nas preocupações e ações do Setor
de Educação Nacional e dos Estaduais. Em novembro de 2003, iniciou-se a primeira etapa
de um curso de Pós-Graduação – Especialização em Educação do Campo, em Cajamar –
SP. Realizado por um convênio entre o Iterra e a UnB, voltado para os educadores da Via
Campesina, o curso teve sua primeira etapa realizada em novembro de 2003 e a segunda em
maio de 2004, inaugurando as salas de aulas da Escola Nacional Florestan Fernandes 41.
4 – Apresentando a Escola Agrícola 25 de Maio
A Escola Agrícola 25 de Maio, localizada no assentamento do Município de
Fraiburgo em Santa Catarina, tem matriculado em média42 90 estudantes que moram em
cinco Assentamentos da Reforma Agrária próximos: União da Vitória, Vitória da
Conquista, Rio Mansinho, Contestado, Chico Mendes. A área escolar compreende 32
hectares e o nome da Escola foi sugerido pelos assentados em assembléia no ano da criação
da mesma, em 1989 e se deve à data em que os camponeses ocuparam um latifúndio no
município de Abelardo Luz – SC. Esse evento foi chamado por eles de "as grandes
ocupações de 1985", sendo o dia “25 de Maio” um momento importante na vida desses
assentados e de muitos outros que moram em vários assentamentos da região oeste de Santa
Catarina, pois une memória de um ato de coragem e identidade na construção de uma nova
condição de vida.
41 Tivemos oportunidade de visitar essa Escola Nacional por duas vezes, uma como convidado pela Professora Nídia Pontuschka, com sua turma de estudantes da Pós em Geografia, que ali foram realizar uma atividade de estudo do meio. Outra foi com um grupo de estudantes e a professora Marta Inês do Laboratório de Agrária para que os mesmos pudessem conhecer e começar a discutir um processo de auxílio na formação da Biblioteca da Escola Nacional, que terá capacidade para quarenta mil exemplares. Convém lembrarmos que a Escola Nacional Florestan Fernandes foi construída por 23 brigadas dos Estados Brasileiros e uma permanente num processo que envolve trabalho e educação. 42 Nos dois anos em que atuamos como pesquisador, percebemos que as matrículas se alternam, para mais ou para menos que os 85 estudantes que apontamos enquanto média. Cabe dizer que houve no ano de 1998 em torno de 112 estudantes matriculados. Devido à realidade que enfrentam, à média de idade, às questões de trabalho, o número de matriculados vai decaindo no decorrer do ano letivo.
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As crianças e pré - adolescentes, filhos e netos dos assentados, freqüentam a Escola
num turno durante cinco dias da semana, sendo que em num dia ficam um turno a mais
para que desenvolvam atividades agrícolas planejadas na Cooperativa de Estudantes pela
Reforma Agrária - CEPRA, a qual dirigem coletivamente organizando-se por Brigadas.
Essas Brigadas, que servem para ampliar a participação dos estudantes na Escola e estão
em sua maioria ligadas às atividades e às aulas agropecuárias, são seis: zootecnia,
agricultura, fruticultura, comunicação, horticultura, jardinagem e embelezamento).
Entrevistei um ex - estudante, que estava na sétima série em 1998, quando da implantação
dessas brigadas:
“– É. Então assim foi uma proposta nova que no começo ficamos sem saber o que seria, mas com o passar do tempo fomos nos entendendo mais e melhorando até a forma, assim foi importante até porque hoje, por exemplo, eu tenho uma visão do movimento, dos núcleos de base, que é trabalhar em grupo, então as brigadas proporcionaram a auto-organização deles, de estar avaliando, pensando o que vai se trabalhar durante a semana, (...) a gente sentava nas brigadas, estudava como que foi a semana e avaliaria, pensava o que seria feito pra semana, (...) essas brigadas correspondiam a todo o andamento da escola, tanto a questão da produção, a questão até da sala de aula, do embelezamento, então foi importante” (Ca – ex-estudante da Escola e estudante do Iterra em Veranópolis-RS a época).
O depoimento acima demonstra qual a dimensão dessa maneira de organizar a
Escola, e essa unidade de ensino propriamente dita. A importância dessa iniciativa pode ser
percebida também nos inúmeros estudos já realizados a cerca do assunto. Tanto estudantes
do Magistério, como da Administração de Cooperativas já se debruçaram sobre o papel
dessa maneira de organizar a escola para os filhos dos assentados, como também um
trabalho de Mestrado da Sociologia Política na UFSC foi realizado preocupando-se com
esse tema .
As atividades e ações didáticas / pedagógicas ali desenvolvidas contribuem para a
discussão travada pelo Setor de Educação do MST, e também para repensar e sugerir
propostas e ações que encaminhem uma escolarização pensada/ vivida a partir da
necessidade e valores camponeses. Na Escola podemos perceber e decifrar a fala do
camponês, a fala coletiva do gesto, da ação, da luta camponesa. Na Escola, essa fala e essa
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luta adentram o currículo: a luta por terra (para entrar ou se manter na terra de trabalho
conquistada), por saúde de qualidade, por melhores condições de infra-estrutura nos
Assentamentos. Os estudantes e educadores vivenciam e criam vivências de oposição ao
projeto Neoliberal, ao acordo da ALCA e a implantação das sementes transgênicas.
Apresentam através de ações didáticas-pedagógicas atitudes que proporcionam o diálogo
como base para todas as ações escolares e com a comunidade. Adotam posturas que
respeitam o conhecimento prévio, buscam uma cidadania autônoma e uma reflexão calcada
na reciprocidade dos diversos agentes sociais que convivem com a escola. A escola
“respira” a prática agroecológica, levando a efeito a construção de um modelo que se
oponha ao que vigora nas últimas quatro décadas. O Setor de Educação do MST e a Escola
Agrícola, além de muitas outras escolas desse e de todos os movimentos de resistência ao
modelo de modernização conservadora implantado no Brasil, principalmente na época da
Ditadura Militar, têm um desafio grandioso, pois se defrontam com as contradições e os
valores do Modo de Produção em que vivemos. A tentativa é de criar um modelo
educacional que se oponha às práticas pedagógicas da imposição, da causa – efeito, do
autoritarismo, que subestimam o saber e a procedência dos estudantes e dos seus pais.
Enfim, são muitas as situações que reforçam o apelo da canção de Zé Pinto, interpretada
por Leci Brandão, pois quer-se uma reforma agrária que também transforme radicalmente a
educação em todas as suas instâncias, entendendo o currículo como uma construção social,
e por isso também passível de ser transformado da maneira mais criativa e relacionado à
liberdade possível.
As atividades escolares começaram em 1989, desde então a comunidade assentada
participa no mínimo uma vez por mês (com seus representantes) das reuniões do Conselho
da Escola que além de planejar as ações e cuidar das despesas, organiza a festa dos
assentados no mês de maio, relembrando a luta e comemorando a conquista da terra.
Outra situação em que a comunidade desses assentamentos rurais se envolve mais
diretamente com a escola, são os mutirões de plantio e colheita, que são importantes para
abastecer a cozinha e alimentar os animais ali criados.
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A escola é chamada de "centrinho" pelos moradores dos assentamentos que a
circundam, serve como ponto de referência para apanhar ônibus para viagens relacionadas a
alguma atividade da Cooperativa Regional dos Assentados (CooperContestado) ou as
atividades de luta do MST. Em alguns fins de semana, as crianças que freqüentam as
escolas de 1a a 4a série localizadas dentro da área dos assentamentos, mais alguns
estudantes da Escola Agrícola e até os que estudam em Fraiburgo (geralmente os que já
concluíram a 8a série) jogam no campo de futebol localizado em suas dependências, ou
nadam nos açudes quando esses não têm peixes.
Os Assentamentos Rurais, na concepção dos integrantes do MST, têm uma
especificidade que está ligada à participação no movimento desde o início do envolvimento
na luta pela conquista da terra. É um núcleo social, lugar para participar intensamente na
condução do viver, na produção e reprodução. É bem mais que uma mera unidade de
produção, ganhando importância de núcleo social de conquista de cidadania crítica e
criativa. Enfim, cidadania participativa para uma consciência social de entendimento e
possibilidade de ser sujeito na realidade. O assentamento é o lugar de viver, o sonho em
memória, o sonho se realizando, e o sonho a conquistar.
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“A escola tem que ser local, como ponto de partida, mas tem que ser internacional e
intercultural, como ponto de chegada”.
Paulo Freire
“Porcaria na Cultura tanto bate até que fura. Socorro Elis Regina! ”
Itamar Assunção
II – A propósito de Cultura e Educação:
Alguns aspectos da Formação de
Educadores/as do Campo.
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II – A propósito de Cultura, Educação e Formação de Educadores/as.
Alguns aspectos da Formação de Educadores/as do Campo.
1) Desobediência Cultural: a “insurreição dos saberes”
Epistemicídio. Essa é uma das faces de como se construíram as relações nestes
quinhentos e poucos anos da expansão européia na América. A grande provocação que
trazemos ao apontar esse conceito de Boaventura de Souza Santos 43 é de “olharmos para o
passado tornando o presente atento”, ou seja, que percebamos o que vem ocorrendo na
formação do que é hoje a vida das pessoas em nosso continente conforme o modo dos
colonizadores europeus tratarem com os conhecimentos 44 que aqui foram criados, seja
antes da chegada deles, ou durante a implantação do seu projeto “civilizatório”. A partir
desse assassínio de conhecimentos das culturas que aqui habitavam (algumas ainda
habitam) pela modernidade hegemônica eurocêntrica resta-nos questionarmos como essa
lógica adentrou e encaminhou a educação escolar nestes quinhentos e poucos anos do
contato, ou com maior intensidade nestes duzentos e poucos anos do projeto da escola
republicana burguesa. Isso indica uma maneira de como o conhecimento vem sendo
trabalhado e construído em boa parte do mundo contemporâneo, trata-se de uma diretriz
que se sobrepôs a outras. Evidentemente temos que entender que nessas relações nas quais
se dizimaram modos de vida e saberes foram também dizimados povos inteiros, o que
chamamos de etnocídio. Isso tem relação com a hegemonia do capitalismo, o que já foi
indicado no capítulo anterior,Também se relaciona com um dos nossos pressupostos que lá
desenvolvemos, que não se trata só de imposição econômica e política, mas na verdade
43 SANTOS (1996) neste mesmo texto ele trata da morte do inconformismo e da rebeldia, mas ao mesmo tempo em que é preciso criar “ uma outra teoria da história que devolva ao passado a sua capacidade de revelação, um passado que reanime na nossa direção pela imagem desestabilizadora que nos fornece do conflito e do sofrimento humano (...) recuperar o nosso inconformismo e nossa rebeldia.” (p. 17) 44 Diferença entre os termos conhecimento e saber, qual eu escolho? A partir daqui quando colocarmos conhecimento estaremos falando de todos os tipos de saberes, sejam científicos, míticos, etc. Mas quando formos tratar de ciência, saber sistematizado, falaremos em saber ou conhecimento científico.
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abarca toda as esferas de nosso viver social. Quem separou a realidade em várias gavetas
foi justamente a mesma lógica que construiu e se constituiu dessas relações, calcada num
eurocentrismo, que traz consigo uma visão de mundo, logo uma ideologia, logo uma
cultura.
Trata-se, como já nos referimos, de uma proposta “civilizatória”. Em Soares
(2003), isso fica evidente quando o mesmo aponta que
“Diversos povos levaram à constituição, a partir do século X a.C., do que chamamos hoje de cultura greco-ocidental, judaico-cristã, européia ou simplesmente ocidental. Esta é a cultura que em maior escala e por maior tempo, tem dominado o planeta, que mais destruiu outras culturas e que, para dar prosseguimento e apro(a)fundamento às suas idéias, tem infligido um sofrimento considerável a maior parte dos indivíduos.” (p. 23)
Independente do nome que se dê, o importante é que levemos em conta uma das
principais características que constituiu essa cultura. Nessa escala espaço/temporal deve-se
levar em conta o alto grau de perversidade desumanizadora, disfarçado de desenvolvimento
e progresso. Nesse contexto veremos as noções de cultura, começando pelo que assinala
Soares (2003 – p. 24):
“É esta cultura que criou e instituiu a filosofia, a democracia, a ciência, o capitalismo e a ecologia. Esta é uma cultura que, embora ainda dependa da natureza, nega-a e tenta superá-la, isolá-la, controlá-la, domesticá-la. A história do ocidente tem seguido esse caminho, mas, nela, muitas pessoas tem questionado essa orientação”
Quem são esses questionadores e como questionam? Boaventura ao nos remeter as
características anteriores sobre a cultura que se impõe, também aponta a saída através de
um projeto educativo emancipatório, esse por sua vez tem por objetivo principal
“recuperar a capacidade de espanto e de indignação e orientá-la para a formação de
subjetividades inconformistas e rebeldes” (Santos, 1996, p. 17). Em nosso entendimento
uma proposta que nos provoca enxergar a crise em que estamos envolvidos, e como toda
situação que atinge esse patamar, a possibilidade do novo se faz presente.
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Participamos da terceira versão do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre no mês
de janeiro de 2003, no qual um dos palestrantes o teólogo, escritor e professor universitário
Leonardo Boff que na Conferência Paz e Valores refletiu sobre as possibilidades de paz
dentro da condição humana de Homo sapiens e Homo demens, e dessa exposição oral
destacamos um trecho:
“Temos a arte, a poesia, já fomos a Lua, já deixamos o Sistema Solar, através de uma nave que leva, escrita em mais de cem línguas, a palavra paz – nossa mensagem para o universo é de sabedoria. No entanto a demência também nos caracteriza: etnocidas, matamos povos; biocidas, destruímos ecossistemas; e estamos bem perto de nos tornar geocidas, destruindo nosso planeta vivo.”
Após apontar essas duas possibilidades das realizações e condições humanas, Boff
indica causas e conseqüências dessas escolhas, relata que “É próprio do ser humano o
cuidado de um com o outro, e a perversidade do sistema econômico mundial, está em
acumular privadamente, e não dividir humanamente”. E conclui destacando que
“Cooperação e cuidado mútuo são os dois valores fundamentais que distinguem o ser
humano dos chimpanzés...”.
Nós, seres humanos, não nascemos com o cabedal de conhecimentos e aquisições
construídas pelas gerações que nos precederam, precisamos aprender e adquirir sabedoria
num processo contínuo. A partir de todo cabedal do sistema escolar que já mencionamos
anteriormente e das possibilidades e oportunidades do mundo em que vivemos, chegamos
num momento de encruzilhada, em meu ponto de vista, uma Encruzilhada cultural 45. Essa
nos remete a uma imagem em que um ponto, um lugar, abre para muitos caminhos. Ponto
de partida e de chegada. Muitos intelectuais apontam caminhos, Boff é um deles, dentro da
mesma perspectiva temos também os movimentos populares, no caso os socioterritoriais ao
qual nos envolvemos nesta pesquisa, e mais especificamente o MST. Segundo nossas
observações, tanto indo aos assentamentos e acampamentos, como através das leituras que
45 Baseamos no mesmo que Bourdieu aponta como cisma cultural (Bourdieu, 1968), Santos( 1996) denomina de conflito de culturas, apenas estamos procurando e apontando lugares-encruzilhadas. Um Campus de uma Universidade Pública, os assentamentos etc, são lugares-encruzilhadas. Estes somente são possíveis de serem analisados em seus aspectos territorializados seguindo a lógica indicada na discussão de Coutinho (1988) que apontamos mais a frente neste capítulo.
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realizamos de suas publicações do setor de educação, notamos que estão em sintonia com o
projeto político educativo emancipatório sugerido por Boaventura de Souza Santos. Este
capítulo tem a intenção de demonstrar como isso ocorre a partir de um estudo de caso, mas
que sempre será relacional, um lugar é determinação de lógicas temporais e espaciais mais
amplas.
Antes de especificarmos sobre essas ligações convém adentrarmos e discorrermos
ainda que brevemente sobre o entendimento do que é Cultura. Para começar convém que
lembremos a comparação de Marx sobre a construção de uma aranha e o trabalho dos seres
humanos: a teia se equipara ao trabalho do tecelão, podemos encontrar beleza nos dois,
porém também podemos perceber que mesmo o resultado do trabalho das abelhas sendo
mais interessante que alguns projetos realizados por arquitetos, mesmo o pior dos arquitetos
antes organiza o que vai fazer em sua mente, depois transforma em realidade. Essa é a
diferença que se estabelece entre seres humanos e os demais seres vivos, esse exemplo
colhido dos escritos marxinianos, dá conta em nosso ponto de vista de um entendimento de
cultura no aspecto mais geral que essa palavra traz consigo.
Percebemos no decorrer dessa pesquisa que a pedagogia do MST ao ser formulada
e assumida numa escola do assentamento, apontando um processo de formação de
educadores e educandos, relaciona-se com essas preocupações e caminhos apontados por
Boff, percebemos que essa é a linha atual de quem resiste ao programa hegemônico vigente
na Globalização hodierna. Trata-se, portanto de uma postura que convida a entendermos o
que esses sujeitos sociais apontam como cultural. Entendimento calcado nas seguintes
bases: compreensão da humanidade e busca da libertação. Buscar e entender que cada ser
humano tem o direito de se desenvolver e o que impede esse desenvolvimento deve ser
questionado, contestado e transformado. Como e quanto isso vem dando certo, vem se
impondo, ou fazendo sucumbir a matriz cultural hegemônica que comandou a formação de
nossa nação (e da América Latina, Ásia e África), e o que também nos impulsiona nesta
dissertação, ou seja apontar como esses sujeitos sociais vem tentando construir isso. Seus
avanços e limites. Pois ao mesmo tempo que uma proposta política - educacional que
apresenta uma outra matriz cultural, baseado por sua vez no diálogo com um histórico de
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resistência que atravessa esses séculos, almeja construir bases sólidas para um novo jeito
de viver aos camponeses, esbarra em algo que é mais sólido ainda, que se construiu a mais
tempo: a cultura burguesa, denominada de modernidade. Temos por sua vez uma
escolarização 46, mesmo a que se encontra nas áreas de assentamentos rurais, seja do ou no
assentamento, que carrega e apresenta valores que autenticam o que os próprios
camponeses organizados negam e tentam suplantar. A escola, o mercado, o lazer, o fazer
político, a espacialidade, o tempo, o trabalho, a cultura, a vida enfim está hegemonicamente
comandada por concepções da classe dominante. Mas todas essas esferas da sociedade
moderna se encontram na encruzilhada, construída pela relação pelo que vem resistindo a
isso tudo, é o novo surgindo e fecundando. Temos que ter claro que a encruzilhada é opção
de alguns por mudarem a situação que questionam, não existe lugar ou ponto que se abre
para tantos caminhos distante da escala própria que faz parte da construção humana.
Compreendemos, desta maneira, que essas mudanças nascem tanto dos meios acadêmicos
como do cotidiano dos movimentos socioterritoriais, assim como de outros movimentos e
iniciativas que não fazem parte por hora de nossos estudos.
Numa das passagens de um dos seus livros, Martins (1989) indica que está
terminado o tempo da inocência e começando o tempo da política. Afirma-nos que os
pobres da terra, durante séculos excluídos, marginalizados e dominados, têm caminhado em
silêncio e depressa no chão dessa longa noite de humilhação e proclamam – no gesto da
luta, da resistência, da ruptura, da desobediência – sua nova condição, seu caminho sem
volta, sua presença maltrapilha, mas digna, na cena da História 47. Martins nos chama a
atenção para o movimento de emancipação política, onde os pobres do planeta tomam
46 Gostaria de ampliar esse conceito, pois o mesmo trata de todas as possibilidades que se dão a partir da entrada dos sujeitos nas escolas e da relação que a própria escola estabelece com o seu entorno, seja em termos de espaços como de pessoas. Envolve-se aqui formação de educadores, currículo, papel do estado, o papel de cada disciplina, relação educador-educando, políticas públicas relacionadas à escola, relação escola-comunidade enfim um conjunto abrangente que muitos educadores e sociólogos vem se debruçando à estudar. Os oito anos do Governo FHC instituíram no país uma política que trata e arremessa a Educação como Serviço, impede a de ser vista no campo da cidadania, logo isso altera substancialmente o processo de escolarização em nosso país. 47 MARTINS, José de Souza. Caminhada no Chão da Noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais no campo. Ed. Hucitec.São Paulo, 1989.
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consciência de si, fazem o que denomina de guerrilha silenciosa da desobediência. É uma
nova condição que exige que se relacionem entre si com bases na cooperação e no cuidado
mútuo, essas preocupações fazem parte dos caminhos que constroem os sujeitos do MST e
de muitos outros movimentos socioterritoriais, na luta por terra de trabalho, que repetimos,
tem que ser entendida, maior do que simples condição para reproduzir a sua existência e de
suas famílias, é terra para mudar, terra para plantar o novo. Ë um caminho sem volta, pois
experimentar esse novo, a diferença, faz com nasça uma consciência ampliada sobre o
Brasil. Sem contar que globalizam experiências de resistência, criando desta feita uma nova
cultura.
Num de seus cadernos de formação o MST indica o que assume como
entendimento do conceito de cultura: tudo o que fazemos para produzir nossa existência,
pois cultura, trabalho e existência se agregam (caderno de formação 34, p. 8). No mesmo
texto, apontam que “A cultura, portanto é algo concreto que se move como uma força
invisível no ambiente onde se produz a existência de um determinado grupo social e influi
profundamente em seu comportamento” (p. 20).
Uma ala dos Geógrafos que trabalham com o campesinato brasileiro tem chamado
a atenção sobre a importância de considerar aspectos culturais para entendermos a
territorialização camponesa que vem ocorrendo em nosso país. Compreendo que para
entendermos e explicarmos (e assim ensinarmos e aprendermos) o Mundo hoje em dia, a
contribuição antropológica se faz necessária. Ao procurar entender e assumir um conceito
de cultura essa preocupação se faz presente. Assim adotamos o conceito de Cultura na
definição Antropológica: “o conjunto de modos de ser, viver, pensar, falar de uma dada
formação social” (Bosi, Dialética da Colonização, 1996, p. 319). Um conceito que vem a
tona nesta definição, o de formação social, que implica que entendamos que dentro de uma
mesma sociedade, como a brasileira, por exemplo, persistem outros conjuntos de seres
humanos vivendo com outros valores, de maneira diferente. Podemos nos remeter as mais
de duzentas etnias indígenas, ou ainda os quilombolas que vivem no território nacional. E
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como sujeitos desta pesquisa e pelos caminhos assumidos por nós, os camponeses 48. Já
tratamos anteriormente sobre a importância em analisar o camponês além do prisma de sua
produção e economia, e sim num aspecto mais amplo que é o da sua cultura. A cultura,
definida por BRANDÃO (1986) como "modos de viver, sentir, pensar e expressar a vida
com uma lógica própria, cognitiva e valorativa de significar o real".
Necessariamente ao adotarmos um conceito de cultura não podemos desconsiderar
que ele não caminha sozinho, necessita estar sempre ligado a outros conceitos, assim
temos: identidade social, trabalho, autonomia, pertença, memória etc. Esse conceito, que
ganhou força no ultimo século, ultimamente é relacionado por vários intelectuais a outras
palavras, outros entendimentos e análises da sociedade que solicitam que o adjetivem. Isso
contribui para o entendimento de nossa contemporaneidade e de nossa territorialização:
indústria-cultural, contracultura, cultura popular, cultura de massa (cultura de uma
sociedade de massas, segundo Arendt, 2002, p.248). Cientes de que essa discussão é
importante, ou seja, a cultura como mercadoria e por sua vez casada a dominação
ideológica, porém não nos cabe aqui aprofundar nisso 49.
A concepção a se destacar é a de cultura associada ao ser humano. É necessário
entendermo-nos como dotados de uma natureza social para não cairmos em várias
armadilhas explicativas que favorecem a desumanização em vez da construção de uma
48 MOURA (1986) apresenta um conceito amplo de camponês: "Cultivador que trabalha a terra, opondo-o àquele que dirige o empreendimento rural. Aqui o conceito é estendido a todos os cultivadores que, através do seu trabalho e do de sua família, dedicam-se a plantar e transferir seus excedentes de suas colheitas aos que não trabalham a terra. Ao mesmo tempo em que integra um grupo de trabalho familiar, que produz para sobreviver, algum tipo de engrenagem política e econômica encarrega-se de extrair-lhe compulsoriamente os excedentes gerados por sua produção, que garantem a existência de outros grupos sociais não produtores. Assim, o camponês é um produtor que se define por oposição ao não produtor, não importando se cultiva a terra ou se pesca no mar". 49 Geralmente o senso comum relaciona cultura como sinônimo de atividade ou manifestação artística (músicas, artesanatos etc), evidente que nestas realizações humanas podemos perceber mais de perto que nós seres humanos somos criadores. Qualquer envolvimento artístico é algo que deve ser respeitado, mas devemos desconsiderar que isso é dom de alguns, que apenas alguns seres humanos possuem capacidades para serem criativos. Ser criativo é uma capacidade humana que precisa ser percebida, assumida e apreendida. Hoje em dia é cada vez mais crescente a opinião de que se trata de um encaminhamento social que não privilegia a arte, ocorrendo em certo momento histórico separado do mundo e da vida dos trabalhadores. Essa discussão foi bastante interessante e interessada na oficina de dialogo que vivenciamos com os educadores/as da Escola Agrícola (vide capitulo 3 desta dissertação)
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ciência voltada para as soluções dos problemas da humanidade. Leontiev chama a atenção
sobre os escritos marxinianos de 1844, que já apontavam, em sua análise teórica, a natureza
social e o desenvolvimento sócio-histórico do ser humano, bem como suas forças
essenciais:
“ Todas as suas relações humanas com o mundo, a visão, a audição, o olfato, o gosto, o tato, o pensamento, a contemplação o sentimento, a vontade, a atividade, o amor, em resumo, todos os órgão da sua individualidade que, na sua forma, são imediatamente órgão sociais, são no seu comportamento objetivo ou na sua relação com o objeto a apropriação deste, a apropriação da realidade humana” .50
Em cada objeto está a humanidade; a apropriação da realidade ocorre seja como
consciência do mundo ou de maneira alienada. É preciso oportunizar a percepção sobre
isso, oportunizar para que os educandos e educandas possam realizar escolhas. A cultura é
o solo-cimento da relação sujeito – mundo, a escola um lugar de possibilitar oportunidades
em relação à compreensão de qual humanidade queremos pertencer.
Outro aspecto importante que devemos considerar ao adotar um conceito de
cultura é de que ele não é estanque, ou seja, não é parado no tempo. O conhecimento é
movimento. A cultura é dinâmica, tem movimento, transforma-se ou adequa-se de acordo
com as mudanças/permanências ocorridas em seu modo de reproduzir-se socialmente51.
50 Marx, K. Manuscrits de 1844 in Leontiev, A. O desenvolvimento do Psiquismo. O homem e a Cultura. Ed. Livros Horizontes. 1955. 51 Essa reflexão sobre a cultura com a contribuição de um geógrafo importante para minha geração, Melhen Adas, seja como estudante do ginásio, seja como educador do ensino fundamental, nas duas situações envolvidas com os seus livros didáticos. Esse autor apresenta uma discussão sobre cultura, no contexto do mundo contemporâneo, o que favorece notar como esse conceito é importante também para fins didáticos – pedagógicos. Adas versa sobre Cultura oral, Escrita e Televisiva. A realidade que vivemos é mais complexa que qualquer esquema. No entanto, sua importância está na possibilidade de promover a leitura para crianças e jovens. Localizam no tempo um período importante que foi a cultura letrada, os avanços que a mesma proporcionou, suas territorializações. Oral, escrito e televisivo (a radiofonia e a informática também) são possibilidades humanas, portanto as três convivem na atualidade mundial. A riqueza e a pobreza cultural de nosso país faz com que justamente os três aspectos convivam. Precisamos apenas conviver melhor com essas diferenças. Nossas ações educativas na escolarização de crianças, jovens e pessoas adultas terão um aspecto mais humanístico se mesclarmos essas três “culturas” e também outras possibilidades. Evidente que Melhen Adas relata sobre a nossa civilização provinda da base européia (greco – romana), oportuniza o questionamento sobre a influência das mídias eletroeletrônicas no século XX..
80
Um grande equívoco é de tratarmos a cultura somente como a produção material (os
objetos de determinado povo), desconsiderando todas as relações da vida social desses
grupos. O que Marx sugere, serviu, portanto para indicar outras análises sobre nossa
caminhada no planeta.
É fato, porém, que temos que pesar socialmente a contribuição e a influência da
“cultura escrita” a partir da invenção do tipógrafo, em 1455. Trata-se de uma dessas
invenções que alteram rumos da vida social 52. A Escolarização se apóia na linguagem
escrita, no letramento. Nós educadores sabemos a importância de ler e estimular os
estudantes a lerem um bom livro, e no Brasil esses não faltam. Muitos livros, devido ao
engajamento e aos objetivos político e cultural de seus autores contribuíram não tão
somente para a cultura escrita, mas para reforçarmos o movimento de uma cultura que
podemos chamar de brasileira 53. Podemos afirmar que no momento atual apesar de
instigante, cabe aqui dissertar apenas sobre determinadas possibilidades do conceito de
cultura e sobre algumas possibilidades culturais de nosso tempo, procurando entender como
atualmente existe uma disputa que assume aspectos culturais, que se entranha por vários
aspectos de nossas vidas, originando entendimentos e escolhas que fazemos (ou que se
52 Outras invenções que também foram importantes são a do relógio (1675, a mola de balancim, que imprimiu mais precisão aos relógios), o microscópio (1650), motor a vapor (1712). Precisar temporalmente sobre outras grandes possibilidades humanas, por exemplo, a navegação fluvial e marinha e o instrumental ligado a elas demanda que nos dirijamos a Grécia, Índia, Egito e Arábia na antiguidade. 53 Já citamos anteriormente Monteiro Lobato, que além do Jeca Tatu, criou o clássico Sítio do Pica-pau Amarelo, mas convém lembrarmos obras que são importantes para pensarmos o Brasil, inclusive no que vamos discutir mais adiante, que é a relação entre o popular e o erudito por essas paragens. Três são importantíssimas e gostaríamos de deixar registrada aqui: Os sertões, de Euclides da Cunha, os camponeses ligados a Conselheiro saem do sertão e ganham o papel; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque, que apresenta uma discussão importante sobre a história de nosso país, sobre a ótica inclusiva; e finalmente o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que em meu ponto de vista une a cultura oral do interior brasileiro com a erudição de um saber sistematizado, valoriza os dois, pois neste diálogo entre as diferenças quebra hierarquias e submissões. Poderíamos aqui citar inúmeras contribuições no campo da literatura, da música, do esporte etc. etc. etc. Temos Graciliano Ramos, Jorge Amado, Antônio Cândido, Mário de Andrade, Caio Prado, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Jacson do Pandeiro, Noel Rosa, Sócrates, Garrincha etc. Sujeitos e artistas, antenas da raça. Havemos ainda de um dia entendermos melhor o papel da literatura e de algumas obras ao se entranharem na cultura. ao proporem uma nova relação, um novo jeito de ser, enquanto país, enquanto gente. Enquanto não entendemos e racionalizamos essa sensibilidade acionada socialmente convidamos os mesmos a entrar em nossas vidas pelo viés didático - pedagógico, ou até mesmo aqui, nesta dissertação.
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impõem) em nosso viver em sociedade. Assim, temos entendimentos sobre o espaço social
e territórios organizados por novos entendimentos: as representações coletivas de uma
época (ser humano explicado como resultado de uma evolução, crer em Deus etc). Isso nos
leva a rever a noção de temporalidade, na qual podemos considerar que a realidade ganha
aspectos de aceleração, no entanto dependendo da culturalidade vivida por determinado
grupo social, a relação com o tempo se faz de maneira mais lenta. Ao invés De se
utilizarem apenas do tempo do relógio, os camponeses também são envolvidos pelo tempo
da natureza. As convenções sociais sobre tempo e espaço necessitam serem mais bem
percebidas (e por isso ensinadas/aprendidas) e no mínimo relativizadas. Vivemos também
uma relação cognitiva que, entre outras situações, sempre convida a que entendamos
aspectos sociais como naturais, ou seja, naturalizamos aspectos de nossas vidas que na
realidade têm uma gênese social: acontecimentos socialmente construídos. Geralmente ao
confundirmos normal com natural, usando um como sinônimo do outro, é que cometemos
esse equívoco. O que podemos questionar com esse exemplo, somente para ilustrar, pois
não é o objeto maior de nossas preocupações neste capítulo, é de que nosso próprio
entendimento de natureza está equivocado.
Para reforçar essa explicação mais geral sobre o papel cultural adotado pelo
Movimento Sem Terra, em sua face de educação escolar, seja internamente na formação de
seus ativistas ou na sua relação com o que se constituiu em termos de entendimento do
papel dos Movimentos populares na sociedade brasileira, convém lembrar Coutinho 54
quando afirma que uma cultura crítica e alternativa vem tentando se impor, e que a cultura
que se instalou no Brasil, de forma hegemônica, nem sempre foi única, tão hegemônica
assim sempre teve que fazer esforços para calar uma cultura popular. O que antes era
emudecimento provocado pela lógica do lucro, hoje em dia foi abarcada pela lógica da
mercadoria. Essa lógica se faz presente tanto no Carnaval de Rua, na música de raiz que foi
54 Coutinho, Carlos Nelson. Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre idéias e formas. / 2.ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. Este livro é bastante elucidativo no aspecto de entendermos sobre cultura em nosso país, destacamos o primeiro capítulo em que o autor discorre sobre os intelectuais e a organização da cultura numa perspectiva da proposta gramsciniana, defendendo a tese de para que se constitua uma cultura verdadeiramente democrática e nacional-popular em nosso país devamos recorrer as contribuições (as melhores) do cabedal do patrimônio cultural produzidos mundialmente.
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sendo aos poucos se transformado em canção sertaneja, no processo que ocorreu com a
capoeira e com o futebol que hoje é globalizado. Esse autor denomina esses aspectos de
caminho prussiano, as elites sempre impuseram uma cultura de cima para baixo. Podemos
notar que isso aconteceu em vários aspectos da vida social brasileira, seja nas atividades
que regulamentam o trabalho, nas construções intelectuais, nas de lazer, até nas explicações
sobre a alma brasileira. Podemos ir longe para falar sobre essa imposição. Podemos
também ir longe para falar da resistência. Mas fiquemos por hora com o que aconteceu e
vem se dando no quesito escolarização e escolas, as escolhas e ações do Movimento
Socioterritorial, no que tange também ao processo de escolaridade e formação de
professores passa pelo entendimento do seu papel cultural na sociedade brasileira.
b) Cultura e Educação Escolar
Convém agora unir o que foi discutido nos vários entendimentos de cultura com o
advento da educação, mais designadamente a educação escolar. Todos nós, seres humanos
imersos na modernidade, concordamos com a importância da educação como meio para
que as novas gerações adquiram os fenômenos objetivos da cultura material e espiritual,
enfim os resultados do desenvolvimento sócio - histórico das aptidões humanas. Uma
imagem citada nos escritos de Leontiev ilustra bem a importância desse processo:
“Se o nosso planeta fosse vítima de uma catástrofe que só pouparia as crianças menores e na qual pereceria toda a população adulta, isso não significaria o fim do gênero humano, mas a história seria inevitavelmente interrompida. Os tesoiros da cultura continuariam a existir fisicamente, mas não existiria ninguém capaz de revelar às novas gerações o seu uso. As máquinas deixariam de funcionar, os livros ficariam sem leitores, as obras de arte perderiam a sua função estética. A história da humanidade teria de recomeçar”.55
Com essas palavras de Pieron (apud Leontiev), o autor mostra a importância
cultural da educação escolar, e é desta maneira que o MST, via setor de educação,
55 Essa Imagem Leontiev busca em Piéron. Leontiev, A. op. cit.. Esse texto de Leontiev, adquiri num curso de formação que os educadores da Escola Agrícola em Fraiburgo, SC, tinham com educadores da UFSC de Florianópolis. Estes últimos iam ao Assentamento e a escola pelo menos uma vez todo mês durante o ano de 1999 para acionar formação continuada junto aos educadores da Escola. Reforma Agrária é uma luta de todos e educação no campo também.
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compreende e aciona processos que vão desde atuações nacionalizadas (Concursos,
Congressos, jornadas) 56 estaduais, regionais e locais. Nesse escrito proposto por Leontiev
fica evidente a grande responsabilidade das ações educacionais, promovidas aos/às e
pelos/as educadores/as e pelos/as para os educandos/as, assim:
“Esta relação entre o progresso histórico e o progresso da educação é tão estreita que se pode sem risco de errar julgar o nível geral de desenvolvimento histórico da sociedade pelo nível de desenvolvimento do seu sistema educativo e inversamente”.
Ora, já vimos descrevendo anteriormente, que no Brasil perpetrou um sistema
educativo voltado para as elites terem acesso ao que foi sistematizado pela humanidade e
para que os pobres apenas pudessem receber instruções (quando tivessem acesso a
escolarização). Tivemos assim uma cultura construída pela elite que aniquilou
oportunidades, depois desconsiderou a população em sua grande maioria, criou e difundiu
imagens para que os pobres se sentissem bonzinhos e vítimas. Quando valorizam o popular
é apenas para transformar em mercadoria e criar pacatos consumidores. Quanto à
escolarização essa foi se transformado conforme se alterava a ciência pedagógica. Então a
que ponto de desenvolvimento social nós chegamos? Assim, cabem todas assertivas que
usamos até agora baseadas em Martins, Santos, Coutinho, Leontiev, Bogo, Boff, Freire e o
diálogo que o setor de educação do movimento trava com esses autores e com a realidade
das escolas de assentamento.
Num texto em que Bourdieu analisa o papel cultural da educação, apresentando-
nos a função de integração cultural da instituição escolar, podemos reforçar nossas
considerações em relação ao papel da escola para a cultura. Em seu texto “Sistemas de
56 O Concurso Nacional para os educandos das escolas dos assentamentos e acampamentos ligados ao MST em todo o país está em sua 5a edição, este ano será desenvolvido o tema “As Sementes são um patrimônio da humanidade.”. Em 1998, o primeiro concurso, o tema foi O Brasil que queremos, nos anos subseqüentes foram Feliz Aniversário MST, Brasil quantos anos você tem? E o 4o com o tema Terra e vida. Os estudantes participam em diversas manifestações e linguagens artísticas (poesia, canção, pintura, peça de teatro, escultura, conto, cordel etc) individualmente ou em grupo. Utilizamos material que apresenta o 5.o concurso como instrumento em nossa oficina com educadores e educadoras.
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Enseñanza y Sistemas de Pensamento”, esse sociólogo francês 57 - que em seus trabalhos
anteriores já havia pesquisado como o Capitalismo entra em choque e se impõe aos valores
camponeses numa comunidade ao norte da África - apresenta a idéia de que os
ensinamentos que adquirimos nos aprendizados metódicos e organizados na escola e que,
portanto, são ensinados implícita ou explicitamente 58, formando os esquemas que
organizam os pensamentos dos homens cultos (letrados) das sociedades escolarizadas. O
próprio autor questiona se as sociedades desprovidas de instituições escolares são também
desprovidas desses esquemas e por isso desprovidas de capacidade de ter esquemas de
pensamento organizados e repassados de geração a geração. Penso que é em nossas
sociedades escolarizadas que se cria a idéia de que quem não freqüenta escolas é inferior.
De fato, estabelece-se uma diferença que pode ser bastante prejudicial no que tange ao
acesso aos bens da modernidade. Mas cabe perguntar: isso os torna menos humano?
Considero que apenas não fazem parte do que é apreciado como cultura dentro das nações
modernas.
Nesse sentido, volto às palavras de Bourdieu, quando pondera:
“ (...) en una sociedad donde la transmisión cultural está monopolizada por la escuela, las afinidades subterráneas que unen las obras humanas (y de mismo modo las conductas y los pensamientos) encuentran su principio en la institución escolar, investida de la función de transmitir conscientemente (y por otra parte también inconscientemente) lo inconsciente, o más exactamente, producir individuos dotados de ese sistemas de esquemas inconscientes que constituye su cultura.”
Esse monopólio da escola no que tange a transmissão cultural tão bem expresso
pelo autor, reforça e localiza melhor o que vimos escrevendo desde o primeiro capítulo.
Apesar desse peso cultural da Escola, no mesmo texto, o autor aponta que a Escola também
modifica o conteúdo e o espírito da cultura que transmite. Tanto reproduz quanto modifica,
57 Pierre Bourdieu, sociólogo homenageado no Fórum Mundial de Educação, demonstra o quanto colaborou para pensar a importância da educação culturalmente falando em nossa contemporaneidade. Foi Ministro da Cultura e da Educação na França no Governo Socialista de na década de 80 do século passado. 58 Aqui cabe a idéia de Currículo Oculto desenvolvida pela Teoria Educacional Crítica de M. Applle, Thomaz Tadeu, Peter Mclaren etc.
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tanto introduz quanto possibilita a transformação. Apesar dos estudantes quando nela
adentram contatarem eras escolares diferentes difundidas numa época e escola, o futuro
pode estar ali contido. Depende dos caminhos que os profissionais ligados a escola adotam
como currículo. A escola não só dá referências como define itinerários. O que podemos
descobrir a partir da contribuição de Bourdieu é que realmente a escola e a escolarização
têm um peso definitivo em nossas vidas, oferecem encaminhamentos sócio-culturais. Seja
ela uma má escola ou boa escola, exerçam seus professores seu papel com dedicação ou
apenas cumprindo horas de trabalho. A Escola está sempre dentro de uma organização, tem
sempre um método que é dado culturalmente. Vejamos como o autor expressa essa
preocupação ao apontar
“La Escuela, encargada de comunicar estos principios de organización, debe organizarse para cumplir esta función. Para transmitir este programa de pensamiento llamado cultura, debe someter a la cultura que transmite a una programación capaz de facilitar la transmisión metódica (...)”
Lembrar o que já escrevemos sobre a dualidade cultural implica em atentar para a
diferença que duas escolarizações que se afirmaram no século XX. A Cisma cultural
indicada por Bourdieu (in Sacristan, 1989, p. 31), que tem essa função de diferenciar,
autentica as experiências escolares que almejam reverter o quadro de escolarização para os
pobres, que é oferecido apenas para escolarizar superficialmente, ou seja, possibilitam a
aparência de que os subalternos estão inseridos na vida moderna. Valorizar a escola como
um instrumento que possibilita dar um programa de percepção, de pensamento e de ação é
o que o setor 59 de educação do MST vem realizando. Escola vista como direito e por isso
portadora de possibilidades de acesso aos bens culturais da modernidade. Como observa
Ariès ao comentar o Antigo Regime: “El burgués se hace, no nace; pero para eso hay que
ser primero bachiller”, já substancia a valorização de escola e o dilema de classes em que a
59 Nada melhor que introduzir a discussão sobre Setores do MST, mais uma vez especificar como se dá o setor. Existe um caminho de ida e volta em sua maneira de ser constituído: local, regional, estadual e nacionalmente. Assim o setor é formado por todos os envolvidos com a educação, temos que lembrar que se trata de um movimento social, e que se trata do MST, que traz novidades no jeito de envolvimento político no país. Como incluem a todos na discussão, apesar de serem engolidos pelo cotidiano escolar, os educadores do MST tem uma gama de atividades que atravessam transversalmente suas ações a partir do referencial do Movimento, alem de freqüentarem cursos e participarem de Campanhas anuais nacionais.
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sociedade industrial se construiu. (P. Ariès in Bourdieu, 1989, 21). Esse encaminhamento
de escolarização, com esse peso cultural possibilita autenticar e reproduzir a sociedade de
classes que vivemos. Porém a diferença é percebida no que tange ao acesso aos
conhecimentos. Nesse patamar que a discussão sobre escolaridade e escolarização da
classe explorada ganha aspectos mais instigantes. Bourdieu cita Bernstein para demonstrar
essa cisma cultural a partir da Linguagem. Assim, temos a linguagem pública das classes
populares que se utiliza de noções descritivas e a linguagem formal ou culta que se utiliza
de concepções analíticas, mais complexas e mais favoráveis à elaboração verbal e assim ao
pensamento abstrato. Temos que atentar aqui para esta definição de cisma para que não
caiamos na depreciação mera e ocasional da chamada cultura popular. Tratam-se de
conhecimentos, de saberes em ambos os casos. O saber popular com certeza se constituiu
de maneira diferente, podendo até em sua essência ser destituída de um certo grau de
objetivação contida na chamada cultura erudita, mas recorremos novamente a Santos (2001:
p.25) no que diz respeito aos conflitos de conhecimentos60 que contribuem para apostarmos
tanto na crítica a um modelo pedagógico cultural, como também no entendimento da
construção de um novo modelo de atuação escolar.
“Mais do que um conflito de culturas, trata-se de um meta-conflito de culturas. Ou seja, trata-se de um conflito entre duas maneiras distintas de conceber o conflito entre culturas, dois modelos de interculturalidade(...) o campo pedagógico tem que criar pela imaginação uma conflitualidade que é negada pelo modelo hegemônico.”
Isso nos possibilita entender que na tentativa de denunciar o cisma cultural alguns
autores acabam por autenticar a cultura burguesa como superior, o mesmo autor, porém nos
convida a que entendamos que
“O modelo dominante, do imperialismo cultural, não reconhece outro tipo de relações entre culturas senão a hierarquização segundo critérios que são tidos como universais ainda que sejam específicos de um só universo cultural, a cultura ocidental. À luz desses critérios é a superioridade cultural própria das culturas dominantes que justifica a
60 Santos indica três conflitos de conhecimentos que devem presidir ao projeto educativo. Quais sejam 1) A aplicação técnica e a aplicação edificante da ciência, 2) Conhecimento-como-regulação e conhecimento- como-emancipação, 3) Conflito cultural
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existência de culturas dominadas. Esta superioridade pode afirmar-se de várias formas inclusive através de formas que aparentemente negam a idéia de hierarquia como a hibridização e a cultura global. Qualquer destas tem por limite não bulir com a hegemonia da cultura ocidental”. (p. 30)
Muitos dos discursos e teorias que difundem a preocupação com a cultura, em seus
aspectos de multicultura e respeito à diversidade, podem estar revestidas do interesse de
manter essa hierarquia. Ao universalizarem a diferença, podem estar autenticando a cultura
hegemônica. Universalizando, desta feita, a diferença como desigualdade. Aceita-se com
facilidade as diferenças, mas a lógica está em estabelecer o diferente como mais um
produto a fazer parte do mercado mundial seja a disposição dos empreendimentos turísticos
ou para autenticar uma pretensa democracia. Dessa maneira, entendemos que trazer a tona
o conflito, acusá-lo e determinar suas origens corroboram com a saída apontada por Santos
(2001: p.29) quando recomenda que em sua opinião um projeto educativo emancipatório
tem de colocar o conflito cultural no centro do seu currículo.
Ou seja, vale a velha estória em que a criança aponta que o “Rei está nu”. Voltamos
ao que tínhamos apontado anteriormente como Encruzilhada Cultural. A escola do
assentamento pode ser tratada como um lugar que é aberto para muitos caminhos
relacionais. Territorialização de um currículo em “fazimento” 61. Ponto de partida para
inúmeras possibilidades, de chegada para várias relações que se perpetraram na história
acontecida da luta dos trabalhadores. Os movimentos socioterritoriais – territorializados
através de uma parcela territorial, o assentamento – adquire o direito (também através da
luta) por cuidar da educação escolar das próximas gerações. Cabe lembrar que no início da
retomada da luta por democracia e acesso à terra de trabalho, primeiramente o MST depois
outros movimentos incorporaram essas preocupações, como exemplos têm o MLST
(Movimento de Libertação dos Sem Terra)62 de Minas Gerais. Assim, percebemos mais
uma vez o cunho pedagógico da luta ampla por terra que o MST sugere aos outros
61 Esse termo bebemos numa palestra de Aziz Ab’Saber, onde o mesmo apontou de maneira importante e positiva que o Brasil está em fazimento. 62 Este Movimento foi estudado por Mitidiero e Borges. Iniciou em Minas Gerais e hoje já tem alguns acampamentos no Estado de São Paulo. Hoje se fundiu com outros e formam o MTL (Movimento Terra, Luta e Liberdade) de cunho e ação nacional.
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movimentos populares (sejam socioterritoriais ou com outras necessidades, sejam no
campo ou na cidade).
Em nossas visitas a assentamentos e acampamentos63, e mais especificamente as
escolas ali localizadas, observamos um jeito de ser escola. Nas leituras realizadas das
publicações do setor de educação, percebemos propostas que vinculam esse jeito a uma
negação e a uma saída para um novo projeto político educativo. Teoria e prática que
podemos considerar sintonizada com o projeto político educativo emancipatório sugerido
por Boaventura de Souza Santos.
c) Territorialização de um currículo em “fazimento”: o papel cultural dos princípios
pedagógicos.
São muitos os elementos que compõe a proposta do MST e de Santos, porém
ficaremos com o quesito cultural de formação de educadores e mudança curricular. Nestes
vinte anos de existência, o MST criou uma Cultura Escolar própria, que comporta um
projeto político educativo que encaminha a formação de educadores. Uma cultura escolar
própria, porém, não significa abraçar um projeto político que seja isolado do resto da
sociedade brasileira. Uma das características fundamentais da Escola do MST é justamente
o diálogo, que se propõe a mudança do que vem sendo imposto, justamente pela não
participação. Faz-se presente e latente a preocupação com as próximas gerações. Os
educadores / educandos, juntamente com a comunidade, assumem posturas perante o
conflito que se estabeleceu: a primeira diz respeito a assumir o conflito, ser sujeito neste,
dinamizar isso para todos os integrantes do Movimento; uma segunda postura diz respeito a
cobrar do Estado Brasileiro que cumpra seu dever perante os cidadãos, principalmente nos
quesitos Escolas, Saúde, Moradia, Qualidade de Vida. O MST somente possui escolas que
podemos chamar como “suas escolas”, no ensino médio (ITERRA) e no ensino superior
(Escola Nacional Florestan Fernandes). Essas são escolas geridas pelo Movimento. As
demais são escolas ou de cunho municipal ou estadual. Ou seja, pertencem àquelas
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modalidades que já tratamos anteriormente, escolas do assentamento ou escolas no
assentamento, sempre lembrando que no primeiro caso os assentados indicam a direção da
Escola e discutem o trabalho dos professores, para que esses continuem ou não. Já a
segunda modalidade é quando o Governo seja municipal ou Estadual, indica a direção
como cargo de confiança e esta por sua vez escolhe os professores 64.
Como a formação de educadores e educandos pode contribuir para centralizar
mudanças no currículo? Seguindo Boaventura, podemos questionar o que significa
construir um projeto educativo emancipatório que coloca o conflito cultural como central
no currículo. Ao tratarmos dos pressupostos filosóficos e pedagógicos de uma escola do
campo ligada ao MST, ficam evidentes esses conflitos, uma vez que questionam-se várias
situações da sociedade brasileira. Ao lermos um texto escrito por Renata Coltro, intitulado
“A luta dos trabalhadores rurais sem terra não se resume somente à Reforma Agrária”,
temos acesso a uma visão do setor de educação do MST, com alguns dados e reflexões
apresentados pela autora. Discordamos, porém, do título, considerando que apresenta uma
visão limitada de Reforma Agrária, o que possibilita a seguinte crítica: essa política diz
respeito sim a um projeto que deva incluir os camponeses também em aspectos educativos,
de saúde e de construção do país. Lutar por Reforma Agrária não é diferente de lutar por
educação do Campo, e o título do texto de Coltro sugere justamente o contrário. Apresenta
porém dados importantes e atuais: o MST possui cerca de 900 escolas de 1ª a 8ª séries,
1.500 professores, 300 monitores especializados na alfabetização de jovens e adultos e 35
mil crianças e adolescentes. Esses Sem terras e Sem Terrinhas representam a estrutura
educacional do MST no Brasil. Nessa contribuição, prossegue a autora afirmando que os
princípios são os mesmos para crianças, jovens e adultos, levando em conta a
especificidade de cada faixa etária. Nesse texto, encontramos uma definição simples, porém
congruente, dos princípios filosóficos e pedagógicos aplicados em acampamentos e
assentamentos do Movimento: de acordo com o último Boletim de Educação publicado
pelo MST, em agosto de 1996, a visão de mundo e as concepções gerais em relação ao
63 Tanto em saídas de campo desta pesquisa, como em saídas de campo das monitorias conforme obriga o programa durante a realização do Mestrado.
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indivíduo e à sociedade ilustram os preceitos filosóficos. Já o modo de fazer e pensar a
educação para concretizar os próprios princípios filosóficos referem-se às regras
pedagógicas. Assim não é diferente no que tange a formação de professores. O setor de
educação do MST tem se preocupado desde seu limiar em formação, no começo mais
timidamente e com o passar dos anos mais ousadamente. Hoje possuem um caminho
escolar que possibilita as crianças experienciarem todas as fases da escolarização, desde o
pré-escolar até o ensino de terceiro grau. Formar educandos para serem os ativistas tanto da
educação como de outros setores do Movimento. Numa cultura de transformação, a
formação de educadores começa desde que os filhos dos assentados e acampados entram
em contato com uma escolarização que efetiva os ditames da pedagogia do MST. Evidente
que essas possibilidades vão se afunilando, reproduzindo dessa forma o que acontece na
sociedade brasileira de maneira geral, mas o Setor preocupado com isso já tenta abraçar um
projeto de escola para todos. A grande tentativa é de que pelo menos os jovens possam
concluir o ensino fundamental e quiçá o ensino médio morando com seus pais, o que
implica na luta por escolas do assentamento.
Diante dessa necessidade, mais escolas precisam de mais educadores e
educadoras que abracem o projeto educativo do MST; assim, podemos localizar o conflito
cultural no que diz respeito à formação tanto em fatores externos como internos das
escolas. Externamente quando o que temos de formação geralmente é administrado pelo
Governo do Estado que geralmente não compartilha das políticas pedagógicas construídas
nesses anos todos pelo Movimento Socioterritorial. Ao observarmos em nossa pesquisa o
Caderno Pedagógico produzido pelos encontros com educadores promovidos pelo Governo
Amin, de 1999 a 2002, podemos constatar que é um caderno que não releva a questão
camponesa. Para esses pressupostos parece que ninguém vive no campo. Sabemos porém
que isso é só aparência, pois o que se trata é antes de tudo de um pressuposto da
modernidade, desconsiderar o que não corresponde ao seu projeto. De certa maneira, levam
em conta a educação indígena, o que demonstra que houve uma preocupação com os
64 Visitei Escolas municipais que a direção impedia as crianças de usarem qualquer apetrecho que lembrasse o MST. Botons, camisetas e bonés eram proibidos. Escolas no assentamento geralmente são as que os governos municipais e/ou estaduais são adversários ou inimigos políticos e ou de classe dos Sem Terras.
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diferentes 65. Mas os diferentes se organizam e lutam. Também por escolas do campo que
contribuam no movimento por um projeto popular de desenvolvimento do campo. Os
diferentes querem também incluir pontos de pauta na discussão sobre um país diferente do
que temos hoje. Já internamente podemos apontar que a escolarização se dá num diálogo
entre um modo tradicional e uma maneira crítica e criativa de relação ensino/ aprendizagem
e de possibilidades de inserção da Escola na vida da comunidade.
A Escola do Campo 66 visitada apresenta vários aspectos que a destacam como
uma escola diferente e como boa representante das propostas políticas – pedagógicas do
MST. Como exemplo podemos citar algumas ações dos educadores dessa escola: incluíram
uma proposta a lista de Princípios Pedagógicos da Educação do MST, que é o de possuírem
uma educação voltada à Agroecologia; enviaram vários de seus educadores para os diversos
cursos (sejam para complementação da formação profissional ou somente política). Assim,
percebemos que esses Princípios Pedagógicos e Filosóficos que se espacializam por outras
instituições, territorializam-se na Escola Agrícola 25 de Maio. Isso se deve ao fato de
educadores e educandos assumirem a escola do e para o MST. Ao assumirem o conflito
cultural que se estabelece via imposição e falta de diálogo, o MST propõe sua própria
formação de educadores. Essa, porém, não é destituída de apoio do aparato do Estado.
Muitos convênios são acordados com instituições de ensino superior espalhadas pelo país.
Diante de nossas visitas e observações a Escola, façamos brevemente nas próximas
linhas um exercício de enunciar como essa territorialização acontece, ou seja, como se
territorializam as propostas pedagógicas do MST na Escola Agrícola. No que diz respeito à
Relação entre prática e teoria, podemos citar as chamadas “aulas práticas”. Muito embora
no período das aulas “ditas normais” 67 esse princípio seja buscado, e nem sempre
conseguido. Essas “aulas práticas” são momentos em que os estudantes freqüentam a
65 A Secretaria da Educação em visita a Escola Agrícola 25 de Maio em Abril de 1999, tratou os camponeses e os indígenas como os diferentes e que iria dar uma atenção especial a ambos. 66 Visitamos outras escolas sempre usamos a comparação (metodologia comparativa) apesar de não ser nossa proposta neste trabalho de pesquisa. 67 Essas dominações usadas entre aulas práticas e normais são uso comum na Escola visitada e estudada.
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escola para desenvolverem atividades relacionadas ao plantio, à colheita, ao zelo dos
animais, ao cuidado com hortas, jardins e pomares, ao embelezamento da Escola etc.
Nessas atividades, praticam o que aprendem nas aulas de Agropecuária. São dois
educadores envolvidos com essa grade. Assim, além da Grade curricular normal de ensino
fundamental da 5a a 8a séries, ali encontramos essa outra grade de disciplinas, dessa
maneira acontecem aulas de Fruticultura, Zootecnia etc. Essas chamadas “aulas práticas”
acontecem num dia da semana em apenas um período, fora do obrigatório que os estudantes
estão matriculados, ou seja, os estudantes do matutino ficam uma tarde para desenvolverem
projetos relacionadas ao aprendizado da produção camponesa, e os do vespertino
participam numa manhã durante a semana. Essas aulas não são obrigatórias, mas a
freqüência é bem intensa, em torno de 95 %. A dois anos atrás aconteciam em dois turnos,
mas devido ao almoço das crianças e dos adolescentes, foi reduzido a apenas um período
semanal. Os produtos para o almoço deles é produzido em boa parte na área da escola. A
característica principal dessas aulas é seu compromisso claro das atividades agropecuárias
com a agroecologia. Portanto, fabricam alimentos saudáveis para as suas próprias refeições.
Na questão agroecológica, percebemos que se encontra de maneira mais direta a
contestação à Revolução Verde, que criou uma camisa de força para o camponês no sentido
de estabelecer que o mesmo assumisse uma maneira de plantar a partir dos ditames das
empresas do setor agropecuário. Mas podemos também relacionar essas atividades com
mais um dos princípios: educação para e pelo trabalho. Este por sua vez respeita uma das
possibilidades culturais dos camponeses que tem a sua primeira sociabilização pelo
trabalho, pois a criança antes de ir para a escola já acompanha os pais em alguns afazeres
da roça. A modernidade, porém condena essas atividades podendo acusá-las de trabalho
infantil. Essa é uma preocupação que foi bastante discutida pelos educadores/as da Escola
Agrícola, o que também fez com que mudassem algumas maneiras como vinham lidando
com o que entendem por trabalho. Aprender para e pelo trabalho significa antes de tudo ter
uma visão definida do que essa atividade humana representa. Trata-se de uma visão
classista de trabalho. Os educadores/as têm o anseio de mostrar aos educandos/as o trabalho
enquanto causador de riquezas e de seu contrário, relações de exploração e desigualdade
que nele se encontram. Pelas escolas dos acampamentos e assentamentos, percebemos
também uma inquietação no sentido de não autenticar o discurso moderno de colocar o
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trabalho manual, diante do intelectual, como menos importante. Desta maneira cabe levar
em conta o que diz Sampaio (in Bombardi: 2004) reforçando a necessidade de relevar os
aspectos culturais para entender e explicar a lógica camponesa.
“(...) Traços reveladores da agricultura camponesa – o controle do tempo e do seu espaço pelo proprietário da terra, seu amor à liberdade, o orgulho de sua condição, a indiferenciação entre o trabalho e a vida (...)” (pág. 16 – Introdução de Plínio de Arruda Sampaio, in Bombardi, 2004)
A auto-organização dos/das estudantes (expressão tomada de Pistrak pelo Setor),
acontece na escola relacionada a essas aulas práticas, cada uma das séries comportam duas
Brigadas. Assim temos a Quinta série com as brigadas de Silvicultura e Jardinagem e
Embelezamento, a sexta série cuida e propõe atividades na área de Zootecnia e
Olericultura, Fruticultura I (frutas de caroço) e II (citrus e videiras) ficam a encargo da
sétima série, e finalmente a oitava série que se encarrega da Agricultura Geral e da
Comunicação e aspectos relacionadas as atividades recreativas e artísticas. Essas turmas
formam a CEPRA – Cooperativa de Estudantes pela Reforma Agrária, percebendo que a
palavra “pela” contida no nome dessa cooperativa remete a uma idéia de que a Reforma
Agrária é um processo sempre em construção.Todo início de ano letivo, educadores e
educandos dialogam sobre as demandas e necessidades da Escola, a partir disso cada
brigada planeja as atividades que realizarão na área da Escola e junto à Comunidade.
Retornam, assim, para discutir esse planejamento com os educadores e o Conselho a fim de
receberem sugestões. Nesse processo o que se dá é um aprendizado relacionado à
organicidade dos/as educandos/as e da Escola enquanto um todo. A Direção por sua vez
também apresenta o que a Escola possui de recursos (geralmente e quase sempre
relacionados a verbas federais e estaduais). Isso tudo faz parte do projeto de ensino
aprendizagem, do projeto político pedagógico da Escola Agrícola. Temos assim mais um
princípio pedagógico tomando corpo nas atitudes e vivências da “25 de Maio”: o vínculo
orgânico entre processos: educativos e políticos, educativos e econômicos, educativos e
culturais. Essa ligação entre esses processos é o que mais possibilita com que os estudantes
Sem Terra tornem-se ativistas do movimento. Essa preocupação do Setor se expressa nos
seis pontos indicados no boletim de educação do Movimento, que dizem respeito ao
vínculo entre o político e o pedagógico: a) alimentar a indignação perante as injustiças,
94
cultivar sensibilidade dos educandos frente a essas, visto que as mídias possibilitam uma
indiferença, naturalizam ou apresentam a repressão como alternativa; b) desenvolver e
estudar conteúdos ligados à história e à economia política, vincular as atividades escolares
com a organização do Assentamento e do Movimento. c) estimular a solidariedade de
classe através da participação em lutas de outras categorias; d) incentivar organicidade dos
estudantes e) crítica e autocrítica tanto individual como coletiva servirão para crescer a
coerência entre o discurso e a prática pelas diversas instâncias (partidos, movimento,
associações, cooperativas e a escola); f) Ter como meta pertencer a uma grande família, ser
militante, “esta é sem dúvida, uma dimensão fundamental de uma educação que se
pretenda comprometida com a transformação social” (p. 17 – 18). Pudemos perceber
esses pontos se espacializando a partir da ação de educadores e educandos na promoção de
jornada de lutas que se deram na cidade de Fraiburgo, resultando no Grito dos Excluídos no
desfile de Sete de Setembro. Em outra oportunidade pude presenciar a atuação no plebiscito
contra a Alca, que possibilitou debates, e a ação dos estudantes para explicar junto à
comunidade e na própria cidade a importância da participação nesta votação.
O vínculo orgânico entre educação e cultura, faz reiterar o que explanamos sobre
cultura e escolarização até aqui. O setor de educação aponta o papel da educação como
bastante importante para a “construção / reconstrução da identidade cultural dos
trabalhadores”. Ou seja, assumem que as lutas culturais oferecem o cimento das
transformações econômicas e políticas. Essa importância aos aspectos culturais no que
tange a afirmar valores de classe fica mais explícito na seguinte passagem
“Nossas escolas, nossos cursos de formação precisam ser espaços privilegiados para a vivência e a produção de cultura. Seja através da comunicação, da arte, do estudo da própria história do grupo, da festa, do convívio comunitário como antídoto ao individualismo que é valor absoluto no capitalismo; seja também pelo acesso às manifestações culturais que compõe o patrimônio cultural da humanidade, seja pelo enfrentamento dos conflitos culturais que aparecem no dia a dia do nosso movimento. O que não podemos perder de vista é o objetivo maior de tudo isso, o que diz respeito não a um simples resgatar da chamada cultura popular, mas principalmente ao produzir uma nova cultura; uma cultura da mudança, que tem o passado como referência, o presente como a vivência que ao mesmo tempo que pode ser plena em si mesma, é
95
também antecipação do futuro, nosso projeto utópico, nosso horizonte.” (p.20)
Nesse trecho, podemos notar que a proposta do MST no que tange a cultura, está
concatenado ao que ao que propagam os intelectuais comprometidos socialmente com a
transformação humanizadora para a atual globalização vivida por todos nós. Isso fica
evidente quando propõe o acesso aos bens culturais e assumem o enfrentamento aos
conflitos culturais, tendo a mudança como aspecto cultural que forja a cultura da mudança.
Para isso assumem como instrumento uma identidade cultural forjada na tomada de
consciência que a educação tanto formal como a informal possibilita.
No cotidiano observado durante nossas saídas de campo, podemos testemunhar
que os educadores e educandos ligados a Escola vivem e praticam a Gestão democrática.
Educadores/as e educandos/as aprendem sendo e exercitando essa maneira de gerir o
cotidiano escolar. Nessa organicidade é que a escola consegue ser exemplo para as outras
escolas de assentamento. Porém outras escolas de assentamento também podem ser
exemplo para esta. Uma atenção especial à aprendizagem da auto-organização, visto que
não acontece em todas as escolas de assentamento, que se realiza de forma um pouco
diferente no ITERRA. Ali temos que levar em conta que se trata de estudantes com mais
idade. Até 2000 entravam nessa instituição estudantes apenas com mais de 18 anos, de três
anos para cá a idade foi modificada para 16 anos. Mas o ritmo de estudos continuou o
mesmo, ou seja, durante o tempo – escola a intensidade de leituras é bastante intensa.
Ainda refletindo de como o princípio da gestão democrática se territorializa na
Escola e nos assentamentos adjacentes, constatamos que nas várias escolas do
Assentamento, é comum que ao iniciarem as atividades escolares, instaurem a prática de
Conselho, formado por alguns pais e mães, educandos e educadores. Ao menos uma vez ao
mês seus membros se reúnem para discutirem e encaminharem projetos para a Escola.
Planejam ações, cuidam das despesas e receitas, organizam festas. Na escola agrícola todo
mês de maio de cada ano, é celebrada a conquista da terra de trabalho. Um dos principais
motivos dessa festa é lembrar de como tudo começou, reavivar a memória, passando aos
filhos e filhas e aos visitantes o significado do ato de coragem de ocupar o grande
96
latifúndio, rompendo as cercas da submissão histórica que essas famílias atravessaram em
suas relações de produção e reprodução da vida antes dessa atitude. Ratificam a cada ano a
importância desse transformar-se em sujeito com a história nas mãos. Esse momento da luta
está instalado no nome da Escola. Assim nesse ato constante de preservar a memória da luta
a Escola 25 de Maio ganha bastante importância e passa a ser referência tanto local como
nacional para as acoes educativas do Setor de Educação do MST.
Um aspecto que marcou uma das saídas de campo realizadas por nós junto a
Escola 25 de Maio, que tivemos oportunidade de vivenciar, é que no ultimo bimestre do
ano letivo em que cursam a sétima e oitava série, os/as educandos/as estão aptos a
defenderem em público algum saber pesquisado e sistematizado por eles. Essas atividades
são realizadas num tempo extra ao da sala de aula. Essa prática é incentivada e
acompanhada por todos os educadores, a fim de que os/as educandos/as sejam estudantes /
pesquisadores/as, na perspectiva de se construírem como sujeitos críticos e criativos. Aqui
vislumbramos mais um princípio sendo exercitado: desenvolver atitudes e habilidades de
pesquisa. Os/as estudantes interagem com a investigação e neste processo internalizam
conhecimentos. Podem assim confrontar o tema pesquisado que geralmente é algo
relacionado ao cotidiano seja da vida no lote, nos assentamentos ou até dificuldades da
Escola. Ao final do ano letivo apresentam os resultados para os demais estudantes e
educadores. Isso os possibilita em propor encaminhamentos para os problemas e as
dificuldades apontados pelas pesquisas.
Podemos perceber nesse breve retrato da Escola, alguns aspectos que vislumbram
ao que consideram de maior importância a conquista da terra: assumem o resgate da
memória da luta, através da prática cotidiana o rompimento com a dinâmica que a
Revolução Verde impôs ao campo, e ao assumirem uma postura didática-pedagógica que se
resume no que certa vez apontou Paulo Freire (que está sempre vivo nas organizações
populares): “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho; as pessoas se educam
entre si, através de sua organização coletiva”. Assim, em plena Capital da maçã, como o
município de Fraiburgo é conhecido e apresentado, pois ali grandes empresas agrícolas de
produção de maçã se localizam, a Escola Agrícola, através do esforço de um mutirão de
97
assentados, educadores e educandos planejaram e implantaram um pomar de maçãs
agroecológicas, propiciando aos moradores dos assentamentos comer esse fruto sem
agrotóxicos, usados excessivamente nas grandes produções vizinhas. As ações didáticas
pedagógicas da Escola também propiciam um repensar das atividades agropecuárias
desenvolvidas pelos outros membros das famílias relacionadas aos estudantes. Isso fica
mais evidenciado nas entrevistas que fazem parte do corpo dessa dissertação, apresentando
uma cultura de resistência. Seguindo a trilha de denúncia apontada pela canção de Itamar
Assunção, cujo trecho usamos como epígrafe neste capítulo, podemos afirmar que tanto a
porcaria fura, mas que a crítica transformada em ação, também rompe. Em suma, o MST
continuará pedindo socorro para tantos agentes da mudança quantos forem necessários,
socorro que solicita contribuição, pois o movimento está sempre em movimento. Pedem
socorro a Elis, Itamar, Paulo Freire, Frei Beto, Boaventura, Vigotsky, Leontiev, Leonardo
Boff, Coutinho, Guimarães Rosa, Antônio Cândido, Zé Pinto, Marx. Pedidos a tantos
campos de interpretação e para pessoas que de certa forma questionaram e agiram em seus
campos para essa cultura de mudança. Desta maneira, reconhecem que não estão sozinhos e
nem são exclusivos na construção dessa ação cultural.
d) um pouco mais sobre a formação de educadoras/es...
Restam ainda cinco princípios pedagógicos que gostaríamos de aglutinar para
apresentar algumas ponderações sobre a formação dos/das docentes da Reforma Agrária.
Ficou evidente no que apresentamos até aqui que o MST enxerga e articula-se num
processo de formação que busca ampliar esse mesmo processo. Todos são parceiros,
educandos e comunidade na construção da escola. Mas existe uma especificidade de
formação que diz respeito à legalidade dos educadores de exercerem suas funções. A
Escolas do campo sempre foram reconhecidas como possuidoras de professores leigos, nos
rincões de nosso país ainda encontramos muito dessa realidade. Porém, os movimentos dos
trabalhadores do campo 68, através da Via Campesina, constroem uma formação de
educadores, na parceria com algumas universidades públicas, para romper com essa
68 Aqui podemos citar alem do MST o MMA, MAB etc.
98
impossibilidade. Concatenados, assim, com um projeto de desenvolvimento humanístico
para o campo, abandonado e tratado com uma visão de lugar atrasado frente à modernidade.
Os princípios que têm mais integração com a formação de educadores são os seguintes:
- Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos/das educadores/ras;
- Combinação metodológica entre processos de ensino e capacitação;
- Conteúdos formativos socialmente úteis;
- A realidade como base para a produção do conhecimento;
- Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.
Fica, porém, uma ressalva de que todos os outros princípios e mais esses acima
mencionados contribuem na formação do que vem a ser uma escola do MST (ou do
assentamento). Sem esquecer que esses por sua vez são precedidos por propostas filosóficas
que demarcam como tratam a educação os camponeses organizados no MST. Desta
maneira, os camponeses organizados demarcam suas ações educativas para a transformação
social, valorizando a Educação para o trabalho e a cooperação. Almejam que a Educação
tenha um caráter de classe, seja massiva (orgânica ao MST, aberta para o mundo, voltado
para a ação), seja aberta para o novo. Tratando a Educação como uma manifestação e ação
humana voltada para as várias dimensões da pessoa humana. É a educação com valores
humanistas e socialistas, que ocorre como um processo permanente de formação/
transformação humana. Ao se definirem como um movimento de massas de caráter
sindical, popular e político, ao lutarem por terra, reforma agrária e mudanças na sociedade,
os camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, assumem a partir do
Congresso de 1995 em Brasília vários objetivos e um programa para a reforma agrária que
almejam. Um desses objetivos indica que busquem permanentemente a justiça social e a
igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais. Já um outro trata de se
lançarem para uma reforma agrária que aponte rumo a um desenvolvimento rural que
garanta melhores condições de vida, educação, cultura e lazer para todos os habitantes do
campo. Esses podem ser vistos como princípios e são o combustível dessas buscas. A
escola é lugar, também para fazer essas buscas se territorializarem. Os educadores/as ao
assumirem esses objetivos, efetivam e tiram do papel o artigo 1.o da mais recente LDB, que
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revela que “Toda educação escolar terá que vincular-se ao mundo do trabalho e a prática
social”. O Estado e órgãos governamentais, assim como uma boa parte da sociedade,
parecem se esquecer dos direitos à diferença já defendidos na constituição brasileira.
Conforme aponta o artigo 28 da LDB, que defende o direito a uma escola do campo:
"Art.28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino
promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de
cada região, especialmente:
conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses
dos alunos da zona rural;
organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo
agrícola e às condições climáticas;
adequação à natureza do trabalho na zona rural."
"É a escola que deve ajustar-se, em sua forma e conteúdo, aos sujeitos que dela
necessitam; é a escola que deve ir ao encontro dos educandos, e não o contrário".69 Tendo
tal idéia como princípio básico, consideramos que as escolas rurais, além de direito dos
cidadãos do campo são uma necessidade para o reconhecimento e a valorização de sua
identidade camponesa, o que nos leva a discordar das posições assumidas pelo Governo do
Estado de São Paulo que tem fechado as escolas rurais dando preferência a criar meios de
conduzir os alunos do campo para estudar na cidade.
Considerando que "as escolas tradicionais não têm lugar para sujeitos como os
sem-terra, assim como não costumam ter lugar para outros sujeitos do campo, ou porque
sua estrutura formal não permite o seu ingresso, ou porque sua pedagogia desrespeita ou
desconhece sua realidade, seus saberes, sua forma de aprender e de ensinar" (CALDART,
1999:pp.46/47) é preciso insistir para que esse espaço seja aberto e assim permaneça.
Muitos dos preconceitos presentes na escola são reproduzidos daqueles veiculados pela
69 Caldart, Roseli Salete A escola do campo em movimento, pp.46. Porto Alegre, 1999.
100
imprensa, que omite dados esclarecedores da realidade rural brasileira e deturpa boa parte
dos acontecimentos que envolvem os movimentos organizados do campo.
Ainda conforme CALDART (1999:pp 47): "Trata-se é de alterar a postura dos
educadores e o jeito de ser da escola como um todo; trata-se de cultivar uma disposição e
uma sensibilidade pedagógica de entrar em movimento, abrir-se ao movimento social e ao
movimento da história(...)" (grifo nosso). E ao defendermos isso, estamos ancorados em um
dos princípios primordiais defendidos pela Lei de Diretrizes e Bases em seu Artigo 1.º
parágrafo 2.º: "A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social". Nada mais contemporâneo do que o campo colocado em movimento pelas batalhas
e lutas dos inúmeros movimentos sociais organizados. Negarmos tal presença é fechar os
olhos para a realidade agrária brasileira, atitude esta que nega um dos principais objetivos
de todo educador que se preze: a investigação da realidade, primeiro passo para que esta
possa ser transformada.
Ao comentar sobre os cinco princípios, consideramos que eles na verdade se
complementam. Nossa intenção é perceber como eles se territorializam no que já vimos
tratando segundo Fernandes (1999, p.136), em que o MST se espacializa pela sua prática, e
nesse caminhar reproduz as suas experiências ligadas à luta pela terra, luta por mais
educação, luta por escolas onde se escreve uma dinâmica própria através dessas
manifestações. Quando os princípios são assumidos por educadores e educandos, assim
como pelos assentados (ainda que sejam alguns deles), a luta está se territorializando. Um
território conquistado que passa a ser trabalhado pelos Sem-Terras. Desta maneira a escola
e a escolarização têm papel fundamental na territorialização do Movimento. Ao defenderem
sua concepção de Escola, numa de suas publicações, o caderno de educação de n.o 09
intitulado Como Fazemos a Escola de Educação Fundamental, construído durante três anos
de discussão em encontros de educadores da Reforma Agrária, o MST aponta que “o
movimento é nossa grande escola” e que “a história do MST é a história de uma grande
obra educativa”. Escola e Educação são concepções que se complementam, o que dá uma
dimensão de grandeza e interesse à Escola. Assim a unidade escolar, o Movimento, a
educação em todos os seus aspectos acabam tendo o mesmo grau de importância. Ou seja,
101
ao lutarem por escolas fazem da caminhada um instrumental didático-pedagógico, todas as
ações adquirem assim um cunho e importância educativa. Desta feita evidenciam que tanto
a educação, como o humanismo enquanto causa e formação identitária desses para serem
sujeitos camponeses, estão no mesmo patamar de importância. Na luta forjam, se forjam e
concomitantemente se territorializam e territorializam essas intenções/ações.
O caderno de educação do MST em sua página 22 nos apresenta a seguinte frase:
“Quem educa também precisa se educar continuamente”. Essa máxima é que estimula a
criação de coletivos pedagógicos visando a formação permanente dos educadores e das
educadoras. Educação assim passa a ser um processo permanente. Formação permanente,
mas para que? Para quem? Hoje em dia vários profissionais da educação entendem o
processo de formação como uma atitude que deva ser sempre contínua Isso é importante
inicialmente para que o próprio educador envolvido no processo possa refletir sobre sua
prática e no caso do MST, se envolver com um humanismo sempre crescente.
No mesmo caderno apresentam uma discussão sobre coletivos pedagógicos, mas
sabemos que essas iniciativas de formação não são somente locais, espacializam-se hoje
por outros lugares. O coletivo não precisa ser necessariamente só de uma unidade escolar,
mas de muitas que são próximas. O que mais atrapalha esse processo é o fato de alguns
professores / educadores morarem longe. Os que moram na escola conseguem dialogar com
mais freqüência, o que em meu ponto de vista cria dois tipos de professores. Um dos
representantes da comunidade, participante do conselho, admitiu numa conversa que
tivemos que o melhor seria que todos os professores morassem ou na área da Escola ou nos
Assentamentos de entorno. As estradas são ruins, com freqüência têm de ser cascalhadas e
quando atravessam um período de mais de dois dias de chuva ficam muito ruins. O que
pode inviabilizar até mesmo as atividades escolares. Devido a essas dificuldades,
acrescentando o fato de que geralmente alguns educadores estão submetidos a trabalharem
em mais de uma unidade escolar, ou estão submetidos a uma carga intensiva de trabalho,
esses coletivos se dão com os professores mais próximos e que se encontram com
freqüência cotidiana. Já para os que moram mais distantes e aparecem em um ou dois dias
na escola, as estratégias é realizarem “paradas pedagógicas”. Até o ano de 2001, o quadro
102
de educadores da Escola Agrícola era formado com nove pessoas, apenas um professor
morava na cidade de Fraiburgo. Os demais moravam próximos ou até mesmo dentro da
área da escola. Ao final de 2003, quatro professores moravam na cidade. O quadro era de
dez educadores, visto que há um ano implementaram o ensino médio noturno; as paradas
acontecem uma vez por mês, e geralmente ocupam dois períodos letivos e acontecem ali
mesmo nas instalações da escola.
Outro momento que revela a Formação continuada é quando a Secretaria de
Educação do Estado solicita os educadores para participarem de cursos, palestras ou
reuniões. Nestas geralmente os educadores não conseguem se sentir sujeitos, visto que
podem comparar com as iniciativas promovidas pelo Setor de educação do Movimento. Os
encontros regionais e Estaduais do Setor acontecem ao menos uma vez no ano. Assim,
podemos perceber que o grau de satisfação ou de retorno para promover uma formação
humanística tem relação direta com os pressupostos que articulam esses cursos, e também
com o sentimento de pertença em relação ao movimento.
Ainda em relação á formação dos educadores pelo Movimento, os estudos de
Beltrame (2002) expõem alguns aspectos importantes. Essa autora em seu texto Formação
de Professores na Prática Política do MST: a construção da consciência orgulhosa,
apresenta através de vários depoimentos de educadores do oeste de Santa Catarina o quão
importante é o processo coletivo para a formação, visto que revelam que esses são
convidados a pensarem, reverem e autenticarem sua prática o tempo todo. Beltrame
discorre, assim, sobre como vai construindo no processo de formação uma identidade de
educadores da Reforma Agrária. Isso se evidencia quando aponta que essa identidade
afirma o mundo rural, e que o Movimento constrói isso, pois o MST
“(...) aposta numa escola que contribua para a afirmação desse mundo, na medida em que promove a cultura camponesa, trazendo para as práticas escolares seus saberes e riquezas. Assim, ao vislumbrar um novo papel para esses homens e mulheres professores, o Movimento também redefine a função da escola, numa visão diferenciada daquela que propunha a fixação do homem ao campo. Sua concepção valoriza elementos da cultura camponesa nos programas de ensino, dando novo sentido à escola rural, integrando-a num projeto amplo de educação da população camponesa” (p. 140)
103
Essas apostas e concepções levadas a efeito pelo MST em suas diversas escolas do
campo, solicitam um processo de formação permanente. Cotidiana. O aspecto político e
politizado em que os educadores (também educandos e pais) estão envolvidos garante essa
construção. A formação de professores se dá muito na unidade escolar, no dia a dia. Mas
não dissociada de um projeto maior que é um tempo para ir a cursos e outras escolas mais
distantes.
Ao atentarmos para a combinação metodológica entre processos de ensino e
capacitação percebemos que esse princípio apresenta uma separação interessante entre
ensino e capacitação. Essa separação possibilita o entendimento de que essas são maneiras
diferentes de relacionarmos com o conhecimento. Mas mesmo sendo diferentes a
combinação entre elas, atraves do ato educativo, possibilita que haja contribuição entre
elas. O ensino tem relação com o saber, já a capacitação está relacionada ao saber ser /saber
fazer. Porém a preocupação fundamental por parte dos envolvidos mais diretamente com
educação no MST é de ao unir esses dois processos nas atividades educacionais, colocam o
ato de capacitar como uma possibilidade de inverter uma lógica da avaliação que se apega
somente em medir apreensão de conteúdos. Ou seja, capacitar transforma o ato de ensinar e
vice-versa. Esse debate ao ser estipulado e assumido pelos camponeses organizados faz
com que consigam estabelecer um diferencial no que se refere à lógica que prevalece
atualmente no cotidiano escolar, o que denominamos como conflito cultural dentro da
Escola. Assim sendo, mais uma vez recorremos a Paulo Freire, educador tão caro aos
movimentos socioterritoriais da América Latina, quando aponta duas diretrizes sobre a
formação escolar, que acabam sendo sobre dois caminhos da educação hodierna: formação
enquanto treinamento e formação enquanto relacionada a sonhos, utopias e conscientização.
Segundo Freire, a educação precisa desses dois motes. Hoje em dia os ditames neoliberais e
os intelectuais intitulados pós-modernos partem para uma visão mais fatalista: nada
podemos fazer contra o inevitável processo da globalização da Economia, assim cabe a
educação somente um papel de formação técnica e voltada a conteúdos, “deixando intocado
o exercício da compreensão crítica da realidade” (Freire, 2001: p.31).
104
No que se refere ao princípio que se preocupa com os Conteúdos formativos
socialmente úteis, cabe primeiramente que façamos um paralelo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s). Evidente que os/as educadores/as da Reforma Agrária
ligados ao MST não foram chamados para essa discussão, para contribuírem na formação
das Diretrizes apontadas pela Lei 9394/96, mas muitos dos temas transversais adotados por
esse documento fazem jus as preocupações que o setor de educação do Movimento vem
realizando. (ver Candau 131). Muito embora a postura do MST, via setor de educação, não
propõe que os conteúdos sejam o centro da proposta pedagógica. Todas as ações escolares,
no entanto observam as Diretrizes Curriculares Nacionais e os dispositivos legais. São
importantes instrumentos para capacitar e ensinar, todos os envolvidos com escolas no
Brasil, de uma maneira ou outra aderem a princípios de responsabilidade com o ato de
educar. A seleção de conteúdos faz parte desse princípio. Quem realiza essa escolha de
conteúdos? O que é indicado as Escolas é uma lista mínima, por parte da Secretaria de
Educação do Estado de Santa Catarina, que hoje assume os PCN’s. Esses indicam uma
Base Nacional Comum articulada com uma Parte Diversificada, que garante a
especificidade e certa autonomia do estabelecimento escolar. Destarte, existe um esforço
por parte do Setor de Educação do MST para possibilitar formação aos educadores, para
que percebam seu papel nesse processo de formação. Que percebam também que ao
trabalharem com uma margem de manobra escolham alcançar os objetivos de uma escola
do campo. A pergunta a ser assumida e mantida como um pressuposto necessário ao papel
de educador é a seguinte: os conteúdos são úteis para quem? Essa utilidade, veinculada na
questão sugere à percepção de que os conteudos não são neutros. Para os ativistas do MST
e para os educadores/as ligados/as a esse movimento, conteúdos socialmente úteis adquirem
significado se forem ligados à vida e às preocupações da maioria dos brasileiros.
Pensemos nas noções de envolvimento e de estudo no processo ensino
aprendizagem para também acrescentarmos até o que não nos serve. Na escola em questão
existe um conteúdo socialmente útil para a transformação social, principalmente no que diz
respeito ao aspecto produtivo, que envolve uma postura na relação natureza/sociedade, um
conteúdo que firma a resistência contra um modelo, a chamada Revoução Verde, que visou
servir a lógica do lucro e da destruição dos próprios camponeses. Trata-se da agroecologia.
105
Escolherem trabalhar sobre o ponto de vista agroecológico, concatena-se com o princípio
em terem um conteúdo socialmente útil. Mas dentro das discussões de como se envolver
com esse processo, um pai sugeriu que formassem uma plantação com cultivos
agroecológicos e outra dentro dos moldes da Revolução Verde, o que não foi aceito por
uma boa parte dos educadores. Assumiram a postura de que dentro da área total da Escola
agrotóxico não entra.
Uma das necessidades dos educadores do campo e dos que lutam por qualidade
nas escolas rurais está em formar um currículo próprio, porém não inferior ao das áreas
urbanas. Dessa forma, uma pessoa que não conhece a dinâmica que está sendo
desenvolvida na luta por escolas do campo pode perguntar: como fica o estudante de uma
escola do campo se quiser ser médico, advogado? E se não quiser permanecer como
camponês e quiser morar nos grandes centros urbanos ou na cidade mais próxima?
Essas perguntas possuem relação direta com a formação dos educadores no que
tange ao envolvimento com os conteúdos que serão ministrados e assumidos pelas escolas
rurais. As perguntas anteriores foram feitas por diversas pessoas com quem conversamos na
Universidade de São Paulo. Levamos essa preocupação às pessoas envolvidas com as
Escolas do Campo, e com os Sem Terras do Setor de educação do Movimento. Às vezes
colocamos o problema até mesmo em conversas e entrevistas realizadas por telefone70.
Essas perguntas soam como uma falsa preocupação, pois sabemos que a escola dos pobres
não é oferecida para dar possibilidade desses sujeitos chegarem a essa condição colocada
nas questões. Por acaso vivemos numa democracia com todas essas possibilidades e
oportunidades? Que chance tem algum jovem da chamada periferia ou morando em favela
de chegar a ser médico ou advogado? Por que essas perguntas provocam tanto? Porque
incomoda o fato de os camponeses dirigirem sua própria escolarização?
Um projeto de reestruturação e de organização coletiva tem que ser pensado a
longo prazo. O MST (e qualquer outro movimento que lute por manter a vida dos que não
70 No ultimo mês de setembro entrevistei Camine por mensagens eletrônicas, que confirmou o que já vínhamos ouvindo por parte de outros educadores e educadoras do MST.
106
tem terra) ao apostar em escola de qualidade entende que várias formações serão (e são)
importantes para construir a viabilidade da vida camponesa. O que mais nos chama a
atenção na elaboração dessas perguntas é que as mesmas estão ancorados numa visão de
campesinato que não releva o que esses sujeitos organizados e em luta sugerem de novo71.
Produzir conhecimentos tendo por base a realidade é atividade que traz a seguinte
reflexão: a realidade hoje em dia pode ser compreendida na concatenação entre o local e o
mundial. Mas há que se especificar o ritmo de vida de um assentamento, bem como o papel
social que educadores, educandos e seus pais têm na sociedade brasileira. Cabe traçar um
processo que ocorre na concatenação assentamento-escola-produçao de conhecimentos
locais: o MST se espacializa na Escola; a Escola territorializa a luta pela terra, por Reforma
Agrária; o MST se territorializa com os assentamentos. Um exemplo que podemos citar é
quando educandos fazem as suas apresentações das pesquisas realizadas no fim do ano
letivo. Isso ocorre há três anos. Em 2003, pude participar desse momento, ou seja, da
conclusão dele. Os temas escolhidos e apresentados pelas/os educandas/os se preocupam
tanto em fazer um balanço da Escola (para onde vão os que ali estudaram?), como com o
aspecto da vida (produção, saúde, acesso a serviços públicos) num assentamento ou como
melhorar esse viver.
Assim, as atividades escolares concatenam-se com o artigo V das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1998) que menciona que “As escolas
deverão explicitar, em suas propostas curriculares, processos de ensino voltados para as
relações com sua comunidade local, regional e planetária, visando à interação entre
Educação Fundamental e a Vida Cidadã (...) ”
71 Atualmente vários jovens filhos de assentados estão fazendo medicina nas universidades cubanas e muitos deles ao voltarem estarão exercendo uma atividade médica que leve mais em conta os seres humanos, sem atentar para sua riqueza ou status quo. Por sua vez quem elabora essas perguntas também está ancorado numa idéia de que todas as escolas e todo o processo de escolarização têm que estar ligados a um projeto nacional. Isto é a sugestão da modernidade para a escolarização, universalizante na aparência, porém dicotômica nas entranhas.
107
O que essa diretriz nos aponta é que o importante é não reduzir a realidade
somente ao próximo vivido. Ou como indica o Setor de Educação do MST em seu caderno
de educação: “A Realidade é o mundo” (p. 13). Mas o mundo tem que ser visto no local,
nas relações mais próximas. Essa é uma das características da vida contemporânea e uma
possibilidade metodológica para sairmos da visão ingênua da realidade que nos cerca.
Outro aspecto importante que convém lembrarmos ao nos referimos no trabalho com a
realidade seja o de destacar o que é uma importante especificidade desta Escola, o fato de
que os estudantes possam produzir conhecimentos: fazem isso quando se auto – organizam?
Fazem isso na questão do pesquisar? Quando estudantes da sétima, oitava a princípio e
agora do ensino médio, estão nessa guinada que a Escola deu, instalando a pesquisa como
uma necessidade tentar levar a efeito um dos trechos encaminhados no mesmo caderno: “A
produção do conhecimento é uma das dimensões do processo educativo” (p.13). A essa
altura podemos questionar se produzir conhecimentos significa considerar que os que já
foram produzidos não servem? Existe uma figura de linguagem que ilustra uma postura a
ser seguida enquanto educador/educadora: subir nos ombros dos grandes intelectuais que se
preocuparam em fazer do conhecimento arma para a liberdade dos explorados do mundo
para ver horizontes mais distantes. Essa é uma máxima que também reflete as ações
pedagógicas de uma Escola do MST. Trata-se de uma prática adquirida durante o processo
de formação que os educadores do campo são envolvidos. Isso de certa maneira significa
que a relação com um cabedal teórico está presente no processo de formação. Faz-se
presente de maneira intensa.
O último princípio educacional a ser apresentado aqui, elaborado e assumido pelo
setor de educação do MST, diz respeito a combinação entre processos pedagógicos
coletivos e individuais. É essencial que mencionemos a importancia cultural que essa
combinação estabelece, a discussão entre processos coletivos e indivuduais tem marcado o
setor de produção do MST, remete a discussão que envolve o cooperativismo. Em se
tratando de valores arraigados a esses processos, que a escolarização aborda, é o egoísmo e
o individualismo em confronto com a solidariedade e o cooperativismo. Os dois citados
primeiramente, são ligados e fortalecem o modo capitalista de pensar e, portanto, a sua
reprodução. Interagem e autenticam os aspectos que favorecem a hegemonia do modo de
108
produção que vivemos. É importante considerar a confusão pedagógica que alguns
educadores fazem ao não entender a construção do social, relevando apenas aspectos
individuais da mente. Ser sujeito e não sujeitado, ser indivíduo e não individualista são as
opções que a escola do campo almeja alcançar com seus educandos em suas diversas
atividades didático-pedagógicas. Trata-se portanto de uma discussão ideológica que
atravessou todo o século XX, as diretrizes da sociedades capitalistas72 e das socialistas.
Combinar processos pedagógicos coletivos e individuais requer que a escola aponte um
encaminhamento sobre o que esperam do envolvimento com o conhecimento, ou como se
refere o educador Thomas Tadeu (2000) ao revelar que
“O conhecimento deixa de ser um campo sujeito à interpretação
e à controvérsia para ser simplesmente um campo de transmissão de
habilidades e técnicas que sejam relevantes para o funcionamento do
capital. O conhecimento deixa de ser uma questão cultural, ética e
política para se transformar numa questão simplesmente técnica”.
Voltamos, assim, à combinação metodológica entre processos de ensino e
capacitação, aos conteúdos formativos socialmente úteis e também a produção de
conhecimentos tendo por base a realidade dentro do movimento de denunciar, resistir e
transformar, comum às escolas e às demais ações do MST. Todos os princípios que são
72 Em seu texto intitulado “O espírito capitalista”, (Texto da revista Caros Amigos, maio de 2003. este artigo sintético, porém bastante elucidativo no que concerne a desvendar os caminhos dos valores capitalistas, foi trabalhado por nós em diversas oficinas. Semana Geografia da USP, e com os educadores/as da reforma agrária e estudantes do ensino médio em novembro do ano 3003 ) Frei Beto discorre sobre os valores capitalistas que aparecem como vitoriosos tanto para as Nações da União Européia e América do Norte (menos o México), como em corações e mentes do mundo todo. Assim, egoísmo, individualismo, passividade e aceitação frente às desigualdades sociais são características desse sistema social alavancado pela Revolução Industrial do século XIX. . Como os movimentos sociais se opõem aos valores capitalistas? Como combatem à lógica do lucro e ao individualismo? A lógica do lucro é combatida mais pelo viés da denúncia, o individualismo combatem através de práticas concretas de solidariedade, coletivismo nas ações. Consideramos que esse princípio seja uma maneira interessante de tratar sobre as mazelas que o Modo de Produção Capitalista vem causando à humanidade. Para os camponeses organizados, os valores culturais que o Capitalismo apregoa e impõe devem ser combatidos. O que mais chama a atenção em relação à leitura desse texto de Frei Beto é de como ocorre uma inversão de valores proporcionada hoje em dia pelo Capitalismo, assim “pecados capitais” como avareza, orgulho, luxúria, inveja e cobiça são redimensionados e ganham aspectos de virtudes. Podemos aqui lembrar uma propaganda de TV sobre picolés que carregam os nomes dos pecados. E por falar em TV e meios de comunicação de massa, os programas de humor ridicularizam os pobres, as mulheres, os homossexuais. Uma maneira quase tão divertida como o Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, na década de 10 e 20 no Brasil. Esses são os ditames da modernização e industrialização brasileira que sempre se renovam, atrelados a normas e encaminhamentos dos organismos econômicos internacionais.
109
mais diretamente associados ao processo de formação de educadores do MST relacionam-
se ao apontamento acima de Thomas Tadeu. Na oficina que trabalhamos na escola essa
citação também foi utilizada.
Temos dessa maneira um mote para refletir muitos aspectos sugeridos nessas duas
décadas pelas ações do MST. Ações que remetem à própria organização dos
Assentamentos, o coletivismo exagerado de base soviética que se tentou implantar no início
da década de 90. Essa discussão entre o coletivo e o individual é uma questão que atravessa
e enriquece os corações e mentes dos envolvidos com a transformação social.
Para encaminharmos o fim deste capítulo cabem duas questões: como se dá uma
mudança cultural na formação de professores/as (educadores/as)? Ou como se dá essa
mudança cultural pela formação de professores/as (educadores/as)?
Muito do que escrevemos até aqui aponta caminhos para começarmos a responder
essas questões. Resta chamarmos a atenção para mais um aspecto, trata-se da dinâmica de
formação permanente em que estão envolvidos os/as educadores/educadoras da Reforma
Agrária, quando percebemos a distância temporal entre as publicações dos cadernos de
educação. Principalmente os dois citados por nos no decorrer deste capítulo. Cinco anos
separam o caderno no. 01 e o no. 09. Estes foram realizados durante um processo de
encontros de educadores. Tratam de uma construção coletiva, dinamizada através de muita
discussão presencial, reuniões do coletivo que passam por dinâmicas regionais, estaduais e
desembocam no nacional. A escola ali apresentada ainda não existe plenamente, mas está
em “fazimento”, sendo gestada.
Ou como sugere Freire (1981), de que “Só um mecanicista terá dificuldades em
entender que a supra-estrutura não se transforma automaticamente com a mudança infra-
estrutural”.(p. 33).
Produzir Cultura, através do processo de educação escolar, com objetivos de
sociabilizar e transformar tanto a vida camponesa, quanto o país, demanda tempo, demanda
110
entendimento e ações conscientes sobre o território conquistado, a terra de trabalho.
(Fazendo um paralelo com esse conceito podemos chamar os 32 hectares da escola agrícola
25 de maio, uma escola de assentamentos, de terra de educar?) Sempre é bom que
tenhamos presente que mesmo a terra conquistada, ainda não é definitiva e inteiramente
própria, pois vivemos no Capitalismo.
O que pudemos perceber em nossas observações é que o MST, pelo viés escolar,
sugere novas contribuições em termos culturais, resistindo e propondo a suplantação do
Sistema Capitalista. O campo está em movimento, os camponeses resistem, pois o MST se
apresenta como forte expressão dessa tendência, "questiona as estruturas sociais e a cultura
que as legitima, interrogando a sociedade" (Arroyo, 2000, p. 11). Porém o que
pretendíamos aqui é extrapolar o Movimento visto somente no seu aspecto ideal,
perderíamos o concreto vivido desses sujeitos se ficássemos nessa opção: é preciso
considerar que estamos numa sociedade de classes. Uma vez assumida essa postura, cabe
entender que é preciso destruir a cultura, considerá-la, mas destruí-la. (Sodré, 1992: p. 158)
Destarte, construir uma escolarização e uma escola diferente contribui para que os
camponeses organizados almejem e sigam esse caminho.
Cooperação e cuidado mútuo fazem parte das preocupações que cerceiam as
atividades escolares e as propostas de formação de professores do MST. Trata-se, portanto
de valores assumidos pelo movimento. O que discorrem sobre cultura é que a escola 73 é
um lugar importante para a construção do que chamam de revolução cultural. Esse é um
processo que é mais recente no MST, pelo menos no que diz respeito à elaboração teórica.
Em nosso entendimento essa revolução vem ocorrendo desde a ocupação de setembro de
1979. Que o MST vem propondo práticas novas, isso já e sabido e vivenciado pelos sujeitos
que dele fazem parte desde os primórdios do movimento. Essas práticas novas se dão em
várias relações sociais, políticas, econômicas: em questão de gênero, na questão de se fazer
73 Cabe lembrarmos que existem várias maneiras de fazer escola por parte do MST: Escola itinerante é uma delas, atende ao momento de espacialização do movimento, ou seja, a ocupação. Se as barracas de lona preta são retiradas por ordem judicial de determinado latifúndio ocupado, a “escola” se muda. No Rio Grande do Sul essa escola é regularizada e seus estudantes são reconhecidos caso queiram adentrar outro estabelecimento de ensino.
111
ouvir a voz que antes era calada, contestar a função social da terra etc. Assim, o que de fato
aconteceu foi também um processo pedagógico, portanto também cultural, que atravessou
as várias esferas da vida social, criou inversões que questionavam a lógica da questão
agrária que ocorria no Brasil. Trouxe o novo para as teorias e para as organizações
populares, podemos dizer que ensinou a lição da coragem em meio a uma realidade de
silêncio74. Relatos colhidos por nós nesta pesquisa sobre a Marcha Popular pelo Brasil, que
aconteceu de agosto a Novembro de 1999, indo de Niterói a Brasília, com integrantes de
vários movimentos sociais do Brasil, dão conta de explicar como a pedagogia da luta pela
terra se constrói em falas e principalmente também em gestos. Convém que imaginemos o
impacto de mil pessoas caminhando em fila dupla, silenciosamente, rompendo as estradas e
cidades. Nestas montando acampamentos e indo para palestras em praça pública e em
escolas, discutindo o Brasil.
No MST é assim, primeiro vem a necessidade, daí a ação direta para resolver o
problema e depois isso será transformado (ou não) em um exemplo para outras localidades
e, assim, nacionalizará a ação, principalmente se as percepções e as discussões indicarem
que esse é um direito de vida. A luta por Escola exemplifica bem isso, desde 1983 com a
primeira escola de assentamento que se tem registro em Nova Ronda Alta no RS, passando
pelo primeiro encontro nacional de educadores em 1987, que organizou o Setor Nacional de
Educação. Portanto temos o local como precursor, o nacional como difusor, e nesse
contexto, autonomia e organicidade interagem. O que compreendemos é que nesse processo
o MST vem se espacializando e se territorializando com o seu projeto educacional. Tratam-
se de conhecimentos novos e de lidar de maneira nova com os conhecimentos – assumir o
conflito, se ver no conflito. Saber-se numa encruzilhada, mas sabendo para onde ir e para
onde não ir. O seu projeto nacional se espacializa em vários gestos e atitudes do Setor, e se
territorializa nas instituições escolares. Esses dois processos concatenam-se finalmente para
propor o novo, criando novos conceitos, novos ensinamentos, novas propostas que almejam
74 O que em 1989, Martins nomeava como um novo conhecimento primário produzido pelas classes subalternas organizadas em movimentos populares, decorridos quase quinze anos, essa “insurreição do saberes” 74 CF Michel Foucault, ob. Cit., pág. 171 in Martins p. 134 chão da noite adquiriu novos aspectos. Pretendemos apresentar dois desses aspectos, um deles sem dúvida foi uma face teórica interna, outro foi a capacidade de inserir conhecimentos novos nas academias. Esses dois aspectos
112
reverter o que uma dinâmica de longa duração vem propondo ao país. Cria-se uma cultura
para ressuscitar o que foi apagado pelos ditames civilizatórios, primeiramente europeu e
depois norte americano concatenados com as elites nacionais, entre outras situações o MST
propõe plantar o novo após as ações e cultura implementada pelas ações calcadas no
chamado epistemicídio.
substanciam os processos de formação de professores propostos e levado a efeito pelo setor de educação do Movimento. Martins, op.cit.p.133 e 134.
113
LADO B
DO CAMPO
AO
CAMPUS...
114
“Aqui vive um povo que merece mais respeito
Sabe belo é o povo como belo é todo o amor
Aqui vive um povo que é mar e que é rio
E o seu destino é um dia se juntar
( . . . )
A novidade é que o Brasi l não é só litoral
É muito mais, é muito mais que qualquer Zona Sul
Tem gente boa espalhada por esse Brasi l
Que vai fazer desse lugar um bom país
Uma notícia está chegando lá do interior Não deu no rádio, no jornal ou na televisão
Ficar de frente para o mar
De costa para o Brasi l
Não vai fazer desse lugar um bom país.”
Not ícias do Brasil (os pássaros t razem)
Milton Nascimento e Fernando Brant
III – Caminhos teórico-metodológicos da pesquisa:
observar, entrevistar, participar.
115
III – Caminhos teórico-metodológicos da pesquisa:
observar, entrevistar, participar.
Neste terceiro capítulo discorreremos sobre a metodologia utilizada por nós com o
intuito de alcançar os objetivos propostos no projeto de pesquisa. Isso, num primeiro
momento, implica em apontar como os sujeitos desta pesquisa, ou seja, os camponeses
organizados e assentados no Município de Fraiburgo em Santa Catarina, ganham um
aspecto importante para a efetivação dessa caminhada e desta feita na construção do
entendimento da vida que levam, da territorialização que efetivam. São os pais, mães,
educadores, educadoras, educandas e educandos envolvidos com a Escola Agrícola 25 de
Maio que facilitaram com que os instrumentos metodológicos possibilitassem alcançarmos
os objetivos traçados inicialmente e no decorrer de nosso projeto de pesquisa. Tivemos a
colaboração desses sujeitos através de entrevistas, que nos receberem em suas casas,
dispondo simpaticamente de parte de seu tempo. Quanto às observações, a colaboração
ocorreu ao permitirem que vivenciássemos seu cotidiano, seja nos hospedando em suas
casas ou apenas participando de ações e atividades do cotidiano e do calendário escolar,
bem como caminhar pelos lotes e estradas e ter oportunidade de acessar documentos da
instituição escolar. Participar dos momentos de festas nos assentamentos e na Escola
também foram momentos importantes para perguntarmos e refletirmos sobre a vida desses
sujeitos no tocante à importância que dão a escola e a escolarização e nesse bojo a
relevância da luta e da manutenção da terra de trabalho conquistada. Outra grande
colaboração se manifestou ao aplicarmos as oficinas didáticas – pedagógicas, batizadas por
nós de oficinas de diálogo. A partir do papel desempenhado pelos colaboradores e pelas
colaboradoras, é que pudemos fazer um esforço de análise geográfica na tentativa de
entender e sugerir sobre a realidade vivida por eles. Uma parte considerável da análise foi
mostrada na primeira parte desta dissertação.
Assim, os objetivos traçados por nós, desde os mais específicos até os mais gerais,
impulsionaram a busca da realização das atitudes de observar, entrevistar e vivenciar
116
oficinas de diálogos. Nas próximas linhas, especificaremos os comos e os porquês que
subsidiaram nossa atuação nos trabalhos de campo, bastante importantes numa pesquisa
como esta que nos propusemos realizar. No decorrer dessa construção, tanto teoricamente
como no contato e vivência com os colaboradores/as já indicados/as acima, novos objetivos
foram sendo traçados, os anteriores remodelados, percebemos desta feita um dos aspectos
de contágio da metodologia adotada: as atitudes de pesquisa e todas as ações direta ou
indiretamente ligadas a ela no decorrer do mestrado são atividades em movimento, dessa
maneira devem ser percebidas. O caminho se faz ao caminhar. Ou seja, participamos e
estivemos abertos para esse movimento que retrocede, avança, estanca, depois avança mais
um pouco, questiona, sugere dúvidas etc.
Geralmente é de praxe realizar esses apontamentos teóricos-metodológicos no
início de um trabalho de dissertação, neste escrito optamos por deixar essas preocupações e
esse relato, bem como as análises provenientes dessas preocupações, para essa segunda
parte por dois motivos: destacar os acontecimentos das atividades do trabalho de campo
com ênfase no papel dos colaboradores e ampliar as reflexões sobre o papel da pesquisa
qualitativa adotada. Desta forma esperamos destacar a relação entre teoria e prática da
maneira mais eficaz, dentro do que pudemos realizar, dando voz aos sujeitos que
recepcionaram a sua realização. Estamos convencidos de que ao invertermos a lógica de
uma dissertação tradicional alcançamos mais essa intenção dialógica aqui expressa,
retratamos o movimento que escolhemos, refletindo as possibilidades e limites das
vivências que ocorreram.
1 - O papel dos pesquisadores/as (e, portanto da pesquisa) com os Movimentos de
transformação da sociedade brasileira. Uma reflexão necessária... 04
As primeiras questões que surgem para um envolvimento inicial com o ato de
pesquisar os movimentos socioterritoriais (Fernandes, 1995) são as seguintes: Qual o papel
da pesquisa para esses sujeitos? Como pesquisar? Para que e para quem pesquisar?
117
Vendramini (2002) ao tecer comentários sobre documento final do Seminário
“Pesquisa e Movimentos Populares” organizado pela Fundep em 1993, elabora e apresenta
a seguinte sugestão: “A pesquisa que interessa às classes populares, a seus Movimentos e organizações é aquela que produz conhecimento científico sobre a realidade na perspectiva de revolucioná-la. Tem rigor e objetividade, sem deixar de tomar posição; é uma posição que tem recorte de classe. Ou seja, a intencionalidade desta pesquisa se volta a construção da hegemonia do projeto social popular. E, por isso mesmo, seu objeto de estudo privilegiado são os problemas e desafios enfrentados pelas classes populares.”
Nessa relação entre conhecimento popular e conhecimento científico, urge que
reflitamos sobre essa sugestão e a adotemos como base para um possível e necessário
diálogo. Sobre as imbricações desse diálogo muito já foi escrito, sobre as impossibilidades
também, porém cabe que expressemos uma postura: compactuamos com os que pensam o
saber popular e saber científico como diferentes, mas que não enaltecem um sobre o outro.
Seja num populismo que vangloria o saber popular ou num cientificismo positivista que
acredita que a única forma de saber é o científico. Em ambos existem limites e
possibilidades. Cada um deles possui uma maneira diferente quanto à gênese e quanto ao
repasse, muito embora sabemos que uma parcela significativa do saber científico acaba por
anular sobremaneira qualquer outro tipo de expressão de conhecimento. Basta recordar que
no capítulo anterior discorremos sobre o epistemicídio ocasionado pelo contato ocorrido
nas Américas com a chegada dos europeus, e que de certa forma os envolvidos com o
conhecimento científico trataram de continuar nos séculos seguintes.
Essa discussão possui uma dimensão que abrange nossa atuação como agente
desta pesquisa em duas esferas (pesquisador e ativista, ou militante como preferem outros
teóricos). Uma atual reflexão sobre essa relação dialógica elaborada por Fernandes pondera
sobre essa atitude e o peso político que os movimentos socioterritoriais possuem no Brasil
hodierno, chamando a atenção para o papel do Pesquisador - militante75. Esse autor nos
encaminha às seguintes questões: Quais os limites e as possibilidades entre o fazer
75 Particularmente não apreciamos a palavra militante, preferimos ativista. Militante e militar provém da mesma origem, militus, aquele que não pensa, que apenas recebe e cumpre ordens. Sabemos, porém, que ao
118
científico e o ativismo social? Como fazer para que numa atividade científica os fatores
políticos não prevaleçam sobre as atividades de pesquisa?
Essas perguntas provocam tanto reflexões como preocupações e caminharam
juntas com o ato de pesquisar, que resultou nesta dissertação. Não temos respostas
elucidativas, a incerteza prevalece, porém temos certeza que esse assunto, enquanto dúvida,
permeia nossa atuação de pesquisador, principalmente quando envolvidos com uma ciência
social como a geografia, precisamos estar atentos para esse dilema. Estamos de certa
maneira adotando uma resposta quando concordamos com as seguintes palavras:
“Para o pesquisador – militante, a ciência tem como significado a perspectiva da transformação das realidades estudadas, bem como da sociedade. Desse modo, há um compromisso com as pessoas que são os sujeitos de seu objeto de pesquisa, o que também contribui _ e muito _ com o desenvolvimento da ciência” (Fernandes, 2001, p. 17).
Tanto para Vendramini, como para Fernandes e o MST o ato de pesquisar,
portanto, está diretamente vinculado ao ato de construir conhecimentos sistematizados
sobre a realidade, a fim de transformá-la. Ou seja, entender a realidade para nela melhor
agir. Entendem a ciência como atitude transformadora da realidade, seja a realidade
externa aos trâmites acadêmicos como a práxis científica. Concordando com essas
ponderações iniciais que remetem a uma postura sobre o papel da pesquisa e, portanto, dos
pesquisadores, precisamos de uma postura clara de ciência. Assim, nos apoiamos nos
seguintes dizeres:
“A ciência, diferente da filosofia e da arte, padece da necessidade de delimitar seus objetos. Não é possível pesquisar tudo ao mesmo tempo e nem todos os campos do conhecimento. Mas delimitar não é fragmentar e atomizar. A vigilância critica ao delimitar um objeto e as mediações que o constituem numa totalidade concreta são os elementos básicos que caracterizam o caráter dialético e, portanto, histórico do método. Vale dizer, o método que nos conduz a apreender o movimento da realidade, ou das determinações, que o constituem, e não simplesmente nossas representações, ou pseudo-representações, sobre o mesmo. Por isso, a concepção de conhecimento histórico (científico) e de método de apropriação crítica do movimento e constituição dos fatos e
usarem essa palavra a maioria dos envolvidos com o ato de transformar o nosso país em um lugar com mais justiça social não considera os militantes como meros cumpridores de ordens.
119
fenômenos sociais elaborados por Marx em vários textos (1977, 1986 e 1969), não só guardam total atualidade como revelam-se, hoje, mais do que nunca, imprescindíveis na apreensão das mudanças da sociabilidade do capital.” (Frigotto, 2001, p.42)
Essa citação aponta que necessitamos delimitar um objeto de estudo sem, contudo,
fragmentá-lo e atomizá-lo. Se nosso objeto é um lugar, como é o caso desta pesquisa, faz-se
necessário entendê-lo em suas relações internas. Desta forma, esse objeto-lugar, por sua
vez, diz respeito diretamente a um movimento organizado de pessoas que questionam o
atual estado de vida em que se encontram, é desse processo que teríamos que dar conta. A
partir disso as possibilidades aumentam de enxergarmos esse lugar como ponto de partida e
chegada. Essa é uma das faces do cabedal metodológico que adotamos. A realidade vivida,
observada, atua como elemento importante em nossa atuação de pesquisa. Ao propormos
algo (o que realizaremos nas oficinas, por exemplo), primeiro os acontecimentos falam, os
sujeitos sugerem. Dessa maneira, podemos refletir e ver os reflexos das várias posturas do
Movimento Socioterritorial, O MST, que ao sugerir várias situações na Escola Agrícola 25
de Maio, possibilita que a entendamos como ponto de partida e de chegada nessa relação de
pesquisa, seja em constatação / análise ou contestação / ação. Atitudes que relatamos em
diversos momentos contidos nos capítulos iniciais desta dissertação. As Escolas ligadas a
um movimento que propõe revolucionar as atuais relações sociais, culturais e políticas em
nosso país, vem gerando questionamentos e ações que visam alterar uma situação de longo
tempo, a questão agrária, e que também pretende realizar uma “reforma agrária na
educação”.
2 – Desafios da Metodologia
Sobre a Metodologia que adotamos nessa Pesquisa, cabe apresentarmos as raízes
metodológicas e conceituais com as quais trabalhamos. Como vimos evidenciando em
relação aos procedimentos metodológicos adotados optamos por desenvolver um processo
de reflexão, combinando elementos teóricos com as informações adquiridas durante o
processo de trabalho de campo. Realizamos um caminho denominado pesquisa – ação, ou
seja, nos propomos a desenvolver uma atividade didática - pedagógica que levante
120
questionamentos e algumas soluções associados à vida da escola num assentamento
apresenta, trata-se assim de uma pesquisa educacional qualitativa (Erickson, 1989).
Adotamos um caminho pela pesquisa qualitativa, mesclada com o entrelaçamento
possível entre a pesquisa-ação e a pesquisa participativa. Mas como desenvolvemos estes
caminhos, como contatamos a realidade e o cotidiano de uma escola rural, bem como o
viver dos assentados no território conquistado? Mais do que uma questão de estratégia e
tática de como se relacionar e buscar os “comos” e os “porquês” com os nossos
colaboradores e parceiros de pesquisa, cabem antes explicitar a que fontes estamos ligados
neste desafio de lidar e construir conhecimentos, aliás é disso que se trata, acima de tudo,
numa dissertação.
Uma questão importante é levantada por Martins no texto O Trabalho intelectual
com as classes subalternas76, no qual após discorrer sobre pressupostos iluministas, que
desligam a cultura popular da prática popular 77, o autor indica um novo desafio aos
intelectuais no plano da produção do conhecimento. Qual seria esse desafio? Reverter essa
maneira de organizar o trabalho científico e também “produzir uma teoria da nova prática
mediada pelos movimentos sociais contra a orientação teórica dominante” (p. 135).
Como? O autor nos relata que primeiramente é preciso ampliar a noção de classe social
para que percebamos que contradições, conflitos e confrontos distintos dentro dela, em
segundo lugar potencializar a noção de campesinato (no caso desse estudo), destituindo o
que no século XX foi tratado como impotência política desses sujeitos. Finalmente ao
apontar que esses dilemas são antes de tudo dilemas interpretativos, ou seja, a teorização
que se mostra muitas vezes como conhecimento sobre essas classes e não das classes
76 Parece-nos que a citação a seguir dá conta de explicarmos a escolha dessa categoria “No entanto, a categoria de subalterno é certamente mais intensa e mais expressiva que a simples categoria de trabalhador. O legado da tradição gramsciana, que nos vem por meio desta noção, prefigura a diversidade das situações de subalternidade, a sua riqueza histórica, cultural e política. Induz-nos a entender a diversificação de concepções, motivos, pontos de vista, esperanças, no interior das diferentes classes e grupos subalternos” (p. 98, Martins - 1989) Portanto só entenderemos essa categoria se a unirmos ao entendimento de exclusão integrativa proposta pelo mesmo autor. 77 Martins (1989) nos aponta que o procedimento iluminista explica a cultura popular apenas como funcional, instrumental, no entanto dentro da prática existe uma temporalidade própria, que não deve ser reduzida a uma visão cronológica (passado, presente, futuro).
121
subalternas, sugere-nos a idéia de que expressar o ponto de vista dessas classes possibilita
que façamos uma ciência que em vez de impor interpretações, dialogue e perceba o que e
como esses sujeitos vem construindo e se construindo, protagonistas de uma insurreição de
saberes (Foucault Apud Martins, 198? p. 134). “As circunstâncias nos põem todos diante da
dificuldade para entender essa grande mudança, essa grande realidade sem teoria que cobre
muitas sociedades de diferentes partes do mundo”.
Diante dessa nova realidade anunciada (a vida nos assentamentos e nas suas
escolas) e do convite feito por Martins, fomos definindo por quais caminhos seguiríamos
para estudar o MST e mais precisamente a Escola Agrícola 25 de Maio. Fomos visitá-la
com o olhar atento ao que essa instituição, fruto da luta e do desejo dos assentados, possui
tanto de novo quanto de velho nas relações e alguns dos processos que se dão nas vivências
cotidianas. Prosseguindo com Martins no mesmo texto, nos aponta uma insuficiência de
uma modalidade investigativa: a pesquisa participante. Entendemos que o autor tece uma
crítica à pesquisa participante, ao relatar que as ações metodológicas dessa modalidade de
estudo não contribuem para produzir uma teoria da nova prática, que apresentam mais o
conhecimento do visível e não do que está oculto, favorecendo a um “nós” carregado de
reconhecimento, porém não decifrado. Compreendo que mesmo com essas críticas de
Martins, que apenas aponta os limites desta, poderíamos adotar a pesquisa participante
mesclada com alguns pressupostos da pesquisa - ação. Não podemos perder a oportunidade
de ouvir e dizer aos sujeitos do campesinato organizado sobre o que pensam e sobre o que
pensamos. Estamos convencidos de que essa modalidade de pesquisa possibilita esse
diálogo. Ou melhor, esses dois tipos proporcionam esse diálogo. Essa relação dialógica se
realizou através de oficinas, vivências com os educandos/as e educadoras/es. Retornando as
preocupações apontadas por Martins, destacamos uma citação já utilizada no primeiro
capítulo, essa inquietação de ouvir os camponeses, no mesmo sentido o autor sugere um
caminho e que se agrega aos pressupostos que gostaríamos de destacar:
“É preciso captar o sentido dessa fala, ao invés de imputar-lhe sentido, ao invés de desdenhá-la. E isso somente será possível se entendermos que a resistência do camponês não expressa o seu sentido num universo particular e isolado, camponês; que a resistência do camponês à expropriação do capital, vem do próprio capitalismo”.
122
Sobre o capitalismo já refletimos bastante anteriormente, esse modo de produção
também insere e está embebido de parâmetros culturais e, portanto, intelectuais/ideológicos
que acabam por, entre outras situações, direcionar e propor uma explicação sobre o
camponês. Então nos parece que escutá-los, trazê-los à tona com suas novidades práticas e
organizacionais, proporciona o novo também no campo da interpretação acadêmica.
Situamos-nos numa posição de busca coletiva e de propor diálogos, munidos de
um cabedal teórico-metodólogico que nos impulsiona como pesquisador. O fato a destacar
é que nunca estamos sozinhos, buscamos um nós, praticando um nós que se reflete ao
conjugarmos consciência, conhecimento e vontade. Consciência que busca o mundo, os
desafios que se fazem presente. Conhecê-lo, para assim apreendê-lo, ensiná-lo e voltar a
aprender. Num itinerário que nos encaminha para sermos seres humanos, educadores,
cientistas. Sermos críticos e criativos, ou como nos indica Zemelman (200?), protagonistas
de um humanismo onde
“(...) a criticidade equivale a protagonismo e este, por sua vez, é construtor a partir do que se oculta, daquilo que ainda não se mostra, esperando o olhar e a vontade do homem; isto é, um protagonismo construtor a partir da potencialidade que se encontra em todos os espaços em que o homem possa ser sujeito. (Zemelman, 200?, p. 8)”
Sermos sujeitos na relação com o conhecimento implica em não nos subtermos a
esquemas e interpretações teóricas. Também cabe atentar criticamente aos planos e ações
do Estado pertencente à elite brasileira, que assim aprendamos e ensinemos a pensar. Isto se
identifica com o que sugere o mesmo autor, Zemelman, ao afirmar que é necessário “Um
modo de pensar que nos permita mais colocar-nos diante do mundo, do que convertê-lo em
conteúdo de um sistema de pensamento”. (Zemelman, 2002: p. 9)
Em nosso ponto de vista essa é a contribuição que o fazer científico pode dar a
busca de liberdade, tanto no plano intracultural como na cultura geral da sociedade. A
geografia entra nessa discussão com sua capacidade de unir o local ao global, e vice-
versa, desfragmentando o fragmentado, e mesmo no fragmento identificar o todo. Essa
123
identificação visando romper alienações, contribuir na construção de identidades,
arraigamento de liberdades e possibilidades de um mundo justo e socialmente igualitário.
O nosso entendimento de escalas, enquanto processo, portanto movimento, nos
estabelece nos últimos decênios como importantes protagonistas para explicar / entender
a questão território/sociedade. Aliás, essa discussão sobre protagonismo em relação à
vida e também do papel das classes populares no diálogo com os cientistas humanistas
nos sugere que reflitamos sobre nosso envolvimento com a totalidade. Essa noção básica
(ou seja, uma categoria) favorece nossa postura em relação ao mundo quando assumimos
de onde queremos escrever, falar, agir. A partir dessa abordagem escolhida concordamos
novamente com o mesmo autor quando este nos aponta que
“É deste campo histórico e social que a capacidade de ter e manter uma visão de conjunto das situações histórico-sociais cumpre sua função. A categoria da totalidade, neste sentido, deve servir para reinstalar, de acordo com as necessidades e possibilidades de nossa época, um pensamento global que, sem sombra de dúvida, não se pode confundir com uma explicação de tudo. Cremos mais no papel de uma consciência com visão de conjunto do que em uma teoria”. (Zemelman, 2002, p. 8)
Convencidos disso concordamos que é necessário unir a essas preocupações uma
visão espaço-temporal da vida em sociedade. Essa união merece ser assumida como
pressuposto teórico-metodólogico para nossas ações enquanto educador e pesquisador.
Sabermos em que conjunto de coisas e ações estamos socialmente envolvidos para assim
explicar e buscar explicações sobre o mundo, entretanto sem nunca perdermos o agora (em
movimento) do mundo vivido, pensado e acionado em todas as instâncias da vida humana.
O mesmo autor prossegue, porém, apresentando uma dificuldade e um desafio:
“Entretanto a categoria totalidade não tem sido suficiente desenvolvida. Entre os desafios a fazê-lo está o poder transformá-la em um instrumento de raciocínio que permita que nos confrontemos com o detalhe da vida histórica e social sem perdermo-nos no contingente ou na fragmentação; mas fazê-lo sem recorrer a grandes armações de logos que dêem conta dos fatos particulares invocando o todo e, mediante isso, uma determinada versão de verdade. Ao contrário, trata-se de reviver a idéia de historicidade concreta associada à articulação do heterogêneo”. (Zemelman, 2002. p. 9)
124
Do mesmo modo, Alves (2001) possibilita que ampliemos a importância dessa
categoria ao nos recomendar que
“A totalidade para efeito de ilustração, por se identificar com a própria sociedade capitalista, impõe previamente ao esforço de análise da educação e da escola, o entendimento das leis que regem o funcionamento dessa forma histórica de organização social dos homens. (...) Logo , a compreensão do social, pelo acesso à totalidade em pensamento, é a condição para que o homem compreenda não só a si mesmo, mas todas as atividades humanas e os seus resultados, inclusive a educação.” (Alves, 2001, p. 18)
Trata-se, porém de desafios de nosso tempo, de nosso fazer educativo/científico,
que uma vez assumidos por nós nesta condição de pesquisador nos auxiliam a pensar nossa
prática seja nas horas de escrever como nos momentos vividos nos trabalhos de campo. Ao
nos revermos cientificamente precisamos nos dispor a rever-nos humanamente e contribuir
para que as pessoas se revejam nesta possibilidade. Uma das nossas reais inquietações
nesta dissertação é avançar no entendimento de que qualquer espacialidade abrange a
totalidade do sistema em que vivemos e é envolvida por ela, assim estudar a Escola
Agrícola implica em estudar o Movimento e por sua vez o Brasil em seu papel Global. Um
enorme cuidado é para não historicizar e nem geograficizar as condições sociais às quais
estamos submetidos e com os quais vamos nos envolver nessa e em outras pesquisas.
Convém lembrar que o protagonismo é nosso, mas também dos sujeitos aos quais nos
envolvemos. Ou seja, em todos os fazeres dessa pesquisa pretendemos que esteja a
potencialidade rebeladora e insurrecional dos sujeitos envolvidos neste estudo.
Logo, neste trabalho nos balizamos também por essa categoria (a totalidade), pelos
vários desafios apresentados anteriormente, pelos conceitos já discutidos nos capítulos
precedentes, e a partir dessa parte expressaremos e comentaremos sobre os trabalhos de
campo.
Mas é importante que atentemos para uma questão que é anterior a essa passagem
da atitude científica no tocante a não realização da verificação do que acontece de maneira
regular no momento de pesquisa de campo e com as localidades e as pessoas, trata-se das
diferenças entre Dialética e Fenomenologia que ao serem relevadas nos possibilita termos
125
orientações filosóficas diante da opção da pesquisa qualitativa. Desta maneira procuramos
entender (sem um grande aprofundamento) a escola fenomenológica78 , mais precisamente
a etnometodologia que procura investigar as atividades práticas e triviais dos atores e
compreender o sentido que esses dão aos fatos e acontecimentos da vida diária. Uma vez
compreendida não a adotamos, pretendemos ir, além disso, e a postura apresentada pela
“Dialética também insiste na relação dinâmica entre o sujeito e objeto, no processo de conhecimento. Não se detém como os interacionistas e etnometodólogos, no vivido e nas significações subjetivas dos atores sociais. Valoriza a contradição dinâmica do fato observado e a atividade criadora do sujeito que observa, as oposições contraditórias entre o todo e a parte e os vínculos do saber e do agir com a vida social dos homens. O pesquisador é um ativo descobridor do significado das ações e das relações que se ocultam nas estruturas sociais”. (Chizzotti, 2000. p. 80)
Uma vez apresentada as Bases Teóricas e Metodológicas para a realização da
pesquisa, quais as Fontes e alguns aspectos da metodologia do trabalho, convém apontar
que fomos a campo com uma postura didática-pedagógica, uma vez que nos intitulamos
pela nossa formação em graduação como Geógrafo – Educador. A discussão de qualidade e
quantidade sobre o fazer pesquisa científica também esteve presente em nossas
preocupações. Porém não nos delongaremos nessa discussão, apenas apresentaremos os
pressupostos básicos que nos fizeram optar pela mescla em Pesquisa Qualitativa em
Educação, Pesquisa Ação e Pesquisa Participativa.
3 - Acionando o diálogo entre pesquisa qualitativa e pesquisa/ ação - participativa em
educação: os comos e os porquês ...
Apesar de estarmos envolvidos com uma escola de Assentamento, ligada à luta por
Reforma Agrária (o que sabemos é que se trata de uma luta pela mudança do próprio país
em que vivemos), a nossa singularidade no que diz respeito a essa pesquisa está
relacionada à preocupação com o papel da educação, mais concisamente com a educação
do campo. Isso pode se tornar mais específico ainda quando afunilamos para as relações
78 Escola de Chicago (fenomenológica): a pesquisa deve ser o desvelamento do sentido social que os indivíduos constroem em suas interações cotidianas. (pergunta nossa - Será que o olhar sobre a realidade vai de sujeitos para o todo? É um caminho que vai do específico para o geral?) Verificar em Chizzotti.
126
internas e intra-assentamentos da e na Escola Agrícola. Para entender o que acontece na
escola, deve-se buscar coerências e incoerências, procurar o que surge como novo e o que é
reprodução do tradicional. O seu papel para os assentados, para educadores/as,
educandos/as da reforma agrária. Discutir o que não dá certo na escola.
Para que tudo isso pudesse vir à tona nos fizemos nos primórdios do trabalho a
seguinte pergunta: quais caminhos seguiríamos?
Primeiro nos localizarmos em que ciência estamos envolvidos: a geografia.
Concomitantemente já estávamos por nos preocuparmos com o próprio fazer científico
(possibilidades epistemológicas gerais e específicas). Assim, nos munimos de dois
conceitos e com isso nos entendemos convictos de que estamos numa opção
epistemológica. Desta feita, temos tanto uma postura científica geográfica, quanto uma
postura de entendimento mais amplo do papel do camponês na sociedade brasileira. Como
já fizemos nos primeiro capítulo, aqui continuará estabelecendo um diálogo com outras
vertentes do saber sistematizado. Então, vamos ao sociólogo Stake (1983) em seu texto
Pesquisa qualitativa/naturalista: problemas epistemológicos em que nos revela o seguinte: “A pesquisa qualitativa, (...) desenvolve-se de uma forma mais ou menos similar à quantitativa, mas com uma grande diferença, relativamente ao passo inicial. Ao invés de procurar variáveis de interesse, o pesquisador procura eventos ou casos que sejam de interesse. Ou o patrocinador pode exigir que um certo caso, por toda a sua complexidade, seja estudado. O caso pode ser uma pessoa, mas freqüentemente será um grupo de indivíduos, um programa ou algum esforço coletivo indeterminado. O pesquisador, naturalmente, considera certas propriedades ou variáveis, mas estas não se tornam ponto de convergência do estudo. Determinados momentos, lugares ou pessoas passam a ser o centro do enfoque. A sua singularidade, ironicamente, pode ser considerada como base para a compreensão do típico e do geral”. (Pág. 21).
Essas palavras de Stake (1983) nos foram muito caras no sentido de apontar uma
parcela da trilha que percorreríamos, nos deixou a vontade para nossos trabalhos de campo.
Uma vez que nos calcamos nessas palavras fomos em busca de uma maneira que
possibilitasse o diálogo entre os saberes, tendo também a relação entre os lugares como
127
central. Encontramos assim a postura que define o qualitativo. Uma das maneiras
científicas de perceber e teorizar sobre o que entendemos por demasiado qualitativo nos
assentamentos em questão: a escolarização de crianças e jovens. Buscar alternativas
metodológicas não foi tão somente uma preocupação estilística ou ligada a um capricho de
fazer diferente, antes foi uma preocupação em travarmos os melhores instrumentos para a
pesquisa com as classes populares, organizada através de um movimento e detentora (ainda
que sem propriedade privada) de uma parcela do território nacional e também uma maneira
que encontramos adequadas para alcançarmos muitos dos nossos objetivos.
Para reforçar nossas escolhas no tocante às características do conhecimento
científico e da relação sujeito/objeto podemos nos apoiar nas seguintes palavras:
“A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações”. (p. 79)
Essa postura apresentada por Chizzotti (2000) corrobora com a discussão travada
nas páginas anteriores, principalmente no que diz respeito ao protagonismo crítico. A partir
dela nos instrumentalizamos para seguir adiante na atitude pesquisante:
“Nas ciências humanas e sociais, a hegemonia das pesquisas positivas, que privilegiavam a busca da estabilidade constante dos fenômenos humanos, a estrutura fixa das relações e a ordem permanente dos vínculos sociais, foi questionada pelas pesquisas que se empenharam em mostrar a complexidade e as contradições de fenômenos singulares, a imprevisibilidade e a originalidade criadora das relações interpessoais e sociais. Partindo de fenômenos aparentemente simples de fatos singulares, essas novas pesquisas valorizaram aspectos qualitativos dos fenômenos, expuseram a complexidade da vida humana e evidenciaram significados ignorados da vida social”. (p. 78).
Compreendendo que ao propormos estudar sobre uma Escola do Campo, temos
um lugar no qual podemos evidenciar significados ignorados da vida social brasileira,
128
temos uma complexidade que muitos ignoram sobre o MST e as escolas do campo. Esse
Movimento Socioterritorial pode ser demarcado por três faces: um aspecto de se unir a
outros movimentos para proporem encaminhamentos a educação do campo brasileira em
todas as suas faixas de ensino, uma segunda que remete as ações locais propriamente dita
mas sem contudo perder o aspecto nacional inerente as discussões e preocupações do setor;
já uma terceira característica que envolve essa organização ocorre em escala mundial,
quando são uma voz ativa na Via campesina. Todas essas faces são possíveis de serem
vistas e percebidas num local como a escola estudada por nós. Porém fica evidente que isso
só ocorreu devido aos caminhos metodológicos escolhidos.
Diante dessa postura, em captar a realidade vivida em movimento, a
heterogeneidade inerente ao movimento camponês organizado, cabe ainda nos ancorarmos
em Chizzotti (2000) que nos revela nas palavras a seguir que
“Os pesquisadores que adotaram essa orientação se subtraíram à verificação das regularidades para se dedicarem à análise dos significados que os indivíduos dão as suas ações, no meio ecológico em que constroem suas vidas e suas relações, a compreensão do sentido dos atos e das decisões dos atores sociais ou, então, dos vínculos indissociáveis das ações particulares com o contexto social em que estas se dão”. (p. 78)
Neste sentido ao nos apoiarmos numa análise de significados e de vida
acontecendo, buscamos subsídios tanto nas bibliografias quanto na realidade observada, o
que se mostra e o que se esconde diante da complexidade da realidade estudada.
Uma vez que iniciamos um breve esclarecimento da diferença entre o qualitativo e
o quantitativo, adotando o primeiro, prosseguiremos nas explicações e imbricamentos de
nossa busca. Assim, em THIOLLENT (1987), que nos aponta através de sua Crítica
Metodológica, Investigação Social e Enquete Operária sobre como nos relacionarmos com
os dados relacionados a nossa pesquisa. O autor escreve que “os dados por si só não são
geradores de conceitos e de explicações”. (P. 17).
129
Ainda diante de nossas preocupações que foram sendo sanadas ao agirmos,
convém recorrer ao mesmo autor quando comenta que: “A natureza social e envolvente da
relação entre observador e observado escapa a problematização da situação de
observação quando esta é concebida em moldes positivistas”. (Pág. 17). Fica evidente
nossa opção nesse trecho sugerido pelo autor, o que se reforça com o seguinte “Superar tal
obstáculo supõe que seja redefinido o empiricismo com cuidados para evitar o teoricismo”.
(p. 18). Desta feita, começamos a definir uma das nossas atitudes de pesquisa:
observação79, mais precisamente a observação participante.
4 – O campo no Campo: observar, entrevistar, participar
Uma vez que nos delongamos a explicar os porquês das atividades de campo no
campo, em nossas visitas aos assentamentos e à Escola Agrícola, cabe que explicitemos
como ocorreram. A partir daqui seremos um pouco mais descritivos em relação ao que se
deu nas saídas de campo que realizamos. Nesse relato tanto expressaremos quais as
dificuldades e o grau de colaboração que tivemos, como também os resultados obtidos
possibilitarão análises e reflexões no capítulo concernente à conclusão desse trabalho.
Optamos por dividir nosso relato em três partes, momentos diferentes do ato de
pesquisa, chamando a atenção de que todos se concatenam e possibilitam a movimentação
dos outros. Assim observar, entrevistar e acionar relações dialógicas através de momentos
didáticos-pedagógicos são momentos separados (aqui serão apresentados dessa maneira),
79 Aqui cabe um adendo, para expressarmos nossa posição na relação entre empiricismo e positivismo. “... a condenação do empiricismo é oferecida aos alunos em cursos de metodologia desde o começo da graduação sem que os professores tenham definido cuidados(...) não são pontos de partida da investigação a serem retificadas, enriquecidas ou comprovadas pela observação, mas, ao contrário, são os resultados de um “arranjo” de dados coletados”. (...) Tal posição supõe que permaneçam confundidos o objeto real e o objeto do conhecimento, a representação do primeiro”. (p. 20). “(...) dentro de uma concepção do conhecimento que não seja empiricista ou teoricista, tal formação (de pesquisadores) deveria combinar ao menos três elementos: (a) as teorias sociológicas, (b) as técnicas de pesquisa e (c) a epistemologia ou metodologia geral. (...) O que falta mesmo é sua articulação.” (p. 21). “(...) mais do que a precisão de qualquer tipo de medição, o que importa, o que importa é a pertinência das questões e das respostas formuladas na interação entre os dois pólos. Por parte do pólo investigador, a “observação” é essencialmente um questionamento.”(p. 23) “(...)na tentativa de elaborar uma sociologia crítica capaz de reunir teoria e prática numa perspectiva de emancipação, Jurgen Habermas propõe substituir a observação pelo questionamento enquanto eixo metodológico.” (p.24). “Por si só, o questionamento não contém todas as garantias de antiempirismo. É no controle de sua articulação com a problemática teórica que tais garantias podem ser encontradas” (p. 25)
130
que se dão de maneira específica nas várias visitas à vida da localidade estudada, que se
conjuminam no ato de analisar e escrever. Essa é a potencialidade da realização dos
trabalhos, seja in loco ou nos vários momentos de escrever esta dissertação.
O Trabalho de Campo foi realizado em seis etapas que ocorreram com
visitas a Escola 25 de Maio e aos Assentamentos Chico Mendes, Vitória da Conquista,
União da Vitória, Contestado e Rio Mansinho no município de Fraiburgo – SC. Estas
etapas ocorreram no período de março de 2002 a Dezembro de 2003. A última etapa
realizamos após participarmos e sermos aprovados na banca de qualificação referente a
nossa pesquisa. Precisamente os meses das saídas de campo foram os de março, agosto e
dezembro de 2002, e em maio, novembro e dezembro de 2003. Durante a última etapa,
fomos conhecer outras escolas e outros municípios, visitamos assim os seguintes
assentamentos: 25 de Maio, Santa Rosa II, Santa Rosa III e José Maria no Município
de Abelardo Luz. Nesse último foi realizado o Encontro Estadual do MST de Santa
Catarina em Dezembro de 2003. Nesses assentamentos em Abelardo Luz, seja
conhecendo as escolas ou participando do Encontro Estadual, realizamos apenas
diálogos com os assentados/as e com educadores/as e educandos/as.
Em todas as visitas procurei participar de momentos importantes da Escola e da
comunidade de entorno. Em 2001, por estar envolvido intensamente com as atividades
referentes às disciplinas cursadas, não realizamos nenhuma visita à Escola. A seguir,
relacionaremos as datas das visitas às atividades da Escola Agrícola. Apontamos o tempo
de dias que permanecemos em atividade de campo bem como os motivos e as atividades
realizadas referentes a esta pesquisa.
Março de 2002 – Início das atividades letivas da Escola Agrícola – Durante sete dias
aplicamos as primeiras entrevistas e pudemos efetuar uma observação comparada com o
ano letivo que trabalhei na Escola (1999).
Agosto de 2002 – início das atividades de 2.o grau noturno na Escola, atividades referentes
ao Plebiscito em relação a ALCA – Durante seis dias realizamos mais algumas entrevistas e
131
prosseguimos com a observação das atividades escolares e do envolvimento da comunidade
assentada com a escola.
Dezembro de 2002 – Formatura da oitava série – Em cinco dias de visita, pudemos apenas
participar dos festejos e continuar a observação.
Maio de 2003 – Festa de 25 de Maio (comemoração sobre a Grande ocupação de 1985),
fiquemos 12 dias e aplicamos a primeira oficina junto aos estudantes da quinta a oitava
série. Realizamos entrevistas com um número maior de colaboradores.
Novembro de 2003 – Estudantes realizavam a pesquisa de fim de ano, durante dez dias
realizamos mais algumas entrevistas e realizamos a Segunda oficina com as quatro séries.
Tivemos oportunidade de visitar outra escola (ensino médio) “de assentamento” e mais
duas escolas “no assentamento” dos assentamentos do Município de Abelardo Luz no
Estado de Santa Catarina. Ali apenas travamos diálogos com lideranças, educadoras e
educadores da região.
Dezembro de 2003 – Apresentação do Seminário de Pesquisa dos estudantes da sétima e
oitava série. Permanecemos mais quinze dias entre os assentamentos dos Municípios de
Fraiburgo e Abelardo Luz. Participamos do Encontro Estadual do MST no Assentamento
em Abelardo Luz. Na escola Agrícola participamos das reuniões pedagógicas de
encerramento do Ano letivo e realizamos as oficinas com os educadores/as.
Podemos vislumbrar o que realizamos e qual etapa de pesquisa foi mais
significativa em cada saída de campo com a tabela 1 apresentada nos anexos.
Todas essas etapas ocorreram tendo como ponto inicial de visita a Escola Agrícola
25 de Maio em Fraiburgo – SC. Foi a partir dela e das relações ali estabelecidas que
pudemos ampliar nossas visitas aos pais e mães dos assentamentos do entorno. Além disso,
foi a partir da compreensão por parte deles do trabalho que realizávamos que o convite para
irmos ao município de Abelardo Luz ocorreu. Nesta visita a outro município e, portanto, a
132
outros assentamentos, e porventura a outras instituições escolares, estabelecemos um
critério de comparação que contribui bastante para as análises que fundamentam esta
dissertação. Renovar dados, participar de atividades promovidas pela comunidade e aplicar
as oficinas com estudantes e educadores/as proporcionaram um convite para conhecermos
um Encontro Estadual do Movimento. Essa experiência, assim como outras, relataremos
dentro do sub-eixo Observação que apresentamos neste capítulo.
Uma explicação antes de avançarmos é necessária: ao dividirmos esse texto e
relatarmos/ explicarmos as atitudes de observar, entrevistar e participar convém esclarecer
que assim o fizemos para não perder a importância que cada um tem em sua especificidade
visto que em algumas saídas de campo realizamos os três concomitantes. O ato de observar
é o que possibilita associar com cada um dos jeitos de fazer a pesquisa, os objetivos
traçados do projeto e apontar para os resultados. Trata-se de observação participante. O ato
de entrevistar, porém ganha uma especificidade enquanto uma atitude que envolve uma
gravação em aparelho de áudio e disposição temporal e ânimo diferenciado de quem
colabora. Entrevistas, ao contrário do ato de observar, são momentos de parada do
cotidiano. É uma atitude que se diferencia do corriqueiro, afinal não é todo dia que os
sujeitos dão entrevistas para colaborar numa pesquisa. Assim, entrevista é o que mais ganha
em especificidade comparada com outras estratégias da pesquisa, porém ela se enriquece
mais se o processo de observação da realidade local se dá a contento. Com isso, queremos
reafirmar que cada etapa da pesquisa, cada estratégia se complementa com a outra. Em
nosso ponto de vista, cada uma delas por si só não desvenda o território e as ações
socioterritoriais do Movimento. Desta feita, colocar essas estratégias de pesquisa na ordem
em que estão significa de certa forma dizer que a especificidade de uma enriquece a outra,
num caminho de idas e vindas. Convém reparar que a ordem que apresentamos é a de como
as estratégias foram aparecendo nas saídas de campo. Depois de terminada as últimas
oficinas já possuíamos mais elementos para observar a realidade da escola e dos
assentamentos, já tínhamos mais elementos para enriquecer nosso questionário a ser
aplicado nas entrevistas.
133
Observar
Uma primeira questão que podemos levantar nesse item é a seguinte: Quais
situações e relações observamos em nossas visitas? Esta se relaciona com a próxima: Qual
o roteiro que seguiríamos? O quê e porquê observamos? Desta maneira podemos concluir
dissertando sobre como observamos. Nenhuma destas questões pode ser respondida sem
atentarmos aos objetivos dessa pesquisa.
Fez-se necessário estipular e alcançar objetivos mais específicos durante os
caminhos da pesquisa foi importante que verificássemos os modos de funcionamento da
Escola Agrícola 25 de Maio, em seus relacionamentos com a pedagogia do MST e com a
comunidade assentada. A capacidade de comparar foi aqui importante para aprimorar o
processo de observação. Comparamos os trabalhos das pessoas envolvidas na escola com o
ano que tivemos oportunidade de trabalhar como educador na mesma instituição (1999). O
que mudou e o que permaneceu daquele ano até a primeira visita que realizamos. Um outro
aspecto que percebemos no decorrer da pesquisa, no que se refere ao quesito comparação,
diz respeito a compararmos a Escola 25 de Maio com as escolas de outro assentamento, e
também compararmos uma escola de assentamento com uma escola no assentamento.
Observamos quais os graus de alcance das atitudes pedagógicas realizadas na
Escola para propor novas territorializações e resistências aos camponeses e de como essas
atitudes propõem o novo e/ou reproduzem o velho no que tange à organização escolar.
Alguns dos frutos dessas observações se encontram no capítulo dois desta dissertação em
que apontamos os aspectos culturais tanto da formação dos educadores/as, como também
da proposta levada a efeito na escola. Espacializações e territorializações das ações
educativas assumidas pela comunidade escolar e do entorno. Cabe neste subcapítulo
demonstrarmos a importância do que realizamos enquanto Observador em festas, intervalos
das aulas, aulas práticas, reuniões de educadores (parada pedagógica ou breves reuniões no
dia-a-dia), hora do almoço, futebol, escola vazia em feriados e finais de semana, visita de
pais e outras pessoas a escola.
134
Para acionar meu olhar sobre os camponeses gostaríamos de trazer uma imagem de
Martins (1986)80 que parece nos demonstrar o que se dá no cotidiano dos assentamentos.
“Por isso, a grande expansão capitalista no campo nos últimos vinte anos foi, também, a expansão de contradições, semeou a empresa, a fazenda, a grilagem, a injustiça, a brutalidade. E semeou, também, a resistência, semeou novas significações para velhos atos, novos atos e novas significações. Encheu a terra de mistério, de enigmas e, também, de desvendamentos, de descobertas. O cotidiano dos pobres da terra está sendo reinventado. A luta pela terra é um dos instrumentos dessa reinvenção, que rompe velhas relações de dominação, que questiona um direito de propriedade iníquo, que demole pactos e alianças políticas convencionados sem a participação de todos os interessados.”
De certa maneira, sabíamos que nos depararíamos com várias contradições,
mas essas em sua grande maioria frutos da resistência camponesa, advindas do processo de
luta pela terra: resignificação da Escola, da escolarização, reinvenção do cotidiano escolar,
do cotidiano de trabalho na terra. Não podemos perder de vista que os assentamentos que
circundam a Escola são frutos de um ato de coragem, as grandes ocupações de 1985. Não
podemos esquecer que quanto aos Assentamentos poucos estudiosos têm analisado como
um núcleo social de conquista da cidadania.
1.a visita
Na primeira visita no mês de março de 2002 chegamos no início das atividades
letivas da Escola Agrícola naquele ano. Quer queiramos ou não, desde que havia deixado a
escola no início de 2000, foi quase que normal efetuarmos uma comparação com o ano
letivo que trabalhamos na Escola. Novos educadores e educadoras surgiram e as crianças da
quinta série agora eram os adolescentes da oitava. Dessa maneira a observação prevaleceu
de maneira mais espontânea, sabendo de tudo isso, tendo na bagagem a experiência de um
ano na área, porém com possíveis releituras geradas por dois anos de academia. O diálogo
se estabelecia, bastava deixar que o campo pelo campo nos falasse o que acontecia, o que
estava acontecendo. O que havia mudado? O que continuava? Quais os motivos? Cabe
80 MARTINS, José de Souza. Não há terra para Plantar neste verão. O cerco das terras indígenas e das terras de trabalho no renascimento político do campo. Vozes. Petrópolis, 1986.. p. 11
135
dizer que a espontaneidade assumida tinha como preocupação não fazer do olhar uma régua
e dos ouvidos uma balança:
“(...) mais do que a precisão de qualquer tipo de medição, o que importa é a pertinência das questões e das respostas formuladas na interação entre os dois pólos. Por parte do pólo investigador, a “observação” é essencialmente um questionamento.”(p. 23)
E é Chizzotti (2000, p.24) quem nos indica também que na tentativa de elaborar
um estudo sobre a sociedade de maneira crítica, capaz de reunir teoria e prática numa
perspectiva de emancipação. Seguindo nesta linha Jurgen Habermas propõe substituir a
observação pelo questionamento enquanto eixo metodológico. Porém concordamos em
parte com a proposição de Habermas, apostamos na observação em que deixamos a
realidade se apresentar a nós. Mais uma vez é bom levar em conta que já trabalhei na escola
um ano, isso cria facilidades e dificuldades. No que se refere a confiança, encontro uma
disponibilidade por parte dos colaboradores, colocam o seu cotidiano a disposição. Porem
as dificuldades, surgem enquanto vício no jeito de olhar, os mesmos podem armar modos
de apresentar a realidade “mastigada” para nós. Ao saberem que estamos ali como
observador, como pesquisador. Diante dessas preocupações podemos questionar: das ações
observadas quais iniciativas provem dos estudantes e quais são coordenadas pelos
educadores/as? A resposta a essa questão demonstra graus de liberdade para que busquem
criticidade e criatividade.
Queiramos ou não, o nosso papel agora havia mudado, éramos um olhar sobre as
atividades que realizavam. De certa maneira, o que prevalecia era um certo receio na idéia
de serem avaliados. Muitos dos educadores/as (metade do quadro) eram recém contratados
e precisamos dialogar sobre o ato de observar numa reunião com todos os educadores e
educadoras, reafirmando qual o nosso papel ali e o que pretendíamos com nossa pesquisa.
Depois da primeira ida a campo, agora poderíamos formular melhores as questões para uma
segunda ida. Saímos da primeira visita com muito entusiasmo e algumas entrevistas que
serão dispostas mais à frente. Cabe finalmente apontar que no quesito observação,
procuramos estar nos lugares: sala dos professores no horário do intervalo, sentado próximo
136
às salas de aula, ou mesmo tomando chimarrão no gramado em frente à cozinha e cantina
da escola. Nestes dias demos uma volta pela área ocupada da escola, lugares em que na
maioria das vezes são poucos freqüentados.
Qualquer momento de observação, diante do método adotado faz o seguinte
movimento: observamos num primeiro instante o aparente, o vivido. Depois vamos criando
questionamentos, que podem gerar novos momentos de observação mais apurada ou
questionamentos que farão parte das entrevistas. Depois as próprias falas e a vivência nas
oficinas de diálogos geram possibilidades de observação.
2.a Visita
Uma vez constatado, em março, que a Escola Agrícola continuava dentro das
perspectivas da pedagogia do Setor de educação do MST, retornamos em Agosto de 2002 e
pudemos presenciar o início das atividades do ensino médio noturno na Escola. Tratava-se
de uma extensão de uma instituição escolar estadual da cidade de Fraiburgo. Mas diante do
fato de vários formados pela Escola, ficarem sem estudar ou irem a noite para a cidade (em
torno de 16 quilômetros) essa extensão foi considerada um avanço e fruto de uma luta que
já perdurava três anos. Pudemos constatar que fora o vislumbramento da novidade, uma
preocupação caminhou junto com a mesma: falta de educadores e educadoras, o que fez
com que essas aulas fossem distribuídas aos que já trabalham no ensino fundamental da
escola, isso acarretou um aumento da carga de trabalho e afeta a qualidade das aulas.
Passamos a ver aí uma das impossibilidades da Escola, isso acarreta duas decisões por parte
do setor de educação:
- diminuíram a idade de acesso aos cursos no Iterra em Veranópolis – SC,
possibilitando a jovens de 16 anos ou mais possam participar de seus cursos, entre
eles o de Magistério que aumenta a possibilidade desses jovens em pouco tempo
poderem atuar nas escolas de assentamento, por um lado também aumenta a
perspectiva desses jovens permanecerem no campo, pois uma atividade educacional
137
em escola do Estado ou do Município é remunerada e aí temos um primeiro acesso
a renda própria.
- Por outro lado os mesmos jovens e talvez outros educadores que tiveram formação
externa as manifestações do Movimento, as Escolas que o setor de educação dialoga
e da vida de assentamento precisam ter uma formação mais constante, essa demanda
é também impulsionada tanto pelos educadores/as mais engajados ao movimento
como pelo próprio setor.
Uma das características fundamentais da Escola 25 de Maio é estar concatenada
com a pauta de atividades e jornadas de luta do MST, assim nesta mesma oportunidade
presenciei as atividades referentes ao Plebiscito em relação a ALCA. O MST e os
educadores mais engajados ao Movimento admitem que ao participarem dessas atividades
as crianças e jovens se educam. Tanto a atividade da Alca relacionada a junção de vários
movimentos, atividades ligadas a uma pauta nacional (ou no caso aqui de pauta
internacional), como criar outras, cito exemplo de manifestações de jovens e crianças na
entrada do Prédio da Prefeitura e também a de marchar na cidade para convidar os citadinos
a participarem do Grito dos Excluídos no sete de setembro, com certeza se geradas a partir
da discussão e do entendimento, do convite aberto, podem estimular um entendimento
sobre o mundo que vivem. Mas algumas dessas atividades acabam por virar apenas em
comentários dos jovens fora de sala de aula, precisavam ser incorporadas aos conteúdos, aí
teríamos um ganho político e de ensino-aprendizagem significativa. A formação do espírito
cientifico e ao mesmo ativista num protagonismo de mudança precisa adentrar as
preocupações dos educadores/as de uma escola do campo. Somente o político não pode
prevalecer. Ë função dos/as educadores/as fazer essas pontes dos conteúdos com o vivido
(mas concebido) nas atividades que podemos denominar de políticas. Não permitir que
fiquem isolados como acontecimentos que se não forem resignificados, e assim ganharem
outros olhares pela e na escola por parte dos estudantes, podem ser vistos como apenas
mais alguns acontecimentos.
138
Permanecemos nessa oportunidade por seis dias convivendo com eles e realizamos
mais algumas entrevistas. A observação nestes dias prosseguiu se apoiando nas atividades
escolares e no envolvimento da comunidade assentada com a escola.
Será que no dia-a-dia duma escola de assentamento, ligada a um Movimento
Socioterritorial da amplitude do MST, teríamos uma teoria escolar própria sendo gestada?
Essa pergunta serviu como que um óculos para no ato de observar em nossa segunda visita.
Quais os limites, quais as possibilidades do fazer pedagógico nessa escola?
3.a Visita
Algo que nos chamou a atenção em dezembro de 2002 na formatura da oitava
série, foi o ato ecumênico realizado de manhã. Hoje em dia é comum a presença de muitas
igrejas pentecostais dentro dos lotes nos assentamentos. A religião católica ainda é a da
maioria dos assentados e seus familiares, mas outras religiões não podem ser
desconsideradas. O que pudemos perceber é que ao realizarem (no caso quem sugeriu foi o
Conselho de Escola) o ato ecumênico estão preservando um princípio básico do Movimento
que é a união e a solidariedade. Ao mesmo tempo se preservam enquanto integrantes do
MST, pois a mística do movimento foi a tônica do ato religioso que realizaram. As
festividades ocorreram o dia inteiro, e nessa vez o futebol (que em 1999 era o que
comandava as festas) foi deixado de lado, pois o palco com lona preta foi montado no
campo de futebol da escola em cinco dias de visita, pudemos participar dos festejos,
continuando assim o ato de observação.
4.a Visita
Em maio de 2003, ficamos na área estudada um bom número de dias e pude chegar
antes da Festa81 de 25 de Maio (comemoração sobre a Grande ocupação de 1985). Ao
81 Cabe lembrar que no capítulo 1 desta dissertação, no subcapítulo 2.a intitulado “Os sujeitos sociais do Campo Brasileiro: valores e denominações”, no item “f”, demonstramos que os camponeses podem ser entendidos enquanto tal também pelas suas manifestações culturais, geralmente com um forte conteúdo
139
permanecer 12 dias, visto que tínhamos a intenção de ministrar a primeira oficina junto aos
estudantes de quinta a oitava série, pudemos também realizar entrevistas com um número
maior de colaboradores.
Como já afirmamos anteriormente, o ato de observar acompanhou todas as etapas
e estratégias de pesquisa efetivadas nas visitas a campo, desta feita nesses doze dias após
algumas entrevistas e após vivenciarmos e filmarmos as oficinas com os/as estudantes
pudemos obter muito mais elementos para analisar e propor alternativas de
ensino/aprendizagem, que num primeiro momento subsidiaram o relatório de qualificação
(defendido em outubro de 2003) e após esse as demais oficinas a que nos propusemos no
mesmo ano. Desta feita a observação participante pode ser entendida como um instrumento
de nosso protagonismo de pesquisador.
Ao realizarmos as visitas à Escola, estivemos atentos a como e ao que ocorria
na vivência escolar, tínhamos claro que esse era um ponto de partida de lançarmos
nosso olhar, as relações que ali se estabeleciam. Assim, o ato de Observar consistiu em
observação propriamente dita, quando realizei atos de apenas caminhar pela escola em
dias letivos, finais de semana, caminhar pelas estradas dos assentamentos. Observar
também consistiu em estar atento às diversas manifestações em que a escola estava
envolvida (festas, reuniões, atividades na cidade), também averiguar alguns documentos
(somente os permitidos) e publicações de pessoas do Movimento como outras pessoas.
Podemos assim atrelados aos objetivos propostos apresentar esse processo e seus
resultados em três eixos:
a) Cotidiano escolar e relação desse com os Assentamentos
religioso. Os camponeses manifestam-se através de várias festas. Podemos citar as festas juninas, a festa do Divino, e as manifestações que ocorrem em outras regiões brasileiras como as cavalhadas, bumba-meu-boi etc. . Nesta festa gostaria mos de destacar o almoço, este foi marcado pelos espetos com enormes pedaços de carne de gado e porco, vendidos por quilo. Um espeto servia a uma família de aproximadamente cinco pessoas. Depois à tarde houve bingo e finalmente à noite o ato de formatura, sucedido por baile com música ao vivo. Durante a tarde, logo após o almoço houve lançamento do painel mural de ladrilhos denominado “Terra e Vida”, mosaico elaborado por estudantes da Escola agrícola, mas confeccionado pelos arte-
140
Estamos convencidos de que abarcando esses tópicos podemos revelar como
acionamos os objetivos propostos e desta maneira investigar a importância da escola e
da escolarização para a manutenção da terra conquistada. Verificar até que ponto são
eficazes os sentidos de propor o novo que as atividades didáticas-pedagógicas propostas
e levadas a efeito pelos educadores/as e educandos/as, assim como por parte
significativa da comunidade. Enfim, cabe apontar que qualquer discussão sobre o viver
local tem que levar em conta a identidade camponesa e brasileira que vem sendo
construída por esses sujeitos. Com esses três tópicos estamos aprofundando o que e
como observarmos a Escola nos trabalhos de campo realizado e ao mesmo tempo os
porquês de observamos alguns aspectos considerados relevantes e descartarmos outros.
Dessa maneira esse movimento realizado por nós no ato de observar se expressa aqui
como importante para desvendarmos o viver a partir do papel de uma escola do campo.
Pelo que já apontamos em nossos escritos até agora, podemos afirmar que o
cotidiano da escola difere de uma visão tradicional de escola, porém não deixa de ter
que vivenciar rituais de uma escola articulada por essa lógica. Vimos no primeiro
capitulo que a escola e a escolarização brasileira se apoiaram na concepção republicana
burguesa, mesmo modificando com as leis da época da ditadura militar, muitos dos
ditames seculares permanecem. Outros ditames dizem respeito a lógica industrial, a
administração fordista e taylorista adentram a lógica escolar. Interferem em vários
aspectos de sua organização interna e com a comunidade. Assim temos espaço e tempo
domesticados por sinais e repetições. Isso sem contar com a lógica da exclusão que
muitos educadores e intelectuais já denunciam em seus trabalhos. O cotidiano escolar e
a sua relação com os Assentamentos são dificilmente comparáveis a outras escolas,
apesar de ter horário normal como as urbanas. Alguns educadores/as fazem a tradicional
chamada no início da aula, os estudantes ainda ficam atentos à sineta. Podemos dizer
que existe um cotidiano que é peculiar a todas as escolas de uns tempos para cá, e a
escola agrícola corresponde a essa sugestão de lidar com o tempo e o espaço. Temos,
assim, autenticados os ritos escolares, pois se trata também de organização e disposição
educadores Dan Baron e Manuela Souza, no decorrer de dois meses. Esse mosaico foi fruto de um processo de “alfabetização cultural” promovido pelos dois arte-educadores com os/as adolescentes da Escola Agrícola.
141
do relacionamento do ensino aprendizagem distribuído temporal e espacialmente. Mas o
que difere nessa escola é justamente sua capacidade também de subverter o tempo e a
espacialidade, ou seja, não cai na mesmice, na repetição, característica fundamental do
que podemos entender como cotidiano. Temos que considerar o diferencial das aulas
agrícolas, o movimento cotidiano das brigadas, as paradas pedagógicas, a pesquisa do
fim do ano.
Assim a Cepra 82 (Cooperativa de estudantes da Reforma Agrária, que organiza
as atividades de produção na escola) é ligada ao tempo de aulas agropecuárias, que foi
instalada na escola desde 1998 e já passou por diversas mudanças conseguindo dar uma
dinâmica diferente ao dia-a-dia escolar. Ela também interfere no período de aulas do quadro
normal e obrigatório: a cada semana uma brigada se incube semanalmente de apresentar
uma mística sobre tema relevante. Esse tema pode ser relacionado ao calendário dos
trabalhadores ou a algum acontecimento da pauta do Movimento. O fato que fica claro é
que os educandos/as aprendem participando e pensando a escola, o assentamento e o Brasil.
Pelo menos essa é a intenção maior da organização em brigadas, coordenam, planejam e
sugerem. Os estudantes por intermédios delas acionam atividades, depoimentos dos pais
que serão expostos mais á frente, no relato das entrevistas, autenticam essas possibilidades.
Um exemplo citado por uma mãe de estudante da oitava remete a questão da organização
do mesmo e da turma no processo de formatura. Outra atividade que organizam é a mística
semanal, isso implica em mais um desafio educativo estimulado pelos
educadores/educadoras da escola. Aqui gostaríamos de contrapor e chamar a atenção para a
dimensão de importância que ganha essa possibilidade de desafio educativo se comparada
com o que já discorremos sobre as manifestações na cidade, ou com o plebiscito da ALCA,
pois a diferença fundamental ocorre no grau de organização. Esses desafios os estudantes
assumem mais para si do que o que as demandas do movimento sugerem. Estamos
convencidos de que a ponte necessária para um processo de ensino-aprendizagem
significativo e concatenado com os ditames da pedagogia do movimento ganha corpo com
82 A Cepra já foi estudada no mestrado de Sociologia da UFSC, foi debatida em Vanderci, 2000.
142
essa questão da autonomia de planejar, organizar e ativar as ações propostas e discutidas
em grupo.
A escola recebe merenda do Estado, mas é auto sustentada para o almoço, visto
que os estudantes permanecem um período por semana no horário inverso a grade
curricular normal e obrigatória. Nesse horário inverso, freqüentam de aulas de
agropecuária. Em 2002, houve redução para um período devido a dificuldades com a
produção na escola. Essas dificuldades se devem à falta de semente, maquinários
danificados e sem perspectiva de ir para a oficina, entre outros. Qual a relação com a
questão de formação de professores? Bom nesse sentido, a partir dessas observações é de
que os educadores/as não esmorecem, assumem o que Beltrame chama de consciência
orgulhosa (vide capítulo 2 desta diseertação), cada uma das dificuldades os mesmos
discutem com os estudantes e mesmo politizando a discussão em alguns momentos,
percebemos que fazem relação com os princípios filosóficos e pedagógicos do movimento.
Ou mesmo uma condição que não foi escrita até o momento, mas cabe como definição de
serem escola de assentamento, escola de movimento, escola do campo: a alegria de ser
escola. Transformar cada dificuldade num impulsionador e em ato educativo.
Continuando com nossas ponderações, e nosso olhar tempo-espacial, o quesito
da organização interna da escola abrange vários aspectos, mas o que destacamos é uma
tentativa permanente em implementar e vivenciar os pressupostos do setor de educação,
tanto no aspecto filosófico como pedagógico. A preocupação que tivemos foi num
primeiro momento que o tempo é regido conforme a maioria das escolas, já o espaço
por tratar de uma escola agrícola, consegue ser mais promissor no aspecto de propor
mudanças aos tramites do que entendemos como tradicional no que diz respeito à
escola. Quanto ao tempo, podemos notar que é o que mais liga aos ditames da Secretária
de Educação, trata-se de uma escola estadual. As aulas acontecem com tempo
determinado, a grade de disciplinas respeita os moldes legais do Estado. Mas o que
mais me chama atenção, é que nos últimos anos a participação dos estudantes tem
avançado qualitativamente. As brigadas são um fator diferencial na construção dessa
143
qualidade e dessa participação dos estudantes 83. Outro quesito importante e que
descobrimos infelizmente, pelo viés da observação, na penúltima visita de trabalho de
campo foi o envolvimento com a pesquisa, cujo resultado pudemos assistir na última
visita nossa à área estudada. Sobre o potencial da espacialidade e da territorialização da
Escola Agrícola e dos sujeitos que nela convivem fizemos um enorme esforço analítico
no capitulo dois desta dissertação. Remetemos a LEFEBVRE (1999) que aponta o
espaço como produto social, assim o físico, o social e o mental se constituem e são
constituídos. Assim percepção, a prática ali realizada, a representação dos sujeitos que
ali convivem, e assim a própria vivência, concatenadas pela força da hegemonia do
Capital devem ser levadas em consideração. A economia se faz presente, mas cabe aos
educadores/as admitirem que essa lógica deva ser assumida no que concerne a estimular
os estudantes no engajamento das aprendizagens. A Escola agrícola nesse sentido faz
um contraponto significativo aos convites e imposições da lógica que prevalece na
sociedade em geral. Esse é mais um dos esforços que viemos tentando perceber nas
reflexões sobre essas visitas.
Cabe dizer finalmente que através do que observamos pudemos perceber que
na Escola o movimento do Movimento é constante. Mas o contrario também ocorre, o
movimento do Capital está presente. Questiona-se, critica-se, adotam-se tópicos do
movimento etc, também se utilizam o dispositivo da criatividade interna relacionada aos
afazeres cotidianos que geram várias das possibilidades que vimos discorrendo nesta
dissertação. No entanto convém afirmar que na escola pelo menos três movimentos se
realizam: o da escola enquanto tradição (cobranças burocráticas), as propostas e ações
que a fazem escola de assentamento e movimento socioterritorial, e concatenado a isso
várias possibilidades internas ao seu cotidiano, chamamos a atenção neste caso ao
choque entre interesses políticos e lógica de saber científico.
83 A turma da 8.a série compõe a Brigada de Cultura e comunicação e me fizeram as seguintes perguntas para o seu jornal escolar: 1 - o que acha do Governo Lula? 2 - Qual a diferença entre dar aula aqui e em São Paulo? 3 – O que acha do nosso método de ensino? 4 – Qual o motivo de tantos pesquisadores freqüentarem essa escola?
144
Há muito que se realizar para que se consiga trazer conhecimentos por parte
dos pais e em se explorar o potencial do local. Se fizermos comentários sobre o
observado somente na questão curricular de maneira geral e específica no que concerne
ao ensino de Geografia, notaremos a grande distância entre o produzido nas academias e
o que acabam por fazer na escola. O que destacamos são os aspectos de um Currículo
em seus limites e possibilidades, mas nos ativemos no quesito conteúdo no que se refere
às aulas de geografia. Tivemos contato com dois educadores que ministraram a
disciplina Geografia para a 5.a a 8.a série. O que pudemos constatar a principio é que
nenhum deles formou-se nessa ciência. A Educadora que a ministra é recém formada
em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, já o educador que ministrava
essa disciplina até o final de 2002 estava cursando graduação de Ecologia numa
Universidade particular em Chapecó. Esse numa das visitas que realizei pediu uma
contribuição para melhorar suas aulas, quanto à educadora, acompanhou-nos de maneira
solícita em todas as atividades que descreveremos mais adiante referente às Oficinas,
mas a única declaração que conseguimos dela é que não gostava de Geografia.
Percebemos em suas atitudes um receio de ser avaliada enquanto educadora.
Em meio a tudo isso percebemos a existência de uma preocupação
interdisciplinar, no entanto a prática ainda é incipiente, ou seja, poucas ações são
realizadas para minimamente estabelecer um diálogo entre uma disciplina e outra.
Porém nas conversas de várias educadoras e educadores a preocupação interdisciplinar é
constante. Prevalece a preocupação conteudística, muito embora quando analisamos
documentos e planejamentos da escola o discurso interdisciplinar tem destaque. Mas
ainda encontra impedimentos numa cultura formativa que reforça o papel do/a
educador/a individualmente. As gavetas do conhecimento em que cada um desses
profissionais se instalam. Existe ainda uma preocupação que vem da cobrança dos pais
em se passar conteúdos. Uma cobrança por competência que recai sobre a ação
individual, e também no aspecto da avaliação dos serviços que presta aos filhos e filhas
da comunidade assentada. Esse impedimento diz respeito a dois fatores que estão mais
evidentes: a troca constante de educadores/as e a falta de momentos e vivências que
propiciem um educador/educadora romper com a visão tradicional das outras
145
disciplinas. Porém cabe atentarmos ao que apontamos no capítulo II em que uma das
riquezas da Escola é a Territorialização promovida pelos camponeses organizados e
impulsionada pelo Movimento Socioterritorial, possibilitada através de ações
curriculares que estão sendo construídas, e nesse turbilhão analisar essas atividades em
seu papel de questionamento e transformação cultural, relacionada aos dos princípios
pedagógicos e filosóficos do MST.
O Movimento Socioterritorial em questão tem uma característica importante,
dentre tantas, em seu papel dentro da sociedade brasileira: trata-se da disputa por
palavras, no caso essas representam discursos e maneiras de pensar/agir socialmente.
Um exemplo bastante conhecido é a disputa sobre o ato que realizam ao entrar no
latifúndio, para eles denominado de ocupação e para os jornais e para a elite
denominado de invasão. Vemos essas disputas por nomes e denominações em diversos
momentos, no assentamento por exemplo os assentados denominam os dois primeiros
da região de Vitória da Conquista e Conquista da Vitória, 3enquanto o INCRA batizou-
os de Faxinal I e II. Na Escola Agrícola temos duas referências a essas disputas: uma
diz respeito a própria escola que para o Estado já não é mais Agrícola, mas que a
comunidade como um todo ainda mantém o “Agrícola”, menos por teimosia e mais por
convicção e projeto de escola. A outra referencia dia respeito a um conceito novo que
demarca uma maneira de lidar com as atividades agropecuárias, a Agroecologia. Sobre
essa relação e postura podemos destacar que a grande questão nos dias que estivemos lá
em 2003 foi se na área da escola deveria se instalar somente a prática agrícola
relacionada a essa modalidade ou se os/as estudantes deveriam também fazer um
canteiro com o manejo culturalmente criado pelos ditames da Revolução Verde.
Teríamos assim dois canteiros, um ao lado do outro experimentando a diferença que
cada um deles apresenta no manejo agrícola. Percebemos que não existe unanimidade
entre educadores e educadoras nestas preocupações, o que também se dá entre os
camponeses que tem filhos e filhas estudando na Escola Agrícola. Uma disputa a ser
travada dentro do espaço da própria escola e da escola com parte da comunidade. Ou
seja, percebemos aí que o cotidiano nos apresenta um travar de discussões e
divergências interessantes. Quando não se consegue resolver um assunto no dia-a-dia,
146
geralmente a decisão deve ser travada na reunião de conselho. Mas essa questão do
canteiro agroecológico com sementes de milho crioulas foi efetivada. Os demais
cultivos ficam na esteira de serem tratados ainda com agrotóxicos. Mas dificilmente
uma queimada é realizada na área da escola. Já na vizinhança em vários lotes essa
prática é comum e podemos ver inclusive da escola o fogo prejudicando o solo.
Assim podemos perguntar: isso tudo faz dessa uma escola diferente? Diante de
tudo o que foi apontado até agora, podemos especificar que essa escola é diferente em
relação a outras escolas de assentamento por algumas ações que nela se efetivam: As
Brigadas (que formam a CEPRA), a mística (que é organizada pelos educandos e
educandas, mas é tematizada pelos educadores/as), as questões agroecológicas (que é
um princípio pedagógico específico da Escola) e a Ação de Pesquisa em duplas
(realizadas pelos educandos/as e orientadas pelos educadores/as da Escola).
Foi necessário entender como as estratégias e táticas do MST se transformam
em ações didáticas pedagógicas e possibilitam que as crianças e jovens, assim como os
educadores/as se sintam parte da territorialização e espacialização da luta pela Reforma
Agrária. Educadores/as e educandos, assim como a comunidade sabem disso, porém
existem atividades escolares que são comuns a uma tradição escolar. Essa tradição por
sua vez reproduz e ensina atitudes que não condizem com o almejado pelas
preocupações do movimento, da luta pela conquista e manutenção na terra de trabalho.
No que diz respeito as podemos fazer apenas um caminho com exemplo:
encaminhamento de um cartaz que demonstra os princípios da luta pela terra (como
chegou ali, onde foi criado, qual a gênese desse cartaz?) 84, educadores assumem e
implementam no dia-a-dia, isso possibilita essas discussões que apresentamos, ou seja,
o movimento do movimento que fortalece, cria reflexões, gera disputas internas que
reavivam o político. Assim, a grande provocação que o Movimento apresenta à
84 O cartaz em questão é apresentado pelo MST em dois tamanhos, um grande e um bem pequeno (menor que uma folha de caderno). Nos anexos apresentamos uma fotocópia do menor.
147
sociedade brasileira se apresenta no cotidiano escolar, sugere o novo no questionamento
sobre o velho esse é o grande diferencial de uma escola relacionada ao Movimento.
b) Relação Escola - Setor de Educação – MST
Dessa maneira, a relação Escola Agrícola - Setor de Educação do MST
constatamos que vai além de um envio de cartilhas. Alguns dos educadores da Escola
cursaram o Magistério e fazem Curso Superior (Pedagogia da Terra) no Instituto
Técnico da Reforma Agrária Josué de Castro (Veranópolis - RS), que existe desde 1995.
Fazem cursos de formação política (setor de educação, comunicação e meio ambiente
como exemplos) em Caçador, em São Paulo e em Brasília – DF. No ano de 2003, a
Escola Nacional de Caçador foi desativada e em Guararema, um município de São
Paulo, a Escola Nacional Florestan Fernandes assumiu o papel de centralizar esses
cursos. Essa Escola está em fase de conclusão.
Na Escola Agrícola, além dos estudantes do Iterra, que ali atuam como
educadores/as, pudemos perceber em nossas observações que a memória da luta se
espacializa e se territorializa na Escola, seja através das místicas ou através de um
monumento que foi concluído em 1999 e todo ano é adotado por uma turma de
estudantes. Trata-se de um monumento com dezenove pés de araucária plantados
representando um esboço do formato do território brasileiro, remonta aos dezenove
mortos do Massacre de Eldorado do Carajás no Estado do Pará.
Sobre as místicas, pudemos notar no mural da secretaria um comunicado
proveniente de articulação Cepra e direção da Escola sobre uma orientação para
apresentação das místicas. Corriam os meses de maio e junho e neste papel ali fixado
indicavam o tema, qual brigada por serie seria responsável por organizar e apresentar a
mesma. Os temas ali dispostos, num total de quatorze são os seguintes: Congresso
Nacional, Lei de Abolição da escravatura, 19 mortos de Eldorado de Carajás, Roseli
Nunes, dia das mulheres, Che, Festa junina, Dia do Meio Ambiente, Revolta dos
Balaios, Sepé Tiaraju, Bandeira do Movimento, Paulo Freire, Dia Internacional do
148
Cooperativismo. Podemos perceber então que os temas giram em torno de datas
significativas destacadas do calendário da luta dos trabalhadores e dos camponeses e de
personagens e lutas históricas relacionadas a terra, a educação. Durante uma entrevista
com um dos assentados interrompemos a mesma para assistir e participar de uma delas.
c) Documentações, reportagens e artigos que envolvam a escola e a luta pela terra
pelos sujeitos assentados naquela região.
Ao nos debruçarmos sobre as documentações, reportagens e artigos que envolvem
a escola, pudemos descobrir a gênese da escola e a autenticação das atividades ali levadas a
efeito. Tratamos de ler e recolher tanto produto de pesquisas como material produzido por
eles, quantos jornais e revistas que falassem da experiência da escola em questão.
Constatamos tanto reportagens favoráveis (num sentido de demonstrar o que de fato ali
acontece e respeitando as declarações dos entrevistados) como também desfavoráveis
(repórteres que visitam a escola e deturpam principalmente as falas). Essas reportagens
foram tanto em revistas de alcance nacional e em jornais de cunho regional (mais
favoráveis) 85. A documentação da Escola (ofícios, memorandos, formulários) referente
mais à quantidade de estudantes e quantos abandonaram a escola nestes anos letivos que ali
estivemos em visita. Percebemos que poucos desistem, geralmente os que se encontram em
idade mais avançada para as séries que cursam, pois precisam trabalhar nas colheitas e
plantios. Quanto aos artigos que envolvam a escola e a luta pela terra pelos sujeitos
assentados naquela região geralmente são provenientes de pesquisas realizadas a partir da
escola e que acabam ou se transformando em artigos de livros ou mesmo em livros. Além
dos artigos, também tivemos acesso aos estudos que não foram publicados, pois todos que
ali foram fazer seus trabalhos de pesquisa deixam um exemplar pronto na Biblioteca da
Escola.
As informações colhidas foram usadas como dados auxiliares ao longo do
trabalho, contribuíram para elaborarmos principalmente algumas questões das entrevistas.
85 Constatamos três em caráter nacional: Veja, isto é e Caros amigos. Fora essas três constam em jornais de igrejas, etc
149
Grande parte dos documentos que foram importantes para essa pesquisa buscamos na
Secretaria da Escola, não precisamos ir a Secretaria Estadual em Florianópolis ou em
Chapecó (Secretaria Regional de Educação), pois todos os documentos importantes foram
fotocopiados ou possuem duas vias e estão arquivados na escola.
Cabe agora relatarmos uma curiosidade que percebemos lendo alguns formulários
e solicitações: trata-se da mudança dos carimbos da Escola nas cartas e atestados. Através
dessas mudanças podemos verificar a troca de diretores e a razão educacional da Escola
decorrente de alterações nas leis. No mais recente carimbo se constata a retirada do título de
agrícola da Escola (desde o Governo Collor elas foram extintas, mas o MST e a
comunidade ainda insistem em tratá-la como uma escola agrícola) que transforma a escola
em uma unidade de ensino de educação fundamental.
E.E.F. 25 DE MAIO
CÓDIGO 763001093630 PARECER N. O 475/89
ENTIDADE MANTENEDORA / ESTADO SED-SC
LOCAL: Assentamento Vitória da Conquista - FRAIBURGO – SC
Naira Estela Roesler Mohr - Diretora da UE
Nestes quinze anos de existência da Escola, após dez formaturas de oitava série a
escola já contou com seis diretores diferentes. Um estudante formado na primeira turma
hoje é um educador da escola. Desde 1989 sempre esteve localizada ali mesmo no
assentamento Vitória da Conquista ou Faxinal I para o Incra. Hoje o município financia o
transporte de estudantes, as estradas de terra ficam intransitáveis nos dias em que chove
muito para as kombis e microônibus que realizam essas atividades. A mantenedora foi
desde sempre também a Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina.
Na Secretaria da Escola existe uma pasta verde, cujo título é o seguinte:
Monografias/Projetos sobre a Escola Agrícola. Ou seja, nesta pasta são arquivados todos
150
os estudos realizados a partir da Escola por estudantes das Academias em trabalhos de
conclusões de cursos, especializações e mestrados. Também neste arquivo encontramos
projetos dos/as educadores/as da própria escola referentes a alterações e encaminhamentos
sobre disciplinas e ações curriculares. Assim podemos citar alguns: um estudo sobre a
mística dos Sem Terra realizado na região, um de observação que depois viraria de ação
pedagógica, um da recepção dos educadores sobre recursos Audiovisuais, dissertação de
Mestrado da Educação da UFSC.
Cabe finalmente apontar que quando estivemos nas famílias também pudemos
fazer observações a respeito de alguns aspectos da vida nos assentamentos; como se
inseriram na luta pela terra; contribuição nos afazeres dos lotes. Cada assentamento possui
uma especificidade, o que enriquece as possibilidades do currículo escolar. As diferentes
atividades com que nos envolvemos com os assentados como cortar alho, comer doces,
beber cafés diferentes, comer queijos etc. Também me mostraram fotos dos tempos de
acampamento e dos primeiros dias nos assentamentos. Ou seja, ainda que ali estivéssemos
escutando e vendo a vida deles acontecendo, muito dos nossos olhares e atenções foram
pautados pelo que tínhamos lido na universidade, os aspectos sócio-culturais 86 que definem
o sujeito camponês acabaram por guiar algumas de nossas incursões que realizamos nos
trabalhos de campo. E de fato alguns desses aspectos são bem demarcados nas relações nos
assentamentos visitados.
5.a Visita
Nesta visita, que ocorreu em novembro de 2003, logo após nosso Exame de
Qualificação do Mestrado, fomos pegos de surpresa com as atividades que ocorriam na
Escola. Estudantes realizavam a chamada pesquisa de fim de ano. Durante os dez dias que
lá estivemos tivemos que nos adequar a esses acontecimentos, realizando mais algumas
entrevistas. O que gerou um espaço menor para entrevistar os demais educadores e
educadoras, visto que estavam bem atarefados. De fato, a Segunda Oficina com as quatro
86 Já trabalhamos com esses aspectos socioculturais no capitulo 1 desta dissertação (pág. XX), sempre retornamos a esses aspectos que para nos pesquisadores da questão agrária brasileira são importantes devido a colaborarem no entendimento e caracterização dos sujeitos camponeses.
151
séries também tiveram seu tempo reduzido. Outro fator que atravancou a disposição de
estudantes e fez com que tivéssemos que esperar foi a época chuvosa que aquela região
atravessava. Basta chover e as estradas ficam intransitáveis, o que dificulta o transporte
escolar e por sua vez a possibilidade dos estudantes freqüentarem as atividades na Escola.
Isso possibilitou que fossemos visitar outra escola “de assentamento” (ensino médio) e
mais duas escolas “no assentamento” localizadas no Município de Abelardo Luz no Estado
de Santa Catarina. Nestes assentamentos apenas travamos diálogos com lideranças,
educadoras, educadores e os educandos e educandas da região. Tivemos assim mais uma
possibilidade de comparação aberta com essa visita a assentamentos de outro município.
6.a Visita
Voltamos à área de pesquisa em meados de Dezembro de 2003, após participarmos
em São Paulo do Seminário da Pós Graduação em Geografia do Departamento ao qual
somos matriculados e efetuamos esse mestrado. Neste retorno e prontos para a última visita
de campo, participamos da apresentação do Seminário de Pesquisa dos estudantes da sétima
e oitava série, a chamada pesquisa de fim de ano, e que na verdade toma conta de boa parte
do segundo semestre. Permanecemos mais quinze dias entre os assentamentos dos
Municípios de Fraiburgo e Abelardo Luz. Além desse seminário apresentando pelos
estudantes, participamos do Encontro Estadual do MST num assentamento em Abelardo
Luz - SC. Na escola Agrícola, participamos da reunião pedagógica de encerramento do
Ano letivo e realizamos as oficinas com os educadores/as.
Sobre a reunião pedagógica o que mais cabe dizer é de que a tentativa de boa parte
dos educadores e educadoras e criar uma idéia de conjunto
Sobre a apresentação dos estudantes da 7.a e 8.a série, cabe relatar e discorrer
sobre os seguintes aspectos: temas, qualidade da apresentação (quais temas foram mais
discutidos), grau de envolvimento e importância para as atividades didáticas pedagógicas
da Escola.
152
Lista de temas apresentados pelas duplas:
A seguir apresentamos alguns dos temas que as duplas de estudantes da sétima e
oitava série apresentaram no seminário de final de ano:
- Artesanato da região;
- Transportes de carro de bois;
- Como vivem os ex-estudantes da Escola Agrícola;
- Suinocultura: criação de suínos; carne e banha.
- O que pensam da Escola os pais que não tem filhos e filhas matriculados na Escola?
- O trabalho na Escola Agrícola.
- Adubação verde: plantas e cobertura dos solos
- Algumas videiras nos assentamentos da região (conscientizar e aprender o manejo)
- Álcool e fumo: doenças.
- Apicultura: seu histórico e seus produtos.
- Tratamento de animais: amansamento e adestramento.
- Empresas Transgênicas.
- Rotação de Cultura, a adubação verde.
- Teatro, na escola, na região.
- Festas populares.
- A caminhada do MST.
- Água, problemas recentes e futuros.
Separamos nossa análise sobre essa atividade em três tópicos avaliativos: aspectos
interessantes, aspectos a serem melhorados e sugestões para a atividade no próximo ano.
Como pudemos participar e observar apenas na última visita de campo, os questionamentos
servem apenas como reflexões sobre a realidade vivenciada, visto que não pudemos voltar
para efetuá-las e obter algumas respostas.
153
a) Aspectos interessantes:
- Alguns temas chamaram a atenção de todos os participantes, aliás um
aspecto muito interessante é unir as duas séries para uma única tarde de
apresentação (quem precisar se ausentar depois vai apresentar para os
educadores e educadoras e quais estudantes estiverem presentes num outro
dia). Mas outro aspecto que mais me chamou a atenção foi a presença de
todas as séries, tanto os que apresentaram como os que foram para assistir e
perguntar.
- Muitos dos educandos usaram metodologias de pesquisa, expuseram as
dificuldades e as possibilidades de lidar com as mesmas. Não se tratou
meramente de repassar a informação mas de apontar e explicar como se
interessaram pelo tema, e como fizeram a busca das informações.
b) Aspectos a serem melhorados:
- Nem todos os educadores permaneceram na sala, o que pode sugerir que o
mesmo está desprestigiando o evento. Alguns não vieram trabalhar no dia.
Será que todos os educadores estão convencidos que este processo de
pesquisa é importante para a formação dos estudantes?
- Seria interessante rever a maneira de apresentar, pois muitos dos estudantes
sentem muita insegurança no momento de apresentar. Isso evidencia uma
característica da escola tradicional, a relação com métodos avaliativos.
- Valorizar mais a apresentação com a presença de pais e mães.
- Algumas falas e declarações acerca de opiniões sobre o assunto pesquisado
não são problematizadas pelos educadores presentes.
- Alguns integrantes da APP também poderiam participar.
c) Sugestões para a atividade no próximo ano:
A diretora acompanhou todos os trabalhos, ponderou que algumas mudanças
são necessárias para qualificar esse processo:
154
Poucos apresentadores de trabalhos destacam a bibliografia; muitos estudantes
apresentam o trabalho em voz baixa, isso gera pouco envolvimento dos estudantes
presentes na sala, e também comenta que alguém deixam para montar a apresentação
nos dias vigentes:
- diante dessas ponderações a primeira questão que levantamos é : qual o
papel do orientador?
- Criar alguma ligação com as disciplinas cursadas na Escola, essa relação não
ficou explícita. Sabemos que muitos dos temas fazem parte das
preocupações das aulas práticas.
- Criar um processo anterior de qualificação das pesquisas, comunicar a uma
banca de três professores, pois isso enriquece o processo, tanto no aspecto
do estudante rever algumas metodologias, como a possibilidade outros
educadores/as colaborarem no processo de orientação. A chamada
qualificação contribui no sentido de tirar o ato de pesquisar do isolamento e
possibilita ligar a um projeto político pedagógico com amplitude escolar e
comunitário. Sem contar que favorece a qualidade das apresentações,
reforçando o aspecto de importância do tema, do trabalho realizado pelos
estudantes, o que facilita a segurança no ato de defesa e apresentação final.
- Selecionar um dia para um encontro em conjunto das duplas, pelo menos em
suas turmas, para que um auxilie o trabalho alheio em mapas, gráficos etc.
- Homogeneizar os instrumentos de apresentação, mas de certa maneira
apenas num aspecto mínimo, deixando em aberto outras possibilidades que
estimulem a criatividade do grupo no momento de defesa do trabalho.
E para encerrarmos essa seção, comentaremos sobre o XIX Encontro Estadual do
MST / SC no qual pudemos observar, concatenando com os objetivos desta pesquisa, a
participação de muitos ex-estudantes da Escola Agrícola que hoje atuam no setor de
educação do Movimento. Três que encontramos estudam no Iterra em Veranópolis – RS,
cursando ou em fase de conclusão do curso de Magistério – Ensino Médio, uma estudante
atua na chamada Ciranda Infantil coordenando as atividades de educação infantil, cuidando
155
das crianças até 10 anos enquanto os pais participam das atividades do Encontro.
Constatamos que a rede de formação de educadores e educadoras conta com ex-estudantes
da Escola Agrícola e portanto essa interage com a continuidade do projeto de educação do
campo.
Entrevistar
Outra estratégia de que nos valemos para a obtenção de informações e assim
atingir nossos objetivos nesta pesquisa foi realizar entrevistas junto aos assentados,
educadores/as ligados ao Movimento Socioterritorial relacionados ao universo delimitado
(A escola – os Assentamentos) e também ao Setor no Estado e Nacional. As histórias de
vida e de história orais demarcam muitos dos aspectos metodológicos contidos no ato de
entrevistar. Cabe apontarmos o que HAGUETTE (1992) nos coloca ao relatar que a técnica
da história de vida sugere maior possibilidade de obtermos informações relacionadas aos
nossos estudos já que ela corresponde “… mais aos propósitos do pesquisador que do
autor e está preocupada com a fidelidade das experiências e interpretações do autor sobre
seu mundo”. Ao definirmos previamente os objetivos da entrevista, esta por sua vez está
atrelada ao objetivo maior que é proporcionar aos colaboradores que realmente apontem e
demonstrem qual a importância da escola e da escolarização para a luta pela terra neste
momento de suas vidas. Mesmo que os objetivos estejam basicamente definidos a priori
pelo pesquisador, o que levará com que os resultados da pesquisa sejam apresentados na
maior parte a partir de suas ponderações, “… ele enfatiza o valor da perspectiva do ator
por aceitar que a compreensão do comportamento de alguém só é possível quando este
comportamento é visto sob o ponto de vista do ator” (HAGUETTE, 1992). Nossa grande
tentativa foi a de criar a possibilidade de realizar um ato de entrevistar (e depois de
sistematizar) em que as falas dos colaboradores/as possam se expressar por si só. Por isso
ao final dessa dissertação apresentamos essas colaborações na íntegra.
Como nessa parte a nossa intenção é de sistematizar os depoimentos e entrevistas,
fomos delineando alguns temas e assuntos para essa apresentação, desta forma
apresentamos os dizeres destacando temas que revelam sobre a relação entre Escola -
Assentamento - Movimento, como pensam as Brigadas estudantis, a comparação entre o
156
conteúdo ensinado no ITERRA em Veranópolis - RS e o já cursado na Escola assim como
as percebem as relações entre os cursos de Veranópolis - RS e Escola Agrícola. Como
consideram o motivo de ter escola do MST, comentários sobre tempo escola – tempo
comunidade, quais as atividades que qualificam Escolas do MST, se conhecem as
diferenças entre escola do e no Assentamento, considerações sobre a importância da Escola
para o MST e para o Assentamento, quais as possíveis relações com as Escolas da área
urbana da cidade, diferença entre trabalhar com pais e com os estudantes em relação a
discutir Agroecologia, e finalmente o que é a escola para os Assentados e quais as
dificuldades de relacionamento dos Pais dos estudantes com a Escola. Enfim após muitas
conversas e recolhimento desses diálogos podemos traçar um breve perfil do que é ser
educador/a do MST, bem como ser educanda/o.
A partir da visualização do Quadro das etapas das saídas de campo, nos anexos,
podemos perceber um encaminhamento que vai de explorar o vivido de maneira geral da
comunidade (pela comunidade e em sua relação com a escola). O que já descrevemos nas
páginas anteriores, avançando para a fase que aplicamos às primeiras entrevistas nas quais
vamos identificando outras necessidades, essas por sua vez contribuíram e possibilitaram a
elaboração de uma estratégia educativa, as vivências sugeridas e proporcionadas por nós (e
em alguns temas por eles) nas oficinas de diálogo. Porém nessa parte estaremos
sistematizando as entrevistas. Convém lembrar que as entrevistas estão apresentadas na
íntegra nos anexos dessa dissertação.
A primeira questão para localizarmos o papel das entrevistas nesta pesquisa é
a seguinte: quando essas ocorreram? Ao observar o quadro já citado no parágrafo anterior
essa questão pode começar a ser respondida. Nele perceberemos que as entrevistas
ocorreram após algumas visitas e que também as entrevistas não se deram em todas as
etapas. O caráter das primeiras entrevistas era mais de tatear, tiveram um caráter mais
exploratório. Necessitamos de um tempo maior para amadurecer as relações com as pessoas
(educadores/as e estudantes) na Escola que visitamos. Um segundo questionamento é se as
entrevistas tiveram as mesmas perguntas a todos/todas os colaboradores/as. Optamos por
não ter um questionário único, pois essas questões foram elaboradas de acordo com as
157
necessidades ou mudanças de estratégias proporcionadas pelo ato de observar e pelas
entrevistas posteriores. Assim criamos um roteiro para cada um dos segmentos: estudantes,
assentados/as, educadores/as. Essa maneira no ato de realizar entrevistas abertas permite
com que possamos deter uma visão mais geral sobre os acontecimentos que ali se deram, ou
estão ocorrendo. Desta forma, as entrevistas que aconteceram após as primeiras oficinas
possuíram outra conotação. As oficinas colocaram novas dúvidas, e assim novas
necessidades para desvendarmos a importância da Escola para a luta pela terra de trabalho.
Um aspecto que chamamos a atenção é sobre o papel dos colaboradores, seu grau de
inserção no Movimento. Assim, uma liderança requer que façamos perguntas específicas
devido ao grau de visão e envolvimento que tem do processo de formação do assentamento
e das escolas, essa diferença fica nítida nas falas. Outro exemplo é entrevistar um/a
educador/a mais engajado e outro/a com menos engajamento. O/a educador/a menos
engajado/a é alguém que ainda está quebrando o preconceito do Movimento, assim também
a entrevista ganha aspectos diferenciados quando conversamos com um/a colaborador/a que
mora no assentamento e outra/o que mora na sede do município, ou até em outro município
(tivemos um caso com essa condição).
As entrevistas com diferentes sujeitos, num total de quatorze momentos
(pois em alguns casos entrevistamos pai e mãe de estudantes em conjunto) possibilitaram
que alcançássemos objetivos mais específicos, o que permitiu analisarmos qual a
importância que os mesmos possuem (os diferentes pontos de vista) sobre a Escola e o
processo de escolarização que têm os camponeses assentados no município de Fraiburgo/
SC.
Obviamente que se adotamos uma postura qualitativa, essa também está presente
em quem será colaborador nesta etapa da pesquisa,
“… a escolha dos entrevistados não pode ser aleatória, ou seja, não pode obedecer aos parâmetros da amostragem probabilística. Embora a montagem do universo - listagem dos atores que poderão fornecer contribuições úteis ao desvelamento de certo tema - seja fundamental, sempre existem alguns personagens cuja contribuição é
158
imprescindível, daí por que sua inclusão na lista de entrevistados é intencional”.(HAGUETTE, 1992: 96
Tínhamos por objetivo realizar entrevistas com todos as/os docentes da
Escola. Nossa finalidade era de obter informações sobre metodologias de ensino,
condições de trabalho, relação do Movimento com a unidade, papel da Secretaria
Estadual, dificuldades de ensino-aprendizagem. Além deles e delas também
realizamos entrevistas com estudantes e com pai e mães de alguns estudantes.
Convidei a todos os educadores/as para a entrevista mas nem todos os educadores/as
puderam colaborar. Pretendíamos entrevistar todos os que ali trabalham, mas não
tivemos êxito, devido às atribulações e choques de horários.
Quanto aos familiares dos educandos/as foram escolhidos pelos seguintes fatores:
participaram das grandes ocupações iniciais em Abelardo Luz, em 1985, e foram
assentados desde o início nos assentamentos do entorno; possuem filhos que estudam ou
estudaram na Escola Agrícola; se consideram integrantes do Movimento; participam dentro
do possível das atividades propostas pela coordenação escolar.
Alguns docentes (hoje alguns ex-docentes nessa escola) entrevistados eram
moradores na região dos assentamentos de Fraiburgo, apenas uma era moradora em
Fraiburgo e outra morava à época em Vinhedo, município próximo. Das quatorze
entrevistas, sete realizamos nas residências das pessoas, outras sete nas dependências da
escola. As entrevistas com duas dirigentes do Movimento, do setor educacional (assessora
pedagógica) foram realizadas por correio eletrônico e por telefone87.
Ao todo, tivemos a colaboração de dezessete entrevistados, completando
aproximadamente vinte e cinco horas de gravação. Seguimos um roteiro com perguntas
chave, compondo um questionário aberto. Um instrumento com essa característica pode
contribuir para ampliar o leque de questões e respeitar a especificidade de cada
87 Antes de encerrar os detalhes dessa dissertação recebemos via correio eletrônico uma ultima entrevista com o setor nacional de educação do MST. Algumas informações ali transmitidas são importantes para pensarmos a educação do campo em sua territorialização.
159
colaborador. Todas as informações colhidas ao longo do trabalho de campo foram
importantes para o desenvolvimento de nosso trabalho. Para ilustrar cabe lembrar de um
depoimento de uma assentada relatou sobre o tempo de acampamento. Às vezes uma
conversa sem compromisso revela mais que a entrevista formal 88, desta forma aqui se
percebe o papel de conjunto da observação com a entrevista. Uma simples conversa
também pode, dependendo da relação pesquisador / colaborador, atravancar as
respostas, travar o processo. Os colaboradores podem revelar idéias não somente no
que dizem mas também no que podemos perceber nos gestos e nas entrelinhas dos
depoimentos.
O que nos ocupa aqui enquanto tema específico é a contribuição da Proposta de
Educação do Movimento na territorialização e espacialização do MST. Tratamos da
construção de mediações políticas e pedagógicas ao longo da trajetória de implantação e
desenvolvimento no universo do ensino oficial numa das Escolas dos assentamentos de
Fraiburgo - SC. Por esse motivo, a escolha dos colaboradores nas etapas do trabalho de
campo obedeceu aos critérios definidos pelos objetivos da pesquisa, assim procurei um
morador de cada assentamento, geralmente pais de estudantes da Escola.
Optei por não indicar nome dos entrevistados/as, visto que não tinha como voltar e
reler com cada um/a deles/as o material transcrito das gravações. Indico apenas a relação
que cada um dos colaboradores estabelece com a Escola Agrícola. Se realizasse esse
retorno o trabalho seria maior, teria que ler com eles/elas para averiguar se o que
expressaram estava a contento, em nosso ponto de vista isso prejudicaria a realização das
oficinas de diálogo com estudantes e educadores/as. Desta maneira, sem identificar os
colaboradores/as, mantivemos a transcrição tentando respeitar ao máximo as características
da oralidade. O que é comum no momento de transcrever as fitas gravadas também pode
ser o não entendimento de alguns trechos, neste caso deixamos em branco e com pontos de
interrogação. O importante nestas colaborações são alguns temas que fluem e despontam
das falas transcritas, verificaremos os vários conteúdos que os dizeres desses sujeitos
88 Verificar página 44 cap.1 desta dissertação.
160
apontam e que podem gerar explicações ou mais controvérsias e dúvidas sobre aspectos da
luta pela terra.
Para termos uma certa segurança no ato de entrevistar, fizemo-nos a seguinte
pergunta: O que podemos aprender com os assentados?
Desta forma sugerimos um roteiro que, como já dissemos, serviu apenas para
dar apoio, visto que nossa postura era de realizar entrevistas abertas.
O questionário que utilizamos juntos aos assentados, pais de estudantes da
Escola agrícola foi o seguinte:
Quantos anos moram no assentamento?
Qual a importância de uma escola no assentamento?
Até que série estudou?
Qual a importância da Escola Agrícola para as famílias assentadas?
Sobre a Escola: o que precisa melhorar, o que tem de bom?
Com qual freqüência vai até a Escola?
Participa dos Mutirões de plantio e colheita na Escola?
Como e qual período esses mutirões ocorrem ?
Quanto ao lote em que estão assentados:
O que produzem?
As ações da Escola contribuem na produção?
De que maneira isso se dá?
Como tem vivido nestes anos de assentamento?
Na relação com os colaboradores/as realizei questões para que me apontassem
como vislumbram os assentamentos como novos “lugares sociais”, se o tem como um
núcleo social de conquista da cidadania, relacionado a uma conquista de classe.
161
Já em relação aos educadores/as cabe apontar que consideramos tanto os
professores/as como as funcionárias. Nos anos que realizamos as atividades de Trabalho
de Campo convivemos com educadores/as (professores/as) que moravam na área urbana
do município de Fraiburgo e uma delas que morava no município de Videira, e que
comparecia a Escola apenas nas Sextas feiras para ministrar aulas de Língua
Portuguesa. Duas professoras recém formadas que saíram de Florianópolis no início do
ano de 2003 e que moravam numa residência no terreno da escola, temos também mais
dois casais de educadores que moram na área da Escola. As funcionárias que trabalham
na limpeza e na cozinha são assentadas e moram aproximadamente de dois a três
quilômetros da área freqüentável da Escola.
Para esses colaboradores, devido a essas especificidades partimos mais para um
roteiro estratégico que um questionário. O que saber desses educadores/as? Em primeiro
lugar, como cada um tem uma procedência, tentamos captar a visão que cada um tem da
escola levando em conta essas diferenças. Separamos as entrevistas levando em conta os
professores/as mais engajados/as e os menos engajados/as. Essa diferença apóia-se na
elaboração de Beltrame (2001), na qual já nos apoiamos anteriormente na discussão
apresentada no capítulo II dessa dissertação, que diz respeito sobre o diferencial dos
professores que moram no terreno da escola, nos assentamentos próximos e os que vão
à sede do município e até a outros municípios. Perguntamos-nos se é necessariamente
preciso morar na área da Escola para ser mais engajado? Essa lógica não demonstra
uma visão ingênua sobre o papel do educador? Será que morar na área da Escola é
condição para ser mais engajado? Mas nos apoiamos na diferença somente enquanto
diferença e não desigualdade. Morar e viver a Escola mais intensamente com certeza
traz uma diferença no olhar sobre a Escola.
Desta maneira o roteiro que utilizamos junto aos educadores/as apresentamos a
seguir:
Qual a visão e o envolvimento que possuem com o MST?
162
Também pedimos que comentassem sobre a importância do MST para o Brasil e sobre
os cursos de formação do MST.
Como vinculam a discussão do Setor de Educação com os valores camponeses e com o
cotidiano da Escola?
Podemos afirmar que os momentos de colaboração dos envolvidos de uma forma
ou outra com a Escola e os Assentamentos nos fez perceber o grau de importância do
material recolhido. Queremos divulgá-lo, e para tanto escolhemos duas formas, anexos e
sistematização. O que objetivamos com o mosaico apresentado a seguir tem relação com o
que expusemos anteriormente, promovendo um diálogo entre a vida na Reforma Agrária e
o fruto desta pesquisa: a dissertação.
Mosaico de falas: sistematizando as entrevistas
“Daí a importância de ouvir o campesinato. É evidente que ouvir o campesinato não quer dizer, simplisticamente, partir do próprio discurso dos “agentes sociais”. Quer dizer isso e muito mais. Quer dizer que é preciso mobilizar recursos teóricos que permitam decifrar a fala do camponês, especialmente a fala coletiva do gesto, da ação, da luta camponesa. É preciso captar o sentido dessa fala, ao invés de imputar-lhe sentido, ao invés de desdenhá-la. E isso somente será possível se entendermos que a resistência do camponês não expressa o seu sentido num universo particular e isolado, camponês; que a resistência do camponês à expropriação do capital, vem do próprio capitalismo”. (Martins, 1980)
As duas salas de aula construídas pela Secretaria de Educação do Estado de
Santa Catarina em 1989 89 da Escola Ensino Fundamental 25 de maio possuem, cada
uma, em suas parede frontal uma obra de arte-educação realizada a partir de um
trabalho de vivência com a comunidade. Esses dois trabalhos foram coordenados e
efetivados por Dan Baron e Manuela Souza. Um deles é um mural pintado intitulado
89 Geralmente para as aulas práticas ou mesmo para outras atividades, galpões e outros espaços cobertos acabam por serem adaptados enquanto sala de aula.
163
Cidade e Campo90 (foto da capa deste trabalho) de 1999 e o outro um Mosaico realizado
em 2002, cuja inauguração pudemos presenciar na formatura daquele ano. Podemos
nos apoiar neste mosaico que existe na escola para apontar trechos de algumas falas.
Através dos recortes nas entrevistas revelaremos alguns depoimentos com diferentes
pontos de vista das lutas e vivências, assim como esperanças que se apresentam gerais e
específicas através desses “cacos”. Aos poucos, porém, tais “cacos” formam em
conjunto um todo dos acontecimentos e das vivências. Pretendemos que formem e
apresentem o estado de arte da relação Escola - Assentamentos - Setor de Educação do
MST.
Preparamos assim um mosaico de vozes: apresentando alguns trechos que
consideramos relevantes nas entrevistas, realizando um comentário analítico ao final. Nem
desdenhamos, nem imputamos sentido, apenas trouxemos à colaboração dos camponeses e
camponesas, educadores e educadoras da Reforma Agrária. Para definir e diferenciar essas
falas dos colaboradores/as apresentamos abaixo um código de letras91 e a relação que
estabelecem com a Escola Agrícola. Para que os leitores e as leitoras possam entender
como realizamos esse mosaico de falas e momentos das entrevistas vamos identificar
apenas a função e a relação que o colaborador possui (ou possuía) com a escola ou com o
setor de educação do MST. Assim temos:
Ca – ex-estudante da Escola, participou ativamente da discussão e implantação das
brigadas em 1998, atualmente é um Educador da Reforma Agrária em formação.
Cb – educadora – professora / mora no assentamento.
Cd – educadora – professora que mora próximo a Escola.
90 O arte educador do País de Gales, Dan Baron, narra e comenta analiticamente essa experiência do mosaico “Terra e vida” no livro Alfabetização cultural, 2004, Ed. Alfarrábio, SP. 91 Para facilitar a apresentação dos colaboradores e colaboradoras definimos os códigos apresentando o seguinte esquema: Colaborador “a” – abreviatura (código) = Ca; Colaborador “b” – Cb, e assim por diante. Apresentando o código, o que segue é a relação que cada um dos colaboradores/as estabelecem com a Escola.
164
Ce – professora - educadora, mora em outro município e vem uma vez por semana atua na
Escola).
Cf e Cg – pai e mãe de três estudantes da escola agrícola. São assentados no Vitória da
Conquista.
Ch – assentado, pai de ex – estudantes da Escola e que atualmente prosseguem os estudos
pelo Iterra – Veranópolis /RS. Este assentado é uma das lideranças desde os tempos de
acampamento. Mora no Assentamento União da Vitória.
Ci – educadora e secretaria da Escola - professora. Mora na sede do município.
Cj – Pai de um estudante. Liderança desde a época dos grandes acampamentos.
CL – educador – professor da área agrícola.
CM – educador – professor da área agrícola.
CN e CO – Assentados, pai e mãe de um estudante e de educadores.
CP – Assentado. Ex – educador. Pai de estudantes.
CQ – Assentado. Pai de estudantes. Ex-presidente do conselho.
CR – Assentado. Pai de estudantes. Mora no assentamento Contestado.
CZ – pai de estudante, assentado no Chico Mendes, participa da Associação de Pais e
Professores (APP).
165
Muitos dos temas que apresentamos a seguir estão relacionados ao que já
citamos no último parágrafo do item observação desse capítulo, ou seja, os aspectos
sócio culturais que contribuem com que definamos o sujeito camponês. Para vários dos
assentados e assentadas a última pergunta que fizemos foi sobre o que consideravam
como liberdade, e qual importância davam a mesma. Nesse exercício aqui apresentado
para sistematizar as entrevistas finalizamos apresentando as falas acerca desse tema.
Assim, sistematizamos as falas, selecionamos momentos das entrevistas,
recortamos e fomos costurando por entre as falas: juntando os cacos, ouvindo e escrevendo
os dizeres. Ao sistematizarmos surgiu a dúvida: vozes ou falas, eis a questão. Diante desse
questionamento, pudemos perceber que o título que escolhemos tem relação com o que
viemos construindo até então. Optamos por vozes, devido a discussão do primeiro capítulo,
ao nos apoiarmos na frase dita por Antonio Candido na entrevista citada. A voz que um dia
foi emudecida ganha uma oportunidade por intermédio das próximas páginas.
Separamos esse mosaico em quatro momentos, a saber: a Escola em suas
relações cotidianas e em como ocorre o currículo assumido pelos educadores e pelas
educadoras, assim como pelos estudantes; o segundo tópico desse mosaico abre mais sua
escala, pois apresenta dizeres sobre as relações entre Escola, Assentamentos e MST.
Também discorrem sobre o papel do Estado, seja municipal ou Estadual. O terceiro eixo
apresenta a importância da Formação de educadores e educadoras através do Instituto
Josué de Castro criado pelo MST para isso, em Veranópolis – RS. Ali estudantes do Brasil
todo participam de cursos ligados aos problemas mais urgentes da organização, como
Cooperativismo e Formação Pedagógica. Finalmente, o último tema que propõe um arranjo
para o Mosaico de vozes diz respeito ao viver nos Assentamentos. As conquistas e as
dificuldades das famílias assentadas no tocante a produção, desde o plantio até o
escoamento, assim como o papel do Governo no que se refere a Reforma Agrária são
apresentados nesta coroação do nosso Mosaico.
1 - A ESCOLA: um local num lugar. 1 - a) Através das vozes a seguir ficamos sabendo qual a importância e o que a Escola
Agrícola 25 de Maio tem de melhor.
166
CH - Nós fizemo, lutamo por isso aí e tudo deu certo, né? Aonde que nos temo essa escola
hoje até o segundo grau, né? Não foi com brincadeira que nós conseguimo assegura ela
porque teve muito ataque do próprio município, da autoridade do município tentano acaba
com a escola, tentano fecha, que num aceitava nossa proposta, da educação que nóis tinha,
que nóis queria aquilo que era a vontade de nossos filho que falava de nossa história e a, e
as criança aprende, não sabe a velocidade dum avião, mas sabe a aquilo que era pra... que
ia fazê bem pra eles mais tarde, sabê se defendê de certas exploração, de esse sistema que
nós tivemos, e...
CQ – Na verdade esta questão de onde estuda sempre foi uma preocupação do povo
nosso e uma dificuldade também né na profissão de agricultura porque digamos nossos
filhos têm que ir até a cidade né então quando uma escolinha até a quarta série, foi sido
atrás, eu já vi...nós já tinha contado a escola ainda conhecia o pessoal de lá né, eles iam
mudando pra construir o espaço daquela escola, normalmente o pessoal nosso as
crianças começaram a participar lá né e acho que assim, valeu a pena né, ter uma escola
agrícola hoje como um ponto de referência assim pros filhos de agricultores, tanto dos
assentados como dos não assentados, poderiam ter uma educação, onde se conhece os
dois lados da moeda, não é não só um lado da moeda.
Ca – A escola hoje contribui muito para o movimento e para o assentamento porque
assentamento é movimento, porque movimento é o povo, então a escola também faz
parte do movimento, é uma contribuição muito grande desde a questão da forma como
ela está sendo trabalhada hoje então isso com certeza servirá muito prá nós enquanto
movimento sem-terra prá estar entendendo, tá fazendo um jeito diferente das outras
escolas, então a escola hoje está sendo contribui e contribuirá com certeza através...
Esse método que é usado questão de ensino que é uma forma bastante importante
porque rompe com aquele método que as professoras tradicionais propõem para os
alunos então aqui na escola tá ajudando a entender isso e outras, enfim, ... o ensino na
sala de aula até a questão de outros espaços que a escola proporciona aos educandos,
aos pais também, é um processo que não tem separação entre escola o assentamento e o
167
movimento, assim é um só, porque a escola proporciona pro movimento o estudo prá tá
sabendo combater mais o sistema e com certeza a formação que está tendo aqui na
escola os alunos com certeza vão ter uma visão crítica da sociedade (...)
CZ – Bom eu vejo a escola agrícola como um instrumento é... Exatamente... Pra gente
tentar segurar os nossos filhos junto com a gente no assentamento ou na agricultura, mesmo
que seja fora do assentamento, uma outra pequena propriedade, é, então a escola é o
combustível que vai movimentar esse... Esses adolescentes aí na profissão deles.
(...) o projeto da escola, esse projeto de alfabetizar diferente das outras escolas isso aí é...
Uma grande novidade que nós temos, que nós vemos que existe no sistema de educação né,
e é uma grande coisa, assim... a maneira como que as crianças são tratadas aqui na escola, é
... a maneira dos professores trabalhar com as crianças e assim ... Algo muito interessante
que... se levado a sério tem grande futuro.
CQ – Acho que nós tivemos assim, acho, um privilégio de dizer que hoje dentro do
Movimento Sem-Terra temos, talvez, uma das melhores propostas de educação né, como se
trabalhar com uma criança, desde do pré até mesmo uma faculdade, e acho que com o
surgimento do MST além de nós transformarmos, digamos, as terras produzir alimentos né,
nesses grandes latifúndios que só servem pra especulação, nós tivemos nossa questão da
educação também né, tanto saúde né, também trabalhar muito a questão da saúde
preventiva né, que os remédios naturais, como também a questão da educação porque eu
acho que a primeira coisa né, a ...
CP – O que eu penso é que o futuro nosso, o futuro do Brasil, porque essa escola tem muito
a ver com as raízes passadas, que é a única ... a gente pensa...deu já uns fato concreto que
deu certo aí que se a gente não voltar antigamente óia...depois também não adianta a gente
ficar na agricultura. Ah...de sobrevivência na terra, não de ficar rico mas de sobreviver na
terra. Tenho certeza que ela, a Escola, é um elo de ligação.
CN – Mas eu, o que eu penso da escola, assim, que ...foi uma coisa que veio, assim, uma
coisa muito boa né, porque surgiu aí... é claro que a gente tá batalhando em cima né, que
168
surgiu essa escola, mas que a gente... até não esperava que ela deslanchasse até da maneira
como tá hoje né, porque a gente vê até os filho nosso tê estudado na escola né, hoje sai fora
não tem problema nenhum, não enfrenta dificuldade, assim, entendeu, qualquer tipo de
matéria, então nós temos um quadro de professores né, que é de invejar né fora aí, que a
gente vê é ... assim que qualquer tipo de colégio hoje é licenciatura que tão pedindo, então a
gente vê uma coisa ótima assim, que um futuro a cada dia que passa, garantindo bem mais.
Porque ela sempre teve os objetivo dela ser alcançado né, como você também já participou
você sabe né, dessa discussão já participou também né, então ela teve um papel, assim, a
desempenhar, né, que é a formação de nossos filhos e a clareza que nós precisamos.
CQ - (...) quando você não sabe fazer o sistema agroecológico mas que use o mínimo
possível de adição de veneno né, aí eu acho que o movimento dos sem-terra discute muita
essa questão nas escolas do movimento dos sem-terra né, e tem aqui o exemplo da escola
agrícola 25 de Maio no assentamento de Fraiburgo que eu acho que é assim, o exemplo de,
tanto dos pais né, acho que teve vezes que a escola até fraquejou né mas os ... uns pais
ajudaram, professores com entendimento né, estão conseguindo levar e hoje tem assim uma
turma já né, a segunda turma de segundo grau que tão fazendo já né, então eu acho que,
digamos assim, tá ... vale a pena né, eu acho que tem que estar ... a escola tem que estar
ligada diretamente à questão da produção, a questão da educação dos nossos filhos.
CP – O que tem de melhor? O que tem de melhor é o diálogo. Diálogo é o melhor da escola
CR – De melhor na escola agrícola eu acho que a preocupação dos professores né, de
chamar os pais pra discutir e tal e coisa né, tem de a gente participar né, mesmo que a gente
às vezes não tenha tempo pra ir até discutir mas sempre chama né, tem a preocupação de
chamar os pais pra discutir a questão da escola, não é só o trabalho dos professores né, no
campo os pais tem que ver como que tá funcionando né, que outras escolas acho que não
tem isso aí né.
CQ – (...) na agricultura também, digamos, o agricultor também tem que saber, ele tem que
estudar pra ele saber como é que se trabalha com a terra, talvez se fosse pra fazer a ...
169
digamos assim ó, um modelo de adubação verde né, que só jogar o veneno na terra o cara
não precisa ter estudo mas pro cara trabalhar realmente a terra e pra se tornar uma
propriedade alternativa né, geralmente eu acho que nossos filhos, nós temos que estudar,
nossos filhos têm que estudar, realmente numa escola onde aprende-se a fazer isso né, e nós
temos um privilégio no movimento dos sem-terra que sempre incentivou a visão de
produção agroecológica (...)
1 - b) O que precisa ser melhorado
CQ – É eu acho que na escola nós temos um espaço de produzir, temos um pouco de
alimento né, mas eu acho que a grande falta lá é o espaço de estrutura, é sala de aula né,
nossas crianças realmente não tem, não tem um ginásio de esportes, não tem local nem pra
fazer uma educação física no dia que tá chovendo né, e com o melhoramento das estruturas
provavelmente teria muito mais alunos né, que tem somente duas salas de aula, a escola
realmente não comporta, as estrutura não comporta.
CL – (...) E a questão de...Gradagem, revolvimento do solo, a mecanização do solo
propriamente dita, virar o solo, eu acho, que normalmente a gente não tem realizado isso
por uma série de questões, primeiro que a gente não tem o maquinário disponível pra isso.
Até tem, mas está sucateado desde 89, às vezes não tem pneu, não tem dinheiro pra óleo
diesel, o próprio Estado que é mantenedor da escola agrícola, pelo menos na questão de
pagamento dos professores, não reconhece a escola como escola agrícola, ele não tem verba
pra desenvolver as atividades agropecuárias (...).
CZ – Olha, perfeito ninguém é né, então tem muita coisa que precisa ser melhorado é...
outras coisas que precisam ser assim, trazido novas idéias, pra dentro da escola né, então
não tem assim um ponto específico “isso aqui tá ruim na escola”, é o todo que precisa ser
melhorado, tudo pode ser melhorado né, e se for com idéias novas aí e trabalhando sério,
acho que no caminho que tá indo aí se continuar é ...Com essa seriedade aí a coisa vai
andar.
170
CQ – É tem bastante. Professor também tem, é, não é por falta de professor né, professor
tem tanto no Estado como fora do Estado que querem, se identifica com essa proposta de
educação, que querem vir colaborar, o que falta mesmo é ... É o desrespeito dos nossos
governantes, que gastam milhões em dinheiro pra fazer porcarias, diziam, roubando né,
roubando o povo né, e na hora que é pra fazer alguma coisa que é pro benefício do próprio
povo eles esquecem né, então acho que ali nós temos condições realmente ... o próprio
poço artesiano, que já foi aprovado há não sei ... há dois anos ali pra escola agrícola, o ano
passado o prefeito de Fraiburgo não ter competência, digo assim, de não tá em dia com ... o
dinheiro tava na Caixa Econômica ali, mais de um ano ali, e acabou tendo que voltar pro
Estado e acabou pros cofres públicos e a escola agrícola ficou sem água, que é um dos
problemas ali né, então acho que realmente nós temos que continuar nos organizando junto
com a APP, com os professores, pais de alunos, participando lá e realmente ir em busca de
nosso direito né, e essa questão de construir mais salas de aula e das benfeitoria que precisa
ser feito lá.
A falta d’água é um grande problema da Escola.
CR - (...) ela precisaria de, digo assim, pra funcionar precisaria de um empregado
definitivo, assim, pra tocar a questão dos outro mais né, os outros hoje estão trabalhando
mais questão dos pais ajuda ou dos alunos fazer algum servicinho assim né, a questão do
trabalho externo né, então um dia só de aula só repõe mas o serviço externo a escola só com
... os outros ... servicinho da piazada fazer alguma aula prática, não vou conseguir fazer né,
que a escola faz alguma coisa que dê resultado né.
CL – (...) acho que um a coisa que teria que modificar...é... nessa questão, seria procurar
trazer um pouco mais a comunidade pra conhecer mais de perto a escola, as brigadas, o
funcionamento, que muitas vezes a gente coloca isso pras pessoas de fora, mas não tem
trabalhado, assim...com êxito internamente.
1 - c) A Espacialidade da Escola.
Ca – Desde o tempo que eu estava estudando aqui a escola, com certeza, está num
espaço adequado porque os educandos estão aprendendo, que uma das formas é
171
cooperativa que os educandos têm, isso contribui muito para que avance o processo e,
uma das que está sendo muito importante aqui na escola agrícola é a questão de
trabalhar a terra que é o jeito que está sendo funcionado, com certeza, combate o
sistema capitalista, que é trabalhar através de... Agroecologia. Então isso proporciona
uma visão maior para o uso do campo, da forma que é trabalhada, então ajuda eles a ter
a sua auto-organização e com certeza com isso o ensino vai se tornar bem mais fácil,
bem melhor, porque eles vão estar ajudando a construir a escola.
CL – Olha, eu diria que a escola, ela tem que ser mais um espaço, mais um, não o único
...é..de transformação. Se ainda acontece...é..em alguns assentamentos ou em algumas
áreas, lotes específicos dentro de determinados assentamentos, teriam uma série de fatores
que...que a gente poderia ta elencando, assim...não em ordem de prioridade, mas primeiro,
opinião minha, é...as pessoas não modificam da noite pro dia..e...e segundo, é que ...a gente
tem ainda muito internalizados conceitos de agricultura tradicional. A gente foi criado
nesse sistema, inclusive da década de 50, 60 e 70.
1 - d) As várias possibilidades que fazem dessa uma Escola diferente:
1 – d - a) As Brigadas estudantis e a Cepra
Ca – Mas assim, no tempo que eu estudava as brigadas porque foi um conteúdo novo pra
nós foi em 98. Então assim foi uma proposta nova que no começo fiquemo sem saber o que
é isso, mas com o passar do tempo fomos nos entendendo mais e melhorando até a forma,
assim foi importante até porque hoje por exemplo eu tenho uma visão do movimento, dos
núcleos de base, que é trabalhar em grupo, então as brigadas proporcionaram a auto-
organização deles, de estar avaliando, pensando o que vai se trabalhar durante a semana,
então era aquela forma, a gente na segunda-feira ou na sexta, não me lembro bem, a gente
sentava nas brigadas, estudava como que foi a semana e avaliaria, pensava o que seria feito
pra semana, porque tinha cinco brigadas, essas brigadas correspondiam a todo o andamento
da escola, tanto a questão da produção, a questão até da sala de aula, do embelezamento,
então foi importante.
172
CQ – (...) então eu acho que realmente as crianças e a questão das brigadas da escola
realmente é pra criançada começar a sentir que vai ter responsabilidade né, isso funciona e
acho que é muito interessante né, as crianças dizem “ó nós temos a nossa cooperativa dos
alunos né, vai ter que fazer isso, tem que fazer aquilo”, então as crianças acabam tendo
responsabilidade né, e realmente pegando mais amor até pela própria escola eles gerenciam
aquela atividade né, então eu acho que é interessante né, muitas questões que sempre acho
que os pais tem que estar, uma vez ou outra, tem que dar uma passadinha na escola pra ver
como que está funcionando.
CM - Por um lado é questão de estrutura, que hoje nos temos um número muito maior que
os períodos anteriores ... Então ficaram com duas séries... a 6º série tá com 32 alunos, seria
6º e 5.a num período, e 7 º e 8º num outro dia, dá mais a 5º que tem 23, daria um nº de 55
alunos, isso é inviável hoje economicamente, pra nos manter 55 almoços num dia a
estrutura nossa não comporta isso, e ao mesmo tempo tínhamos mais com o aumento dos
alunos, então isso pra nos acompanhar na parte técnica em atividades práticas e dar aulas
em sala, fica mais difícil ter o controle desse curso, tendo em vista que também não temos
alguém que possa nos auxiliar ... e ... como você também não como também não vai ter
estrutura e equipamento ou ferramentas disponíveis pra todos , então não vale a pena vir um
monte de alunos e tá resultando apenas em gastos, então o quê que a gente tem buscado é
priorizar com os que vem... tem buscado distribuir nas duas brigadas a própria turma o nº
de... dependendo de 8 a 6 alunos para cada professor e isso facilita o trabalho e ao mesmo
tempo facilita o acompanhamento ... fica um assim um período de atividade prática né...
que pode ficar conversando mais envolvendo mais com os alunos e depois tem o período de
mística... que a gente faz... pra eles tá pensando no processo de organização do movimento
... então esta é um fato importantíssimo que a gente tem garantido e tem surtido bons
efeitos né.. eles se empenham no máximo né... nesse período para a ação do movimento...
eu acho que aí se tivesse o exemplo das duas brigadas pra acompanhar né consegue dar um
acompanhamento mais direto.
173
CN – não, o que a gente sente é que ele gosta bastante de tá meio interligado com esse tipo
de aula, ele é novo ainda também tá ajudando bastante.
CO – Mas as coisa que a gente também acha que é um avanço pra eles que o grupo que eles
fazem, na brigada com as pessoas eles pegam o grupo e são responsáveis se sentem
responsáveis eles fazem em conjunto desde agora até o fim do ano, tem formatura eles já
estão se organizando eu quero que tu veja já, eles já foram pra cidade em busca de
arrecadação, eles já foram nas famílias em busca de arrecadação, prepara pra o final do ano,
eles estão assim, já, com uma cabeça de adulto, e isso eu acho que eles crescem porque eles
trabalha junto, eles trabalha, as idéia deles fecham numa só.
CP – Olha, pra falar a verdade isso eles... é ... sobre as brigadas em casa eles comentam é
pra pedir alguma coisa, senão não, até hoje o meu piá me pediu ontem de noite se ele ia
ficar trabalhando aqui, que seria as aula técnica aí, eu... “vou ficar, o que você tá
aprendendo, tá aprendendo coisa boa lá”, “sim” semana passada eu aprendi sobre coração
de minhoca. De vez em quando ele tá fazendo alguma coisa lá em casa errada eu digo “mas
não é assim que se faz”, eu dou um puxão de orelha nele e falo “mas na escola você diz que
é diferente”. Ele estudou sobre o coração da minhoca né. Como trabalhar com o coração da
minhoca. Eu nem sabia que minhoca tinha coração, porque a gente corta ela né...nem eu
sabia (Risos). Eu vou perguntar pro CL que história é essa de coração de minhoca. Só sei
que ela tem dois lados né. Então contribui bastante.
1 – d - b) Aulas práticas
CL – É... eu posso ta falando das duas. Primeiro da responsabilidade. Então, de novo, me
reportando aos cinco anos que aqui estou...é... quando cheguei na escola não tinha viveiro
de mudas, o pomar de pêssego estava recém plantado e... até porque a época era outra. O
pessoal trabalhava mais em cima de uma horta. Não tinha um pomar de kiwi, não tinha um
pomar de videira, praticamente os plantios de milho eram bem pequenos. Então tinha uma
série de atividades que os alunos desenvolviam quase que única e exclusivamente aquilo. A
174
escola modificou, não por uma pessoa, mas a escola foi trilhando um rumo diferente, foi se
organizando internamente diferente e eu creio que os alunos não aumentaram muito em
número, mas as atividades e os projetos importantes a serem desenvolvidos na construção
da agroecologia foram ampliados. Parece-me que teria que ter um pouco mais de
participação na comunidade não só no incentivo a execução das atividades mais também no
planejamento das atividades (...).
CR – É não, entendo que não mudou né, que a questão da .... escola é o trabalho da questão
do mundo do ecológico né. Só que é uma coisa que a gente não tem implementado na
propriedade da gente né ... lavoura extensiva, e coisa, trabalha a questão mais da horta e
mais nada, mas uma coisa eu tenho uma preocupação da ... do trabalho lá né ... e é uma
preocupação da escola de fazer isso né.
A sim né, na horta evito trabalhar com veneno.
CP – Olha, o mais velho vai, tem muito interesse né, de vez em quando ele diz “ó aqui eu
quero plantar reflorestamento, mais tarde se precisar ...não sei que lá”, o mais novo
também, só que o mais novo tem ... a idade dele um pouco mais de criança, uma hora ele
pensa uma coisa outra hora pensa outra, e o mais velho é muito interessado na agricultura
né, inclusive lá ele tem os bichinho dele, querendo tratar os porco, tudo ele.
CR – É eu tô tradicional ... a lavoura usa química, essas coisa tudo, que a gente sabe que...
os outro ... mas a coisa ... também depende do que a gente aprendeu foi fazer isso, era o
mais fácil né. Às vezes o mais fácil paga caro né.
1 - d - c) Contribuições da Agroecologia
CQ – Acho que é uma das questões interessantes é essa questão seguinte né, que dentro da
escola agrícola se torna muito a questão que é levantada geralmente a questão
agroecológica, e hoje a gente nota que, assim, pelos jovens, nossos filhos tivessem ...
trabalhando lá e estudando, seguinte, que eles vamos ter que mudar de ramo, não pode ficar
aí jogando veneno na terra né, usando só coisa química, dizendo “nós vamos destruir com a
terra, daqui uns dias vai estar um deserto” né, diz que nem esses dias o professor deu um
175
exemplo, mais lá no Rio Grande né, que deserto né, que plantaram, plantaram, plantaram e
não deixaram nada né, então até eu contar “não mas aqui eu planto diferente, aqui se
trabalha, usa-se menos veneno e se coloca, repõe, o que a terra precisa né, adubação verde,
várias coisas né”.
CZ – É assim bastante relativo porque na verdade eu fui educado, me criei na agricultura
depois de uma certa idade é... saí da agricultura, então o meu sistema ainda é aquele mais
tradicional, mais antigo né, e ela a gente já vê o avanço dela com o aprendizado aqui da
escola que já é bem diferente, já assim contribui e bastante pra melhoria dentro do nosso
lote, da nossa propriedade né.
Desde a questão da agroecologia, a questão de como preservar a natureza, tudo isso aí ela
tem assim ... idéias bastante positivas com relação a esse exemplo né, da agroecologia, da
preservação do solo, do meio ambiente, tudo isso aí.
CL - (...) Eu creio que tem outra questão que é...a ...isso nos mostra que tem que discutir
mais ainda com a comunidade algumas questões próprias da construção da agroecologia,
porque normalmente se alguém diz que a gente não revolve a terra ta nascendo picão, ta
nascendo guanxuma, nascendo língua de vaca, essas coisas. É aquela questão, se a gente
implantar adubação verde no momento certo, no qual ela fecha o ciclo e depois você vai
implantar a cultura de interesse econômico ou mesmo de sustentabilidade para o refeitório-
escola, as coisas modificam. Eu diria que a grande questão é a falta de recursos, mas a falta
de diálogo também, e construir essa proposta, fazer seminários, reuniões, seja lá o que for.
1 - d - d) Organização da Escola com a representação dos Pais
CZ – Tô na APP da escola 24 de junho e no conselho deliberativo das três escolas né.
1 - e) Ser educador e educadora numa Escola do MST. Os estudantes e o processo
ensino – aprendizagem.
1 - e -a) Como enxergavam o MST antes de trabalharem na Escola.
176
Ci – Bom quanto ao movimento o conhecimento que eu tinha, antes o meu primo participa
né, então todo mundo tratava assim: bom, eles são perigosos, eles são maus, eles podem
tudo, eles fazem tudo, faz e acontece, eles têm poder na mão e tal.
Muito bem, minha família é dividida né, então têm os a favor e os contra. Então eu sempre
ouvia as duas partes. A parte contra, que é muito curioso: não a primeira coisa que você vai
fazer lá vai ser vão te dar um 38 na mão e você já vai atirar .Uma coisa muito curiosa.
Então eu vim por curiosidade, não vamos ver né, se eu não gostar eu pulo fora, mas não, e
realmente era o que eu imaginava o que eu esperava porque quando a gente resolve
defender o ponto de vista da gente realmente a gente sofre uma discriminação, um impacto,
eu vejo isso talvez pelo fato de eu ser evangélica e na família nem todos serem né, então eu
já vejo ali, e eu vejo assim que a escola tem uma articulação muito forte com a
comunidade, e isso é muito interessante, é muito bom a gente vendo o resultado dentro dos
alunos, tem uma liberdade que forma realmente a pessoa humana aqui.
Bom, tinha um anjinho e um capetinha do outro, daí cada um envia uma coisa até que eu
cheguei aqui e formei o meu – não, as coisas não são bem assim – eu acho que são bem pé
no chão e é o que eu esperava, assim, que eu fosse encontrar para mim resolver ficar.
Ce - Bom quando eu assumi as aulas, que disseram né, que era num assentamento, eu...
assumi, mas depois de ter assumido eu já senti medo, a primeira palavra que o medo é um
fantasma desesperador na vida das pessoas né, então senti medo, disse “ai meu Deus do
céu”, e lá eu conversava às vezes, conversava “vou trabalhar lá no MST, no movimento
dos sem-terra”, “Iiiii... Che, você vai ser insultada, você vai ser jogada, você vai ser
pisoteada, se você não entrar na deles eles já vão te ignorar, você não vai ser bem aceita, os
alunos têm uma opinião própria, os alunos já sabem o que querem, se você não...” sabe...
me fizeram um bicho de sete-cabeças, eu disse “não, tudo bem”, mas como eu sou uma
pessoa que gosta de enfrentar desafios, que na minha vida sempre enfrentei desafios, eu não
tenho medo, e adoro, não gosto de monotonia e não gosto de rotina também, então eu disse
assim... então ser ter algo a mais que eu vou enfrentar e vou desafiar, e quando aqui
cheguei, cheguei bem espontaneamente, alegre, foi no dia seguinte que assumi em Caçador,
no dia seguinte eu vim prá cá já, não sabia onde ficava, cheguei em Fraiburgo bem perdida,
177
perguntava onde ficava a Escola 25 de Maio tinha alguns que me diziam “não sei, não sei”,
eu disse “mas como que vocês não sabem?”, ainda eu brincava com o pessoal na rua, “se a
escola faz parte do município”, aí até que eu encontrei uma menina que estudou aqui, no
ponto de ônibus lá, que estudou aqui, e ela disse “não, eu estudei o ano passado lá”, eu
disse “ah, você vai ser meu anjo da guarda, meu guia, você me levaria até essa escola?”, ela
disse “levo, levo, se a senhora voltar”, eu disse “então vamos lá”. Cheguei e encontrei a
Diretora no refeitório, que ela estava morando ali ainda, daí eu disse “Ah, a senhora é a
diretora? Aqui está a nova professora de língua portuguesa”, rindo já, ela levou um susto
...aí eu disse “assumi as aulas ontem lá” e disse “vou trabalhar aqui com língua português”,
daí ela me recebeu bem, ela foi bem receptiva assim, senti... gostei dela já, é que a gente já
faz uma né... um...faz um... pensar assim da pessoa a primeira vista né, gostei dela, e aí
quando comecei a assumir realmente as aulas aqui eu vi que não era aquele fantasma que
fizeram pra mim, sabe? Eu imaginava, antes também, que a escola aqui fosse ...nem tivesse
prédio, que a gente tivesse que dar aula embaixo das árvores, sei lá, né, que fosse lona, na
minha cabeça tinha de tudo né, daí quando me deparei esse prédio, já tudo uma coisa bem
estruturada, assim, disse “nossa é outra realidade né”, aí quando eu assumi aqui todo o
pessoal do coletivo docente me recebeu super bem né, e aí quando comecei a trabalhar com
os alunos também eu amei mais ainda né, cada um deles, bem queridos, bem amáveis, bem
receptíveis (...)
CL – O único contato que eu tive com o MST foi através da televisão mesmo. Foi visto
alguma coisa, mas...assim, sempre de um jeito, mas não compreendendo direito essa luta
pela terra. Fui compreender mais depois que eu participei da Conferência Nacional sobre a
Educação Básica no Campo e depois fui convidado a conhecer assentamento e
acampamentos, e escolas do movimento também.
1 - e – b) Atividades que qualificam a formação dos educadores/as.
Ca – Tão entregando hoje, assim, tem uma monografia que é... a monografia que é esse
projeto que tá, por exemplo, tem que elaborar ela pra apresentar, defender, e tem outras
atividade como estágio em sala de aula com jovens adultos, estágio com ensino
178
fundamental, com séries iniciais, e até sobre a ALCA que hoje está colocada pra nós que é
um projeto que nós temos que combater também pra...
Cd – É eu acho que o setor assim sempre... a gente pensa ... ampliar né ...porque... esse ano
a gente já teve curso, não lembro que mês que foi, julho, né? (pergunta ao marido que está
assistindo jogo de futebol pela tv), nós fizemos um curso de formação, conseguimos reunir
vários educadores que trabalham nos assentamentos e foi bem legal, assim, tentamos
trabalhar essa questão da proposta de temas geradores né, então foi um momento assim que
a gente pode parar, ver como que estão os assentamentos, tal, e foi um momento que a
gente viu também o quanto a gente tem que avançar né, que o setor assim ele tá meio que
engatinhando, pouca gente pra dar conta, então o nosso coletivo aqui a gente sempre tenta
trabalhar né, independente do setor ou muitas vezes a gente chama o setor né, sempre que a
gente faz reuniões assim o setor tá junto, mas é... a nível de estado assim a articulação é...
Bem... Vamos ver se funciona, em novembro vai sair mais um de formação né, mais
uma...Mais um curso com todos os educadores.
Ca – Acho que é ...foi aqui durante esses quatro anos que estudei na escola agrícola foi
muito importante porque aprendi bastante e não se diferencia muito da escola que eu estou
estudando (Iterra – Veranópolis – RS) porque as duas têm a proposta do movimento que
nós queremos, então com certeza são trabalhos trabalhados com a nossa realidade. Então
com certeza aqui na escola contribuiu mais para mim ter uma visão maior do mundo, da
sociedade, contribuiu bastante pra que continuasse em frente lutando por um objetivo.
CN – Olha eu acho que isso se deu graças ao movimento, porque antes da gente começar
não tinha clareza nenhuma. Hoje graças ao movimento que nós temos, o filho fez o
magistério pelo movimento, né, que ele já estava a par de toda a discussão do movimento
então daí ele foi encaminhado, arrumou vaga junto ao movimento e fez o magistério. E hoje
com o mesmo movimento ele tá fazendo a faculdade né, então eu acho que foi uma abertura
né, porque ele conseguiu encaixar isso, se não fosse isso ele tava até hoje, quem sabe, sem
magistério porque a gente não tinha condição na época né, e mesmo hoje você vai pagar
179
uma faculdade de que jeito? se não fosse assim ele não tinha conseguido, não tava fazendo
hoje a faculdade.
1 - e - c) Alguns aspectos do currículo: estudar para ser também camponês.
Ce - (...) assim...quando falavam que eles (os estudantes) tinham suas idéias próprias
realmente eles têm e sabem o que querem e eu acho que isso é importantíssimo, em cada
ser, não andar com as pernas dos outros, como eu costumo dizer, mas sim com suas
próprias, saber onde vai e onde quer chegar e acho que aqui o movimento, o MST, eles têm
esse objetivo, tem sua opinião né, e eles sabem realmente o que eles querem, mas então pra
mim foi um ...está sendo um trabalho maravilhoso e eu acho que toda aquela, aquele
fantasma que me colocaram assim, não era isso não, né.
CZ – Eu penso assim que... eu gostaria que meus filhos ficassem no assentamento ou
fossem pra outra terra, mas tudo vai depender da vocação deles né, a gente deixa assim, faz
o possível pra que eles estudem e através do estudo eles descubram a vocação deles e, se
for a vocação deles ficarem no assentamento ou na agricultura, ótimo, é o que a gente quer,
mas se eles tiverem a vocação for pra seguir uma outra profissão e conseguirem os estudos
pra atingir esse outro objetivo a gente vai dar a maior força também né.
Ce - (...) em primeiro lugar eu procuro fazer com que o aluno goste daquilo que ele
aprende, porque fazendo com que ele goste daquilo que ele está estudando, daquilo que
você está transmitindo, com certeza resultará em bons resultados, em bons frutos, né, então
trabalho bastante a expressão solta, por exemplo, confecciono livros, eles fazem criações de
livros, escrevem estórias, fazem livros de pensamentos célebres, hã ... vou fazer também...
Confeccionar aqui na escola, um projeto, um jornal... fazer um jornal com eles, trabalhar
também ... um trabalho de música, dentro de todas essas partes de textos de música, eu
passo daí uso a gramática né, interpretando dentro dessa contextualização e... também
quero trabalhar um dicionário de gírias porque eu acho que as gírias está mais na parte dos
adolescentes que a gente vê na nossa sociedade, dos malandros, dos ...né, que usam
180
bastante esse palavreado da gíria, então está no nosso cotidiano, nosso meio, então eu acho
que a gente deve trabalhar. Acho que eu já falei demais, né?
CO – que a gente vê também é a oportunidade que as crianças têm né, porque eu vejo pelo
meu filho né, que nós fomos criados assim, eu... Deus o livre, até hoje, eu tenho uma
dificuldade que se eu chegar no meio do pessoal, assim, e as vezes eles fizerem uma
pergunta, assim, que tem bastante gente, eu tenho aquela pergunta ali ó mas eu não
respondo, eu não consigo responder, aquela pergunta fica pra mim e eu não respondo, e eu
vejo no filho, assim ó, ele pode estar no meio de cinqüenta pessoas, se fizer uma pergunta
pra ele... ele já responde, por quê? Porque ele teve aquela oportunidade desde criança,
desde que ele estudou ali, ele tê feito nós né, e às vezes na cidade conforme, um outro filho
estudou na cidade, lá eles não tem muita chance de fazer uma pergunta, ou...né... uma
dúvida que eles tem né, de dizer olha eu vou levar essa dúvida, ali não, ali as criança tem
aquela oportunidade de conversar com os professores né, Deus o livre de ....
CN – O entendimento é muito bom, comunidade né, uma coisa que já vem há tempo né, o
diálogo, uma coisa muito positiva que tem né, então que a comunidade também contribui
muito né.
CO – Eu acho que não, eu acho que a gente incentiva pra eles estudar mas eles continuar
né, continuar na agricultura e pode até né, continuar que nem no colégio ajudando né,
porque eu, se depender de mim, eu tenho um que tá trabalhando lá na cidade mas eu não tô
contente, o meu prazer era que ficasse na agricultura porque a gente percebe hoje em dia
né, tu criar um filho na agricultura é a melhor saída que tem.
CN – O nosso filho que hoje tá na cidade não é por gosto dele nem nosso né, ele tá na
cidade porque ele não conseguiu uma vaga aqui pra ele encaixar né, na formação que ele
tem, porque ele é técnico agrícola, formado técnico, então imagina, ele não conseguiu e
mesmo pelo governo não ter criado essas vagas, o que eu vejo hoje né, aquele bando de
estudante que se forma e não se tem um local pra recoloca essa pessoa né, que ele consiga
desenvolver aquilo que ele é formado.
181
Ce - Então comecei a trabalhar nessa escola no MST esse ano. Essa está sendo uma
experiência fantástica pra mim, o que me chama mais a atenção aqui é a união. A união, a
coletividade, coisa que em outras escola eu não ouvia falar, eu ouvia falar em unidade.
Sabe, aqui a gente ouve se falar em coletivo, trabalha-se junto, organiza-se junto, faz-se
junto né, então a vitória é conquistada em conjunto, então pra mim isso é uma experiência
que eu jamais esquecerei na vida e foi o que uma das coisas que eu sempre pensei e lutei
em outras escolas que trabalhei sempre pensando voltar o meu espírito pra esse tipo de
coletividade. Trabalhamos para a equipe toda, todos contribuem, trabalhamos junto para
que esse resultado chegasse, fosse de boa qualidade né, então aqui a gente trabalha isso,
então, o coleguismo, um ajuda o outro quando alguém está com dificuldade, eu sempre
senti um braço amigo do pessoal docente também, assim como das crianças. Aquela coisa
meiga, aquela coisa deles virem dar um abraço no professor quando ele está chegando,
quando está indo embora, sabe que em outras escolas que eu trabalhei isso não acontece. O
respeito, uma das coisas primordial, importante também que eu acho, é o respeito que eles
têm com a gente e esse movimento todo, esse movimento todo que a gente vê como uma
parte assim, que se trabalha em conjunto mesmo, trabalha assim diferenciado, então pra
mim a parte principal que eu percebi, foi que me chamou a atenção, foi o espírito de
coletividade.
2 – OUTRAS RELAÇÕES: dessas que ligam a Escola Agrícola ao mundo, ao tempo.
2 - a) Descrição do viver a relação Escola/ Assentamento e Movimento Ca - Essa foi uma experiência de ter que lutar muito em viver no assentamento e passar por
uma escola que é do assentamento - conquistada através da luta dos assentados - sou filho
de assentados que, por isso acho que me ajudou a trabalhar tendo uma visão mais clara de
estar numa escola do MST, e aqui no caso é a Escola Agrícola, é a história do movimento
porque com certeza escola e movimento os dois fazem parte do mesmo movimento. E estar
fazendo parte dessa escola é uma grande satisfação porque a gente com certeza aprendeu
muito e tá aprendendo, uma coisa que não está pronta ainda mas, assim, é um processo que
estamos construindo junto com todas as famílias que estão envolvidas aqui nesse processo.
182
CL – Bom, então terei que levar pra fazer algumas considerações antes. A escola foi criada
com um objetivo e acho que nada mais justo pra gente poder...é....faz com que essa...o dia a
dia modifique ...e...satisfaça pessoalmente a todos os envolvidos. A gente compreende que
a escola foi criada com o intuito de ser um centro comunitário, primeiro, depois de uma
determinado grupo de pessoas associado, associação e posteriormente elas...ela começa a
ter um foco na questão de...é...criar uma escola agrícola, que de certa forma respeitaria os
momentos históricos que ela passou, de 1989 até hoje ela foi se modificando e continua se
modificando. Ela é dinâmica, sempre foi, e a gente tem que compreender essas mudanças
ocorridas nesse espaço de tempo pra gente estar...é...agindo da melhor maneira possível,
então com o tempo você transforma em escola mesmo, centro enquanto escola...é...com a
inclusão das disciplinas agropecuárias ..e... desde o principio, mas modificando o sistema
de produção...se começou a pensar que...que a agricultura do jeito que tava não tinha mais
como continuar, seja por poluição do ambiente, das próprias pessoas também, questão de
doenças, por envenenamento, poluição da água, do ar, a manutenção da terra conquistada,
então esses valores assim, que não são novos, começou a ..a ser melhores, a serem melhores
concebidos e entendidos pelas pessoas. E numa tentativa, assim, de estar discutindo isso
amplamente com a comunidade, a gente vem buscando transformar as ações relativas à
questão da produção e da própria organização dos estudantes também, pra que eles possam
estar cada vez mais junto com a comunidade, quando é possível, pra podermos discutir
realmente o que é melhor pra eles.
Cj – Acabou! (Pronera) Tinha uma migalha de recurso que não dava pra nada e além disso
era uma Pronera... Eu fiz uma critica séria... É... fazia convênio com universidades, com
faculdades, ai que acabava emborsando o dinheiro, reformando os prédio deles... Ó...
Houve sacanagem de todo tipo. Além disso, o Pronera vinha com uma norma, nós tinha que
fazer um calendário aqui... ce tinha um grupo pra fazer um calendário aqui e manda pra eles
lá pra eles te jeito de fiscaliza, que está fazendo tanto, se não tava fazendo tanto, tava
fiscalizando, isso é mentira. O que o agricultor fazia? Quando ele chegava do plantio, ele
tava morto de cansado, chegava a noite ele não ia pra aula, mas o calendário obrigava. As
vezes ele não ia, destabilizava. Não era uma coisa que o povo fazia, o que o povo ia, no
momento certo. Pra eles não interessa se ta morto de cansado e se ce ta numa sala de aula
183
dormindo numa cadeira. Você tem que ta lá. Ele não interessava se você aprende,
interessava que tivesse lá. Era uma... uma... coisa de debate de você criar... Você criar
alternativa em final de semana... era tudo coisas assim que vinha que num trazia nada de
coisas boa de debate , de criatividade... O Pronera era uma imposição. Ele sabe que um
analfabeto, ele já tem dificuldade de entendê o processo, de quem ta encontrando
dificuldade e além disso, o cara ta trabalhando aqui o dia todo, no caso do arado. De noite,
ele vai te vontade de estudar?
2 - b) Comparando essa Escola com outras
Cb – A primeira eu acho é a própria organização deles em cooperativa, como eles têm essa
cooperativa dos estudantes e as decisões que a gente toma aqui nunca são decisões tomadas
simplesmente no coletivo dos educadores, quem define as regras, inclusive, as regras do
jogo, ou o que pode e o que não pode, são os próprios alunos nas brigadas, então isso aí não
existe, né, pode existir aquele grêmio estudantil, não sei agora mas no meu tempo tinha
grêmio também, mas que na verdade não era o fórum de decisão da escola. Aqui não, aqui
os alunos, eles que na forma das brigadas, de assembléia, eles é que definem todo o
funcionamento da escola, o que mais diferencia aqui é isso.
CQ - eu digo assim, o filho do agricultor assim, que mora na roça ou mesmo o pessoal da
cidade que queira uma coisa diferente realmente acho que tem que ir numa escola, digamos
assim, no meio rural pra ver o quê que se aprende, que eu acho que se aprende muito mais
coisa e melhor, né, que se continua adiante, você conhece os dois lados da moeda né, se
tivesse conviver na sociedade dos dois lados, e lá na cidade não ensina, é um cabresto que
tá no currículo e nunca foge daquilo né, então eu acho que é um privilégio pra quem
consegue vir estudar numa escola que nem a Escola Agrícola.
2 - c) Relação Escola – Assentamentos: difundindo tecnologia
CM – Se nós formos analisar a questão da escola em si ela tem várias funções né...
basicamente seria... uma nos... a gente tem buscado várias que além de trazer as disciplinas
normais que é o que a escola esta estipulada pra trazer. Temos a parte técnica que de forma
184
geral estão liberados os dois profissionais mas que não... com toda a estruturação de
equipamento, recursos, mão-de-obra pra que possam ser desenvolvido as práticas não tem,
fica muito deficitário nessa questão mas a gente busca fazer... resgatar essa tecnologia, tipo
assim... de controle de berne ou carrapato num bovino, que é um caso tipo assim de que o
agricultor tem buscado na Loja Agropecuária e pago o recurso, a gente buscado difundir
tecnologia nessa linha na área de... de... proteção das plantas né... de prevenção de doenças,
o próprio controle de erosão ... então são tecnologias que são de fácil acesso aos
agricultores né... tecnologias sem... custo basicamente zero né... e que o aproveitamento
né... dentro da porteira, o que a gente chama de os recursos internos da propriedade. Evitar
o máximo de ir nesses casas de agropecuária buscar coisas por exemplo, de... adubos que
muitas vezes nos podemos tá aproveitando o esterco da própria vaca que defeca 12 quilos
por dia e que se a gente for acumulando ele, vamos chegar com um valor x no final do mês
que pode ser utilizado na horta né... nas culturas mais direcionadas.
2 - d) Exemplo de como as aulas práticas contribuem na produção dos lotes das famílias
assentadas
CM - As famílias de uma forma geral tem falado isso que tem algumas coisas que eles tem
experimentado. Um ex-aluno que nos desenvolvemos uma pasta de alho pra controle de
berne... e aí ele disse deixa eu levar pra casa que eu quero experimentar no boi do meu pai,
então ele pegou e levou, daí 3 dias veio falando, realmente os bernes sumiram todos do boi,
mas então você percebe que eles estão aplicando né...
2 - e) Dificuldade Escola – Assentamento
CL – Talvez a dificuldade maior é...é se tentar aliar aquilo que o movimento mesmo coloca
enquanto materiais didáticos, pedagógicos, no sentido...falando enquanto escola...de uma
transformação do meio rural, seja através da...as ecologias, nas novas relações, construção
dos novos valores que, de certa forma... não dá para dizer que a escola compreende isso e o
assentado não. Mas esta dificuldade de construir, ela existe até porque a gente compreende
185
que as pessoas tem um jeito de pensar diferente e a gente tem que continuar trilhando o
caminho aí...não é tão fácil, mas também não é impossível, a gente tem que continuar
trilhando. Acho que cada dia a gente faz alguma coisa, né? Seja ele em que situação for.
Ca – Eu acho que lá têm alguns casos mas como eu falei, a maioria são do assentamento,
então já têm uma visão maior do movimento, da pedagogia do movimento, mas no começo
com certeza teve alguns educandos que tinham dificuldade em entender o processo da
proposta do movimento e com certeza aqui a escola, não sou só eu que estou estudando lá,
mas que têm cinco educandos que estudou aqui e está estudando lá, na mesma turma.
Então com certeza ajudou muito para andar no processo da escola que está funcionando
hoje, que é também um processo que não está pronto, que sempre estamos andando,
construindo junto.
CL - (...) Eu diria que, hoje é a falta, pode parecer um tanto estranha, mas eu diria que é a
falta de tempo pras pessoas se reunirem. Eu acho que a escola nesse 5 anos que estou aqui..
muitas coisas aconteceram e estão acontecendo... o envolvimento das pessoas em...em
diversos segmentos de atuação da escola... nunca esteve parada, mas neste anos, ainda
mais, há muita coisa pra fazer. Falta um pessoal lutar pra tentar se reunir mais. Claro, não
transformar em reuniões de cunho nenhum de discussão, mas... o pessoal tem tido muito
pouco tempo pra parar e discutir seus próprios problemas.
Ca – Desde o tempo que eu estava estudando aqui a escola, com certeza, está num espaço
adequado porque os educandos estão aprendendo, que uma das formas é cooperativa que os
educandos têm, isso contribui muito para que avance o processo e, uma das que está sendo
muito importante aqui na escola agrícola é a questão de trabalhar a terra que é o jeito que
está sendo funcionado, com certeza, combate o sistema capitalista, que é trabalhar através
de ... Agroecologia então isso proporciona uma visão maior para o uso do campo, da forma
que é trabalhada, então ajuda eles a ter a sua auto-organização e com certeza com isso o
ensino vai se tornar bem mais fácil, bem melhor, porque eles vão estar ajudando a construir
a escola.
186
Cb – Eu vejo que a escola aqui ela sempre foi referência do movimento, até aquela própria
proposta que a gente teve de desempenhar e ... assim, como que eu vejo isso já, agora o
desafio do 2o grau também, né, muito importante, pra nós aqui é uma conquista, tanto pro
movimento como para a comunidade é uma conquista muito interessante, e a escola é um
espaço muito importante dentro do assentamento, porque aqui a gente pode estar
difundindo o pensamento, essa questão da Agroecologia, que a gente trabalha bastante,
procura desenvolver aqui com os alunos é uma forma que acho que a gente tem pra fazer
esse contato com a comunidade. Claro que eu acho que a gente não consegue fazer isso
completamente, ainda tem bastante dificuldade em conseguir fazer esse vinculo né, escola-
comunidade, falta ainda a gente sentar pra ver mais pais, e umas coisas que não tem
estrutura suficiente também se for querer trabalhar com a questão da Agroecologia e tal,
nós mesmos a gente trabalha muito a questão teórica, mas a questão prática, pra ficar mais
clara, aquela coisa tu ver pra crer, tá bem um trabalho de formiguinha ainda, tem algumas
coisas que a gente faz ... que eles possam ver, que desse trabalho para os alunos, os
biofertilizantes, o composto que agora aqui na serra tem um projeto para trabalhar com
plantas locais, tentar construir um minhocário, depois chamar os pais pra ver e tentar
conhecer mais, o que é um minhocário, pra que serve, mas acho que a gente ainda tá bem...,
tem que avançar bastante nesse sentido.
CP – É, que daqui até o fim do nosso assentamento ali, por exemplo, não tinha transporte
pra cá, se fosse o aluno vir aqui tinha que caminhar 5 km a pé, enquanto isso o ônibus
passava na porta da casa. (...) jogada do Prefeito, é.
CP – Eu não sei se haja um problema dele estudar na cidade ou como os pais também não
tão porque os pais sabem que na cidade é muito difícil, o pai tá em casa, o filho tá lá na
cidade, não sabe se tá na aula, como já aconteceu fatos aí do diretor chamar e dizer assim
“o seu filho vai reprovar por causa de falta” e daí disse “mas como ele não faltou nenhum
dia”, mas só que não ia na aula e o pai não sabia né, se fosse aqui o pai tava sabendo direito
se tava ou não tava, porque o pai não pode todo dia precisar né, menos uma vez por semana
ver se o filho tá lá não.
187
Cd –O que teve agora foi em Chapecó, tá centralizando mais em Chapecó né, daí tem agora
o seminário lá né, então vem o ônibus, leva a gente pra lá, e a gente fez esse tema gerador
daí aqui nós fizemos um só do coletivo que foi mais essa proposta de Projeto de Trabalho
né, que daí veio o pessoal do Autonomia (Escola Particular de Florianópolis) pra dar uma
assessoria aqui, então acho que esse tipo de curso pra nós é muito importante né, a gente
pode tá tendo condições de tá fazendo esse tipo de curso pra tá amadurecendo porque
também não adianta a gente fingir ou dizer que tem uma proposta diferenciada e não
procura modificar, que tem muitas coisas a gente acaba caindo no tradicional e aí que a
gente vai ter que tentar estudar né, chamar pessoas pra tá contribuindo pra gente fazer...
Claro que muitas coisas já têm né, as vezes a gente acha que o grande problema nosso é
muitas vezes não registrar muita coisa que acontece, essa questão do registro é bastante
importante, e... Aquilo que não acontece a gente vai ter que fazer acontecer né, se realmente
a gente quiser ter uma escola diferente.
2 - f) Relação com a Escola da cidade
Ca – Era a Escola Gonçalves Dias. Ali a gente percebeu a diferença entre uma escola pra
outra porque ali o professor chagava na sala de aula e dizia boa noite e pegava o caderninho
e escrevia no quadro e tinha que obedecer tinha que ficar sentadinho na fileira um atrás do
outro, olhando um o pescoço do outro e deu, então só esse jeito já coloca que aqui é
diferente do objetivo do sistema burguês, podemos dizer.
Ca – Eu me senti bem, assim..., excluído, na verdade, porque eu tinha uma visão e... num
momento eu colocava a experiência do assentamento, a experiência da escola, mas nem
sempre porque os próprios alunos não tinham uma visão crítica, que pra eles, eles tinham
aquela visão do meio de comunicação, do sistema mesmo, que coloca pras pessoas, não que
ela seja culpada, mas sim a estratégia hoje do capitalismo é isso, enganar o povo, fazer com
que o povo acredite nas coisas e aqui eu fiquei assim excluído, era diferente daqui porque
aqui a gente era tudo unido, tinha uma forma diferente e lá não, lá é cada um por si e Deus
por todos. Deu pra entender um pouquinho o jeito da escola tradicional. Na verdade tinha
um. Tem uma professora, a Márcia, que era de matemática, mas mesmo assim tinha o
188
método tradicional, assim ... ela já compreendia mais o movimento, acho que já andou
estudando, mas não era a mesma coisa como educadores da escola agrícola e posso citar
aqui um exemplo, foi o primeiro, com certeza ajudou muito a minha formação para que
fosse adiante, fosse em frente pra estudar mais e saber mais, com certeza a gente nunca
sabe tudo né, assim sempre está em constante a formação, constante movimento, que é o
movimento hoje.
2 - g) Conselho das Escolas
CP – Hum hum. Freqüência? A gente vem sempre quando é possível, tem reunião, alguma
coisa, é chamado, né, inclusive foi assim....ajudar a fazer o barraco eu não pude porque não
deu de vim, a freqüência é ...que eu sou da direção da APP, fazendo nossas reuniões
também junto da 12 e da Nossa Senhora Aparecida
2 - h) Mutirão
CP – Mutirão pra falar a verdade eu participei pouco, a gente só faz mutirão, por exemplo,
às vezes um vizinho ajuda o outro né, vamos plantar feijão, bater feijão, que na verdade eu
sempre me criei em forma de mutirão, quando eu trabalhava com o meu pai cada um
plantava sozinho mas na hora da colheita era todos os irmão, tudo junto né, que não adianta
um só trabalha sozinho que, trabalha e olha pra trás e não vê nada, como nóis era em sete
irmão nós pegava os irmão e em poucos dias ou em um dia terminava, se fosse só em uma
pessoa ia uma semana inteira não terminava.
CP – É, tem casos aqui, já deu uma época aqui que o mutirão deu 36 pessoas.
É ...é... sério mesmo, foi que rocemo tudo ali, nada, ficou... sem sabe o que fazer de tanta
pessoa que deu.
CP - Um conselho geral, que não adianta, vamos dizer, nóis lá decidir vamos fazer uma
festa se a gente não sabe, quem sabe aqui no outro dia, na outra semana, vai ter uma festa
aqui também.
189
Ca – É no acampamento tem várias atividades, por exemplo, como essa que eu falei o
estágio que eu tô pensando em fazer lá que é uma esperança muito boa que é com certeza a
gente vai estar adquirindo lá com o povo e a sobre ALCA que a gente está torcendo e a
monografia também porque é um lugar que eu vou estar convivendo o dia-a-dia então tem
que estar estudando lá e até mesmo contribuir com o acampamento, ajudar se for possível.
3 – Formação no ITERRA: um lugar distante e tão presente. 3 - a) Conteúdo ensinado em Veranópolis - RS / Motivo de ter escola do MST
Ca - Então lá a cidade vários temas que a gente tem uma clareza maior do nosso mundo,
por exemplo a cada dia aprendendo mais, até inclusive esse sistema capitalista que está
colocado para nós, então, e onde já viu acho que nós entendermos isso o que está
acontecendo ao nosso redor, o que com certeza vai depender de cada um de nós, para que
nós possamos combater ele, o capitalismo, que é muito difícil que tá hoje, que tem uma
estratégia de dominar o povo e para isso nós precisamos também ter nossa estratégia para
saber como combater e, então, a escola proporciona isso para os educandos, porque com
certeza só estudar, no caso, história dentro da sala de aula é importante, mas com certeza
precisamos estudar mais o que está a nossa volta. Se nós ficarmos só dentro da sala de aula
e não compreendermos o que está a nossa volta a gente não vai servir para combater e nós
queremos mudança, e para isso nós temos que estar sabendo o que está acontecendo no
nosso dia-a-dia, ao nosso redor. Então a Internet com certeza proporcionaram vários
resultados, tá compreendendo o assentamento, o movimento dos sem terra, até a questão
das escolas, é uma troca de experiências mesmo, que com certeza é muita informação que
precisamos hoje estar buscando pra poder mais tarde com certeza ter algumas formas pra
mudar a sociedade, e para isso precisamos buscar conhecimento, mas não é só buscar, com
certeza, mas sim nós temos que mostrar a prática, que é bastante colocada para nós, porque
com certeza só o discurso não vai mudar, mas sim o que vai mudar vai ser a prática.
3 – b) Estudando em Veranópolis-RS
190
CQ – Eu fiz até o segundo grau técnico em administração de cooperativa na escola em
Veranópolis, na escola do Movimento dos Sem-Terra. Eu comecei na primeira turma né e
terminei na segunda turma né, que se formaram lá.
Na verdade nós trabalhamos muito tempo lá de pedreiro construindo a escola, uma escola
para nós.
CQ – A escola, onde é o seu local foi doado pelos freis, né, e daí nós assim... foi adaptado
né, realmente pra que se tornasse uma escola hoje né, num nível que se tá hoje, com
indústria e tudo, onde você realmente aprende de tudo um pouco.
CQ – É foi só eu da região aqui, digamos que daqui só tem eu de gente da primeira, depois
da terceira turma e da quarta.
3 - c) Tempo Escola – tempo comunidade: característica do Iterra.
Ca – Nessa escola é estudado durante o ano é por etapas, então cada ano tem duas etapas,
cada etapa é dois meses, aproximadamente, porque se chama tempo-escola então a gente
volta durante..., vai lá dois meses, volta, que daí é a comunidade que chama, é a mesma
etapa, só que chama tempo-comunidade e aí é designado várias atividades e assim vai
durante 13 aulas.
3 - d) Escola do e no Assentamento/ Relações entre Veranópolis e Escola Agrícola
Ca – Todos que estão estudando em Veranópolis são educandos do assentamento ... que
não treinam pessoas que não são do assentamento, e com certeza todos têm uma visão
maior do que nós queremos e nós estamos sendo formados para isso e cada um de nós
temos muitos limites, muitas dificuldades, mas que lá a gente aprende até superando isso
porque com certeza tem um tempo que proporciona isso pra nós, um exemplo que é a
crítica e auto-crítica feito por etapas e nisso a gente com certeza avança porque aponta na
ferida dos limites nossos e com certeza vamos mudar o mundo a partir de nós começar a
perceber o que nós estamos fazendo pra mudar, então o primeiro passo nós temos que
191
começar por nós, e isso é proporcionado, que é feito essa discussão diariamente nos núcleos
de base, tal, então é isso.
4 – Problemas e desafios da vida nos assentamentos: relatos de vida e luta, memória e busca de identidade.
4 - a) Sobre o que é ser Sem Terra...
Ca – Prá mim sem-terra é ser povo, porque ser sem-terra é ter uma clareza, ter um
objetivo, que prá nós com certeza esse tema opressor que está colocado prá nós não
serve e ser sem-terra prá nós significa-nos ter dignidade, ter a vida, porque hoje a
sociedade não propõe prá todo o ser humano hoje, então ser sem-terra é com certeza
transformação do país, é ter terra, ter saúde, ter educação, enfim, é ter o direito que as
pessoas têm e com certeza ser sem-terra é ter uma identidade que hoje é uma identidade
com objetivo e clareza onde quer chegar.
CP – A escola no assentamento é tudo, porque aqui é onde a gente discute, avalia, nossos
filhos estudam aqui e a escola aqui é onde todo mundo tem vez, voz, tanto o aluno quanto
os pais também que decidem.
Cd – Olha, eu vejo que pela proposta que se tinha do governo federal principalmente com
relação a assistência técnica, ela... fica difícil de construir um trabalho a longo prazo, que
mesmo o trabalho da assistência técnica se for avaliar ele teria que ser um trabalho bem
mais planejado, uma coisa assim que tivesse um tempo maior para ti poder desenvolver um
trabalho, trabalhar com menos pessoas, daquela forma como foi falado que um agrônomo
tem que atender 200 famílias inviabiliza um trabalho mais direto, diretamente assim, então
fica muito aquela coisa de bombeiro né, de ficar apagando o fogo, eu nesse tempo todo que
trabalhei na assistência técnica não deu pra ver, assim, que a gente conseguiu fazer grandes
mudanças ... Teve assim algumas coisas, por exemplo, essa questão mais agroecológica,
conseguiu fortalecer alguns grupos, mas o que eu percebo é assim, que com os alunos a
diferença é que tu consegue trabalhar num projeto um pouco mais amplo e tentando fazer
coisas mais concretas, que com os alunos pega eles aí desde a 5a série e quando chegar na
192
8a série já conseguiu construir um monte de coisa, por mais que ainda a prática esteja meio
um pouco debilitada, que não consegue trabalhar tudo assim dentro de sala ou com os
alunos, mas eu acho que possibilita um avanço muito melhor porque eles depois vão estar
conversando em casa, passando para os pais e eles que vão um pouco desmistificar essa
coisa de como os pais aprenderam, eu vejo que para os pais pra ti tentar colocar uma
proposta diferente eles têm muito daquela coisa: ah meu pai fazia assim, meu vô fazia
assim, né, então tem a questão cultural muito forte, e os alunos não, os alunos têm aquela
idéia que os pais faziam né, só que como a escola tá mostrando um outro tipo de trabalho
que tem, como fazer diferente, eles acabam já entrando num novo sistema, então eu vejo
que é bem mais ... não digo que é mais importante, mas eu acho que é mais garantido de
conseguir uma mudança que se pegar um agricultor que tem 40, 50, 60 anos já, que se criou
numa agricultura, produzindo daquela forma, então parece que mudar a questão da matriz
tecnológica que a gente sempre discute bastante é bem mais difícil, consegue assim, pegar
alguns mais pela questão financeira, que já veja, que já sentiram, pelo menos pelo que eu vi
no trabalho que fiz, que aqueles agricultores que aderiram à proposta é porque não viam
outra alternativa e porque já não podiam mais usar veneno assim ... porque viram que o
dinheiro só ia para a agropecuária (loja) e para eles não retornava nada, né, então alguns tu
consegue mas aqueles que não acreditam muito é mais difícil.
CM - (...) ponto de vista da idade das crianças não tem muita influência na família ... nessa
questão de propriedade é o pai que tem essa resistência ... é eu quem sei...eu que tô aqui...
eu que vou fazer ... algumas coisas consegue é... desenvolver ... eu acredito que isso seja
mais importante pra vida deles ... no futuro quando eles estiverem administrando suas
propriedades podem resgatar, quer dizer ... ao mesmo tempo ajuda a construir que linha de
ação eles vão atuar no ensino médio e na universidade. Podem interferir mais a frente para
construir tecnologia ... não pode tá... acho que isso é o melhor na formação da consciência
desses adolescentes.
Cj – Então interessa o que você vai fazer com essa terra, mas é interessante uma coisa que
eu falei... É... Que nóis precisava aprender. Foi a escola que a educação não era até a oitava
serie, mas sim a necessidade de estudar... Pa todos os pais terem... aqui é interessante, o CL
193
é prova, todos os professores provam, não tem ninguém fora da escola. Além da oitava
série, tão continuando. Agora tem o segundo grau aqui, mas primeiro ia pra cidade. Tem
gente fazendo faculdade no Iterra. Certo? Então foi uma coisa assim, bem que o pessoal
aprendeu. O outro lado que você tem que ter claro que o nosso projeto você não faz só com
os adolescentes e com as crianças. Se não tiver esse vínculo de educar todo mundo num
mesmo momento ai da essa contradição que eu to falando agora: que o filho fala, mas o pai
não ouve. “Hahhh... criança sabe o que?” (imita voz de reprovação ligada a essa fala)
Estudar ecologia e preservação todo dia, aprenderam na escola, mas não, ele não consegue
colocar na propriedade porque não é ouvido. “Ah é meu filho? Deix... hahahahah...ta”
(imita voz característica desse desdém) . “Ah, mãe, então não precisa... então ta bom”
(imita voz de criança). Pudesse ver umas outra coisa que agora a gente já discutiu nos
núcleos que vai levar, que é esse debate com... com os adultos, certo? Então outros tão
fazendo uma pesquisa... Pesquisa pra fazer em vez de pegar gráfico da... das empresa de
pesquisa do governo, senta o pessoal pra fazer um gráfico... Aqui ... De uma pesquisa real,
a partir do assentado. Qual foi a interpretação de muita gente? “Ah... O que que adianta
ser professor lá, se vem perguntar pra nos o que tem que fazer?” (imita voz de reprovação) .
Porque ele não tinha entendido que ele tava sujeito ao processo de fazer aquela....aquela
coisa ali lidar certo com época de plantio, e... Época de colheita. Essa gente criou toda essa
coisa de fazer uma atividade. Então ele avançou mais a criança, então ele precisa agora dá
uma equiparada no entendimento com os adulto... Que você não educa só as criança ou só
os adulto, cê tem que ter um nivo (nível). Que é nessa parte ... nessa parte é culpa nossa,
não é do professor, é culpa nossa de liderança faze com que essa coisa seje... que agora ta
fazendo... é... foi feita reunião em todos os núcleo pra discutir pra discutir escola. Nóis do
regular do núcleo discutiu.
4 - b) Antes e depois de serem Assentados: o que melhorou ?
CR – é também os outros assentados também não muda muito, como diz a nacional
organização né, trabalhando mais a questão da propriedade dele né e na organização ele
fica um pouco de lado um arrocho, a situação tá aí, coisa implantada aí que faz o cara se
espernear de todo jeito, lógico que eu acho que o assentamento muda... comparar né ... do
194
jeito que a gente era antes né, enquanto hoje se você tem onde morar você tem alguma
coisa né. Então se pensar, se olhar pra trás vê que deu um salto de mil por cento né, não dá
nem pra comparar com o que você era antes.
Eu era um arrendatário sem-terra mesmo, então hoje tem onde morar, tem onde meus filhos
trabalhar, tem tudo isso né, então se o cara olhar o que conseguiu ... dentro do assentamento
o que se tem hoje né, tem muitas outro ... não dá pra dizer um grande capital mas tem
muitas coisa né que não tinha, se criou uma comunidade também que ... onde moram 24
famílias que tão aí né, coisa que não existia, era de um proprietário só, não morava
ninguém, tinha um capataz jogado aí e mais nada, não se produzia nada, hoje tem 24
famílias que vive daqui né, sobrevive daqui.
Cd – Eu acho assim que... para os assentamentos né, pro assentado a escola é uma
conquista muito grande né...pra eles, então eles vêem a escola como o espaço deles né, que
eles esperam que a escola de a formação pros filhos deles, né, então por mais que às vezes
tenha alguns problemas políticos né, ou alguma coisa assim mais de liderança, tinha alguns
problemas assim né, dificuldade na coordenação do assentamento, o próprio convívio com
o MST né, lá foi bastante complicada assim com relação aqui né, eu vejo ... sempre o
pessoal procurava bancar né, tanto que lá também quem escolhia os diretores era a
comunidade né, até um certo tempo né depois aí a coisa mudou lá se for comparar com aqui
né, se for avaliar talvez as reuniões que a gente tem feito também né, o ano passado a gente
fez uma rodada nos assentamentos né de reuniões hã eles acreditam muito e confiam muito
nesse negócio da escola e tal, claro que sempre tem algumas exceções né, tem pessoal que
manda o filho pra cidade isso aí é muitas vezes o próprio sistema que acaba colocando na
cabeça das pessoas que na cidade é melhor do que aqui, mas eu acho que a gente já
conseguiu assim, ...Conscientizar bastante isso aí, pelo menos nas reuniões que a gente faz
a gente percebe que o pessoal tem bastante...Só cobra bastante esta questão da produção né,
tem aquela idéia - não a escola agrícola tem que produzir, tem que produzir, não
conseguem entender também que não é fácil, quem que vai produzir, não tem o seu, seu ...
o Estado não banca, não ...não ...não tem, não assume a escola como agrícola né, como que
a gente vai tocar? é complicado, é complicado.
195
CP – O que eu penso hoje pela política que tá aí apesar do Lula dizer que é do trabalhador,
eu tô com o pé atrás, porque se o governo não olhar um pouco, não tanto os assentados,
todo o pequeno proprietário, olha tudo vai se acabar, que não tem assistência técnica, não
tem recurso, porque hoje em dia precisa ter o mínimo de recurso, só pra turma
comprar...porque hoje a maioria dos comerciantes tão vendendo pra pagar na safra, então
tão cobrando muito mais caro e cobrando juros, então o lucro tá ficando quase tudo pros
comerciantes, se o governo tivesse uma política agrícola justa, que desse condições... Coisa
mínima, R$ 2.000,00 só pra comprar o adubo, apesar que hoje nós tem que pensar que a
gente tem os recursos naturais né, mas só que muitos ainda não estão nesse recursos
naturais, por exemplo, o ano passado eu mesmo fiz o adubo, que eu aprendi com o CL , só
que aperfeiçoei um pouco mais a tecnologia e fiz 16 sacos de adubo, inclusive colhi 103
sacos de feijão, agora eu vou colher acho que uns 170 de milho, tudo com adubo que eu
mesmo fiz.
Cd – Eu vejo que eu acho assim, eu acho que sim, pelo pouco né, eu posso tá meio que
chutando ainda isso né, mas pelo que eu percebi a cobrança maior nos assentamentos é a
questão da produção, eles acham que a escola aqui tem que produzir, tem que produzir, e
até muitos ...os pais ...tem alguns ... que claro que não é generalizar né, pra alguns e outros
ainda tem aquela - não meu filho quando vai lá tem que trabalhar né, não pode deixar na
moleza né, e outros já não, acha que o filho não pode trabalhar então, né, cria aquele ...
Cd – Muita controvérsia. Em relação a esta questão eu vejo assim que até a minha ... minha
postura né, frente a essa questão de ter vindo da assistência técnica né, pelo menos a minha
formação é agronomia e tal e daí eu tô trabalhando aqui eu assim, tô gostando muito de
trabalhar porque, justamente porque eu consigo ver né, alguma coisa mais a longo prazo e
pela forma como a gente trabalha e aquilo que a gente quer na escola é justamente formar
pessoas né, que sejam críticas, que saibam avaliar as coisas e não simplesmente reproduzir
as coisas, eu acho isso aí na formação do cidadão realmente, né, responsável e que saiba
das coisas, acho que a gente tem que ter isso né, tem que ter princípios que desenvolvam
essa criança e não simplesmente tá passando conteúdo ou querendo que ele saiba né, às
vezes 80, 90% do conteúdo pra poder passar mas que não saiba pensar né, acho que o
196
fundamental é que a criança saia daqui sabendo pensar, sabendo argumentar frente aquilo
que aparecer pra ela né, e é um desafio isso, tanto pra nós educadores como pra eles
também né, porque pra gente tentar fazer uma coisa diferente, uma proposta diferente
também depende da gente tá estudando bastante, pra poder fazer esse tipo de coisa porque
é muito mais fácil pegar lá um livro didático e trabalhar com o livro didático, acho que isso
daí a gente, pelo menos que a gente percebe que todo mundo tem essa vontade de fazer isso
né, de tentar construir um... um aluno, um homem, uma mulher que tenha essa capacidade
né, de saber pensar, de saber refletir, saber argumentar o porquê das coisas, entende, é
que... é que ...se a gente for avaliar a forma como a gente aprendeu pelo menos foi assim
né, tu sabe que... que 2 mais 2 é 4 mas né, não tem...tu tem aquela coisa muito mecânica né,
não é uma coisa assim bem ... Hã...Dinâmico, que tu saiba o porquê das coisas.
4 – c ) Memória da luta
Cg – Mas, que isso...desistir...
CF – Acho que a luta nunca vai acabar, né? Nóis que tivemo aqui no movimento, nós tem
que tá contribuindo para que todos tenham seu pedaço de chão, sei que é difícil, quem tá na
cidade lá e não tem feijão pra ponha na panela, né? É importante que todos tenham o que
comer.
CF – Valeu ter lutado...
CF – Se nós não tivesse no acampamento eu não sei onde nóis tava na cidade ou... nós não
tinha terra pra... Mas agora nós temos. Dois alqueire de terra, mas nóis temo.
CH – É, porque quando nos chegamos no assentamento, né? Então não tem uma
comunidade certinho, que é a Faxinal dos Domingues, né? E ai quando saiu o
assentamento, seis meses antes do nosso, da Faxinal Um, né? Já, já ganhou o nome de
Faxinal 1, né? E ai quando surgiu o assentamento dali seis mês, o assentamento nosso, né?
Foi já Faxinal Dois por causa dessa comunidade que chama Família Domingues, que era
197
grande e que morava na região, né? E ganhou o nome de Faxinal dos Domingues, o nome
da comunidade deles ali, né? E ganhou o nome de Faxinal dos Domingues, o nome da
comunidade deles ali, né? E daí o Incra trouxe esse nome, Faxinal Domingues Um, Faxinal
Domingues Dois, então é isso ai, né?
Cj – Certo. Então pra... Eu de... Assim... Entender um pouco. A gente entrou... É...
Quando entramos no assentamento nóis tava um ano e pouco no acampamento. Já tinha
comido tudo que tinha e dependia de cesta básica. Qual era angústia? Terá (terra) pra
planta, pra come e pra você, sobrá uns trocado comprá roupa e calçado. E ai a gente não
ligou na época pra essa questão da preservação e desmatar, é fazer, é fazer roça. Nós tem
que mostrá que nós é trabalhador, que nós tava depredando, que nóis não tava acabando,
não. Nós não tinha noção. A história foi fazendo a gente aprender . Não é uma coisa que
você... Alguém dita a nóis e que é tudo assim. Uma outra questão também que agora pra
responder a pergunta da descaracterização: a volta do precisa pega, não precisa pega, é
discutir menos e trabalha mais.
CH – Vários nomes por uma votação, e onde ganhou esse nome. E ai tem o Faxinal Um que
é União da Vitória, né? E faz parte de uma luta esses nome, né? Então quase todos os
assentamento nosso que nós temo que foi montado no Brasil inteiro tem um nome que fala
da coisa da luta, né? E... Então por isso, É então nós achemo esse nome, né, que é nóis
passou por uma luta, né? Ai é em linha, então linha Vitória da Conquista, que foi colocado ,
né?
Cj - (...) Em oitenta e quatro o José Fritz, que hoje é ministro, disse para nós: a própria
transformação da sociedade viria de quem não tinha nada. Isso mostrou com a prática que
não é verdade e quanto mais o pessoal é acuado e menos recurso tem e menos produção
tem, mais ele se apega ao trabalho e menos à organização e discussão. Essa estratégia o
Fernando Henrique usou com muita eficiência... Era acabar tudo que ali ele travava luta.
Em relação a recurso, o governo federal sabia claro, inclusive jogavam na imprensa um
monte de porcaria que nós cobrava pedágio, que nos cobrava quatro porcento. Quatro
porcento era uma discussão de todo mundo pra contribuí para a luta continuá. Quatro
198
porcento do recurso que pegava e contribuía e a luta continuava. Nós temo exemplo claro:
nós quando viemos pra cá contribuimo com quatro porcento. Aqui dentro de Fraiburgo hoje
nós já temo ... com seis assentamento, sete assentamento. Então estes quatro porcento fez a
luta continuá. Ele vetou os recursos dos assentado. Ai uma outra coisa que o governo
percebeu que quando mais família assentava, mas o movimento ficava maior. Que ele
achava que assentada, as família, todo mundo se acomodava e nós começamos a trabalhar a
questão da consciência que a luta era... era de classe que nós tinha que continuá. Então uma
das coisa era não assenta, a outra era desistabilizar a questão do assentado que era não dar
recurso. Pra eles eles fica patinando, não podê investir. Enquanto isso não se tinha muita
produção e muita gente teve que trabalhar ate de bóia-fria, né?, em certos momento pra
trazer a subsistência da casa, né?, em algumas coisa... É remédio, alguma coisa, não
comida, né? É remédio... E então foi desestabilizando e enquanto isso ele desestabilizou a
organização enquanto nós não pegava recurso, nós não contribuía com os quatro porcento.
E o movimento ia se acaba a partir da gente não tivesse nenhum recurso pra continuar a
luta... É... Então são coisa técnica essa influência do cara, a influência do governo. Essa
sacanagem que o governo fez, ela desestabiliza. Ai o que muita gente hoje tem feito? Ele
qué trabalha, ele qué fazê uma coisa maior, ele qué faze mais porque ele precisa de mais
dinheiro e começa a pensar nele e no capital e não pensa mais no coletivo que seria todo
mundo junto na luta. Você conquista, ce conquista, e a partir daí o coletivo ir fazendo um
novo projeto. Então isso desestabiliza. Queria ou não, o governo desestabilizou com uma
coisa muito bem aperfeiçoada que até inclusive é... No início do governo Fernando
Henrique, no primeiro mandato em dois anos houve um discurso no banco estadual que
esse era um governo incompetente, e que depois a gente foi vendo que era o... Era o mais
competente que tinha... Pra fazer o lado nós... Pra nós dizer que ele era incompetente era
uma loucura e o cara tinha uma competência do cão. Usou da mídia para desfazer, usou de
todo mundo, né? Colocou o Incra, tipo assim, ao invés de ir lá no assentamento, ele ia pegar
alguém que não tava muito simpático de contribuí com a luta pra faze denuncia... Fazer
denúncia contra o movimento. Ele ia lá e além disso, ele dizia o seguinte : não contribuí
com esse quatro porcento porque isso é roubo.”O dinheiro é teu, não faça isso”. Ele
desestabilizava, o capital pra ele era desestabilizando a questão política. Então por isso que
a contribuição não é uma contribuição obrigada e nem uma contribuição que e o cara vai
199
dar por... E... que acredita que vai fazer falta pra ele. As conquista vinham, mas a partir
dali, as luta de classe terminaria... É... Acabou assistência técnica, certo? Acabou, ma
acabou com tudo! Alfabetização de adulto não teve mais, ce vê, foi todas as política que
era as conquista que nóis já tinha, foi eliminando tudo. Todas, todas, todas. Ai nós fazia
novos acampamento. Ficamos tendo gente há seis anos e meio debaixo de lona. Ele não só
desfez, mas toda vez foi travando, travando. Daí quando passou dos seis anos e eles
debaixo da lona, se ia lá convida o outro pra gente continuá a luta e ele dizia, ”mas, p., isso
faz três anos e eu não vou me submeter mais... Quantos anos eu vou me submeter mais?
Quantos anos eu vou ficar mais debaixo de uma lona?”. Quer dizer, criou um medo naquele
que não tinha vindo ainda. Ficou difícil de você fazer a articulação.
CH – Não. Ué ai nos escolhemo um nome, né? Na verdade da... Da nossa comunidade que
chama Vitória da Conquista.
Importância do núcleo
Cj – nós sempre discutimo e reunimo tudo em família, tudo por proximidade, né? Porque
ele é, ce não vai fazer não mais também do que oito ou nove famílias. Tem núcleos ai que
tem até doze famílias. Depois cê acaba se ajeitando. E quando você ajunta um montão de
gente, quatro ou cinco discute e o resto fica ouvindo. Se você junta muito pouquinho...
Então tem que te um... São propostas que vão ta em discussão. Tivemos com quatro
família, tivemos com nove sem nenhum problema. Os núcleo tem uma... ma... uma coisa
interessante que... o núcleo funciona quando tem alguém que a liderança que consegue
arrepassá a proposta... Quando não tem, se tu faz um núcleo que não tiver vários
organizador e você tem que fazer pra eles dá gosto lá na reunião, mas se ele não tiver as
condições de repassar, o núcleo nunca funciona. Chegam lá e ficam assistindo um negócio
que ninguém, ninguém quer assunto maior. As vezes um questionamento não traz resposta.
(...) Não temos, temo que discuti com ele., planejar com ele que agora a gente ta fazendo
essa discussão com o núcleo, mantemo nosso núcleo sem analfabeto que nóis do
assentamento pode contribuí com quem não pode. Tem um projeto desse núcleo... Eles que
tão dizendo o horário, aonde, como e o tema.
200
CL – Através de diálogos, através de muitos diálogos. Creio que assim... pode ser que
venha alguma coisa nesse sentido, mas eu tenho que ter clareza que...a escola, ela deva
funcionar, essa palavra mesmo... de acordo com o objetivo do consenso do coletivo ...é
..mas na tentativa de estar sempre dialogando, cada vez mais, e a escola não é a proposta
do CL ou de outro professor qualquer, ou de um membro da comunidade, ou da liderança, é
a proposta do MST. Isso a gente tem procurado pautar nas discussões...é... existe
divergências, não de opinião, assim...mas...de...de linhas de ação, de como é que vai fazer,
como é que vai deixar de fazer. Se vier a gente vai procurar trabalhar da melhor maneira
possível até fazendo uma retrospectiva da própria história de vida desses assentados,
história de vida da sociedade, porque não dizer...assim...de forma gera, e dizer que isso
foi..assim...um dos grandes motivos da exclusão desse povo. Acho que a gente tem que
trabalhar...é... sempre no consenso, mesmo que isso às vezes seja difícil de acontecer.
As Escolas surgem da discussão dos assentados
CO – Foi uma discussão entre os dois assentamentos né, que até foi discutido e daí feito
bem no meio dos dois assentamentos, que é aquela área ali que é boa pros assentamentos
né, foi uma discussão que... a partir dessa discussão que o pessoal começou a aprender.
CN – A discussão surgiu de uma necessidade que nóis tinha de ter essa escola né, e daí
então nóis sabendo que era longe, na cidade, né, nóis vimos que tinha a necessidade.
CN – Pra começar nós não tinha meio transporte na época, não tinha nada né, basicamente
era... Não, se fosse para ir né, no caso que tivesse que ir pra cidade, é a pé né, então ia ficar
muito ruim né, se tivesse que educar um filho, um filho teu pra ir daqui na escola, claro que
poderia ter conseguido um transporte né, mas na época ...a gente pensava em ter uma escola
nossa aqui.
CN - As duas escolinhas surgem antes.
201
CO – Surgiram as escolinhas primeiro né, que no começo eles davam aula assim né, nos
barraco, tudo, daí depois com muita pressão foi conseguido as duas escolinhas né, a Vinte
e Quatro e a Nossa Senhora Aparecida, aí depois foi começado a discussão pra fazer em
conjunto que até o objetivo era depois eliminar essas escolinhas. Era eliminar e fazer tudo
lá, né. Fazer a Escola Agrícola que fosse o Centro dos dois assentamentos, só que daí por
não ter né, não tinha condições, era muita criança, daí as escolinhas continuaram.
A importância da Cooperação para combater os atravessadores
CL - Nessas três décadas as transformações ocorrem no campo de maneira significativa,
e...e com o tempo as pessoas vão notando que tem uma série de...de restrições a este
modelo, que foi imposto, não foi construído com as pessoas, foi construído pra eles, e...e a
própria história do MST...ela vem disto também, claro aliada a vários outros fatores de
significância na época.
CN – Quando nóis chegamo aqui a gente tentô trabalha bastante coletivamente, né, foi
criado um grupo onde a gente foi trabalha coletivo, mas sei lá a idéia não se fechava muito,
em comparação da minha com outro vizinho e tal e coisa, chegou num ponto da gente
rachar né, ficando meio assim individual né, mas não foi por isso que a gente parou com a
luta né, aí teve a associação e depois disso daí a cooperativa, só que não conseguiu
deslanchar também a cooperativa né, deu meio que uma parada assim, né, não houve assim
também um incentivo do governo pra que nóis conseguisse deslanchar a cooperativa uma
coisa meio que parada e agora a gente tem muita esperança com o governo Lula, do
contrário ... tipo assim sem pai sem dono né não tem quando entregar o produto, entrega
pro atravessador e... aquela luta, então cada um vende pra quem pode vender, onde achar de
vender.
CN - Sempre correndo o risco né, de não entregar sua safra e perder, aconteceu...
Teve uns malandro aí que deram cheque sem fundo.
202
CO – Tem umas quatro, cinco famílias que até hoje não receberam, perderam as casa e o
sítio.
CN – Eu ainda acho que a gente tem que ter aquela esperança, uma cooperativa.
As principais dificuldades...
CP – Aqui eu até esse ano tô arrancando o resto dos pêssegos, que tinha plantado 400 pés
de pêssego, e arranquei, esse ano agora tô com esse tem dado bem só o problema é que a
gente tá numa região que as grandes firmas que dominam, aconteceu já da gente ponhar os
pêssegos na câmara fria e o comprador irem lá, os caras dizer que não tinha pêssego, foi só
pra dizer pra nós mesmo abandonar o serviço, outros casos também a gente vendeu e não
recebeu. Mas que é uma combinação que uma liga outra, não sei se é combinação mas que
uma coisa liga à outra, liga.
CQ – Eu acho que aí existe fatores bem diferentes é que lá não tem nossa agricultura e além
da agricultura você planta você não tem subsídio de nada, você não tem nenhum seguro
agrícola pra que te favoreça e você como assentado geralmente já não direito a
financiamento, não tem direito a nada no banco, então você faz por tua conta própria, se dá
uma zebra no fim da safra e não conseguiu colher bem, como deu esse ano no alho onde
70% dos agricultores não conseguiram colher nada, se quebra né, ou então se vende e não
recebe né, que esse já é outro detalhe que talvez tem a questão de organizar a
comercialização né, que é uma coisa também que tá batendo a muito tempo dentro do
sistema desde que estamos no movimento sem-terra né, então eu acho que a diferença que
está nesta questão do fumo é a história da segurança né, você vai produzir aquilo ali sabe
que a firma... , qualquer coisa não interessa que não vai pagar tem o seguro aí, então o
pessoal aposta naquele... então eu não me admiro de hoje vários assentados estarem
trabalhando digo assim como bóia-fria pode até suceder, né, eu acho que hoje o pequeno
produtor que, nós nem somos considerados agricultor a nível de Brasil; né, agricultor pra
eles é considerado aqueles fazendeiros que vão lá e pega R$ 50.000,00 por ano de
financiamento, e que devem horrores e vão lá e tem financiamento, agora o assentado se
203
deve R$ 5.000,00 ou sei lá ele não tem crédito pra pegar mais dívida pra poder colher uma
safra que, com aquela safra ele podia tirar 10, 15 e pagar todo o seu financiamento, então eu
acho que há uma discriminação, isso não tem nem o que ... pros órgãos público né, a
respeito quando se trata de ... sendo um assentado, sendo um sem-terra, então eles
realmente não são bem tratados, há discriminação no financiamento, nos recursos né, eu
acho que a questão é essa né, você produz né, nós na maioria produzimos uma boa safra,
estamos com nosso alho aí assim, não sei o que vamos fazer né, se não fizer isso é vender
né, gasta uns 20 e tantos mil reais pra produzir e agora você não consegue vender uma
cabeça, até hoje não consegui vender uma cabeça e já tá na hora de começar e já estamos
plantando de novo né, tudo isso acontece na agricultura né, então por isso é que eu não me
admira que alguns tenham que trabalhar como bóia-fria né, ou de nós algum dia ter que
trabalhar um, dois dias né, por semana e trabalhar pros outros, ajudar né, senão por bóia-
fria os menino troca de serviço né, pra poder um ajudar o outro.
CP – O pequeno é. E outra coisa que eu planto é feijão, milho, alho, só esse ano plantei
alho, também tive que lavrar porque deu uma peste, lá tive um grande prejuízo e a principal
dificuldade que nós temos hoje aqui na agricultura é o atravessador, porque mesmo os que
mantém inclusive tinha um cara no núcleo ... que só do que ele comprou de feijão na região
aqui sobrou pra ele comprar um FIAT 0 Km.
(...) Só comprando feijão com outra, que era o Joel de Curitibanos pagava pra ele, ele
pagava R$1,50 por saco, que não saia nenhum centavo do bolso, quer dizer ele era só o
intermediário do outro atravessador.
CP – das grandes. É nós estamos sem cooperativa e até nós não conseguimos essa
cooperativa, como falei do começo, a gente vai manter a sobrevivência do lote através da
pouca experiência, a gente já teve aqui na escola, dos colegas vizinhos...
Trabalho, Produção, Sobrevivência: a situação nos assentamentos.
Cg – Péssimo, meu Deus, péssimo. Precisa trabaiá, meu Deus. Esse ano o nóis passamo,
esse ano... Esse ano o que nóis passamo, esse ano...
204
CF – Num passava.
Cg – Ce vê, veio um irmão meu e eu não consegui esconde, sabe, a tristeza e a canseira que
eu tava e daí ele até pediu pra mim ter fé, trabaiá memo, eu nunca trabaiei e neste ano...
CF – Trabaiamo pra fora pra mantê , daí ta trabaiano pra fora, né? Você deixa de ta em
cima do lote. Esse ano de trabalho fora nói num produziu aqui, ano que vem da na mesma...
ta passando aperto de novo, né? Entregamo feijão na Cooperativa e fiquemo sem recebe até
hoje. (...) vai enrolando e você se obriga ir de novo trabalha pra trazer o alimento pra dentro
de casa, né? (...) É. Nós num tinha outro jeito, né? Ce num tem produção, bicho pra trata,
pra come. A gente vai... agora esse ano nóis demo é mais um pulo... agora nós tem que
caminha de novo.
O Fumo, O alho... as contradições...
CL - Mas eu diria assim, também....a tentativa de...de acabar com a reforma agrária através
da retirada da assistência técnica, os créditos de custeio, os procera, seja eles pras linhas
que fossem, fez com que as pessoas começassem a se voltar pra determinadas linhas de
produção que pudessem, de certa forma ta garantindo a sustentabilidade econômica, não só
a questão de você ter o que comer, mas eu creio que tem muita coisa pra mudar ainda, mas
o bom é que a gente ta tentando fazer.
Cg – É, a coisa que mais conta, sabe, eu... às vezes chego de noite num...não durmo
pensando...
CF – (...) agora, não tinha condição de compra uma semente, não tinha condição de compra
um adubo, e aí... Hehhh.... Ela a empresa vem e trás tudo. Agora esse ano nóis conseguimo
coiê bem, feijão, bem de feijão, conseguimo coiê bem (...) Cada um vai vender o seu... não
tem cooperativa... – (trecho inaudível) ... a única maneira que nós tinha memo de sair, né
ai vem... (...) Pois a maioria do pessoal... aqui...planta fumo. Planta um pouco de feijão pro
gasto e o resto é fumo, maioria ta ocupando a terra...com...fumo da Souza Cruz.
205
Cg – Tem negocio de verdura, também, coisa mais sadia.
CF – Exatamente... O desespero da pessoa... Era porco, era frango ou vaca...aquilo era
sagrado...
(...) Nós temos tudo. Tem a cooperativa, tem as... tem o armazém, acampamento. E aí é só
ter recurso pra ponha pra funciona. Incentivo pros agricultô plantá...caminha.
dando subsidio. Dando a semente, já garantindo pelo menos o dinheiro pra plantar.
O preço justo dos produtos.
CR – Eu penso que os outros diz, os outro ... lógico que a reforma agrária que os outro,
quem tem que fazer também é ...é os beneficiados por ela né, que segundo a reforma agrária
penso assim né, nós temos que saber o quê queremos né, ... espera dos governante que a
parte deles faça né, que faça a parte deles e nós estamos aí pra discutir também, não
queremos que uma coisa vem aqui implantada de cima pra baixo sem perguntar pra nós e
como nós somos assentados e, ou sem-terra mesmo né, eu acho que ... o grande dos sem-
terra é a política agrícola que tá implementada no país né.
CZ – Numa, numa...a questão da agricultura...ela é bastante...nos últimos anos, aí, tá muito
difícil de trabalhar. Isso não é só na agricultura. Pelo menos no governo passado foi sempre
massacrada, pelo menos os pequenos agricultores, as pequenas famílias fora muito
castigadas com os planos de governo anteriores aí...é...a gente via o médio e grande
produtor, eles chega lá no banco , eles tem o recurso em mãos a hora que ele quer e para o
pequeno agricultor é mais difícil, então...é...em termos gerais, no assentamento ta difícil
para todos os assentados, acredito que não só para os assentados, mas para todos os
pequenos agricultores, né? Haja visto que...é...se não tem um...um...incentivo pra gente
produzir, é muito difícil pra gente trabalhar, né? E por outro lado, a questão do atravessador
é muito assim....é muita concorrência, então...humm....você às vezes acha que o seu
produto, é...vai ter um valor um pouquinho melhor, é...mais acaba é...se tornando
assim...é... como é que eu vou dizer...desvalorizado...assim...na...na hora de você
comercializar o teu produto porque sabe como é que é...é...o atravessador quer sempre tirar
206
o dele e o agricultor, o produtor, que produz mesmo, eles não querem nem saber como é
que funciona o trabalho do produtor, né? Então essa questão é de...de...relação, de governo
e agricultura aí...a esperança é que o nosso governo agora venha a fazer alguma coisa por
nós, haja visto que foi os trabalhadores que colocaram ele lá. Então a gente precisa ter fé e
acreditar que ele vai fazer alguma coisa por nós, se bem que ta...que o homem ta meio
devagar ainda, né? Hehehehe
Sobre a liberdade
CP – Livre? Olha, eu sempre discuto assim ó livre...livre pra mim, sabe o que é livre? É
quando eu posso fazer com o vizinho, com o filho, a mulher, feliz, daí eu sou livre, ali que
eu faço, se eu não faço um vizinho feliz, minha mulher, meu filho, não sou livre.
CQ – Eu acho que ainda não é livre né, enquanto nós vivermos nesse sistema, digamos
assim, econômico, realmente o assentado não é um ser humano livre, porque você é
cercado por todos os lados, de pressão e coisarada, e realmente você produz dentro daquele
seu limite ali, aquela coisinha, e depende de tudo dos caras de fora pra tu vender, pra tu
comprar né, e a própria questão nossa política hoje, econômica, agrícola, não é determinado
por nós né, é determinada pelo FMI, pros americanos, então enquanto o Brasil estiver nesse
sistema econômico capitalista jamais um assentado vai ser livre né, ou um pequeno
agricultor, que seja, então eu acho que ... dá aquela sensação de liberdade “ah você
conseguiu, conquistou o seu pedaço de terra, tem o teu lote né” mas aí começa .... aí tu vai
perceber que sua briga é muito maior e que tem muita terra né, tu tem que mudar o sistema
que tá te impondo esse tipo de coisa, ou senão a verdade te diz você volta, vai voltar a ser
um sem-terra, porque se hoje vários pequenos agricultores tão indo embora. No governo
Fernando Henrique que foi mais de 600 mil famílias que abandonaram o campo né,
enquanto que ele não conseguiu assentar nem 20 mil, foi um desastre assim, pra agricultura,
então eu digo assim, a mesma coisa acontece, ou nós mudamos o sistema econômico né, o
jeito de se tratar o agricultor né, ou tentar resolver como se fosse um negócio né, aquela
propriedade lá é um negócio e você tem que tocar uma empresinha e tem que dar certo né,
só que não há um incentivo pra isso, há incentivo pros grandes fazendeiros, pros grandes
207
né, do nosso país, então claro assim que dizer certo um assentado não é livre, conquistou
um pedacinho de terra e tem que trabalhar, tem que trabalhar normal, temos que trabalhar
né, mas na verdade essa questão que se fala a liberdade né, uma coisa, uma questão de ser
livre, é uma coisa que tem que ter uma mudança a mais pra nós dizer nós somos livres no
nosso país, nós produzimos feijão e arroz e milho porque o brasileiro precisa comer e
estamos produzindo pra acabar com a fome né, então isso não é verdade, a gente produz pra
poder sobreviver na estica, você não produz aquela ... vamos hoje produzir mil quilo de
salame né, carne, porque lá é o local que precisa pra comer né, há incentivo do governo, né,
e todo brasileiro vai comer um pedacinho de carne então, porque tá produzindo uma coisa
decente, e isso não é verdade, então hoje é ... nós não somos isso né, trabalhamos naquela
obrigação pra se sobreviver e ter o filho na roça e poder se manter né, que o sistema
capitalista o que quer é tirar nós da roça, pra que nós seja mão-de-obra barata né, em
qualquer canto do país, então por isso quando você fala assim ser livre né, nós que
entendemos um pouco da nossa história e queremos a mudança do país dentro desse
sistema opressor que tá aí, ser livre não é só conseguir um lote né, realmente tem várias
outras mudanças que temos que fazer no nosso país né, pra realmente dizer assim ó nós
temos uma nação livre aí nós teríamos assim um assentado livre, mas enquanto nossa nação
for escrava principalmente o assentado igual à sua nação é, o assentado, o agricultor
também é.
Cj – Não. Não. Ele não é livre. Não é livre porque a disposição do processo, do projeto
agrícola e na situação que leva a agricultura, que ele acaba muitas vezes funcionário da
propriedade, daí ele acaba não tendo lazer. Ele acaba não passeando mais, ele não vê muito
mais o vizinho, não tem nem mais porque. Ele tem que ficar em função daquilo ali, se não
ele não sobrevive. A situação coloca você nessa realidade. Não é que você não queira, sou
um cidadão que vou trabalha, vou trabalhar é...bem, bem planejado... E... Vou visita meus
amigo, vou debate na escola, vai me sobra tempo pra estudar. Se eles fizé isso, no final da
história, ele não paga aquele que deve. Não, porque ele não é mais um cidadão, é que é a
imposição do próprio modelo, o próprio modelo que faz... Tu tem que produzir mais e
ganha menos. Ai você se obriga a ficar em função... Claro que não dá pra comparar um
assentado com uma pessoa lá que é um funcionário de uma empresa, ele tem minutos a
208
cumprir. O assentado não, não tem. Se ele tiver por opção tira duas horas, tira três horas.
Não é por isso, mas só que se ele não fizé esse trabalho de levanta de madrugada e
trabalhando até à noite, ele não consegue manter aquilo que ele já conquistou. Pra manter o
que conquistou, ele tem que ser um sujeito que ta a serviço da propriedade.
CZ – Bom...a liberdade assim...eu vejo que a liberdade, a gente...se conquista. Só que às
vezes as ferramenta, né? E no nosso causo, nos assentados, nos teríamos que ter um
subsídio no causo de um governo, né? Pra que a gente pudesse realmente se libertar e
continuar a fazer aquilo que a gente quer fazer, sem muita pressão, sem muita cobrança,
e...Prá gente conseguir produzir, pelo menos pra gente se manter na agricultura, no
assentamento.
Agradecimentos e palavras finais
Cd – Acho que aqui a gente, do ano passado pra esse ano a gente já conseguiu assim
avançar um pouco nessa questão pedagógica, porque a minha preocupação maior é nisso
né, a gente tentar fazer né, de uma forma diferente porque vem bastante visitas aqui né, e
por ser uma escola do movimento sem-terra a gente tem um compromisso muito grande,
acho que né, um desafio muito grande né, de tentar fazer uma escola diferente, senão daqui
a pouco a gente tá dizendo que é uma escola do movimento, que é diferente, mas quando
vai ver ali no dia-a-dia ou na prática né, a coisa não diferencia muito das outras escolas, eu
acho que esse é o nosso compromisso maior assim, de cada vez mais tá buscando né e esse
último curso que a gente fez aqui na escola acho que foi bastante interessante porque abriu
bastante né ... a possibilidade de estar fazendo diferente, de tá começando com algumas
idéias né, mas é importante a gente sempre ter pessoas assessorando, contribuindo ... este é
o grande desafio
Ca – Acho que agradeço, assim, por estar convidando eu, com certeza isso é muito
importante pras escolas, pro movimento sem-terra, porque pra nós quanto mais pessoas
analisando, estudando, nosso movimento pra nós saber cada vez mais está avançando, está
melhorando a forma que nós estamos organizados hoje, com certeza pra nós vai ser
209
fundamental e é isso que nós precisamos, de pessoas competentes pra combater esse
sistema que está colocado para nós, então agradeço e, com certeza, vamos estar mudando
esse mundo com as nossas práticas, nossas teorias, nós vamos revolucionar o mundo.
Captando alguns sentidos
Ao separamos esse mosaico de vozes (falas, depoimentos, dizeres, diálogos) em quatro
momentos, pretendemos dar um quadro do que acontece na Escola Agrícola e nos
assentamentos adjacentes. Trata-se de mais um instrumento que realizamos com o intuito
de desvendar o território contestado e assumido pela territorialização dessas famílias em
movimento. Uma leitura compenetrada dessas falas nos possibilitam criar um quadro (ou
um mosaico) ou no nosso caso uma paisagem do significado da Escola, da escolarização e
da luta por terra de trabalho. Indo mais longe podemos fazer o que essa parte da dissertação
propõe, do campo ao campus, ou seja, estabelecer um dialogo do que eles e elas estão
dizendo e das possibilidades teóricas que nossos levantamentos bibliográficos nos
trouxeram. Desta maneira a Escola em suas relações cotidianas, contribui para que
entendamos como o currículo assumido pelos educadores/as e estudantes ocorre no dia-a-
dia e no ano letivo; outra contribuição para que o mosaico mostre a vida como se dá são as
falas da parte que destacam das entrevistas as relações entre Escola, Assentamentos e
MST, ora sabemos que esse movimento luta contra a elite e o Estado assumido por ela,
assim nessas falas os entrevistados discorreram sobre o papel do Estado, seja municipal ou
Estadual, sempre mais no sentido de como combatem a Escola e de como eles resistiram;
por falar em resistência e em possibilidades de transformação cultural, o tópico seguinte, a
saber: Formação de educadores e educadoras através do Instituto Josué de Castro criado
pelo MST para isso, em Veranópolis – RS, possibilita que jovens assentados possam galgar
uma profissão e retroalimentar a luta por Reforma Agrária, uma vez que ditam ações e
novas condições para a educação do campo. Nesta dissertação também comentamos sobre a
Escola Nacional Florestan Fernandes, localizada em Guararema-SP, que inaugurará em
janeiro de 2005 com cursos superiores e de pós graduação. Enfim Viver nos
Assentamentos fica evidente o papel de dois conceitos, territorialização do monopólio e
Monopolização do território, que é o que a indústria do fumo faz com boa parte dos
210
assentados. Os resultados da luta que faz com o que podemos denominar Reforma Agrária
no Brasil esteja acontecendo.
Mas esse mosaico para nos ganha um sentido maior que somente criar espaço para
as falas adentrarem a academia, ganha um outro sentido quando dialoga com conceitos e
noções e provoca discussões.
Participar
Antes de descrevermos e analisarmos os passos e as vivências das oficinas de
diálogos realizadas com os estudantes e com as educadoras e os educadores da Escola
Agrícola 25 de Maio é importante tecer algumas ponderações sobre o que entendemos pelo
termo “participar”. Isso já vem realizando desde a primeira estratégia de pesquisa que foi a
observação, tanto que em algum momento da apresentação do que realizamos na pesquisa
concernente a isto usamos a denominação observação participante. Participar aqui neste
caso é tanto se dispor a estar atuante e disposto em cada momento das saídas de campo,
enfim o que podemos alegar como “se sentir em casa”, visto que foi assim que aquela
comunidade nos propiciou, como também anunciar o que percebemos de limites e
possibilidades nas duas estratégias de pesquisa já descritas anteriormente. Assim, observar
e entrevistar, atos de pesquisa que solicitam participação, ao passarem por um momento de
pré – sistematização servem de subsídio para serem anunciados nas oficinas de diálogo.
Tratou-se, portanto, de demonstrar um grau de compromisso com as pessoas que são os
grandes colaboradores desse estudo.
Durante nossa observação participante nas atividades cotidianas da Escola, tanto
ficamos atentos ao modo como as aulas ocorriam92, como também dialogamos com os
educadores e educadoras na sala dos professores e secretaria (as duas são a mesma sala),
com o intuito de percebermos como preparavam suas aulas, quais dificuldades possuíam.
Outro expediente utilizado antes de realizar nossas oficinas de diálogo foi apresentar uma
92 Gostaríamos de chamar a atenção que a observação em relação as aulas não ocorreu apenas com presença na sala de aula, mas também observando as aulas práticas e mesmo as aulas de sala, apenas ouvindo-as. Enquanto pesquisador na atitude de observar colocamos todos nossos sentidos a favor dessa observação.
211
solicitação à diretoria da Escola, que por sua vez levou a mesma a reunião do Conselho da
Escola (ver anexos). Ali tivemos oportunidade de apresentar e defender a importância de
trabalhar com todas as séries expondo então nossos objetivos e qual o tempo necessário
para atuarmos em conjunto com as turmas. Nesta reunião agendamos a série de Oficinas
que realizaremos tanto com educandos/as como com educadores/as.
O caminho traçado foi o seguinte: um primeiro encontro com quatro Oficinas, na
qual trabalhamos com as quatro turmas, de 5.a a 8.a série. Essas tiveram caráter de ensino
aprendizagem, mas também de diagnosticar limites e possibilidades nos temas Escola e
Assentamentos. Num segundo encontro com os estudantes, retomamos o que
desenvolvemos na etapa anterior e posteriormente avançaríamos no que concerne à
organização interna da Escola: Brigadas e Valores ensinados nas atividades de ensino-
aprendizagem. Será que os estudantes iriam demonstrar através de atividades lúdicas o que
pensam e percebem da Escola? Essa é uma pergunta que fizemos à época. Após esses dois
encontros com as quatro turmas, fizemos uma Oficina de Diálogo com os educadores e
com as educadoras, o intuito dessa vivência seria discutir conceitos e possibilidades
didáticas pedagógicas pelo viés de contribuição geográfica.
As Oficinas de Diálogo
O que apresentaremos a seguir possibilita que através da descrição e análise das
vivências possamos discorrer sobre os objetivos, alguns dados, instrumentos utilizados e a
participação atuante dos educandos/as de todas as séries. O caminho que escolhemos segue
em geral aspectos de todas as oficinas, para depois especificá-las nos encontros de cada
série. Por último, apresentamos e discorremos a respeito da Oficina de Diálogo vivenciada
com os educadores e educadoras da Escola.
Concomitante a isso apontaremos assim critérios de avaliação dos instrumentos
utilizados a partir das relações descritas e analisadas. Ao descrevermos e comentarmos
sobre as oficinas realizadas com educadores e estudantes o que surge é também um diálogo
com o estado de arte do Ensino de Geografia, possibilitando algumas demandas sobre
212
Alfabetização em Geografia. Desta maneira, ao analisarmos algumas contribuições de
estudantes por série; debatemos à luz de alguns conceitos importantes para a ciência
geográfica e para a geografia escolar. A Geografia da Escola do Campo e seu currículo em
ação precisam dialogar com esses conhecimentos. Promovemos em nosso entendimento um
diálogo entre Saberes: ciência, conhecimento popular (acumulado das experiências do
Movimento socioterritorial) e saber escolar. Esse último gestado numa escola construída
pelos educadores e educadoras do campo, assim como pelos estudantes, filhos e filhas dos
camponeses. Unir as discussões teóricas sobre o ensino de geografia com as oficinas que
realizamos na Escola foi um dos nossos caminhos.
Se atentarmos para o Quadro das etapas das saídas de campo (anexos)
verificaremos que as oficinas de diálogos ocorreram em três visitas: maio de 2003 e
novembro de 2003, nestas duas oportunidades trabalhamos com as quatro séries, realizando
oficinas separadas para cada série, a última saída de campo que realizamos em dezembro de
2003 foi demarcada entre outros atividades pela oficina com educadores/as.
Oficinas de diálogo na Escola Agrícola 25 de Maio
Como já reportamos anteriormente, um dos instrumentos da pesquisa foi a análise
a partir de oficinas didáticas pedagógicas com as turmas do ensino fundamental e com os
educadores/as. Esses encontros que denominamos de oficinas de diálogo (visto que a
intenção maior era estabelecer um dialogo os saberes acadêmicos e camponeses) visaram
construir e refletir sobre conceitos, bem como desenvolver habilidades ligadas à discussão
da gênese desses conhecimentos, ao mesmo tempo em que abriam caminho para que
pudéssemos entender e questionar a vida nos assentamentos e da Escola.
Nossa base conceitual teve apoio nos conceitos de Espacialização e
Territorialização (Thomas, 1995. Fernandes, 1999). Tais conceitos nos permitem entender
o papel de uma escola e auxiliar na análise dessa instituição no que concerne à vida da
comunidade assentada. Estabelecemos um diálogo, com as possibilidades e confrontos
entre o fazer científico de um lado, e do outro o saber popular que age localmente
213
concatenado a um currículo em movimento, do setor de educação do MST, se
espacializando e territorializando pelos diversos locais, possuindo abrangência local e
nacional. Evidentemente que essa separação entre saberes não é tão simplista assim, apenas
chamamos a atenção aqui para as possíveis características próprias da gênese de cada um
desses saberes, como também a influência do local na dinâmica que prevalece sobre cada
um deles. Os assentamentos são lugares dinamizados por mediações que necessariamente
são fruto de dinâmicas fomentadas a partir de concepções intelectuais constituídas por
iniciativas acadêmicas e, portanto, científicas. Ou seja, nos assentamentos, apesar de serem
conquistas territoriais da luta por terra de trabalho dos camponeses organizados, temos que
perceber que ali existe uma influência do saber sistematizado através do papel dos
mediadores que representam a burocracia estatal.
Mas regressando as nossas intenções descritivas sobre as oficinas, afirmamos que
por meio de uma prática didática - pedagógica de ensino da Geografia, o que chamamos de
“oficinas de diálogo” provocaram e despontaram algumas dessas relações. Isso é o que
passaremos a descrever agora.
Estas oficinas fizeram-se necessárias ao projeto: pois urgia que tivéssemos
manifestações dos sujeitos envolvidos com a mesma, em relação a conceitos que a
Ciência Geográfica apresentava em relação ao Problema Agrário Brasileiro.
Por não ser a única atividade que realizamos em nossas idas a campo, as oficinas
serviram mais como impulsionadores para encaminhamentos futuros por parte dos/as
educadores/as. Tivemos que apostar numa intervenção de formação de educadores/as, visto
que não alcançaríamos nossos intentos com os educandos devido às atividades com que
estavam envolvidos a partir do segundo semestre.
Nas Oficinas pretendemos desenvolver instrumentos e vivências que
possibilitassem alcançar dois objetivos específicos para essa atividade:
214
a) Realizar uma sondagem sobre como os educadores/as e estudantes compreendem os
seguintes conceitos:
- Questão Agrária, Reforma Agrária, Escola e escolarização,
assentamentos, territorialização, espacialização, terra de trabalho e terra
de exploração.
b) Diagnosticar e apontar materiais didáticos - pedagógicos que esse encontro sugerirá,
estabelecendo um diálogo entre o saber universitário e o escolar (Saber construído com os
princípios de uma escola do MST), para desta maneira intervir na formação dos educadores
e educadoras.
Primeira Oficina com estudantes: aspectos gerais
A primeira oficina abrangeu dois momentos: no primeiro foi exposta ao grupo de
educadores/as e ao Conselho de Escola o que pretendíamos: ouvir os estudantes, para assim
diagnosticar as possibilidades e limites do ensino/aprendizagem em Geografia. A partir
dessa discussão que foi travada sobre leitura de documento que se encontra no anexo I,
adentramos em sala de aula, nas quatro turmas. O Grupo solicitou a possibilidade de
construirmos uma maquete da Escola. Num segundo momento, já em sala de aula,
acompanhado pela educadora da área de Geografia, a idéia foi de diagnosticar:
pretendemos fazer um levantamento de como os estudantes representam o espaço vivido e
cotidiano, próximo a eles, entendíamos que a partir das representações colhidas poderíamos
perceber e discutir sobre a Alfabetização Geográfica necessária e a já alcançada. Optamos
por diferenciar nossa solicitação: na Quinta e Sexta séries pedimos para que fizessem um
desenho sobre a Escola; na Sétima e Oitava séries para que desenhassem os Assentamentos.
Essa diferenciação se devia ao que pretendíamos alcançar como objetivo solicitado na
conversa com educadores/as e participantes do Conselho: a construção de uma Maquete da
área da Escola. Pelos desenhos a escola foi representada como uma área vivida, ou seja o
local em que mais convivem cotidianamente. A parte da escola onde os estudantes vivem
215
diariamente. A parte não percebida da Escola era uma zona de preservação permanente que
a maioria das representações dos estudantes desconsiderava. Nossas oficinas foram apenas
o embrião para a construção da Maquete Geral da Escola.
Entramos em sala de aula, nas quatro turmas em um único dia. Saímos com 67
desenhos realizados pelas crianças e jovens destas quatro séries e alguns deles são
apresentados e brevemente analisados ao final deste sub-capítulo.
Abaixo detalhamos o relato de como ocorreram as primeiras oficinas, seus
aspectos gerais para todas as séries, destacando alguns momentos que registramos no
contato com os estudantes:
Manhã: 7ª e 8ª séries com 27 participantes.
Tarde: 5ª e 6ª séries com 40 participantes.
Aspecto geral das primeiras oficinas com estudantes:
- Diálogo inicial (apresentação do coordenador, proposta da oficina);
- Apresentação dos estudantes (nome e lugar onde reside);
- Audição e leitura das letras das canções (as letras estão mais a frente neste texto) usadas
para sugerir o tema;
- Diálogo sobre o entendimento das canções, o que é novo, o que chamou a atenção.
- Atividade lúdica sobre importância de trabalho em grupo (quebra-cabeças coletivos para a
sexta, sétima e oitava séries); na quinta série a atividade lúdica ocorreu após as atividades
com desenhos e consistiu numa brincadeira com cadeiras, na qual as cadeiras vão se
escasseando e a turma tem que arrumar um jeito de que todos os participantes sentem.
- Desenhando a Escola (quinta e sexta séries), desenhando os Assentamentos e a Escola
(sétima e oitava séries).
216
Os procedimentos trilharam os seguintes passos: apresentações pessoais e da
importância da oficina (a direção e a educadora da Geografia da turma me
acompanharam), distribuir as letras das canções, ler primeiro, anotar palavras difíceis,
ouvir, cantar juntos, comentar, tirar dúvidas sobre a mensagem ou mensagens das letras
das canções. Após esses procedimentos em relação às canções, solicitava-se aos
participantes as seguintes atividades: manifestarem-se com desenhos (representação)
sobre o tema principal da canção. O objetivo principal era que representassem o tema e
com essas ilustrações poderíamos analisar: alfabetização cartográfica, relação de
vivência da e na escola, papel do MST nas ações da Escola. Alguns desenhos revelaram
possibilidades que extrapolavam esses objetivos. Como disse o Professor Ariovaldo no
exame de qualificação, foram mais geógrafos do que quem estava lá para “educá-los”.
Solicitei que desenhassem a paisagem e representaram o lugar, com todas as suas
relações. A partir dessa constatação os desenhos se tornam peças importantes para
futuras análises da Escola do MST, iríamos utilizá-los nas próximas oficinas. De forma
implícita podemos afirmar que essas representações revelam um certo grau do que os
estudantes vivenciam na escola. Após o exame de qualificação pudemos ter mais
evidencias para intervir qualitativamente na oficina com educadores e educadoras o que
descreveremos mais adiante. Esses trabalhos dos estudantes remetem também a uma
discussão da espacialidade concernente a assentamento e escola.
Começamos por perguntar como entendiam esse lugar novo, esse núcleo de
construção da cidadania, denominado assentamento. Nesse momento tínhamos a
possibilidade de perceber se viver ali implicava em algo novo também. Cabe a
pergunta: como o velho e o novo se encontram e pode sugerir ações de ensino
aprendizagem?
O que desponta para nossa análise é a relação entre saber científico acadêmico
e saber escolar: dialogando com as sistematizações curriculares locais e nacionais do
MST, o que já praticamos nos capítulos anteriores. A aprendizagem de Geografia numa
Escola do Campo, a formação de conceitos utilizando a linguagem cartográfica para
compreensão das ações podem ser pensadas e sistematizadas enquanto proposta de
217
ensino-aprendizagem a partir dessa simples contribuição, pelo menos num aspecto
inicial. Poderíamos a partir dessas ações contribuir na formação de conceitos entre os
educadores/as, ao final realizando uma avaliação crítica e sugerindo uma proposta de
ensino de alguns conceitos para reforçar a relação entre saber acadêmico e saber
escolar. Enfim, ao analisarmos como estava sendo a formação geográfica dos estudantes
e de como uma proposta de ensino (se necessária) podia auxiliar nessa formação,
descobrimos que também podemos estender essas preocupações e contribuir para a
formação dos educadores.
Após realizamos oficinas com os estudantes de todas as séries, prosseguiríamos até
realizarmos uma maquete da Escola como foi solicitado na primeira reunião. O calendário
escolar e as atividades que já estavam programadas pelos educadores fizeram com que
mudássemos de encaminhamentos, ou seja, surgiram o que entendemos como os
imprevistos de uma pesquisa. Este foi o segundo ano de Pesquisa de fim de ano daquela
comunidade escolar, mas trouxe inovações, principalmente no quesito temas e participação.
O que os educadores/as não contavam é que teriam tanto envolvimento naquele ano (2003),
pois tanto aumentou a quantidade de estudantes da sétima e oitava série como também a
Escola contava com novas educadoras, que não tiveram a experiência acumulada do ano
anterior sobre essa orientação de pesquisa. Sem contar que na metade do semestre uma
delas pediu demissão e os estudantes que a mesma orientava tiveram que ser distribuídos
para outras e outros educadores. De maneira geral, nas duas oficinas, fizemos os
levantamentos dos limites e possibilidades dos estudantes e apresentamos na oficina dos
educadores, serviram de subsídio para as discussões que travamos na oficina com os
educadores.
Sobre o material que utilizamos para desenvolver essas primeiras oficinas
apresentamos as letras das canções trabalhadas junto aos estudantes das quatro séries da
Escola Agrícola 25 de Maio nos anexos, mas gostaríamos de destacar aqui a canção de Zé
Pinto, que apresentamos na 5ª e 6a séries, chamada “PRA SOLETRAR A LIBERDADE”
que nos remete questionarmos aos educandos primeiramente se o ato educador, que a
Escola, a escolarização proporciona, possibilita a libertação. Mas libertação em relação a
218
que e a quem? Outras preocupações destacadas pelos estudantes foi a temporalidade
(enquanto memória), mas também enquanto extensão de falta de direitos para a maioria do
povo. Então essa canção aponta que para melhorar só com educação decente, e mais escolas
em vários municípios do Brasil. Une educação e felicidade e uma vez unidos, aponta para
que fiquemos mão em mão para juntarmos forças. Além de ser uma questão meramente
numérica, ou seja quantidade de escolas, apresenta também o jeito de ensinar, tem que ir
além do BeaBá, para alcançar a chamada cidadania plena. Eles de certa maneira identificam
a Escola em que estudam com a que Zé destaca em sua letra. Essa escola mostra para eles
algo de alternativo. Mas ficou complicado para os estudantes da quinta série terem claro o
que é a Reforma Agrária também na educação. Talvez pela idade que têm ainda não
percebam a importância de morarem em assentamentos e acampamentos.
Letras das Canções utilizadas na Primeira Oficina com os Estudantes
5ª e 6a séries:
PRA SOLETRAR A LIBERDADE
(Zé Pinto, fez. Leci Brandão, canta)
R: Tem que estar fora de moda
Criança fora da escola, pois há tempo
Não vigora o direito de aprender
Criança e adolescente numa educação
Decente prá um novo jeito de ser
Prá soletrar a liberdade na cartilha do
ABC
Ter uma escola em cada canto do Brasil
Com um novo jeito de educar prá ser feliz
Tem tanta gente sem direito de estudar
É o que nos mostra a realidade do país.
Juntar as forças, segurar de mão em mão,
Numa corrente em prol da educação
Se o aprendizado for além do Be A Bá,
Todo menino vai poder ser cidadão.
Alternativa prá empregar conhecimento
O Movimento já mostrou para a nação
Desafiando dentro dos assentamentos
Reforma Agrária também na Educação
219
7ª e 8ª séries:
ASSENTAMENTO
(Chico Buarque)
“Quando eu morrer que me enterrem
na beira do chapadão
contente com a minha terra
cansado de tanta guerra
crescido de coração
Tôo.” (apud Guimarães Rosa)
Zanza daqui
Zanza prá acolá
Fim de feira, periferia afora
A cidade não mora mais em mim
Francisco, Serafim
Vamos embora
Ver o capim
Ver o Baobá
Vamos ver a campina quando flora
A piracema, rios contravim
Binho, Bel, Bia, Quim
Vamos embora
Quando eu morrer
Cansado de Guerra
Morro de bem com a minha terra:
Cana, caqui
Inhame, abóbora
Onde só vento se semeava outrora
Amplidão, nação, sertão sem fim
Oh Manuel, Miguelim
Primeira Oficina de diálogo com os educandos e as educandas da Escola Agrícola
25 de Maio: aspectos específicos de cada série.
Na parte anterior, descrevemos os instrumentos que utilizamos com os
estudantes para realização das oficinas de maneira geral, abaixo descrevemos aspectos
específicos das oficinas, com comentários dos croquis realizados. Essa breve análise é
feita à luz da alfabetização cartográfica, sendo consideradas entre outras, as habilidades
do estudante para analisar, sintetizar, criticar, deduzir e estabelecer relações, além de
administrar conflitos e trabalhar em equipe. Queríamos captar limites do processo de
ensino de geografia através do convite que realizávamos.
Ao apontarmos abaixo os aspectos específicos das primeiras oficinas estamos
revelando o grau de participação e apresentamos comentários sobre a relação com os
estudantes por turma.
5.a série: Alguns desenhos realizados por estudantes
Assim, temos na turma da quinta série, com a participação de 17 estudantes,
que são ainda em sua maioria com dez ou onze anos de idade, surgiu uma dúvida sobre
o que é Reforma Agrária, devido a uma parte da canção. A diretora estava na janela
neste momento e depois veio me explicar que nas séries iniciais não é trabalhado o tema
Reforma Agrária. Resta a seguinte questão: é necessário que entendam de que maneira
esse conceito que está presente diariamente através de cartazes e comentários, ou até
nos gritos de ordem e manifestações, e também nas místicas realizadas pelos estudantes.
Quanto aos desenhos dessa turma eram bastante coloridos, em sua maioria
apontavam a escola especificamente o lugar onde estudavam, ou seja, a sala de aula.
Apenas um estudante fez um desenho mais abrangente, mesclando uma visão vertical e
oblíqua na mesma representação, colocando outros elementos da escola, como campo
de futebol, quadra de vôlei. Também percebemos muitas manifestações escritas nas
folhas, ligadas a palavras de ordem do Movimento. Essa turma se envolveu muito com a
festa de 25 de Maio, compuseram uma canção coletiva com auxílio das educadoras.
6.a série:
Na Sexta série, participaram 23 estudantes, que se envolveram bastante com o
ato de desenhar. Já temos aqui mescladas as idades, mas uma boa parte da turma ainda
tinha a idade certa. Questionei tanto na quinta série como nessa sobre a caminhada deles
nas séries anteriores. A pergunta foi a seguinte: eu estudei em qual (ou quais) escola (s)
antes dessa? Pelas respostas apenas três não estudaram na Escola o ano anterior. Apenas
um era novo na Escola.
Quanto aos desenhos notamos que a maioria dos estudantes continuava
representando a Escola pelas salas de aulas. Quatro deles abrangiam outros elementos
da escola, como o campo de futebol, monumentos, refeitório. A maioria deles usou
régua, o que fez com que ficassem mais geométricos.
7.a série:
A maioria da Sétima série, com apenas 14 estudantes presentes naquela manhã não
conhecia o trabalho TERRA93 feito para o MST por Sebastião Salgado, Chico Buarque
e o escritor português José Saramago. Existe um Livro das Fotos desse trabalho na
Secretaria da Escola Agrícola. Não conheciam a canção “ Assentamento”. Foi uma
surpresa agradável cantarem seguindo a letra mimeografada. Qual o motivo da Escola
não utilizar esses recursos para a aprendizagem?
As representações feitas pelos estudantes da Escola e dos Assentamentos
colocam a escola como central. Apenas dois estudantes dividiram a folha ao meio e de
um lado desenharam a escola e do outro um assentamento. Cabe lembrar que o tema foi
passado na lousa depois de escutarmos e dialogarmos sobre a canção Assentamento de
Chico Buarque.
Ainda percebemos que não existe uma projeção vertical nos desenhos
apresentados. Seria diferente se tivesse pedido para fazerem um mapa? Essa é uma
pergunta que com certeza teríamos que fazer quando voltássemos à escola para um
segundo encontro.
A seguir apresentamos algumas contribuições realizadas pelos estudantes da
sétima série.
8.a série:
Finalmente, com os 13 estudantes da Oitava Série94 tivemos uma boa
discussão após o enorme envolvimento deles na atividade do quebra – cabeças. Dois
estudantes deram depoimentos importantes sobre o trabalho em equipe e coletivo,
associaram as atividades da escola (brigadas principalmente) à vivência proporcionada
no exercício lúdico. Começamos a discutir sobre o conhecimento parcelado que impede
93 Uma parte do dinheiro arrecadado na exposição terra foi doado à Anca para compra de terreno em Guararema, Grande São Paulo, para futura Escola de Formação Nacional Florestan Fernandes. Ou seja, tal atitude dos três intelectuais serviu para apresentar o MST para vários países do mundo pois a exposição foi apresentada em vários continentes. 94 Esta turma compõe a Brigada de Cultura e Comunicação e me fizeram as seguintes perguntas para o seu jornal escolar: 1 - o que acha do Governo Lula? 2 - Qual a diferença entre dar aula aqui e em São Paulo? 3 – O que acha do nosso método de ensino? 4 – Qual o motivo de tantos pesquisadores freqüentarem essa escola?
a visão total da realidade. Nesta turma, os estudantes partiram para uma representação
que envolve todos os assentamentos que são próximos à escola. Tiveram pouco tempo
para desenvolver um trabalho mais elaborado, mas percebemos traços de visão oblíqua
e vertical.
Segunda Oficina de diálogo com os educandos e as educandas da Escola Agrícola
25 de Maio: aspectos gerais.
Ao encontrarmos num papelzinho escritas as seguintes palavras: igualdade,
liberdade, esperança, luta, amizade, nos reportamos àquela tarde de outubro de 2003,
quando realizamos a segunda oficina com uma das turmas. Já havíamos realizado as
oficinas com as turmas da parte da manhã. Nossa intenção maior nesta etapa era dar um
retorno do primeiro encontro e avançar no entendimento que os mesmos possuíam da
escola e do viver no assentamento, num mesmo movimento seria possível que também
remetêssemos às preocupações de ensino aprendizagem que nos conduzissem a todos a
realizarmos uma maquete da escola. Havíamos planejado isso para a terceira etapa, que
posteriormente percebemos que não seria possível realizar.
Tínhamos por objetivo proporcionar manifestações por parte dos estudantes das
quatro séries que nos relatassem sobre a vida na escola (quinta série), escola e MST
(sexta série) e nos assentamentos, com ênfase para a relação escola/MST/assentamentos
(sétima e oitava série). Essa separação respeita os temas que sugerimos desde o primeiro
encontro. Pretendíamos também que nos demonstrassem quais valores eles aprendiam
na Escola Agrícola que faziam com que essa fosse uma educação diferente. Mas cabe
novamente apontar que somente foi possível realizar as oficinas como haviam
planejados com a quinta e sexta série, visto que a sétima e oitava série estavam em
atividades de pesquisa de fim de ano. Com eles, tivemos um encontro para assistir a
filmagem referente a primeira oficina e combinarmos um encontro para o ano seguinte.
Com todas as séries debatemos os desenhos, as atividades lúdicas realizadas na etapa
anterior e realizamos uma breve avaliação oral.
Então a dinâmica com as duas primeiras séries da Escola ocorreu através de
dois momentos na mesma tarde: formação de grupos (primeiro escolheram um nome e
palavras de ordem do grupo), escolha de uma situação que fosse a mais importante da
escola, demonstração teatral silenciosa, a turma como um todo tentava dialogar e definir
o que o grupo apresentou anteriormente de modo silencioso. Faziam a mesma
apresentação na seqüência com voz e sons. Junto com os objetivos iniciais que já
apontamos, o que essa atividade revelou foi uma capacidade organizativa criativa por
parte de todos os educandos/as.
Poderíamos ter feito entrevistas com os educandos/as para obter as informações
sobre essas relações, mas preferimos atividades lúdicas-pedagógicas, para deixar o
diálogo e a colaboração deles e delas virem por gestos e outras possibilidades. Se
fôssemos resumir numa frase a participação e os objetivos alcançados com os estudantes
naquele dia, poderíamos dizer o seguinte: Respostas que suscitam perguntas.
Em todas as séries assistimos a uma filmagem95 (gravação feita pela educadora
que ministra as aulas de geografia e que me acompanhou nas oficinas da etapa anterior),
o que causou muito envolvimento nos/as educandos/as ao se verem na televisão. Cabe
dizer que quem me acompanhou nestas oficinas da segunda etapa foi uma pesquisadora
que trabalha com Sexualidade e Gênero dos Jovens Assentados.
Ao apresentarmos um desenho aos estudantes escolhemos desenhos da sétima
série para mostrar para a oitava série e vice-versa, com a quinta e sexta série fizemos o
mesmo. Solicitamos aos estudantes que se manifestassem sobre o que estavam vendo e
a partir do que observavam, nosso objetivo foi que realizassem uma descrição inicial.
Uma vez feita a descrição, relatando vários elementos, questionamos se aquilo era parte
ou toda a escola, parte ou todo o assentamento, enfim se a representação estava dando
conta de representar a escola ou o assentamento como um todo. Assim chegaríamos a
necessidade da realização do mapa e de aprendermos essa linguagem. Nesta etapa,
ficamos apenas na diferença entre representação a partir de uma visão oblíqua e uma
visão vertical. Discutimos também que esse tipo de representação tinha bases culturais,
chamando a atenção de que alguns povos nativos da América não possuíam ou não
possuem uma visão de perspectiva, criada pela cultura européia, inclusive datada
historicamente.
95 Esse filme surgiu como imprevisto da pesquisa, não fazia parte dos planos iniciais, mas uma vez realizado e demonstrando o registro da primeira oficina, o que serviria em nosso ponto de vista para que os estudantes pudessem recordar o que viveram na outra oficina. O que esperávamos era criar um sentimento de continuidade.
Segunda Oficina de diálogo com os educandos e as educandas da Escola Agrícola
25 de Maio: aspectos específicos de cada série.
Nesta parte dos nossos escritos somente apontaremos os títulos e os
comentários da dramatização realizada pelos estudantes naquela tarde de 27 de outubro..
As escolhas dos temas em grupos são reveladoras no sentido que apontam relações da
escola. Através das atividades de grupos podemos perceber o que mais destacam na
escola:
5.a série – 16 alunos (09 meninas e 07 meninos)
O trabalho através dos grupos ocorreu com dialogo entre os participantes, pudemos
perceber que todos os estudantes são bastante participativos, interessante que nenhum
grupo fez demonstrações de situações escolares parecidas com outros grupos.
Grupo 1 – futebol.
Grupo 2 – plantação e colheita de milho e feijão.
Grupo 3 – realizaram uma dramatização de que estavam estudando, fazendo trabalho
em grupo e depois apresentando a turma.
Grupo 4 – dramatizaram várias situações que desempenham nas “aulas práticas”.
6.a série – 22 alunos (10 meninas e 12 meninos)
Estes grupos realizaram dramatizações de situações vivenciadas na Escola e colocaram
títulos em seus grupos cujos quais demonstramos a seguir:
Grupo 1 – “Escola: um passo na vida” dramatizaram uma situação de sala de aula.
Grupo 2 – “Unidos na Luta”, dramatizaram alguns momentos da reunião das Brigadas.
Grupo 3 – “Prá soletrar a liberdade na cartilha do ABC”, dramatizaram envolvimento
com várias situações na escola (aulas práticas, místicas, futebol, festas).
Grupo 4 – “Comunicação e Cultura”, este grupo apresentou um leque de situações da
escola (vir de ônibus, assistir aulas, comer no refeitório etc)
7.a série – 14 alunos (07 meninas e 07 meninos)
Diálogo sobre a filmagem, sobre os croquis realizados por eles e encaminhamentos
futuros que a educadora da área de geografia iria realizar com eles.
8.a série – 13 alunos (04 meninas e 10 meninos)
Diálogo sobre a filmagem, sobre os croquis realizados por eles e encaminhamentos
futuros que a educadora da área de geografia iria realizar com eles.
OFICINA COM EDUCADORES E EDUCADORAS
As entrevistas com assentados/as e educadores/as poderiam ter dado mais
elementos para que utilizássemos no planejamento e nas ações dessa oficina, porem
sua sistematização foi impossibilitada de acontecer antes da aplicação da mesma.
Com certeza estas poderiam revelar mais circunstâncias para que pudéssemos
apresentar nesta oficina que realizávamos. Mas tínhamos uma caracterização
realizada dos encontros com os estudantes nas etapas anteriores, propusemos uma
oficina aos educadores e educadoras a partir de diagnóstico que surge desses
encontros anteriores. Um dos objetivos é que o corpo discente da escola ao
representar Escola e Escola/assentamentos, possibilitasse nossa análise a partir de
três tópicos: alfabetização em geografia (com ênfase a cartográfica), relação de
vivência da e na escola (o que no cotidiano, nas ações curriculares, faz dessa uma
escola diferente e qual a importância disso para os assentamentos), papel do MST
nas ações da Escola (um movimento nacional e as ações locais num caminho de ida
e volta). Alguns desenhos revelaram possibilidades que vão além desses objetivos.
Comentamos com os participantes que os estudantes foram mais geógrafos do quem
foi aplicar a oficina: solicitei paisagem e representaram o lugar, com todas as suas
relações. Os desenhos possibilitam alguma análise da Escola do MST?
Em Dezembro de 2003, realizamos uma oficina numa manhã e tarde num total
de oito horas. Foi a última atividade escolar antes da reunião denominada conselho de
classe, na qual se define quem é aprovado ou não; findava o ano letivo.
Para intervir qualitativamente na oficina com educadores e educadoras
utilizamos algumas das representações dos estudantes, que após analisados
permitem uma discussão da espacialidade e da territorialidade referente a
escola/assentamentos.
Os objetivos principais dessa oficina foram o de contribuir com a formação de
educadores e educadoras pelo viés das possibilidades da Alfabetização em Geografia,
destacando alguns conceitos e certas noções da Geografia, a luz do que percebemos nas
oficinas com os/as educandos/as e refletindo sobre alternativas e expectativas de que
educadoras e educadores construam propostas de ensino aprendizagem a partir do
debate efetuado neste encontro.
Descrevendo como ocorreu a oficina e quais instrumentos utilizamos.
A apresentação que se segue está dividida em duas seções: uma discorrerá
sobre os principais aspectos da oficina, ou seja, como ela ocorreu e uma outra na qual
comunicaremos algumas vivências e resultados das discussões sobre os conceitos e
noções, avaliando e sugerindo possibilidades curriculares e didáticos-pedagógicos.
I) Como ocorreu...
Apresentamos os temas que trabalharíamos naquela manhã, assim como os
objetivos e a necessidade de nosso encontro.
Denominamos “Sentidos da vida, sentidos humanos, sentidos da luta” a
sensibilização inicial de nossa oficina de diálogo com as educadoras e educadores96 da
Escola Agrícola. Começamos lançando aos participantes questionamentos sobre os
sentidos que possuímos. Remeteram ao cinco sentidos: olfato, paladar, visão, audição,
tato. Em seguida perguntarmos qual desses sentidos tem mais importância no mundo em
que vivemos, as respostas promoveram um breve debate inicial. Logo após
apresentamos um outro sentido que diz respeito ao que possuímos sobre a relação
96 A oficina de diálogo foi somente com educadores e educadoras, uma vez que não houve tempo de articular a presença de pais e mães que participam do conselho das três escolas, mas ao final de nosso encontro permaneceu a necessidade de ampliar para um dia todo os trabalhos com esses temas e que possa se transformar numa oficina de diálogo com os pais e mães assentados, atentando para algumas alterações sugeridas pelos participantes daquela manhã.
espacial: cinestesia. Para isso apresentamos uma discussão sobre leitura do mundo97, na
qual as filósofas revelam a importância de ler, aprendendo a ler o mundo. Destacamos
três citações do tecido apresentado por essas amigas do saber que nos convidam a
refletir:
“E assim fazemos o dia todo, a vida toda. A essa atividade de atribuir significados podemos dar o nome de leitura. A leitura nesse sentido, passa a ser uma atividade bastante ampla: é efetuada toda vez que lemos um significado em algum acontecimento, alguma atitude, algum texto escrito, comportamento, quadro, mapa e até, por exemplo, nas gracinhas de um cachorro. A tudo isso podemos chamar de leitura do mundo.” p. 12
“Desse modo, precisamos estar atentos a tudo o que acontece a
nossa volta e saber que todos os nosso sentidos (o olfato, a visão, o paladar, a audição, o tato e a cinestesia, isto é, a capacidade de sentir o espaço através de nossos movimentos) estão constantemente nos fornecendo inúmeras informações a respeito do mundo. Basta que prestemos atenção a elas.” p. 12
“(...) em latim, texto significa “tecido” e é entendido como
qualquer significado articulado através de uma linguagem determinada. Por exemplo um quadro pode ser um texto, pois tem um significado articulado através das linguagem da pintura (linguagem pictórica)” p. 12
Trabalhamos com os sentidos objetivando alcançar uma reflexão sobre como
eles são culturais, socialmente construídos e ao mesmo tempo individuais.
Assistimos as imagens gravadas das crianças e jovens nas oficinas realizadas
no primeiro encontro com os educandos/as, isso contribuiria para que os educadores/as
presentes pudessem tanto saber como ocorreu nossa relação com os estudantes, como
avaliarem em quais circunstancias e quais graus de envolvimento se deu a realização
das representações. Por uma questão de ética, os estudantes foram convidados a
comparecerem, ou seja, foram devidamente comunicados. Após assistirmos esse
audiovisual comentamos a importância das etapas que estávamos realizando. Também
optamos por não discorremos explicitamente sobre os limites dos estudantes na questão
97 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. 2.a ed. rev.. São Paulo: Editora Moderna. 1998.
cartográfica ou geográfica, pois uma avaliação nesse sentido poderia cometer injustiças
e ser entendida como uma enorme falta de respeito com o processo de escolarização e
os trâmites da escolaridade locais. Em determinados momentos estes limites percebidos,
realizados por pessoas que estão fora do processo, podem ser comunicado da maneira
mais propositiva possível, e foi essa a grande intenção dessa oficina com os educadores
e educadoras.
Abaixo apresentamos os temas que trabalhamos naquelas oito horas de uma
manhã e tarde de dezembro. Expressamos os motivos da escolha do tema em sua
associação com o projeto educativo do movimento socioterritorial. Indicamos os
procedimentos com relação a oficina, ou seja apontamos questões ou atitudes acionadas
e como essas proporcionaram o envolvimento do corpo docente da Escola Agrícola.
Os cinco sentidos (sensibilização inicial): Um dos sentidos do MST está ligado às
suas ações políticas, essas são as que mais despontam. No entanto, questiona e sugere
mudanças sociais em múltiplos sentidos, logo qualquer ação educativa numa Escola de
Assentamento que é fruto das luta por terra de trabalho deve atentar a necessidade de
incluir curricularmente todos essas possibilidades.
Temas: a) Conhecimento: o que é conhecer? Para quem serve o conhecimento?
Como o conceito permite a compreensão do mundo, sua leitura?
Como desenvolver isso com as crianças e jovens?
b) Geografia: aprender e ensinar (seis palavras chaves)
Evidenciar o espaço e o tempo como edificados social e culturalmente.
b-1) - Exercício sobre as palavras chaves: lembrar e ou pesquisar frases.
Tempo, Espaço; Trabalho, Natureza, Sociedade.
b-2) Na seqüência, realizamos a questão: como seria aqui na relação escola /
assentamento/ MST?
b-3) O papel das Canções do movimento (possibilidades didático - pedagógicas):
Princípios filosóficos da Educação do MST: educação para a transformação social, para
o trabalho e a cooperação, voltada para as várias dimensões da pessoa humana, com
Valores humanistas e socialistas, como um processo permanente de formação/
transformação humana.
Canções ensinam valores e influenciam comportamentos?
Responder essa questão demanda outra dissertação ou vários outros encontros, mas
chamamos a atenção sobre o motivo das escolhas dessas canções localizando-as na
disputa cultural que prevalece hoje entre a indústria cultural e a cultura popular.
Desejamos apontar as situações que surgiram no trabalho com as crianças e jovens. Um
exemplo: desconhecimento do significado da Reforma agrária por parte dos estudantes
da 5.a série.
c) Questão Agrária (algumas preocupações)
O que se escreveu e o que se escreve sobre o campesinato.
É importante confrontar com o que acontece na rea lidade do campo
brasile iro.
a. Espacialização e territorialização: conceitos ligados aos movimentos
Socioterritoriais
c. Territorialização do Monopólio e Monopolização do Território
b. Reforma Agrária: apresentar três visões sugeridas por Alentejano (2001)
d) Alfabetização Geográfica e Cartográfica (breves tópicos)
A chamada Alfabetização geográfica amplia a possibilidade de discussão sobre a leitura
do mundo.
Voltamos aos seis conceitos, apresentamos Gráficos e Mapas do Trabalho do Carlos
Alberto Feliciano e mostramos fotos, gráficos e mapas no retroprojetor da escola.
Ao lermos mapas convém ficarmos atentos para as noções de Lateridade (visão vertical
e oblíqua), noções de direção, percepção espacial, localização. Então, discorremos
também sobre escala, proporcionalidade, legenda. Como não pudemos aprofundar isso
com os estudantes, proporcionamos aos educadores/as que adotem isso como
preocupação. Discorremos sobre a necessidade de proporcionarmos aos estudantes que
se tornem capazes de serem leitores críticos de mapas e cartas e também possam ser
mapeadores conscientes (Simielli, 1992).
II) Vivências e resultados das discussões sobre os conceitos e as noções, avaliando e
sugerindo as possibilidades curriculares e as didático-pedagógicas.
Analisando alguns momentos que tivemos nesta vivência, percebemos a
importância dos temas, já que houve uma participação qualitativa dos educadores/as da
Escola Agrícola. Um exemplo dessa participação foi à questão feita em sala de um dos
educadores: quando trabalhamos com as canções do movimento, estamos
espacializando a luta?
Aproveitamos a questão levantada pelo participante para apoiarmos nos
exemplos de Martin (2002, p. 23) e chamar a atenção da diferença entre espaço e
território e entre espacialização e territorialização. No caso do processo de
espacialização cabe dizer que se inscreve no espaço como ele é (ao contrário,
territorialização é um processo que inscreve no espaço novas territorialidades). Fica
aqui a pergunta, ao escolhermos trabalhar com canções ligadas à luta pela terra, à
memória da luta, ao social com qualidade almejada, estamos fazendo isso para reforçar
a territorialização do movimento socioterritorial, possibilitar as novas gerações que
entendam o como e o motivo de estarem numa escola do MST, por viverem num
assentamento. Possibilitar que entendam o sentido de se viver ali naquele novo
território, o assentamento. E também sobre a instituição Escola que vem sendo recriada
sobre os escombros de uma educação tradicional que perdura no mínimo dois séculos.
Logo podemos dizer que nossas ações didático-pedagógicas na tentativa de fazer o novo
está em consonância com o processo de territorialização do MST, com a ação dos pais e
mães que ali habitam. Faz parte do processo de territorialização do movimento que não
acaba com a entrada na terra, em adquirir por concessão um lote de terra de trabalho.
Mas também é pertinente pensar que a utilização das canções pode ser uma
espacialização do Movimento ao mesmo tempo. Boa pergunta para que entendamos
esses dois processos: espacialização e territorialização, expusemos assim um exemplo
na lousa: Espacialização (acampamento e Escola itinerante) e Territorialização
(assentamentos e escola agrícola). Convém sempre chamar a atenção de que território
conquistado não significa que estagnou e o que o movimento acabou, nem do
capitalismo que quer desterritorializar e nem dos assentados que tem que continuar
lutando para manter a terra de trabalho.
Antes, porém, de discutirmos esses caros conceitos para a Geografia,
expusemos a citação do educador Thomas Tadeu (2000) que nos revela o seguinte:
“O conhecimento deixa de ser um campo sujeito à interpretação e á controvérsia para ser simplesmente um campo de transmissão de habilidades e técnicas que sejam relevantes para o funcionamento do capital. O conhecimento deixa de ser uma questão cultural, ética e política para se transformar numa questão simplesmente técnica”.
Assim, após debatermos o papel do conhecimento, tanto na citação acima como
nas ponderações de Cortella (2001), que nos escreve que o conhecimento e as certezas
são relativas. O “eu sei” é sempre relacionado a algo. O conhecimento necessita ser
considerado como uma capacidade humana que não é privilégio de alguns grupos. Desta
feita o que se dá é que na Sociedade em que vivemos e com essa Cultura hegemônica,
os que possuem mais criam o padrão do que é inteligência.
Para aprender e ensinar Geografia, ou simplesmente entendê-la, visto que nem
todos os educadores/as presentes a ministram, ratificamos a necessidade de analisar o
espaço e o tempo como construção social e cultural. Isso é elemento fundante para
quem vai educar considerando esses elementos, e isso é o que entendemos como um dos
pressupostos teóricos-metodológicos necessários para a responsabilidade social do
papel que possuímos de educadores e educadoras.
Relataremos e apresentaremos o exercício sobre as palavras chave, no qual
solicitamos aos dez participantes que lembrassem de frases relacionadas a esses temas,
ou se manifestassem após breve pesquisa. Divididos em dupla os participantes
encarregaram de analisar uma das palavras. Houve uma dupla que ficou com duas
palavras. Alguns foram buscar livros na Secretaria para poderem contribuir de maneira
mais qualificada, um ato de pesquisa sendo acionado. Foi pedido também que as duplas
relacionassem esses conceitos à vida local. Abaixo apresentamos as frases apresentadas
e algumas disposições do debate e da correlação que estabeleceram com o local em que
vivem:
Tempo:
“Quem de três milênios não é capaz de se dar conta. Vive na ignorância, na sombra, a
mercê dos dias, do tempo”. Goethe.
Lembramos dos tempos psicológico, do calendário gregoriano (existe também
o muçulmano para o qual chamamos a atenção dos participantes), e também o do
relógio. O tempo na escola é marcado pelo relógio, mas o andamento do ano letivo tem
que ser repensado de acordo com o plantio e a colheita de alguns cultivos da região.
Muitos jovens ficam um bom tempo afastados da aula na época do alho, por exemplo.
Cultura:
Com o caderno de formação do MST sobre Cultura um dos educadores leu o conceito
ali expresso: tudo o que fazemos para produzir nossa existência, pois cultura, trabalho
e existência se agregam (caderno de formação 34, p. 8).
Ou ainda
“A cultura, portanto é algo concreto que se move como uma força invisível no ambiente onde se produz a existência de um determinado grupo social e influi profundamente em seu comportamento” (p. 20).
Para colaborar, após a manifestação dos participantes sobre a palavra chave
apresentamos uma concepção de “cultura” da Antropologia: “o conjunto de modos de
ser, viver, pensar, falar de uma dada formação social” (Bosi, Dialética da
Colonização, 1996, p. 319) e a definição de Brandão (1986) como "modos de viver,
sentir, pensar e expressar a vida com uma lógica própria, cognitiva e valorativa de
significar o real". Essas concepções apresentam os modos e os jeitos dos grupos
viverem em sociedade. A diferença entre elas é que na primeira associa sociedade com a
cultura e na segunda percebemos a questão de significar mais o viver.
É importante que não se use o termo “cultura” simplesmente como sinônimo
de atividades artísticas, ser usado como sinônimo disso. Como vimos nas definições
anteriores esse conceito é mais amplo que isso. A arte é apenas mais uma possibilidade
(com diferentes linguagens) da cultura. Encerramos esse tema discorrendo sobre
Cultura Escrita, oral e televisiva (midiáticas).
A colaboração para refletir sobre o “próximo vivido”: na região existe a mescla de
muitas culturas, mas predomina a dos imigrantes europeus sobre a dos indígenas. O
Estado de Santa Catarina tem uma diversidade cultural. Os camponeses têm cultura
própria?
Natureza
“Desconfiai do mais trivial e examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar” (Bertolt Brecht).
Ao debatermos essa palavra chave e sua importância para nossa atuação
educativa, temos que necessariamente lembrar de uma frase de Carlos Walter P.
Gonçalves que nos aponta que o conceito de natureza não é natural. Além disso o
equívoco é tratar “natural” como sinônimo de “normal” ou de “tempo longo”. De fato o
tempo da natureza ou o geológico acaba disfarçar a transformação. Não vemos uma
montanha nascer e desaparecer.
A natureza aqui pode ser pensada a partir do domínio das Araucárias e das
plantações de maçãs que dependem de muitos dias frios por ano.
Trabalho: Os participantes apresentaram os seguintes temas: “O trabalho dignifica o
homem”. “Diferenças e semelhanças entre o trabalho no campo e na cidade”. “A
diferença entre trabalho escravo e trabalho livre (embora o termo “livre” tenha sido
questionado e debatido)”. E mesmo no campo, como é trabalhar enquanto assentado e
como empregado (se bem que muitos estão dependendo de trabalho externo que já não
é tão acessório assim).. Quando esse tema vem à tona necessariamente a questão das
classes sociais de nossa sociedade se apresentam.
Sociedade: Sobre sociedade coube a uma dupla discorrer sobre o tema. Elaboraram
perguntas e discussões sobre as respostas. Como podemos denominar a sociedade em
que vivemos? Essa questão gerou uma discussão, na qual surgiram sub-temas como
sociedade capitalista, industrial, comparação com sociedades indígenas.
Frase elaborada: Sociedade é o que queremos mudar, queremos uma nova sociedade.
Espaço: A dupla encarregada de contribuir com esse tema sugeriu que pensássemos
sobre as diversas maneiras de utilizar essa palavra: espaço sideral, como sinônimo de
lugar, surgiram novamente com a questão da cinestesia. Longe e perto, alto e baixo. O
espaço da ciência física também foi apresentado. Ao final discorremos sobre a diferença
entre o espaço geográfico e o espaço na dimensão física. Chamamos a atenção para não
cairmos no sentido de espaço como palco, mas sempre em construção.
Esse exercício feito para “aquecer” nosso encontro, pois saímos de uma
questão dos sentidos e avançamos para conceitos que ampliam nosso pensar sobre o
mundo em que vivemos em vários aspectos e dimensões.
Com o intuito de responder a questão: Como seria a relação escola /
assentamento/ MST? Para dinamizar nosso trabalho lemos o folder do 5.o Concurso
Nacional para estudantes do MST “As sementes são um patrimônio da Humanidade”.
Com esse tema a intenção do concurso que é de ligar o local ao nacional, liga também
todas as escolas do MST. Todas as escolas participam, sejam de assentamentos ou as de
acampamentos. Isso une o povo, estudantes de acampamento e assentamentos, convida
a pensar as sementes com o mundo todo, sugerir aos camponeses do mundo inteiro para
produzirem suas próprias sementes. Trata-se de um combate explicito ao agronegócio,
fortalecendo a cultura e a identidade camponesa. Esse concurso se apóia na idéia de que
as sementes são heranças de uma geração para outra. O concurso permite trabalhar com
diversas linguagens artísticas (arte-educação), possibilitando a liberdade de expressão, a
criação e ao mesmo tempo o aprender coletivo, ao mesmo tempo aproxima e sensibiliza
para causas comuns. O objetivo é de que o MST como semente que vira planta e gera
mais sementes.
Com os educadores e educadoras, após debatermos sobre os seis conceitos-
chave para o ensino aprendizagem de Geografia, partimos para a construção de uma
definição de Geografia:
Ciência que pesquisa / analisa o espaço construído pelo trabalho de seres humanos que vivem nas diferentes sociedades (diferentes culturas), seja no tempo recente ou através dos tempos, considerando o espaço ocupado como resultado / reflexo do movimento destas sociedades em suas contradições e nas relações que estabelecem com a natureza e com o mundo (abertura para o mundo) nos diversos tempos históricos.
Esse exercício de construção da definição pelo grupo, calcada no
relacionamento de seis palavras-chave que consideramos importantes para o
ensinar/aprender Geografia: Trabalho, Sociedade, Natureza, Tempo, Espaço, Cultura.
Duas críticas com relação a essa tentativa de definição: a falta de preocupação com a
questão da escala, a ênfase maior ao tempo do que ao espaço. Urge entender o motivo
dessa tendência e descobrir qual o motivo que faz com que o tempo prevaleça sobre a
espacialidade. É pertinente lembrar Castells que aponta que a sociedade é o espaço e o
espaço é a sociedade.
Naquela manhã, discutimos a questão do conhecimento apresentando a
seguinte problematização: Como nós mesmos e os estudantes com quem trabalhamos
nos envolvemos com o conhecimento, enfim, como aprendemos? Esta pergunta é
importante para nosso encontro e para nossas atividades educativas devido a pouca
ênfase que damos ao imbricamento entre tema a ser trabalhado / estudantes e escola
que nos relacionamos / mundo em que vivemos. Precisamos refletir e nos localizarmos
como educadores, para tanto o que importa é que estejamos interados na discussão sobre
sujeitos/educação. A contribuição que trouxemos diz respeito a Vigotsky e ao Sócio–
Interacionismo, que se trata de uma concepção do psiquismo humano que explica como
o “sujeito” aprende e se desenvolve. Esse desenvolvimento da aprendizagem da criança
deve ser acionado no momento em que nos envolvemos com educação escolar. Para
destacar o Sócio-Interacionismo apresentamos as outras correntes às quais este se
contrapõe: o Inatismo e a corrente Ambientalista. A primeira tem seus fundamentos na
correntes filosóficas Racionalista e Idealista inspiradas pelos filósofos Descartes,
Espinosa e Leibniz. Estes explicam que as capacidades básicas do ser humano, já se
encontram completas, inatas no indíviduo. Ou aguardam o amadurecimento, dando
assim ênfase aos elementos hereditários. Dessa maneira, o desenvolvimento é pré-
requisito para o aprendizado, a criança será alfabetizada quando estiver pronta, a escola
pouco pode fazer. Logo essa escolarização exclui a figura do professor mediador e
transfere a responsabilidade do insucesso nela mesma e na família. Paramos para refletir
se essa é a Escola do Movimento.
Prosseguindo nas nossas preocupações de associar Escola do Assentamento e
conhecimento, apresentamos outra corrente: a Ambientalista que relaciona a filosofia
empirista e positivista, dá grande ênfase à experiência e a formação de hábitos para
estruturação do conhecimento e do comportamento. O Ambiente Externo predomina no
sujeito. Nessa corrente o Desenvolvimento dos estudantes e a aprendizagem se
confundem e ocorrem simultaneamente. Encontramos essa tendência na pedagogia
tradicional que vê o aluno como “receptáculo vazio”. Lembramos do saber bancário,
denunciado por Paulo Freire, que mostra o papel social da escola que adota essa postura.
O papel é de transmitir a cultura de forma modeladora (não dá importância a realidade
pessoal e social do aluno). Nesse contexto, o estudante98 torna-se passivo e deve
cumprir as regras, não é fomenta do a interação de aprendizagem entre os estudantes. O
professor é tido como o adulto, que é o homem acabado, pronto e completo, modelo
perfeito para ensinar as crianças. (laissez-faire).
Enfim, chegamos ao Sócio-Interacionismo, que explica como nós aprendemos
e nos desenvolvemos, relevando aspectos culturais. Iniciada por Vigotsky na União
Soviética dos anos 10/20 e 30 do século XX, explica que o meio e o indivíduo se
influenciam mutuamente, parte do pressuposto que existe uma associação entre
dimensão biológica e social no ser humano na qual o desenvolvimento se dá por trocas
recíprocas, que se estabelecem durante toda a vida, entre indivíduo e meio, cada aspecto
98 Gostaríamos de chamar a atenção para a palavra aluno: quer dizer o “sem luz”, o que vai receber a luz. As palavras têm origens sociais e históricas, essa palavra aluno vem da idade média. Por falar em disputa de palavras o MST entende bem disso, ao disputar socialmente também algumas palavras com a Mídia e a Elite brasileira, como exemplo podemos citar ocupação e invasão.
influindo sobre o outro. Destacamos dois conceitos importantes e complementares da
obra vigostikyana: Internalização e Funções. A internalização ocorre através da
convivência das trocas de experiências, assim a criança vai internalizando, ou seja
elabora internamente o que é exterior a ela, construindo as Funções Mentais
Psicológicas Superiores. Estes são mecanismos intencionais99, ações conscientes
controladas e se desenvolvem a partir da interação social. São Signos e instrumentos
que exercem função mediadora entre homem e meio e que mais uma vez repetimos, são
frutos da cultura. Para nós educadores essas Funções podem contribuir em nosso
trabalho, pois é possível que ao entendê-las possamos criar atividades com o ato de
comparar, analisar, classificar, realizar sínteses. Nessa discussão sobre desenvolvimento
e aprendizagem, quase sempre recorremos ao conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal, que Vigotsky nos sugere como sendo a distância entre Nível de
desenvolvimento real e o Nível de desenvolvimento potencial de cada ser humano em
sua relação com a aprendizagem, em sala de aula ou em qualquer atividade educativa
requer que levemos em conta os estudantes que sabem mais e os que sabem menos,
criando encontros entre eles através de trabalhos em grupos. Usamos, então, um
exemplo dos PCN’s volume 05 História e Geografia, que aponta:
“O documento de Geografia propõe um trabalho pedagógico que visa à ampliação das capacidades dos alunos, do ensino fundamental, de observar, conhecer, explicar, comparar e representar as características do lugar em que vivem e de diferentes paisagens e espaços geográficos”.
Como falamos em Signos e instrumentos, poderíamos agora entrar na questão
da Alfabetização em Geografia, com ênfase para alguns aspectos da Alfabetização
Cartográfica.
Conversamos com os participantes sobre o que fizemos no dia, no momento de
discutirmos o diagnóstico que fizemos sobre o ensinar / aprender Geografia, a
importância de saber sobre as questões da espacialidade socialmente construída.
Algumas conquistas que se revelam nas representações dos estudantes precisam ser
melhor aproveitadas enquanto possibilidades curriculares. O ensino aprendizagem das
99 Oposto dos processos psicológicos elementares que podem ser observados em animais e crianças, como exemplo podemos lembrar as ações reflexas. Comparações entre crianças com poucos meses e macacos são recorrentes nos estudos que se preocupam em comparar e encontrar paralelos entre esses processos.
questões espaciais e territoriais precisam ganhar dimensões políticas pedagógicas, estar
no rol dessas preocupações e não ser apenas mais uma obrigatoriedade da grade de
disciplinas da escola. A discussão que vimos apresentando desde o item observação
demonstra que o contrário também é necessário ser repensado, ou seja, o político (ações
ligadas a luta: manifestações, plebiscitos, eleições, etc.) precisa ser embebido de
aspectos científicos. Uma aprendizagem que considera a leitura do mundo a partir do
local, da leitura de paisagens e inclua os dispositivos da alfabetização cartográfica pode
apontar para essa junção.
Algumas preocupações, no que tange à Questão Agrária, sobre aspectos de
territorialização e espacialização precisam ser assumidas curricularmente pelo
movimento. Foi esse dialogo que realizamos naquela tarde e que demonstra a
importância do registro que elaboramos a seguir:
“Campesinato fruto da expansão capitalista, que sempre os expulsa, mas esses sempre
querem voltar para a terra. A resposta da elite contra isso sempre foi violenta”.
Usamos trechos do texto de Alentejano (1996)100, apresentando três concepções
de Reforma Agrária que temos no Brasil de hoje. Essas três concepções já nos sugerem
a seguinte pergunta: como defendem ou implementam a escola esses três modos de
propor a RA? Expusemos essas divergentes visões: a primeira que trata a Reforma
como uma política social compensatória (compensar o que não deu certo com o advento
da modernização brasileira), a segunda como política distributiva (agricultura familiar,
garantir crescimento e garantir segurança alimentar, visa a democratização do
Capitalismo), e finalmente a que defende a Reforma Agrária como política voltada para
a transformação do modelo de desenvolvimento vigente, questionando a Modernização
(acusa a mesma de ser ecologicamente insustentável, socialmente perversa e
economicamente cara).
Para contribuir na discussão trouxemos a resposta e a conceituação de Stédile
sobre Reforma Agrária 101 que consideramos importante para comparar e equiparar com
a definição de Alentejano. Sabemos que os dois autores defendem a última visão
100 Alentejano, Paulo Roberto R. . O sentido da Reforma Agrária no Brasil dos anos 90. Cadernos do CEAL. Salvador Novembro/Dezembro 1996 no 166.
apresentada anteriormente. Assim Stédile define Reforma Agrária a partir de três itens,
uma do Tipo Clássico, que ocasiona na confusão entre RA e política de Assentamento
(ainda que só exista essa política como resultado do confronto, da luta de classes); e um
amplo Programa de desapropriações de terra para acabar com desigualdades sociais e
eliminar pobreza. O economista continua, afirma que é preciso democratizar o capital
para existir a democratização da educação. “(...) uma luta contra três cercas. A cerca do
latifúndio, que é mais fácil de derrubar, é só ocupar. A cerca do capital, já mais difícil,
ter acesso, construir nossas agroindústrias; e a cerca da ignorância”.
Contra essa última os camponeses se perguntam qual escola queremos e qual
serve para derrubar essa cerca?
Muito do material e instrumental apresentado pareceu novidade para eles e
elas, tanto estudantes como educadores e educadoras. Para estes últimos principalmente
a questão da união entre os diversos conteúdos que apresentamos, que fica evidente
quando trabalhamos com as seis palavras – chave e conseguimos percebê-las nos
conteúdos que escolhemos para discutir com os estudantes. Devemos perceber os
conceitos acontecendo próximos e cotidianos a nós.
Discorremos aos que participavam da oficina sobre como mostramos um
desenho aos estudantes, como os estudantes se manifestaram a respeito do que estavam
vendo. Foi de certa maneira uma versão simplificada de leitura de paisagem, saindo do
observado, realizaram uma descrição inicial. Após a descrição, efetuamos
questionamentos sobre como a escola aparecia ali, como uma parte ou todo da escola e
do assentamento, representar a escola ou o assentamento como um todo. Explicamos
aos educadores/as a importância da realização de atentarmos sobre a linguagem das
cartas e mapas. Afirmamos que além da visão oblíqua e vertical, outros elementos são
necessários de serem trabalhados: escala, legenda, etc. Apresentamos divergências
culturais no que tange à representação da realidade, dando exemplo do Eurocentrismo
do Mapa - Mundi que utilizamos.
101 STEDILE, João Pedro. FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente. A Trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo.Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999.
Comentário final sobre as oficinas
Finalmente, é necessário apontar os últimos aspectos que trabalhamos nessa
oficina: diz respeito aos potenciais didáticos-pedagógicos percebidos a partir do
observado no cotidiano escolar e dos assentamentos e também nas atividades que
desenvolvemos. Uma vez apontados os limites, pretendemos contribuir propondo e
atuando com o cabedal da ciência geográfica que pode proporcionar a construção de
um verdadeiro entendimento das relações capitalistas no campo brasileiro e a resistência
camponesa a essas imposições.
O primeiro diz respeito à questão simbólica da bandeira. Observando os
desenhos muitas crianças efetuaram em suas representações a Bandeira do Movimento.
Estavam vivendo na época do exercício dos desenhos a euforia da festa de 25 de maio.
Mas temos que ter claro que a bandeira é constante nas atividades semanais da Mística e
pelo menos uma vez por semana se canta o Hino do Movimento e se reverencia a
Bandeira do MST.
Ao solicitar que desenhassem a Escola, muitos representaram o lugar, um
conceito central para a Geografia, mostrando o espaço vivido através de bandeiras,
jogos que desenvolvem, atividades curriculares. Em algumas representações podemos
perceber uma verdadeira síntese do local e do Nacional.
A aprendizagem de Geografia numa Escola do Campo e a formação de
conceitos utilizando a linguagem cartográfica para compreensão das ações podem ser
pensadas e sistematizadas enquanto propostas de ensino aprendizagem a partir dessa
simples contribuição, pelo menos num aspecto inicial. Poderíamos a partir dessas ações
contribuir na formação de conceitos entre os educadores/as, ao final realizando uma
avaliação crítica e sugerindo uma proposta de ensino de alguns conceitos para reforçar a
relação entre saber acadêmico e saber escolar. Enfim, ao analisarmos como está sendo a
formação geográfica dos estudantes e de como uma proposta de ensino pode auxiliar
nessa formação, descobrimos que também podemos estender essas preocupações e
contribuir para a formação dos educadores.
Sobre as canções percebemos que demonstram algumas das necessidades mais
recentes dos camponeses organizados. Refletem no conteúdo vivo das escolas de
assentamentos. Na letra da canção Prá soletrar a liberdade de autoria de Zé Pinto,
verificamos o tom de crítica social, de resistência organizada, mas também um tom
propositivo, apontando caminhos e saídas. Uma audição atenciosa do CD Arte em
Movimento indicará que em outras canções essa proposta pode ser acionada. Isso tudo
vira arcabouço para o conhecimento e as descobertas a serem apresentados nas escolas
de assentamento. Trata-se portanto da dimensão de espacialidade do movimento no
território escolar, já discutida no início de nossa narração sobre essa oficina. Na canção
de Zé Pinto, podemos levantar questionamentos: um novo jeito de ser vem se
construindo? Qual o papel do ensino de Geografia? Qual o papel do ensino de
Geografia para essa (e outras) Escolas do Campo?
As místicas e seus temas (que já discorremos no item “observação”) criam
responsabilidades, quesito que parece bastante importante no rol de valores apregoados
e ensinados numa escola do Movimento, pois “a mística é algo que menos se fala e mais
se faz” – “Mística é um sentimento de transmissão de valores, sejam eles religiosos ou
políticos” (p. 04)102. Ou ainda “apoiada no pensamento de Leach (1996) pode-se
depreender que a mística juntamente com a música e a musicalidade são elementos
cotidianos da vida dos sem terras”. (Caneparo, 2001). Cada tema poderia ser um elo de
ligação para trabalhos interdisciplinares.
Outro aspecto importante a ser destacado é a relação de vivência da e na escola
que no dia- a -dia implanta essa criação moderna chamada cotidiano. Temos na Escola,
tanto quanto em outras os tempos tradicionais, porém mesclados com possibilidades
que alteram, no caso podemos citar as místicas.
O papel do MST nas ações da Escola, além de estimular a Memória da luta, o
ato de coragem coletiva de buscar a terra de trabalho, deve ser o de relevar a
característica da estrutura interna de organização sócio-cultural que institui os sujeitos
enquanto camponeses. Movimentos no sentido de discutirem e se perceberem enquanto
comunidade já vem sendo realizados nos assentamentos, mas o papel da Escola ainda é
menor em relação a isso. Assim, a relação íntima com a terra, ou seja, o pleno
102 Caneparo, Karin Cristina. LUTA POLÍTICA E RITUAIS: A “MÍSTICA” DO MST. / Fpolis. 2001 – Trabalho de Conclusão de Curso de CSO – UFSC/SC.
conhecimento dos ciclos da natureza e das técnicas de produção, e o reconhecimento
desta terra como o lugar da morada, da produção de alimentos, da reprodução social e
de herança da família; a prática da ajuda mútua; o trabalho acessório que aparece
principalmente nos períodos de entressafras e nos momentos em que as condições
financeiras das famílias passam por crises; as relações de parentesco, compadrio e
vizinhanças travadas na comunidade, a amizade gerada na época de acampamento; o
direito costumeiro, no qual as relações sociais e econômicas estão baseadas na
confiança da palavra e na prática do respeito mútuo entre as pessoas da comunidade;
pelas manifestações culturais, geralmente com um forte conteúdo religioso, mas
sobretudo as festas; e principalmente a extrema capacidade de mobilização política
contra as ações dos grandes proprietários rurais ou dos governos que os prejudicam
precisam comparecer com mais força na base de um currículo vivo. Em nossas
observações podemos perceber que manifestações culturais e mobilização política
adentram a Escola e saem da Escola rumo aos assentados. Os outros quesitos ainda
estão isolados, acontecem nos assentamentos, despontam nas entrevistas, mas não são
aproveitados nem enquanto subsídios para a formação de educadores e educadoras e
nem sequer como preocupação curricular.
Para encerrar esse capítulo, com as ponderações realizadas na oficina de
diálogo com educadores e educadoras, bem como encerrar esses comentários gerais que
efetivamos no momento de escrita, cabe discorrer sobre a Alfabetização em Geografia.
Optamos por mostrar para eles e elas o Espaço, o tempo e a cultura na leitura das
paisagens e iniciamos nos reportando ao significado da palavra “Alfabetizar”, para
depois explicar o que é Alfabetizar em Geografia. Ao trabalharmos em educação com
crianças e jovens nunca é demais lembrar que o alfabeto é o corpo de signos que
articulam a linguagem escrita, tão cara para nosso projeto civilizatório, mais uma das
maneiras de fazer adentrar as novas gerações ao código escrito e à Cultura propriamente
dita. Logo alfabetizar em Geografia abrange vários aspectos, tão vasto quanto é o corpo
de preocupações dessa ciência. Ativemo-nos num aspecto: a leitura de paisagens e suas
relações com o espaço, o tempo e a cultura. Convidando as crianças a aprenderem a
perceberem e pensarem o mundo a sua volta e o mundo mais distante, para quiçá
poderem galgar em sua caminhada de educandos a cidadania plena: protagonistas e
sujeitos da história. O MST traz em suas ações várias dessas preocupações, as
atividades escolares apontam para isso, mas qual o limite?
As possíveis conexões dos seis conceitos – chave. Esses que sozinhos ou em
conjunto abrem as portas para percebermos, analisarmos e transformarmos o mundo
para melhor. Algumas reflexões possíveis que merecem ser levadas em conta: espaço e
tempo são uma construção social e cultural, ou seja, as diversas sociedades do mundo
hodierno apresentam maneiras diferentes de relacionamento com espacialidade e
temporalidade. Como exemplo, podemos citar os muçulmanos que tem um outro
calendário No caso dos camponeses adotam a temporalidade das colheitas e plantações,
baseando-se nas estações climáticas. Sobre Sociedade cabe lembrar que vivemos em
uma hegemônica que denominamos de Capitalista e que tem por base a produção de
mercadorias através principalmente da indústria. Alguns intelectuais a chamam de
Sociedade Industrial porém no Brasil, sempre é bom lembrar que temos centenas de
povos indígenas que falam uma variedade de línguas e idiomas. São diversas as
sociedades, dentro da que podemos chamar de sociedade brasileira e podemos avançar
na questão do Trabalho e a da Natureza que possuem uma relação importante. Mas
lembremos que o trabalho assalariado é marca do Modo de Produção Capitalista e que
sem explorar os trabalhadores a sociedade capitalista não sobrevive. Sobre a palavra
Natureza as frases sugeridas de Brecht e Carlos Walter Porto Gonçalves nos convidam a
pensar sobre nossa condição de educadores e o mundo em que vivemos. O primeiro tem
uma frase que é fundamental para escaparmos de uma armadilha: “Nunca diga que algo
é natural a ponto de parecer imutável ” . Já o Geógrafo Carlo Walter aponta num de seus
inúmeros textos que o conceito de Natureza não é natural. O Ser humano é um ser social
acima de tudo e a base de nossa humanização, ou melhor, o que nos faz seres humanos é
a cultura e podemos contribuir para permanecê-la e / ou transformá-la. O senso comum
e a ideologia dominante nos convidam a confundir situações sociais com naturais, o que
nos possibilita usar a palavra natural como sinônimo de normal. Mas é evidente que o
normal nesse caso ganha uma temporalidade que remonta ao Tempo Geológico,
imutável para a percepção do tempo de vida humana: alguém vê em sua parca vida uma
montanha nascer e desaparecer? Tudo em nossas vidas passa pelo crivo do viver em
sociedade, inclusive os conceitos e o conhecimento.
Assim, ler paisagens é mais que uma simples técnica e sim um convite para a a
discussão da construção da cidadania crítica e criativa. Mais uma contribuição da
ciência geográfica para que as crianças aprendam a aprender, possam ler e saber a
importância da espacialidade. Essa não é somente o reflexo do viver socialmente e o
espaço é a sociedade, como afirma Castells. A leitura das fotos ou representações de
paisagens possibilita que saiamos do objeto e façamos abstrações sobre suas várias
possibilidades. Outros locais ocupados de outra maneira, vários trabalhadores, outras
relações, nosso conhecimento de história do Brasil, do local, do mundo, a possibilidade
de pesquisa, tudo isso nos convida a olhar a paisagem com outros olhares, com novas
determinações. Essas determinações podem sugerir novos questionamentos e outra
caminhada em busca do conhecimento. Assim, entender e aprofundar nosso
entendimento de cultura, atividades educadoras incentiva-nos a sentir e a agir como
protagonistas da construção de um Brasil que inclua os brasileiros, almejando uma
sociedade de paz.
Finalizamos com o grande mestre de todos nós, Paulo Freire: “A escola tem
que ser local, como ponto de partida, mas tem que ser internacional e intercultural,
como ponto de chegada”. Esperamos que essa oficina realizada, assim como as que
virão fruto da defesa de mestrado, possam servir para entendermos e acionarmos essa
máxima freiriana.
ORICURI (SEGREDO DO SERTANEJO)
João do Vale – João Cândido
Oricuri madurô, é sinal de que aracuá já fez mel.
Catinguera fulorô lá no sertão, vai cair chuva a granel
Aracuá esperando oricuri madurecê
Catingueira fulorando
Sertanejo esperando
Chuver.
Lá no sertão quase ninguém tem estudo
Um ou outro que lá aprendeu ler
Mas tem homem capaz de fazer tudo, doutor
E antecipar o que vai acontecer
Catingueira fulora faz chuve
Andorinha vuo vai te verão
Gavião se canta é estiada
Vai haver boa safra no sertão
Se o galo cantar fora de hora
É mulher dando o fora pode crer
Acauã se cantar perto de casa
É agouro é alguém que vai morrer
São segredos que o sertanejo sabe
e não teve o prazer de aprender ler.
Oricuri madurô, é sinal de que aracuá já fez mel.
Conclusões “inconclusas”
Conclusões “inconclusas”
Os dois Joãos ao comporem a canção que aparece como epigrafe desta seção,
denunciam uma situação do nosso país, existe um saber sertanejo e o comunicam ao
doutor. Um saber diferente dos ditames da modernidade, dos pressupostos da
modernização conservadora brasileira. Um saber que se constrói na relação de
observação da natureza, com base em ditos e desditos. Esta canção se torna uma
epígrafe emblemática que revela bastante do que vimos apontando, do que nos faz
pesquisador, e das próprias conclusões a que chegamos através do desvendamento que
realizamos a partir do local estudado, das relações que lá percebemos. O que a canção
revela implicitamente é que no meio do caminho tem uma escola. Ao apontar o prazer
da leitura, e evidentemente da escrita, os autores possibilitam o entendimento da
situação que a canção expressa. Que no meio do caminho existe uma postura que se
apóia também na escolarização das novas gerações para continuar a luta de construir
uma cidadania camponesa. O segredo quando escutamos a canção remete ao Nordeste
Brasileiro, se trata de uma canção de poetas sertanejos lá do nordeste. Mas essa relação
pode ser entendida pelos camponeses do Sul do país, existe um fio condutor apesar da
grande distância temporal e espacial. Com o termo segredo sertanejo podemos aludir a
segredo camponês. Os compositores apontam um movimento interno de nosso país de
analfabetização, ou seja, o letramento não atinge a todos os brasileiros de imediato e
isso vem ocorrendo há várias décadas. Denunciam a falta de estrutura escolar e não
somente em relação e papel dentro da sociedade. Reflexo de uma postura perante o
povo, não saber ler não é devido a escolhas dos sujeitos, mas sim à falta de
oportunidade ou se essa foi dada promoveu a expulsão. E isso não é só no campo, na
cidade também. Mais uma vez reportamos ao que já escrevemos, a escola era no campo,
mas a lógica era urbana. Arroyo (2002) quando num caderno de educação do campo,
fala de expulsão que acontece nas escolas no campo, remete a essa lógica. Ou a escola e
a escolarização respeita os ritmos e os jeitos dos camponeses e dos seus filhos e filhas,
ou continuaremos a precisar ouvir essa canção como relato do presente, para isso esse
autor indica a necessidade de uma escola do campo. Porém a conclusão a que chegamos
em primeira instância após nossa pesquisa é que o movimento por luta pela terra de
trabalho somente sobrevive e modifica algo se tiver uma construção e um movimento de
escola e escolarização. Ao seu jeito, portanto, dentro dessa luta e desejo encontramos
uma escola do campo chamada não oficialmente de Escola Agrícola 25 de Maio.
A presente investigação buscou refletir num primeiro momento sobre como as
estratégias e táticas do MST se transformam em ações didáticos-pedagógicas e
possibilitam que as crianças e jovens, assim como os educadores/as se sintam parte da
territorialização e espacialização da luta pela Reforma Agrária. Tratou-se, portanto, de
uma investigação que levou em consideração um relacionamento que necessita se apoiar
numa noção fundante da ciência geográfica: a escala. Tratamos nessa pesquisa de
estudar um lugar, que por sua vez tem caráter nacional, mas isso tudo num movimento
de ida e volta, ou seja, só é possível entender as dinâmicas e as relações do lugar –
escola dos assentamentos – se entendermos tal lugar como síntese do Nacional e do
Mundo. Síntese de um movimento que é histórico, no que diz respeito a disputa por
território no Brasil, a desterritorialização que o Capital promove, num movimento de
mundialização desse Modo de Produção. Tratamos de um Movimento Socioterritorial
que, ao lutar por um quinhão de terra de trabalho, aciona concomitantemente uma luta
pela mudança da sociedade brasileira como um todo. Isso sustenta um dos elos desse
trabalho, mas tivemos outros atrelados a isso. Muitas possibilidades surgem a partir
dessa reflexão, porém existem atividades escolares que são comuns a uma tradição
escolar, a instituição escola já vem imbuída de tempos e espacialidades e, portanto, de
relações pré - estabelecidas. Numa escola atrelada ao MST, o cotidiano se faz através do
choque, da resistência, da adequação e dos limites e das possibilidades, da criatividade e
da burocracia. A tradição escolar apresenta atitudes que divergem do que almeja o
movimento Socioterritorial. Percebemos que a partir desses entraves e possibilidades
persiste a luta pela conquista e manutenção da terra de trabalho que é bastante
significativa, pois estabelece possibilidades que podem ou não trazer novidades
curriculares e alterar substancialmente as relações didáticas pedagógicas no cotidiano e
no ano letivo escolar. Isso tudo implica na formação de educadores e educadoras e
novas possibilidades de ensino aprendizagem aos estudantes.
Foi sobre isso que estudamos, tratamos, relatamos e analisamos aqui. Nestas
conclusões, seguiremos dois caminhos: o que a realidade apresenta e o que pudemos
revelar delas em nossos escritos. Assim, no escrever podemos perceber os limites, os
erros, mas como afirmam alguns educadores, ao tentarmos realizar uma pesquisa, tentar
revelar a realidade como se estivéssemos tentando aprisioná-lo, cometemos erros.
Muitos aprofundamentos teóricos ficam para as próximas etapas de pesquisa. Cada erro
porém gera um aprendizado. Porém estamos convencidos que acertamos pois
contribuímos para contar um pouco sobre nosso país, seja resgatando passados não
revelados ou presentes disfarçados pelas construções midiáticas. Assim, também
podemos afirmar que acertamos ao dar voz aos brotos do futuro e da esperança, uma
exeqüível saída contra a barbárie que nos assola.
Através da caracterização que realizamos ao longo desse trabalho, no qual
apontamos as possibilidades e limites de uma Escola de Assentamentos, buscando
evidenciar nossa observação do cotidiano e a fala dos próprios sujeitos envolvidos, seja
por meio de colaboração por parte deles através de entrevistas ou ainda da participação
direta nas oficinas de diálogos. As partes e o todo ao serem analisadas em seu
movimento repleto de historicidade e geograficidade contribuíram para revelar a relação
dos sujeitos e dos lugares e destes com os sujeitos, pois entendemos que um ao se
modificar, modifica o outro. A necessidade de captar o movimento do Movimento em
movimento. Quais caminhos escolherão na encruzilhada que se mostra? Nosso trabalho
ainda apenas mais constata o existir dessa encruzilhada. Agimos com a prática de
denunciar e de anunciar a superação dos problemas desvendados por nós ou pelos
sujeitos envolvidos com a situação que analisamos. Num apontamento da Pedagogia da
Indignação, Paulo Freire quando comenta sobre uma das grandes possibilidades da
pesquisa, revela a importância dessas atitudes,
“A denúncia e o anúncio. A prática de constatar, de encontrar a ou as razões de ser do constatado, a prática de denunciar a realidade constatada e de anunciar a sua superação, que fazem parte do processo de leitura do mundo, dão lugar a experiência da conjectura, da suposição, da opinião a que falta porém fundamento preciso. Com a metodização da curiosidade, a leitura do mundo pode ensejar a ultrapassagem da pura conjectura para o projeto de mundo. ” ( p. 42).
Agimos em busca de um diálogo que acreditamos ser possível. Ser curioso
com método (e com a metodologia e com o lugar) promoveu esses diálogos e resultou
nesta dissertação. Aqui encontramos vários embates emblemáticos, entre eles da ciência
e da crença. Isso é possível uma vez que o MST promove vários debates e várias
possibilidades de diálogo no fazer da escola do campo. Um exemplo é o papel da
mística tematizada pelos/as educadores/as e organizada pelas Brigadas que compõem a
CEPRA.
Mas na Escola ainda existe o não diálogo, e nem todas as relações despertam e
apontam o novo. Há dois projetos ocupando o mesmo território: a Escola. Essa
enquanto instituição tem suas origens e seu sustento em práticas (espaciais-temporais)
que condizem com o projeto do que se denomina Moderno. O não diálogo é da tradição
elitista da modernidade e retroalimenta o Modo de Produção que vivenciamos e este por
sua vez apresenta as diferentes cisões que alimentam esse projeto civilizatório. Outro
limite constatado é de que a construção do novo cria muitas vezes uma cortina de
fumaça nessas velhas práticas, e essas acabam por educar tanto quanto a novidade que
se apregoa. Podemos propor o novo e realizá-lo de maneira tradicional, ou seja, não
bastam novos conteúdos, novas formas se outras relações também não são questionadas.
E é nisso que às vezes as práticas do Movimento Sem Terra, quando ocupam um
latifúndio, são mais avançadas que o que praticam em seus projetos de educação. A luta
contra o latifúndio consegue despontar o novo de jeito novo (ainda que pese as várias
práticas políticas relacionadas a tradição da esquerda autoritária), já na escola, vemos
chamadas sendo feitas, avaliações numa lógica já muitas vezes questionadas, mas ali
sendo aplicada e muitos educadores e educadoras ainda trabalhando com o conteúdo de
maneira bancária, sem questionar o que organiza esses conteúdos, sem perceberem que
suas lógicas está fora da escola. À guisa de conclusão, com o intuito de dar conta dos
objetivos propostos no prelúdio desta pesquisa, apontaremos esses e outros limites, mas
também todas as possibilidades que a Escola vislumbra. Concomitantemente a tudo isso
ainda relataremos as partes que compõem o que expressamos nesta dissertação. Trata-se
de mais um dos diálogos que tentamos promover.
Esta dissertação teve como um dos objetivos apresentar e analisar o papel da
Escola de Assentamento, mostrando como ocorre o ensino de Geografia. Realizamos
um diagnóstico sobre questões do ensino, e então, uma intervenção na formação dos
educadores e das educadoras da Escola Agrícola 25 de Maio. Essa instituição atende a
cinco assentamentos da Reforma Agrária no meio oeste de Santa Catarina – um lugar
que se estabelece a partir de outros lugares e outros tempos que a ele se vinculam e por
ele são acionados. Tal lugar foi em nossas análises o ponto de partir e de chegar.
Concluímos desta feita que a Escola atua como um referencial das demandas
desses sujeitos. E neste estudo a Escola Agrícola, afirmamos que contribui para a
Territorialização e Espacialização do MST. Seus educadores e educadoras assumem
algo importante: a autonomia local. Vislumbramos isso ao perceber que acrescentam um
elemento (o agroecológico) a mais na lista dos princípios Filosóficos e Pedagógicos.
Poderíamos entrar aqui numa discussão do papel das lideranças e numa certa visão de
esquerda ou sobre Movimentos (aquela que sempre pergunta quem é o seu líder) que
acabam por entender que tem um esperto e os demais são todos obedientes asseclas. Se
assim não fosse tudo que existiria seriam somente cartilhas. Mas lá encontramos uma
biblioteca com muitos exemplares e uma videoteca extensa. Ou seja, o papel da
educação ali é construído em torno do processo de humanização (um papel que
minimamente deveria introduzir as crianças e jovens no direito a literatura mundial) e
não somente de mercado. Porém não é uma saída humanista pelo viés da Metafísica,
mas sim relacionada a interesses da luta de classes. O “vamos aprender” é em função de
algo, que é muito bem delimitado, ou melhor, foge a uma lógica universalista para
abraçar causas especificamente regidas por interesses de classe social, concomitante ao
interesse de fortalecer a visão de Reforma agrária que mude a Sociedade Brasileira,
questionando o modelo da modernização conservadora e cultivando valores que
possibilitem a construção de outra sociedade, outro modo de produção.
Os capítulos aqui escritos autenticam nossa hipótese inicial, muito avançamos
desde o exame de qualificação, as possibilidades da realidade estudada distante da
academia prevaleceram. A escola estudada é constituída de um dinamismo que
atropelou o tempo de pesquisa e o ritmo do pesquisador, mas não nossas premissas.
Saímos de um ano de escrita em que nos pautamos nessas outras conclusões,
desvendadas durante as atitudes de campo e de levantamento bibliográfico:
- Assentamento surge como espaço social novo na contemporaneidade brasileira.
- O MST possui um quesito de nacional, mas o que o diferencia é o poder do local.
- O movimento se diferencia dentro da Esquerda, porém muitas das tradições
marxistas ainda prevalecem.
- Precisamos rever o conceito de Massa, contrapô-lo aos acontecimentos locais.
- As cisões do Moderno precisam ser incorporadas às preocupações curriculares e à
prática cotidiana da Escola.
- A escola e a Escolarização surgem como possibilidade de vida acontecendo, ocupam
e alteram o viver local, promovendo encontros com outros mediadores além dos já
tradicionais, mas precisam ganhar aspectos de sistematização e de comunicação, ou
seja, essas preocupações, essas dinâmicas precisam ser incorporadas ao currículo
escolar e alterar os caminhos didáticos-pedagógicos de cada disciplina em especifico
e das relações na Escola como um todo. .
Outra conclusão que se autentica é que a Escola Agrícola corresponde aos
anseios do Movimento, ela é o movimento, pois executa todos os aspectos fundamentais
que identificam uma escola do MST, quais sejam:
- Pedagogia da terra (pedagogia da ação e do gesto mais do que da palavra, que é
formação e não apenas ensino). Inclui Pedagogia da luta, do trabalho, da
participação, da cooperação da história. Falta porém uma discussão espacial e
territorial?
- E também de como tratam a formação de educadores e educadoras para as suas
escolas:
Coletivos pedagógicos, autoformação, participação na dinâmica do MST (e aqui cabe
mais uma vez remeter a autonomia do local – agroecologia nos princípios, pesquisa de
fim de ano, brigadas etc.), cursos específicos.
Um aspecto bastante interessante nas ações educacionais é que são
concatenadas com as quatro premissas apontadas pelo UNESCO e adotada pelos PCN’s
de 1999 para o ensino: Aprender a conhecer, a fazer, a viver, a ser.
Com isso, buscam romper com a milenar separação teoria/prática, manual/
intelectual. O MST propõe que a educação seja unilateral, múltipla, reintegrando as
várias esferas da vida humana. Desmistificam o conhecimento e a cultura como um
processo neutro e separado das relações sociais. Não é discurso abstrato de educação.
Negam a concepção universal de conhecimento, mas ainda muitas dessas buscas ainda
estão no papel. O dia-a- dia de maneira sutil, com a burocracia e os encaminhamentos
espaço-temporais, assim como a constante investida do Capital no território dos
assentados persistem em não autorizar que esse novo nasça sem grandes entraves. Sem
contar que as possibilidades do local como ponto de partida para as ações curriculares.
Algumas iniciativas pudemos constatar nesse sentido, mas ainda são incipientes. O
capítulo 3, no tema “observação” revela algumas dessas iniciativas.
Um movimento escolar que resgate a identidade camponesa pode ser uma saída
para esses entraves. Todo um trabalho já vem sendo realizado para potencializar a noção
de campesinato, mas isso é realizado com mais ênfase na universidade. Vários autores
envolvidos com essa postura foram citados e seguimos essa trilha nesta dissertação. Mas
para que potencializar? O que isso gera? Ainda falta muito a percorrer para produzir
uma teoria da nova prática, colaboramos um pouco aqui. Essa teoria da nova prática
precisa ser gestada e sistematizada e servir de subsídios à formação de educadores/as e
educandos/as. Nosso trabalho buscou esse sentido. Será que o que se delineia a partir do
que esse estudo revela não poderia ser denominado de campesinia? Para referendar uma
afirmação à questão anterior gostaria de citar um texto de Sepúlveda (2000) em que o
autor apresenta e analisa a relação assentamento e desenvolvimento por intermédio das
relações internas e com os mediadores (Funcionários do INCRA, Universidades
conveniadas, estagiários, pesquisadores etc.), para tanto se apóia em Romano (1994)
que apresenta cinco aspectos ligados aos processos sociais interiores aos assentamentos,
quais sejam:
“… a) a significatividade das lealdades primordiais na delimitação dos grupos e na organização interna do assentamento; b) a questão do poder como problema central dos assentamentos e a abordagem destes enquanto um campo de lutas, um espaço social específico marcado pelo conflito; c) a temporalidade específica dos assentamentos, com os problemas da delimitação dos estados da trajetória do assentamento e a questão das continuidades e descontinuidades nas relações sociais; d) a relativização da oposição coletivismo - individualismo como um par fundante da forma de pensar os assentamentos; e) a complexidade das relações dos mediadores, que se expressa também no conflito de valores básicos, como é o caso de igualitarismo - hierarquia.”(ROMANO, 1994: 250)
Nesta linha, volto às palavras de Sepúlveda (2000) , quando pondera:
“São características que se referem a um determinado universo de possibilidades para os assentados, claro está, considerando a influência dos mediadores nessas relações. Se entendermos os processos educacionais nos assentamentos como uma das relações sociais em construção e/ou reconstrução, veremos que internamente eles são tão influenciados pelo poder público como pela Proposta. Do ponto de vista do seu desenvolvimento, distinguimos dentro desse projeto duas dimensões constitutivas essenciais: a pedagógica e a política. A Proposta é o empreendimento fundamentalmente pedagógico do Movimento, mas sua viabilização no sistema de ensino oficial depende em igual medida tanto de elementos de sustentação pedagógicos como políticos. Cada uma dessas dimensões, sendo essenciais para seu desenvolvimento, constitui um único complexo de sustentação que chamaremos de sustentação político-pedagógica.”
Assim, podemos afirmar como já vimos fazendo antes, de que os
assentamentos são lugares de construção e/ou reconstrução de relações sociais e de
possibilidades de ser cidadão, camponeses e agentes de transformação da sociedade
brasileira. Campesinia seria a cidadania camponesa. As escolas do campo têm um papel
fundamental nessa construção, nesse resgate. Esses processos sociais são abordados por
Romano (1994), que apresenta cinco aspectos associados a questões e problemas em
torno dos processos sociais no interior dos assentamentos, bem como aponta pistas que
podem problematizar e autenticar a necessidade de se lutar por campesinia.
Isso pode se reforçar ainda mais quando a essas categorias de relações
incluímos também as educacionais que o assentamento estabelece consigo mesmo e
com os mediadores. Pelo menos no que se refere à educação nos assentamentos, o
conjunto dos processos sociais como um todo, externos aos assentamentos, na forma
específica desses processos na área da educação, tem influência decisiva na implantação
de um modelo de educação interno aos assentamentos. Assim podemos pensar que o
MST via escola faz isso e que nós também o fizemos ao apresentar no capítulo II desta
dissertação sobre a relação entre cultura e escola. Ali explicitamos a intenção de unir
um local, um estudo de caso em suas inter-relações com um projeto maior de mundo e
de humanização do mundo. Isso se tornou possível quando lemos o projeto pedagógico
do setor do MST e ao observarmos a escola.
Dessa maneira, voltamos à hipótese geral desta pesquisa: ao que parece a
Escola localizada nas áreas de assentamentos de Reforma Agrária tem um papel
importante na territorialização desses assentamentos, possibilitando a efetivação e a
continuidade da luta camponesa. Para isso, esses camponeses apresentam como
preocupações a valorização da Escola - fato que não ocorria antes, devido a um
entendimento influenciado pelos valores e choques culturais proporcionados pelo
advento da modernização no Brasil. Essa opção pela Escola altera a própria organização
dentro dos assentamentos e de forma geral no MST, como um todo. Propicia e
impulsiona a transformação do território conquistado. Ou seja, promove a
territorialização do MST.
De certa maneira, sabíamos que nos depararíamos com várias contradições,
mas essas em sua grande maioria seriam frutos da resistência camponesa, advindas do
processo de luta pela terra: resignificação da Escola, da escolarização, reinvenção do
cotidiano escolar, do cotidiano de trabalho na terra. Não podemos perder de vista que os
assentamentos que circundam a Escola são frutos de um ato de coragem, as grandes
ocupações de 1985. Não podemos esquecer que quanto aos Assentamentos poucos
estudiosos têm analisado como um núcleo social de conquista da cidadania.
Evidenciamos isso na grande e disposta colaboração no momento das entrevistas, como
se engajam nas festas, na consciência orgulhosa dos educadores e das educadoras, na
predisposição gratificante do trabalho com os estudantes nas oficinas e também na
seriedade, dedicação e envolvimento dos educadores e educadoras na última oficina. A
grande expansão do Capital nos anos posteriores à década de 60 fez com que Martins
(1986) afirme que se expandissem as empresas e também a resistência: “Encheu a terra
de mistério, de enigmas e, também, de desvendamentos, de descobertas. O cotidiano dos
pobres da terra está sendo reinventado. A luta pela terra é um dos instrumentos dessa
reinvenção (...).” Uma das características da luta de resistência é a luta por escolas dos
assentamentos. Ao discorrem no mosaico de vozes sobre o que uma escola do campo
representa perante o Capital hegemônico no mundo de hoje, fica evidente qual a sua
possibilidade e contribuição à resistência. Trata-se de uma resistência propositiva,
educativa, mas também inserida pelo capital.
Ao discorrermos no capítulo II sobre os caros conceitos de espacialização e
territorialização, relatando como ocorrem na realidade do lugar estudado, acionamos a
potencialidade teórica desses conceitos. Durante a observação participante e mais
precisamente nas oficinas de dialogo esses dois conceitos começam a adentrar no rol de
conhecimentos dos envolvidos. Temos assim possibilidade de contribuir para o cabedal
científico da Geografia de maneira a sustentar os Movimentos Socioterritoriais como
categoria necessária a ciência em questão. Ao desvendarmos o território escolhido,
ainda que de maneira incipiente, pois escolhemos apenas o aspecto educativo escolar,
esses conceitos demonstram que tem potencialidade. Mas nossas intenções não foram
somente conceituais e acadêmicas, pois num certo sentido esperamos também ter
contribuído com o desenvolvimento social dos assentamentos, por intermédio das
oficinas, das entrevistas e das observações.
Referente ao ensino aprendizagem em Geografia, deparamos com uma
educadora que revelou que detesta a Geografia. Observamos que alguns educadores /
(algumas educadoras) adotam posturas que perpassam em trabalhar como um
repositório de informações. Demonstramos na oficina final ao discutirmos o papel do
conhecimento que essa postura não condiz com o projeto da escola. Não basta criticar e
questionar toda a estrutura da vida social em nosso país, é preciso potencializar mais as
grandes oportunidades que o local oferece enquanto encruzilhada cultural.
Desta forma, nossa ida a campo demonstrou que a luta por escolas dentro dos
assentamentos revela o interesse de que os jovens e as crianças possam aprender
conteúdos e valores para continuarem a (e “na”) organização do movimento. Olhar para
o cotidiano de uma escola rural, encravada numa fração conquistada do território vem
nos revelar essa escolha. Esse olhar conjugado com outros olhares, deles mesmos e de
outros teóricos, possibilitam entendimentos dos limites e das possibilidades da luta por
escolarização no campo. Desta feita, ao analisarmos como está sendo a formação
geográfica dos estudantes e de como uma proposta de ensino pode auxiliar nessa
formação, descobrimos que também podemos estender essas preocupações e contribuir
para a formação dos educadores. Porém percebemos que enquanto hipótese, essa teve
algum de seus apontamentos negados, enquanto a Escola Agrícola, é uma escola do
MST, uma escola dos Assentados, ainda podem-se perceber limites e avanços que se
confrontam. A própria discussão das ações agroecológicas, uma das atividades que
servem como “menina dos olhos” aos educadores, ainda encontra resistência por parte
dos assentados. Mas como se trata de um projeto em construção, essa divergência se
apresenta como “combustível” a um debate necessário.
Por tratar-se de um projeto em construção, confronto de vinte anos de projeto
de algo novo com quinhentos anos de exploração. Junta-se a isso os últimos quarenta
anos de modelo agrícola e pacote da revolução verde. Em se tratando de escola
especificamente e escola assumida pelo Estado brasileiro podemos falar em torno de
século 20, década de 30. Mas que também formulou uma visão que se impregnou
primeiramente em como seria uma escola do campo, seu papel (isso por sua vez define
por parte do poder público todas as estratégias de funcionamento da instituição
encravada na zona rural) e outra como seria uma escola para as camadas pobres da
população brasileira seja no campo ou na cidade (muito embora como já foi explicitado
no primeiro capítulo este modelo urbano vigorou sobre qualquer outro).
Na hipótese ponho que a escola contribui para a territorialização do MST,
dos assentados. Mas qual territorialização? Ela acaba? (Paralisa após conquistar o
lote? Sabemos que não). Contribuir para implantar o projeto de desenvolvimento
humano do MST nos assentamentos, que envolva a agroecologia, a discussão de
uma Reforma Agrária transformadora, a cooperação agrícola e comercial dos
produtos. Mas dependendo dos protagonistas, dos educadores que atuam, esse
papel pode pender para um lado ou para outro, o MST em sua base não é
monolítico, aliás essa é uma das características importantes do movimento,
colocar tudo à prova da discussão coletiva. Mas isso não impede por exemplo de
assumir o cargo de diretor da escola, uma pessoa que desrespeita o coletivo e faz
o que der na cabeça, fazendo regredir conquistas, como por exemplo plantar
milho híbrido no espaço em que está plantado milho crioulo. Ou, indo mais
longe, desestruturando as aulas práticas e, portanto, as brigadas dos educandos
para fortalecer o projeto de ensino médio da escola. Isso de fato é o que vem
acontecendo na Escola (ex-agrícola) de Ensino Fundamental 25 de Maio. Desta
feita o capítulo dois desta dissertação é retrato de uma época vivida na escola,
que esperamos que o bom senso e o compromisso que elas representam façam
voltar. Fica, assim, evidente que o projeto de educação escolar do MST, com
base na autonomia local pode tanto ser de extrema importância como
desestruturador de conquistas. O que isso acarreta no projeto de territorialização
somente outra pesquisa pode revelar, mas de antemão fica evidente que o alto
grau de rotatividade dos educadores e educadoras numa escola pode colocar em
risco importantes experiências e vivências. Temos, porém, que levar em conta,
que o MST “ vai mal das pernas”, segundo várias declarações de um dos seus
lideres, ocorre nos movimentos populares um descenso das massas. De fato falta
gente, pois muitos ainda se encontram em processo de formação. Dizem ser um
preço a se pagar no momento, investir em formação de educadores e educadoras,
mesmo com tempo escola e tempo comunidade implica em alterar ritmos de
funcionamentos da escola e interferir na qualidade do processo de ensino
aprendizagem das crianças e jovens.
A realidade dos Assentamentos é de extrema rotatividade, a da escola agrícola
não poderia ser diferente, a começar pela rotatividade de educadores e educadoras.
Se algumas ações da esfera da política prevalecem e atrapalham o fator de análise
científica de adentrar – isso fruto e reflexo das cisões instaladas pela modernidade – se
acionam na vida social e ali no assentamento, portanto, nas ações escolares, não poderia
ser diferente. A partir de conversas com outros pesquisadores das áreas de
Assentamento concluímos que uma dissertação corre o risco de ser apenas uma
fotografia de momento. Mesmo uma saída de campo podemos ser surpreendidos
com alterações e mais alterações.
Embora tudo isso que apontamos aqui não fez nosso trabalho e o
desenvolvimento dele esmorecer, pois a partir das convicções que regem essa
construção dissertativa, demonstramos nosso envolvimento com a bibliografia da área
de concentração, assim como um conhecimento da bibliografia específica do tema de
pesquisa selecionado, procuramos nos envolver e aprender a capacidade de descobrir,
selecionar, discutir e criticar os dados mais importantes das bibliografias estudadas.
Assim também o que desponta é uma maior capacidade de reorganizar, de forma
coerente, os dados utilizados, com a aptidão para expor com clareza o “estado de arte”
do campo de pesquisa em que nos envolvemos. Assim essa “fotografia” em letras (ou
paisagem escrita) abordou temas da Questão Agrária brasileira, numa interface de
demonstrar a relação entre saber acadêmico e saber escolar, na possibilidade premente
de aprendizagem de Geografia numa Escola do Campo. A formação de educadores e
educadoras ganhou mais destaque nas ações efetivadas nas saídas de campo, pois
esperamos contribuir com a formação de conceitos dos estudantes através desses rumos.
Desse modo, a Alfabetização Geográfica ganha destaque para a compreensão da ações
intrínsecas a escola e dessa com os assentamentos e com a sociedade. Dando voz e
analisando nessas ações a formação de conceitos entre os educadores, avaliação crítica e
proposta de ensino de alguns conceitos para reforçar a relação entre saber acadêmico e
saber escolar.
Resta uma questão: hoje temos a voz muda dos camponeses? Nosso trabalho
demonstra que não, que falam e, de certa maneira, tentamos demonstrar como essas
falas se espacializam e se territorializam também nas ações didáticos pedagógicas de
uma escola do assentamento.
Ao confirmarmos nossa hipótese, outras portas podem se abrir, outros
conceitos podem ser sugeridos ( o de campesinia e o de Etnogeografia por exemplo),
mas prefiro aqui somente apontá-los, pois continuaremos estudando a partir dos
horizontes que se abrem após a defesa desta dissertação. Uma Geografia das escolas do
Campo se delineia.
Tínhamos a pretensão nessa dissertação em discutir sobre uma Geografia das
Escolas do Campo, através de uma prática de ensino/ aprendizagem de geografia numa
escola do campo. Ainda estamos mais com sugestões e encaminhamentos pois o tempo
não foi ainda suficiente, tempo-pesquisa e atividades – pesquisa acabam criando uma
dinâmica que favorecerá a que realizemos um grande projeto. O tempo não para, como
diz um grande poeta de nossa geração. Não para também a territorialização e a
espacialização da esperança.
BIBLIOGRAFIA
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ANEXOS
ANEXOS 1 Entrevista via eletrônica com coordenadora do Setor Nacional de Educação: Heitor, tudo bem? Aproveito este momento para pensar melhor suas perguntas. Seguem as respostas ao lado da pergunta. Professora tenho uma primeira questão: como consigo saber quais Estados do Brasil, onde o MST é organizado possuem o curso Pedagogia da Terra ? Se existem esses cursos atendem regionalmente ou somente os Estados em que se localizam ? Resposta: Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Pará. Já teve também uma turma em Mato Grosso. Os educandos são da região, estados vizinhos. Há um pós-graduação: Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento - Parceria entre o ITERRA e a UnB. As etapas acontecem na Escola Florestan Fernandes em São Paulo (Guararema). 2 - Existe uma outra escola no mesmo modelo do ITERRA ? Resposta: O ITERRA é a única Escola nacional que nós temos e que funciona desta forma. 3 - Assim que a Escola Nacional estiver concluída e em plena atividade o que acontecerá com o ITERRA, no que diz respeito aos cursos de ensino superior? Últimas questão: seria possível eu obter informações sobre Escolas dos Assentamentos e Escolas nos Assentamentos espalhadas pelo Brasil ? Quais estados possuem escolas itinerantes ? Resposta:. Para você entender melhor isto, creio que você poderia bater um bom papo aí em São Paulo mesmo com Secretaria Estadual do MST. Quanto às Escolas Itinerantes: temos no Rio Grande do Sul - aprovada em novembro de 1996. Recentemente foi aprovada no Paraná. Em outubro estarei em Goiás para finalizar o Projeto Político Pedagógico e seguir a aprovação. SecretariaEstadual, mas segue o fone da Nacional: 4 - Se os estudantes que crescem no assentamento querem fazer um curso na faculdade que não seja ligado ao mundo rural ou a luta do Movimento,ou ainda querem ir morar na cidade, como o Setor e o Movimento encaram isso? Resposta: Hoje já temos muitos jovens estudando em Universidades públicas ou privadas em diversos cursos, tais como: agronomia, direito, letras, pedagogia, administração de empresas, contabilidade e outros. Temos em torno de 60 jovens cursando Medicina em Cuba na Escola Latino-americana. E dois ou três fazendo agronomia, enviados pela organização, é claro. Quanto ao ir morar na cidade, penso que a escolha é dele. Se ele tem uma profissão e puder se manter.... O Movimento não prende ninguém. Ele trabalha a inclusão, escolariza, forma, conscientiza. Aliás, hoje temos muita gente morando na cidade, todos aqueles que trabalham nas secretarias, na CONCRAB, ANCA, e nos escritórios em Brasília. Mesmo aqui em Porto Alegre, nós coletivo nacional de Educação, todos moramos na Capital. O ITERRA, está localizado geograficamente no centro de Veranópolis, isto para nós não é um problema. Não somos contra a cidade. Nós lutamos para que os camponeses possam viver bem no campo, com qualidade de vida, escola, saúde, trabalho, moradia.... ANEXO 2
Documento apresentado em reunião aos Educadores e ao Conselho da Escola Agrícola em Maio de 2003, antecedendo a primeira OFICINA. Contribuição para o estudo do campesinato brasileiro/ Formação e territorialização de uma escola do campo no Município de Fraiburgo – SC / O Papel do Ensino de Geografia Pesquisador: Heitor Antônio Paladim Júnior Orientadora: Dra. Sônia M. V. Castellar Objetivos do Projeto de Pesquisa: De que maneira a Escola e a educação Escolar contribuem para a territorialização dos camponeses organizados através de um movimento Socioterritorial? Como as estratégias e táticas do MST se transformam em ações didáticas pedagógicas e possibilitam que as crianças e jovens, assim como os educadores, façam parte da territorialização e espacialização da luta pela Reforma Agrária ? ENTENDER COMO SE ESPACIALIZAM, TERRITORIALIZAM. COMO ELES E ELAS SE FAZEM CIDADÃOS. Observar: Escolarização e escolas dentro de outros assentamentos (mais um ou dois?) Tempo escola, tempo comunidade Estão a Criar coletivamente uma identidade camponesa e brasileira de ser (Como isso vem ocorrendo nesta escola? E em outras? Quais os avanços e limites?). Saída de Campo: “Escola Agrícola 25 de Maio” e nos Assentamentos da Reforma Agrária do Município de Fraiburgo – SC Objetivos dessa saída de campo: Informar aos sujeitos dos assentamentos e da escola sobre o andamento da pesquisa; sensibilizar através de oficina didática - pedagógica para esse e outros encontros com o pesquisador; sondagem/ diálogo sobre a compreensão de alguns conceitos/noções relacionados ao ensino de Geografia. Pretendemos atingir esses objetivos através dos seguintes meios: - OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE (Cotidiano, Atividades de ensino aprendizagem, documentos) - PRIMEIRA OFICINA (com educandos e educandas - Proposta) - ENTREVISTAS com estudantes, educadores e educadoras (professores e funcionários).
Anexo 3
Quadro das etapas das saídas de campo: Mês e ano que ocorreu à saída
de campo
Período de permanência
Qual etapa de pesquisa prevaleceu?
Outras etapas realizadas.
Principais acontecimento
s ocorridos
Março / 2002
Sete dias
OBSERVAÇÃO Comparada com o ano
letivo de 1999.
As primeiras entrevistas (3) .
Ano letivo no início
Agosto de 2002
Seis dias
OBSERVAÇÃO Cotidiano escolar e o
envolvimento da comunidade assentada
com a escola
Mais algumas entrevistas.
Início ensino médio noturno, Plebiscito ALCA
Dezembro de 2002
Cinco dias OBSERVAÇÃO
Formatura da oitava série
Maio de 2003
Doze dias
OFICINAS DE DIÁLOGOS
Primeira oficina com educandos/as da quinta a
oitava série.
Prosseguimento das Entrevistas, nesta
etapa com visitas as casas dos
Assentados.
Festa de 25 de Maio
Novembro
de 2003
Dez dias
OFICINAS DE DIÁLOGOS
Com as quatro séries
Observação e entrevistas.
Visitamos outras escolas
Estudantes da “25 de Maio” realizavam uma pesquisa de fim de ano.
Dezembro de 2003
Quinze dias
OFICINAS DE DIÁLOGOS
Com os educadores/as.
Na Escola Agrícola reuniões
pedagógicas de encerramento do
Ano letivo.
Apresentação do Seminário de pesquisa dos estudantes. Encontro Estadual do MST. Formatura.
Anexo 4
PUBLICAÇÕES DO MOVIMENTO SOBRE EDUCAÇÃO
PERÍODO 1991 / 2003 1 - Cadernos de Formação n. o 18 - O que queremos com as escolas dos assentamentos. 1ª ed.: 1991; 2ª ed.: 1993; 3ª ed.: 1995; edição em espanhol: 1994; 2ª edição em espanhol: 1996. n.o 19 - Calendário histórico dos trabalhadores. 1ª ed.: 1993; 2 - Cadernos de Educação 1- Como fazer a escola que queremos. 1ª ed.: 1992; 2ª ed.: 1993; 3ª ed.: 1995. 2 - Alfabetização. 1ª ed.: 1993; 2ª ed.: 1994; 3ª ed.: 1996. 3 - Alfabetização de jovens e adultos: como organizar. 1ª ed.: 1994; 2ª ed.: 1996. 4 – Alfabetização de jovens e adultos: didática da linguagem. 1ª ed.: 1994; 2ª ed.: 1996. 5 – Alfabetização de jovens e adultos: didática da matemática. 1ª ed.: 1994; 2ª ed.: 1995; 3ª ed.: 1996. 6 – Como fazer a escola que queremos: o planejamento. 1ª ed.: 1995; 2ª ed.: 1996. 7 – Jogos e brincadeiras infantis. 1996 8 – Princípios da educação no MST. 1ª ed.: 1996; 2ª ed.: 1997. 3 - Boletins da Educação 1 – Como deve ser uma escola de assentamento. 1992. 2 – Como trabalhar a mística com as crianças. 1993 3 – Como trabalhar a comunicação nos assentamentos e acampamentos. 1993. 4 – Escola, trabalho e cooperação. 1ª ed.: 1994; 2ª ed.: 1995. 5 – O trabalho e a coletividade na educação. Anton Makarenko. 1995. 6 – O desenvolvimento da educação em Cuba. 1995. 4 - Coleção “Fazendo História” 1 – A comunidade dos gatos e o dono da bola. 1995. 2 – Zumbi, comandante guerreiro. 1995. 3 – A história de uma luta de todos. 1996. 5 - Avulsos Álbum seriado: como deve ser uma escola de assentamento. 1994. Plantando cirandas. Fita e livreto de canções infantis. 1994. Ensino de 5ª a 8ª séries em áreas de assentamento: ensaiando uma proposta. 1995. O brilho de quem faz a luta. Peças teatrais. 1995. 1º Caderno de orientação para os monitores de educação de jovens e adultos - Estado do Paraná. 1996. (Fonte: CALDART, 1997; Página do MST, acessada em junho de 2003). Anexos 5
Princípios Filosóficos da Educação do MST Educação para a transformação social. Educação de classe, massiva, orgânica ao MST, aberta para o mundo, voltada para a ação. Aberta para o novo. Educação para o trabalho e a cooperação. Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana. Educação com / para valores humanistas e socialistas. Educação como um processo permanente de formação/ transformação humana.
Princípios Pedagógicos da Educação do MST Relação entre prática e teoria. Combinação metodológica entre processos de ensino e capacitação. A realidade como base para a produção do conhecimento. Conteúdos formativos socialmente úteis. Educação para e pelo trabalho. Vínculo orgânico entre processos: - educativos e políticos - educativos e econômicos - educativos e culturais Gestão democrática. Auto organização dos/das estudantes. Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras. Atitudes e habilidades de pesquisa (investigação e internalização) / (confrontar e propor). Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais. Educação Voltada a Agroecologia (Este é específico desta Escola) (Fonte: CALDART, 1997; Página do MST, acessada em junho de 2003; documentos recolhidos na Escola Agrícola 25 de Maio).