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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA INSURREIÇÃO DOS SABERES TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO DO MST: UM ESTUDO DE CASO DA ESCOLA AGRÍCOLA 25 DE MAIO – FRAIBURGO/SC. O ENSINO DE GEOGRAFIA EM QUESTAO Heitor Antônio Paladim Júnior São Paulo 2 0 0 4

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA

INSURREIÇÃO DOS SABERES

TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO

DO MST:

UM ESTUDO DE CASO DA ESCOLA AGRÍCOLA 25 DE MAIO – FRAIBURGO/SC.

O ENSINO DE GEOGRAFIA EM QUESTAO

Heitor Antônio Paladim Júnior

São Paulo

2 0 0 4

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA

INSURREIÇÃO DOS SABERES

TERRITORIALIZAÇÃO E ESPACIALIZAÇÃO

DO MST:

UM ESTUDO DE CASO DA ESCOLA AGRÍCOLA 25 DE MAIO – FRAIBURGO / SC.

O ENSINO DE GEOGRAFIA EM QUESTÃO.

Heitor Antônio Paladim Júnior

Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Geografia Humana, Departamento de Geografia Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Geografia Humana.

Orientadora: Prof. Dra. Sônia Maria Vanzella Castellar

São Paulo, dezembro de 2004.

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Avaliação da Banca Examinadora

_____________________________ _____________________________ _____________________________ _____________________________ _____________________________ _____________________________ _____________________________

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DEDICAÇÃO:

Para todos e todas os (as) Sem Terras e Sem Terrinhas , a todas e todos as (os) Lutadora(e) s da Via Campesina.

Maria Aparecida e Seu Heitor, Meu Pai , minha Mãe

(na memória, na poesia, na alma e no sangue)

Para seus f i lhos e f i lhas: meus três irmãos e oito irmãs. Para os f i lhos e f i lhas dos manos e manas: a “sobrinhada”.

Aos meus padrinhos: Tia Cél ia e Seu Toninho. As t ias: Georgina e Dolores, ao Tio João, Zé Luis

(aos quatro em memória). A tia Ruth e t io Zé, lembranças presentes da infância.

A três grandes seres humanos que se foram no decorrer da pesquisa: À Sem - Terra Nori lde, o engenheiro/estudante José Francisco (Fran) e o irmão de transformar o mundo, Telmo. Muitas saudades desses lutadores do povo.

Paratodos: mães, pais e irmãs e irmãos que a vida me deu. . .

No coração Seu Zé e Maria Bete , Maria Lúcia Amorin Soares, Cri -Cris. . .

Q uer ida J ul i a na , min ha se mpre a mig ona da s Ol ive i ra s ,

Q uan d o t ud o c omeç a c om você vi ver é mai s . . .

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Agradecimentos

Páginas e momento: território de expressar gratidão de maneira mais específica. No

decorrer da vida e de um trabalho desses aprendemos a despontar a sensibilidade (razão

sensível, nos dizeres compromissados de Juliana) para descobrir companheiros, aqueles que

dividem o pão. Compartilham. Um beijo no coração e um abraço do tamanho do mundo

para cada ser humano dessas gratidões.

Agradecer no específico, primeiro a Da Sônia Maria Vanzella Castellar que acreditou no

trabalho e abriu portas: mostrou caminhos. Educadora, sou pura gratidão, pelo mar de

oportunidades. Essas atitudes de amizade e de orientação revelam que seu coração não é

uma simples morada, é castelo: Castelar.

Agradeço a Capes, e aos que nela lutam por uma ciência e tecnologia brasileira com

qualidade social. Sem a concessão da bolsa de estudos, este trabalho seria menos.

Agradeço meus familiares, minhas irmãs e irmãos de sangue: Sueli, Rosa Maria, Miguel,

Silvia, Andréia, Ana, Carolina Fernanda, Marcos. Agradecimentos com juros e

dividendos para Sônia, Leila e Celso, que financiaram (via empréstimo) viagem ao México

para apresentar trabalho no EGAL. Agradeço também aos Cunhados, cunhadas, primas e

primos. Abraços a Telma (caronas na época de aluno especial). Paula e Laura, por escutar

o tio contador de estórias e tocador de violão. Andréia e Sergio Scatena, grato pela

estadia e pela amizade.

Gratidões: Ariovaldo Umbelino, mestre, que até em silêncio e distante nos ensina. Seus

textos conduziram meu viver educador. Ao conhecê-lo pessoalmente, seu companheirismo

e atenção orientam rumo a transformação social. A enorme e importante contribuição no

Exame de Qualificação. Pelos textos lidos e relidos, pela contribuição na Qualificação:

Prof.a Dr.a Maria Elena Simielli. As grandes mulheres e doutoras: Odete Seabra, Ana

Fani A. Carlos, Amélia Damiani, Nídia Pontuscka, Cecília Hanna, Jandira Spalding.

À querida Educadora Dra. Maria Do Carmo e sua filha Adriana, pessoas-mulheres que

mudam o mundo para além de melhor... Ao Dieter, amigo educador, pelo Enigma Brasil,

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desvendado sertões... mais um abridor de inúmeras portas. Carinho ao povo do Magind:

Cláudia, Andréia Lunks, aos estudantes /educadores / as das cinco etnias do Estado de

SP, et alii...

Aos funcionários do Departamento: Ana, Cida, Jurema, Rosângela, Orlando, Tião. Aos

técnicos humanos dos Laboratórios: Josselito Jesus (solidariedade tem nome), Ana

(Aninha), Marisa (Geomorfologia.), Paulo (Cartografia). A pedagoga da urbana: Flor

(adoração). Agradeço ao Casemiro, Marco (Técnico dos PC) e ao Osvaldo (Audiovisual).

Meu apreço aos seguranças e zeladores do prédio da Geografia-História, aos motoristas do

Pierre: Bigode, Ronaldo e Roberto.

Para chegar até aqui, também recebi apoio dos amigos e amigas “das antigas”: Dunga e Si

(junto vem Jorge, Ana e Luisinho), grato por existirem. Dalton, Karine, Néia,

Alexandre, Alexandre da Silva (Biro), André, Ana Júlia, Landinho, Zoê Dalva e

Gustavo Sepúlveda, Gabi, Tati Rotolo (e sua nova contribuição à humanidade), Bel e

Tumolo, Elenira. A todas e todos “Cri-Cris” e “preocupados”, impedimos um

Presidente, criamos espaços rumos aos moinhos de vento.

Agradecimentos também cabem as pessoas do Crusp, vizinhos, muitos agora amigos e

amigas, desde os da chegada: Jesus, Petri, Maria Carmen, Vivian Urquidi, Júlio Xavier

(que contribuiu gramaticalmente nesta dissertação), Sérgio. Os que aí ainda estão: Ari (do

cachimbo), Zé Arthur, Oliver e Eni. Pessoal do 601: Denílson Werle, Jaimir Conte,

Robinson (Bahia). Pedro Dias (Noites), Juliana Oliveira (tri) e Caio, meus amigos (a)

grato pela paciência. As duas Alessandras: uma significante amiga, a pedagoga, a outra um

amor sem letras para expressar a perda. Ao ex-moradores do 506 E (Fabi, Camila, André

Baldraia, Sarita e Maíra). A turma: Michele Yara (Mimi), Walter Aloísio (Balloo),

Frajola, Efifi, Fabiano Zoinho, Anailton, Reginaldo (GG / mineiro), Ângelo, Airol,

Dewar, Janete e Juninho, João Fernandópolis e Mércia, gratos pela força. Aos Berg’s

de Goiânia, Plácido e Cássia. E Alliny, Fernandinha e Robson (trio-Goiânia).

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E também agradecer de coração quem contribui para que a escrita desta dissertação fosse a

contento: Seu Jorge, grato pelo crédito, e a Jane (um beso), Josué que garantiu a

biblioteca e Ricardo que me confiou o som. Ivan e João das Neves que escutaram e

escreveram. Lobão e Fabiano (ex-cunhado). Sem todos a dissertação não aconteceria.

Vizinhos do coração: Cátia, Maurício, André, Augusto e Iracema Jandira, Rogério e

Valentina Piragibe, Admar, Michela, Liane, Thiagão e Aline, Vagner. Aos que do

Crusp já mudaram: Luis Fulano, Wayne, Joca, Denise, Paulo. Aos que no Crusp

trabalham para deixar a moradia estudantil com mais qualidade social: Zósia, Simone,

Maria (Dodô), Ieda e a minha Assistente infelizmente palmeirense: Carla. Os porteiros

Joilson, Marcolino e o grande amigo João. Agradecer a atenção e as prosas do Albertino,

Wilson, Rosângela, Vera, Sizenando, Reinaldo e Sidnei. Agradecer ao camarada

Portuga: seu Fernando. Agradeço a todos os trabalhadores do Crusp, que entendem a

importância dessa moradia para o País.

Finalmente, para encerrar esses sinceros agradecimentos, lembrar das pessoas da

caminhada geográfica: Diana, Flávia (e Júnior da Política), Flávia Grimm, Rosalina

Burgos (somos do mesmo barco), Jerusa, Ana Lúcia, Sônia Romano, Luciana, Marco

Araça, Pimenta, Fernanda Contessoto (escutou e escreveu), Paula Borin, Doraci,

Humberto Galo, Débora, Nilo Lima, Paty Marinho (e o Kauí), Otávio (J) e a Banda

Malacquias na Cozinha, Scarim, Manoel Fernandes, Gilberto Giba, Laércio, Bili

Malachias, Carlão, Chicão, Danton, Sálvio, Paula do Maracatu, Anselmo e Ana,

Mônica Arroio, Vicente, Alexandra (Agrolab), Reinaldo, Larissa e Edu Isnupi, Adriana

Sesti, Yamila, Amanda, Wel, Eliane (a Branca), Adriano (cidadania), André Carvalho,

Soraia (UnG), e aos estudantes e mestras (es) do Agrolab. Agradeço aos que conheci sendo

monitor da Geografia Agrária: aprendi muito com vocês. Apreço especial: amiga Erenai,

duas Priscilas, Amanda Catarruci (furacão), Govinda, Erick, Chepa, Rodrigo Bona,

Mauricio e Juliana (fitness). Gratidão: Edu Morgado, Maria do Fetal e Vitor Hugo,

importantes diálogos. Pelos saberes agradeço as moças que organizaram a Semana de

Geografia 2003. Gratidão a Valdirene, as pessoas que trabalham na AGB – SP. Pessoas do

IEB, lugar importante para nossa caminhada intelectual: Eliana (especialmente especial),

Marili, Caê, Mônica e Vitor, Flávio, Marcão, Felicíssimo(s). Outras caminhadas: José

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Meneses, Eliane (APG), Daniel Feldman, Ania, Sérgio Motejunas, Sebá, Valter

(Sociais/USP - ITESP), Maridene, Dri, Mariana PUC, Ana de Poá (ao Ió e a Iá), Lila de

Pira, Maria Cláudia, Luísa e Débora, Cláudia Guedes, Sylvia Nunes, Lú Monteiro,

Germana, Ana Paula Tatajuba, Márcia (poetisa de SC), Rô (Gaúcha).

Fui ao México, e assim agradeço a quem contribuiu para que lá pudesse me sentir bem:

Alejandro Buenrostro, Zezé, André Larsen (Xoxobil), aos Peraza.

Para encerrar de fato, agradeço as pessoas da Escola Agrícola e dos Assentamentos de

Fraiburgo. Gratidão companheira aos ativistas do MST. Estudantes, Educadores/as,

Assentados/as de Abelardo Luz, em especial ao grupo da Santa Rosa: Roberto, Dona

Maria, Inês Mossi, a todos/as que fazem a Reforma Agrária acontecer. Dan Baron,

Manú, Aldoir, Sônia e criançada, abração...

Essa dissertação é feita de gente... Então, você, que esqueci, cabe dentro dela.... Contribuiu... Agradeço ... inté.

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Sumá rio Resumo........................................................................ dez Abstract........................................................................ onze Resumo campesino...................................................... doze Resumo das línguas desaparecidas............................ treze Álbum d e fo tog ra f ia s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . quatorze Ca ra cte r i za ção da á rea d e e s tudo . . . . . . . . . . qu inze Introdução.................................................................... Página dezessete Lado A Capítulo I – . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Página vinte e nove

Capítulo II – . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Página sessenta e um

Lado B

Capítulo III – . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Página cento e treze

1 - O papel dos pesquisadores / as (e, portanto da pesquisa) com os Movimentos de

transformação da sociedade brasileira. Uma reflexão necessária...

2 – Desafios da Metodologia

3 - Acionando o diálogo entre pesquisa qualitativa e pesquisa/ ação - participativa em

educação: os comos e os porquês...

4 – O campo no Campo: observar, entrevistar, participar :

Observar

Entrevistar

Mosaico das vozes: sistematizando as entrevistas

Participar

As Oficinas de Diálogo

Conclusões inconclusas. . . . . . . . . . . . . . . . Página duzentos e cinqüenta e dois .

Bibliografia.................................................. Página duzentos e sessenta e seis .

Anexos ......................................................... Página duzentos e setenta e três .

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RESUMO

Esta dissertação trata da questão agrária brasileira ao enfatizar um estudo de caso

da Escola Agrícola 25 de Maio (Município de Fraiburgo, meio Oeste de Santa Catarina,

Brasil). Essa instituição, organizada pelo movimento sócio-territorial: o MST, atende a

filhos / as de assentados / as e faz parte da luta pela conquista e manutenção da terra de

trabalho. Ao observar o cotidiano escolar, nós investigamos o currículo operado por

educadores e educandos e as diferentes estratégias no processo de ensino-aprendizagem via

CEPRA (Cooperativa de Estudantes pela Reforma Agrária). Observamos também que a

escola e a escolarização ganham sentidos além das visões economicistas presentes na

construção dos valores da modernidade.

No processo pela luta por uma Educação do Campo e por Escolas do Assentamento

é importante pensar em um movimento que desafie a cultura vigente ao propor mudanças

de valores.

O objetivo da dissertação é revelar como esses movimentos com base em dois

conceitos raros como: territorialização e espacialização. A Geografia Agrária e o

entendimento dos movimentos sociais constroem caminhos para a Formação de Educadores

e para que os camponeses tenham voz em outros espaços. A estrutura desse trabalho tem

como apoio oficinas didáticas–pedagógicas e, principalmente o diálogo entre o saber

popular e o científico. Apontamos para uma proposta de uma Geografia das (e nas) Escolas

do Campo, e para um novo conceito de Campesinia (cidadania do campo). Este estudo

“abre portas” para futuros estudos sobre Etnogeografia.

Palavras chave: educação do campo, escolas de assentamentos, Reforma Agrária,

espacialização e territorialização, formação de professores, campesinia.

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ABSTRACT

This dissertation deals with the Brazilian Agrarian question by emphasizing a case

study of Escola Agrícola 25 de Maio (Fraiburgo borough, Middle West of Santa Catarina,

Brazil). This institution, organized by the socio-territorial movement: MST, sees settled

children and is part of the struggle process of conquering and maintening the land of work.

By observing the everyday work at school, we investigate the curriculum operated for

educators and learners and different strategies for the learning-teaching process via CEPRA

(Students Cooperative for the Agrarian Reform). We also noticed that the school and

schooling receive new meanings beyond the economicist views presented to the values of

modernity.

In this process of fighting for “Country Education” and for “Settlement Schools”,

it`s important to think about one movement that challenges the current culture by proposing

the change in values.

The aim of this dissertation is to reveal how these movements based on two rare

concepts such as: Territorialization and Spacialization. The Agrarian Geography and The

Comprehension of the Social Movements, construct paths to the Educators Formation and

allow peasants to construct their voices in other spaces. The framework of this dissertation

is based on the pedagogical didactic group-work, and mainly on the dialogue between

popular knowledge and science. We demonstrated a proposal for Geography in/of the

Country Schools and a concept of peasantry citizenship. This research “opens the doors” to

new studies of Etnogeography.

Key-words: Country Education, Settlement Schools, Agrarian Reform, Territorialization and Spacialization, Educators Formation, peasantry citizenship.

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RESUMO CAMPESINO

“Nós fizemo, lutamo por isso ai e tudo deu certo, né? Aonde que nos temo essa escola hoje

até o segundo grau, né? Não foi com brincadeira que nós conseguimo assegura ela. Porque

teve muito ataque do próprio município, da autoridade do município tentano acaba com a

escola, tentano fecha, que num aceitava nossa proposta, da educação que nóis tinha, que

nóis queria aquilo que era a vontade de nossos filho que falava de nossa história e a, e as

criança aprende, não sabe a velocidade dum avião, mas sabe a aquilo que era pra... que ia

fazê bem pra eles mais tarde, sabê se defendê de certas exploração, de esse sistema que nós

temo, e...”

O Assentado CH colaborando com a pesquisa em entrevista na sua casa .

« Meu coração restava cheio de coisas movimentadas »

João Guimarães Rosa

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RESUM O

NAS L ÍNG UAS NA T IVA S DESS E NO SSO CONT IN EN T E.

?

Pa la v ra s ch ave s: f a lta gent e , fa lt a a l íngua .

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Á lbum d e fo tog ra f ia s

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Ca ra cte r i za ção da á rea d e e s tudo

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“SE QU ER ES SER UN IV ERSA L,

COM EÇA POR PI NT AR A TUA A LD EI A. ”

T OLST ÓI , E SC RIT OR RUSSO.

I n t ro du ç ã o

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Introdução

Compromisso social é uma ação, entre várias outras que pode funcionar como

pressuposto de uma almejada construção de conhecimento científico. Precisamos manter

esse compromisso nas relações de vivência que estabelecemos com as pessoas que vivem

em um determinado lugar estudado. Ao realizarmos um projeto de pesquisa e, neste

momento, na elaboração final desta dissertação, somos envolvidos por esse compromisso.

Mas o que vem a ser esse compromisso social? Vivemos socialmente em meio ao

dinamismo inovador do uso do conhecimento, a revolução científico – tecnológica. Temos

um compromisso em sanar uma dívida social, não realizada por nós, com os milhões de

brasileiros que, além de excluídos do ensino superior, foram e são excluídos de uma série

de atributos (artefatos e bens) da vida moderna, devido a um grau de relacionamentos que

abraçam injustiças e exploração. Valorizar sobremaneira as Universidades em que somos

estudantes, educadores, trabalhadores, lutando contra o desmantelamento dessa infra -

estrutura e também valorizar o papel da Ciência em nosso viver em sociedade neste início

do século XXI faz-se necessário em tempos de declínio dos investimentos em Ciência e

Tecnologia. Porém, essa valorização vale como anúncio para que afirmemos a

responsabilidade que acompanha nossos atos acadêmicos. Os atributos da vida moderna,

muitos deles proporcionados pelo fazer científico, são relacionados tanto aos artefatos que

proporcionam saúde de qualidade, garantia de acesso a todos os níveis da educação escolar,

como por elementos ligados à industria bélica e ao consumismo exacerbado. Enfim,

contribuem tanto para o exercício da cidadania crítica e criativa, como para a morte. Dessa

forma nos cabe sugerir políticas públicas para redimir o analfabetismo que agora também

se torna científico e tecnológico. No caso de uma boa parte das pessoas no Brasil, nem

sequer terem acesso a esses atributos nos remete a essa dívida e porventura ao compromisso

de resolvê-la. Essa dívida está relacionada à injustiça social que acompanha a má

distribuição da renda, a exploração da mais valia, característica fundamental do Modo de

Produção Capitalista, enfim ao que é hegemônico no mundo em que vivemos. Assim,

podemos ainda lembrar o problema da falta de moradia digna para os trabalhadores urbanos

e a falta de terra para viver em relação à maioria dos camponeses. Supomos que, numa

sociedade de classes, temos uma dívida com o povo, sugerindo que coloquemos nossos

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saberes construídos e sistematizados para a melhoria do viver desse povo, cientes dos

vários (des) entendimentos que essas atitudes carregam. Essa situação supõe que

estreitemos um diálogo com outros saberes, os conhecimentos que a maioria da população

brasileira vem construindo. A divergência sobre o como fazer, como sanar essa dívida,

enriquece a construção do nosso país com mais justiça social. O contrário do compromisso

que busca atender as demandas populares é aquele que opta pela elite, esse segue pelo viés

do status quo; é outro compromisso. Muitos podem pensar que esse discurso está

desgastado, num movimento de construção ideológica que impulsiona esse desgaste. Mas

acreditamos e temos clareza que cada uma dessas palavras é viva dentro dos

acontecimentos enquanto ação na busca de uma nação soberana. Essas palavras, esse

discurso, associado a esses compromissos, é que regem a escolha do tema dessa

dissertação.

Nas próximas páginas expressamos esse compromisso por meio de uma Ciência

Geográfica que pesquisa, pensa, analisa algumas ações de parte do povo brasileiro. Ao

final, contribuímos sugerindo possíveis soluções para limites percebidos. Pretendemos

contribuir para aprendermos mais o Brasil, quem sabe com isso, termos possibilidade de

ensinar. Temos, assim, uma posição vinculada à produção científica de nosso país e sobre

ele. Optamos pelo sentido de liberdade e de resistência de uma parte do povo que, em

movimento, produz conhecimentos. O povo organizado em movimento e a ciência em

movimento. Lições, que, ao vivermos no mundo hodierno, convidam-nos constantemente a

aprender. Sem ser inteiramente e exclusivamente nacionalista, optamos por fazer ciência

envolvida com a resolução dos problemas de nosso país, vinculando assim nossa

construção a um diálogo com os que não tiveram acesso à construção do conhecimento no

interior das academias. Esse é o papel que levamos a cabo, nos apoiando em OLIVEIRA

apud ROCHA (1993: 186) que sugere a realização de uma geografia “comprometida com o

homem e a sociedade, não com o homem abstrato, mas com o homem concreto, com a

sociedade tal qual ela se apresenta, dividido em classes com conflitos e contradições. E

contribua para sua transformação”.

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Propomos, assim, um diálogo entre lugares. Diálogo que impõe distanciamentos e

aproximações. Apurando relações, percebendo limites e possibilidades. Vivemos no limiar

de um novo milênio, quando vários agentes da mídia apontam o “Mercado” como uma

entidade que “fica nervosa”. Atitude essa que reflete o que os grupos interessados

autenticam: o mercado possui vida própria. Diante disso temos que ter clara a opção de que

o povo tem mais que vida, pois possui o direito de ser movimento, e entrar por sua vez na

luta pelo saber. O povo ao qual nos referimos é feito de pele, carne, músculos, nervos e

ossos, tem sangue, mentalidade e coração. São seres humanos vivendo num sistema que os

oprime. No caso aqui travamos uma disputa pela construção intelectual que passa por

entender e explicar a vida (o que é viver/ pra que vivemos/ quem comanda nossas vidas?),

relacioná-la a lugares e temporalidades provoca e impulsiona atitudes que regem os

movimentos populares e quiçá alguns trabalhos e preocupações acadêmicas.

Essa dissertação tem como objetivo apresentar e analisar o papel da Escola de

Assentamento, mostrando como ocorre o ensino de Geografia. Apontamos, a partir disso,

possibilidades e limites da luta dos camponeses organizados através de um movimento

socioterritorial.

A Escola Agrícola 25 de Maio, que atende a cinco assentamentos da Reforma

Agrária no meio oeste de Santa Catarina – um lugar que se estabelece a partir de outros

lugares e outros tempos que a ele se vinculam e por ele são acionados. Foi em nossas

análises o ponto de partir e de chegar. Concluímos que a Escola atua como um referencial

das demandas desses sujeitos. Desta feita a Escola, e neste estudo a Escola Agrícola,

contribui para a Territorialização e Espacialização do MST.

Embora tal assunto – escola do campo e seu papel na espacialização e

territorialização do Movimento Socioterritorial – estejam envolvidos na amplitude da

questão agrária referente ao nosso país, instituída por essa complexidade, são poucos os

trabalhos científicos em geografia, que as têm como temas centrais, embora estejam

presentes de alguma forma nos diversos estudos. Alguns estudos têm levado em conta os

assentamentos rurais e acampamentos ligados à luta de conquista da terra de trabalho por

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parte dos camponeses como novos lugares sociais, poucos têm analisado cada um deles

como um núcleo social de conquista da cidadania.

Estudamos e realizamos nossa pesquisa na zona rural do município de Fraiburgo,

Estado de Santa Catarina (trata-se de uma Escola do Campo). Essa dissertação, no que ela

possui de mais geral, discorre sobre o que a escola do campo representa perante o Capital

hegemônico no mundo de hoje.

Sobre as abordagens que faremos nesta Pesquisa, podemos chamar a atenção para

o imbricamento que há entre as várias faces da realidade brasileira atual, que consideramos

importante destacar para dinamizar nossa pesquisa:

� Questão Agrária brasileira, que apesar de sua complexidade histórica e territorial, a

partir dos sujeitos que a compõem, destacamos o papel da resistência do campesinato

brasileiro, escolhendo lançar um foco para o maior movimento socioterritorial atuante

no Brasil atualmente.

� A relação entre saber acadêmico e saber escolar: pelo viés das sistematizações

Curriculares locais e nacionais do MST, num olhar dialógico da discussão e

sistematização acadêmica sobre esse assunto. Trata-se de um currículo que questiona

tanto os valores dentro da sociedade brasileira, como sugere novidades para o processo

de se fazer a escola, e mais especificamente sobre escola do campo. Sabemos que viver

no campo implica em diferenças sobre o viver no cotidiano de cidades, relacionadas a

trabalho, tempo, espacialidades, etc., porém, percebemos que ser cidadão nos últimos

anos no Brasil, implica em adotar valores nitidamente citadinos, urbanos. Como se dá o

choque entre uma proposta de algo novo e um jeito de escola que tem uma lógica

citadina? Que implicações que esse choque traz? E ainda uma outra questão que nossas

visitas de trabalho sugeriu, foi a que se refere sobre o quanto o saber popular,

construído ali nas práticas escolares do movimento, podem contribuir para a ciência

academicamente construída.

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� A aprendizagem de Geografia numa Escola do Campo, utilizando a formação de

conceitos para compreensão das ações dos sujeitos envolvidos. Analisando nessas ações

a formação de conceitos entre os educadores, avaliação crítica e proposta de ensino de

alguns conceitos para reforçar a relação entre saber acadêmico e saber escolar.

Começamos por perguntar como eles entendem esse lugar novo, esse núcleo de

construção da cidadania, denominado assentamento. Se viverem ali implica em algo

novo também. Como o velho e o novo se encontram e podem sugerir ações de ensino

aprendizagem? Espacialização e Territorialização do Movimento Socioterritorial

passam, assim, a compor as preocupações destes educadores e educandos.

Assim, contribuímos para um estudo que já vem sendo realizado por outros

pesquisadores que buscaram analisar e propor os caminhos do campesinato brasileiro.

Pesquisadores da Faculdade de Educação, do Laboratório de Geografia Agrária da USP, e

também vinculados a outras instituições de ensino superior que têm se preocupado em suas

pesquisas e estudos com os camponeses no Brasil, com a educação do campo (e o ensino de

geografia). O Campo está em movimento. A Geografia está em movimento. Nada melhor

para ambos que os movimentos da realidade brasileira ocupem o “Latifúndio” do saber

sistematizado. Podemos perceber esses temas na Geografia Brasileira a partir de vários

trabalhos de pesquisa sobre os movimentos camponeses que são realizados no nível de

iniciação científica, conclusões do curso de graduação, dissertações de Mestrado e teses de

Doutoramento.

Portanto, cabe explicitarmos que nossa pesquisa abraça uma corrente de

interpretação sobre o desenvolvimento capitalista na agricultura, aquela que entende que

tanto o campesinato como os latifúndios aumentam na relação com esse Modo de

Produção, concordando com Oliveira (1994) que afirma:

“o processo contraditório de reprodução ampliada do capital além de redefinir antigas relações de produção, subordinando-as à sua reprodução, engendra relações não capitalistas igual e contraditoriamente necessárias a sua reprodução”

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Neste processo contraditório do Capital mundializado é que podemos entender os

camponeses, e até a aceitação sobre um determinado tipo de Reforma Agrária, aquela que

não afete a renda da terra. Mas esses sujeitos se reconhecendo subordinados, passam a

resistir e tentar transformar tanto pelo viés econômico, entrando no mercado, como resistir

com sua gama de valores, que por si só já são culturalmente diferentes dos valores

burgueses.

Os conceitos de Espacialização e Territorialização (Thomas,1995.Fernandes,

1999) quando sugeridos para entendermos o papel de uma escola remete a analisarmos essa

instituição na vida da comunidade assentada. Estabelecemos um diálogo, com as

possibilidades e confrontos entre o fazer científico, o saber popular que age localmente

concatenado a um currículo em movimento, do setor de educação do MST, se

especializando e territorializando pelos diversos locais, possuindo abrangência nacional.

Através de uma prática didática-pedagógica de ensino da Geografia, o que

chamamos de “oficinas de diálogo”, despontaram algumas dessas relações. Que assim se

transformaram em material para a construção das próximas páginas desta dissertação.

Antes de apontarmos quais os objetivos do nosso trabalho de pesquisa, ou seja, o

que nos movimentou no ato de pesquisar, cabe lembrar o que nos diz Oliveira (1995):

“Desvendar o Território pode e deve ser uma perspectiva científica para a Geografia”

(Oliveira,1995)

Desvendar esses passos dados pelo Movimento que constroem outra

territorialização é de extrema importância para a Geografia Brasileira, possibilita que ela

mantenha seu papel de ciência comprometida em estudar e sugerir mudanças aos rumos de

nosso país.

Os assentamentos rurais, surgidos a partir da década de 80 do século passado

solicitam esse desvendamento, além disso, podemos atentar para o que nos sugere

Fernandes (2001), quando o mesmo convida aos que almejam estudar essas relações, em

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assumirmos um objetivo em contribuir com o desenvolvimento socioeconômico e político

dos assentamentos rurais, bem como as lutas pela terra e pela Reforma Agrária.

Cientes desse convite, e nos apoiando nesses objetivos que sugerem caminhos,

estipulamos que o objetivo principal desta pesquisa foi procurar entender de que maneira a

Escola e a educação Escolar (com ênfase para o ensino aprendizagem em Geografia)

contribuem para a territorialização dos camponeses organizados através de um movimento

popular (socioterritorial).

Foi necessário entender como as estratégias e táticas do MST se transformam em

ações didáticas pedagógicas e possibilitam que as crianças e jovens, assim como os

educadores façam parte da territorialização e espacialização da luta pela Reforma Agrária.

Lendo o material do Setor de Educação do MST, assim como os cadernos do Movimento

por uma Educação do Campo, bem como visitando o cotidiano escolar e as famílias dos

assentamentos circundante a Escola, percebemos que os limites e as possibilidades, as

aceitações ou não dos caminhos percorridos por essas tentativas de apontar uma discussão

sobre o fazer escolar, sobre a formação dos sujeitos Sem Terras contribui para essa

espacialização e territorialização.

Desta feita, ao analisarmos como está sendo a formação geográfica dos estudantes

e de como uma proposta de ensino pode auxiliar nessa formação, descobrimos que também

podemos estender essas preocupações e contribuir para a formação dos educadores.

De certa maneira o que pretendemos, a partir desta dissertação, é sugerir uma

discussão sobre uma Geografia das Escolas do Campo, através de uma prática de ensino/

aprendizagem de geografia numa escola do campo.

Para alcançarmos esse intento, fez-se necessário estipular e alcançar objetivos mais

específicos durante os caminhos da pesquisa. Assim, verificamos os modos de

funcionamento da Escola Agrícola 25 de Maio, em seus relacionamentos com a pedagogia

do MST e com a comunidade assentada. Será que no dia a dia duma escola de

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assentamento, ligada a um Movimento Socioterritorial da amplitude do MST, teríamos uma

teoria escolar própria sendo gestada?

Observamos quais os graus de alcance das atitudes pedagógicas realizadas na

Escola para propor novas territorializações e resistências aos camponeses e de como essas

atitudes propõe o novo e/ou reproduzem o velho no que tange à organização escolar.

Analisamos qual a importância (os diferentes pontos de vista) sobre a Escola e o

processo de escolarização que têm os camponeses assentados no município de Fraiburgo –

SC. Para alcançar todo esse intento também levamos em conta a análise a partir de oficinas

didático-pedagógicas com as turmas do ensino fundamental, e com os educadores. Essas

oficinas visaram construir conceitos e desenvolver habilidades, ao mesmo tempo que

abriam caminho para que pudéssemos entender a vida da escola.

A partir desses objetivos levados a efeito e alcançados, sugerimos o debate sobre

os caminhos e as relações que essa pesquisa propõe.

Dessa maneira, os questionamentos apontados a partir do projeto inicial e os que

foram surgindo nos trabalhos de campo permitiram realizarmos e estruturar a seguinte

hipótese geral dessa pesquisa:

Ao que parece a Escola localizada nas áreas de assentamentos de Reforma Agrária

tem um papel importante na territorialização desses assentamentos, possibilitando a

efetivação e continuidade da luta camponesa. Isso possibilita que esses camponeses

comecem dentre as suas preocupações também a valorizarem mais a Escola - fato que não

ocorria antes, devido a um entendimento influenciado pelos valores e choques culturais

proporcionados pelo advento da modernização no Brasil. E de como se organizava as

escolas do campo. Essa opção por Escola altera a própria organização dentro dos

assentamentos e de forma geral no MST, como um todo. Propicia e impulsiona a

transformação do território conquistado.

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Esta pesquisa se baseou na análise reflexiva de algumas das dinâmicas e

estratégias vivenciadas pelos camponeses para se manterem na terra e assim sustentarem -

se (ou recriarem - se) como sujeitos sociais do campo. O que chamamos de camponeses.

Como afirmam alguns teóricos do Campesinato, que os camponeses têm como limite de

suas ações a sobrevivência, ao freqüentarmos e lermos seus manifestos e manifestações

acrescentamos que também existe uma forte tendência ao cultivo de ensinamentos que

remetem a valores humanistas e culturais inerentes à vida rural, negando o reducionismo

economicista dos valores capitalistas, que apresentam impossibilidade ecológica, êxodos,

exploração, ganância e lucro. Depois de conseguida a terra de trabalho se dá um movimento

para permanecer na terra. Com certeza essa preocupação acontece pelo viés da produção,

da relação com o mercado. Porém é necessário também que levemos em conta que a

Escolarização vem ganhando aspectos importantes para contribuir na construção da

dignidade e identidade camponesa. Ainda que surjam notícias exagerando a venda de lotes,

de experiências que não lograram êxito na iniciativas de cooperação, os assentamentos

rurais continuam. Porém percebemos que enquanto hipótese, essa teve algum de seus

apontamentos negados, enquanto a Escola Agrícola, é uma escola do MST, uma escola dos

Assentados, ainda podem-se perceber limites e avanços que se confrontam. A própria

discussão das ações agroecológicas, uma das atividades que servem como “menina dos

olhos” aos educadores, ainda encontra resistência por parte dos assentados. Mas como se

trata de um projeto em construção, essa divergência se apresenta como “combustível” a um

debate necessário.

Mas esse e outros debates, essas divergências, esses limites e essas possibilidades

pretendem ser explicitados no corpo dessa dissertação, dividida em duas partes, possuindo

três capítulos e as considerações finais.

Dessa maneira, no primeiro capítulo desta dissertação, que tem um caráter mais

teórico, tratamos da educação do MST: apontamos um breve histórico do campesinato

brasileiro até chegar no MST, suas relações com a luta camponesa que se travou no Brasil e

do papel e importância do setor de educação desse movimento socioterritorial. Esse

capítulo faz um caminho que vai do geral para o específico, ou seja, concluímos

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apresentando a Escola de Ensino Fundamental 25 de Maio (chamada pelo Movimento de

Escola Agrícola) e seu papel para a luta dos camponeses Assentados em Fraiburgo - SC.

Propomos aqui uma Geografia das Escolas Rurais, comentando de maneira inicial sobre a

mesma no Brasil, e no estado de Santa Catarina. Nossa intenção foi a partir da escola em

questão, mesclando com a luta dos Sem Terra de SC, ampliar a discussão sobre as redes

estabelecidas pelo Setor de Educação do MST. A preocupação é comentar sobre a

espacialização e territorialização das escolas do movimento, a partir da análise reflexiva do

cotidiano de uma delas. Os itens que comporão esse capítulo, dizem respeito a uma análise

dos conceitos de territorialização e espacialização numa perspectiva epistemológica da

Geografia Brasileira.

No capítulo dois, abordamos sobre a Formação de Professores, seguindo o mesmo

caminho, primeiro de maneira geral, abraçando veredas teóricas, nos apoiando na discussão

que leva em conta o papel cultural da Sociedade Brasileira e da importância da

escolarização enquanto parte do processo civilizatório. Nesse capítulo, aprofundamos nossa

análise sobre a Escola Agrícola, apresentando suas ações curriculares internas e sua

importância para a luta dos camponeses assentados em Fraiburgo - SC. Tratamos assim de

escrever um capítulo dedicado à contextualização da escola estudada, abordando a

perspectiva espaço/temporal da mesma.

No terceiro capítulo, dissertamos sobre a Metodologia da Pesquisa, apresentamos as

raízes metodológicas e conceituais com as quais trabalhamos. A linha adotada que caminha

pela pesquisa qualitativa, mesclada com o entrelaçamento possível entre a pesquisa-ação e

a pesquisa participativa. Os sujeitos dessa pesquisa – pais, educadores e educandos ligados

a essa escola – com os quais nos relacionamos através de entrevistas, observações e

aplicando oficinas didáticas pedagógicas ou que já denominamos de “oficinas de diálogo”,

aparecem aqui como colaboradores para que possamos entender e sugerir sobre a realidade

vivida por eles. A partir dessas relações descritas e analisadas apontamos assim critérios de

avaliação dos instrumentos utilizados. Desta maneira analisamos algumas contribuições de

estudantes por série: debatemos, à luz de alguns conceitos importantes para a ciência

geográfica e para a geografia escolar, a Geografia numa escola rural e seu currículo em

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ação. O diálogo entre Saberes: ciência, popular (acumulado das experiências do Movimento

popular) e saber escolar. Este é um capítulo que une algumas discussões teóricas sobre o

ensino de geografia (alfabetização em Geografia) com as oficinas que realizamos na

Escola. O que pretendíamos e o que foi alcançado ao realizarmos três estratégias de

pesquisa: observar, entrevistar e participar.

Finalmente nas derradeiras páginas denominadas de Conclusões Inconclusas,

faremos uma análise geral da experiência desenvolvida, da relação de ensino aprendizagem

geral que ocorreu na Escola neste período que lá estivemos convivendo, para tanto

dialogamos esse capítulo com os demais em algum de seus aspectos. Essa análise final e

geral só terá sentido se propormos um caminho curricular e indicar possibilidades

conceituais para a Geografia ensinada nas escolas de assentamentos e intervir na Geografia

Acadêmica.

Os Acampamentos e Assentamentos do MST e dos outros Movimentos

socioterritoriais/camponeses existentes hoje no Brasil são territorializações e

especializações da luta e resistência a modelos políticos e teóricos (ideológicos) que

atingiram a sociedade brasileira no decorrer do século XX de maneira bastante intensa.

Estarmos organizados e cientes de nosso papel enquanto pesquisadores amplia a

possibilidade de desvendarmos, como aponta Carlos Walter Porto GONÇALVES, os

vetores instituintes das tensões territoriais de nossa época, e nos possibilita contribuir para

a construção de um país mais justo e com qualidade social.

Estamos convencidos, desta maneira, que desvendarmos esses vetores, a partir de

uma escola do campo, de sua prática e vivência pedagógica e comunitária pode contribuir

para o que esperamos seja a construção dos saberes. Isso se transforma, assim, para nós

geógrafos, no que podemos assumir como um compromisso social.

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LADO A

DA UNIVERSIDADE

AO

CAMPO

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PRA SOLETRAR A LIBERDADE

(Zé Pinto)

Tem que estar fora de moda

Criança fora da escola, pois há tempo

Não vigora o direito de aprender

Criança e adolescente numa educação

Decente pra um novo jeito de ser

Pra soletrar a liberdade na cartilha do ABC

Ter uma escola em cada canto do Brasil

Com um novo jeito de educar pra ser feliz

Tem tanta gente sem direito de estudar

É o que nos mostra a realidade do país.

Juntar as forças, segurar de mão em mão,

Numa corrente em prol da educação

Se o aprendizado for além do Be A Bá,

Todo menino vai poder ser cidadão.

Alternativa prá empregar conhecimento

O Movimento já mostrou para a nação

Desafiando dentro dos assentamentos

Reforma Agrária também na Educação

I – MST, a territorialização e a espacialização

da Educação Escolar

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I

MST, a territorialização e a espacialização

da Educação Escolar

1 – Sobre o MST e os camponeses

“O MST representa uma extraordinária vontade de participação política e econômica, dando ao campesinato a voz que não tinha”.

Antônio Cândido

Com essas palavras do Professor Antônio Cândido 1, damos início a este capítulo

em que abordaremos, entre outros assuntos, o papel da Escola e a importância da

escolarização para os camponeses organizados num Movimento Socioterritorial 2. O

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que surge como um fenômeno na história

recente do país 3 traz inovações territorializadas, possui um projeto de transformação que

comporta uma discussão acumulada sobre o desenvolvimento territorial, que solicita a

análise dos geógrafos. O Professor Antônio Cândido, ao prosseguir na entrevista, e a fim de

reforçar a frase que abre esse capítulo, cita o cineasta Paulo Emílio Sales Gomes que num

Manifesto da União Democrática de 1945, trata sobre os trabalhadores rurais do Brasil

como a “A grande Voz Muda da História Brasileira”.

Inicialmente cabe atentarmos para alguns aspectos que surgem a partir da

manifestação desses dois grandes intelectuais brasileiros. Em nosso entendimento podemos

sugerir três provocações a partir dessas colocações: a primeira questão que faremos é o

significado desse emudecer que em parte revela o processo ao qual o campesinato está

1 Entrevista ao CONTRAPONTO – Jornal Curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC/SP (Ano II, n.o 11, Dez. /2002) 2 (Fernandes, 2001, p.30). 3 Internacional pois a luta camponesa hoje se mundializou. Camponeses de vários paises se organizam através da Via Campesina, o francês José Bové é um dos integrantes dessa organização camponesa mundial. É importante ter essa organização presente mas nesse trabalho estaremos mais atento a luta política dos camponeses dentro de nosso país.

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colocado no decorrer da história do Brasil. Já um outro aspecto que podemos perceber

nessas falas diz respeito à temporalidade. Convém comentar e procurar entender o que

aconteceu com os camponeses nesse interregno entre 1945 e 1984, o ano de surgimento do

MST. Entenderemos o que ocorreu com esses sujeitos se entendermos qual o papel do

nosso país na hegemonia do Modo de Produção Capitalista. Podemos questionar

finalmente se essa “voz”, aqui entendida como vontade de participação cidadã e de

resistência, abarca somente essas duas linhas de atuação citadas por Antônio Candido: o

econômico e o político.

1.a - Significado do emudecimento

Para entendermos o motivo no qual os camponeses sejam considerados sujeitos

mudos requer que realizemos um resgate de uma face do processo histórico a fim de

descobrir os motivos e como outros sujeitos sociais colaboraram para isso. Convém

também que entendamos qual foi o papel que coube à nação brasileira no plano da divisão

territorial (mundial) do trabalho.

A partir da citação do cineasta Paulo Emílio, percebemos que os camponeses

nunca estiveram absolutamente mudos, mas sim tendo suas manifestações emudecidas. Os

camponeses foram emudecidos. Realizaram vários gestos importantes dentro da história

nacional, mas foram banidos dos manuais que contam como o nosso país se formou. Qual o

compromisso dos intelectuais que construíram a história de nosso país? Os gestos e as

atitudes do campesinato sempre foram relatados, quando o foram, de maneira

preconceituosa e caricata por uma enorme parte dos intelectuais.

Vários pesquisadores brasileiros da atualidade 4 que estudam a questão agrária

afirmam que o campesinato brasileiro se consolidou enquanto classe no decorrer dos

4 Vários professores e professoras brasileiras que trabalham e publicam pesquisas sobre o campesinato nas diferentes áreas das ciências humanas: José de Souza Martins (sociologia), Margarida Moura (antropologia), Antônio Cândido (literatura) e os Geógrafos Ariovaldo Umbelino, Regina Sader, Marta Inês Medeiros Marques. O Laboratório de Geografia Agrária da USP – Capital tem uma equipe de estudantes envolvidos com esse tema: Marco Antônio Mitidiero Júnior (estudou o MLST, outro movimento camponês, dissidente do MST), Carlos Alberto Feliciano (seu estudo resultou num mapa dos assentamentos rurais no Brasil, e

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séculos XIX e XX. Porém cabe lembrar que os grandes proprietários de terra persistem até

hoje desde os tempos da colonização.

Alguns acontecimentos no Brasil são importantes para que possamos entender

como os camponeses puderam se constituir enquanto sujeitos na dinâmica social do país.

Quando a terra ganha a possibilidade de ser comprada e vendida, a partir da Lei de Terras

de 1850, consolida-se a propriedade privada da terra no Brasil, que passa assim a ter o

aspecto jurídico de mercadoria 5. Desta maneira, alteram-se as bases de ordem política e

social no Brasil.

É interessante notar que antes da chegada dos Europeus, ou mesmo em

determinado período, concomitante as doações reais e as Capitanias Hereditárias, os nativos

que habitavam o território americano, tratavam com a terra enquanto um bem comunal.

Com uma cruz numa mão e a espada na outra, os europeus invasores do Novo Mundo

provocaram um etnocídio e um epistemicídio 6, dizimaram pessoas, conhecimentos,

florestas, animais, etc. Aproximadamente quatro milhões de indígenas sucumbiram só em

nosso país até metade do século XIX. Esses povos, aqui no que viria a ser o Brasil, eram no

início da colonização, aproximadamente cinco milhões de seres humanos.

recentemente concluiu o mestrado onde pesquisou sobre a espacialidade e territorialização dos acampamentos), Larissa Mies Bombardi (estudou no mestrado o Bairro Reforma Agrária de Valinhos - SP, que!surgiu de um projeto de Reforma Agrária do Governo Carvalho Pinto, no início da década de 60), Rodrigo Borges (estuda o MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra, que tem sede em Minas Gerais). O professor Bernardo Mançano Fernandes, cujo trabalho e reflexões utilizamos bastante nesta dissertação, pesquisou o MST no Mestrado e Doutorado, atuou no Agrolab durante a década de noventa e hoje ainda os pesquisa a partir da Unesp de Presidente Prudente. 5 Da chegada de Cabral até a assinatura da Lei de Terras, em 1850, por Dom Pedro II, a terra no Brasil era de quem recebia uma doação do Império Português. Portanto as terras, que até 1822 eram todas de propriedade da Coroa Portuguesa, a partir da lei de terras assumiram uma postura de renda capitalizada. Neste interregno de 1822 a 1850 não houve doações, apenas tomada de posse. 6 Conceito desenvolvido por Santos, Boaventura de Souza (2000). Trataremos mais especificamente desse conceito no inicio do capítulo dois dessa dissertação.

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A origem dos camponeses no Brasil se encontra tanto no advento da imigração

européia 7 e asiática, nos descendentes destas famílias, como nos nativos (indígenas)

escravizados, desterritorializados, que tiveram seus povos reduzidos. Também nos negros

fugitivos que organizaram seus territórios livres, os quilombos. Além desses formaram os

camponeses brasileiros os escravos libertos pelas leis anti-escravistas que conseguiram

continuar trabalhando na terra. É interessante notarmos que a maioria dos escravos libertos

não puderam ter acesso à terra, vitimados pela lei de terras, não possuíam capital necessário

para adquiri-las por compra. Os posseiros que já existiam em pouca quantidade antes da lei

de terras tiveram sua contribuição no que podemos definir como camponês. O passado das

decisões elitistas no Brasil cobra o presente. Os camponeses têm origem nesses fatos e

sujeitos.

A face econômica do Brasil, de 1500 até 1930, foi a de um país Agro - exportador,

tínhamos grande parte da produção agrícola e pecuária destinadas aos países da Europa.

Lembremos Caio Prado Júnior que escreveu que o processo de colonização foi um

empreendimento comercial. Após a Revolução de 1930, quando as novas elites industriais

derrotaram as oligarquias rurais, é gerado o estopim da industrialização, o país começa a se

industrializar de maneira mais intensa.

Quando chegamos em 1945, no manifesto do cineasta Paulo Emilio, já passamos

enquanto nação por duas grandes guerras camponesas: Canudos (1893 a 1897 numa área no

sertão baiano chamado de Arraial de Canudos) e Guerra do Contestado (1912 – 1916 em

Santa Catarina) 8.

7 A vinda de imigrantes europeus no século XIX para o continente americano, e em boa parte para o nosso país, se deve entre outros fatores, da expropriação da terra que essas famílias sofreram em seus países. O Capitalismo na Europa preparou um terreno fértil para a imigração entre esses dois continentes, pois como resultado da lógica capitalista adentrando ao campo, temos pessoas sendo expropriadas das suas terras. Vir para a América, dessa forma significou continuar sendo camponês. 8 Em boa parte da história brasileira os conflitos no campo se fizeram presente. Lutar por terra não é uma característica da contemporaneidade na área rural brasileira. Canudos e Contestado são conhecidos como lutas messiânicas do final do século XIX e início do século XX. A Guerra de Canudos constituiu na união de trabalhadores rurais e ex-escravos que peregrinavam com o beato Antônio Conselheiro em busca da terra prometida. Esta organização de quase 10 mil pessoas não agradou o governo brasileiro, exigindo o seu fim. Foi em Canudos que o exército brasileiro sofreu as primeiras derrotas e que usou pela primeira vez os canhões de guerra. A Guerra do Contestado foi uma guerra camponesa. Os camponeses expulsos pelo governo federal

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Mas houve outros embates envolvendo o campesinato e a elite brasileira, podemos

lembrar assim da Guerrilha de Porecatu (1950 a 1951, limite entre São Paulo e Paraná),

Movimento de Dona Noca (1951, no Maranhão), no Sudoeste do Maranhão em Pidaré-

Mirim (década de 1950), nas Terras Fluminenses (1950 a 1964), Território Livre de

Trombas e Formoso (o de Trombas e Formoso em Goiás (1948 a 1973)1953, no antigo

norte de Goiás), o Movimento Arranca-Capim em Santa Fé do Sul, Estado de São Paulo

(1950 a 1960), Movimento das Ligas Camponesas (1955 em Vitório de Santo Antão,

Estado do Pernambuco) 9.

1.b Surge um Movimento Socioterritorial: um breve histórico

Após a dissolução das ligas camponesas com o Golpe Militar de 1.o de Abril de

1964, as lutas camponesas por terra de trabalho 10 foram retomadas no Brasil. Em setembro

de 1979, ocorre o acampamento da Encruzilhada Natalino, que é dado como fato precursor

desta retomada. Em janeiro de 1984, realizou-se o Congresso que originou o MST. Vários

movimentos de Camponeses de diversos locais do país resolveram nacionalizar o

movimento. Nesses cinco anos, famílias camponesas organizadas ocuparam11 terras

de suas terras na região de fronteira entre o Paraná e Santa Catarina se rebelam contra o Estado. Este enviou grande efetivo do exército contra 20 mil camponeses, usou os aviões de guerra pela primeira vez. Sobre a Guerra do Contestado é interessante o livro de Mauricio Vinhas (ao final na bibliografia geral). 9 Este foi o movimento que teve maior repercussão na política brasileira na metade do século passado. As Ligas Camponesas apesar de não terem proporcionado uma guerra entre camponeses e exército, muitos destes trabalhadores rurais foram mortos e o movimento foi extinto com o golpe militar de 1964. Veja em Stedile,1997. 10 O conceito terra de trabalho foi bastante trabalhado por Martins (1980) em outras de suas obras. É a terra possuída pelos camponeses que nela trabalham, seja pela posse, seja em terras comunitária, familiar, tribais, tendo por base o direito popular. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) num documento chamado A Igreja e os problemas da terra, originado numa de suas assembléias em fevereiro de 1980, adotou esse conceito para contrapor ao de terra de exploração, que é a terra voltada ao interesse do lucro, apropriada pelo capital, seja por exploração do trabalho, seja por especulação. 11 Aqui utilizamos a mesma posição que utilizam os movimentos socioterritoriais em relação as suas ações quando entram em terras que não cumprem a função social da terra. Existem duas posições para nomear as ações dos sem terra. Uma delas chama essas ações de invasões, já que os Sem Terra estariam invadindo as propriedades privadas e os prédios da administração pública. A palavra invasão é usada pelos proprietários e empresários rurais, pelos governos, pela mídia e por grande parte da sociedade. Existe a que intitula estas

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improdutivas a fim de pressionar por uma Política de Reforma Agrária. Nesses 39 anos que

separam o manifesto escrito e lido por Paulo Emílio até o primeiro encontro gerador do

MST, as elites brasileiras continuaram com sua disposição para possibilitar um país

moderno, mas ainda assim dependente do Capital Externo, ou seja, um país a serviço da

reprodução do Capital.

O processo de industrialização vai gerar uma série de mudanças no território

brasileiro e concomitantemente na vida dos brasileiros. Com a instalação da primeira

fábrica automobilística estrangeira no país em 1956, começa a consolidar-se a substituição

de importações. O automóvel e os eletros - eletrônicos tornam-se referenciais de consumo

para a classe média urbana, enquanto surgem estradas de rodagens e avenidas asfaltadas,

confirmando a invenção de uma sociedade do petróleo e do automóvel. Os parques

industriais atraem famílias que acabam dinamizando determinadas cidades e regiões

brasileiras. Soma-se a tudo isso a construção de grandes barragens das grandes hidrelétricas

com o intuito de atender a demanda de energia elétrica que era crescente.

Nessa transformação, chamada de Modernização Conservadora 12, altera-se a

dinâmica populacional em nosso país, pois os dados censitários acusam o êxodo rural. Essa

migração foi de 13 milhões de pessoas na década de 60 e de 16 milhões na década seguinte,

revelando uma grande mudança: a escolha de um novo eixo da economia brasileira.

No campo, o pacote de inovações é conhecido como revolução verde. Uma nova

maneira de produzir, com tratores, colheitadeiras e outras máquinas, que fez com que

diminuísse a mão de obra utilizada. Esse pacote de mudanças trouxe também uma nova

maneira de produzir que incutiu aos poucos a compra de sementes e agrotóxicos. A

ações como ocupações, na medida que consideram a entrada dos Sem Terras em grandes propriedades improdutivas como um ato de ocupar uma terra, que segundo a Constituição da República de 1988, obrigatoriamente deveria ser desapropriada para fins sociais. Os Sem Terra também chamam de ocupação as manifestações internas nos prédios públicos, por considerar que a “coisa” publica é de todos, do povo, dessa forma não estariam invadindo. 12 Este parece um termo bem apropriado hoje para definir aquele período ditatorial no Brasil. Para saber mais, ler em FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma Agrária e a Modernização no Campo. Terra Livre. AGB. Geografia, Política e Cidadania. São Paulo. SP. nos 11 / 12. p. 153-175. Ago. 92 / Ago. 93.

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monocultura, no caso agora a soja, continuou em seu afã por mais terras, fator que também

expulsa o pequeno agricultor. Convém entendermos a lógica do aumento da dívida externa

e o entrelaçamento com as grandes lavouras 13. As principais heranças dessa época, que

atingem a todos os brasileiros, e deixou seqüelas na vida da nação como um todo: a Dívida

Externa e uma enorme Concentração Fundiária 14.

Convém, finalmente, realçar que muitos dos camponeses que deixaram suas terras

de origem nem sempre foram para as cidades, o êxodo rural no Brasil foi intenso, mas

muitos camponeses permaneceram no campo, resistindo, sejam se assalariando, ou

ocupando e tomando posse de pequenas áreas, cada vez mais se embrenhando para o oeste,

para a Amazônia, fazendo avançar a fronteira agrícola. Muitos deles contribuíram na

construção de cidades de menor porte. Os posseiros, desbravadores do território, que

expandiram as fronteiras agrícolas, tanto quanto o Capitalismo, em boa parte do século

passado contribuíram de maneira intensa para a territorialização do campesinato. Os

projetos de colonização (migratórios) da Ditadura Militar na década de 70 e 80, nas regiões

13 Foram os Governos militares que possibilitaram a tomada de empréstimos diretos ou intermediados às empresas brasileiras junto das Agências internacionais, do mercado financeiro internacional, a fim de ampliar a produção industrial e também criar infra-estrutura para circular e escoar a produção. O crescimento das lavouras de exportação é inevitável, visto que os produtos agrícolas terão pesarão na balança para serem exportados. Café, cana de açúcar, soja, laranja, são alguns dos cultivos que vão tomando conta do campo brasileiro. Estes por sua vez são produzidos em grandes extensões, pois é preciso todo uma rede organizativa para poder vender e fazer com que as mercadorias cheguem ao exterior, e geralmente quem a domina, são os grandes proprietários. 14 O casamento entre construção de estradas, projetos de colonização e modernização de latifúndios foi a tônica desse momento da história brasileira. Os donos das grandes propriedades de terra também passaram a ser os empresários do Centro - Sul, que compraram propriedades nas áreas de Cerrado. Temos uma nova face dos latifundiários. A política colocada em ação pelos Militares consistiu em cinco grandes eixos: a) Viabilizar a internacionalização e a aceleração do processo de industrialização do país, que acabaria refletindo na questão agrária e agrícola. b) Fornecer crédito bancário vinculado ao tamanho da propriedade. Assim, quem possuía as maiores propriedades teve crédito com mais facilidade. Como não havia fiscalização sobre o uso dos créditos, estes estavam servindo para adquirir mais propriedades, aumentando, assim, a expropriação de posseiros e pequenos agricultores. c) Política de incentivos fiscais, para projetos de colonização e projetos agropecuários, com objetivos de aumento da produção. Foram criadas Agências para intermediar os projetos e os incentivos, surgiram assim a SUDENE, SUDAM, etc. d) Financiar a expansão da agricultura para os “espaços vazios” do Brasil, no caso, os cerrados do Centro-Oeste, A Amazônia e o Nordeste. e) Investir na comercialização e na transformação tecnológica do setor agrícola, com construção e melhoramentos de estradas, portos, construção de barragens para hidrenergia e outros investimentos infra-estruturais. O fato é que o poder público acaba desapropriando várias famílias com

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Amazônicas e Centro-Oeste também foram atitudes políticas por parte do Estado que

somaram a essa dinâmica.

Tivemos um atraso político, pois ficamos impedidos por mais de 25 anos a eleger

o presidente da república. Esse autoritarismo vitimou muitas pessoas em nosso país, tanto

no campo como na cidade, sofreram prisões, torturas e exílios por se oporem ao regime.

Vitimou também a educação em nosso país, um dos exemplos foi o acordo MEC – USAID

de 1969, reproduziu-se neste setor da sociedade o que já vinha ocorrendo em outras áreas,

ou seja, a submissão do Brasil em relação aos países capitalistas centrais.

E o que podemos falar da Reforma Agrária, após o fim do governo militar e a

abertura política, houve uma tentativa institucional de fazê-la sair do papel. Mas quando

essa aconteceu foi por intermédio da organização e pressão dos camponeses organizados, e

é assim até hoje.

Chegamos assim no começo de um novo século com dados surpreendentes sobre a

questão agrária no Brasil: conforme a FAO/ 1990, somos o segundo país do mundo em

concentração de propriedade da terra, só perdemos para o Paraguai. Aqui se localiza o

Maior Latifúndio do Planeta. Em relação a distribuição da terras, temos 43% delas com

27.556 latifundiários e as 4,6 milhões de famílias sem terra ficam com apenas 10% das

terras no Brasil. Quanto ao Cultivo, há apenas 40 milhões de hectares cultivados.

Possuímos em nosso território nacional aproximadamente 354 milhões / hectares de terras

cultiváveis. Isso é resultado de uma Concentração que aumentou de 1995 a 2002

Hoje, ao falarmos da Questão Agrária no Brasil, temos que considerar além do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, mais de 40 movimentos

socioterritoriais relacionados a luta por terra, portanto é importante realçar que esses

movimentos surgem como novidade no campo político brasileiro, mas que os camponeses

essas iniciativas. Aqui, também, cabe dizer do investimento em grande dimensão que foi realizado em pesquisas agrícolas.

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em suas lutas, como já relatamos anteriormente, questionaram as condições sociais a que

eram submetidos desde o século XIX15. Nossa pesquisa se prende ao MST.

1.c – O econômico, o político e o educacional: ampliando as dimensões...

Devemos considerar que essas duas linhas de atuação apontadas por Antônio

Cândido 16, ou seja, o aspecto econômico e o político, são importantes. Porém, ampliar o

leque de dimensões, como as ações do MST propõem, faz-se necessário. É Fernandes

(Ago. 92 / Ago. 93. p.153-175) que nos apresenta, como principal mazela causada pelo

modelo de Modernização Conservadora, o fato do mesmo ser concebido em bases

economicistas e tecnicistas. Aponta que ao adotá-lo, os governos militares desconsideraram

as outras dimensões dos processos de transformação na sociedade. Indica que os novos

modelos deverão conceber o processo de modernização em todas as suas dimensões: social,

política e econômica.

O Estado, num plano de caráter puramente voltado para interesses econômicos, ao

tomar a direção de expandir e ocupar as fronteiras agrícolas introduziu cada vez mais a

lógica capitalista, em detrimento da lógica camponesa, expulsou camponeses e favoreceu a

transformação de terra de trabalho em terra de exploração. Portanto, como conseqüência,

o deslocamento de famílias camponesas está vinculado ao favorecimento da produção

15 Entre os anos de 1964 até o começo da década de 1980 qualquer tipo de movimento social, rural ou urbano, foi severamente repreendido. Os principais movimentos sociais que hoje produzem lutas contra o governo se constituíram durante a ditadura militar. São eles: o Movimento dos Povos da Floresta, na Amazônia, o Movimento dos Camponeses Atingidos por Barragens no Sul do país, os Movimentos de Lutas Indígenas. Os Movimentos Grevistas dos Assalariados Rurais e Bóias-Frias, o Movimento dos Pequenos Produtores Rurais, este dois últimos, espalhados por todo Brasil. No entanto, os latifundiários formaram a União Democrática Ruralista (UDR). Elegem muitos deputados que no Congresso Nacional barrariam a realização da Reforma Agrária. Essa entidade fundada em 1985, articulou milícias rurais para proteger os seus latifúndios. Somente nesse ano de fundação da UDR, foram 222 trabalhadores rurais mortos no campo, de janeiro a maio de 1986 mais 86 foram assassinados, despontando o lado perverso de nossa sociedade: o assassinato de trabalhadores rurais, de advogados e padres defensores das causas dos trabalhadores.in PALADIM JR., Heitor Antônio; MITIDIERO JR., Marco Antonio. A questão Agrária no Brasil. São Paulo: Paradidático Ensino Médio, Ed. Escolas Associadas, 2003. 16 Seria uma injustiça com esse importante intelectual, visto que utilizamos a fala retirada de uma entrevista, ou seja, é um pedaço do pedaço. Essa fala que usamos como estopim de nossas preocupações, como dispositivo para iniciar nossa escrita pois é rica em possibilidades, demonstra uma preocupação concernente com os caminhos trilhados por nossas preocupações.

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capitalista no campo. Há três gerações a maioria dos brasileiros vem sofrendo os efeito das

políticas adotadas pela chamada modernização conservadora brasileira.

Portanto nesta dissertação, fica evidente que essa “voz” do campesinato não teve

nenhuma chance de ser ouvida na história brasileira. O MST vem resgatar essa “voz”,

organizando ocupações, diálogos, marchas e assentamentos. Expressa, assim, mais que a

vontade de participação nestes dois aspectos: o político e econômico. É um movimento que

traz o novo para o cenário político no país. É óbvio que passa pelos fatores econômicos,

mas trazendo uma abertura que nega o economicismo reinante tanto no campo das

interpretações como nas ações para com o Brasil, e que por essas inovações acabam por

possibilitar questionamentos e novas maneiras de se manifestar em torno das mudanças

social, política e econômica.

Vejamos alguns dados que ilustram o tamanho dessa organização. Até dezembro

do ano de 2003, o MST estava organizado em 22 Estados (não havia organização nos

estados do Acre, Amazonas, Roraima e Amapá) e era formado por uma Base social de 1,5

milhão de pessoas (350 mil famílias assentadas e 100 mil acampadas).

Possui aproximadamente, segundo dados fornecidos em sua página da internet,

1.500 escolas públicas que se encontram nos assentamentos, isso proporciona que em volta

de 180 mil pessoas estejam envolvidas com as atividades escolares.

Logo, ao escolhermos uma Escola do Campo em Fraiburgo, município do Meio

Oeste do Estado de Santa Catarina, Região Sul do Brasil, como ponto de partida e de

chegada para as reflexões aqui contidas, reforçamos a nossa hipótese que a atuação dos

camponeses atinge dimensões que extrapolam o limite da participação somente econômica

e política. Assim, o que colhemos de depoimentos e pudemos observar nas localidades

visitadas, complementa-se com os dizeres de Martins, ou seja, a dimensão teórica de nosso

trabalho revela e confirma que os trabalhadores rurais "querem uma reforma social para as

próximas gerações" (Martins, 1994:157).

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Ou ainda "a questão da terra e do trabalho foi posta em termos de reformas

sociais e não em termos de reformas econômicas". (idem)

Desta feita, Escola do campo parece que rima com reformas sociais, rima com

uma gama de aspectos e abordagens bastante abrangentes, tenta dar conta da complexidade

do mundo em que vivemos, enquanto parece-me que os valores apregoados e impostos pela

modernidade rimam com o economicismo. Mais uma vez aqui podemos aventar as escolhas

feitas pelos Governos Militares nos anos 60 e 70 sobre a política de desenvolvimento para

nossa nação. Os fatores econômicos ganham uma dimensão acima do que a realidade

comporta o que acaba por reduzir a mesma a aspectos meramente econômicos.

Por sua vez, a participação e o convite que os Movimentos do Campo 17 fazem a

partir do final da década de setenta, é de questionar toda a estrutura da vida social em nosso

país. Desta forma nossa ida a campo demonstrou que a intenção ao lutar por escolas dentro

dos assentamentos implica em se preocupar em que os jovens e as crianças possam

aprender conteúdos e valores para continuarem a (e “na”) organização do movimento.

Olhar para o cotidiano de uma escola rural, encravada numa fração conquistada do

território vem nos revelar essa escolha. Esse olhar conjugado com outros olhares, deles

mesmos e de outros teóricos, possibilitam entendimentos dos limites e possibilidades da

luta por escolarização no campo.

17 A Via Campesina, como já dissemos antes, é a união desses movimentos brasileiros com os movimentos camponeses de vários países dos outros continentes. Os camponeses no mundo e os brasileiros não está parados, estão vivos. O movimento dos Movimentos é cotidiano, temos em se tratando de organizações no Brasil, no mínimo quatro, além do MST, que conseguem se destacar e dar uma conotação nacional à especificidade de suas lutas: Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA, Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, Movimento das Mulheres Agricultoras - MMA, União dos Povos da Floresta (incluindo aí seringueiros, índios, castanheiros). Todos internamente promovem e discutem suas próprias ações, têm seus objetivos específicos. Se unem e entre várias atividades já feitas, organizaram em 1999 a Marcha Popular Pelo Brasil, com 1.200 participantes, que marcharam de Niterói - RJ a Brasília – DF. Esse movimento, denominado Consulta Popular, tem por objetivo construir um Projeto Popular para o Brasil. Os movimentos urbanos também fazem parte, assim como vários dos 220 povos indígenas da nação brasileira. Além disso os Movimentos do campo, com o apoio dos órgãos educacionais da ONU, tem se reunido para discutir através de congressos estaduais e Nacionais uma possibilidade de criar o Movimento por uma Educação Básica do Campo. Hoje fortalecido depois de três conferências nacionais e várias conferências estaduais, complementado pela Via Campesina, mudaram essa preocupação de escolarização para “Movimento por uma Educação do Campo”(pretendendo abranger todos os ciclos da escolarização e não somente o básico.)

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A epígrafe deste capítulo, uma canção do CD Arte em Movimento do MST, revela

o apelo dos camponeses organizados num movimento socioterritorial de abrangência

nacional, que hoje se mostra como um dos principais agentes sociais na luta por terra e que

reconhece na luta pela educação escolar _ que respeite a especificidade camponesa e

regional do Brasil _ e também na luta por saúde de qualidade e por melhores condições de

infra-estrutura nos Assentamentos, uma das possibilidades de questionar os caminhos

adotados tanto politicamente, como as escolhas econômicas que a classe dirigente adotou

enquanto projeto de nação.

Fernandes (2000) relata que o Capital mundializando-se, mundializou seu

território, foi nesse turbilhão que o Brasil se viu inserido, de maneira mais intensa nas

últimas quatro décadas do século passado, mas isso não foi somente passível de aceitação,

os assentamentos rurais, na visão desse autor expressam essa resistência:

“O capital (...) produziu, construiu, transformou seu território. E qual foi o resultado desse processo? Uma pequena parte da humanidade apropriou-se de forma privada do mundo. O território capitalista confiscado historicamente no processo de sua construção agora é contestado. A luta dos Sem Terra é marca visível dessa contestação”. (Fernandes, 2000: 13)

O Movimento Sem Terra (MST) é hoje um dos principais opositores ao projeto

Neoliberal, vinculado pelo BIRD (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Banco

Mundial e dos acordos do Governo com o FMI. São esses camponeses organizados que

resistem também ao acordo da Alca e a implantação das sementes transgênicas. Essas são

algumas das bandeiras mais recentes adotadas pelos camponeses organizados que acabam

por se refletirem no conteúdo vivo das escolas de assentamentos. Na letra da canção Pra

soletrar a liberdade de autoria de Zé Pinto, verificamos o tom de crítica social, de

resistência organizada, mas também um tom propositivo, apontando caminhos e saídas.

Uma audição atenciosa do CD Arte em Movimento proporcionará que em outras canções

percebamos essas críticas e proposições. Isso tudo vira arcabouço para o conhecimento e

descobertas a serem apresentadas nas escolas de assentamento. Se insere ao currículo, às

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práticas cotidianas, ou seja, o movimento se espacializa. Isso tudo ganha uma dimensão de

espacialidade no território escolar.

2 - Caros conceitos: alguns conceitos importantes para a Geografia do Campo

“Estamos iniciando uma reflexão fundamental para compreendermos os movimentos sociais além de suas formas de organização, mas também pelos processos que desenvolvem, pelos espaços que constroem, pelos territórios que dominam. Desse modo, nosso desafio é elaborar ensaios que sirvam como referências para construções teóricas”. (Fernandes, 2001:108)

Para a análise sobre Escolas Rurais, é fundamental apresentarmos a discussão

conceitual em torno da questão agrária pelos Geógrafos Ariovaldo Umbelino de Oliveira e

Bernardo Mançano Fernandes. O Sociólogo José de Souza Martins, em seus estudos sobre

o campesinato, apresenta reflexões imprescindíveis sobre essa temática para os que se

projetam no entender/explicar o Brasil 18. Para entendermos os Movimentos

Socioterritoriais, será necessário caminharmos por entre algumas considerações de ordem

teórica e de cunho estatístico no que diz respeito a como se apresentam os camponeses em

relação ao Brasil.

2.a - Os sujeitos sociais do Campo Brasileiro: valores e denominações

Segundo o último censo demográfico realizado e apresentado pelo IBGE 19 em

2001, a população Brasileira é de 169.590.693 de pessoas, sendo que 31.835.143, ou sejam

19 % do total, perfazem a população rural. Observando os dados podemos afirmar que

quase uma Argentina, ou seja, o segundo país em termos populacionais da América do Sul,

habita o campo brasileiro20.

19 Convém lembrar a discussão que Oliveira estabelece entre os dados do IBGE na apresentação introdução da Larissa. BOMBARDI, Larissa M. O Bairro Reforma e o processo de territorialização camponesa.São Paulo: Annablume, 2004. 396p. 20 É interessante destacarmos que mais de metade dos municípios do país, o que dá em torno de 3.500, vivem e giram sua economia a partir das diversas atividades agrícolas. O setor de agricultura no Brasil representa 11% do Produto Interno Bruto (PIB), mas como hoje temos uma economia entrelaçada, complexa,

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Em nosso país os camponeses podem ser denominados como camponeses

proprietários, os camponeses – parceiros, os camponeses – rendeiros e os camponeses –

posseiros. Para entendermos essas diferentes denominações entre os camponeses no Brasil,

vamos a Oliveira (1996: 63) que nos aponta que é devido ao acesso à propriedade ou a

posse é que ela ocorre. Além dos já citados, e seguindo o raciocínio do autor, será que a

partir da década de 80 podemos apontar a existência de camponeses – acampados e também

de camponeses - assentados?

A pequena extensão de terra aparece como característica que edifica essa classe

social 21, que se caracteriza por trabalhar e viver em terras que variam entre 02 e 100

hectares. Contudo nos dados do último censo agropecuário do IBGE (1995/96), desponta a

veracidade da realidade brasileira no campo: a maioria de pequenas propriedades

concentram - se entre 02 e 20 hectares.

Por sua vez, outro atributo importante que nos favorece no entendimento dos

camponeses, enquanto sujeitos sociais, prende-se ao enfoque de como agem no âmbito da

vida social, seus valores. Enfim, uma gama de aspectos que os diferenciam culturalmente

de outros sujeitos sociais.

Um aspecto que demarca a diferença interna desse sujeitos é o acesso ou a

apropriação das terras. Esta se dá sempre de forma familiar, seja alugando ou tomando

posse de uma pequena parcela de terra. A intenção de colocá-la para produzir é com o seu

próprio trabalho e com o de sua família. O trabalho coletivo da família na terra representa

uma manifestação cultural específica dos camponeses. Dificilmente se utilizam o trabalho

assalariado em suas parcelas. O que possibilita uma relativa independência frente ao

e com uma forte influência do setor industrial em relação a agricultura, vamos a 46 % do PIB. Falta pouco para a metade. Ao territorializarmos esses dados a possibilidade de compreensão da importância do rural para a sociedade brasileira se amplia. 21 Uma longa discussão teórica vem sendo travada pela aceitação ou não dos camponeses como uma classe social. Como classe social nos baseamos na contribuição de THOMPSON, 1987, p. 10.

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mercado, ou seja, produz alguns alimentos necessários a sua sobrevivência e comercializa o

excedente a fim de gerar rendimentos para adquirir outros produtos de que necessita.

Outra característica que institui estes sujeitos diz respeito a sua estrutura interna de

organização sócio-cultural. Na maioria das vezes estes camponeses residem próximos uns

dos outros. Formam assim uma comunidade ou um bairro rural, que se caracteriza pelos

seguintes aspectos:

a. Relação íntima com a terra, ou seja, o pleno conhecimento dos ciclos da natureza e

das técnicas de produção, e o reconhecimento desta terra como o lugar da morada,

da produção de alimentos, da reprodução social e de herança da família;

b. Pela prática da ajuda mútua, significando que em momentos específicos, como por

exemplo, o de colheitas ou de construção de casa para os recém casados, a

comunidade ajuda o necessitado sem nada cobrar pelo tempo de trabalho gasto;

c. Pelo trabalho acessório que aparece principalmente nos períodos de entressafras e

em momentos nos quais as condições financeiras das famílias passam por crises,

impondo a necessidade de integrantes destas famílias deixarem o sítio para trabalhar

em outro lugar como forma de manter o sustento de seus familiares. É o caso, por

exemplo, dos migrantes temporários do sertão Nordestino ou do norte de Minas,

que deixam os seus sítios e suas famílias para virem trabalhar, no campo ou na

cidade, na região sudeste;

d. Pelas relações de parentesco, compadrio e vizinhanças travadas na comunidade, ou

seja, são familiares espalhados na mesma comunidade, são as relações de amizade

geradas na vizinhança e são as relações que ultrapassam a condição amizade e

vizinhança, tornando-os compadres;

e. Pelo direito costumeiro, no qual as relações sociais e econômicas estão baseadas na

confiança da palavra e na prática do respeito mútuo entre as pessoas da comunidade,

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como por exemplo, a negociação da venda ou compra de produtos entre parentes,

compadres e vizinhos não é registrada na lei, mas sim na confiança na palavra entre

os negociadores;

f. Pelas suas manifestações culturais, geralmente com um forte conteúdo religioso. Os

camponeses manifestam-se através de várias festas, citamos as festas juninas, como

exemplo da mais conhecida, mas podemos lembrar da festa do Divino, e os

momentos que se envolvem com as cavalhadas, bumba-meu-boi;

g. Pela sua extrema capacidade de mobilização política contra as ações dos grandes

proprietários rurais ou dos governos que os prejudicam.

Essas são características básicas e fundamentais para entendermos as sociedades

camponesas tanto no Brasil como em outros países. Esses sujeitos sociais estão espalhados

pelo Brasil em diferentes situações e com diferentes denominações 22. Não é papel dessa

dissertação aprofundá-las. Temos apenas que ter claro que essas características contribuem

diretamente para entendermos as ações propostas e descritas nos próximos capítulos deste

trabalho.

22 Temos assim o pequeno proprietário familiar que possui o título de propriedade da terra onde habita e trabalha com sua família na produção. Chamamos de pequeno, pois já dissemos anteriormente que possuem até 100 hectares para trabalharem com sua família. Há o parceiro que, sem possuir terras para plantar, apropria-se de pequenas parcelas de terras com o consentimento do proprietário, cabendo ao parceiro pagar pela concessão da área a seu dono. Os parceiros também podem ser denominados de meeiros, de porcenteiros, rendeiros ou pequenos arrendatários. Essas denominações surgem da relação ou forma que dividem a produção agropecuária com o proprietário, como pagam a terra utilizada. Esse pagamento pode ser em dinheiro ou em frutos da produção do trabalho na terra cedida. Já os posseiros são camponeses que com a sua família apropriam-se de pequenas parcelas de terras sem possuir o título de propriedade ou sem a concessão de uso da área pelo proprietário. Os assentados de projetos de Reforma Agrária são camponeses que geralmente se envolveram num processo de luta pela terra. Os assentados não possuem o título de propriedade privada da terra dos assentamentos rurais22 onde habitam e trabalham. O Estado, ao desapropriar ou ceder áreas próprias para o assentamento destas famílias, concede um termo de concessão de uso. Estes ao pagarem em muitas e suaves parcelas (23 a 30 anos) podem receber o título definitivo do lote. E, enfim, os Quilombolas: são famílias que residem em áreas de antigos Quilombos da época da escravidão. Descendentes dos negros trazidos da África que fugiram à época ou receberam alforria.

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Contudo, a organização dos trabalhadores também possibilita ações no território.

Uma nova territorialização vem ocorrendo com surgimento de assentamentos rurais 23 que

começaram a se destacar social e territorialmente a partir da década de 80. Esses

assentamentos surgem devido às constantes ocupações realizadas por famílias de

trabalhadores rurais sem terra, que organizados, deram origem aos sujeitos coletivos que se

autodenominam Sem-Terras 24. O MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem -Terra

– em relação às dezenas de movimentos populares de luta pelo acesso à terra de trabalho no

Brasil é o que mais se territorializou.

Essas considerações anteriores corroboram com a idéia de que a luta de classes

produz concretamente o território. Ao produzirem sua existência tanto o Capital, quanto os

trabalhadores geram o território.

Só a partir desses conceitos e maneiras de entender/explicar a relação entre

Capital / Trabalho e nesta dissertação com os sujeitos sociais denominados camponeses

descritas anteriormente cabe apresentar outros dois conceitos importantes para o estudo e

análise dos movimentos socioterritoriais: “territorialização” e “espacialização”. Para que

possamos entender a importância desses e de outros conceitos e categorias, cabe lembrar

Lefebvre (2002 – p. 61 e 62), quando afirma que “os conceitos e as categorias são sínteses

do conhecimento de uma época, potencializam a prática social, em direção a uma prática

consciente de si mesma.”

Essa citação nos leva a pensar que cada época revela uma importância em

compreender os processos sociais, praticá-los, refutando os anteriores ou modificando - os

23 Os Assentamentos Rurais na concepção dos integrantes do MST têm uma especificidade que está ligada à participação no movimento desde o início do envolvimento na luta pela conquista da terra. Um assentamento é um núcleo social, lugar de participar intensamente para conduzir o viver, produzir e reproduzir. É bem mais que uma mera unidade de produção, ganha importância de núcleo social de conquista de cidadania crítica e criativa. Enfim, participativa para uma consciência social de entendimento e possibilidade de ser sujeito na realidade. O assentamento é o lugar de viver, o sonho em memória, o sonho se realizando, e o sonho a conquistar. 24 Sem Terras com letra maiúscula, Caldart (2000) explica o motivo e demonstra a importância desses sujeitos.

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num diálogo que é sempre profícuo. O importante para nós nessa época que vivemos é

entender que não se trata de modificações que estão amarradas em evolucionismos ou ao

discurso de progresso apresentado como movimento natural, ou seja, possuidor de uma

dinâmica que se dá ou se modifica naturalmente. O movimento de transformação de

conceitos, dando maior ou menor importância a um ou outro, transformando os já

existentes ou criando novos, é um movimento de caráter político. Está relacionado a

escolhas ligadas a envolvimentos teóricos - metodológicos. Sendo assim consideramos

estes dois conceitos, espacialização e territorialização, como bem importantes para estudos

e pesquisas realizados por alguns geógrafos para interpretar o campo brasileiro.

Segundo Fernandes (1999, p.136), O MST se espacializa pela sua prática reproduz

as suas experiências ligadas à luta pela terra, escrevem no espaço brasileiro uma dinâmica

própria através de manifestações e ocupações. Quanto à ação de territorializar-se diz

respeito a fração de território conquistado que passa a ser trabalhado pelos Sem-Terras.

Esse é o processo chamado de territorialização do Movimento.

Podemos explicitar mais esses dois conceitos ao diferenciarmos acampamentos de

assentamentos. Nossa experiência como educador, ao ministrarmos cursos sobre a questão

agrária no Brasil, revela que poucas pessoas que habitam as cidades conhecem a diferença

entre esses dois momentos da luta pela terra. Os acampamentos surgem após a ocupação 25

das fazendas pelos Sem Terra. São montados pelas famílias com barracos de lona,

geralmente pretas, dentro da propriedade ocupada ou até nas estradas próximas às

propriedades pretendidas. Os acampamentos podem durar nove anos, conforme relatou uma

agricultora assentada na região em que realizamos nosso trabalho de campo referente a esta

pesquisa, ou então alguns meses, até as famílias serem contempladas nos projetos de

reforma agrária. Independentemente da questão temporal, o fato é que as famílias que

conseguem vencer as atribulações de estarem vivendo dessa maneira num acampamento

contribuem com o que chamamos de Espacialização dos Sem Terra, o que, devido à

persistência desses sujeitos, faz com que conquistem a terra de trabalho: os assentamentos.

25 Ocupação: Feliciano (2003) faz um estudo importante sobre esse tema, diferenças de um assentamento para um acampamento de lonas pretas (em sua grande maioria).

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Os Projetos de Assentamentos da Reforma Agrária representam a materialização

dos resultados da luta pela terra no território, podemos assim usar o conceito de

territorialização para nos dirigirmos a eles. Atualmente os assentados passam por difíceis

condições financeiras devido à falta de apoio dos órgãos governamentais, o que nos dizeres

dos assentados geram o entendimento de que a luta por terra não termina quando se entra

no lote. Temos assim, em se tratando de acampamento e assentamentos, momentos

diferentes da luta pela terra, portanto cabe afirmar que esses sujeitos, nessas duas situações,

fazem parte da mesma luta. Nos assentamentos aparecem formas de manifestações que

podemos denominar de a luta na terra. Logo num acampamento a luta é pela terra.

Prosseguindo com Fernandes (1999) 26,

“O MST, esse sujeito coletivo, se espacializa pela sua prática, por meio da reprodução das suas experiências de luta (...) Espacializar é registrar no espaço social um processo de luta. É o multidimensionamento do espaço de socialização política. É escrever no espaço por intermédio das ações concretas como manifestações, ocupações...”.

Assim, concluímos nesse esforço de definição novamente com Fernandes27, que

aponta que territorialização pode ser compreendida como

“(...) o processo de conquista da terra. Cada assentamento conquistado é uma fração do território que passa a ser trabalhado pelos Sem Terra. O assentamento é um território dos Sem Terra (...) Se cada assentamento é uma fração do território conquistado, a esse conjunto de conquistas, chamamos de territorialização.” (Fernandes, 1998)

Portanto, na Escola e no processo de escolarização, cabe apontarmos a importância

e como se acionam estes dois conceitos: territorializar e espacializar. Dentro disso

procuramos fazer a seguir um exercício de buscar como se acionam esses conceitos na

realidade escolar (principalmente) dos Sem Terras:

26 (MST: formação e territorialização em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1996) 27 (Gênese de Desenvolvimento do MST. São Paulo: Cadernos de Formação do MST, nº 30, 1998.)

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- Em todos os momentos seja no tempo vivido nos acampamentos pelas famílias Sem

Terra, que hoje são assentados, ou ainda não o são.

- Seja com muitos personagens históricos que podemos relacionar a luta pela

Reforma Agrária, nos diversos países americanos, desde Emiliano Zapata no

México, o Che em Cuba, passando por Marti, Paulo Freire e Florestan Fernandes.

- Pelos jovens que após concluírem o ensino fundamental, encaminham-se para o

ITERRA 28 no Estado do Rio Grande do Sul.

Essas ações evidenciam seu aspecto de temporalidade quando analisamos o

trajeto das lutas pelo acesso à terra de trabalho. São gerações de camponeses, pessoas

que durante os anos (e por que não dizer séculos) acumulam conhecimentos. O MST

aciona tudo isso, une toda essa temporalidade.

Através dessa espacialização e territorialização 29 que é ao mesmo tempo

mundial, nacional e local, surgem possibilidades do reencontro da identidade

camponesa e concomitantemente do resgatar da cidadania crítica e criativa. Da mesma

maneira exerce forte influência na construção de um jeito camponês e brasileiro de ser,

concatenando-se e negando as mazelas e avanços do Capital mundializado. Portanto,

28 O ITERRA - Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária Josué de Castro, criado em janeiro de 1995, no município de Veranópolis, Estado do Rio Grande do Sul, num antigo seminário cedido por Freis Capuchinhos, oferece cursos reconhecidos pelo Ministério da Educação. Os cursos têm equivalência de ensino médio e em 2002 foi instalado um curso superior de Pedagogia, chamado de Pedagogia da Terra. Os estudantes e mais uma equipe de educadores administram a Escola em forma de cooperativa, e freqüentam a mesma por dois meses ao final e no meio de cada ano, nos outros meses ficam nos assentamentos desenvolvendo o “tempo comunidade”. Todos os estudantes do Magistério, Técnico em Administração de Cooperativas de Assentamentos, Supletivo de ensino fundamental e médio, ao final do curso precisam defender uma monografia para obterem o diploma. 29 Antes de fecharmos essa apresentação das escolhas conceituais que estamos adotando, cabe lembrar que Fernandes nos sugere, após anos estudando o MST pela Geografia Brasileira, que os movimentos socioterritoriais sejam tratados como categorias dentro dessa ciência. Isso tem gerado controvérsias, aceitações, enfim um debate que tem alcançado vários estudiosos do assunto. Mitidiero (2003:xx) apesar de concordar com isso discorda da dinâmica que Fernandes tenta demonstrar com o uso do conceito de territorialização. O curioso é que encontrei essa polêmica sendo trabalhada num texto de um autor Francês. Ou seja, Rafestin, um geógrafo francês, estimulou-nos o uso do conceito de território e o de territorialização relacionado ao uso do poder associado a eles, já o Meta- filósofo Lefebvre também a partir de seus escritos tem possibilitado construções importantes na análise da espacialidade. Agora vemos um autor francês apontando uma polêmica sobre um conceito e dois autores brasileiros, isso serve para mostrar o importante papel que a Geografia Brasileira vem desenvolvendo no estudo do Campesinato organizado em nosso país.

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podemos afirmar que criam coletivamente um jeito camponês de ser, fortalecidos em

muitos (alguns novos) valores que autenticam essa identidade.

3 - O Capitalismo e o Campo: Caminhos da Educação Escolar Rural

“Acreditamos que esta sociedade está sendo construída toda vez que se junta terra com trabalhador, organização com educação, estudo com trabalho e escola com povo” Paulo Freire

Ao se juntarem e se organizarem em gestos, ações, dizeres, ocupando espaços,

acionando espacialidades e territorializações, os Sem Terra questionam o mundo como está

concebido, ensinado, encaminhado. Constroem, assim, um mundo diferente, no mínimo

apontando a esperança onde antes prevaleceram morte e especulação. Querem e constroem

uma sociedade diferente, dialogada e em movimento, são opositores do Sistema de

Produção Capitalista.

É importante, como vimos fazendo desde o começo desta dissertação, ao nos

dirigirmos analiticamente sobre o rural e os camponeses, termos presente o Modo de

Produção Capitalista, que ao se mundializar estabeleceu sua hegemonia tanto no que diz

respeito a superestrutura social como na infraestrutura da sociedade contemporânea,

modificando e impondo valores e ações no viver das pessoas nesses três últimos séculos.

Concordamos, assim, com Fabrini (2002:76) que escreveu o seguinte: “A existência

camponesa deve ser entendida no interior da expansão das relações capitalistas de

produção, que ocorre de forma desigual.”

Nesse processo de desigualdade, expresso por outros intelectuais (Luxemburgo,

Martins, Oliveira, Fernandes) nos remete a toda uma tradição de entender que o Capital ao

entrar no campo, primeiramente na Europa do Século XIX e depois nas Américas e na

Ásia, nem sempre causou o que Lênin e seus seguidores indicaram que estava acontecendo

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e por acontecer: a inevitabilidade da diferenciação social. Esta refletiria no ocaso dos

camponeses. Um fim inevitável. Teorizado pela sua extinção, visto a inevitabilidade de não

caber na sociedade capitalista. Uma classe incomoda tanto teoricamente, como em suas

ações dentro da sociedade.

Muito já foi escrito sobre como os camponeses foram tratados como sujeitos em

extinção pelos estudos científicos e também pelas políticas públicas adotadas 30. Isso

acabou influenciando o entendimento e a explicação sobre os camponeses pelo mundo

europeizado. No Brasil não foi diferente, podemos buscar exemplos desse tratamento tanto

em obras literárias, no Jeca Tatu proposto por Monteiro Lobato nos anos 10 e 20 do século

XX, passando pelo caipira dos filmes do Mazzaroppi, e também com bastante evidência no

tratamento dado às escolas rurais.

Porém, a lógica dessas ações que separam campo / cidade com enaltecimento do

urbano, em detrimento e subordinação do meio rural, podem ser encontradas desde as

origens do Capitalismo. Ao recorrermos aos escritos de Kaustsky (1986 - p.73) percebemos

a gênese desse tratamento sendo realizado pelas ações da classe burguesa em ascensão. Em

1802, no que viria a ser a Alemanha, agricultura e ciência se mesclaram para explorar de

maneira mais racional as propriedades agrícolas. Os lugares para esses conhecimentos

foram os denominados Institutos Agronômicos (com granjas-modelos), que se apresentam

como as primeiras escolas instaladas no campo, mas que 60 anos depois foram transferidas

para a cidade, lugar eleito pela nova classe dominante como espaço para construção do

conhecimento:

“O ensino agrícola ministrado na grande cidade! Isto constitui a ilustração mais eloqüente de que o campo vive hoje na inteira dependência do centro urbano, que o progresso, no domínio da agricultura, vem da cidade” (Kaustsky, 1976: p. 74).

30 Stédile explicita a polêmica em torno da questão agrária brasileira e uma certa evolução do pensamento sobre a mesma, aponta quatro correntes: O PCB e o PC do B com a tese do resquício do feudalismo, a tese dos economistas da CEPAL, interessados em desenvolver o capitalismo no campo brasileiro, uma terceira que era anticapitalista, baseada nos escritos de Caio Prado Jr. e a quarta que se calcou no pensamento da igreja. Essas teses fortaleceram o debate sobre qual a face da Reforma Agrária deveria assumir, tomaram evidência maior a partir das décadas de 50 e 60.

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Essa citação da obra clássica Questão Agrária31, proveniente do capítulo em que

esse autor apresenta uma análise da agricultura como ciência, entendemos que ganha um

aspecto interessante, uma vez que se refere a uma das faces da lógica que se fortaleceu no

século XIX e que atravessou o século seguinte tanto em políticas públicas como em

análises teóricas sobre o campo. A visão de progresso e desenvolvimento que veio com o

advento da urbanização do mundo contemporâneo, valorizando sobremaneira a cidade,

impôs uma gama de relações que hoje as Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (e

também Educadores e Educadoras das universidades) estão questionando, na busca de

estabelecerem uma identidade brasileira e camponesa.

Para entendermos o Campo Brasileiro no século XXI, devemos lançar nosso olhar

para as ações realizadas na busca de conquistas e da garantia de direitos. A luta por escola e

escolarização para crianças, jovens e adultos está inserida no rol dessas ações realizadas

pelos camponeses organizados, sejam assentados ou acampados, no caso do MST. A

Escola Agrícola 25 de Maio nasce da compreensão desses direitos.

É importante que também conheçamos e discutamos o papel de uma Escola do

Campo, que difere de uma Escola no Campo. O que parece um simples jogo de frases na

verdade revela posições contrárias de tratamento e postura em relação às escolas rurais, o

31 Se nos cabe datar as origens teóricas da Questão Agrária, elegemos 1899, pois nesse ano duas obras de Economia Política foram escritas para explicar as transformações que o Capitalismo vinha acarretando na zona rural européia, com ênfase para a Rússia e a Alemanha. Seus Autores, Lênin e Kaustsky, contribuíram para a discussão com obras específicas sobre essa questão: O desenvolvimento do Capitalismo na Rússia e A Questão Agrária. Esses autores, analisaram as relações de produção capitalista, entrando no campo, modificando a vida de todos que lá habitavam e trabalhavam, modificando as relações sociais, seja economicamente ou politicamente dos países europeus. Esses dois livros são clássicos. Essas obras, e outras, serviram de base para que trabalhadores organizados naqueles países, realizassem ações visando acabar com a exploração capitalista. Lênin, intelectual e fundador do partido socialista, contribui com que os trabalhadores tomassem o poder na Rússia, em 1917. A Revolução Russa é importante para o século XX, sua repercussão mundial originou uma série de fatos, que após a Segunda Guerra Mundial, cindiu-o em dois blocos: o Socialista, liderado pela União Soviética e o Capitalista, pelos EUA. Antes desses livros, todos os acontecimentos ocorridos no campo, eram vistos de forma isolada. Assim as diversas particularidades integrantes da questão agrária puderam ser vistos na totalidade: a relação entre as grandes e pequenas explorações, o endividamento, o direito de herança, a falta de braços, a concorrência de além-mar. Apontam as transformações na vida da gama de sujeitos sociais que viviam na Europa naquela época: camponeses, operários, proprietários de terra, banqueiros, etc. O Capitalismo se estendendo ao campo, é desvendado em sua lógica própria, enquanto uma Relação Social de Produção.

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‘no’ assim realiza uma concepção e uma maneira de pensar e estar no campo, pois revela

um currículo discutido e implantado por concepções urbanas, que segundo Fernandes

(1999), tratou de desconsiderar os quase 30 milhões de brasileiros que vivem diretamente

no Campo. Assim, se partimos de um ponto (a Escola) e de um cotidiano (o do

assentamento, pois a Escola agrícola está dentro do Assentamento), não devemos nos

desprender de aspectos territoriais mais amplos: a nação, o mundo globalizado e de

temporalidades expressas no dia a dia e nos conteúdos que pesquisamos.

3.a - Educação escolar na zona rural brasileira: As escolas “no” campo

Apresentaremos uma breve descrição e análise sobre a educação escolar pública no

meio rural do Brasil no último século. Abrimos um diálogo com três autores, quais sejam:

Alves (2001), Poloni (1990) e Morigi (2003). Em seus trabalhos de pesquisa tiveram como

tema tanto a Escola Pública, como as Escolas Rurais. Assim, o que apresentaremos a seguir

propicia um panorama do ideário que prevaleceu no Brasil em relação à escolarização no

meio rural. Isso também nos favorecerá a entender o motivo da proposta de escola do MST.

É importante, nesse diálogo com os autores, relacionarmos seus escritos aos

pressupostos que apresentamos nas páginas anteriores. O Campesinato no Brasil traz

consigo valores morais e de relacionamento que corroboram para que os entendamos como

sujeitos dentro da sociedade de hoje, assim temos: relação íntima com a terra prática da

ajuda mútua trabalho acessório, relações de parentesco, compadrio e vizinhanças travadas

na comunidade, pelo direito costumeiro, pelas suas manifestações culturais, extrema

capacidade de mobilização política. Mas o que mais gostaríamos de chamar a atenção e que

cabe bem em nossas preocupações dentro desta dissertação é o de como se dá a

sociabilidade primeira dos camponeses. Explico: no campo, as crianças acompanham

muitas vezes os pais no trabalho da lavoura, conforme vão ficando maiores começam a

contribuir em pequenos serviços, ou seja, vão se sociabilizando principalmente em relação

ao trabalho e pegando o jeito de ser camponês. Na cidade, os caminhos de sociabilização

são múltiplos, porém dificilmente antes de idade escolar começam a trabalhar, e quiçá

acompanhar os pais em suas atividades de trabalho. Nas grandes cidades, muitas crianças

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adentram e adquirem sociabilidade em relação à mercadoria. Muitas vezes elas mesmas são

transformadas em mercadorias, no caso meninas menores usadas para satisfazer adultos no

quesito sexual, ou muitas crianças vendendo produtos diversos nas esquinas e semáforos.

Tanto Alves (2001) em seu livro originado de um pós-doutoramento em Filosofia

e História da Educação, como Poloni (1990), com sua dissertação de mestrado junto ao

Depto. de Geografia da USP, e Morigi (2003), que fez mestrado em Educação pela

UFRGS, fazem abordagens específicas e importantes referentes às suas áreas de atuação. O

primeiro trabalho é de cunho histórico e aborda o processo civilizatório impulsionado pelos

ditames europeus. O segundo apresenta um panorama da educação rural no Brasil e o

último aborda as Escolas do MST, aprofundando um pouco mais sobre esse tema e

apresentando vários elementos que são importantes para nossas reflexões nesta dissertação.

Por esse viés é que podemos abordar e dialogar com esses trabalhos a fim de entender como

se deu e vem ocorrendo a espacialização e territorialização do MST e das escolas rurais em

nosso país, ainda que seja pensando a partir de uma escola no meio oeste de Santa Catarina.

O que Morigi define como Escola do Assentamento e Escola no Assentamento, é

bem similar ao que já apresentamos nas páginas anteriores sobre Escola “do” e “no” Campo 32. Assim, uma escola do Assentamento trata de uma escola que os assentados conseguiram

implementar fatores de funcionamento da escola que a vincula diretamente à pedagogia

proposta pelo Movimento de luta pela terra. Já uma escola no assentamento é aquela que

está lá, dentro das linhas demarcatórias do Assentamento, mas nem sequer a comunidade

assentada pode entrar com discussões que lhe dizem respeito. Em nossas viagens pelo oeste

e meio-oeste de Santa Catarina pudemos conviver com esses dois tipos de escola. As duas

instaladas no Assentamento, atendendo e educando filhos dos Assentados, porém apenas o

primeiro caso temos uma escola ligada a um processo de luta social. Entretanto é

importante termos claro que mesmo tratando de uma escola do Assentamento, não significa

32 Essa definição foi apresentada pelo Movimento por uma Educação do Campo e pode ser verificada em suas intenções nos quatro livretos publicados com auxílio da Unicef. São frutos de palestras e considerações sobre várias Conferências que se deram nos Estados, logo depois da 1.a Conferência de Educação Básica do Campo em 1998 em Brasília organizada pelos movimentos sociais do Campo.

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que o Movimento consiga implantar todos os seus princípios filosóficos e pedagógicos que

apresentamos nos anexos desta dissertação.

Ao perguntarmos dentro de um senso comum como é uma escola rural, logo

viriam a seguinte imagem: uma escola pequena com uma professora (ou um professor),

várias séries escolares em uma única turma. Se caso fossemos melhorar nosso grau de

elaboração para entender como é uma escola no ou do campo, poderíamos ouvir as

seguintes afirmações: a escola é pública, ou seja, pode ter tutela do Estado ou do município,

os educadores dão aula para várias turmas ao mesmo tempo, geralmente são leigos,

provavelmente atende as turmas até a quarta série, depois os que vão continuar a estudar

devem se dirigir a sede municipal mais próxima, geralmente as mulheres param de estudar

antes dos homens, as crianças e jovens têm dificuldade de acesso à escola, etc. A Escola

Agrícola que estudamos apresenta alguns desses aspectos e avança em outros.

Mas é Malassis que nos apresenta uma contradição fundamental que paira quando

o assunto é educação escolar no campo:

“(...) O desenvolvimento da educação é necessário para assegurar o desenvolvimento rural, mas envolve o risco de facilitar o acesso a carreiras não agrícolas e de acelerar o êxodo dos mais aptos e dos mais instruídos” (Malassis, 1998: 84)

O que podemos afirmar é que com a partir da LDB e das novas diretrizes da

economia em relação aos gastos públicos em educação por parte dos governantes, a

escolarização sofreu significativas modificações: houve uma centralização e uma

municipalização, ou seja, várias escolas foram desativadas 33. Escolas até a quarta série são

de responsabilidade municipal, de 5.a série do ensino fundamental ao 3.o ano do ensino

médio, geralmente são de tutela do Estado.

33 Em nossas visitas aos assentamentos do oeste de Santa Catarina pudemos perceber um sem números de escolas abandonadas, escolas de primeira a quarta série completamente abandonadas.

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Voltando a Alves (2001), o que notamos em sua obra proveniente de trabalho de

Pós-doutorado em História da Educação, é uma leitura perspicaz de como se produziu

contemporaneamente a Escola Pública. Chama-nos a atenção de como a escola enquanto

uma instituição burguesa se constituiu num sentido dualista, ou seja, uma escola para os

filhos dos trabalhadores e outra para os filhos da classe dirigente. Perfazendo, assim, o

trajeto filosófico das propostas dos pensadores e educadores do século XVIII, que ao

apresentarem o discurso de gratuidade de ensino, igualdade perante a lei, universalidade da

educação pública estão querendo solucionar os problemas de seu tempo, porém no decorrer

do século seguinte se depararam com uma perspectiva de classe 34. Sua tese é a de que a

escola foi fruto da primeira Revolução Industrial, mas que durante quase todo o século XIX

ela não foi plenamente difundida, isso se explicita quando aponta que “essa instituição mal

estava emergindo e, para que fosse erigida em sua plenitude, impunha-se uma

intensificação extraordinária da produção da riqueza social”.

O que os educadores mostraram é que a “escola para todos” na época da

Revolução Burguesa, ou seja, nas últimas duas décadas do século XIX, só pode começar a

ser realizada nos países mais desenvolvidos. A idéia iluminista de Escola para todos assim

surge junto com a fase monopolista do Capitalismo. (26 – 36)

O autor, desta forma, chama-nos a atenção sobre as três vertentes do pensamento

burguês que principiaram a escola pública: a vertente ligada a Revolução Francesa, a

Econômica Clássica e a vertente religiosa da Reforma. (p.53) 35.

34 Criticando assim os autores que apontam e condenam a burguesia como traidora dos trabalhadores após a revolução francesa. O autor classifica, baseado em Gramsci, como materialistas vulgares, ou melhor, adeptos de uma teoria conspiracionista da história aos autores que adotam essa postura. 35 Ao explicar cada uma delas, Alves nos proporciona o entendimento sobre como se constituem a escola e seu atendimento. Aponta que os estudantes (clientela) a partir de então deixam de ser apenas filhos da nobreza e futuros quadros da igreja. A Revolução francesa lança a idéia de instrução pública, escola para todos. Aponta Condorcet como um dos principais divulgadores da idéia de universalização do ensino e destaca o Plan d’education nationale de Michel Lepelletier no qual os direitos de todos a educação são tratados de maneira categórica. Acusa, porém a pouca praticidade desses argumentos, atropelados pela realidade francesa intra e posterior a revolução. Em 1795 tanto a educação para todos com a gratuidade, perderam força devido a vitória dos jacobinos. Quanto à instrução pública na Economia clássica, esse autor nos afirma que a partir “Das riquezas das Nações” de Adam Smith começam a ganhar na Inglaterra a importância da idéia de educar as pessoas comuns, para o bem do processo civilizatório, pois pessoas educadas poderiam defender seus país em futuras guerras. Adam Smith, porém é contrário à idéia de gratuidade do ensino: a extensão dos serviços

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Deste modo, podemos afirmar que essas três vertentes influenciaram o que se

constituiu como Escola no Brasil. Para falarmos sobre Escola Rural brasileira, temos que

levar em conta que até a década de 60 do século passado. No Brasil a maioria da população

morava no campo. Na década de 30 do século XX, o então presidente Getúlio Vargas

pensava em Escola Rural para conter o êxodo que já vinha assustando o governo, pois trata

se de um fenômeno que já havia acontecido nos países centrais. A lógica desse processo

pode ser entendida de maneira simples, importou-se o que entendia por soluções e modelos

que davam certo nesses países, quase que certo de vir junto às dificuldades que já os

haviam atingido.

3 b - As escolas “do” campo: A educação escolar dos filhos e filhas dos Assentados

Na parede de uma das edificações de uma Escola do MST, a Escola de Ensino

fundamental 29 de outubro em Sarandi – RS, encontramos escrita a seguinte frase: “Da

terra brota uma escola em Movimento”

Ao usarem a palavra movimento, tanto os camponeses assentados, como os

educadores e os educandos do movimento têm claro que a ela está diretamente relacionado

um projeto de mudar o Brasil. Querem uma sociedade diferente da que eles viveram antes

de serem acampados ou da que vivem outros sem terras. O assentamento é lugar do novo,

de buscar algo novo. Logicamente uma escola dentro de um assentamento tem também essa

intencionalidade. Da luta pela terra, então conquistada, surge uma escola que está ligada a

escolares não deveria comprometer a produção da riqueza nacional. Aponta também o fisiocrata francês Quesnay que, em sua obra O Quadro Econômico, cita apenas uma vez algo sobre educação no sentido de se preocupar com os filhos dos ricos fazendeiros em permanecerem no campo e acusar os burgueses habitantes das cidades de quererem retirar os mestres escolas que os ensinavam. Os fisiocratas defendiam a idéia de que no rural é que se produzia a riqueza social de uma nação. E, finalmente, temos a vertente Religiosa. Na Idade Média, as escolas preparavam além dos filhos dos nobres, também quadros para a Igreja Católica. A Reforma que se contrapôs à Igreja de Roma, produziu um conjunto expressivo de educadores: Alves chama a atenção de dois deles, Comenius e Ratke. O primeiro é importante, pois está na origem da escola moderna, pensando-a como oficina de homens. Escreveu a Didáctica Magna, na qual propõe uma organização no interior da escola para a atividade de ensino, baseada na manufatura. Esse autor instrumentalizou o fazer didático e propôs, assim, o uso do Manual para os professores. Propôs, o que de fato torna corpo na sociedade, a especialização do trabalho do professor. Podemos citar finalmente que muitos pensadores ligados à proposta

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um movimento de construção do novo. Trata-se de um projeto político emancipatório. Na

Escola, vislumbram, assim, um projeto político pedagógico que abraça as mesmas buscas:

criar e possibilitar a construção de uma nova sociedade, perceber e se livrar do passado

concebendo o futuro, mas vivendo o presente.

Para o Setor de Educação do MST e, portanto, para o Movimento como um todo, a

Escola é um dos momentos das preocupações com a Educação. O que podemos perceber

em nossos estudos é de que educação para o MST é uma preocupação mais ampla do que a

luta por escolas dentro de acampamentos e assentamentos. Mas é lógico que isso não

minimiza o papel e a importância da Escola, da luta por Escola, enquanto lugar de ensino –

aprendizagem, lugar de brotar o movimento. Como afirma Stédile (1997), que o MST visa

por abaixo a cerca do Latifúndio e também a cerca da ignorância, ou ainda como

constatamos na apresentação do Caderno de Formação 18 (ANCA, 2001), que é preciso

romper com a cerca do latifúndio do analfabetismo e da educação burguesa, fazendo a

Reforma Agrária também do saber e da cultura.

De fato o potencial pedagógico das ações que são proporcionadas na vivência do

Movimento podem ser percebidas em diálogos e acontecimentos que travamos e

presenciamos no contato com os camponeses. Gostaria de citar um deles ocorrido quando

da nossa visita ao acampamento Dom Balduino, no Estado de São Paulo, como atividade da

Disciplina Geografia Agrária I do Departamento de Geografia – USP, ministrada pelo

professor Dr. Ariovaldo Umbelino, na qual tive a oportunidade de ser monitor. Numa das

conversas com uma família, já dentro do barraco ao perguntar ao pai o que estava achando

de ser um acampado, o que aquele gesto tinha modificado sua vida, o mesmo falou sobre a

diferença entre ser empregado, só receber ordens, não enxergar nem entender muito bem o

que estava a sua volta, mas agora como coordenador da Brigada das Hortaliças, tinha

aprendido como podia ser um coordenador diferente, preocupado em produzir para muitos.

Antes só sabia obedecer, mas teve que aprender a coordenar dentro de uma linha em que

todos os integrantes se sentem dentro de um projeto que favorece a todos os acampados.

da Reforma também refletiram sobre educação: além do pioneiro Lutero, os filósofos Kant e Hegel e o poeta Goethe.

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Esse exemplo e muitos outros que operam na vida e na consciência dos camponeses Sem

Terra, levam-nos a questionar a possibilidade do novo que vem surgindo nos

acampamentos e nos assentamentos. Como esse novo se defronta com o velho, com valores

já fortemente arraigados nas relações sociais em nosso dia-a-dia. Célia Vendramini,

pesquisadora e educadora de Santa Catarina, num de seus trabalhos, entrevistou alguns

assentados e apontou as mudanças, as aspirações que se dão principalmente nos aspectos

político e das relações sociais: aprender a serem mais coletivistas, lutar por seus direitos,

fazer análise de conjuntura, as mulheres se sentem mais valorizadas e saem do mundinho de

dona de casa, os homens por sua vez fazem também trabalhos domésticos, o que antes não

era comum. (Vendramini, 2000 – 92, 93, 94). De certa maneira, essas são mudanças

significativas para os acampados e assentados que adentram o movimento, ao acionarem o

que estão aprendendo, incorporarem esses aprendizados, aumentarão o grau de pertença e,

assim, podemos começar a perceber questões de identidade camponesa relacionadas com o

que apontaremos como cultura camponesa forjada na luta pela terra. Esses assuntos serão

discutidos mais intensamente nos próximos capítulos.

3.c – O Setor de Educação do MST

O MST adquiriu sua força em se fazer ouvir dentro da sociedade não somente pela

quantidade de seus integrantes, apesar de se autodenominar, segundo Stédile, um

movimento de massa (ou seja, quanto mais pessoas envolvidas melhor), é a qualidade de

sua estrutura organizacional que gera um diferencial importante. Organizam-se por vários

setores que se espelham na escala nacional e atuam em escalas tanto estaduais, como

regionais dentro de cada um desses Estados. O Setor de Educação (Nacional) do MST 36

começou a ser delineado desde as primeiras ocupações no início da década de 80, época em

que nem nacionalizado ainda o movimento era, quando nessas vivências percebiam que as

crianças e os jovens eram bastante prejudicados em termos de escolarização ao ter que

acompanhar as famílias nessas situações. Para termos uma idéia de como se encaminharam

36 O MST se organiza através de vários setores que se articulam entre si. Para tanto, realizam encontros, congressos nacionais. Porém, realizam tanto encontros estaduais, como encontros desses setores que podem ser nacionais ou estaduais. Os setores são os seguintes: frente de massa, produção dos assentamentos, formação, educação, comunicação, finanças, projetos e recentemente o de cultura.

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as situações em relação a esse Setor, cabe lembrarmos que em 1984 os Sem Terras se

constituem como movimento nacionalizado, e em 1987, no Espírito Santo, dá-se o primeiro

encontro nacional de professores de assentamento 37. Desde então, até hoje, o movimento

dentro do movimento não parou de crescer, estruturou-se em cada Estado, em cada

acampamento e em cada assentamento ligado ao MST.

A dinâmica desses tempos iniciais do MST pode ser melhor compreendida a partir

do relato de um assentado sobre o processo de formação das escolas no Assentamento:

CH - A escola primária foi o seguinte... Então quando nóis chegamo no assentamento a minha esposa começou a lecionar debaixo de um barraco de feira. Nós pressionamo para nós conseguir uma... O material, a madeira e a prefeitura assumia alguma coisa, nós ia negocia com a prefeitura pra saí uma... Por uma escola no assentamento que tinha bastante criança, né, então um assentamento com quarenta e cinco família tinha muita piazada naquela época e ai nóis... A esposa começou a trabalhar e logo nói conversemo com o prefeito e nóis conseguimo uma escolinha veia de madeira que tinha aí numa comunidade que fica no retirado de Fraiburgo e foi trazida essa escolinha veia pra cá e nóis construimo na base de mutirão, nóis construimo e a mulher continuou e não conseguia manter contratada... Trabalhou acho uns noventa dias, mas pra daí contratarem ela... É que através da organização da luta, nós conseguimo tudo, né, escola, ... A contratação da professora, né? E ai logo nos conseguimo com o Estado. O Estado... Nós conseguimo a escola primária... Nós conseguimo ela de alvenaria daí... né? Escola Nossa senhora Aparecida... P – Esse nome foi escolhido em assembléia também? CH – Foi escolhido em assembléia porque a primeira.... No fim da verdade quando o padre começou vim rezá os culto campal, não tinha nem onde arrezá, depois foi feito o barraco de feira... Então... de lona e agora nunca da pra fia pra trás porque na realidade o tudo pra nós foi a lona e ai a esteira fez parte bastante onde tinha taquara. Agora onde não tinha era a lona que garantia, né? Na verdade, né? Um padre naquela época vinha reza a missa... Ele trouxe uma santa e era Nossa Senhora Aparecida e daí o pessoal gravou aquilo lá que era importante chamar escola Nossa Senhora Aparecida. Então por isso ganhou esse nome. P – Agora deixa eu só...deixa eu só tirar uma dúvida só. Vocês Chegaram aqui um tempo depois do União da Vitória? CH – Ahã (concorda) P – União da Vitória já tinha uma escola primária ou não tinha ainda?

37 Outra característica do Movimento que fica evidente é a de que os setores surgem da prática acumulada e vivenciada nos vários acampamentos e assentamentos no decorrer desses quase oito anos em que ocorrem as ações, primeiro dos movimentos em cada Estado e depois do movimento nacionalizado a partir de 1984. Trata-se, portanto, de entender que as experiências locais se nacionalizam, para depois serem escritas e voltarem para os diversos locais e servirem de oportunidade de formação e diálogos.

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CH – Na verdade eles também construíram uma escolinha de madeira... Então as escolas de alvenaria saiu na mesma época, já em conjunto com os dois assentamento. Então nós já solidarizamos juntos. É. P – As duas escolas surgiram quase na mesma data. CH – É. Na mesma época... Foi construída na mesma época.

Até aqui esse assentado fez um relato sobre a luta por escolas no assentamento,

percebemos então que as duas escolas de ensino fundamental (1.a a 4.a série) foram

construídas por pressão dos moradores dos dois assentamentos e construídas

concomitantemente pelo Governo do Estado em conjunto com a Prefeitura do município. A

primeira professora se aposentou, há bem pouco tempo atrás numa dessas duas escolas que

estão ainda atuantes e formam estudantes que depois vão para a Escola Agrícola. O

entrevistado prossegue relatando como surgiu essa Escola.

Esse depoimento é construído a partir de um “nóis”, o que demonstra o

coletivismo inerente a um movimento desse porte:

“Bom... a escola agrícola ela é Vinte e Cinco de maio porque ela fala alguma coisa da ocupação de oitenta e cinco (1985). Então, é quando veio essa proposta dessa... Dessa escola agrícola, não era uma proposta agrícola naquele tempo. Naquele tempo a proposta era de um centro de apoio e desenvolvimento. Que veio a proposta e aonde que chegaram. Primeiro nosso assentamento conversa com nós o pessoal do Incra, o pessoal da Funabem porque isso precisava de um... Uma extensão de terreno então as área que eram medida era medida então seria terra da comunidade e os lote, as parcela de cada um e aí o Faxinal Dois num era medido ainda nessa época. Daí foi aonde que o Incra... O pessoal da Funabem discutirem junto e disse : “vamos procurar o pessoal do Faxinal Dois que lá a área não é medida de forma nós conseguí a extensão desse terreno além deles tira a terra da comunidade quando é medida a área mais essa extensão desse terreno pra...” Pra construí esse centro de apoio e desenvolvimento lá, né? E ai eles tiveram... Fizeram uma discussão aqui no Faxinal Dois, tratemos daqui a quinze dias eles voltarem, né? Quando eles vortaram já nos organizamos os dois assentamento junto e tivemo reunião... reunião nas duas área e ai cheguemo a conclusão que nós que tinha que cedê a terra, construí aqui no Faxinal Dois que era a única área dô lugar que ainda não era medida, né? E dali daqueles quinze dia em diante quando existiu essa primeira discussão o pessoal já começou a senta junto, se organiza e pensa de uma escola agrícola que desse... Que tivesse uma aula na prática pras criança até o primeiro grau e deu certo, né? Nós fizemo, lutamo por isso ai e tudo deu certo, né? Aonde que nos temo essa escola hoje até o segundo grau, né? Não foi com brincadeira que nós conseguimo assegura ela porque teve muito ataque do próprio município, da autoridade do município tentando acaba com a escola,

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tentando fecha, que num aceitava nossa proposta, da educação que nóis tinha, que nóis queria aquilo que era a vontade de nossos filho que falava de nossa história e a, e as criança aprende, não sabe a velocidade dum avião, mas sabe a aquilo que era pra... que ia fazê bem pra eles mais tarde, sabê se defendê de certas exploração, de esse sistema que nós tivemos...” (CH – colaborando com a pesquisa através de entrevista concedida em sua residência no assentamento)

Uma vez assentados, a preocupação com a escola para os filhos foi premente,

assim como outros serviços necessários à qualidade de vida e trabalho (água, energia

elétrica, destocamento, estradas arrumadas). Assim, como a conquista da terra se deu na

luta, na base da pressão, percebemos que outros benefícios são conseguidos pelo mesmo

processo 38.

Ao visitarmos algumas escolas do Campo, principalmente no Estado de Santa

Catarina, a princípio não conseguimos distinguir o que as diferencia de escolas de uma

pequena cidade. Talvez a quantidade de estudantes, que é menor, uma bandeira do Brasil e

outra do Movimento hasteada no hall de entrada. Mas permanecendo mais tempo nas

escolas, nessa minha caminhada por diversas instituições escolares, podemos afirmar que o

MST prima pela diferença. Podemos afirmar que essa diferença está territorializada, ou

seja, ela se revela na maneira como ocupam a escola. Essa diferença se espacializa quando

as várias experiências ultrapassam o local e viram exemplos trocados em encontros,

seminários e congressos, podendo ser verificadas nos seus escritos, como esse depoimento

num caderno do Setor atesta:

“E só o trabalho da sala de aula não basta. É preciso estruturar o Setor de educação, promover encontros e cursos com os professores, realizar assembléias com os assentados para aprofundar a prática e a teoria dessa educação que queremos”. (caderno de educação no xx)

Nas idas e vindas desses encontros e reuniões, percebemos que é preciso manter a

Escola viva. Ainda que notemos várias manifestações espacializadas de uma escola

dualista, tendo estruturalmente sua concepção calcada na escola republicana burguesa, os

38 Em entrevista ao jornal televisivo matutino “Bom Dia Brasil” da Rede Globo, o ministro de Reforma Agrária, em início de mandato, acusa a situação precária que se encontra os assentamentos do Brasil. Em nossas andanças para realizar a pesquisa, participamos de um ato de instalação de rede de energia elétrica

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educadores entendem que esses processos educativos que são diferentes demanda tempo

para serem aceitos por todos os assentados. Essa aceitação passa por muita discussão e

exige paciência. Como atesta o mesmo caderno do setor de educação: “A educação é um

processo longo. Exige perseverança, criatividade e ousadia”. (p.xx)

Um dos principais méritos da análise de Vendramini (2000 e 2002) e Morigi

(2003) é justamente apresentar e discutir a escolarização do campo, vinculando Escolas do

Campo ao Setor de Educação do MST. Evidente que por suas formações acadêmicas a

espacialização e a territorialização que envolve essas práticas não são comentadas.Mas as

diferenças, ou seja, os novos encaminhamentos apresentados por essas escolas se

evidenciam nessas obras. Morigi apresenta uma contribuição que se refere à luta político-

ideológica que se dá na escola: compara uma escola pública dentro de um assentamento no

Rio Grande do Sul em seu atrito com a proposta Federal e Estadual no quesito educação.

Os princípios educacionais sugeridos pelo setor e adotados pelas escolas do

movimento, construídos no decorrer desses 20 anos de luta pela terra e por escolarização,

demonstram quais os caminhos que demarcam as ações do MST. Tem sido motivo de

orgulho tanto dos assentados, como dos chamados “sem terrinhas”. Territorializam-se nas

escolas e se espacializaram no diálogo que estabelecido com os apoiadores urbanos ou até

as agências internacionais, haja vista que o setor de educação já recebeu um prêmio da

Unicef em 1997, e tem recebido apoio financeiro desse mesmo órgão ligado à ONU.

Ao adentrarmos a secretaria da Escola Agrícola, notamos no mural esses princípios

ali fixados. Perceber como eles acontecem no cotidiano da escola é um dos compromissos

da nossa dissertação39.

Percebemos, então, que na educação por escolas e de como seriam as

escolas muitas discussões foram travadas até chegar a esses princípios. Em uma

num assentamento que já possuía cinco anos. Ou seja, os assentados ficaram todos esses anos sem energia elétrica. 39 Os princípios pedagógicos e filosóficos da Educação do MST estão nos Anexos desta dissertação.

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delas que se deu internamente na Escola Agrícola, no decorrer dos últimos quatro

anos, a discussão e as práticas agroecológicas se intensificaram, transformando-se,

assim, num princípio local, porém também associado a um dos objetivos e

compromissos gerais do MST, apresentado num outro cartaz que se encontra fixado

na escola, mas que também encontra-se reproduzido em diversos documentos

escritos e da internet elaborados pelo movimento. Neles, lê-se: “Evitar a

monocultura e o uso de agrotóxicos; preservar a mata existente e reflorestar novas

áreas; cuidar das nascentes, rios, nascentes, açudes e lagos; embelezar os

assentamentos e as comunidades, plantando flores, ervas medicinais, hortaliças e

árvores”.

Todas essas preocupações expressas pelos sujeitos do setor acabam se

transformando em publicações, material que provoca a necessidade de letramento e

alfabetização de todos os envolvidos na luta pela terra 40. Aqui, não nos

preocuparemos em comentar sobre essas publicações e encaminhamentos do setor, já

que isso é feito em outras partes desta dissertação.

3.d - Alguns dados da luta pela terra (e por escolas) em Santa Catarina

Alguns dados pesquisados na Internet (INCRA, Ministério de Desenvolvimento

Agrário e MST) e numa entrevista na qual pudemos obter informações com a coordenadora

do setor de educação do MST em Santa Catarina, apontam para que percebamos como se

territorializa e se espacializa a luta por escolas em assentamentos e acampamentos.

Esses dados são de extrema importância para que possamos começar a entender e

analisar a multiplicidade de dimensões em que atua (Caldart, 2001, p. 127) o setor de

educação do MST, tanto localmente como nacionalmente. Essa já é múltipla em relação às

atividades escolares. Esses números devidamente analisados dão uma idéia de como estão

Espacializados e Territorializados os camponeses do MST - SC.

40 Nos anexos, apresentamos uma lista do que já foi publicado pelo setor de educação.

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Partindo para uma visão da territorialização do Movimento no Estado de Santa

Catarina, podemos apontar que existem 104 assentamentos ligados ao MST, o que revela

aproximadamente 4.500 famílias assentadas. Quanto aos acampamentos atualmente

(novembro/2003), ocorrem 15 com cerca de aproximadamente 1.100 famílias acampadas.

Nos acampamentos, o Setor de Educação do MST apresenta e orienta a chamada Escola

Itinerante, criada para atender as crianças em fase escolar. Os educadores geralmente são

estudantes, filhos de assentados, que freqüentam o curso de Magistério em Veranópolis/RS.

No caso da falta desses estudantes, freqüentemente integrantes do acampamento acabam

por assumir o papel de educadores. Além desse curso, são oferecidos outros dois:

Administração de Cooperativas e o curso superior Pedagogia da Terra. A dinâmica desses

cursos atende aos estudantes respeitando o quesito temporal, diferenciado nas relações da

vida camponesa, que requer que os jovens contribuam com os pais no trabalho do lote no

assentamento. Assim, temos tempos que apontam para um currículo diferenciado: tempo-

escola e tempo- comunidade. Dessa maneira, quando estão no tempo-comunidade os

estudantes entre outras atividades, podem atuar como educadores num acampamento.

Em pesquisa realizada pelo setor de educação de Santa Catarina, calculam que

apenas 20% dos adolescentes assentados tem acesso ao Ensino Médio. No ano de 1995,

havia nesse Estado algo em torno de 100 escolas em assentamento, mas em função da

nucleação, esse número reduziu-se quase a metade. Muitos assentamentos não possuem

escola e as crianças estudam em assentamentos vizinhos ou em escolas fora do

assentamento.

Atualmente 27 estudantes, representam o MST do Estado de Santa Catarina,

cursando o magistério no ITERRA (Veranópolis - RS), e quatro fazem Pedagogia da Terra.

Um desses estudantes é educador da Escola Agrícola em Fraiburgo.

Existem atualmente 50 turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) do convênio

com o MEC. O setor de Educação do MST calcula que já alfabetizaram e escolarizaram

mais de 2.000 jovens e adultos nos últimos seis anos no Estado.

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A pós-graduação começa a ganhar importância nas preocupações e ações do Setor

de Educação Nacional e dos Estaduais. Em novembro de 2003, iniciou-se a primeira etapa

de um curso de Pós-Graduação – Especialização em Educação do Campo, em Cajamar –

SP. Realizado por um convênio entre o Iterra e a UnB, voltado para os educadores da Via

Campesina, o curso teve sua primeira etapa realizada em novembro de 2003 e a segunda em

maio de 2004, inaugurando as salas de aulas da Escola Nacional Florestan Fernandes 41.

4 – Apresentando a Escola Agrícola 25 de Maio

A Escola Agrícola 25 de Maio, localizada no assentamento do Município de

Fraiburgo em Santa Catarina, tem matriculado em média42 90 estudantes que moram em

cinco Assentamentos da Reforma Agrária próximos: União da Vitória, Vitória da

Conquista, Rio Mansinho, Contestado, Chico Mendes. A área escolar compreende 32

hectares e o nome da Escola foi sugerido pelos assentados em assembléia no ano da criação

da mesma, em 1989 e se deve à data em que os camponeses ocuparam um latifúndio no

município de Abelardo Luz – SC. Esse evento foi chamado por eles de "as grandes

ocupações de 1985", sendo o dia “25 de Maio” um momento importante na vida desses

assentados e de muitos outros que moram em vários assentamentos da região oeste de Santa

Catarina, pois une memória de um ato de coragem e identidade na construção de uma nova

condição de vida.

41 Tivemos oportunidade de visitar essa Escola Nacional por duas vezes, uma como convidado pela Professora Nídia Pontuschka, com sua turma de estudantes da Pós em Geografia, que ali foram realizar uma atividade de estudo do meio. Outra foi com um grupo de estudantes e a professora Marta Inês do Laboratório de Agrária para que os mesmos pudessem conhecer e começar a discutir um processo de auxílio na formação da Biblioteca da Escola Nacional, que terá capacidade para quarenta mil exemplares. Convém lembrarmos que a Escola Nacional Florestan Fernandes foi construída por 23 brigadas dos Estados Brasileiros e uma permanente num processo que envolve trabalho e educação. 42 Nos dois anos em que atuamos como pesquisador, percebemos que as matrículas se alternam, para mais ou para menos que os 85 estudantes que apontamos enquanto média. Cabe dizer que houve no ano de 1998 em torno de 112 estudantes matriculados. Devido à realidade que enfrentam, à média de idade, às questões de trabalho, o número de matriculados vai decaindo no decorrer do ano letivo.

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As crianças e pré - adolescentes, filhos e netos dos assentados, freqüentam a Escola

num turno durante cinco dias da semana, sendo que em num dia ficam um turno a mais

para que desenvolvam atividades agrícolas planejadas na Cooperativa de Estudantes pela

Reforma Agrária - CEPRA, a qual dirigem coletivamente organizando-se por Brigadas.

Essas Brigadas, que servem para ampliar a participação dos estudantes na Escola e estão

em sua maioria ligadas às atividades e às aulas agropecuárias, são seis: zootecnia,

agricultura, fruticultura, comunicação, horticultura, jardinagem e embelezamento).

Entrevistei um ex - estudante, que estava na sétima série em 1998, quando da implantação

dessas brigadas:

“– É. Então assim foi uma proposta nova que no começo ficamos sem saber o que seria, mas com o passar do tempo fomos nos entendendo mais e melhorando até a forma, assim foi importante até porque hoje, por exemplo, eu tenho uma visão do movimento, dos núcleos de base, que é trabalhar em grupo, então as brigadas proporcionaram a auto-organização deles, de estar avaliando, pensando o que vai se trabalhar durante a semana, (...) a gente sentava nas brigadas, estudava como que foi a semana e avaliaria, pensava o que seria feito pra semana, (...) essas brigadas correspondiam a todo o andamento da escola, tanto a questão da produção, a questão até da sala de aula, do embelezamento, então foi importante” (Ca – ex-estudante da Escola e estudante do Iterra em Veranópolis-RS a época).

O depoimento acima demonstra qual a dimensão dessa maneira de organizar a

Escola, e essa unidade de ensino propriamente dita. A importância dessa iniciativa pode ser

percebida também nos inúmeros estudos já realizados a cerca do assunto. Tanto estudantes

do Magistério, como da Administração de Cooperativas já se debruçaram sobre o papel

dessa maneira de organizar a escola para os filhos dos assentados, como também um

trabalho de Mestrado da Sociologia Política na UFSC foi realizado preocupando-se com

esse tema .

As atividades e ações didáticas / pedagógicas ali desenvolvidas contribuem para a

discussão travada pelo Setor de Educação do MST, e também para repensar e sugerir

propostas e ações que encaminhem uma escolarização pensada/ vivida a partir da

necessidade e valores camponeses. Na Escola podemos perceber e decifrar a fala do

camponês, a fala coletiva do gesto, da ação, da luta camponesa. Na Escola, essa fala e essa

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luta adentram o currículo: a luta por terra (para entrar ou se manter na terra de trabalho

conquistada), por saúde de qualidade, por melhores condições de infra-estrutura nos

Assentamentos. Os estudantes e educadores vivenciam e criam vivências de oposição ao

projeto Neoliberal, ao acordo da ALCA e a implantação das sementes transgênicas.

Apresentam através de ações didáticas-pedagógicas atitudes que proporcionam o diálogo

como base para todas as ações escolares e com a comunidade. Adotam posturas que

respeitam o conhecimento prévio, buscam uma cidadania autônoma e uma reflexão calcada

na reciprocidade dos diversos agentes sociais que convivem com a escola. A escola

“respira” a prática agroecológica, levando a efeito a construção de um modelo que se

oponha ao que vigora nas últimas quatro décadas. O Setor de Educação do MST e a Escola

Agrícola, além de muitas outras escolas desse e de todos os movimentos de resistência ao

modelo de modernização conservadora implantado no Brasil, principalmente na época da

Ditadura Militar, têm um desafio grandioso, pois se defrontam com as contradições e os

valores do Modo de Produção em que vivemos. A tentativa é de criar um modelo

educacional que se oponha às práticas pedagógicas da imposição, da causa – efeito, do

autoritarismo, que subestimam o saber e a procedência dos estudantes e dos seus pais.

Enfim, são muitas as situações que reforçam o apelo da canção de Zé Pinto, interpretada

por Leci Brandão, pois quer-se uma reforma agrária que também transforme radicalmente a

educação em todas as suas instâncias, entendendo o currículo como uma construção social,

e por isso também passível de ser transformado da maneira mais criativa e relacionado à

liberdade possível.

As atividades escolares começaram em 1989, desde então a comunidade assentada

participa no mínimo uma vez por mês (com seus representantes) das reuniões do Conselho

da Escola que além de planejar as ações e cuidar das despesas, organiza a festa dos

assentados no mês de maio, relembrando a luta e comemorando a conquista da terra.

Outra situação em que a comunidade desses assentamentos rurais se envolve mais

diretamente com a escola, são os mutirões de plantio e colheita, que são importantes para

abastecer a cozinha e alimentar os animais ali criados.

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A escola é chamada de "centrinho" pelos moradores dos assentamentos que a

circundam, serve como ponto de referência para apanhar ônibus para viagens relacionadas a

alguma atividade da Cooperativa Regional dos Assentados (CooperContestado) ou as

atividades de luta do MST. Em alguns fins de semana, as crianças que freqüentam as

escolas de 1a a 4a série localizadas dentro da área dos assentamentos, mais alguns

estudantes da Escola Agrícola e até os que estudam em Fraiburgo (geralmente os que já

concluíram a 8a série) jogam no campo de futebol localizado em suas dependências, ou

nadam nos açudes quando esses não têm peixes.

Os Assentamentos Rurais, na concepção dos integrantes do MST, têm uma

especificidade que está ligada à participação no movimento desde o início do envolvimento

na luta pela conquista da terra. É um núcleo social, lugar para participar intensamente na

condução do viver, na produção e reprodução. É bem mais que uma mera unidade de

produção, ganhando importância de núcleo social de conquista de cidadania crítica e

criativa. Enfim, cidadania participativa para uma consciência social de entendimento e

possibilidade de ser sujeito na realidade. O assentamento é o lugar de viver, o sonho em

memória, o sonho se realizando, e o sonho a conquistar.

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“A escola tem que ser local, como ponto de partida, mas tem que ser internacional e

intercultural, como ponto de chegada”.

Paulo Freire

“Porcaria na Cultura tanto bate até que fura. Socorro Elis Regina! ”

Itamar Assunção

II – A propósito de Cultura e Educação:

Alguns aspectos da Formação de

Educadores/as do Campo.

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II – A propósito de Cultura, Educação e Formação de Educadores/as.

Alguns aspectos da Formação de Educadores/as do Campo.

1) Desobediência Cultural: a “insurreição dos saberes”

Epistemicídio. Essa é uma das faces de como se construíram as relações nestes

quinhentos e poucos anos da expansão européia na América. A grande provocação que

trazemos ao apontar esse conceito de Boaventura de Souza Santos 43 é de “olharmos para o

passado tornando o presente atento”, ou seja, que percebamos o que vem ocorrendo na

formação do que é hoje a vida das pessoas em nosso continente conforme o modo dos

colonizadores europeus tratarem com os conhecimentos 44 que aqui foram criados, seja

antes da chegada deles, ou durante a implantação do seu projeto “civilizatório”. A partir

desse assassínio de conhecimentos das culturas que aqui habitavam (algumas ainda

habitam) pela modernidade hegemônica eurocêntrica resta-nos questionarmos como essa

lógica adentrou e encaminhou a educação escolar nestes quinhentos e poucos anos do

contato, ou com maior intensidade nestes duzentos e poucos anos do projeto da escola

republicana burguesa. Isso indica uma maneira de como o conhecimento vem sendo

trabalhado e construído em boa parte do mundo contemporâneo, trata-se de uma diretriz

que se sobrepôs a outras. Evidentemente temos que entender que nessas relações nas quais

se dizimaram modos de vida e saberes foram também dizimados povos inteiros, o que

chamamos de etnocídio. Isso tem relação com a hegemonia do capitalismo, o que já foi

indicado no capítulo anterior,Também se relaciona com um dos nossos pressupostos que lá

desenvolvemos, que não se trata só de imposição econômica e política, mas na verdade

43 SANTOS (1996) neste mesmo texto ele trata da morte do inconformismo e da rebeldia, mas ao mesmo tempo em que é preciso criar “ uma outra teoria da história que devolva ao passado a sua capacidade de revelação, um passado que reanime na nossa direção pela imagem desestabilizadora que nos fornece do conflito e do sofrimento humano (...) recuperar o nosso inconformismo e nossa rebeldia.” (p. 17) 44 Diferença entre os termos conhecimento e saber, qual eu escolho? A partir daqui quando colocarmos conhecimento estaremos falando de todos os tipos de saberes, sejam científicos, míticos, etc. Mas quando formos tratar de ciência, saber sistematizado, falaremos em saber ou conhecimento científico.

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abarca toda as esferas de nosso viver social. Quem separou a realidade em várias gavetas

foi justamente a mesma lógica que construiu e se constituiu dessas relações, calcada num

eurocentrismo, que traz consigo uma visão de mundo, logo uma ideologia, logo uma

cultura.

Trata-se, como já nos referimos, de uma proposta “civilizatória”. Em Soares

(2003), isso fica evidente quando o mesmo aponta que

“Diversos povos levaram à constituição, a partir do século X a.C., do que chamamos hoje de cultura greco-ocidental, judaico-cristã, européia ou simplesmente ocidental. Esta é a cultura que em maior escala e por maior tempo, tem dominado o planeta, que mais destruiu outras culturas e que, para dar prosseguimento e apro(a)fundamento às suas idéias, tem infligido um sofrimento considerável a maior parte dos indivíduos.” (p. 23)

Independente do nome que se dê, o importante é que levemos em conta uma das

principais características que constituiu essa cultura. Nessa escala espaço/temporal deve-se

levar em conta o alto grau de perversidade desumanizadora, disfarçado de desenvolvimento

e progresso. Nesse contexto veremos as noções de cultura, começando pelo que assinala

Soares (2003 – p. 24):

“É esta cultura que criou e instituiu a filosofia, a democracia, a ciência, o capitalismo e a ecologia. Esta é uma cultura que, embora ainda dependa da natureza, nega-a e tenta superá-la, isolá-la, controlá-la, domesticá-la. A história do ocidente tem seguido esse caminho, mas, nela, muitas pessoas tem questionado essa orientação”

Quem são esses questionadores e como questionam? Boaventura ao nos remeter as

características anteriores sobre a cultura que se impõe, também aponta a saída através de

um projeto educativo emancipatório, esse por sua vez tem por objetivo principal

“recuperar a capacidade de espanto e de indignação e orientá-la para a formação de

subjetividades inconformistas e rebeldes” (Santos, 1996, p. 17). Em nosso entendimento

uma proposta que nos provoca enxergar a crise em que estamos envolvidos, e como toda

situação que atinge esse patamar, a possibilidade do novo se faz presente.

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Participamos da terceira versão do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre no mês

de janeiro de 2003, no qual um dos palestrantes o teólogo, escritor e professor universitário

Leonardo Boff que na Conferência Paz e Valores refletiu sobre as possibilidades de paz

dentro da condição humana de Homo sapiens e Homo demens, e dessa exposição oral

destacamos um trecho:

“Temos a arte, a poesia, já fomos a Lua, já deixamos o Sistema Solar, através de uma nave que leva, escrita em mais de cem línguas, a palavra paz – nossa mensagem para o universo é de sabedoria. No entanto a demência também nos caracteriza: etnocidas, matamos povos; biocidas, destruímos ecossistemas; e estamos bem perto de nos tornar geocidas, destruindo nosso planeta vivo.”

Após apontar essas duas possibilidades das realizações e condições humanas, Boff

indica causas e conseqüências dessas escolhas, relata que “É próprio do ser humano o

cuidado de um com o outro, e a perversidade do sistema econômico mundial, está em

acumular privadamente, e não dividir humanamente”. E conclui destacando que

“Cooperação e cuidado mútuo são os dois valores fundamentais que distinguem o ser

humano dos chimpanzés...”.

Nós, seres humanos, não nascemos com o cabedal de conhecimentos e aquisições

construídas pelas gerações que nos precederam, precisamos aprender e adquirir sabedoria

num processo contínuo. A partir de todo cabedal do sistema escolar que já mencionamos

anteriormente e das possibilidades e oportunidades do mundo em que vivemos, chegamos

num momento de encruzilhada, em meu ponto de vista, uma Encruzilhada cultural 45. Essa

nos remete a uma imagem em que um ponto, um lugar, abre para muitos caminhos. Ponto

de partida e de chegada. Muitos intelectuais apontam caminhos, Boff é um deles, dentro da

mesma perspectiva temos também os movimentos populares, no caso os socioterritoriais ao

qual nos envolvemos nesta pesquisa, e mais especificamente o MST. Segundo nossas

observações, tanto indo aos assentamentos e acampamentos, como através das leituras que

45 Baseamos no mesmo que Bourdieu aponta como cisma cultural (Bourdieu, 1968), Santos( 1996) denomina de conflito de culturas, apenas estamos procurando e apontando lugares-encruzilhadas. Um Campus de uma Universidade Pública, os assentamentos etc, são lugares-encruzilhadas. Estes somente são possíveis de serem analisados em seus aspectos territorializados seguindo a lógica indicada na discussão de Coutinho (1988) que apontamos mais a frente neste capítulo.

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realizamos de suas publicações do setor de educação, notamos que estão em sintonia com o

projeto político educativo emancipatório sugerido por Boaventura de Souza Santos. Este

capítulo tem a intenção de demonstrar como isso ocorre a partir de um estudo de caso, mas

que sempre será relacional, um lugar é determinação de lógicas temporais e espaciais mais

amplas.

Antes de especificarmos sobre essas ligações convém adentrarmos e discorrermos

ainda que brevemente sobre o entendimento do que é Cultura. Para começar convém que

lembremos a comparação de Marx sobre a construção de uma aranha e o trabalho dos seres

humanos: a teia se equipara ao trabalho do tecelão, podemos encontrar beleza nos dois,

porém também podemos perceber que mesmo o resultado do trabalho das abelhas sendo

mais interessante que alguns projetos realizados por arquitetos, mesmo o pior dos arquitetos

antes organiza o que vai fazer em sua mente, depois transforma em realidade. Essa é a

diferença que se estabelece entre seres humanos e os demais seres vivos, esse exemplo

colhido dos escritos marxinianos, dá conta em nosso ponto de vista de um entendimento de

cultura no aspecto mais geral que essa palavra traz consigo.

Percebemos no decorrer dessa pesquisa que a pedagogia do MST ao ser formulada

e assumida numa escola do assentamento, apontando um processo de formação de

educadores e educandos, relaciona-se com essas preocupações e caminhos apontados por

Boff, percebemos que essa é a linha atual de quem resiste ao programa hegemônico vigente

na Globalização hodierna. Trata-se, portanto de uma postura que convida a entendermos o

que esses sujeitos sociais apontam como cultural. Entendimento calcado nas seguintes

bases: compreensão da humanidade e busca da libertação. Buscar e entender que cada ser

humano tem o direito de se desenvolver e o que impede esse desenvolvimento deve ser

questionado, contestado e transformado. Como e quanto isso vem dando certo, vem se

impondo, ou fazendo sucumbir a matriz cultural hegemônica que comandou a formação de

nossa nação (e da América Latina, Ásia e África), e o que também nos impulsiona nesta

dissertação, ou seja apontar como esses sujeitos sociais vem tentando construir isso. Seus

avanços e limites. Pois ao mesmo tempo que uma proposta política - educacional que

apresenta uma outra matriz cultural, baseado por sua vez no diálogo com um histórico de

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resistência que atravessa esses séculos, almeja construir bases sólidas para um novo jeito

de viver aos camponeses, esbarra em algo que é mais sólido ainda, que se construiu a mais

tempo: a cultura burguesa, denominada de modernidade. Temos por sua vez uma

escolarização 46, mesmo a que se encontra nas áreas de assentamentos rurais, seja do ou no

assentamento, que carrega e apresenta valores que autenticam o que os próprios

camponeses organizados negam e tentam suplantar. A escola, o mercado, o lazer, o fazer

político, a espacialidade, o tempo, o trabalho, a cultura, a vida enfim está hegemonicamente

comandada por concepções da classe dominante. Mas todas essas esferas da sociedade

moderna se encontram na encruzilhada, construída pela relação pelo que vem resistindo a

isso tudo, é o novo surgindo e fecundando. Temos que ter claro que a encruzilhada é opção

de alguns por mudarem a situação que questionam, não existe lugar ou ponto que se abre

para tantos caminhos distante da escala própria que faz parte da construção humana.

Compreendemos, desta maneira, que essas mudanças nascem tanto dos meios acadêmicos

como do cotidiano dos movimentos socioterritoriais, assim como de outros movimentos e

iniciativas que não fazem parte por hora de nossos estudos.

Numa das passagens de um dos seus livros, Martins (1989) indica que está

terminado o tempo da inocência e começando o tempo da política. Afirma-nos que os

pobres da terra, durante séculos excluídos, marginalizados e dominados, têm caminhado em

silêncio e depressa no chão dessa longa noite de humilhação e proclamam – no gesto da

luta, da resistência, da ruptura, da desobediência – sua nova condição, seu caminho sem

volta, sua presença maltrapilha, mas digna, na cena da História 47. Martins nos chama a

atenção para o movimento de emancipação política, onde os pobres do planeta tomam

46 Gostaria de ampliar esse conceito, pois o mesmo trata de todas as possibilidades que se dão a partir da entrada dos sujeitos nas escolas e da relação que a própria escola estabelece com o seu entorno, seja em termos de espaços como de pessoas. Envolve-se aqui formação de educadores, currículo, papel do estado, o papel de cada disciplina, relação educador-educando, políticas públicas relacionadas à escola, relação escola-comunidade enfim um conjunto abrangente que muitos educadores e sociólogos vem se debruçando à estudar. Os oito anos do Governo FHC instituíram no país uma política que trata e arremessa a Educação como Serviço, impede a de ser vista no campo da cidadania, logo isso altera substancialmente o processo de escolarização em nosso país. 47 MARTINS, José de Souza. Caminhada no Chão da Noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais no campo. Ed. Hucitec.São Paulo, 1989.

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consciência de si, fazem o que denomina de guerrilha silenciosa da desobediência. É uma

nova condição que exige que se relacionem entre si com bases na cooperação e no cuidado

mútuo, essas preocupações fazem parte dos caminhos que constroem os sujeitos do MST e

de muitos outros movimentos socioterritoriais, na luta por terra de trabalho, que repetimos,

tem que ser entendida, maior do que simples condição para reproduzir a sua existência e de

suas famílias, é terra para mudar, terra para plantar o novo. Ë um caminho sem volta, pois

experimentar esse novo, a diferença, faz com nasça uma consciência ampliada sobre o

Brasil. Sem contar que globalizam experiências de resistência, criando desta feita uma nova

cultura.

Num de seus cadernos de formação o MST indica o que assume como

entendimento do conceito de cultura: tudo o que fazemos para produzir nossa existência,

pois cultura, trabalho e existência se agregam (caderno de formação 34, p. 8). No mesmo

texto, apontam que “A cultura, portanto é algo concreto que se move como uma força

invisível no ambiente onde se produz a existência de um determinado grupo social e influi

profundamente em seu comportamento” (p. 20).

Uma ala dos Geógrafos que trabalham com o campesinato brasileiro tem chamado

a atenção sobre a importância de considerar aspectos culturais para entendermos a

territorialização camponesa que vem ocorrendo em nosso país. Compreendo que para

entendermos e explicarmos (e assim ensinarmos e aprendermos) o Mundo hoje em dia, a

contribuição antropológica se faz necessária. Ao procurar entender e assumir um conceito

de cultura essa preocupação se faz presente. Assim adotamos o conceito de Cultura na

definição Antropológica: “o conjunto de modos de ser, viver, pensar, falar de uma dada

formação social” (Bosi, Dialética da Colonização, 1996, p. 319). Um conceito que vem a

tona nesta definição, o de formação social, que implica que entendamos que dentro de uma

mesma sociedade, como a brasileira, por exemplo, persistem outros conjuntos de seres

humanos vivendo com outros valores, de maneira diferente. Podemos nos remeter as mais

de duzentas etnias indígenas, ou ainda os quilombolas que vivem no território nacional. E

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como sujeitos desta pesquisa e pelos caminhos assumidos por nós, os camponeses 48. Já

tratamos anteriormente sobre a importância em analisar o camponês além do prisma de sua

produção e economia, e sim num aspecto mais amplo que é o da sua cultura. A cultura,

definida por BRANDÃO (1986) como "modos de viver, sentir, pensar e expressar a vida

com uma lógica própria, cognitiva e valorativa de significar o real".

Necessariamente ao adotarmos um conceito de cultura não podemos desconsiderar

que ele não caminha sozinho, necessita estar sempre ligado a outros conceitos, assim

temos: identidade social, trabalho, autonomia, pertença, memória etc. Esse conceito, que

ganhou força no ultimo século, ultimamente é relacionado por vários intelectuais a outras

palavras, outros entendimentos e análises da sociedade que solicitam que o adjetivem. Isso

contribui para o entendimento de nossa contemporaneidade e de nossa territorialização:

indústria-cultural, contracultura, cultura popular, cultura de massa (cultura de uma

sociedade de massas, segundo Arendt, 2002, p.248). Cientes de que essa discussão é

importante, ou seja, a cultura como mercadoria e por sua vez casada a dominação

ideológica, porém não nos cabe aqui aprofundar nisso 49.

A concepção a se destacar é a de cultura associada ao ser humano. É necessário

entendermo-nos como dotados de uma natureza social para não cairmos em várias

armadilhas explicativas que favorecem a desumanização em vez da construção de uma

48 MOURA (1986) apresenta um conceito amplo de camponês: "Cultivador que trabalha a terra, opondo-o àquele que dirige o empreendimento rural. Aqui o conceito é estendido a todos os cultivadores que, através do seu trabalho e do de sua família, dedicam-se a plantar e transferir seus excedentes de suas colheitas aos que não trabalham a terra. Ao mesmo tempo em que integra um grupo de trabalho familiar, que produz para sobreviver, algum tipo de engrenagem política e econômica encarrega-se de extrair-lhe compulsoriamente os excedentes gerados por sua produção, que garantem a existência de outros grupos sociais não produtores. Assim, o camponês é um produtor que se define por oposição ao não produtor, não importando se cultiva a terra ou se pesca no mar". 49 Geralmente o senso comum relaciona cultura como sinônimo de atividade ou manifestação artística (músicas, artesanatos etc), evidente que nestas realizações humanas podemos perceber mais de perto que nós seres humanos somos criadores. Qualquer envolvimento artístico é algo que deve ser respeitado, mas devemos desconsiderar que isso é dom de alguns, que apenas alguns seres humanos possuem capacidades para serem criativos. Ser criativo é uma capacidade humana que precisa ser percebida, assumida e apreendida. Hoje em dia é cada vez mais crescente a opinião de que se trata de um encaminhamento social que não privilegia a arte, ocorrendo em certo momento histórico separado do mundo e da vida dos trabalhadores. Essa discussão foi bastante interessante e interessada na oficina de dialogo que vivenciamos com os educadores/as da Escola Agrícola (vide capitulo 3 desta dissertação)

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ciência voltada para as soluções dos problemas da humanidade. Leontiev chama a atenção

sobre os escritos marxinianos de 1844, que já apontavam, em sua análise teórica, a natureza

social e o desenvolvimento sócio-histórico do ser humano, bem como suas forças

essenciais:

“ Todas as suas relações humanas com o mundo, a visão, a audição, o olfato, o gosto, o tato, o pensamento, a contemplação o sentimento, a vontade, a atividade, o amor, em resumo, todos os órgão da sua individualidade que, na sua forma, são imediatamente órgão sociais, são no seu comportamento objetivo ou na sua relação com o objeto a apropriação deste, a apropriação da realidade humana” .50

Em cada objeto está a humanidade; a apropriação da realidade ocorre seja como

consciência do mundo ou de maneira alienada. É preciso oportunizar a percepção sobre

isso, oportunizar para que os educandos e educandas possam realizar escolhas. A cultura é

o solo-cimento da relação sujeito – mundo, a escola um lugar de possibilitar oportunidades

em relação à compreensão de qual humanidade queremos pertencer.

Outro aspecto importante que devemos considerar ao adotar um conceito de

cultura é de que ele não é estanque, ou seja, não é parado no tempo. O conhecimento é

movimento. A cultura é dinâmica, tem movimento, transforma-se ou adequa-se de acordo

com as mudanças/permanências ocorridas em seu modo de reproduzir-se socialmente51.

50 Marx, K. Manuscrits de 1844 in Leontiev, A. O desenvolvimento do Psiquismo. O homem e a Cultura. Ed. Livros Horizontes. 1955. 51 Essa reflexão sobre a cultura com a contribuição de um geógrafo importante para minha geração, Melhen Adas, seja como estudante do ginásio, seja como educador do ensino fundamental, nas duas situações envolvidas com os seus livros didáticos. Esse autor apresenta uma discussão sobre cultura, no contexto do mundo contemporâneo, o que favorece notar como esse conceito é importante também para fins didáticos – pedagógicos. Adas versa sobre Cultura oral, Escrita e Televisiva. A realidade que vivemos é mais complexa que qualquer esquema. No entanto, sua importância está na possibilidade de promover a leitura para crianças e jovens. Localizam no tempo um período importante que foi a cultura letrada, os avanços que a mesma proporcionou, suas territorializações. Oral, escrito e televisivo (a radiofonia e a informática também) são possibilidades humanas, portanto as três convivem na atualidade mundial. A riqueza e a pobreza cultural de nosso país faz com que justamente os três aspectos convivam. Precisamos apenas conviver melhor com essas diferenças. Nossas ações educativas na escolarização de crianças, jovens e pessoas adultas terão um aspecto mais humanístico se mesclarmos essas três “culturas” e também outras possibilidades. Evidente que Melhen Adas relata sobre a nossa civilização provinda da base européia (greco – romana), oportuniza o questionamento sobre a influência das mídias eletroeletrônicas no século XX..

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Um grande equívoco é de tratarmos a cultura somente como a produção material (os

objetos de determinado povo), desconsiderando todas as relações da vida social desses

grupos. O que Marx sugere, serviu, portanto para indicar outras análises sobre nossa

caminhada no planeta.

É fato, porém, que temos que pesar socialmente a contribuição e a influência da

“cultura escrita” a partir da invenção do tipógrafo, em 1455. Trata-se de uma dessas

invenções que alteram rumos da vida social 52. A Escolarização se apóia na linguagem

escrita, no letramento. Nós educadores sabemos a importância de ler e estimular os

estudantes a lerem um bom livro, e no Brasil esses não faltam. Muitos livros, devido ao

engajamento e aos objetivos político e cultural de seus autores contribuíram não tão

somente para a cultura escrita, mas para reforçarmos o movimento de uma cultura que

podemos chamar de brasileira 53. Podemos afirmar que no momento atual apesar de

instigante, cabe aqui dissertar apenas sobre determinadas possibilidades do conceito de

cultura e sobre algumas possibilidades culturais de nosso tempo, procurando entender como

atualmente existe uma disputa que assume aspectos culturais, que se entranha por vários

aspectos de nossas vidas, originando entendimentos e escolhas que fazemos (ou que se

52 Outras invenções que também foram importantes são a do relógio (1675, a mola de balancim, que imprimiu mais precisão aos relógios), o microscópio (1650), motor a vapor (1712). Precisar temporalmente sobre outras grandes possibilidades humanas, por exemplo, a navegação fluvial e marinha e o instrumental ligado a elas demanda que nos dirijamos a Grécia, Índia, Egito e Arábia na antiguidade. 53 Já citamos anteriormente Monteiro Lobato, que além do Jeca Tatu, criou o clássico Sítio do Pica-pau Amarelo, mas convém lembrarmos obras que são importantes para pensarmos o Brasil, inclusive no que vamos discutir mais adiante, que é a relação entre o popular e o erudito por essas paragens. Três são importantíssimas e gostaríamos de deixar registrada aqui: Os sertões, de Euclides da Cunha, os camponeses ligados a Conselheiro saem do sertão e ganham o papel; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque, que apresenta uma discussão importante sobre a história de nosso país, sobre a ótica inclusiva; e finalmente o Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, que em meu ponto de vista une a cultura oral do interior brasileiro com a erudição de um saber sistematizado, valoriza os dois, pois neste diálogo entre as diferenças quebra hierarquias e submissões. Poderíamos aqui citar inúmeras contribuições no campo da literatura, da música, do esporte etc. etc. etc. Temos Graciliano Ramos, Jorge Amado, Antônio Cândido, Mário de Andrade, Caio Prado, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Jacson do Pandeiro, Noel Rosa, Sócrates, Garrincha etc. Sujeitos e artistas, antenas da raça. Havemos ainda de um dia entendermos melhor o papel da literatura e de algumas obras ao se entranharem na cultura. ao proporem uma nova relação, um novo jeito de ser, enquanto país, enquanto gente. Enquanto não entendemos e racionalizamos essa sensibilidade acionada socialmente convidamos os mesmos a entrar em nossas vidas pelo viés didático - pedagógico, ou até mesmo aqui, nesta dissertação.

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impõem) em nosso viver em sociedade. Assim, temos entendimentos sobre o espaço social

e territórios organizados por novos entendimentos: as representações coletivas de uma

época (ser humano explicado como resultado de uma evolução, crer em Deus etc). Isso nos

leva a rever a noção de temporalidade, na qual podemos considerar que a realidade ganha

aspectos de aceleração, no entanto dependendo da culturalidade vivida por determinado

grupo social, a relação com o tempo se faz de maneira mais lenta. Ao invés De se

utilizarem apenas do tempo do relógio, os camponeses também são envolvidos pelo tempo

da natureza. As convenções sociais sobre tempo e espaço necessitam serem mais bem

percebidas (e por isso ensinadas/aprendidas) e no mínimo relativizadas. Vivemos também

uma relação cognitiva que, entre outras situações, sempre convida a que entendamos

aspectos sociais como naturais, ou seja, naturalizamos aspectos de nossas vidas que na

realidade têm uma gênese social: acontecimentos socialmente construídos. Geralmente ao

confundirmos normal com natural, usando um como sinônimo do outro, é que cometemos

esse equívoco. O que podemos questionar com esse exemplo, somente para ilustrar, pois

não é o objeto maior de nossas preocupações neste capítulo, é de que nosso próprio

entendimento de natureza está equivocado.

Para reforçar essa explicação mais geral sobre o papel cultural adotado pelo

Movimento Sem Terra, em sua face de educação escolar, seja internamente na formação de

seus ativistas ou na sua relação com o que se constituiu em termos de entendimento do

papel dos Movimentos populares na sociedade brasileira, convém lembrar Coutinho 54

quando afirma que uma cultura crítica e alternativa vem tentando se impor, e que a cultura

que se instalou no Brasil, de forma hegemônica, nem sempre foi única, tão hegemônica

assim sempre teve que fazer esforços para calar uma cultura popular. O que antes era

emudecimento provocado pela lógica do lucro, hoje em dia foi abarcada pela lógica da

mercadoria. Essa lógica se faz presente tanto no Carnaval de Rua, na música de raiz que foi

54 Coutinho, Carlos Nelson. Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre idéias e formas. / 2.ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. Este livro é bastante elucidativo no aspecto de entendermos sobre cultura em nosso país, destacamos o primeiro capítulo em que o autor discorre sobre os intelectuais e a organização da cultura numa perspectiva da proposta gramsciniana, defendendo a tese de para que se constitua uma cultura verdadeiramente democrática e nacional-popular em nosso país devamos recorrer as contribuições (as melhores) do cabedal do patrimônio cultural produzidos mundialmente.

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sendo aos poucos se transformado em canção sertaneja, no processo que ocorreu com a

capoeira e com o futebol que hoje é globalizado. Esse autor denomina esses aspectos de

caminho prussiano, as elites sempre impuseram uma cultura de cima para baixo. Podemos

notar que isso aconteceu em vários aspectos da vida social brasileira, seja nas atividades

que regulamentam o trabalho, nas construções intelectuais, nas de lazer, até nas explicações

sobre a alma brasileira. Podemos ir longe para falar sobre essa imposição. Podemos

também ir longe para falar da resistência. Mas fiquemos por hora com o que aconteceu e

vem se dando no quesito escolarização e escolas, as escolhas e ações do Movimento

Socioterritorial, no que tange também ao processo de escolaridade e formação de

professores passa pelo entendimento do seu papel cultural na sociedade brasileira.

b) Cultura e Educação Escolar

Convém agora unir o que foi discutido nos vários entendimentos de cultura com o

advento da educação, mais designadamente a educação escolar. Todos nós, seres humanos

imersos na modernidade, concordamos com a importância da educação como meio para

que as novas gerações adquiram os fenômenos objetivos da cultura material e espiritual,

enfim os resultados do desenvolvimento sócio - histórico das aptidões humanas. Uma

imagem citada nos escritos de Leontiev ilustra bem a importância desse processo:

“Se o nosso planeta fosse vítima de uma catástrofe que só pouparia as crianças menores e na qual pereceria toda a população adulta, isso não significaria o fim do gênero humano, mas a história seria inevitavelmente interrompida. Os tesoiros da cultura continuariam a existir fisicamente, mas não existiria ninguém capaz de revelar às novas gerações o seu uso. As máquinas deixariam de funcionar, os livros ficariam sem leitores, as obras de arte perderiam a sua função estética. A história da humanidade teria de recomeçar”.55

Com essas palavras de Pieron (apud Leontiev), o autor mostra a importância

cultural da educação escolar, e é desta maneira que o MST, via setor de educação,

55 Essa Imagem Leontiev busca em Piéron. Leontiev, A. op. cit.. Esse texto de Leontiev, adquiri num curso de formação que os educadores da Escola Agrícola em Fraiburgo, SC, tinham com educadores da UFSC de Florianópolis. Estes últimos iam ao Assentamento e a escola pelo menos uma vez todo mês durante o ano de 1999 para acionar formação continuada junto aos educadores da Escola. Reforma Agrária é uma luta de todos e educação no campo também.

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compreende e aciona processos que vão desde atuações nacionalizadas (Concursos,

Congressos, jornadas) 56 estaduais, regionais e locais. Nesse escrito proposto por Leontiev

fica evidente a grande responsabilidade das ações educacionais, promovidas aos/às e

pelos/as educadores/as e pelos/as para os educandos/as, assim:

“Esta relação entre o progresso histórico e o progresso da educação é tão estreita que se pode sem risco de errar julgar o nível geral de desenvolvimento histórico da sociedade pelo nível de desenvolvimento do seu sistema educativo e inversamente”.

Ora, já vimos descrevendo anteriormente, que no Brasil perpetrou um sistema

educativo voltado para as elites terem acesso ao que foi sistematizado pela humanidade e

para que os pobres apenas pudessem receber instruções (quando tivessem acesso a

escolarização). Tivemos assim uma cultura construída pela elite que aniquilou

oportunidades, depois desconsiderou a população em sua grande maioria, criou e difundiu

imagens para que os pobres se sentissem bonzinhos e vítimas. Quando valorizam o popular

é apenas para transformar em mercadoria e criar pacatos consumidores. Quanto à

escolarização essa foi se transformado conforme se alterava a ciência pedagógica. Então a

que ponto de desenvolvimento social nós chegamos? Assim, cabem todas assertivas que

usamos até agora baseadas em Martins, Santos, Coutinho, Leontiev, Bogo, Boff, Freire e o

diálogo que o setor de educação do movimento trava com esses autores e com a realidade

das escolas de assentamento.

Num texto em que Bourdieu analisa o papel cultural da educação, apresentando-

nos a função de integração cultural da instituição escolar, podemos reforçar nossas

considerações em relação ao papel da escola para a cultura. Em seu texto “Sistemas de

56 O Concurso Nacional para os educandos das escolas dos assentamentos e acampamentos ligados ao MST em todo o país está em sua 5a edição, este ano será desenvolvido o tema “As Sementes são um patrimônio da humanidade.”. Em 1998, o primeiro concurso, o tema foi O Brasil que queremos, nos anos subseqüentes foram Feliz Aniversário MST, Brasil quantos anos você tem? E o 4o com o tema Terra e vida. Os estudantes participam em diversas manifestações e linguagens artísticas (poesia, canção, pintura, peça de teatro, escultura, conto, cordel etc) individualmente ou em grupo. Utilizamos material que apresenta o 5.o concurso como instrumento em nossa oficina com educadores e educadoras.

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Enseñanza y Sistemas de Pensamento”, esse sociólogo francês 57 - que em seus trabalhos

anteriores já havia pesquisado como o Capitalismo entra em choque e se impõe aos valores

camponeses numa comunidade ao norte da África - apresenta a idéia de que os

ensinamentos que adquirimos nos aprendizados metódicos e organizados na escola e que,

portanto, são ensinados implícita ou explicitamente 58, formando os esquemas que

organizam os pensamentos dos homens cultos (letrados) das sociedades escolarizadas. O

próprio autor questiona se as sociedades desprovidas de instituições escolares são também

desprovidas desses esquemas e por isso desprovidas de capacidade de ter esquemas de

pensamento organizados e repassados de geração a geração. Penso que é em nossas

sociedades escolarizadas que se cria a idéia de que quem não freqüenta escolas é inferior.

De fato, estabelece-se uma diferença que pode ser bastante prejudicial no que tange ao

acesso aos bens da modernidade. Mas cabe perguntar: isso os torna menos humano?

Considero que apenas não fazem parte do que é apreciado como cultura dentro das nações

modernas.

Nesse sentido, volto às palavras de Bourdieu, quando pondera:

“ (...) en una sociedad donde la transmisión cultural está monopolizada por la escuela, las afinidades subterráneas que unen las obras humanas (y de mismo modo las conductas y los pensamientos) encuentran su principio en la institución escolar, investida de la función de transmitir conscientemente (y por otra parte también inconscientemente) lo inconsciente, o más exactamente, producir individuos dotados de ese sistemas de esquemas inconscientes que constituye su cultura.”

Esse monopólio da escola no que tange a transmissão cultural tão bem expresso

pelo autor, reforça e localiza melhor o que vimos escrevendo desde o primeiro capítulo.

Apesar desse peso cultural da Escola, no mesmo texto, o autor aponta que a Escola também

modifica o conteúdo e o espírito da cultura que transmite. Tanto reproduz quanto modifica,

57 Pierre Bourdieu, sociólogo homenageado no Fórum Mundial de Educação, demonstra o quanto colaborou para pensar a importância da educação culturalmente falando em nossa contemporaneidade. Foi Ministro da Cultura e da Educação na França no Governo Socialista de na década de 80 do século passado. 58 Aqui cabe a idéia de Currículo Oculto desenvolvida pela Teoria Educacional Crítica de M. Applle, Thomaz Tadeu, Peter Mclaren etc.

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tanto introduz quanto possibilita a transformação. Apesar dos estudantes quando nela

adentram contatarem eras escolares diferentes difundidas numa época e escola, o futuro

pode estar ali contido. Depende dos caminhos que os profissionais ligados a escola adotam

como currículo. A escola não só dá referências como define itinerários. O que podemos

descobrir a partir da contribuição de Bourdieu é que realmente a escola e a escolarização

têm um peso definitivo em nossas vidas, oferecem encaminhamentos sócio-culturais. Seja

ela uma má escola ou boa escola, exerçam seus professores seu papel com dedicação ou

apenas cumprindo horas de trabalho. A Escola está sempre dentro de uma organização, tem

sempre um método que é dado culturalmente. Vejamos como o autor expressa essa

preocupação ao apontar

“La Escuela, encargada de comunicar estos principios de organización, debe organizarse para cumplir esta función. Para transmitir este programa de pensamiento llamado cultura, debe someter a la cultura que transmite a una programación capaz de facilitar la transmisión metódica (...)”

Lembrar o que já escrevemos sobre a dualidade cultural implica em atentar para a

diferença que duas escolarizações que se afirmaram no século XX. A Cisma cultural

indicada por Bourdieu (in Sacristan, 1989, p. 31), que tem essa função de diferenciar,

autentica as experiências escolares que almejam reverter o quadro de escolarização para os

pobres, que é oferecido apenas para escolarizar superficialmente, ou seja, possibilitam a

aparência de que os subalternos estão inseridos na vida moderna. Valorizar a escola como

um instrumento que possibilita dar um programa de percepção, de pensamento e de ação é

o que o setor 59 de educação do MST vem realizando. Escola vista como direito e por isso

portadora de possibilidades de acesso aos bens culturais da modernidade. Como observa

Ariès ao comentar o Antigo Regime: “El burgués se hace, no nace; pero para eso hay que

ser primero bachiller”, já substancia a valorização de escola e o dilema de classes em que a

59 Nada melhor que introduzir a discussão sobre Setores do MST, mais uma vez especificar como se dá o setor. Existe um caminho de ida e volta em sua maneira de ser constituído: local, regional, estadual e nacionalmente. Assim o setor é formado por todos os envolvidos com a educação, temos que lembrar que se trata de um movimento social, e que se trata do MST, que traz novidades no jeito de envolvimento político no país. Como incluem a todos na discussão, apesar de serem engolidos pelo cotidiano escolar, os educadores do MST tem uma gama de atividades que atravessam transversalmente suas ações a partir do referencial do Movimento, alem de freqüentarem cursos e participarem de Campanhas anuais nacionais.

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sociedade industrial se construiu. (P. Ariès in Bourdieu, 1989, 21). Esse encaminhamento

de escolarização, com esse peso cultural possibilita autenticar e reproduzir a sociedade de

classes que vivemos. Porém a diferença é percebida no que tange ao acesso aos

conhecimentos. Nesse patamar que a discussão sobre escolaridade e escolarização da

classe explorada ganha aspectos mais instigantes. Bourdieu cita Bernstein para demonstrar

essa cisma cultural a partir da Linguagem. Assim, temos a linguagem pública das classes

populares que se utiliza de noções descritivas e a linguagem formal ou culta que se utiliza

de concepções analíticas, mais complexas e mais favoráveis à elaboração verbal e assim ao

pensamento abstrato. Temos que atentar aqui para esta definição de cisma para que não

caiamos na depreciação mera e ocasional da chamada cultura popular. Tratam-se de

conhecimentos, de saberes em ambos os casos. O saber popular com certeza se constituiu

de maneira diferente, podendo até em sua essência ser destituída de um certo grau de

objetivação contida na chamada cultura erudita, mas recorremos novamente a Santos (2001:

p.25) no que diz respeito aos conflitos de conhecimentos60 que contribuem para apostarmos

tanto na crítica a um modelo pedagógico cultural, como também no entendimento da

construção de um novo modelo de atuação escolar.

“Mais do que um conflito de culturas, trata-se de um meta-conflito de culturas. Ou seja, trata-se de um conflito entre duas maneiras distintas de conceber o conflito entre culturas, dois modelos de interculturalidade(...) o campo pedagógico tem que criar pela imaginação uma conflitualidade que é negada pelo modelo hegemônico.”

Isso nos possibilita entender que na tentativa de denunciar o cisma cultural alguns

autores acabam por autenticar a cultura burguesa como superior, o mesmo autor, porém nos

convida a que entendamos que

“O modelo dominante, do imperialismo cultural, não reconhece outro tipo de relações entre culturas senão a hierarquização segundo critérios que são tidos como universais ainda que sejam específicos de um só universo cultural, a cultura ocidental. À luz desses critérios é a superioridade cultural própria das culturas dominantes que justifica a

60 Santos indica três conflitos de conhecimentos que devem presidir ao projeto educativo. Quais sejam 1) A aplicação técnica e a aplicação edificante da ciência, 2) Conhecimento-como-regulação e conhecimento- como-emancipação, 3) Conflito cultural

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existência de culturas dominadas. Esta superioridade pode afirmar-se de várias formas inclusive através de formas que aparentemente negam a idéia de hierarquia como a hibridização e a cultura global. Qualquer destas tem por limite não bulir com a hegemonia da cultura ocidental”. (p. 30)

Muitos dos discursos e teorias que difundem a preocupação com a cultura, em seus

aspectos de multicultura e respeito à diversidade, podem estar revestidas do interesse de

manter essa hierarquia. Ao universalizarem a diferença, podem estar autenticando a cultura

hegemônica. Universalizando, desta feita, a diferença como desigualdade. Aceita-se com

facilidade as diferenças, mas a lógica está em estabelecer o diferente como mais um

produto a fazer parte do mercado mundial seja a disposição dos empreendimentos turísticos

ou para autenticar uma pretensa democracia. Dessa maneira, entendemos que trazer a tona

o conflito, acusá-lo e determinar suas origens corroboram com a saída apontada por Santos

(2001: p.29) quando recomenda que em sua opinião um projeto educativo emancipatório

tem de colocar o conflito cultural no centro do seu currículo.

Ou seja, vale a velha estória em que a criança aponta que o “Rei está nu”. Voltamos

ao que tínhamos apontado anteriormente como Encruzilhada Cultural. A escola do

assentamento pode ser tratada como um lugar que é aberto para muitos caminhos

relacionais. Territorialização de um currículo em “fazimento” 61. Ponto de partida para

inúmeras possibilidades, de chegada para várias relações que se perpetraram na história

acontecida da luta dos trabalhadores. Os movimentos socioterritoriais – territorializados

através de uma parcela territorial, o assentamento – adquire o direito (também através da

luta) por cuidar da educação escolar das próximas gerações. Cabe lembrar que no início da

retomada da luta por democracia e acesso à terra de trabalho, primeiramente o MST depois

outros movimentos incorporaram essas preocupações, como exemplos têm o MLST

(Movimento de Libertação dos Sem Terra)62 de Minas Gerais. Assim, percebemos mais

uma vez o cunho pedagógico da luta ampla por terra que o MST sugere aos outros

61 Esse termo bebemos numa palestra de Aziz Ab’Saber, onde o mesmo apontou de maneira importante e positiva que o Brasil está em fazimento. 62 Este Movimento foi estudado por Mitidiero e Borges. Iniciou em Minas Gerais e hoje já tem alguns acampamentos no Estado de São Paulo. Hoje se fundiu com outros e formam o MTL (Movimento Terra, Luta e Liberdade) de cunho e ação nacional.

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movimentos populares (sejam socioterritoriais ou com outras necessidades, sejam no

campo ou na cidade).

Em nossas visitas a assentamentos e acampamentos63, e mais especificamente as

escolas ali localizadas, observamos um jeito de ser escola. Nas leituras realizadas das

publicações do setor de educação, percebemos propostas que vinculam esse jeito a uma

negação e a uma saída para um novo projeto político educativo. Teoria e prática que

podemos considerar sintonizada com o projeto político educativo emancipatório sugerido

por Boaventura de Souza Santos.

c) Territorialização de um currículo em “fazimento”: o papel cultural dos princípios

pedagógicos.

São muitos os elementos que compõe a proposta do MST e de Santos, porém

ficaremos com o quesito cultural de formação de educadores e mudança curricular. Nestes

vinte anos de existência, o MST criou uma Cultura Escolar própria, que comporta um

projeto político educativo que encaminha a formação de educadores. Uma cultura escolar

própria, porém, não significa abraçar um projeto político que seja isolado do resto da

sociedade brasileira. Uma das características fundamentais da Escola do MST é justamente

o diálogo, que se propõe a mudança do que vem sendo imposto, justamente pela não

participação. Faz-se presente e latente a preocupação com as próximas gerações. Os

educadores / educandos, juntamente com a comunidade, assumem posturas perante o

conflito que se estabeleceu: a primeira diz respeito a assumir o conflito, ser sujeito neste,

dinamizar isso para todos os integrantes do Movimento; uma segunda postura diz respeito a

cobrar do Estado Brasileiro que cumpra seu dever perante os cidadãos, principalmente nos

quesitos Escolas, Saúde, Moradia, Qualidade de Vida. O MST somente possui escolas que

podemos chamar como “suas escolas”, no ensino médio (ITERRA) e no ensino superior

(Escola Nacional Florestan Fernandes). Essas são escolas geridas pelo Movimento. As

demais são escolas ou de cunho municipal ou estadual. Ou seja, pertencem àquelas

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modalidades que já tratamos anteriormente, escolas do assentamento ou escolas no

assentamento, sempre lembrando que no primeiro caso os assentados indicam a direção da

Escola e discutem o trabalho dos professores, para que esses continuem ou não. Já a

segunda modalidade é quando o Governo seja municipal ou Estadual, indica a direção

como cargo de confiança e esta por sua vez escolhe os professores 64.

Como a formação de educadores e educandos pode contribuir para centralizar

mudanças no currículo? Seguindo Boaventura, podemos questionar o que significa

construir um projeto educativo emancipatório que coloca o conflito cultural como central

no currículo. Ao tratarmos dos pressupostos filosóficos e pedagógicos de uma escola do

campo ligada ao MST, ficam evidentes esses conflitos, uma vez que questionam-se várias

situações da sociedade brasileira. Ao lermos um texto escrito por Renata Coltro, intitulado

“A luta dos trabalhadores rurais sem terra não se resume somente à Reforma Agrária”,

temos acesso a uma visão do setor de educação do MST, com alguns dados e reflexões

apresentados pela autora. Discordamos, porém, do título, considerando que apresenta uma

visão limitada de Reforma Agrária, o que possibilita a seguinte crítica: essa política diz

respeito sim a um projeto que deva incluir os camponeses também em aspectos educativos,

de saúde e de construção do país. Lutar por Reforma Agrária não é diferente de lutar por

educação do Campo, e o título do texto de Coltro sugere justamente o contrário. Apresenta

porém dados importantes e atuais: o MST possui cerca de 900 escolas de 1ª a 8ª séries,

1.500 professores, 300 monitores especializados na alfabetização de jovens e adultos e 35

mil crianças e adolescentes. Esses Sem terras e Sem Terrinhas representam a estrutura

educacional do MST no Brasil. Nessa contribuição, prossegue a autora afirmando que os

princípios são os mesmos para crianças, jovens e adultos, levando em conta a

especificidade de cada faixa etária. Nesse texto, encontramos uma definição simples, porém

congruente, dos princípios filosóficos e pedagógicos aplicados em acampamentos e

assentamentos do Movimento: de acordo com o último Boletim de Educação publicado

pelo MST, em agosto de 1996, a visão de mundo e as concepções gerais em relação ao

63 Tanto em saídas de campo desta pesquisa, como em saídas de campo das monitorias conforme obriga o programa durante a realização do Mestrado.

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indivíduo e à sociedade ilustram os preceitos filosóficos. Já o modo de fazer e pensar a

educação para concretizar os próprios princípios filosóficos referem-se às regras

pedagógicas. Assim não é diferente no que tange a formação de professores. O setor de

educação do MST tem se preocupado desde seu limiar em formação, no começo mais

timidamente e com o passar dos anos mais ousadamente. Hoje possuem um caminho

escolar que possibilita as crianças experienciarem todas as fases da escolarização, desde o

pré-escolar até o ensino de terceiro grau. Formar educandos para serem os ativistas tanto da

educação como de outros setores do Movimento. Numa cultura de transformação, a

formação de educadores começa desde que os filhos dos assentados e acampados entram

em contato com uma escolarização que efetiva os ditames da pedagogia do MST. Evidente

que essas possibilidades vão se afunilando, reproduzindo dessa forma o que acontece na

sociedade brasileira de maneira geral, mas o Setor preocupado com isso já tenta abraçar um

projeto de escola para todos. A grande tentativa é de que pelo menos os jovens possam

concluir o ensino fundamental e quiçá o ensino médio morando com seus pais, o que

implica na luta por escolas do assentamento.

Diante dessa necessidade, mais escolas precisam de mais educadores e

educadoras que abracem o projeto educativo do MST; assim, podemos localizar o conflito

cultural no que diz respeito à formação tanto em fatores externos como internos das

escolas. Externamente quando o que temos de formação geralmente é administrado pelo

Governo do Estado que geralmente não compartilha das políticas pedagógicas construídas

nesses anos todos pelo Movimento Socioterritorial. Ao observarmos em nossa pesquisa o

Caderno Pedagógico produzido pelos encontros com educadores promovidos pelo Governo

Amin, de 1999 a 2002, podemos constatar que é um caderno que não releva a questão

camponesa. Para esses pressupostos parece que ninguém vive no campo. Sabemos porém

que isso é só aparência, pois o que se trata é antes de tudo de um pressuposto da

modernidade, desconsiderar o que não corresponde ao seu projeto. De certa maneira, levam

em conta a educação indígena, o que demonstra que houve uma preocupação com os

64 Visitei Escolas municipais que a direção impedia as crianças de usarem qualquer apetrecho que lembrasse o MST. Botons, camisetas e bonés eram proibidos. Escolas no assentamento geralmente são as que os governos municipais e/ou estaduais são adversários ou inimigos políticos e ou de classe dos Sem Terras.

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diferentes 65. Mas os diferentes se organizam e lutam. Também por escolas do campo que

contribuam no movimento por um projeto popular de desenvolvimento do campo. Os

diferentes querem também incluir pontos de pauta na discussão sobre um país diferente do

que temos hoje. Já internamente podemos apontar que a escolarização se dá num diálogo

entre um modo tradicional e uma maneira crítica e criativa de relação ensino/ aprendizagem

e de possibilidades de inserção da Escola na vida da comunidade.

A Escola do Campo 66 visitada apresenta vários aspectos que a destacam como

uma escola diferente e como boa representante das propostas políticas – pedagógicas do

MST. Como exemplo podemos citar algumas ações dos educadores dessa escola: incluíram

uma proposta a lista de Princípios Pedagógicos da Educação do MST, que é o de possuírem

uma educação voltada à Agroecologia; enviaram vários de seus educadores para os diversos

cursos (sejam para complementação da formação profissional ou somente política). Assim,

percebemos que esses Princípios Pedagógicos e Filosóficos que se espacializam por outras

instituições, territorializam-se na Escola Agrícola 25 de Maio. Isso se deve ao fato de

educadores e educandos assumirem a escola do e para o MST. Ao assumirem o conflito

cultural que se estabelece via imposição e falta de diálogo, o MST propõe sua própria

formação de educadores. Essa, porém, não é destituída de apoio do aparato do Estado.

Muitos convênios são acordados com instituições de ensino superior espalhadas pelo país.

Diante de nossas visitas e observações a Escola, façamos brevemente nas próximas

linhas um exercício de enunciar como essa territorialização acontece, ou seja, como se

territorializam as propostas pedagógicas do MST na Escola Agrícola. No que diz respeito à

Relação entre prática e teoria, podemos citar as chamadas “aulas práticas”. Muito embora

no período das aulas “ditas normais” 67 esse princípio seja buscado, e nem sempre

conseguido. Essas “aulas práticas” são momentos em que os estudantes freqüentam a

65 A Secretaria da Educação em visita a Escola Agrícola 25 de Maio em Abril de 1999, tratou os camponeses e os indígenas como os diferentes e que iria dar uma atenção especial a ambos. 66 Visitamos outras escolas sempre usamos a comparação (metodologia comparativa) apesar de não ser nossa proposta neste trabalho de pesquisa. 67 Essas dominações usadas entre aulas práticas e normais são uso comum na Escola visitada e estudada.

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escola para desenvolverem atividades relacionadas ao plantio, à colheita, ao zelo dos

animais, ao cuidado com hortas, jardins e pomares, ao embelezamento da Escola etc.

Nessas atividades, praticam o que aprendem nas aulas de Agropecuária. São dois

educadores envolvidos com essa grade. Assim, além da Grade curricular normal de ensino

fundamental da 5a a 8a séries, ali encontramos essa outra grade de disciplinas, dessa

maneira acontecem aulas de Fruticultura, Zootecnia etc. Essas chamadas “aulas práticas”

acontecem num dia da semana em apenas um período, fora do obrigatório que os estudantes

estão matriculados, ou seja, os estudantes do matutino ficam uma tarde para desenvolverem

projetos relacionadas ao aprendizado da produção camponesa, e os do vespertino

participam numa manhã durante a semana. Essas aulas não são obrigatórias, mas a

freqüência é bem intensa, em torno de 95 %. A dois anos atrás aconteciam em dois turnos,

mas devido ao almoço das crianças e dos adolescentes, foi reduzido a apenas um período

semanal. Os produtos para o almoço deles é produzido em boa parte na área da escola. A

característica principal dessas aulas é seu compromisso claro das atividades agropecuárias

com a agroecologia. Portanto, fabricam alimentos saudáveis para as suas próprias refeições.

Na questão agroecológica, percebemos que se encontra de maneira mais direta a

contestação à Revolução Verde, que criou uma camisa de força para o camponês no sentido

de estabelecer que o mesmo assumisse uma maneira de plantar a partir dos ditames das

empresas do setor agropecuário. Mas podemos também relacionar essas atividades com

mais um dos princípios: educação para e pelo trabalho. Este por sua vez respeita uma das

possibilidades culturais dos camponeses que tem a sua primeira sociabilização pelo

trabalho, pois a criança antes de ir para a escola já acompanha os pais em alguns afazeres

da roça. A modernidade, porém condena essas atividades podendo acusá-las de trabalho

infantil. Essa é uma preocupação que foi bastante discutida pelos educadores/as da Escola

Agrícola, o que também fez com que mudassem algumas maneiras como vinham lidando

com o que entendem por trabalho. Aprender para e pelo trabalho significa antes de tudo ter

uma visão definida do que essa atividade humana representa. Trata-se de uma visão

classista de trabalho. Os educadores/as têm o anseio de mostrar aos educandos/as o trabalho

enquanto causador de riquezas e de seu contrário, relações de exploração e desigualdade

que nele se encontram. Pelas escolas dos acampamentos e assentamentos, percebemos

também uma inquietação no sentido de não autenticar o discurso moderno de colocar o

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trabalho manual, diante do intelectual, como menos importante. Desta maneira cabe levar

em conta o que diz Sampaio (in Bombardi: 2004) reforçando a necessidade de relevar os

aspectos culturais para entender e explicar a lógica camponesa.

“(...) Traços reveladores da agricultura camponesa – o controle do tempo e do seu espaço pelo proprietário da terra, seu amor à liberdade, o orgulho de sua condição, a indiferenciação entre o trabalho e a vida (...)” (pág. 16 – Introdução de Plínio de Arruda Sampaio, in Bombardi, 2004)

A auto-organização dos/das estudantes (expressão tomada de Pistrak pelo Setor),

acontece na escola relacionada a essas aulas práticas, cada uma das séries comportam duas

Brigadas. Assim temos a Quinta série com as brigadas de Silvicultura e Jardinagem e

Embelezamento, a sexta série cuida e propõe atividades na área de Zootecnia e

Olericultura, Fruticultura I (frutas de caroço) e II (citrus e videiras) ficam a encargo da

sétima série, e finalmente a oitava série que se encarrega da Agricultura Geral e da

Comunicação e aspectos relacionadas as atividades recreativas e artísticas. Essas turmas

formam a CEPRA – Cooperativa de Estudantes pela Reforma Agrária, percebendo que a

palavra “pela” contida no nome dessa cooperativa remete a uma idéia de que a Reforma

Agrária é um processo sempre em construção.Todo início de ano letivo, educadores e

educandos dialogam sobre as demandas e necessidades da Escola, a partir disso cada

brigada planeja as atividades que realizarão na área da Escola e junto à Comunidade.

Retornam, assim, para discutir esse planejamento com os educadores e o Conselho a fim de

receberem sugestões. Nesse processo o que se dá é um aprendizado relacionado à

organicidade dos/as educandos/as e da Escola enquanto um todo. A Direção por sua vez

também apresenta o que a Escola possui de recursos (geralmente e quase sempre

relacionados a verbas federais e estaduais). Isso tudo faz parte do projeto de ensino

aprendizagem, do projeto político pedagógico da Escola Agrícola. Temos assim mais um

princípio pedagógico tomando corpo nas atitudes e vivências da “25 de Maio”: o vínculo

orgânico entre processos: educativos e políticos, educativos e econômicos, educativos e

culturais. Essa ligação entre esses processos é o que mais possibilita com que os estudantes

Sem Terra tornem-se ativistas do movimento. Essa preocupação do Setor se expressa nos

seis pontos indicados no boletim de educação do Movimento, que dizem respeito ao

vínculo entre o político e o pedagógico: a) alimentar a indignação perante as injustiças,

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cultivar sensibilidade dos educandos frente a essas, visto que as mídias possibilitam uma

indiferença, naturalizam ou apresentam a repressão como alternativa; b) desenvolver e

estudar conteúdos ligados à história e à economia política, vincular as atividades escolares

com a organização do Assentamento e do Movimento. c) estimular a solidariedade de

classe através da participação em lutas de outras categorias; d) incentivar organicidade dos

estudantes e) crítica e autocrítica tanto individual como coletiva servirão para crescer a

coerência entre o discurso e a prática pelas diversas instâncias (partidos, movimento,

associações, cooperativas e a escola); f) Ter como meta pertencer a uma grande família, ser

militante, “esta é sem dúvida, uma dimensão fundamental de uma educação que se

pretenda comprometida com a transformação social” (p. 17 – 18). Pudemos perceber

esses pontos se espacializando a partir da ação de educadores e educandos na promoção de

jornada de lutas que se deram na cidade de Fraiburgo, resultando no Grito dos Excluídos no

desfile de Sete de Setembro. Em outra oportunidade pude presenciar a atuação no plebiscito

contra a Alca, que possibilitou debates, e a ação dos estudantes para explicar junto à

comunidade e na própria cidade a importância da participação nesta votação.

O vínculo orgânico entre educação e cultura, faz reiterar o que explanamos sobre

cultura e escolarização até aqui. O setor de educação aponta o papel da educação como

bastante importante para a “construção / reconstrução da identidade cultural dos

trabalhadores”. Ou seja, assumem que as lutas culturais oferecem o cimento das

transformações econômicas e políticas. Essa importância aos aspectos culturais no que

tange a afirmar valores de classe fica mais explícito na seguinte passagem

“Nossas escolas, nossos cursos de formação precisam ser espaços privilegiados para a vivência e a produção de cultura. Seja através da comunicação, da arte, do estudo da própria história do grupo, da festa, do convívio comunitário como antídoto ao individualismo que é valor absoluto no capitalismo; seja também pelo acesso às manifestações culturais que compõe o patrimônio cultural da humanidade, seja pelo enfrentamento dos conflitos culturais que aparecem no dia a dia do nosso movimento. O que não podemos perder de vista é o objetivo maior de tudo isso, o que diz respeito não a um simples resgatar da chamada cultura popular, mas principalmente ao produzir uma nova cultura; uma cultura da mudança, que tem o passado como referência, o presente como a vivência que ao mesmo tempo que pode ser plena em si mesma, é

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também antecipação do futuro, nosso projeto utópico, nosso horizonte.” (p.20)

Nesse trecho, podemos notar que a proposta do MST no que tange a cultura, está

concatenado ao que ao que propagam os intelectuais comprometidos socialmente com a

transformação humanizadora para a atual globalização vivida por todos nós. Isso fica

evidente quando propõe o acesso aos bens culturais e assumem o enfrentamento aos

conflitos culturais, tendo a mudança como aspecto cultural que forja a cultura da mudança.

Para isso assumem como instrumento uma identidade cultural forjada na tomada de

consciência que a educação tanto formal como a informal possibilita.

No cotidiano observado durante nossas saídas de campo, podemos testemunhar

que os educadores e educandos ligados a Escola vivem e praticam a Gestão democrática.

Educadores/as e educandos/as aprendem sendo e exercitando essa maneira de gerir o

cotidiano escolar. Nessa organicidade é que a escola consegue ser exemplo para as outras

escolas de assentamento. Porém outras escolas de assentamento também podem ser

exemplo para esta. Uma atenção especial à aprendizagem da auto-organização, visto que

não acontece em todas as escolas de assentamento, que se realiza de forma um pouco

diferente no ITERRA. Ali temos que levar em conta que se trata de estudantes com mais

idade. Até 2000 entravam nessa instituição estudantes apenas com mais de 18 anos, de três

anos para cá a idade foi modificada para 16 anos. Mas o ritmo de estudos continuou o

mesmo, ou seja, durante o tempo – escola a intensidade de leituras é bastante intensa.

Ainda refletindo de como o princípio da gestão democrática se territorializa na

Escola e nos assentamentos adjacentes, constatamos que nas várias escolas do

Assentamento, é comum que ao iniciarem as atividades escolares, instaurem a prática de

Conselho, formado por alguns pais e mães, educandos e educadores. Ao menos uma vez ao

mês seus membros se reúnem para discutirem e encaminharem projetos para a Escola.

Planejam ações, cuidam das despesas e receitas, organizam festas. Na escola agrícola todo

mês de maio de cada ano, é celebrada a conquista da terra de trabalho. Um dos principais

motivos dessa festa é lembrar de como tudo começou, reavivar a memória, passando aos

filhos e filhas e aos visitantes o significado do ato de coragem de ocupar o grande

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latifúndio, rompendo as cercas da submissão histórica que essas famílias atravessaram em

suas relações de produção e reprodução da vida antes dessa atitude. Ratificam a cada ano a

importância desse transformar-se em sujeito com a história nas mãos. Esse momento da luta

está instalado no nome da Escola. Assim nesse ato constante de preservar a memória da luta

a Escola 25 de Maio ganha bastante importância e passa a ser referência tanto local como

nacional para as acoes educativas do Setor de Educação do MST.

Um aspecto que marcou uma das saídas de campo realizadas por nós junto a

Escola 25 de Maio, que tivemos oportunidade de vivenciar, é que no ultimo bimestre do

ano letivo em que cursam a sétima e oitava série, os/as educandos/as estão aptos a

defenderem em público algum saber pesquisado e sistematizado por eles. Essas atividades

são realizadas num tempo extra ao da sala de aula. Essa prática é incentivada e

acompanhada por todos os educadores, a fim de que os/as educandos/as sejam estudantes /

pesquisadores/as, na perspectiva de se construírem como sujeitos críticos e criativos. Aqui

vislumbramos mais um princípio sendo exercitado: desenvolver atitudes e habilidades de

pesquisa. Os/as estudantes interagem com a investigação e neste processo internalizam

conhecimentos. Podem assim confrontar o tema pesquisado que geralmente é algo

relacionado ao cotidiano seja da vida no lote, nos assentamentos ou até dificuldades da

Escola. Ao final do ano letivo apresentam os resultados para os demais estudantes e

educadores. Isso os possibilita em propor encaminhamentos para os problemas e as

dificuldades apontados pelas pesquisas.

Podemos perceber nesse breve retrato da Escola, alguns aspectos que vislumbram

ao que consideram de maior importância a conquista da terra: assumem o resgate da

memória da luta, através da prática cotidiana o rompimento com a dinâmica que a

Revolução Verde impôs ao campo, e ao assumirem uma postura didática-pedagógica que se

resume no que certa vez apontou Paulo Freire (que está sempre vivo nas organizações

populares): “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho; as pessoas se educam

entre si, através de sua organização coletiva”. Assim, em plena Capital da maçã, como o

município de Fraiburgo é conhecido e apresentado, pois ali grandes empresas agrícolas de

produção de maçã se localizam, a Escola Agrícola, através do esforço de um mutirão de

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assentados, educadores e educandos planejaram e implantaram um pomar de maçãs

agroecológicas, propiciando aos moradores dos assentamentos comer esse fruto sem

agrotóxicos, usados excessivamente nas grandes produções vizinhas. As ações didáticas

pedagógicas da Escola também propiciam um repensar das atividades agropecuárias

desenvolvidas pelos outros membros das famílias relacionadas aos estudantes. Isso fica

mais evidenciado nas entrevistas que fazem parte do corpo dessa dissertação, apresentando

uma cultura de resistência. Seguindo a trilha de denúncia apontada pela canção de Itamar

Assunção, cujo trecho usamos como epígrafe neste capítulo, podemos afirmar que tanto a

porcaria fura, mas que a crítica transformada em ação, também rompe. Em suma, o MST

continuará pedindo socorro para tantos agentes da mudança quantos forem necessários,

socorro que solicita contribuição, pois o movimento está sempre em movimento. Pedem

socorro a Elis, Itamar, Paulo Freire, Frei Beto, Boaventura, Vigotsky, Leontiev, Leonardo

Boff, Coutinho, Guimarães Rosa, Antônio Cândido, Zé Pinto, Marx. Pedidos a tantos

campos de interpretação e para pessoas que de certa forma questionaram e agiram em seus

campos para essa cultura de mudança. Desta maneira, reconhecem que não estão sozinhos e

nem são exclusivos na construção dessa ação cultural.

d) um pouco mais sobre a formação de educadoras/es...

Restam ainda cinco princípios pedagógicos que gostaríamos de aglutinar para

apresentar algumas ponderações sobre a formação dos/das docentes da Reforma Agrária.

Ficou evidente no que apresentamos até aqui que o MST enxerga e articula-se num

processo de formação que busca ampliar esse mesmo processo. Todos são parceiros,

educandos e comunidade na construção da escola. Mas existe uma especificidade de

formação que diz respeito à legalidade dos educadores de exercerem suas funções. A

Escolas do campo sempre foram reconhecidas como possuidoras de professores leigos, nos

rincões de nosso país ainda encontramos muito dessa realidade. Porém, os movimentos dos

trabalhadores do campo 68, através da Via Campesina, constroem uma formação de

educadores, na parceria com algumas universidades públicas, para romper com essa

68 Aqui podemos citar alem do MST o MMA, MAB etc.

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impossibilidade. Concatenados, assim, com um projeto de desenvolvimento humanístico

para o campo, abandonado e tratado com uma visão de lugar atrasado frente à modernidade.

Os princípios que têm mais integração com a formação de educadores são os seguintes:

- Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos/das educadores/ras;

- Combinação metodológica entre processos de ensino e capacitação;

- Conteúdos formativos socialmente úteis;

- A realidade como base para a produção do conhecimento;

- Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.

Fica, porém, uma ressalva de que todos os outros princípios e mais esses acima

mencionados contribuem na formação do que vem a ser uma escola do MST (ou do

assentamento). Sem esquecer que esses por sua vez são precedidos por propostas filosóficas

que demarcam como tratam a educação os camponeses organizados no MST. Desta

maneira, os camponeses organizados demarcam suas ações educativas para a transformação

social, valorizando a Educação para o trabalho e a cooperação. Almejam que a Educação

tenha um caráter de classe, seja massiva (orgânica ao MST, aberta para o mundo, voltado

para a ação), seja aberta para o novo. Tratando a Educação como uma manifestação e ação

humana voltada para as várias dimensões da pessoa humana. É a educação com valores

humanistas e socialistas, que ocorre como um processo permanente de formação/

transformação humana. Ao se definirem como um movimento de massas de caráter

sindical, popular e político, ao lutarem por terra, reforma agrária e mudanças na sociedade,

os camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, assumem a partir do

Congresso de 1995 em Brasília vários objetivos e um programa para a reforma agrária que

almejam. Um desses objetivos indica que busquem permanentemente a justiça social e a

igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais. Já um outro trata de se

lançarem para uma reforma agrária que aponte rumo a um desenvolvimento rural que

garanta melhores condições de vida, educação, cultura e lazer para todos os habitantes do

campo. Esses podem ser vistos como princípios e são o combustível dessas buscas. A

escola é lugar, também para fazer essas buscas se territorializarem. Os educadores/as ao

assumirem esses objetivos, efetivam e tiram do papel o artigo 1.o da mais recente LDB, que

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revela que “Toda educação escolar terá que vincular-se ao mundo do trabalho e a prática

social”. O Estado e órgãos governamentais, assim como uma boa parte da sociedade,

parecem se esquecer dos direitos à diferença já defendidos na constituição brasileira.

Conforme aponta o artigo 28 da LDB, que defende o direito a uma escola do campo:

"Art.28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino

promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de

cada região, especialmente:

conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses

dos alunos da zona rural;

organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo

agrícola e às condições climáticas;

adequação à natureza do trabalho na zona rural."

"É a escola que deve ajustar-se, em sua forma e conteúdo, aos sujeitos que dela

necessitam; é a escola que deve ir ao encontro dos educandos, e não o contrário".69 Tendo

tal idéia como princípio básico, consideramos que as escolas rurais, além de direito dos

cidadãos do campo são uma necessidade para o reconhecimento e a valorização de sua

identidade camponesa, o que nos leva a discordar das posições assumidas pelo Governo do

Estado de São Paulo que tem fechado as escolas rurais dando preferência a criar meios de

conduzir os alunos do campo para estudar na cidade.

Considerando que "as escolas tradicionais não têm lugar para sujeitos como os

sem-terra, assim como não costumam ter lugar para outros sujeitos do campo, ou porque

sua estrutura formal não permite o seu ingresso, ou porque sua pedagogia desrespeita ou

desconhece sua realidade, seus saberes, sua forma de aprender e de ensinar" (CALDART,

1999:pp.46/47) é preciso insistir para que esse espaço seja aberto e assim permaneça.

Muitos dos preconceitos presentes na escola são reproduzidos daqueles veiculados pela

69 Caldart, Roseli Salete A escola do campo em movimento, pp.46. Porto Alegre, 1999.

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imprensa, que omite dados esclarecedores da realidade rural brasileira e deturpa boa parte

dos acontecimentos que envolvem os movimentos organizados do campo.

Ainda conforme CALDART (1999:pp 47): "Trata-se é de alterar a postura dos

educadores e o jeito de ser da escola como um todo; trata-se de cultivar uma disposição e

uma sensibilidade pedagógica de entrar em movimento, abrir-se ao movimento social e ao

movimento da história(...)" (grifo nosso). E ao defendermos isso, estamos ancorados em um

dos princípios primordiais defendidos pela Lei de Diretrizes e Bases em seu Artigo 1.º

parágrafo 2.º: "A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática

social". Nada mais contemporâneo do que o campo colocado em movimento pelas batalhas

e lutas dos inúmeros movimentos sociais organizados. Negarmos tal presença é fechar os

olhos para a realidade agrária brasileira, atitude esta que nega um dos principais objetivos

de todo educador que se preze: a investigação da realidade, primeiro passo para que esta

possa ser transformada.

Ao comentar sobre os cinco princípios, consideramos que eles na verdade se

complementam. Nossa intenção é perceber como eles se territorializam no que já vimos

tratando segundo Fernandes (1999, p.136), em que o MST se espacializa pela sua prática, e

nesse caminhar reproduz as suas experiências ligadas à luta pela terra, luta por mais

educação, luta por escolas onde se escreve uma dinâmica própria através dessas

manifestações. Quando os princípios são assumidos por educadores e educandos, assim

como pelos assentados (ainda que sejam alguns deles), a luta está se territorializando. Um

território conquistado que passa a ser trabalhado pelos Sem-Terras. Desta maneira a escola

e a escolarização têm papel fundamental na territorialização do Movimento. Ao defenderem

sua concepção de Escola, numa de suas publicações, o caderno de educação de n.o 09

intitulado Como Fazemos a Escola de Educação Fundamental, construído durante três anos

de discussão em encontros de educadores da Reforma Agrária, o MST aponta que “o

movimento é nossa grande escola” e que “a história do MST é a história de uma grande

obra educativa”. Escola e Educação são concepções que se complementam, o que dá uma

dimensão de grandeza e interesse à Escola. Assim a unidade escolar, o Movimento, a

educação em todos os seus aspectos acabam tendo o mesmo grau de importância. Ou seja,

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ao lutarem por escolas fazem da caminhada um instrumental didático-pedagógico, todas as

ações adquirem assim um cunho e importância educativa. Desta feita evidenciam que tanto

a educação, como o humanismo enquanto causa e formação identitária desses para serem

sujeitos camponeses, estão no mesmo patamar de importância. Na luta forjam, se forjam e

concomitantemente se territorializam e territorializam essas intenções/ações.

O caderno de educação do MST em sua página 22 nos apresenta a seguinte frase:

“Quem educa também precisa se educar continuamente”. Essa máxima é que estimula a

criação de coletivos pedagógicos visando a formação permanente dos educadores e das

educadoras. Educação assim passa a ser um processo permanente. Formação permanente,

mas para que? Para quem? Hoje em dia vários profissionais da educação entendem o

processo de formação como uma atitude que deva ser sempre contínua Isso é importante

inicialmente para que o próprio educador envolvido no processo possa refletir sobre sua

prática e no caso do MST, se envolver com um humanismo sempre crescente.

No mesmo caderno apresentam uma discussão sobre coletivos pedagógicos, mas

sabemos que essas iniciativas de formação não são somente locais, espacializam-se hoje

por outros lugares. O coletivo não precisa ser necessariamente só de uma unidade escolar,

mas de muitas que são próximas. O que mais atrapalha esse processo é o fato de alguns

professores / educadores morarem longe. Os que moram na escola conseguem dialogar com

mais freqüência, o que em meu ponto de vista cria dois tipos de professores. Um dos

representantes da comunidade, participante do conselho, admitiu numa conversa que

tivemos que o melhor seria que todos os professores morassem ou na área da Escola ou nos

Assentamentos de entorno. As estradas são ruins, com freqüência têm de ser cascalhadas e

quando atravessam um período de mais de dois dias de chuva ficam muito ruins. O que

pode inviabilizar até mesmo as atividades escolares. Devido a essas dificuldades,

acrescentando o fato de que geralmente alguns educadores estão submetidos a trabalharem

em mais de uma unidade escolar, ou estão submetidos a uma carga intensiva de trabalho,

esses coletivos se dão com os professores mais próximos e que se encontram com

freqüência cotidiana. Já para os que moram mais distantes e aparecem em um ou dois dias

na escola, as estratégias é realizarem “paradas pedagógicas”. Até o ano de 2001, o quadro

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de educadores da Escola Agrícola era formado com nove pessoas, apenas um professor

morava na cidade de Fraiburgo. Os demais moravam próximos ou até mesmo dentro da

área da escola. Ao final de 2003, quatro professores moravam na cidade. O quadro era de

dez educadores, visto que há um ano implementaram o ensino médio noturno; as paradas

acontecem uma vez por mês, e geralmente ocupam dois períodos letivos e acontecem ali

mesmo nas instalações da escola.

Outro momento que revela a Formação continuada é quando a Secretaria de

Educação do Estado solicita os educadores para participarem de cursos, palestras ou

reuniões. Nestas geralmente os educadores não conseguem se sentir sujeitos, visto que

podem comparar com as iniciativas promovidas pelo Setor de educação do Movimento. Os

encontros regionais e Estaduais do Setor acontecem ao menos uma vez no ano. Assim,

podemos perceber que o grau de satisfação ou de retorno para promover uma formação

humanística tem relação direta com os pressupostos que articulam esses cursos, e também

com o sentimento de pertença em relação ao movimento.

Ainda em relação á formação dos educadores pelo Movimento, os estudos de

Beltrame (2002) expõem alguns aspectos importantes. Essa autora em seu texto Formação

de Professores na Prática Política do MST: a construção da consciência orgulhosa,

apresenta através de vários depoimentos de educadores do oeste de Santa Catarina o quão

importante é o processo coletivo para a formação, visto que revelam que esses são

convidados a pensarem, reverem e autenticarem sua prática o tempo todo. Beltrame

discorre, assim, sobre como vai construindo no processo de formação uma identidade de

educadores da Reforma Agrária. Isso se evidencia quando aponta que essa identidade

afirma o mundo rural, e que o Movimento constrói isso, pois o MST

“(...) aposta numa escola que contribua para a afirmação desse mundo, na medida em que promove a cultura camponesa, trazendo para as práticas escolares seus saberes e riquezas. Assim, ao vislumbrar um novo papel para esses homens e mulheres professores, o Movimento também redefine a função da escola, numa visão diferenciada daquela que propunha a fixação do homem ao campo. Sua concepção valoriza elementos da cultura camponesa nos programas de ensino, dando novo sentido à escola rural, integrando-a num projeto amplo de educação da população camponesa” (p. 140)

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Essas apostas e concepções levadas a efeito pelo MST em suas diversas escolas do

campo, solicitam um processo de formação permanente. Cotidiana. O aspecto político e

politizado em que os educadores (também educandos e pais) estão envolvidos garante essa

construção. A formação de professores se dá muito na unidade escolar, no dia a dia. Mas

não dissociada de um projeto maior que é um tempo para ir a cursos e outras escolas mais

distantes.

Ao atentarmos para a combinação metodológica entre processos de ensino e

capacitação percebemos que esse princípio apresenta uma separação interessante entre

ensino e capacitação. Essa separação possibilita o entendimento de que essas são maneiras

diferentes de relacionarmos com o conhecimento. Mas mesmo sendo diferentes a

combinação entre elas, atraves do ato educativo, possibilita que haja contribuição entre

elas. O ensino tem relação com o saber, já a capacitação está relacionada ao saber ser /saber

fazer. Porém a preocupação fundamental por parte dos envolvidos mais diretamente com

educação no MST é de ao unir esses dois processos nas atividades educacionais, colocam o

ato de capacitar como uma possibilidade de inverter uma lógica da avaliação que se apega

somente em medir apreensão de conteúdos. Ou seja, capacitar transforma o ato de ensinar e

vice-versa. Esse debate ao ser estipulado e assumido pelos camponeses organizados faz

com que consigam estabelecer um diferencial no que se refere à lógica que prevalece

atualmente no cotidiano escolar, o que denominamos como conflito cultural dentro da

Escola. Assim sendo, mais uma vez recorremos a Paulo Freire, educador tão caro aos

movimentos socioterritoriais da América Latina, quando aponta duas diretrizes sobre a

formação escolar, que acabam sendo sobre dois caminhos da educação hodierna: formação

enquanto treinamento e formação enquanto relacionada a sonhos, utopias e conscientização.

Segundo Freire, a educação precisa desses dois motes. Hoje em dia os ditames neoliberais e

os intelectuais intitulados pós-modernos partem para uma visão mais fatalista: nada

podemos fazer contra o inevitável processo da globalização da Economia, assim cabe a

educação somente um papel de formação técnica e voltada a conteúdos, “deixando intocado

o exercício da compreensão crítica da realidade” (Freire, 2001: p.31).

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No que se refere ao princípio que se preocupa com os Conteúdos formativos

socialmente úteis, cabe primeiramente que façamos um paralelo com os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN’s). Evidente que os/as educadores/as da Reforma Agrária

ligados ao MST não foram chamados para essa discussão, para contribuírem na formação

das Diretrizes apontadas pela Lei 9394/96, mas muitos dos temas transversais adotados por

esse documento fazem jus as preocupações que o setor de educação do Movimento vem

realizando. (ver Candau 131). Muito embora a postura do MST, via setor de educação, não

propõe que os conteúdos sejam o centro da proposta pedagógica. Todas as ações escolares,

no entanto observam as Diretrizes Curriculares Nacionais e os dispositivos legais. São

importantes instrumentos para capacitar e ensinar, todos os envolvidos com escolas no

Brasil, de uma maneira ou outra aderem a princípios de responsabilidade com o ato de

educar. A seleção de conteúdos faz parte desse princípio. Quem realiza essa escolha de

conteúdos? O que é indicado as Escolas é uma lista mínima, por parte da Secretaria de

Educação do Estado de Santa Catarina, que hoje assume os PCN’s. Esses indicam uma

Base Nacional Comum articulada com uma Parte Diversificada, que garante a

especificidade e certa autonomia do estabelecimento escolar. Destarte, existe um esforço

por parte do Setor de Educação do MST para possibilitar formação aos educadores, para

que percebam seu papel nesse processo de formação. Que percebam também que ao

trabalharem com uma margem de manobra escolham alcançar os objetivos de uma escola

do campo. A pergunta a ser assumida e mantida como um pressuposto necessário ao papel

de educador é a seguinte: os conteúdos são úteis para quem? Essa utilidade, veinculada na

questão sugere à percepção de que os conteudos não são neutros. Para os ativistas do MST

e para os educadores/as ligados/as a esse movimento, conteúdos socialmente úteis adquirem

significado se forem ligados à vida e às preocupações da maioria dos brasileiros.

Pensemos nas noções de envolvimento e de estudo no processo ensino

aprendizagem para também acrescentarmos até o que não nos serve. Na escola em questão

existe um conteúdo socialmente útil para a transformação social, principalmente no que diz

respeito ao aspecto produtivo, que envolve uma postura na relação natureza/sociedade, um

conteúdo que firma a resistência contra um modelo, a chamada Revoução Verde, que visou

servir a lógica do lucro e da destruição dos próprios camponeses. Trata-se da agroecologia.

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Escolherem trabalhar sobre o ponto de vista agroecológico, concatena-se com o princípio

em terem um conteúdo socialmente útil. Mas dentro das discussões de como se envolver

com esse processo, um pai sugeriu que formassem uma plantação com cultivos

agroecológicos e outra dentro dos moldes da Revolução Verde, o que não foi aceito por

uma boa parte dos educadores. Assumiram a postura de que dentro da área total da Escola

agrotóxico não entra.

Uma das necessidades dos educadores do campo e dos que lutam por qualidade

nas escolas rurais está em formar um currículo próprio, porém não inferior ao das áreas

urbanas. Dessa forma, uma pessoa que não conhece a dinâmica que está sendo

desenvolvida na luta por escolas do campo pode perguntar: como fica o estudante de uma

escola do campo se quiser ser médico, advogado? E se não quiser permanecer como

camponês e quiser morar nos grandes centros urbanos ou na cidade mais próxima?

Essas perguntas possuem relação direta com a formação dos educadores no que

tange ao envolvimento com os conteúdos que serão ministrados e assumidos pelas escolas

rurais. As perguntas anteriores foram feitas por diversas pessoas com quem conversamos na

Universidade de São Paulo. Levamos essa preocupação às pessoas envolvidas com as

Escolas do Campo, e com os Sem Terras do Setor de educação do Movimento. Às vezes

colocamos o problema até mesmo em conversas e entrevistas realizadas por telefone70.

Essas perguntas soam como uma falsa preocupação, pois sabemos que a escola dos pobres

não é oferecida para dar possibilidade desses sujeitos chegarem a essa condição colocada

nas questões. Por acaso vivemos numa democracia com todas essas possibilidades e

oportunidades? Que chance tem algum jovem da chamada periferia ou morando em favela

de chegar a ser médico ou advogado? Por que essas perguntas provocam tanto? Porque

incomoda o fato de os camponeses dirigirem sua própria escolarização?

Um projeto de reestruturação e de organização coletiva tem que ser pensado a

longo prazo. O MST (e qualquer outro movimento que lute por manter a vida dos que não

70 No ultimo mês de setembro entrevistei Camine por mensagens eletrônicas, que confirmou o que já vínhamos ouvindo por parte de outros educadores e educadoras do MST.

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tem terra) ao apostar em escola de qualidade entende que várias formações serão (e são)

importantes para construir a viabilidade da vida camponesa. O que mais nos chama a

atenção na elaboração dessas perguntas é que as mesmas estão ancorados numa visão de

campesinato que não releva o que esses sujeitos organizados e em luta sugerem de novo71.

Produzir conhecimentos tendo por base a realidade é atividade que traz a seguinte

reflexão: a realidade hoje em dia pode ser compreendida na concatenação entre o local e o

mundial. Mas há que se especificar o ritmo de vida de um assentamento, bem como o papel

social que educadores, educandos e seus pais têm na sociedade brasileira. Cabe traçar um

processo que ocorre na concatenação assentamento-escola-produçao de conhecimentos

locais: o MST se espacializa na Escola; a Escola territorializa a luta pela terra, por Reforma

Agrária; o MST se territorializa com os assentamentos. Um exemplo que podemos citar é

quando educandos fazem as suas apresentações das pesquisas realizadas no fim do ano

letivo. Isso ocorre há três anos. Em 2003, pude participar desse momento, ou seja, da

conclusão dele. Os temas escolhidos e apresentados pelas/os educandas/os se preocupam

tanto em fazer um balanço da Escola (para onde vão os que ali estudaram?), como com o

aspecto da vida (produção, saúde, acesso a serviços públicos) num assentamento ou como

melhorar esse viver.

Assim, as atividades escolares concatenam-se com o artigo V das Diretrizes

Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1998) que menciona que “As escolas

deverão explicitar, em suas propostas curriculares, processos de ensino voltados para as

relações com sua comunidade local, regional e planetária, visando à interação entre

Educação Fundamental e a Vida Cidadã (...) ”

71 Atualmente vários jovens filhos de assentados estão fazendo medicina nas universidades cubanas e muitos deles ao voltarem estarão exercendo uma atividade médica que leve mais em conta os seres humanos, sem atentar para sua riqueza ou status quo. Por sua vez quem elabora essas perguntas também está ancorado numa idéia de que todas as escolas e todo o processo de escolarização têm que estar ligados a um projeto nacional. Isto é a sugestão da modernidade para a escolarização, universalizante na aparência, porém dicotômica nas entranhas.

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O que essa diretriz nos aponta é que o importante é não reduzir a realidade

somente ao próximo vivido. Ou como indica o Setor de Educação do MST em seu caderno

de educação: “A Realidade é o mundo” (p. 13). Mas o mundo tem que ser visto no local,

nas relações mais próximas. Essa é uma das características da vida contemporânea e uma

possibilidade metodológica para sairmos da visão ingênua da realidade que nos cerca.

Outro aspecto importante que convém lembrarmos ao nos referimos no trabalho com a

realidade seja o de destacar o que é uma importante especificidade desta Escola, o fato de

que os estudantes possam produzir conhecimentos: fazem isso quando se auto – organizam?

Fazem isso na questão do pesquisar? Quando estudantes da sétima, oitava a princípio e

agora do ensino médio, estão nessa guinada que a Escola deu, instalando a pesquisa como

uma necessidade tentar levar a efeito um dos trechos encaminhados no mesmo caderno: “A

produção do conhecimento é uma das dimensões do processo educativo” (p.13). A essa

altura podemos questionar se produzir conhecimentos significa considerar que os que já

foram produzidos não servem? Existe uma figura de linguagem que ilustra uma postura a

ser seguida enquanto educador/educadora: subir nos ombros dos grandes intelectuais que se

preocuparam em fazer do conhecimento arma para a liberdade dos explorados do mundo

para ver horizontes mais distantes. Essa é uma máxima que também reflete as ações

pedagógicas de uma Escola do MST. Trata-se de uma prática adquirida durante o processo

de formação que os educadores do campo são envolvidos. Isso de certa maneira significa

que a relação com um cabedal teórico está presente no processo de formação. Faz-se

presente de maneira intensa.

O último princípio educacional a ser apresentado aqui, elaborado e assumido pelo

setor de educação do MST, diz respeito a combinação entre processos pedagógicos

coletivos e individuais. É essencial que mencionemos a importancia cultural que essa

combinação estabelece, a discussão entre processos coletivos e indivuduais tem marcado o

setor de produção do MST, remete a discussão que envolve o cooperativismo. Em se

tratando de valores arraigados a esses processos, que a escolarização aborda, é o egoísmo e

o individualismo em confronto com a solidariedade e o cooperativismo. Os dois citados

primeiramente, são ligados e fortalecem o modo capitalista de pensar e, portanto, a sua

reprodução. Interagem e autenticam os aspectos que favorecem a hegemonia do modo de

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produção que vivemos. É importante considerar a confusão pedagógica que alguns

educadores fazem ao não entender a construção do social, relevando apenas aspectos

individuais da mente. Ser sujeito e não sujeitado, ser indivíduo e não individualista são as

opções que a escola do campo almeja alcançar com seus educandos em suas diversas

atividades didático-pedagógicas. Trata-se portanto de uma discussão ideológica que

atravessou todo o século XX, as diretrizes da sociedades capitalistas72 e das socialistas.

Combinar processos pedagógicos coletivos e individuais requer que a escola aponte um

encaminhamento sobre o que esperam do envolvimento com o conhecimento, ou como se

refere o educador Thomas Tadeu (2000) ao revelar que

“O conhecimento deixa de ser um campo sujeito à interpretação

e à controvérsia para ser simplesmente um campo de transmissão de

habilidades e técnicas que sejam relevantes para o funcionamento do

capital. O conhecimento deixa de ser uma questão cultural, ética e

política para se transformar numa questão simplesmente técnica”.

Voltamos, assim, à combinação metodológica entre processos de ensino e

capacitação, aos conteúdos formativos socialmente úteis e também a produção de

conhecimentos tendo por base a realidade dentro do movimento de denunciar, resistir e

transformar, comum às escolas e às demais ações do MST. Todos os princípios que são

72 Em seu texto intitulado “O espírito capitalista”, (Texto da revista Caros Amigos, maio de 2003. este artigo sintético, porém bastante elucidativo no que concerne a desvendar os caminhos dos valores capitalistas, foi trabalhado por nós em diversas oficinas. Semana Geografia da USP, e com os educadores/as da reforma agrária e estudantes do ensino médio em novembro do ano 3003 ) Frei Beto discorre sobre os valores capitalistas que aparecem como vitoriosos tanto para as Nações da União Européia e América do Norte (menos o México), como em corações e mentes do mundo todo. Assim, egoísmo, individualismo, passividade e aceitação frente às desigualdades sociais são características desse sistema social alavancado pela Revolução Industrial do século XIX. . Como os movimentos sociais se opõem aos valores capitalistas? Como combatem à lógica do lucro e ao individualismo? A lógica do lucro é combatida mais pelo viés da denúncia, o individualismo combatem através de práticas concretas de solidariedade, coletivismo nas ações. Consideramos que esse princípio seja uma maneira interessante de tratar sobre as mazelas que o Modo de Produção Capitalista vem causando à humanidade. Para os camponeses organizados, os valores culturais que o Capitalismo apregoa e impõe devem ser combatidos. O que mais chama a atenção em relação à leitura desse texto de Frei Beto é de como ocorre uma inversão de valores proporcionada hoje em dia pelo Capitalismo, assim “pecados capitais” como avareza, orgulho, luxúria, inveja e cobiça são redimensionados e ganham aspectos de virtudes. Podemos aqui lembrar uma propaganda de TV sobre picolés que carregam os nomes dos pecados. E por falar em TV e meios de comunicação de massa, os programas de humor ridicularizam os pobres, as mulheres, os homossexuais. Uma maneira quase tão divertida como o Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, na década de 10 e 20 no Brasil. Esses são os ditames da modernização e industrialização brasileira que sempre se renovam, atrelados a normas e encaminhamentos dos organismos econômicos internacionais.

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mais diretamente associados ao processo de formação de educadores do MST relacionam-

se ao apontamento acima de Thomas Tadeu. Na oficina que trabalhamos na escola essa

citação também foi utilizada.

Temos dessa maneira um mote para refletir muitos aspectos sugeridos nessas duas

décadas pelas ações do MST. Ações que remetem à própria organização dos

Assentamentos, o coletivismo exagerado de base soviética que se tentou implantar no início

da década de 90. Essa discussão entre o coletivo e o individual é uma questão que atravessa

e enriquece os corações e mentes dos envolvidos com a transformação social.

Para encaminharmos o fim deste capítulo cabem duas questões: como se dá uma

mudança cultural na formação de professores/as (educadores/as)? Ou como se dá essa

mudança cultural pela formação de professores/as (educadores/as)?

Muito do que escrevemos até aqui aponta caminhos para começarmos a responder

essas questões. Resta chamarmos a atenção para mais um aspecto, trata-se da dinâmica de

formação permanente em que estão envolvidos os/as educadores/educadoras da Reforma

Agrária, quando percebemos a distância temporal entre as publicações dos cadernos de

educação. Principalmente os dois citados por nos no decorrer deste capítulo. Cinco anos

separam o caderno no. 01 e o no. 09. Estes foram realizados durante um processo de

encontros de educadores. Tratam de uma construção coletiva, dinamizada através de muita

discussão presencial, reuniões do coletivo que passam por dinâmicas regionais, estaduais e

desembocam no nacional. A escola ali apresentada ainda não existe plenamente, mas está

em “fazimento”, sendo gestada.

Ou como sugere Freire (1981), de que “Só um mecanicista terá dificuldades em

entender que a supra-estrutura não se transforma automaticamente com a mudança infra-

estrutural”.(p. 33).

Produzir Cultura, através do processo de educação escolar, com objetivos de

sociabilizar e transformar tanto a vida camponesa, quanto o país, demanda tempo, demanda

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entendimento e ações conscientes sobre o território conquistado, a terra de trabalho.

(Fazendo um paralelo com esse conceito podemos chamar os 32 hectares da escola agrícola

25 de maio, uma escola de assentamentos, de terra de educar?) Sempre é bom que

tenhamos presente que mesmo a terra conquistada, ainda não é definitiva e inteiramente

própria, pois vivemos no Capitalismo.

O que pudemos perceber em nossas observações é que o MST, pelo viés escolar,

sugere novas contribuições em termos culturais, resistindo e propondo a suplantação do

Sistema Capitalista. O campo está em movimento, os camponeses resistem, pois o MST se

apresenta como forte expressão dessa tendência, "questiona as estruturas sociais e a cultura

que as legitima, interrogando a sociedade" (Arroyo, 2000, p. 11). Porém o que

pretendíamos aqui é extrapolar o Movimento visto somente no seu aspecto ideal,

perderíamos o concreto vivido desses sujeitos se ficássemos nessa opção: é preciso

considerar que estamos numa sociedade de classes. Uma vez assumida essa postura, cabe

entender que é preciso destruir a cultura, considerá-la, mas destruí-la. (Sodré, 1992: p. 158)

Destarte, construir uma escolarização e uma escola diferente contribui para que os

camponeses organizados almejem e sigam esse caminho.

Cooperação e cuidado mútuo fazem parte das preocupações que cerceiam as

atividades escolares e as propostas de formação de professores do MST. Trata-se, portanto

de valores assumidos pelo movimento. O que discorrem sobre cultura é que a escola 73 é

um lugar importante para a construção do que chamam de revolução cultural. Esse é um

processo que é mais recente no MST, pelo menos no que diz respeito à elaboração teórica.

Em nosso entendimento essa revolução vem ocorrendo desde a ocupação de setembro de

1979. Que o MST vem propondo práticas novas, isso já e sabido e vivenciado pelos sujeitos

que dele fazem parte desde os primórdios do movimento. Essas práticas novas se dão em

várias relações sociais, políticas, econômicas: em questão de gênero, na questão de se fazer

73 Cabe lembrarmos que existem várias maneiras de fazer escola por parte do MST: Escola itinerante é uma delas, atende ao momento de espacialização do movimento, ou seja, a ocupação. Se as barracas de lona preta são retiradas por ordem judicial de determinado latifúndio ocupado, a “escola” se muda. No Rio Grande do Sul essa escola é regularizada e seus estudantes são reconhecidos caso queiram adentrar outro estabelecimento de ensino.

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ouvir a voz que antes era calada, contestar a função social da terra etc. Assim, o que de fato

aconteceu foi também um processo pedagógico, portanto também cultural, que atravessou

as várias esferas da vida social, criou inversões que questionavam a lógica da questão

agrária que ocorria no Brasil. Trouxe o novo para as teorias e para as organizações

populares, podemos dizer que ensinou a lição da coragem em meio a uma realidade de

silêncio74. Relatos colhidos por nós nesta pesquisa sobre a Marcha Popular pelo Brasil, que

aconteceu de agosto a Novembro de 1999, indo de Niterói a Brasília, com integrantes de

vários movimentos sociais do Brasil, dão conta de explicar como a pedagogia da luta pela

terra se constrói em falas e principalmente também em gestos. Convém que imaginemos o

impacto de mil pessoas caminhando em fila dupla, silenciosamente, rompendo as estradas e

cidades. Nestas montando acampamentos e indo para palestras em praça pública e em

escolas, discutindo o Brasil.

No MST é assim, primeiro vem a necessidade, daí a ação direta para resolver o

problema e depois isso será transformado (ou não) em um exemplo para outras localidades

e, assim, nacionalizará a ação, principalmente se as percepções e as discussões indicarem

que esse é um direito de vida. A luta por Escola exemplifica bem isso, desde 1983 com a

primeira escola de assentamento que se tem registro em Nova Ronda Alta no RS, passando

pelo primeiro encontro nacional de educadores em 1987, que organizou o Setor Nacional de

Educação. Portanto temos o local como precursor, o nacional como difusor, e nesse

contexto, autonomia e organicidade interagem. O que compreendemos é que nesse processo

o MST vem se espacializando e se territorializando com o seu projeto educacional. Tratam-

se de conhecimentos novos e de lidar de maneira nova com os conhecimentos – assumir o

conflito, se ver no conflito. Saber-se numa encruzilhada, mas sabendo para onde ir e para

onde não ir. O seu projeto nacional se espacializa em vários gestos e atitudes do Setor, e se

territorializa nas instituições escolares. Esses dois processos concatenam-se finalmente para

propor o novo, criando novos conceitos, novos ensinamentos, novas propostas que almejam

74 O que em 1989, Martins nomeava como um novo conhecimento primário produzido pelas classes subalternas organizadas em movimentos populares, decorridos quase quinze anos, essa “insurreição do saberes” 74 CF Michel Foucault, ob. Cit., pág. 171 in Martins p. 134 chão da noite adquiriu novos aspectos. Pretendemos apresentar dois desses aspectos, um deles sem dúvida foi uma face teórica interna, outro foi a capacidade de inserir conhecimentos novos nas academias. Esses dois aspectos

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reverter o que uma dinâmica de longa duração vem propondo ao país. Cria-se uma cultura

para ressuscitar o que foi apagado pelos ditames civilizatórios, primeiramente europeu e

depois norte americano concatenados com as elites nacionais, entre outras situações o MST

propõe plantar o novo após as ações e cultura implementada pelas ações calcadas no

chamado epistemicídio.

substanciam os processos de formação de professores propostos e levado a efeito pelo setor de educação do Movimento. Martins, op.cit.p.133 e 134.

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LADO B

DO CAMPO

AO

CAMPUS...

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“Aqui vive um povo que merece mais respeito

Sabe belo é o povo como belo é todo o amor

Aqui vive um povo que é mar e que é rio

E o seu destino é um dia se juntar

( . . . )

A novidade é que o Brasi l não é só litoral

É muito mais, é muito mais que qualquer Zona Sul

Tem gente boa espalhada por esse Brasi l

Que vai fazer desse lugar um bom país

Uma notícia está chegando lá do interior Não deu no rádio, no jornal ou na televisão

Ficar de frente para o mar

De costa para o Brasi l

Não vai fazer desse lugar um bom país.”

Not ícias do Brasil (os pássaros t razem)

Milton Nascimento e Fernando Brant

III – Caminhos teórico-metodológicos da pesquisa:

observar, entrevistar, participar.

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III – Caminhos teórico-metodológicos da pesquisa:

observar, entrevistar, participar.

Neste terceiro capítulo discorreremos sobre a metodologia utilizada por nós com o

intuito de alcançar os objetivos propostos no projeto de pesquisa. Isso, num primeiro

momento, implica em apontar como os sujeitos desta pesquisa, ou seja, os camponeses

organizados e assentados no Município de Fraiburgo em Santa Catarina, ganham um

aspecto importante para a efetivação dessa caminhada e desta feita na construção do

entendimento da vida que levam, da territorialização que efetivam. São os pais, mães,

educadores, educadoras, educandas e educandos envolvidos com a Escola Agrícola 25 de

Maio que facilitaram com que os instrumentos metodológicos possibilitassem alcançarmos

os objetivos traçados inicialmente e no decorrer de nosso projeto de pesquisa. Tivemos a

colaboração desses sujeitos através de entrevistas, que nos receberem em suas casas,

dispondo simpaticamente de parte de seu tempo. Quanto às observações, a colaboração

ocorreu ao permitirem que vivenciássemos seu cotidiano, seja nos hospedando em suas

casas ou apenas participando de ações e atividades do cotidiano e do calendário escolar,

bem como caminhar pelos lotes e estradas e ter oportunidade de acessar documentos da

instituição escolar. Participar dos momentos de festas nos assentamentos e na Escola

também foram momentos importantes para perguntarmos e refletirmos sobre a vida desses

sujeitos no tocante à importância que dão a escola e a escolarização e nesse bojo a

relevância da luta e da manutenção da terra de trabalho conquistada. Outra grande

colaboração se manifestou ao aplicarmos as oficinas didáticas – pedagógicas, batizadas por

nós de oficinas de diálogo. A partir do papel desempenhado pelos colaboradores e pelas

colaboradoras, é que pudemos fazer um esforço de análise geográfica na tentativa de

entender e sugerir sobre a realidade vivida por eles. Uma parte considerável da análise foi

mostrada na primeira parte desta dissertação.

Assim, os objetivos traçados por nós, desde os mais específicos até os mais gerais,

impulsionaram a busca da realização das atitudes de observar, entrevistar e vivenciar

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oficinas de diálogos. Nas próximas linhas, especificaremos os comos e os porquês que

subsidiaram nossa atuação nos trabalhos de campo, bastante importantes numa pesquisa

como esta que nos propusemos realizar. No decorrer dessa construção, tanto teoricamente

como no contato e vivência com os colaboradores/as já indicados/as acima, novos objetivos

foram sendo traçados, os anteriores remodelados, percebemos desta feita um dos aspectos

de contágio da metodologia adotada: as atitudes de pesquisa e todas as ações direta ou

indiretamente ligadas a ela no decorrer do mestrado são atividades em movimento, dessa

maneira devem ser percebidas. O caminho se faz ao caminhar. Ou seja, participamos e

estivemos abertos para esse movimento que retrocede, avança, estanca, depois avança mais

um pouco, questiona, sugere dúvidas etc.

Geralmente é de praxe realizar esses apontamentos teóricos-metodológicos no

início de um trabalho de dissertação, neste escrito optamos por deixar essas preocupações e

esse relato, bem como as análises provenientes dessas preocupações, para essa segunda

parte por dois motivos: destacar os acontecimentos das atividades do trabalho de campo

com ênfase no papel dos colaboradores e ampliar as reflexões sobre o papel da pesquisa

qualitativa adotada. Desta forma esperamos destacar a relação entre teoria e prática da

maneira mais eficaz, dentro do que pudemos realizar, dando voz aos sujeitos que

recepcionaram a sua realização. Estamos convencidos de que ao invertermos a lógica de

uma dissertação tradicional alcançamos mais essa intenção dialógica aqui expressa,

retratamos o movimento que escolhemos, refletindo as possibilidades e limites das

vivências que ocorreram.

1 - O papel dos pesquisadores/as (e, portanto da pesquisa) com os Movimentos de

transformação da sociedade brasileira. Uma reflexão necessária... 04

As primeiras questões que surgem para um envolvimento inicial com o ato de

pesquisar os movimentos socioterritoriais (Fernandes, 1995) são as seguintes: Qual o papel

da pesquisa para esses sujeitos? Como pesquisar? Para que e para quem pesquisar?

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Vendramini (2002) ao tecer comentários sobre documento final do Seminário

“Pesquisa e Movimentos Populares” organizado pela Fundep em 1993, elabora e apresenta

a seguinte sugestão: “A pesquisa que interessa às classes populares, a seus Movimentos e organizações é aquela que produz conhecimento científico sobre a realidade na perspectiva de revolucioná-la. Tem rigor e objetividade, sem deixar de tomar posição; é uma posição que tem recorte de classe. Ou seja, a intencionalidade desta pesquisa se volta a construção da hegemonia do projeto social popular. E, por isso mesmo, seu objeto de estudo privilegiado são os problemas e desafios enfrentados pelas classes populares.”

Nessa relação entre conhecimento popular e conhecimento científico, urge que

reflitamos sobre essa sugestão e a adotemos como base para um possível e necessário

diálogo. Sobre as imbricações desse diálogo muito já foi escrito, sobre as impossibilidades

também, porém cabe que expressemos uma postura: compactuamos com os que pensam o

saber popular e saber científico como diferentes, mas que não enaltecem um sobre o outro.

Seja num populismo que vangloria o saber popular ou num cientificismo positivista que

acredita que a única forma de saber é o científico. Em ambos existem limites e

possibilidades. Cada um deles possui uma maneira diferente quanto à gênese e quanto ao

repasse, muito embora sabemos que uma parcela significativa do saber científico acaba por

anular sobremaneira qualquer outro tipo de expressão de conhecimento. Basta recordar que

no capítulo anterior discorremos sobre o epistemicídio ocasionado pelo contato ocorrido

nas Américas com a chegada dos europeus, e que de certa forma os envolvidos com o

conhecimento científico trataram de continuar nos séculos seguintes.

Essa discussão possui uma dimensão que abrange nossa atuação como agente

desta pesquisa em duas esferas (pesquisador e ativista, ou militante como preferem outros

teóricos). Uma atual reflexão sobre essa relação dialógica elaborada por Fernandes pondera

sobre essa atitude e o peso político que os movimentos socioterritoriais possuem no Brasil

hodierno, chamando a atenção para o papel do Pesquisador - militante75. Esse autor nos

encaminha às seguintes questões: Quais os limites e as possibilidades entre o fazer

75 Particularmente não apreciamos a palavra militante, preferimos ativista. Militante e militar provém da mesma origem, militus, aquele que não pensa, que apenas recebe e cumpre ordens. Sabemos, porém, que ao

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científico e o ativismo social? Como fazer para que numa atividade científica os fatores

políticos não prevaleçam sobre as atividades de pesquisa?

Essas perguntas provocam tanto reflexões como preocupações e caminharam

juntas com o ato de pesquisar, que resultou nesta dissertação. Não temos respostas

elucidativas, a incerteza prevalece, porém temos certeza que esse assunto, enquanto dúvida,

permeia nossa atuação de pesquisador, principalmente quando envolvidos com uma ciência

social como a geografia, precisamos estar atentos para esse dilema. Estamos de certa

maneira adotando uma resposta quando concordamos com as seguintes palavras:

“Para o pesquisador – militante, a ciência tem como significado a perspectiva da transformação das realidades estudadas, bem como da sociedade. Desse modo, há um compromisso com as pessoas que são os sujeitos de seu objeto de pesquisa, o que também contribui _ e muito _ com o desenvolvimento da ciência” (Fernandes, 2001, p. 17).

Tanto para Vendramini, como para Fernandes e o MST o ato de pesquisar,

portanto, está diretamente vinculado ao ato de construir conhecimentos sistematizados

sobre a realidade, a fim de transformá-la. Ou seja, entender a realidade para nela melhor

agir. Entendem a ciência como atitude transformadora da realidade, seja a realidade

externa aos trâmites acadêmicos como a práxis científica. Concordando com essas

ponderações iniciais que remetem a uma postura sobre o papel da pesquisa e, portanto, dos

pesquisadores, precisamos de uma postura clara de ciência. Assim, nos apoiamos nos

seguintes dizeres:

“A ciência, diferente da filosofia e da arte, padece da necessidade de delimitar seus objetos. Não é possível pesquisar tudo ao mesmo tempo e nem todos os campos do conhecimento. Mas delimitar não é fragmentar e atomizar. A vigilância critica ao delimitar um objeto e as mediações que o constituem numa totalidade concreta são os elementos básicos que caracterizam o caráter dialético e, portanto, histórico do método. Vale dizer, o método que nos conduz a apreender o movimento da realidade, ou das determinações, que o constituem, e não simplesmente nossas representações, ou pseudo-representações, sobre o mesmo. Por isso, a concepção de conhecimento histórico (científico) e de método de apropriação crítica do movimento e constituição dos fatos e

usarem essa palavra a maioria dos envolvidos com o ato de transformar o nosso país em um lugar com mais justiça social não considera os militantes como meros cumpridores de ordens.

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fenômenos sociais elaborados por Marx em vários textos (1977, 1986 e 1969), não só guardam total atualidade como revelam-se, hoje, mais do que nunca, imprescindíveis na apreensão das mudanças da sociabilidade do capital.” (Frigotto, 2001, p.42)

Essa citação aponta que necessitamos delimitar um objeto de estudo sem, contudo,

fragmentá-lo e atomizá-lo. Se nosso objeto é um lugar, como é o caso desta pesquisa, faz-se

necessário entendê-lo em suas relações internas. Desta forma, esse objeto-lugar, por sua

vez, diz respeito diretamente a um movimento organizado de pessoas que questionam o

atual estado de vida em que se encontram, é desse processo que teríamos que dar conta. A

partir disso as possibilidades aumentam de enxergarmos esse lugar como ponto de partida e

chegada. Essa é uma das faces do cabedal metodológico que adotamos. A realidade vivida,

observada, atua como elemento importante em nossa atuação de pesquisa. Ao propormos

algo (o que realizaremos nas oficinas, por exemplo), primeiro os acontecimentos falam, os

sujeitos sugerem. Dessa maneira, podemos refletir e ver os reflexos das várias posturas do

Movimento Socioterritorial, O MST, que ao sugerir várias situações na Escola Agrícola 25

de Maio, possibilita que a entendamos como ponto de partida e de chegada nessa relação de

pesquisa, seja em constatação / análise ou contestação / ação. Atitudes que relatamos em

diversos momentos contidos nos capítulos iniciais desta dissertação. As Escolas ligadas a

um movimento que propõe revolucionar as atuais relações sociais, culturais e políticas em

nosso país, vem gerando questionamentos e ações que visam alterar uma situação de longo

tempo, a questão agrária, e que também pretende realizar uma “reforma agrária na

educação”.

2 – Desafios da Metodologia

Sobre a Metodologia que adotamos nessa Pesquisa, cabe apresentarmos as raízes

metodológicas e conceituais com as quais trabalhamos. Como vimos evidenciando em

relação aos procedimentos metodológicos adotados optamos por desenvolver um processo

de reflexão, combinando elementos teóricos com as informações adquiridas durante o

processo de trabalho de campo. Realizamos um caminho denominado pesquisa – ação, ou

seja, nos propomos a desenvolver uma atividade didática - pedagógica que levante

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questionamentos e algumas soluções associados à vida da escola num assentamento

apresenta, trata-se assim de uma pesquisa educacional qualitativa (Erickson, 1989).

Adotamos um caminho pela pesquisa qualitativa, mesclada com o entrelaçamento

possível entre a pesquisa-ação e a pesquisa participativa. Mas como desenvolvemos estes

caminhos, como contatamos a realidade e o cotidiano de uma escola rural, bem como o

viver dos assentados no território conquistado? Mais do que uma questão de estratégia e

tática de como se relacionar e buscar os “comos” e os “porquês” com os nossos

colaboradores e parceiros de pesquisa, cabem antes explicitar a que fontes estamos ligados

neste desafio de lidar e construir conhecimentos, aliás é disso que se trata, acima de tudo,

numa dissertação.

Uma questão importante é levantada por Martins no texto O Trabalho intelectual

com as classes subalternas76, no qual após discorrer sobre pressupostos iluministas, que

desligam a cultura popular da prática popular 77, o autor indica um novo desafio aos

intelectuais no plano da produção do conhecimento. Qual seria esse desafio? Reverter essa

maneira de organizar o trabalho científico e também “produzir uma teoria da nova prática

mediada pelos movimentos sociais contra a orientação teórica dominante” (p. 135).

Como? O autor nos relata que primeiramente é preciso ampliar a noção de classe social

para que percebamos que contradições, conflitos e confrontos distintos dentro dela, em

segundo lugar potencializar a noção de campesinato (no caso desse estudo), destituindo o

que no século XX foi tratado como impotência política desses sujeitos. Finalmente ao

apontar que esses dilemas são antes de tudo dilemas interpretativos, ou seja, a teorização

que se mostra muitas vezes como conhecimento sobre essas classes e não das classes

76 Parece-nos que a citação a seguir dá conta de explicarmos a escolha dessa categoria “No entanto, a categoria de subalterno é certamente mais intensa e mais expressiva que a simples categoria de trabalhador. O legado da tradição gramsciana, que nos vem por meio desta noção, prefigura a diversidade das situações de subalternidade, a sua riqueza histórica, cultural e política. Induz-nos a entender a diversificação de concepções, motivos, pontos de vista, esperanças, no interior das diferentes classes e grupos subalternos” (p. 98, Martins - 1989) Portanto só entenderemos essa categoria se a unirmos ao entendimento de exclusão integrativa proposta pelo mesmo autor. 77 Martins (1989) nos aponta que o procedimento iluminista explica a cultura popular apenas como funcional, instrumental, no entanto dentro da prática existe uma temporalidade própria, que não deve ser reduzida a uma visão cronológica (passado, presente, futuro).

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subalternas, sugere-nos a idéia de que expressar o ponto de vista dessas classes possibilita

que façamos uma ciência que em vez de impor interpretações, dialogue e perceba o que e

como esses sujeitos vem construindo e se construindo, protagonistas de uma insurreição de

saberes (Foucault Apud Martins, 198? p. 134). “As circunstâncias nos põem todos diante da

dificuldade para entender essa grande mudança, essa grande realidade sem teoria que cobre

muitas sociedades de diferentes partes do mundo”.

Diante dessa nova realidade anunciada (a vida nos assentamentos e nas suas

escolas) e do convite feito por Martins, fomos definindo por quais caminhos seguiríamos

para estudar o MST e mais precisamente a Escola Agrícola 25 de Maio. Fomos visitá-la

com o olhar atento ao que essa instituição, fruto da luta e do desejo dos assentados, possui

tanto de novo quanto de velho nas relações e alguns dos processos que se dão nas vivências

cotidianas. Prosseguindo com Martins no mesmo texto, nos aponta uma insuficiência de

uma modalidade investigativa: a pesquisa participante. Entendemos que o autor tece uma

crítica à pesquisa participante, ao relatar que as ações metodológicas dessa modalidade de

estudo não contribuem para produzir uma teoria da nova prática, que apresentam mais o

conhecimento do visível e não do que está oculto, favorecendo a um “nós” carregado de

reconhecimento, porém não decifrado. Compreendo que mesmo com essas críticas de

Martins, que apenas aponta os limites desta, poderíamos adotar a pesquisa participante

mesclada com alguns pressupostos da pesquisa - ação. Não podemos perder a oportunidade

de ouvir e dizer aos sujeitos do campesinato organizado sobre o que pensam e sobre o que

pensamos. Estamos convencidos de que essa modalidade de pesquisa possibilita esse

diálogo. Ou melhor, esses dois tipos proporcionam esse diálogo. Essa relação dialógica se

realizou através de oficinas, vivências com os educandos/as e educadoras/es. Retornando as

preocupações apontadas por Martins, destacamos uma citação já utilizada no primeiro

capítulo, essa inquietação de ouvir os camponeses, no mesmo sentido o autor sugere um

caminho e que se agrega aos pressupostos que gostaríamos de destacar:

“É preciso captar o sentido dessa fala, ao invés de imputar-lhe sentido, ao invés de desdenhá-la. E isso somente será possível se entendermos que a resistência do camponês não expressa o seu sentido num universo particular e isolado, camponês; que a resistência do camponês à expropriação do capital, vem do próprio capitalismo”.

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Sobre o capitalismo já refletimos bastante anteriormente, esse modo de produção

também insere e está embebido de parâmetros culturais e, portanto, intelectuais/ideológicos

que acabam por, entre outras situações, direcionar e propor uma explicação sobre o

camponês. Então nos parece que escutá-los, trazê-los à tona com suas novidades práticas e

organizacionais, proporciona o novo também no campo da interpretação acadêmica.

Situamos-nos numa posição de busca coletiva e de propor diálogos, munidos de

um cabedal teórico-metodólogico que nos impulsiona como pesquisador. O fato a destacar

é que nunca estamos sozinhos, buscamos um nós, praticando um nós que se reflete ao

conjugarmos consciência, conhecimento e vontade. Consciência que busca o mundo, os

desafios que se fazem presente. Conhecê-lo, para assim apreendê-lo, ensiná-lo e voltar a

aprender. Num itinerário que nos encaminha para sermos seres humanos, educadores,

cientistas. Sermos críticos e criativos, ou como nos indica Zemelman (200?), protagonistas

de um humanismo onde

“(...) a criticidade equivale a protagonismo e este, por sua vez, é construtor a partir do que se oculta, daquilo que ainda não se mostra, esperando o olhar e a vontade do homem; isto é, um protagonismo construtor a partir da potencialidade que se encontra em todos os espaços em que o homem possa ser sujeito. (Zemelman, 200?, p. 8)”

Sermos sujeitos na relação com o conhecimento implica em não nos subtermos a

esquemas e interpretações teóricas. Também cabe atentar criticamente aos planos e ações

do Estado pertencente à elite brasileira, que assim aprendamos e ensinemos a pensar. Isto se

identifica com o que sugere o mesmo autor, Zemelman, ao afirmar que é necessário “Um

modo de pensar que nos permita mais colocar-nos diante do mundo, do que convertê-lo em

conteúdo de um sistema de pensamento”. (Zemelman, 2002: p. 9)

Em nosso ponto de vista essa é a contribuição que o fazer científico pode dar a

busca de liberdade, tanto no plano intracultural como na cultura geral da sociedade. A

geografia entra nessa discussão com sua capacidade de unir o local ao global, e vice-

versa, desfragmentando o fragmentado, e mesmo no fragmento identificar o todo. Essa

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identificação visando romper alienações, contribuir na construção de identidades,

arraigamento de liberdades e possibilidades de um mundo justo e socialmente igualitário.

O nosso entendimento de escalas, enquanto processo, portanto movimento, nos

estabelece nos últimos decênios como importantes protagonistas para explicar / entender

a questão território/sociedade. Aliás, essa discussão sobre protagonismo em relação à

vida e também do papel das classes populares no diálogo com os cientistas humanistas

nos sugere que reflitamos sobre nosso envolvimento com a totalidade. Essa noção básica

(ou seja, uma categoria) favorece nossa postura em relação ao mundo quando assumimos

de onde queremos escrever, falar, agir. A partir dessa abordagem escolhida concordamos

novamente com o mesmo autor quando este nos aponta que

“É deste campo histórico e social que a capacidade de ter e manter uma visão de conjunto das situações histórico-sociais cumpre sua função. A categoria da totalidade, neste sentido, deve servir para reinstalar, de acordo com as necessidades e possibilidades de nossa época, um pensamento global que, sem sombra de dúvida, não se pode confundir com uma explicação de tudo. Cremos mais no papel de uma consciência com visão de conjunto do que em uma teoria”. (Zemelman, 2002, p. 8)

Convencidos disso concordamos que é necessário unir a essas preocupações uma

visão espaço-temporal da vida em sociedade. Essa união merece ser assumida como

pressuposto teórico-metodólogico para nossas ações enquanto educador e pesquisador.

Sabermos em que conjunto de coisas e ações estamos socialmente envolvidos para assim

explicar e buscar explicações sobre o mundo, entretanto sem nunca perdermos o agora (em

movimento) do mundo vivido, pensado e acionado em todas as instâncias da vida humana.

O mesmo autor prossegue, porém, apresentando uma dificuldade e um desafio:

“Entretanto a categoria totalidade não tem sido suficiente desenvolvida. Entre os desafios a fazê-lo está o poder transformá-la em um instrumento de raciocínio que permita que nos confrontemos com o detalhe da vida histórica e social sem perdermo-nos no contingente ou na fragmentação; mas fazê-lo sem recorrer a grandes armações de logos que dêem conta dos fatos particulares invocando o todo e, mediante isso, uma determinada versão de verdade. Ao contrário, trata-se de reviver a idéia de historicidade concreta associada à articulação do heterogêneo”. (Zemelman, 2002. p. 9)

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Do mesmo modo, Alves (2001) possibilita que ampliemos a importância dessa

categoria ao nos recomendar que

“A totalidade para efeito de ilustração, por se identificar com a própria sociedade capitalista, impõe previamente ao esforço de análise da educação e da escola, o entendimento das leis que regem o funcionamento dessa forma histórica de organização social dos homens. (...) Logo , a compreensão do social, pelo acesso à totalidade em pensamento, é a condição para que o homem compreenda não só a si mesmo, mas todas as atividades humanas e os seus resultados, inclusive a educação.” (Alves, 2001, p. 18)

Trata-se, porém de desafios de nosso tempo, de nosso fazer educativo/científico,

que uma vez assumidos por nós nesta condição de pesquisador nos auxiliam a pensar nossa

prática seja nas horas de escrever como nos momentos vividos nos trabalhos de campo. Ao

nos revermos cientificamente precisamos nos dispor a rever-nos humanamente e contribuir

para que as pessoas se revejam nesta possibilidade. Uma das nossas reais inquietações

nesta dissertação é avançar no entendimento de que qualquer espacialidade abrange a

totalidade do sistema em que vivemos e é envolvida por ela, assim estudar a Escola

Agrícola implica em estudar o Movimento e por sua vez o Brasil em seu papel Global. Um

enorme cuidado é para não historicizar e nem geograficizar as condições sociais às quais

estamos submetidos e com os quais vamos nos envolver nessa e em outras pesquisas.

Convém lembrar que o protagonismo é nosso, mas também dos sujeitos aos quais nos

envolvemos. Ou seja, em todos os fazeres dessa pesquisa pretendemos que esteja a

potencialidade rebeladora e insurrecional dos sujeitos envolvidos neste estudo.

Logo, neste trabalho nos balizamos também por essa categoria (a totalidade), pelos

vários desafios apresentados anteriormente, pelos conceitos já discutidos nos capítulos

precedentes, e a partir dessa parte expressaremos e comentaremos sobre os trabalhos de

campo.

Mas é importante que atentemos para uma questão que é anterior a essa passagem

da atitude científica no tocante a não realização da verificação do que acontece de maneira

regular no momento de pesquisa de campo e com as localidades e as pessoas, trata-se das

diferenças entre Dialética e Fenomenologia que ao serem relevadas nos possibilita termos

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orientações filosóficas diante da opção da pesquisa qualitativa. Desta maneira procuramos

entender (sem um grande aprofundamento) a escola fenomenológica78 , mais precisamente

a etnometodologia que procura investigar as atividades práticas e triviais dos atores e

compreender o sentido que esses dão aos fatos e acontecimentos da vida diária. Uma vez

compreendida não a adotamos, pretendemos ir, além disso, e a postura apresentada pela

“Dialética também insiste na relação dinâmica entre o sujeito e objeto, no processo de conhecimento. Não se detém como os interacionistas e etnometodólogos, no vivido e nas significações subjetivas dos atores sociais. Valoriza a contradição dinâmica do fato observado e a atividade criadora do sujeito que observa, as oposições contraditórias entre o todo e a parte e os vínculos do saber e do agir com a vida social dos homens. O pesquisador é um ativo descobridor do significado das ações e das relações que se ocultam nas estruturas sociais”. (Chizzotti, 2000. p. 80)

Uma vez apresentada as Bases Teóricas e Metodológicas para a realização da

pesquisa, quais as Fontes e alguns aspectos da metodologia do trabalho, convém apontar

que fomos a campo com uma postura didática-pedagógica, uma vez que nos intitulamos

pela nossa formação em graduação como Geógrafo – Educador. A discussão de qualidade e

quantidade sobre o fazer pesquisa científica também esteve presente em nossas

preocupações. Porém não nos delongaremos nessa discussão, apenas apresentaremos os

pressupostos básicos que nos fizeram optar pela mescla em Pesquisa Qualitativa em

Educação, Pesquisa Ação e Pesquisa Participativa.

3 - Acionando o diálogo entre pesquisa qualitativa e pesquisa/ ação - participativa em

educação: os comos e os porquês ...

Apesar de estarmos envolvidos com uma escola de Assentamento, ligada à luta por

Reforma Agrária (o que sabemos é que se trata de uma luta pela mudança do próprio país

em que vivemos), a nossa singularidade no que diz respeito a essa pesquisa está

relacionada à preocupação com o papel da educação, mais concisamente com a educação

do campo. Isso pode se tornar mais específico ainda quando afunilamos para as relações

78 Escola de Chicago (fenomenológica): a pesquisa deve ser o desvelamento do sentido social que os indivíduos constroem em suas interações cotidianas. (pergunta nossa - Será que o olhar sobre a realidade vai de sujeitos para o todo? É um caminho que vai do específico para o geral?) Verificar em Chizzotti.

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internas e intra-assentamentos da e na Escola Agrícola. Para entender o que acontece na

escola, deve-se buscar coerências e incoerências, procurar o que surge como novo e o que é

reprodução do tradicional. O seu papel para os assentados, para educadores/as,

educandos/as da reforma agrária. Discutir o que não dá certo na escola.

Para que tudo isso pudesse vir à tona nos fizemos nos primórdios do trabalho a

seguinte pergunta: quais caminhos seguiríamos?

Primeiro nos localizarmos em que ciência estamos envolvidos: a geografia.

Concomitantemente já estávamos por nos preocuparmos com o próprio fazer científico

(possibilidades epistemológicas gerais e específicas). Assim, nos munimos de dois

conceitos e com isso nos entendemos convictos de que estamos numa opção

epistemológica. Desta feita, temos tanto uma postura científica geográfica, quanto uma

postura de entendimento mais amplo do papel do camponês na sociedade brasileira. Como

já fizemos nos primeiro capítulo, aqui continuará estabelecendo um diálogo com outras

vertentes do saber sistematizado. Então, vamos ao sociólogo Stake (1983) em seu texto

Pesquisa qualitativa/naturalista: problemas epistemológicos em que nos revela o seguinte: “A pesquisa qualitativa, (...) desenvolve-se de uma forma mais ou menos similar à quantitativa, mas com uma grande diferença, relativamente ao passo inicial. Ao invés de procurar variáveis de interesse, o pesquisador procura eventos ou casos que sejam de interesse. Ou o patrocinador pode exigir que um certo caso, por toda a sua complexidade, seja estudado. O caso pode ser uma pessoa, mas freqüentemente será um grupo de indivíduos, um programa ou algum esforço coletivo indeterminado. O pesquisador, naturalmente, considera certas propriedades ou variáveis, mas estas não se tornam ponto de convergência do estudo. Determinados momentos, lugares ou pessoas passam a ser o centro do enfoque. A sua singularidade, ironicamente, pode ser considerada como base para a compreensão do típico e do geral”. (Pág. 21).

Essas palavras de Stake (1983) nos foram muito caras no sentido de apontar uma

parcela da trilha que percorreríamos, nos deixou a vontade para nossos trabalhos de campo.

Uma vez que nos calcamos nessas palavras fomos em busca de uma maneira que

possibilitasse o diálogo entre os saberes, tendo também a relação entre os lugares como

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central. Encontramos assim a postura que define o qualitativo. Uma das maneiras

científicas de perceber e teorizar sobre o que entendemos por demasiado qualitativo nos

assentamentos em questão: a escolarização de crianças e jovens. Buscar alternativas

metodológicas não foi tão somente uma preocupação estilística ou ligada a um capricho de

fazer diferente, antes foi uma preocupação em travarmos os melhores instrumentos para a

pesquisa com as classes populares, organizada através de um movimento e detentora (ainda

que sem propriedade privada) de uma parcela do território nacional e também uma maneira

que encontramos adequadas para alcançarmos muitos dos nossos objetivos.

Para reforçar nossas escolhas no tocante às características do conhecimento

científico e da relação sujeito/objeto podemos nos apoiar nas seguintes palavras:

“A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações”. (p. 79)

Essa postura apresentada por Chizzotti (2000) corrobora com a discussão travada

nas páginas anteriores, principalmente no que diz respeito ao protagonismo crítico. A partir

dela nos instrumentalizamos para seguir adiante na atitude pesquisante:

“Nas ciências humanas e sociais, a hegemonia das pesquisas positivas, que privilegiavam a busca da estabilidade constante dos fenômenos humanos, a estrutura fixa das relações e a ordem permanente dos vínculos sociais, foi questionada pelas pesquisas que se empenharam em mostrar a complexidade e as contradições de fenômenos singulares, a imprevisibilidade e a originalidade criadora das relações interpessoais e sociais. Partindo de fenômenos aparentemente simples de fatos singulares, essas novas pesquisas valorizaram aspectos qualitativos dos fenômenos, expuseram a complexidade da vida humana e evidenciaram significados ignorados da vida social”. (p. 78).

Compreendendo que ao propormos estudar sobre uma Escola do Campo, temos

um lugar no qual podemos evidenciar significados ignorados da vida social brasileira,

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temos uma complexidade que muitos ignoram sobre o MST e as escolas do campo. Esse

Movimento Socioterritorial pode ser demarcado por três faces: um aspecto de se unir a

outros movimentos para proporem encaminhamentos a educação do campo brasileira em

todas as suas faixas de ensino, uma segunda que remete as ações locais propriamente dita

mas sem contudo perder o aspecto nacional inerente as discussões e preocupações do setor;

já uma terceira característica que envolve essa organização ocorre em escala mundial,

quando são uma voz ativa na Via campesina. Todas essas faces são possíveis de serem

vistas e percebidas num local como a escola estudada por nós. Porém fica evidente que isso

só ocorreu devido aos caminhos metodológicos escolhidos.

Diante dessa postura, em captar a realidade vivida em movimento, a

heterogeneidade inerente ao movimento camponês organizado, cabe ainda nos ancorarmos

em Chizzotti (2000) que nos revela nas palavras a seguir que

“Os pesquisadores que adotaram essa orientação se subtraíram à verificação das regularidades para se dedicarem à análise dos significados que os indivíduos dão as suas ações, no meio ecológico em que constroem suas vidas e suas relações, a compreensão do sentido dos atos e das decisões dos atores sociais ou, então, dos vínculos indissociáveis das ações particulares com o contexto social em que estas se dão”. (p. 78)

Neste sentido ao nos apoiarmos numa análise de significados e de vida

acontecendo, buscamos subsídios tanto nas bibliografias quanto na realidade observada, o

que se mostra e o que se esconde diante da complexidade da realidade estudada.

Uma vez que iniciamos um breve esclarecimento da diferença entre o qualitativo e

o quantitativo, adotando o primeiro, prosseguiremos nas explicações e imbricamentos de

nossa busca. Assim, em THIOLLENT (1987), que nos aponta através de sua Crítica

Metodológica, Investigação Social e Enquete Operária sobre como nos relacionarmos com

os dados relacionados a nossa pesquisa. O autor escreve que “os dados por si só não são

geradores de conceitos e de explicações”. (P. 17).

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Ainda diante de nossas preocupações que foram sendo sanadas ao agirmos,

convém recorrer ao mesmo autor quando comenta que: “A natureza social e envolvente da

relação entre observador e observado escapa a problematização da situação de

observação quando esta é concebida em moldes positivistas”. (Pág. 17). Fica evidente

nossa opção nesse trecho sugerido pelo autor, o que se reforça com o seguinte “Superar tal

obstáculo supõe que seja redefinido o empiricismo com cuidados para evitar o teoricismo”.

(p. 18). Desta feita, começamos a definir uma das nossas atitudes de pesquisa:

observação79, mais precisamente a observação participante.

4 – O campo no Campo: observar, entrevistar, participar

Uma vez que nos delongamos a explicar os porquês das atividades de campo no

campo, em nossas visitas aos assentamentos e à Escola Agrícola, cabe que explicitemos

como ocorreram. A partir daqui seremos um pouco mais descritivos em relação ao que se

deu nas saídas de campo que realizamos. Nesse relato tanto expressaremos quais as

dificuldades e o grau de colaboração que tivemos, como também os resultados obtidos

possibilitarão análises e reflexões no capítulo concernente à conclusão desse trabalho.

Optamos por dividir nosso relato em três partes, momentos diferentes do ato de

pesquisa, chamando a atenção de que todos se concatenam e possibilitam a movimentação

dos outros. Assim observar, entrevistar e acionar relações dialógicas através de momentos

didáticos-pedagógicos são momentos separados (aqui serão apresentados dessa maneira),

79 Aqui cabe um adendo, para expressarmos nossa posição na relação entre empiricismo e positivismo. “... a condenação do empiricismo é oferecida aos alunos em cursos de metodologia desde o começo da graduação sem que os professores tenham definido cuidados(...) não são pontos de partida da investigação a serem retificadas, enriquecidas ou comprovadas pela observação, mas, ao contrário, são os resultados de um “arranjo” de dados coletados”. (...) Tal posição supõe que permaneçam confundidos o objeto real e o objeto do conhecimento, a representação do primeiro”. (p. 20). “(...) dentro de uma concepção do conhecimento que não seja empiricista ou teoricista, tal formação (de pesquisadores) deveria combinar ao menos três elementos: (a) as teorias sociológicas, (b) as técnicas de pesquisa e (c) a epistemologia ou metodologia geral. (...) O que falta mesmo é sua articulação.” (p. 21). “(...) mais do que a precisão de qualquer tipo de medição, o que importa, o que importa é a pertinência das questões e das respostas formuladas na interação entre os dois pólos. Por parte do pólo investigador, a “observação” é essencialmente um questionamento.”(p. 23) “(...)na tentativa de elaborar uma sociologia crítica capaz de reunir teoria e prática numa perspectiva de emancipação, Jurgen Habermas propõe substituir a observação pelo questionamento enquanto eixo metodológico.” (p.24). “Por si só, o questionamento não contém todas as garantias de antiempirismo. É no controle de sua articulação com a problemática teórica que tais garantias podem ser encontradas” (p. 25)

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que se dão de maneira específica nas várias visitas à vida da localidade estudada, que se

conjuminam no ato de analisar e escrever. Essa é a potencialidade da realização dos

trabalhos, seja in loco ou nos vários momentos de escrever esta dissertação.

O Trabalho de Campo foi realizado em seis etapas que ocorreram com

visitas a Escola 25 de Maio e aos Assentamentos Chico Mendes, Vitória da Conquista,

União da Vitória, Contestado e Rio Mansinho no município de Fraiburgo – SC. Estas

etapas ocorreram no período de março de 2002 a Dezembro de 2003. A última etapa

realizamos após participarmos e sermos aprovados na banca de qualificação referente a

nossa pesquisa. Precisamente os meses das saídas de campo foram os de março, agosto e

dezembro de 2002, e em maio, novembro e dezembro de 2003. Durante a última etapa,

fomos conhecer outras escolas e outros municípios, visitamos assim os seguintes

assentamentos: 25 de Maio, Santa Rosa II, Santa Rosa III e José Maria no Município

de Abelardo Luz. Nesse último foi realizado o Encontro Estadual do MST de Santa

Catarina em Dezembro de 2003. Nesses assentamentos em Abelardo Luz, seja

conhecendo as escolas ou participando do Encontro Estadual, realizamos apenas

diálogos com os assentados/as e com educadores/as e educandos/as.

Em todas as visitas procurei participar de momentos importantes da Escola e da

comunidade de entorno. Em 2001, por estar envolvido intensamente com as atividades

referentes às disciplinas cursadas, não realizamos nenhuma visita à Escola. A seguir,

relacionaremos as datas das visitas às atividades da Escola Agrícola. Apontamos o tempo

de dias que permanecemos em atividade de campo bem como os motivos e as atividades

realizadas referentes a esta pesquisa.

Março de 2002 – Início das atividades letivas da Escola Agrícola – Durante sete dias

aplicamos as primeiras entrevistas e pudemos efetuar uma observação comparada com o

ano letivo que trabalhei na Escola (1999).

Agosto de 2002 – início das atividades de 2.o grau noturno na Escola, atividades referentes

ao Plebiscito em relação a ALCA – Durante seis dias realizamos mais algumas entrevistas e

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prosseguimos com a observação das atividades escolares e do envolvimento da comunidade

assentada com a escola.

Dezembro de 2002 – Formatura da oitava série – Em cinco dias de visita, pudemos apenas

participar dos festejos e continuar a observação.

Maio de 2003 – Festa de 25 de Maio (comemoração sobre a Grande ocupação de 1985),

fiquemos 12 dias e aplicamos a primeira oficina junto aos estudantes da quinta a oitava

série. Realizamos entrevistas com um número maior de colaboradores.

Novembro de 2003 – Estudantes realizavam a pesquisa de fim de ano, durante dez dias

realizamos mais algumas entrevistas e realizamos a Segunda oficina com as quatro séries.

Tivemos oportunidade de visitar outra escola (ensino médio) “de assentamento” e mais

duas escolas “no assentamento” dos assentamentos do Município de Abelardo Luz no

Estado de Santa Catarina. Ali apenas travamos diálogos com lideranças, educadoras e

educadores da região.

Dezembro de 2003 – Apresentação do Seminário de Pesquisa dos estudantes da sétima e

oitava série. Permanecemos mais quinze dias entre os assentamentos dos Municípios de

Fraiburgo e Abelardo Luz. Participamos do Encontro Estadual do MST no Assentamento

em Abelardo Luz. Na escola Agrícola participamos das reuniões pedagógicas de

encerramento do Ano letivo e realizamos as oficinas com os educadores/as.

Podemos vislumbrar o que realizamos e qual etapa de pesquisa foi mais

significativa em cada saída de campo com a tabela 1 apresentada nos anexos.

Todas essas etapas ocorreram tendo como ponto inicial de visita a Escola Agrícola

25 de Maio em Fraiburgo – SC. Foi a partir dela e das relações ali estabelecidas que

pudemos ampliar nossas visitas aos pais e mães dos assentamentos do entorno. Além disso,

foi a partir da compreensão por parte deles do trabalho que realizávamos que o convite para

irmos ao município de Abelardo Luz ocorreu. Nesta visita a outro município e, portanto, a

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outros assentamentos, e porventura a outras instituições escolares, estabelecemos um

critério de comparação que contribui bastante para as análises que fundamentam esta

dissertação. Renovar dados, participar de atividades promovidas pela comunidade e aplicar

as oficinas com estudantes e educadores/as proporcionaram um convite para conhecermos

um Encontro Estadual do Movimento. Essa experiência, assim como outras, relataremos

dentro do sub-eixo Observação que apresentamos neste capítulo.

Uma explicação antes de avançarmos é necessária: ao dividirmos esse texto e

relatarmos/ explicarmos as atitudes de observar, entrevistar e participar convém esclarecer

que assim o fizemos para não perder a importância que cada um tem em sua especificidade

visto que em algumas saídas de campo realizamos os três concomitantes. O ato de observar

é o que possibilita associar com cada um dos jeitos de fazer a pesquisa, os objetivos

traçados do projeto e apontar para os resultados. Trata-se de observação participante. O ato

de entrevistar, porém ganha uma especificidade enquanto uma atitude que envolve uma

gravação em aparelho de áudio e disposição temporal e ânimo diferenciado de quem

colabora. Entrevistas, ao contrário do ato de observar, são momentos de parada do

cotidiano. É uma atitude que se diferencia do corriqueiro, afinal não é todo dia que os

sujeitos dão entrevistas para colaborar numa pesquisa. Assim, entrevista é o que mais ganha

em especificidade comparada com outras estratégias da pesquisa, porém ela se enriquece

mais se o processo de observação da realidade local se dá a contento. Com isso, queremos

reafirmar que cada etapa da pesquisa, cada estratégia se complementa com a outra. Em

nosso ponto de vista, cada uma delas por si só não desvenda o território e as ações

socioterritoriais do Movimento. Desta feita, colocar essas estratégias de pesquisa na ordem

em que estão significa de certa forma dizer que a especificidade de uma enriquece a outra,

num caminho de idas e vindas. Convém reparar que a ordem que apresentamos é a de como

as estratégias foram aparecendo nas saídas de campo. Depois de terminada as últimas

oficinas já possuíamos mais elementos para observar a realidade da escola e dos

assentamentos, já tínhamos mais elementos para enriquecer nosso questionário a ser

aplicado nas entrevistas.

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Observar

Uma primeira questão que podemos levantar nesse item é a seguinte: Quais

situações e relações observamos em nossas visitas? Esta se relaciona com a próxima: Qual

o roteiro que seguiríamos? O quê e porquê observamos? Desta maneira podemos concluir

dissertando sobre como observamos. Nenhuma destas questões pode ser respondida sem

atentarmos aos objetivos dessa pesquisa.

Fez-se necessário estipular e alcançar objetivos mais específicos durante os

caminhos da pesquisa foi importante que verificássemos os modos de funcionamento da

Escola Agrícola 25 de Maio, em seus relacionamentos com a pedagogia do MST e com a

comunidade assentada. A capacidade de comparar foi aqui importante para aprimorar o

processo de observação. Comparamos os trabalhos das pessoas envolvidas na escola com o

ano que tivemos oportunidade de trabalhar como educador na mesma instituição (1999). O

que mudou e o que permaneceu daquele ano até a primeira visita que realizamos. Um outro

aspecto que percebemos no decorrer da pesquisa, no que se refere ao quesito comparação,

diz respeito a compararmos a Escola 25 de Maio com as escolas de outro assentamento, e

também compararmos uma escola de assentamento com uma escola no assentamento.

Observamos quais os graus de alcance das atitudes pedagógicas realizadas na

Escola para propor novas territorializações e resistências aos camponeses e de como essas

atitudes propõem o novo e/ou reproduzem o velho no que tange à organização escolar.

Alguns dos frutos dessas observações se encontram no capítulo dois desta dissertação em

que apontamos os aspectos culturais tanto da formação dos educadores/as, como também

da proposta levada a efeito na escola. Espacializações e territorializações das ações

educativas assumidas pela comunidade escolar e do entorno. Cabe neste subcapítulo

demonstrarmos a importância do que realizamos enquanto Observador em festas, intervalos

das aulas, aulas práticas, reuniões de educadores (parada pedagógica ou breves reuniões no

dia-a-dia), hora do almoço, futebol, escola vazia em feriados e finais de semana, visita de

pais e outras pessoas a escola.

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Para acionar meu olhar sobre os camponeses gostaríamos de trazer uma imagem de

Martins (1986)80 que parece nos demonstrar o que se dá no cotidiano dos assentamentos.

“Por isso, a grande expansão capitalista no campo nos últimos vinte anos foi, também, a expansão de contradições, semeou a empresa, a fazenda, a grilagem, a injustiça, a brutalidade. E semeou, também, a resistência, semeou novas significações para velhos atos, novos atos e novas significações. Encheu a terra de mistério, de enigmas e, também, de desvendamentos, de descobertas. O cotidiano dos pobres da terra está sendo reinventado. A luta pela terra é um dos instrumentos dessa reinvenção, que rompe velhas relações de dominação, que questiona um direito de propriedade iníquo, que demole pactos e alianças políticas convencionados sem a participação de todos os interessados.”

De certa maneira, sabíamos que nos depararíamos com várias contradições,

mas essas em sua grande maioria frutos da resistência camponesa, advindas do processo de

luta pela terra: resignificação da Escola, da escolarização, reinvenção do cotidiano escolar,

do cotidiano de trabalho na terra. Não podemos perder de vista que os assentamentos que

circundam a Escola são frutos de um ato de coragem, as grandes ocupações de 1985. Não

podemos esquecer que quanto aos Assentamentos poucos estudiosos têm analisado como

um núcleo social de conquista da cidadania.

1.a visita

Na primeira visita no mês de março de 2002 chegamos no início das atividades

letivas da Escola Agrícola naquele ano. Quer queiramos ou não, desde que havia deixado a

escola no início de 2000, foi quase que normal efetuarmos uma comparação com o ano

letivo que trabalhamos na Escola. Novos educadores e educadoras surgiram e as crianças da

quinta série agora eram os adolescentes da oitava. Dessa maneira a observação prevaleceu

de maneira mais espontânea, sabendo de tudo isso, tendo na bagagem a experiência de um

ano na área, porém com possíveis releituras geradas por dois anos de academia. O diálogo

se estabelecia, bastava deixar que o campo pelo campo nos falasse o que acontecia, o que

estava acontecendo. O que havia mudado? O que continuava? Quais os motivos? Cabe

80 MARTINS, José de Souza. Não há terra para Plantar neste verão. O cerco das terras indígenas e das terras de trabalho no renascimento político do campo. Vozes. Petrópolis, 1986.. p. 11

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dizer que a espontaneidade assumida tinha como preocupação não fazer do olhar uma régua

e dos ouvidos uma balança:

“(...) mais do que a precisão de qualquer tipo de medição, o que importa é a pertinência das questões e das respostas formuladas na interação entre os dois pólos. Por parte do pólo investigador, a “observação” é essencialmente um questionamento.”(p. 23)

E é Chizzotti (2000, p.24) quem nos indica também que na tentativa de elaborar

um estudo sobre a sociedade de maneira crítica, capaz de reunir teoria e prática numa

perspectiva de emancipação. Seguindo nesta linha Jurgen Habermas propõe substituir a

observação pelo questionamento enquanto eixo metodológico. Porém concordamos em

parte com a proposição de Habermas, apostamos na observação em que deixamos a

realidade se apresentar a nós. Mais uma vez é bom levar em conta que já trabalhei na escola

um ano, isso cria facilidades e dificuldades. No que se refere a confiança, encontro uma

disponibilidade por parte dos colaboradores, colocam o seu cotidiano a disposição. Porem

as dificuldades, surgem enquanto vício no jeito de olhar, os mesmos podem armar modos

de apresentar a realidade “mastigada” para nós. Ao saberem que estamos ali como

observador, como pesquisador. Diante dessas preocupações podemos questionar: das ações

observadas quais iniciativas provem dos estudantes e quais são coordenadas pelos

educadores/as? A resposta a essa questão demonstra graus de liberdade para que busquem

criticidade e criatividade.

Queiramos ou não, o nosso papel agora havia mudado, éramos um olhar sobre as

atividades que realizavam. De certa maneira, o que prevalecia era um certo receio na idéia

de serem avaliados. Muitos dos educadores/as (metade do quadro) eram recém contratados

e precisamos dialogar sobre o ato de observar numa reunião com todos os educadores e

educadoras, reafirmando qual o nosso papel ali e o que pretendíamos com nossa pesquisa.

Depois da primeira ida a campo, agora poderíamos formular melhores as questões para uma

segunda ida. Saímos da primeira visita com muito entusiasmo e algumas entrevistas que

serão dispostas mais à frente. Cabe finalmente apontar que no quesito observação,

procuramos estar nos lugares: sala dos professores no horário do intervalo, sentado próximo

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às salas de aula, ou mesmo tomando chimarrão no gramado em frente à cozinha e cantina

da escola. Nestes dias demos uma volta pela área ocupada da escola, lugares em que na

maioria das vezes são poucos freqüentados.

Qualquer momento de observação, diante do método adotado faz o seguinte

movimento: observamos num primeiro instante o aparente, o vivido. Depois vamos criando

questionamentos, que podem gerar novos momentos de observação mais apurada ou

questionamentos que farão parte das entrevistas. Depois as próprias falas e a vivência nas

oficinas de diálogos geram possibilidades de observação.

2.a Visita

Uma vez constatado, em março, que a Escola Agrícola continuava dentro das

perspectivas da pedagogia do Setor de educação do MST, retornamos em Agosto de 2002 e

pudemos presenciar o início das atividades do ensino médio noturno na Escola. Tratava-se

de uma extensão de uma instituição escolar estadual da cidade de Fraiburgo. Mas diante do

fato de vários formados pela Escola, ficarem sem estudar ou irem a noite para a cidade (em

torno de 16 quilômetros) essa extensão foi considerada um avanço e fruto de uma luta que

já perdurava três anos. Pudemos constatar que fora o vislumbramento da novidade, uma

preocupação caminhou junto com a mesma: falta de educadores e educadoras, o que fez

com que essas aulas fossem distribuídas aos que já trabalham no ensino fundamental da

escola, isso acarretou um aumento da carga de trabalho e afeta a qualidade das aulas.

Passamos a ver aí uma das impossibilidades da Escola, isso acarreta duas decisões por parte

do setor de educação:

- diminuíram a idade de acesso aos cursos no Iterra em Veranópolis – SC,

possibilitando a jovens de 16 anos ou mais possam participar de seus cursos, entre

eles o de Magistério que aumenta a possibilidade desses jovens em pouco tempo

poderem atuar nas escolas de assentamento, por um lado também aumenta a

perspectiva desses jovens permanecerem no campo, pois uma atividade educacional

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em escola do Estado ou do Município é remunerada e aí temos um primeiro acesso

a renda própria.

- Por outro lado os mesmos jovens e talvez outros educadores que tiveram formação

externa as manifestações do Movimento, as Escolas que o setor de educação dialoga

e da vida de assentamento precisam ter uma formação mais constante, essa demanda

é também impulsionada tanto pelos educadores/as mais engajados ao movimento

como pelo próprio setor.

Uma das características fundamentais da Escola 25 de Maio é estar concatenada

com a pauta de atividades e jornadas de luta do MST, assim nesta mesma oportunidade

presenciei as atividades referentes ao Plebiscito em relação a ALCA. O MST e os

educadores mais engajados ao Movimento admitem que ao participarem dessas atividades

as crianças e jovens se educam. Tanto a atividade da Alca relacionada a junção de vários

movimentos, atividades ligadas a uma pauta nacional (ou no caso aqui de pauta

internacional), como criar outras, cito exemplo de manifestações de jovens e crianças na

entrada do Prédio da Prefeitura e também a de marchar na cidade para convidar os citadinos

a participarem do Grito dos Excluídos no sete de setembro, com certeza se geradas a partir

da discussão e do entendimento, do convite aberto, podem estimular um entendimento

sobre o mundo que vivem. Mas algumas dessas atividades acabam por virar apenas em

comentários dos jovens fora de sala de aula, precisavam ser incorporadas aos conteúdos, aí

teríamos um ganho político e de ensino-aprendizagem significativa. A formação do espírito

cientifico e ao mesmo ativista num protagonismo de mudança precisa adentrar as

preocupações dos educadores/as de uma escola do campo. Somente o político não pode

prevalecer. Ë função dos/as educadores/as fazer essas pontes dos conteúdos com o vivido

(mas concebido) nas atividades que podemos denominar de políticas. Não permitir que

fiquem isolados como acontecimentos que se não forem resignificados, e assim ganharem

outros olhares pela e na escola por parte dos estudantes, podem ser vistos como apenas

mais alguns acontecimentos.

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Permanecemos nessa oportunidade por seis dias convivendo com eles e realizamos

mais algumas entrevistas. A observação nestes dias prosseguiu se apoiando nas atividades

escolares e no envolvimento da comunidade assentada com a escola.

Será que no dia-a-dia duma escola de assentamento, ligada a um Movimento

Socioterritorial da amplitude do MST, teríamos uma teoria escolar própria sendo gestada?

Essa pergunta serviu como que um óculos para no ato de observar em nossa segunda visita.

Quais os limites, quais as possibilidades do fazer pedagógico nessa escola?

3.a Visita

Algo que nos chamou a atenção em dezembro de 2002 na formatura da oitava

série, foi o ato ecumênico realizado de manhã. Hoje em dia é comum a presença de muitas

igrejas pentecostais dentro dos lotes nos assentamentos. A religião católica ainda é a da

maioria dos assentados e seus familiares, mas outras religiões não podem ser

desconsideradas. O que pudemos perceber é que ao realizarem (no caso quem sugeriu foi o

Conselho de Escola) o ato ecumênico estão preservando um princípio básico do Movimento

que é a união e a solidariedade. Ao mesmo tempo se preservam enquanto integrantes do

MST, pois a mística do movimento foi a tônica do ato religioso que realizaram. As

festividades ocorreram o dia inteiro, e nessa vez o futebol (que em 1999 era o que

comandava as festas) foi deixado de lado, pois o palco com lona preta foi montado no

campo de futebol da escola em cinco dias de visita, pudemos participar dos festejos,

continuando assim o ato de observação.

4.a Visita

Em maio de 2003, ficamos na área estudada um bom número de dias e pude chegar

antes da Festa81 de 25 de Maio (comemoração sobre a Grande ocupação de 1985). Ao

81 Cabe lembrar que no capítulo 1 desta dissertação, no subcapítulo 2.a intitulado “Os sujeitos sociais do Campo Brasileiro: valores e denominações”, no item “f”, demonstramos que os camponeses podem ser entendidos enquanto tal também pelas suas manifestações culturais, geralmente com um forte conteúdo

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permanecer 12 dias, visto que tínhamos a intenção de ministrar a primeira oficina junto aos

estudantes de quinta a oitava série, pudemos também realizar entrevistas com um número

maior de colaboradores.

Como já afirmamos anteriormente, o ato de observar acompanhou todas as etapas

e estratégias de pesquisa efetivadas nas visitas a campo, desta feita nesses doze dias após

algumas entrevistas e após vivenciarmos e filmarmos as oficinas com os/as estudantes

pudemos obter muito mais elementos para analisar e propor alternativas de

ensino/aprendizagem, que num primeiro momento subsidiaram o relatório de qualificação

(defendido em outubro de 2003) e após esse as demais oficinas a que nos propusemos no

mesmo ano. Desta feita a observação participante pode ser entendida como um instrumento

de nosso protagonismo de pesquisador.

Ao realizarmos as visitas à Escola, estivemos atentos a como e ao que ocorria

na vivência escolar, tínhamos claro que esse era um ponto de partida de lançarmos

nosso olhar, as relações que ali se estabeleciam. Assim, o ato de Observar consistiu em

observação propriamente dita, quando realizei atos de apenas caminhar pela escola em

dias letivos, finais de semana, caminhar pelas estradas dos assentamentos. Observar

também consistiu em estar atento às diversas manifestações em que a escola estava

envolvida (festas, reuniões, atividades na cidade), também averiguar alguns documentos

(somente os permitidos) e publicações de pessoas do Movimento como outras pessoas.

Podemos assim atrelados aos objetivos propostos apresentar esse processo e seus

resultados em três eixos:

a) Cotidiano escolar e relação desse com os Assentamentos

religioso. Os camponeses manifestam-se através de várias festas. Podemos citar as festas juninas, a festa do Divino, e as manifestações que ocorrem em outras regiões brasileiras como as cavalhadas, bumba-meu-boi etc. . Nesta festa gostaria mos de destacar o almoço, este foi marcado pelos espetos com enormes pedaços de carne de gado e porco, vendidos por quilo. Um espeto servia a uma família de aproximadamente cinco pessoas. Depois à tarde houve bingo e finalmente à noite o ato de formatura, sucedido por baile com música ao vivo. Durante a tarde, logo após o almoço houve lançamento do painel mural de ladrilhos denominado “Terra e Vida”, mosaico elaborado por estudantes da Escola agrícola, mas confeccionado pelos arte-

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Estamos convencidos de que abarcando esses tópicos podemos revelar como

acionamos os objetivos propostos e desta maneira investigar a importância da escola e

da escolarização para a manutenção da terra conquistada. Verificar até que ponto são

eficazes os sentidos de propor o novo que as atividades didáticas-pedagógicas propostas

e levadas a efeito pelos educadores/as e educandos/as, assim como por parte

significativa da comunidade. Enfim, cabe apontar que qualquer discussão sobre o viver

local tem que levar em conta a identidade camponesa e brasileira que vem sendo

construída por esses sujeitos. Com esses três tópicos estamos aprofundando o que e

como observarmos a Escola nos trabalhos de campo realizado e ao mesmo tempo os

porquês de observamos alguns aspectos considerados relevantes e descartarmos outros.

Dessa maneira esse movimento realizado por nós no ato de observar se expressa aqui

como importante para desvendarmos o viver a partir do papel de uma escola do campo.

Pelo que já apontamos em nossos escritos até agora, podemos afirmar que o

cotidiano da escola difere de uma visão tradicional de escola, porém não deixa de ter

que vivenciar rituais de uma escola articulada por essa lógica. Vimos no primeiro

capitulo que a escola e a escolarização brasileira se apoiaram na concepção republicana

burguesa, mesmo modificando com as leis da época da ditadura militar, muitos dos

ditames seculares permanecem. Outros ditames dizem respeito a lógica industrial, a

administração fordista e taylorista adentram a lógica escolar. Interferem em vários

aspectos de sua organização interna e com a comunidade. Assim temos espaço e tempo

domesticados por sinais e repetições. Isso sem contar com a lógica da exclusão que

muitos educadores e intelectuais já denunciam em seus trabalhos. O cotidiano escolar e

a sua relação com os Assentamentos são dificilmente comparáveis a outras escolas,

apesar de ter horário normal como as urbanas. Alguns educadores/as fazem a tradicional

chamada no início da aula, os estudantes ainda ficam atentos à sineta. Podemos dizer

que existe um cotidiano que é peculiar a todas as escolas de uns tempos para cá, e a

escola agrícola corresponde a essa sugestão de lidar com o tempo e o espaço. Temos,

assim, autenticados os ritos escolares, pois se trata também de organização e disposição

educadores Dan Baron e Manuela Souza, no decorrer de dois meses. Esse mosaico foi fruto de um processo de “alfabetização cultural” promovido pelos dois arte-educadores com os/as adolescentes da Escola Agrícola.

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do relacionamento do ensino aprendizagem distribuído temporal e espacialmente. Mas o

que difere nessa escola é justamente sua capacidade também de subverter o tempo e a

espacialidade, ou seja, não cai na mesmice, na repetição, característica fundamental do

que podemos entender como cotidiano. Temos que considerar o diferencial das aulas

agrícolas, o movimento cotidiano das brigadas, as paradas pedagógicas, a pesquisa do

fim do ano.

Assim a Cepra 82 (Cooperativa de estudantes da Reforma Agrária, que organiza

as atividades de produção na escola) é ligada ao tempo de aulas agropecuárias, que foi

instalada na escola desde 1998 e já passou por diversas mudanças conseguindo dar uma

dinâmica diferente ao dia-a-dia escolar. Ela também interfere no período de aulas do quadro

normal e obrigatório: a cada semana uma brigada se incube semanalmente de apresentar

uma mística sobre tema relevante. Esse tema pode ser relacionado ao calendário dos

trabalhadores ou a algum acontecimento da pauta do Movimento. O fato que fica claro é

que os educandos/as aprendem participando e pensando a escola, o assentamento e o Brasil.

Pelo menos essa é a intenção maior da organização em brigadas, coordenam, planejam e

sugerem. Os estudantes por intermédios delas acionam atividades, depoimentos dos pais

que serão expostos mais á frente, no relato das entrevistas, autenticam essas possibilidades.

Um exemplo citado por uma mãe de estudante da oitava remete a questão da organização

do mesmo e da turma no processo de formatura. Outra atividade que organizam é a mística

semanal, isso implica em mais um desafio educativo estimulado pelos

educadores/educadoras da escola. Aqui gostaríamos de contrapor e chamar a atenção para a

dimensão de importância que ganha essa possibilidade de desafio educativo se comparada

com o que já discorremos sobre as manifestações na cidade, ou com o plebiscito da ALCA,

pois a diferença fundamental ocorre no grau de organização. Esses desafios os estudantes

assumem mais para si do que o que as demandas do movimento sugerem. Estamos

convencidos de que a ponte necessária para um processo de ensino-aprendizagem

significativo e concatenado com os ditames da pedagogia do movimento ganha corpo com

82 A Cepra já foi estudada no mestrado de Sociologia da UFSC, foi debatida em Vanderci, 2000.

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essa questão da autonomia de planejar, organizar e ativar as ações propostas e discutidas

em grupo.

A escola recebe merenda do Estado, mas é auto sustentada para o almoço, visto

que os estudantes permanecem um período por semana no horário inverso a grade

curricular normal e obrigatória. Nesse horário inverso, freqüentam de aulas de

agropecuária. Em 2002, houve redução para um período devido a dificuldades com a

produção na escola. Essas dificuldades se devem à falta de semente, maquinários

danificados e sem perspectiva de ir para a oficina, entre outros. Qual a relação com a

questão de formação de professores? Bom nesse sentido, a partir dessas observações é de

que os educadores/as não esmorecem, assumem o que Beltrame chama de consciência

orgulhosa (vide capítulo 2 desta diseertação), cada uma das dificuldades os mesmos

discutem com os estudantes e mesmo politizando a discussão em alguns momentos,

percebemos que fazem relação com os princípios filosóficos e pedagógicos do movimento.

Ou mesmo uma condição que não foi escrita até o momento, mas cabe como definição de

serem escola de assentamento, escola de movimento, escola do campo: a alegria de ser

escola. Transformar cada dificuldade num impulsionador e em ato educativo.

Continuando com nossas ponderações, e nosso olhar tempo-espacial, o quesito

da organização interna da escola abrange vários aspectos, mas o que destacamos é uma

tentativa permanente em implementar e vivenciar os pressupostos do setor de educação,

tanto no aspecto filosófico como pedagógico. A preocupação que tivemos foi num

primeiro momento que o tempo é regido conforme a maioria das escolas, já o espaço

por tratar de uma escola agrícola, consegue ser mais promissor no aspecto de propor

mudanças aos tramites do que entendemos como tradicional no que diz respeito à

escola. Quanto ao tempo, podemos notar que é o que mais liga aos ditames da Secretária

de Educação, trata-se de uma escola estadual. As aulas acontecem com tempo

determinado, a grade de disciplinas respeita os moldes legais do Estado. Mas o que

mais me chama atenção, é que nos últimos anos a participação dos estudantes tem

avançado qualitativamente. As brigadas são um fator diferencial na construção dessa

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qualidade e dessa participação dos estudantes 83. Outro quesito importante e que

descobrimos infelizmente, pelo viés da observação, na penúltima visita de trabalho de

campo foi o envolvimento com a pesquisa, cujo resultado pudemos assistir na última

visita nossa à área estudada. Sobre o potencial da espacialidade e da territorialização da

Escola Agrícola e dos sujeitos que nela convivem fizemos um enorme esforço analítico

no capitulo dois desta dissertação. Remetemos a LEFEBVRE (1999) que aponta o

espaço como produto social, assim o físico, o social e o mental se constituem e são

constituídos. Assim percepção, a prática ali realizada, a representação dos sujeitos que

ali convivem, e assim a própria vivência, concatenadas pela força da hegemonia do

Capital devem ser levadas em consideração. A economia se faz presente, mas cabe aos

educadores/as admitirem que essa lógica deva ser assumida no que concerne a estimular

os estudantes no engajamento das aprendizagens. A Escola agrícola nesse sentido faz

um contraponto significativo aos convites e imposições da lógica que prevalece na

sociedade em geral. Esse é mais um dos esforços que viemos tentando perceber nas

reflexões sobre essas visitas.

Cabe dizer finalmente que através do que observamos pudemos perceber que

na Escola o movimento do Movimento é constante. Mas o contrario também ocorre, o

movimento do Capital está presente. Questiona-se, critica-se, adotam-se tópicos do

movimento etc, também se utilizam o dispositivo da criatividade interna relacionada aos

afazeres cotidianos que geram várias das possibilidades que vimos discorrendo nesta

dissertação. No entanto convém afirmar que na escola pelo menos três movimentos se

realizam: o da escola enquanto tradição (cobranças burocráticas), as propostas e ações

que a fazem escola de assentamento e movimento socioterritorial, e concatenado a isso

várias possibilidades internas ao seu cotidiano, chamamos a atenção neste caso ao

choque entre interesses políticos e lógica de saber científico.

83 A turma da 8.a série compõe a Brigada de Cultura e comunicação e me fizeram as seguintes perguntas para o seu jornal escolar: 1 - o que acha do Governo Lula? 2 - Qual a diferença entre dar aula aqui e em São Paulo? 3 – O que acha do nosso método de ensino? 4 – Qual o motivo de tantos pesquisadores freqüentarem essa escola?

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Há muito que se realizar para que se consiga trazer conhecimentos por parte

dos pais e em se explorar o potencial do local. Se fizermos comentários sobre o

observado somente na questão curricular de maneira geral e específica no que concerne

ao ensino de Geografia, notaremos a grande distância entre o produzido nas academias e

o que acabam por fazer na escola. O que destacamos são os aspectos de um Currículo

em seus limites e possibilidades, mas nos ativemos no quesito conteúdo no que se refere

às aulas de geografia. Tivemos contato com dois educadores que ministraram a

disciplina Geografia para a 5.a a 8.a série. O que pudemos constatar a principio é que

nenhum deles formou-se nessa ciência. A Educadora que a ministra é recém formada

em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, já o educador que ministrava

essa disciplina até o final de 2002 estava cursando graduação de Ecologia numa

Universidade particular em Chapecó. Esse numa das visitas que realizei pediu uma

contribuição para melhorar suas aulas, quanto à educadora, acompanhou-nos de maneira

solícita em todas as atividades que descreveremos mais adiante referente às Oficinas,

mas a única declaração que conseguimos dela é que não gostava de Geografia.

Percebemos em suas atitudes um receio de ser avaliada enquanto educadora.

Em meio a tudo isso percebemos a existência de uma preocupação

interdisciplinar, no entanto a prática ainda é incipiente, ou seja, poucas ações são

realizadas para minimamente estabelecer um diálogo entre uma disciplina e outra.

Porém nas conversas de várias educadoras e educadores a preocupação interdisciplinar é

constante. Prevalece a preocupação conteudística, muito embora quando analisamos

documentos e planejamentos da escola o discurso interdisciplinar tem destaque. Mas

ainda encontra impedimentos numa cultura formativa que reforça o papel do/a

educador/a individualmente. As gavetas do conhecimento em que cada um desses

profissionais se instalam. Existe ainda uma preocupação que vem da cobrança dos pais

em se passar conteúdos. Uma cobrança por competência que recai sobre a ação

individual, e também no aspecto da avaliação dos serviços que presta aos filhos e filhas

da comunidade assentada. Esse impedimento diz respeito a dois fatores que estão mais

evidentes: a troca constante de educadores/as e a falta de momentos e vivências que

propiciem um educador/educadora romper com a visão tradicional das outras

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disciplinas. Porém cabe atentarmos ao que apontamos no capítulo II em que uma das

riquezas da Escola é a Territorialização promovida pelos camponeses organizados e

impulsionada pelo Movimento Socioterritorial, possibilitada através de ações

curriculares que estão sendo construídas, e nesse turbilhão analisar essas atividades em

seu papel de questionamento e transformação cultural, relacionada aos dos princípios

pedagógicos e filosóficos do MST.

O Movimento Socioterritorial em questão tem uma característica importante,

dentre tantas, em seu papel dentro da sociedade brasileira: trata-se da disputa por

palavras, no caso essas representam discursos e maneiras de pensar/agir socialmente.

Um exemplo bastante conhecido é a disputa sobre o ato que realizam ao entrar no

latifúndio, para eles denominado de ocupação e para os jornais e para a elite

denominado de invasão. Vemos essas disputas por nomes e denominações em diversos

momentos, no assentamento por exemplo os assentados denominam os dois primeiros

da região de Vitória da Conquista e Conquista da Vitória, 3enquanto o INCRA batizou-

os de Faxinal I e II. Na Escola Agrícola temos duas referências a essas disputas: uma

diz respeito a própria escola que para o Estado já não é mais Agrícola, mas que a

comunidade como um todo ainda mantém o “Agrícola”, menos por teimosia e mais por

convicção e projeto de escola. A outra referencia dia respeito a um conceito novo que

demarca uma maneira de lidar com as atividades agropecuárias, a Agroecologia. Sobre

essa relação e postura podemos destacar que a grande questão nos dias que estivemos lá

em 2003 foi se na área da escola deveria se instalar somente a prática agrícola

relacionada a essa modalidade ou se os/as estudantes deveriam também fazer um

canteiro com o manejo culturalmente criado pelos ditames da Revolução Verde.

Teríamos assim dois canteiros, um ao lado do outro experimentando a diferença que

cada um deles apresenta no manejo agrícola. Percebemos que não existe unanimidade

entre educadores e educadoras nestas preocupações, o que também se dá entre os

camponeses que tem filhos e filhas estudando na Escola Agrícola. Uma disputa a ser

travada dentro do espaço da própria escola e da escola com parte da comunidade. Ou

seja, percebemos aí que o cotidiano nos apresenta um travar de discussões e

divergências interessantes. Quando não se consegue resolver um assunto no dia-a-dia,

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geralmente a decisão deve ser travada na reunião de conselho. Mas essa questão do

canteiro agroecológico com sementes de milho crioulas foi efetivada. Os demais

cultivos ficam na esteira de serem tratados ainda com agrotóxicos. Mas dificilmente

uma queimada é realizada na área da escola. Já na vizinhança em vários lotes essa

prática é comum e podemos ver inclusive da escola o fogo prejudicando o solo.

Assim podemos perguntar: isso tudo faz dessa uma escola diferente? Diante de

tudo o que foi apontado até agora, podemos especificar que essa escola é diferente em

relação a outras escolas de assentamento por algumas ações que nela se efetivam: As

Brigadas (que formam a CEPRA), a mística (que é organizada pelos educandos e

educandas, mas é tematizada pelos educadores/as), as questões agroecológicas (que é

um princípio pedagógico específico da Escola) e a Ação de Pesquisa em duplas

(realizadas pelos educandos/as e orientadas pelos educadores/as da Escola).

Foi necessário entender como as estratégias e táticas do MST se transformam

em ações didáticas pedagógicas e possibilitam que as crianças e jovens, assim como os

educadores/as se sintam parte da territorialização e espacialização da luta pela Reforma

Agrária. Educadores/as e educandos, assim como a comunidade sabem disso, porém

existem atividades escolares que são comuns a uma tradição escolar. Essa tradição por

sua vez reproduz e ensina atitudes que não condizem com o almejado pelas

preocupações do movimento, da luta pela conquista e manutenção na terra de trabalho.

No que diz respeito as podemos fazer apenas um caminho com exemplo:

encaminhamento de um cartaz que demonstra os princípios da luta pela terra (como

chegou ali, onde foi criado, qual a gênese desse cartaz?) 84, educadores assumem e

implementam no dia-a-dia, isso possibilita essas discussões que apresentamos, ou seja,

o movimento do movimento que fortalece, cria reflexões, gera disputas internas que

reavivam o político. Assim, a grande provocação que o Movimento apresenta à

84 O cartaz em questão é apresentado pelo MST em dois tamanhos, um grande e um bem pequeno (menor que uma folha de caderno). Nos anexos apresentamos uma fotocópia do menor.

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sociedade brasileira se apresenta no cotidiano escolar, sugere o novo no questionamento

sobre o velho esse é o grande diferencial de uma escola relacionada ao Movimento.

b) Relação Escola - Setor de Educação – MST

Dessa maneira, a relação Escola Agrícola - Setor de Educação do MST

constatamos que vai além de um envio de cartilhas. Alguns dos educadores da Escola

cursaram o Magistério e fazem Curso Superior (Pedagogia da Terra) no Instituto

Técnico da Reforma Agrária Josué de Castro (Veranópolis - RS), que existe desde 1995.

Fazem cursos de formação política (setor de educação, comunicação e meio ambiente

como exemplos) em Caçador, em São Paulo e em Brasília – DF. No ano de 2003, a

Escola Nacional de Caçador foi desativada e em Guararema, um município de São

Paulo, a Escola Nacional Florestan Fernandes assumiu o papel de centralizar esses

cursos. Essa Escola está em fase de conclusão.

Na Escola Agrícola, além dos estudantes do Iterra, que ali atuam como

educadores/as, pudemos perceber em nossas observações que a memória da luta se

espacializa e se territorializa na Escola, seja através das místicas ou através de um

monumento que foi concluído em 1999 e todo ano é adotado por uma turma de

estudantes. Trata-se de um monumento com dezenove pés de araucária plantados

representando um esboço do formato do território brasileiro, remonta aos dezenove

mortos do Massacre de Eldorado do Carajás no Estado do Pará.

Sobre as místicas, pudemos notar no mural da secretaria um comunicado

proveniente de articulação Cepra e direção da Escola sobre uma orientação para

apresentação das místicas. Corriam os meses de maio e junho e neste papel ali fixado

indicavam o tema, qual brigada por serie seria responsável por organizar e apresentar a

mesma. Os temas ali dispostos, num total de quatorze são os seguintes: Congresso

Nacional, Lei de Abolição da escravatura, 19 mortos de Eldorado de Carajás, Roseli

Nunes, dia das mulheres, Che, Festa junina, Dia do Meio Ambiente, Revolta dos

Balaios, Sepé Tiaraju, Bandeira do Movimento, Paulo Freire, Dia Internacional do

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Cooperativismo. Podemos perceber então que os temas giram em torno de datas

significativas destacadas do calendário da luta dos trabalhadores e dos camponeses e de

personagens e lutas históricas relacionadas a terra, a educação. Durante uma entrevista

com um dos assentados interrompemos a mesma para assistir e participar de uma delas.

c) Documentações, reportagens e artigos que envolvam a escola e a luta pela terra

pelos sujeitos assentados naquela região.

Ao nos debruçarmos sobre as documentações, reportagens e artigos que envolvem

a escola, pudemos descobrir a gênese da escola e a autenticação das atividades ali levadas a

efeito. Tratamos de ler e recolher tanto produto de pesquisas como material produzido por

eles, quantos jornais e revistas que falassem da experiência da escola em questão.

Constatamos tanto reportagens favoráveis (num sentido de demonstrar o que de fato ali

acontece e respeitando as declarações dos entrevistados) como também desfavoráveis

(repórteres que visitam a escola e deturpam principalmente as falas). Essas reportagens

foram tanto em revistas de alcance nacional e em jornais de cunho regional (mais

favoráveis) 85. A documentação da Escola (ofícios, memorandos, formulários) referente

mais à quantidade de estudantes e quantos abandonaram a escola nestes anos letivos que ali

estivemos em visita. Percebemos que poucos desistem, geralmente os que se encontram em

idade mais avançada para as séries que cursam, pois precisam trabalhar nas colheitas e

plantios. Quanto aos artigos que envolvam a escola e a luta pela terra pelos sujeitos

assentados naquela região geralmente são provenientes de pesquisas realizadas a partir da

escola e que acabam ou se transformando em artigos de livros ou mesmo em livros. Além

dos artigos, também tivemos acesso aos estudos que não foram publicados, pois todos que

ali foram fazer seus trabalhos de pesquisa deixam um exemplar pronto na Biblioteca da

Escola.

As informações colhidas foram usadas como dados auxiliares ao longo do

trabalho, contribuíram para elaborarmos principalmente algumas questões das entrevistas.

85 Constatamos três em caráter nacional: Veja, isto é e Caros amigos. Fora essas três constam em jornais de igrejas, etc

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Grande parte dos documentos que foram importantes para essa pesquisa buscamos na

Secretaria da Escola, não precisamos ir a Secretaria Estadual em Florianópolis ou em

Chapecó (Secretaria Regional de Educação), pois todos os documentos importantes foram

fotocopiados ou possuem duas vias e estão arquivados na escola.

Cabe agora relatarmos uma curiosidade que percebemos lendo alguns formulários

e solicitações: trata-se da mudança dos carimbos da Escola nas cartas e atestados. Através

dessas mudanças podemos verificar a troca de diretores e a razão educacional da Escola

decorrente de alterações nas leis. No mais recente carimbo se constata a retirada do título de

agrícola da Escola (desde o Governo Collor elas foram extintas, mas o MST e a

comunidade ainda insistem em tratá-la como uma escola agrícola) que transforma a escola

em uma unidade de ensino de educação fundamental.

E.E.F. 25 DE MAIO

CÓDIGO 763001093630 PARECER N. O 475/89

ENTIDADE MANTENEDORA / ESTADO SED-SC

LOCAL: Assentamento Vitória da Conquista - FRAIBURGO – SC

Naira Estela Roesler Mohr - Diretora da UE

Nestes quinze anos de existência da Escola, após dez formaturas de oitava série a

escola já contou com seis diretores diferentes. Um estudante formado na primeira turma

hoje é um educador da escola. Desde 1989 sempre esteve localizada ali mesmo no

assentamento Vitória da Conquista ou Faxinal I para o Incra. Hoje o município financia o

transporte de estudantes, as estradas de terra ficam intransitáveis nos dias em que chove

muito para as kombis e microônibus que realizam essas atividades. A mantenedora foi

desde sempre também a Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina.

Na Secretaria da Escola existe uma pasta verde, cujo título é o seguinte:

Monografias/Projetos sobre a Escola Agrícola. Ou seja, nesta pasta são arquivados todos

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os estudos realizados a partir da Escola por estudantes das Academias em trabalhos de

conclusões de cursos, especializações e mestrados. Também neste arquivo encontramos

projetos dos/as educadores/as da própria escola referentes a alterações e encaminhamentos

sobre disciplinas e ações curriculares. Assim podemos citar alguns: um estudo sobre a

mística dos Sem Terra realizado na região, um de observação que depois viraria de ação

pedagógica, um da recepção dos educadores sobre recursos Audiovisuais, dissertação de

Mestrado da Educação da UFSC.

Cabe finalmente apontar que quando estivemos nas famílias também pudemos

fazer observações a respeito de alguns aspectos da vida nos assentamentos; como se

inseriram na luta pela terra; contribuição nos afazeres dos lotes. Cada assentamento possui

uma especificidade, o que enriquece as possibilidades do currículo escolar. As diferentes

atividades com que nos envolvemos com os assentados como cortar alho, comer doces,

beber cafés diferentes, comer queijos etc. Também me mostraram fotos dos tempos de

acampamento e dos primeiros dias nos assentamentos. Ou seja, ainda que ali estivéssemos

escutando e vendo a vida deles acontecendo, muito dos nossos olhares e atenções foram

pautados pelo que tínhamos lido na universidade, os aspectos sócio-culturais 86 que definem

o sujeito camponês acabaram por guiar algumas de nossas incursões que realizamos nos

trabalhos de campo. E de fato alguns desses aspectos são bem demarcados nas relações nos

assentamentos visitados.

5.a Visita

Nesta visita, que ocorreu em novembro de 2003, logo após nosso Exame de

Qualificação do Mestrado, fomos pegos de surpresa com as atividades que ocorriam na

Escola. Estudantes realizavam a chamada pesquisa de fim de ano. Durante os dez dias que

lá estivemos tivemos que nos adequar a esses acontecimentos, realizando mais algumas

entrevistas. O que gerou um espaço menor para entrevistar os demais educadores e

educadoras, visto que estavam bem atarefados. De fato, a Segunda Oficina com as quatro

86 Já trabalhamos com esses aspectos socioculturais no capitulo 1 desta dissertação (pág. XX), sempre retornamos a esses aspectos que para nos pesquisadores da questão agrária brasileira são importantes devido a colaborarem no entendimento e caracterização dos sujeitos camponeses.

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séries também tiveram seu tempo reduzido. Outro fator que atravancou a disposição de

estudantes e fez com que tivéssemos que esperar foi a época chuvosa que aquela região

atravessava. Basta chover e as estradas ficam intransitáveis, o que dificulta o transporte

escolar e por sua vez a possibilidade dos estudantes freqüentarem as atividades na Escola.

Isso possibilitou que fossemos visitar outra escola “de assentamento” (ensino médio) e

mais duas escolas “no assentamento” localizadas no Município de Abelardo Luz no Estado

de Santa Catarina. Nestes assentamentos apenas travamos diálogos com lideranças,

educadoras, educadores e os educandos e educandas da região. Tivemos assim mais uma

possibilidade de comparação aberta com essa visita a assentamentos de outro município.

6.a Visita

Voltamos à área de pesquisa em meados de Dezembro de 2003, após participarmos

em São Paulo do Seminário da Pós Graduação em Geografia do Departamento ao qual

somos matriculados e efetuamos esse mestrado. Neste retorno e prontos para a última visita

de campo, participamos da apresentação do Seminário de Pesquisa dos estudantes da sétima

e oitava série, a chamada pesquisa de fim de ano, e que na verdade toma conta de boa parte

do segundo semestre. Permanecemos mais quinze dias entre os assentamentos dos

Municípios de Fraiburgo e Abelardo Luz. Além desse seminário apresentando pelos

estudantes, participamos do Encontro Estadual do MST num assentamento em Abelardo

Luz - SC. Na escola Agrícola, participamos da reunião pedagógica de encerramento do

Ano letivo e realizamos as oficinas com os educadores/as.

Sobre a reunião pedagógica o que mais cabe dizer é de que a tentativa de boa parte

dos educadores e educadoras e criar uma idéia de conjunto

Sobre a apresentação dos estudantes da 7.a e 8.a série, cabe relatar e discorrer

sobre os seguintes aspectos: temas, qualidade da apresentação (quais temas foram mais

discutidos), grau de envolvimento e importância para as atividades didáticas pedagógicas

da Escola.

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Lista de temas apresentados pelas duplas:

A seguir apresentamos alguns dos temas que as duplas de estudantes da sétima e

oitava série apresentaram no seminário de final de ano:

- Artesanato da região;

- Transportes de carro de bois;

- Como vivem os ex-estudantes da Escola Agrícola;

- Suinocultura: criação de suínos; carne e banha.

- O que pensam da Escola os pais que não tem filhos e filhas matriculados na Escola?

- O trabalho na Escola Agrícola.

- Adubação verde: plantas e cobertura dos solos

- Algumas videiras nos assentamentos da região (conscientizar e aprender o manejo)

- Álcool e fumo: doenças.

- Apicultura: seu histórico e seus produtos.

- Tratamento de animais: amansamento e adestramento.

- Empresas Transgênicas.

- Rotação de Cultura, a adubação verde.

- Teatro, na escola, na região.

- Festas populares.

- A caminhada do MST.

- Água, problemas recentes e futuros.

Separamos nossa análise sobre essa atividade em três tópicos avaliativos: aspectos

interessantes, aspectos a serem melhorados e sugestões para a atividade no próximo ano.

Como pudemos participar e observar apenas na última visita de campo, os questionamentos

servem apenas como reflexões sobre a realidade vivenciada, visto que não pudemos voltar

para efetuá-las e obter algumas respostas.

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a) Aspectos interessantes:

- Alguns temas chamaram a atenção de todos os participantes, aliás um

aspecto muito interessante é unir as duas séries para uma única tarde de

apresentação (quem precisar se ausentar depois vai apresentar para os

educadores e educadoras e quais estudantes estiverem presentes num outro

dia). Mas outro aspecto que mais me chamou a atenção foi a presença de

todas as séries, tanto os que apresentaram como os que foram para assistir e

perguntar.

- Muitos dos educandos usaram metodologias de pesquisa, expuseram as

dificuldades e as possibilidades de lidar com as mesmas. Não se tratou

meramente de repassar a informação mas de apontar e explicar como se

interessaram pelo tema, e como fizeram a busca das informações.

b) Aspectos a serem melhorados:

- Nem todos os educadores permaneceram na sala, o que pode sugerir que o

mesmo está desprestigiando o evento. Alguns não vieram trabalhar no dia.

Será que todos os educadores estão convencidos que este processo de

pesquisa é importante para a formação dos estudantes?

- Seria interessante rever a maneira de apresentar, pois muitos dos estudantes

sentem muita insegurança no momento de apresentar. Isso evidencia uma

característica da escola tradicional, a relação com métodos avaliativos.

- Valorizar mais a apresentação com a presença de pais e mães.

- Algumas falas e declarações acerca de opiniões sobre o assunto pesquisado

não são problematizadas pelos educadores presentes.

- Alguns integrantes da APP também poderiam participar.

c) Sugestões para a atividade no próximo ano:

A diretora acompanhou todos os trabalhos, ponderou que algumas mudanças

são necessárias para qualificar esse processo:

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Poucos apresentadores de trabalhos destacam a bibliografia; muitos estudantes

apresentam o trabalho em voz baixa, isso gera pouco envolvimento dos estudantes

presentes na sala, e também comenta que alguém deixam para montar a apresentação

nos dias vigentes:

- diante dessas ponderações a primeira questão que levantamos é : qual o

papel do orientador?

- Criar alguma ligação com as disciplinas cursadas na Escola, essa relação não

ficou explícita. Sabemos que muitos dos temas fazem parte das

preocupações das aulas práticas.

- Criar um processo anterior de qualificação das pesquisas, comunicar a uma

banca de três professores, pois isso enriquece o processo, tanto no aspecto

do estudante rever algumas metodologias, como a possibilidade outros

educadores/as colaborarem no processo de orientação. A chamada

qualificação contribui no sentido de tirar o ato de pesquisar do isolamento e

possibilita ligar a um projeto político pedagógico com amplitude escolar e

comunitário. Sem contar que favorece a qualidade das apresentações,

reforçando o aspecto de importância do tema, do trabalho realizado pelos

estudantes, o que facilita a segurança no ato de defesa e apresentação final.

- Selecionar um dia para um encontro em conjunto das duplas, pelo menos em

suas turmas, para que um auxilie o trabalho alheio em mapas, gráficos etc.

- Homogeneizar os instrumentos de apresentação, mas de certa maneira

apenas num aspecto mínimo, deixando em aberto outras possibilidades que

estimulem a criatividade do grupo no momento de defesa do trabalho.

E para encerrarmos essa seção, comentaremos sobre o XIX Encontro Estadual do

MST / SC no qual pudemos observar, concatenando com os objetivos desta pesquisa, a

participação de muitos ex-estudantes da Escola Agrícola que hoje atuam no setor de

educação do Movimento. Três que encontramos estudam no Iterra em Veranópolis – RS,

cursando ou em fase de conclusão do curso de Magistério – Ensino Médio, uma estudante

atua na chamada Ciranda Infantil coordenando as atividades de educação infantil, cuidando

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das crianças até 10 anos enquanto os pais participam das atividades do Encontro.

Constatamos que a rede de formação de educadores e educadoras conta com ex-estudantes

da Escola Agrícola e portanto essa interage com a continuidade do projeto de educação do

campo.

Entrevistar

Outra estratégia de que nos valemos para a obtenção de informações e assim

atingir nossos objetivos nesta pesquisa foi realizar entrevistas junto aos assentados,

educadores/as ligados ao Movimento Socioterritorial relacionados ao universo delimitado

(A escola – os Assentamentos) e também ao Setor no Estado e Nacional. As histórias de

vida e de história orais demarcam muitos dos aspectos metodológicos contidos no ato de

entrevistar. Cabe apontarmos o que HAGUETTE (1992) nos coloca ao relatar que a técnica

da história de vida sugere maior possibilidade de obtermos informações relacionadas aos

nossos estudos já que ela corresponde “… mais aos propósitos do pesquisador que do

autor e está preocupada com a fidelidade das experiências e interpretações do autor sobre

seu mundo”. Ao definirmos previamente os objetivos da entrevista, esta por sua vez está

atrelada ao objetivo maior que é proporcionar aos colaboradores que realmente apontem e

demonstrem qual a importância da escola e da escolarização para a luta pela terra neste

momento de suas vidas. Mesmo que os objetivos estejam basicamente definidos a priori

pelo pesquisador, o que levará com que os resultados da pesquisa sejam apresentados na

maior parte a partir de suas ponderações, “… ele enfatiza o valor da perspectiva do ator

por aceitar que a compreensão do comportamento de alguém só é possível quando este

comportamento é visto sob o ponto de vista do ator” (HAGUETTE, 1992). Nossa grande

tentativa foi a de criar a possibilidade de realizar um ato de entrevistar (e depois de

sistematizar) em que as falas dos colaboradores/as possam se expressar por si só. Por isso

ao final dessa dissertação apresentamos essas colaborações na íntegra.

Como nessa parte a nossa intenção é de sistematizar os depoimentos e entrevistas,

fomos delineando alguns temas e assuntos para essa apresentação, desta forma

apresentamos os dizeres destacando temas que revelam sobre a relação entre Escola -

Assentamento - Movimento, como pensam as Brigadas estudantis, a comparação entre o

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conteúdo ensinado no ITERRA em Veranópolis - RS e o já cursado na Escola assim como

as percebem as relações entre os cursos de Veranópolis - RS e Escola Agrícola. Como

consideram o motivo de ter escola do MST, comentários sobre tempo escola – tempo

comunidade, quais as atividades que qualificam Escolas do MST, se conhecem as

diferenças entre escola do e no Assentamento, considerações sobre a importância da Escola

para o MST e para o Assentamento, quais as possíveis relações com as Escolas da área

urbana da cidade, diferença entre trabalhar com pais e com os estudantes em relação a

discutir Agroecologia, e finalmente o que é a escola para os Assentados e quais as

dificuldades de relacionamento dos Pais dos estudantes com a Escola. Enfim após muitas

conversas e recolhimento desses diálogos podemos traçar um breve perfil do que é ser

educador/a do MST, bem como ser educanda/o.

A partir da visualização do Quadro das etapas das saídas de campo, nos anexos,

podemos perceber um encaminhamento que vai de explorar o vivido de maneira geral da

comunidade (pela comunidade e em sua relação com a escola). O que já descrevemos nas

páginas anteriores, avançando para a fase que aplicamos às primeiras entrevistas nas quais

vamos identificando outras necessidades, essas por sua vez contribuíram e possibilitaram a

elaboração de uma estratégia educativa, as vivências sugeridas e proporcionadas por nós (e

em alguns temas por eles) nas oficinas de diálogo. Porém nessa parte estaremos

sistematizando as entrevistas. Convém lembrar que as entrevistas estão apresentadas na

íntegra nos anexos dessa dissertação.

A primeira questão para localizarmos o papel das entrevistas nesta pesquisa é

a seguinte: quando essas ocorreram? Ao observar o quadro já citado no parágrafo anterior

essa questão pode começar a ser respondida. Nele perceberemos que as entrevistas

ocorreram após algumas visitas e que também as entrevistas não se deram em todas as

etapas. O caráter das primeiras entrevistas era mais de tatear, tiveram um caráter mais

exploratório. Necessitamos de um tempo maior para amadurecer as relações com as pessoas

(educadores/as e estudantes) na Escola que visitamos. Um segundo questionamento é se as

entrevistas tiveram as mesmas perguntas a todos/todas os colaboradores/as. Optamos por

não ter um questionário único, pois essas questões foram elaboradas de acordo com as

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necessidades ou mudanças de estratégias proporcionadas pelo ato de observar e pelas

entrevistas posteriores. Assim criamos um roteiro para cada um dos segmentos: estudantes,

assentados/as, educadores/as. Essa maneira no ato de realizar entrevistas abertas permite

com que possamos deter uma visão mais geral sobre os acontecimentos que ali se deram, ou

estão ocorrendo. Desta forma, as entrevistas que aconteceram após as primeiras oficinas

possuíram outra conotação. As oficinas colocaram novas dúvidas, e assim novas

necessidades para desvendarmos a importância da Escola para a luta pela terra de trabalho.

Um aspecto que chamamos a atenção é sobre o papel dos colaboradores, seu grau de

inserção no Movimento. Assim, uma liderança requer que façamos perguntas específicas

devido ao grau de visão e envolvimento que tem do processo de formação do assentamento

e das escolas, essa diferença fica nítida nas falas. Outro exemplo é entrevistar um/a

educador/a mais engajado e outro/a com menos engajamento. O/a educador/a menos

engajado/a é alguém que ainda está quebrando o preconceito do Movimento, assim também

a entrevista ganha aspectos diferenciados quando conversamos com um/a colaborador/a que

mora no assentamento e outra/o que mora na sede do município, ou até em outro município

(tivemos um caso com essa condição).

As entrevistas com diferentes sujeitos, num total de quatorze momentos

(pois em alguns casos entrevistamos pai e mãe de estudantes em conjunto) possibilitaram

que alcançássemos objetivos mais específicos, o que permitiu analisarmos qual a

importância que os mesmos possuem (os diferentes pontos de vista) sobre a Escola e o

processo de escolarização que têm os camponeses assentados no município de Fraiburgo/

SC.

Obviamente que se adotamos uma postura qualitativa, essa também está presente

em quem será colaborador nesta etapa da pesquisa,

“… a escolha dos entrevistados não pode ser aleatória, ou seja, não pode obedecer aos parâmetros da amostragem probabilística. Embora a montagem do universo - listagem dos atores que poderão fornecer contribuições úteis ao desvelamento de certo tema - seja fundamental, sempre existem alguns personagens cuja contribuição é

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imprescindível, daí por que sua inclusão na lista de entrevistados é intencional”.(HAGUETTE, 1992: 96

Tínhamos por objetivo realizar entrevistas com todos as/os docentes da

Escola. Nossa finalidade era de obter informações sobre metodologias de ensino,

condições de trabalho, relação do Movimento com a unidade, papel da Secretaria

Estadual, dificuldades de ensino-aprendizagem. Além deles e delas também

realizamos entrevistas com estudantes e com pai e mães de alguns estudantes.

Convidei a todos os educadores/as para a entrevista mas nem todos os educadores/as

puderam colaborar. Pretendíamos entrevistar todos os que ali trabalham, mas não

tivemos êxito, devido às atribulações e choques de horários.

Quanto aos familiares dos educandos/as foram escolhidos pelos seguintes fatores:

participaram das grandes ocupações iniciais em Abelardo Luz, em 1985, e foram

assentados desde o início nos assentamentos do entorno; possuem filhos que estudam ou

estudaram na Escola Agrícola; se consideram integrantes do Movimento; participam dentro

do possível das atividades propostas pela coordenação escolar.

Alguns docentes (hoje alguns ex-docentes nessa escola) entrevistados eram

moradores na região dos assentamentos de Fraiburgo, apenas uma era moradora em

Fraiburgo e outra morava à época em Vinhedo, município próximo. Das quatorze

entrevistas, sete realizamos nas residências das pessoas, outras sete nas dependências da

escola. As entrevistas com duas dirigentes do Movimento, do setor educacional (assessora

pedagógica) foram realizadas por correio eletrônico e por telefone87.

Ao todo, tivemos a colaboração de dezessete entrevistados, completando

aproximadamente vinte e cinco horas de gravação. Seguimos um roteiro com perguntas

chave, compondo um questionário aberto. Um instrumento com essa característica pode

contribuir para ampliar o leque de questões e respeitar a especificidade de cada

87 Antes de encerrar os detalhes dessa dissertação recebemos via correio eletrônico uma ultima entrevista com o setor nacional de educação do MST. Algumas informações ali transmitidas são importantes para pensarmos a educação do campo em sua territorialização.

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colaborador. Todas as informações colhidas ao longo do trabalho de campo foram

importantes para o desenvolvimento de nosso trabalho. Para ilustrar cabe lembrar de um

depoimento de uma assentada relatou sobre o tempo de acampamento. Às vezes uma

conversa sem compromisso revela mais que a entrevista formal 88, desta forma aqui se

percebe o papel de conjunto da observação com a entrevista. Uma simples conversa

também pode, dependendo da relação pesquisador / colaborador, atravancar as

respostas, travar o processo. Os colaboradores podem revelar idéias não somente no

que dizem mas também no que podemos perceber nos gestos e nas entrelinhas dos

depoimentos.

O que nos ocupa aqui enquanto tema específico é a contribuição da Proposta de

Educação do Movimento na territorialização e espacialização do MST. Tratamos da

construção de mediações políticas e pedagógicas ao longo da trajetória de implantação e

desenvolvimento no universo do ensino oficial numa das Escolas dos assentamentos de

Fraiburgo - SC. Por esse motivo, a escolha dos colaboradores nas etapas do trabalho de

campo obedeceu aos critérios definidos pelos objetivos da pesquisa, assim procurei um

morador de cada assentamento, geralmente pais de estudantes da Escola.

Optei por não indicar nome dos entrevistados/as, visto que não tinha como voltar e

reler com cada um/a deles/as o material transcrito das gravações. Indico apenas a relação

que cada um dos colaboradores estabelece com a Escola Agrícola. Se realizasse esse

retorno o trabalho seria maior, teria que ler com eles/elas para averiguar se o que

expressaram estava a contento, em nosso ponto de vista isso prejudicaria a realização das

oficinas de diálogo com estudantes e educadores/as. Desta maneira, sem identificar os

colaboradores/as, mantivemos a transcrição tentando respeitar ao máximo as características

da oralidade. O que é comum no momento de transcrever as fitas gravadas também pode

ser o não entendimento de alguns trechos, neste caso deixamos em branco e com pontos de

interrogação. O importante nestas colaborações são alguns temas que fluem e despontam

das falas transcritas, verificaremos os vários conteúdos que os dizeres desses sujeitos

88 Verificar página 44 cap.1 desta dissertação.

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apontam e que podem gerar explicações ou mais controvérsias e dúvidas sobre aspectos da

luta pela terra.

Para termos uma certa segurança no ato de entrevistar, fizemo-nos a seguinte

pergunta: O que podemos aprender com os assentados?

Desta forma sugerimos um roteiro que, como já dissemos, serviu apenas para

dar apoio, visto que nossa postura era de realizar entrevistas abertas.

O questionário que utilizamos juntos aos assentados, pais de estudantes da

Escola agrícola foi o seguinte:

Quantos anos moram no assentamento?

Qual a importância de uma escola no assentamento?

Até que série estudou?

Qual a importância da Escola Agrícola para as famílias assentadas?

Sobre a Escola: o que precisa melhorar, o que tem de bom?

Com qual freqüência vai até a Escola?

Participa dos Mutirões de plantio e colheita na Escola?

Como e qual período esses mutirões ocorrem ?

Quanto ao lote em que estão assentados:

O que produzem?

As ações da Escola contribuem na produção?

De que maneira isso se dá?

Como tem vivido nestes anos de assentamento?

Na relação com os colaboradores/as realizei questões para que me apontassem

como vislumbram os assentamentos como novos “lugares sociais”, se o tem como um

núcleo social de conquista da cidadania, relacionado a uma conquista de classe.

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Já em relação aos educadores/as cabe apontar que consideramos tanto os

professores/as como as funcionárias. Nos anos que realizamos as atividades de Trabalho

de Campo convivemos com educadores/as (professores/as) que moravam na área urbana

do município de Fraiburgo e uma delas que morava no município de Videira, e que

comparecia a Escola apenas nas Sextas feiras para ministrar aulas de Língua

Portuguesa. Duas professoras recém formadas que saíram de Florianópolis no início do

ano de 2003 e que moravam numa residência no terreno da escola, temos também mais

dois casais de educadores que moram na área da Escola. As funcionárias que trabalham

na limpeza e na cozinha são assentadas e moram aproximadamente de dois a três

quilômetros da área freqüentável da Escola.

Para esses colaboradores, devido a essas especificidades partimos mais para um

roteiro estratégico que um questionário. O que saber desses educadores/as? Em primeiro

lugar, como cada um tem uma procedência, tentamos captar a visão que cada um tem da

escola levando em conta essas diferenças. Separamos as entrevistas levando em conta os

professores/as mais engajados/as e os menos engajados/as. Essa diferença apóia-se na

elaboração de Beltrame (2001), na qual já nos apoiamos anteriormente na discussão

apresentada no capítulo II dessa dissertação, que diz respeito sobre o diferencial dos

professores que moram no terreno da escola, nos assentamentos próximos e os que vão

à sede do município e até a outros municípios. Perguntamos-nos se é necessariamente

preciso morar na área da Escola para ser mais engajado? Essa lógica não demonstra

uma visão ingênua sobre o papel do educador? Será que morar na área da Escola é

condição para ser mais engajado? Mas nos apoiamos na diferença somente enquanto

diferença e não desigualdade. Morar e viver a Escola mais intensamente com certeza

traz uma diferença no olhar sobre a Escola.

Desta maneira o roteiro que utilizamos junto aos educadores/as apresentamos a

seguir:

Qual a visão e o envolvimento que possuem com o MST?

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Também pedimos que comentassem sobre a importância do MST para o Brasil e sobre

os cursos de formação do MST.

Como vinculam a discussão do Setor de Educação com os valores camponeses e com o

cotidiano da Escola?

Podemos afirmar que os momentos de colaboração dos envolvidos de uma forma

ou outra com a Escola e os Assentamentos nos fez perceber o grau de importância do

material recolhido. Queremos divulgá-lo, e para tanto escolhemos duas formas, anexos e

sistematização. O que objetivamos com o mosaico apresentado a seguir tem relação com o

que expusemos anteriormente, promovendo um diálogo entre a vida na Reforma Agrária e

o fruto desta pesquisa: a dissertação.

Mosaico de falas: sistematizando as entrevistas

“Daí a importância de ouvir o campesinato. É evidente que ouvir o campesinato não quer dizer, simplisticamente, partir do próprio discurso dos “agentes sociais”. Quer dizer isso e muito mais. Quer dizer que é preciso mobilizar recursos teóricos que permitam decifrar a fala do camponês, especialmente a fala coletiva do gesto, da ação, da luta camponesa. É preciso captar o sentido dessa fala, ao invés de imputar-lhe sentido, ao invés de desdenhá-la. E isso somente será possível se entendermos que a resistência do camponês não expressa o seu sentido num universo particular e isolado, camponês; que a resistência do camponês à expropriação do capital, vem do próprio capitalismo”. (Martins, 1980)

As duas salas de aula construídas pela Secretaria de Educação do Estado de

Santa Catarina em 1989 89 da Escola Ensino Fundamental 25 de maio possuem, cada

uma, em suas parede frontal uma obra de arte-educação realizada a partir de um

trabalho de vivência com a comunidade. Esses dois trabalhos foram coordenados e

efetivados por Dan Baron e Manuela Souza. Um deles é um mural pintado intitulado

89 Geralmente para as aulas práticas ou mesmo para outras atividades, galpões e outros espaços cobertos acabam por serem adaptados enquanto sala de aula.

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Cidade e Campo90 (foto da capa deste trabalho) de 1999 e o outro um Mosaico realizado

em 2002, cuja inauguração pudemos presenciar na formatura daquele ano. Podemos

nos apoiar neste mosaico que existe na escola para apontar trechos de algumas falas.

Através dos recortes nas entrevistas revelaremos alguns depoimentos com diferentes

pontos de vista das lutas e vivências, assim como esperanças que se apresentam gerais e

específicas através desses “cacos”. Aos poucos, porém, tais “cacos” formam em

conjunto um todo dos acontecimentos e das vivências. Pretendemos que formem e

apresentem o estado de arte da relação Escola - Assentamentos - Setor de Educação do

MST.

Preparamos assim um mosaico de vozes: apresentando alguns trechos que

consideramos relevantes nas entrevistas, realizando um comentário analítico ao final. Nem

desdenhamos, nem imputamos sentido, apenas trouxemos à colaboração dos camponeses e

camponesas, educadores e educadoras da Reforma Agrária. Para definir e diferenciar essas

falas dos colaboradores/as apresentamos abaixo um código de letras91 e a relação que

estabelecem com a Escola Agrícola. Para que os leitores e as leitoras possam entender

como realizamos esse mosaico de falas e momentos das entrevistas vamos identificar

apenas a função e a relação que o colaborador possui (ou possuía) com a escola ou com o

setor de educação do MST. Assim temos:

Ca – ex-estudante da Escola, participou ativamente da discussão e implantação das

brigadas em 1998, atualmente é um Educador da Reforma Agrária em formação.

Cb – educadora – professora / mora no assentamento.

Cd – educadora – professora que mora próximo a Escola.

90 O arte educador do País de Gales, Dan Baron, narra e comenta analiticamente essa experiência do mosaico “Terra e vida” no livro Alfabetização cultural, 2004, Ed. Alfarrábio, SP. 91 Para facilitar a apresentação dos colaboradores e colaboradoras definimos os códigos apresentando o seguinte esquema: Colaborador “a” – abreviatura (código) = Ca; Colaborador “b” – Cb, e assim por diante. Apresentando o código, o que segue é a relação que cada um dos colaboradores/as estabelecem com a Escola.

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Ce – professora - educadora, mora em outro município e vem uma vez por semana atua na

Escola).

Cf e Cg – pai e mãe de três estudantes da escola agrícola. São assentados no Vitória da

Conquista.

Ch – assentado, pai de ex – estudantes da Escola e que atualmente prosseguem os estudos

pelo Iterra – Veranópolis /RS. Este assentado é uma das lideranças desde os tempos de

acampamento. Mora no Assentamento União da Vitória.

Ci – educadora e secretaria da Escola - professora. Mora na sede do município.

Cj – Pai de um estudante. Liderança desde a época dos grandes acampamentos.

CL – educador – professor da área agrícola.

CM – educador – professor da área agrícola.

CN e CO – Assentados, pai e mãe de um estudante e de educadores.

CP – Assentado. Ex – educador. Pai de estudantes.

CQ – Assentado. Pai de estudantes. Ex-presidente do conselho.

CR – Assentado. Pai de estudantes. Mora no assentamento Contestado.

CZ – pai de estudante, assentado no Chico Mendes, participa da Associação de Pais e

Professores (APP).

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Muitos dos temas que apresentamos a seguir estão relacionados ao que já

citamos no último parágrafo do item observação desse capítulo, ou seja, os aspectos

sócio culturais que contribuem com que definamos o sujeito camponês. Para vários dos

assentados e assentadas a última pergunta que fizemos foi sobre o que consideravam

como liberdade, e qual importância davam a mesma. Nesse exercício aqui apresentado

para sistematizar as entrevistas finalizamos apresentando as falas acerca desse tema.

Assim, sistematizamos as falas, selecionamos momentos das entrevistas,

recortamos e fomos costurando por entre as falas: juntando os cacos, ouvindo e escrevendo

os dizeres. Ao sistematizarmos surgiu a dúvida: vozes ou falas, eis a questão. Diante desse

questionamento, pudemos perceber que o título que escolhemos tem relação com o que

viemos construindo até então. Optamos por vozes, devido a discussão do primeiro capítulo,

ao nos apoiarmos na frase dita por Antonio Candido na entrevista citada. A voz que um dia

foi emudecida ganha uma oportunidade por intermédio das próximas páginas.

Separamos esse mosaico em quatro momentos, a saber: a Escola em suas

relações cotidianas e em como ocorre o currículo assumido pelos educadores e pelas

educadoras, assim como pelos estudantes; o segundo tópico desse mosaico abre mais sua

escala, pois apresenta dizeres sobre as relações entre Escola, Assentamentos e MST.

Também discorrem sobre o papel do Estado, seja municipal ou Estadual. O terceiro eixo

apresenta a importância da Formação de educadores e educadoras através do Instituto

Josué de Castro criado pelo MST para isso, em Veranópolis – RS. Ali estudantes do Brasil

todo participam de cursos ligados aos problemas mais urgentes da organização, como

Cooperativismo e Formação Pedagógica. Finalmente, o último tema que propõe um arranjo

para o Mosaico de vozes diz respeito ao viver nos Assentamentos. As conquistas e as

dificuldades das famílias assentadas no tocante a produção, desde o plantio até o

escoamento, assim como o papel do Governo no que se refere a Reforma Agrária são

apresentados nesta coroação do nosso Mosaico.

1 - A ESCOLA: um local num lugar. 1 - a) Através das vozes a seguir ficamos sabendo qual a importância e o que a Escola

Agrícola 25 de Maio tem de melhor.

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CH - Nós fizemo, lutamo por isso aí e tudo deu certo, né? Aonde que nos temo essa escola

hoje até o segundo grau, né? Não foi com brincadeira que nós conseguimo assegura ela

porque teve muito ataque do próprio município, da autoridade do município tentano acaba

com a escola, tentano fecha, que num aceitava nossa proposta, da educação que nóis tinha,

que nóis queria aquilo que era a vontade de nossos filho que falava de nossa história e a, e

as criança aprende, não sabe a velocidade dum avião, mas sabe a aquilo que era pra... que

ia fazê bem pra eles mais tarde, sabê se defendê de certas exploração, de esse sistema que

nós tivemos, e...

CQ – Na verdade esta questão de onde estuda sempre foi uma preocupação do povo

nosso e uma dificuldade também né na profissão de agricultura porque digamos nossos

filhos têm que ir até a cidade né então quando uma escolinha até a quarta série, foi sido

atrás, eu já vi...nós já tinha contado a escola ainda conhecia o pessoal de lá né, eles iam

mudando pra construir o espaço daquela escola, normalmente o pessoal nosso as

crianças começaram a participar lá né e acho que assim, valeu a pena né, ter uma escola

agrícola hoje como um ponto de referência assim pros filhos de agricultores, tanto dos

assentados como dos não assentados, poderiam ter uma educação, onde se conhece os

dois lados da moeda, não é não só um lado da moeda.

Ca – A escola hoje contribui muito para o movimento e para o assentamento porque

assentamento é movimento, porque movimento é o povo, então a escola também faz

parte do movimento, é uma contribuição muito grande desde a questão da forma como

ela está sendo trabalhada hoje então isso com certeza servirá muito prá nós enquanto

movimento sem-terra prá estar entendendo, tá fazendo um jeito diferente das outras

escolas, então a escola hoje está sendo contribui e contribuirá com certeza através...

Esse método que é usado questão de ensino que é uma forma bastante importante

porque rompe com aquele método que as professoras tradicionais propõem para os

alunos então aqui na escola tá ajudando a entender isso e outras, enfim, ... o ensino na

sala de aula até a questão de outros espaços que a escola proporciona aos educandos,

aos pais também, é um processo que não tem separação entre escola o assentamento e o

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movimento, assim é um só, porque a escola proporciona pro movimento o estudo prá tá

sabendo combater mais o sistema e com certeza a formação que está tendo aqui na

escola os alunos com certeza vão ter uma visão crítica da sociedade (...)

CZ – Bom eu vejo a escola agrícola como um instrumento é... Exatamente... Pra gente

tentar segurar os nossos filhos junto com a gente no assentamento ou na agricultura, mesmo

que seja fora do assentamento, uma outra pequena propriedade, é, então a escola é o

combustível que vai movimentar esse... Esses adolescentes aí na profissão deles.

(...) o projeto da escola, esse projeto de alfabetizar diferente das outras escolas isso aí é...

Uma grande novidade que nós temos, que nós vemos que existe no sistema de educação né,

e é uma grande coisa, assim... a maneira como que as crianças são tratadas aqui na escola, é

... a maneira dos professores trabalhar com as crianças e assim ... Algo muito interessante

que... se levado a sério tem grande futuro.

CQ – Acho que nós tivemos assim, acho, um privilégio de dizer que hoje dentro do

Movimento Sem-Terra temos, talvez, uma das melhores propostas de educação né, como se

trabalhar com uma criança, desde do pré até mesmo uma faculdade, e acho que com o

surgimento do MST além de nós transformarmos, digamos, as terras produzir alimentos né,

nesses grandes latifúndios que só servem pra especulação, nós tivemos nossa questão da

educação também né, tanto saúde né, também trabalhar muito a questão da saúde

preventiva né, que os remédios naturais, como também a questão da educação porque eu

acho que a primeira coisa né, a ...

CP – O que eu penso é que o futuro nosso, o futuro do Brasil, porque essa escola tem muito

a ver com as raízes passadas, que é a única ... a gente pensa...deu já uns fato concreto que

deu certo aí que se a gente não voltar antigamente óia...depois também não adianta a gente

ficar na agricultura. Ah...de sobrevivência na terra, não de ficar rico mas de sobreviver na

terra. Tenho certeza que ela, a Escola, é um elo de ligação.

CN – Mas eu, o que eu penso da escola, assim, que ...foi uma coisa que veio, assim, uma

coisa muito boa né, porque surgiu aí... é claro que a gente tá batalhando em cima né, que

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surgiu essa escola, mas que a gente... até não esperava que ela deslanchasse até da maneira

como tá hoje né, porque a gente vê até os filho nosso tê estudado na escola né, hoje sai fora

não tem problema nenhum, não enfrenta dificuldade, assim, entendeu, qualquer tipo de

matéria, então nós temos um quadro de professores né, que é de invejar né fora aí, que a

gente vê é ... assim que qualquer tipo de colégio hoje é licenciatura que tão pedindo, então a

gente vê uma coisa ótima assim, que um futuro a cada dia que passa, garantindo bem mais.

Porque ela sempre teve os objetivo dela ser alcançado né, como você também já participou

você sabe né, dessa discussão já participou também né, então ela teve um papel, assim, a

desempenhar, né, que é a formação de nossos filhos e a clareza que nós precisamos.

CQ - (...) quando você não sabe fazer o sistema agroecológico mas que use o mínimo

possível de adição de veneno né, aí eu acho que o movimento dos sem-terra discute muita

essa questão nas escolas do movimento dos sem-terra né, e tem aqui o exemplo da escola

agrícola 25 de Maio no assentamento de Fraiburgo que eu acho que é assim, o exemplo de,

tanto dos pais né, acho que teve vezes que a escola até fraquejou né mas os ... uns pais

ajudaram, professores com entendimento né, estão conseguindo levar e hoje tem assim uma

turma já né, a segunda turma de segundo grau que tão fazendo já né, então eu acho que,

digamos assim, tá ... vale a pena né, eu acho que tem que estar ... a escola tem que estar

ligada diretamente à questão da produção, a questão da educação dos nossos filhos.

CP – O que tem de melhor? O que tem de melhor é o diálogo. Diálogo é o melhor da escola

CR – De melhor na escola agrícola eu acho que a preocupação dos professores né, de

chamar os pais pra discutir e tal e coisa né, tem de a gente participar né, mesmo que a gente

às vezes não tenha tempo pra ir até discutir mas sempre chama né, tem a preocupação de

chamar os pais pra discutir a questão da escola, não é só o trabalho dos professores né, no

campo os pais tem que ver como que tá funcionando né, que outras escolas acho que não

tem isso aí né.

CQ – (...) na agricultura também, digamos, o agricultor também tem que saber, ele tem que

estudar pra ele saber como é que se trabalha com a terra, talvez se fosse pra fazer a ...

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digamos assim ó, um modelo de adubação verde né, que só jogar o veneno na terra o cara

não precisa ter estudo mas pro cara trabalhar realmente a terra e pra se tornar uma

propriedade alternativa né, geralmente eu acho que nossos filhos, nós temos que estudar,

nossos filhos têm que estudar, realmente numa escola onde aprende-se a fazer isso né, e nós

temos um privilégio no movimento dos sem-terra que sempre incentivou a visão de

produção agroecológica (...)

1 - b) O que precisa ser melhorado

CQ – É eu acho que na escola nós temos um espaço de produzir, temos um pouco de

alimento né, mas eu acho que a grande falta lá é o espaço de estrutura, é sala de aula né,

nossas crianças realmente não tem, não tem um ginásio de esportes, não tem local nem pra

fazer uma educação física no dia que tá chovendo né, e com o melhoramento das estruturas

provavelmente teria muito mais alunos né, que tem somente duas salas de aula, a escola

realmente não comporta, as estrutura não comporta.

CL – (...) E a questão de...Gradagem, revolvimento do solo, a mecanização do solo

propriamente dita, virar o solo, eu acho, que normalmente a gente não tem realizado isso

por uma série de questões, primeiro que a gente não tem o maquinário disponível pra isso.

Até tem, mas está sucateado desde 89, às vezes não tem pneu, não tem dinheiro pra óleo

diesel, o próprio Estado que é mantenedor da escola agrícola, pelo menos na questão de

pagamento dos professores, não reconhece a escola como escola agrícola, ele não tem verba

pra desenvolver as atividades agropecuárias (...).

CZ – Olha, perfeito ninguém é né, então tem muita coisa que precisa ser melhorado é...

outras coisas que precisam ser assim, trazido novas idéias, pra dentro da escola né, então

não tem assim um ponto específico “isso aqui tá ruim na escola”, é o todo que precisa ser

melhorado, tudo pode ser melhorado né, e se for com idéias novas aí e trabalhando sério,

acho que no caminho que tá indo aí se continuar é ...Com essa seriedade aí a coisa vai

andar.

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CQ – É tem bastante. Professor também tem, é, não é por falta de professor né, professor

tem tanto no Estado como fora do Estado que querem, se identifica com essa proposta de

educação, que querem vir colaborar, o que falta mesmo é ... É o desrespeito dos nossos

governantes, que gastam milhões em dinheiro pra fazer porcarias, diziam, roubando né,

roubando o povo né, e na hora que é pra fazer alguma coisa que é pro benefício do próprio

povo eles esquecem né, então acho que ali nós temos condições realmente ... o próprio

poço artesiano, que já foi aprovado há não sei ... há dois anos ali pra escola agrícola, o ano

passado o prefeito de Fraiburgo não ter competência, digo assim, de não tá em dia com ... o

dinheiro tava na Caixa Econômica ali, mais de um ano ali, e acabou tendo que voltar pro

Estado e acabou pros cofres públicos e a escola agrícola ficou sem água, que é um dos

problemas ali né, então acho que realmente nós temos que continuar nos organizando junto

com a APP, com os professores, pais de alunos, participando lá e realmente ir em busca de

nosso direito né, e essa questão de construir mais salas de aula e das benfeitoria que precisa

ser feito lá.

A falta d’água é um grande problema da Escola.

CR - (...) ela precisaria de, digo assim, pra funcionar precisaria de um empregado

definitivo, assim, pra tocar a questão dos outro mais né, os outros hoje estão trabalhando

mais questão dos pais ajuda ou dos alunos fazer algum servicinho assim né, a questão do

trabalho externo né, então um dia só de aula só repõe mas o serviço externo a escola só com

... os outros ... servicinho da piazada fazer alguma aula prática, não vou conseguir fazer né,

que a escola faz alguma coisa que dê resultado né.

CL – (...) acho que um a coisa que teria que modificar...é... nessa questão, seria procurar

trazer um pouco mais a comunidade pra conhecer mais de perto a escola, as brigadas, o

funcionamento, que muitas vezes a gente coloca isso pras pessoas de fora, mas não tem

trabalhado, assim...com êxito internamente.

1 - c) A Espacialidade da Escola.

Ca – Desde o tempo que eu estava estudando aqui a escola, com certeza, está num

espaço adequado porque os educandos estão aprendendo, que uma das formas é

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cooperativa que os educandos têm, isso contribui muito para que avance o processo e,

uma das que está sendo muito importante aqui na escola agrícola é a questão de

trabalhar a terra que é o jeito que está sendo funcionado, com certeza, combate o

sistema capitalista, que é trabalhar através de... Agroecologia. Então isso proporciona

uma visão maior para o uso do campo, da forma que é trabalhada, então ajuda eles a ter

a sua auto-organização e com certeza com isso o ensino vai se tornar bem mais fácil,

bem melhor, porque eles vão estar ajudando a construir a escola.

CL – Olha, eu diria que a escola, ela tem que ser mais um espaço, mais um, não o único

...é..de transformação. Se ainda acontece...é..em alguns assentamentos ou em algumas

áreas, lotes específicos dentro de determinados assentamentos, teriam uma série de fatores

que...que a gente poderia ta elencando, assim...não em ordem de prioridade, mas primeiro,

opinião minha, é...as pessoas não modificam da noite pro dia..e...e segundo, é que ...a gente

tem ainda muito internalizados conceitos de agricultura tradicional. A gente foi criado

nesse sistema, inclusive da década de 50, 60 e 70.

1 - d) As várias possibilidades que fazem dessa uma Escola diferente:

1 – d - a) As Brigadas estudantis e a Cepra

Ca – Mas assim, no tempo que eu estudava as brigadas porque foi um conteúdo novo pra

nós foi em 98. Então assim foi uma proposta nova que no começo fiquemo sem saber o que

é isso, mas com o passar do tempo fomos nos entendendo mais e melhorando até a forma,

assim foi importante até porque hoje por exemplo eu tenho uma visão do movimento, dos

núcleos de base, que é trabalhar em grupo, então as brigadas proporcionaram a auto-

organização deles, de estar avaliando, pensando o que vai se trabalhar durante a semana,

então era aquela forma, a gente na segunda-feira ou na sexta, não me lembro bem, a gente

sentava nas brigadas, estudava como que foi a semana e avaliaria, pensava o que seria feito

pra semana, porque tinha cinco brigadas, essas brigadas correspondiam a todo o andamento

da escola, tanto a questão da produção, a questão até da sala de aula, do embelezamento,

então foi importante.

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CQ – (...) então eu acho que realmente as crianças e a questão das brigadas da escola

realmente é pra criançada começar a sentir que vai ter responsabilidade né, isso funciona e

acho que é muito interessante né, as crianças dizem “ó nós temos a nossa cooperativa dos

alunos né, vai ter que fazer isso, tem que fazer aquilo”, então as crianças acabam tendo

responsabilidade né, e realmente pegando mais amor até pela própria escola eles gerenciam

aquela atividade né, então eu acho que é interessante né, muitas questões que sempre acho

que os pais tem que estar, uma vez ou outra, tem que dar uma passadinha na escola pra ver

como que está funcionando.

CM - Por um lado é questão de estrutura, que hoje nos temos um número muito maior que

os períodos anteriores ... Então ficaram com duas séries... a 6º série tá com 32 alunos, seria

6º e 5.a num período, e 7 º e 8º num outro dia, dá mais a 5º que tem 23, daria um nº de 55

alunos, isso é inviável hoje economicamente, pra nos manter 55 almoços num dia a

estrutura nossa não comporta isso, e ao mesmo tempo tínhamos mais com o aumento dos

alunos, então isso pra nos acompanhar na parte técnica em atividades práticas e dar aulas

em sala, fica mais difícil ter o controle desse curso, tendo em vista que também não temos

alguém que possa nos auxiliar ... e ... como você também não como também não vai ter

estrutura e equipamento ou ferramentas disponíveis pra todos , então não vale a pena vir um

monte de alunos e tá resultando apenas em gastos, então o quê que a gente tem buscado é

priorizar com os que vem... tem buscado distribuir nas duas brigadas a própria turma o nº

de... dependendo de 8 a 6 alunos para cada professor e isso facilita o trabalho e ao mesmo

tempo facilita o acompanhamento ... fica um assim um período de atividade prática né...

que pode ficar conversando mais envolvendo mais com os alunos e depois tem o período de

mística... que a gente faz... pra eles tá pensando no processo de organização do movimento

... então esta é um fato importantíssimo que a gente tem garantido e tem surtido bons

efeitos né.. eles se empenham no máximo né... nesse período para a ação do movimento...

eu acho que aí se tivesse o exemplo das duas brigadas pra acompanhar né consegue dar um

acompanhamento mais direto.

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CN – não, o que a gente sente é que ele gosta bastante de tá meio interligado com esse tipo

de aula, ele é novo ainda também tá ajudando bastante.

CO – Mas as coisa que a gente também acha que é um avanço pra eles que o grupo que eles

fazem, na brigada com as pessoas eles pegam o grupo e são responsáveis se sentem

responsáveis eles fazem em conjunto desde agora até o fim do ano, tem formatura eles já

estão se organizando eu quero que tu veja já, eles já foram pra cidade em busca de

arrecadação, eles já foram nas famílias em busca de arrecadação, prepara pra o final do ano,

eles estão assim, já, com uma cabeça de adulto, e isso eu acho que eles crescem porque eles

trabalha junto, eles trabalha, as idéia deles fecham numa só.

CP – Olha, pra falar a verdade isso eles... é ... sobre as brigadas em casa eles comentam é

pra pedir alguma coisa, senão não, até hoje o meu piá me pediu ontem de noite se ele ia

ficar trabalhando aqui, que seria as aula técnica aí, eu... “vou ficar, o que você tá

aprendendo, tá aprendendo coisa boa lá”, “sim” semana passada eu aprendi sobre coração

de minhoca. De vez em quando ele tá fazendo alguma coisa lá em casa errada eu digo “mas

não é assim que se faz”, eu dou um puxão de orelha nele e falo “mas na escola você diz que

é diferente”. Ele estudou sobre o coração da minhoca né. Como trabalhar com o coração da

minhoca. Eu nem sabia que minhoca tinha coração, porque a gente corta ela né...nem eu

sabia (Risos). Eu vou perguntar pro CL que história é essa de coração de minhoca. Só sei

que ela tem dois lados né. Então contribui bastante.

1 – d - b) Aulas práticas

CL – É... eu posso ta falando das duas. Primeiro da responsabilidade. Então, de novo, me

reportando aos cinco anos que aqui estou...é... quando cheguei na escola não tinha viveiro

de mudas, o pomar de pêssego estava recém plantado e... até porque a época era outra. O

pessoal trabalhava mais em cima de uma horta. Não tinha um pomar de kiwi, não tinha um

pomar de videira, praticamente os plantios de milho eram bem pequenos. Então tinha uma

série de atividades que os alunos desenvolviam quase que única e exclusivamente aquilo. A

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escola modificou, não por uma pessoa, mas a escola foi trilhando um rumo diferente, foi se

organizando internamente diferente e eu creio que os alunos não aumentaram muito em

número, mas as atividades e os projetos importantes a serem desenvolvidos na construção

da agroecologia foram ampliados. Parece-me que teria que ter um pouco mais de

participação na comunidade não só no incentivo a execução das atividades mais também no

planejamento das atividades (...).

CR – É não, entendo que não mudou né, que a questão da .... escola é o trabalho da questão

do mundo do ecológico né. Só que é uma coisa que a gente não tem implementado na

propriedade da gente né ... lavoura extensiva, e coisa, trabalha a questão mais da horta e

mais nada, mas uma coisa eu tenho uma preocupação da ... do trabalho lá né ... e é uma

preocupação da escola de fazer isso né.

A sim né, na horta evito trabalhar com veneno.

CP – Olha, o mais velho vai, tem muito interesse né, de vez em quando ele diz “ó aqui eu

quero plantar reflorestamento, mais tarde se precisar ...não sei que lá”, o mais novo

também, só que o mais novo tem ... a idade dele um pouco mais de criança, uma hora ele

pensa uma coisa outra hora pensa outra, e o mais velho é muito interessado na agricultura

né, inclusive lá ele tem os bichinho dele, querendo tratar os porco, tudo ele.

CR – É eu tô tradicional ... a lavoura usa química, essas coisa tudo, que a gente sabe que...

os outro ... mas a coisa ... também depende do que a gente aprendeu foi fazer isso, era o

mais fácil né. Às vezes o mais fácil paga caro né.

1 - d - c) Contribuições da Agroecologia

CQ – Acho que é uma das questões interessantes é essa questão seguinte né, que dentro da

escola agrícola se torna muito a questão que é levantada geralmente a questão

agroecológica, e hoje a gente nota que, assim, pelos jovens, nossos filhos tivessem ...

trabalhando lá e estudando, seguinte, que eles vamos ter que mudar de ramo, não pode ficar

aí jogando veneno na terra né, usando só coisa química, dizendo “nós vamos destruir com a

terra, daqui uns dias vai estar um deserto” né, diz que nem esses dias o professor deu um

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exemplo, mais lá no Rio Grande né, que deserto né, que plantaram, plantaram, plantaram e

não deixaram nada né, então até eu contar “não mas aqui eu planto diferente, aqui se

trabalha, usa-se menos veneno e se coloca, repõe, o que a terra precisa né, adubação verde,

várias coisas né”.

CZ – É assim bastante relativo porque na verdade eu fui educado, me criei na agricultura

depois de uma certa idade é... saí da agricultura, então o meu sistema ainda é aquele mais

tradicional, mais antigo né, e ela a gente já vê o avanço dela com o aprendizado aqui da

escola que já é bem diferente, já assim contribui e bastante pra melhoria dentro do nosso

lote, da nossa propriedade né.

Desde a questão da agroecologia, a questão de como preservar a natureza, tudo isso aí ela

tem assim ... idéias bastante positivas com relação a esse exemplo né, da agroecologia, da

preservação do solo, do meio ambiente, tudo isso aí.

CL - (...) Eu creio que tem outra questão que é...a ...isso nos mostra que tem que discutir

mais ainda com a comunidade algumas questões próprias da construção da agroecologia,

porque normalmente se alguém diz que a gente não revolve a terra ta nascendo picão, ta

nascendo guanxuma, nascendo língua de vaca, essas coisas. É aquela questão, se a gente

implantar adubação verde no momento certo, no qual ela fecha o ciclo e depois você vai

implantar a cultura de interesse econômico ou mesmo de sustentabilidade para o refeitório-

escola, as coisas modificam. Eu diria que a grande questão é a falta de recursos, mas a falta

de diálogo também, e construir essa proposta, fazer seminários, reuniões, seja lá o que for.

1 - d - d) Organização da Escola com a representação dos Pais

CZ – Tô na APP da escola 24 de junho e no conselho deliberativo das três escolas né.

1 - e) Ser educador e educadora numa Escola do MST. Os estudantes e o processo

ensino – aprendizagem.

1 - e -a) Como enxergavam o MST antes de trabalharem na Escola.

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Ci – Bom quanto ao movimento o conhecimento que eu tinha, antes o meu primo participa

né, então todo mundo tratava assim: bom, eles são perigosos, eles são maus, eles podem

tudo, eles fazem tudo, faz e acontece, eles têm poder na mão e tal.

Muito bem, minha família é dividida né, então têm os a favor e os contra. Então eu sempre

ouvia as duas partes. A parte contra, que é muito curioso: não a primeira coisa que você vai

fazer lá vai ser vão te dar um 38 na mão e você já vai atirar .Uma coisa muito curiosa.

Então eu vim por curiosidade, não vamos ver né, se eu não gostar eu pulo fora, mas não, e

realmente era o que eu imaginava o que eu esperava porque quando a gente resolve

defender o ponto de vista da gente realmente a gente sofre uma discriminação, um impacto,

eu vejo isso talvez pelo fato de eu ser evangélica e na família nem todos serem né, então eu

já vejo ali, e eu vejo assim que a escola tem uma articulação muito forte com a

comunidade, e isso é muito interessante, é muito bom a gente vendo o resultado dentro dos

alunos, tem uma liberdade que forma realmente a pessoa humana aqui.

Bom, tinha um anjinho e um capetinha do outro, daí cada um envia uma coisa até que eu

cheguei aqui e formei o meu – não, as coisas não são bem assim – eu acho que são bem pé

no chão e é o que eu esperava, assim, que eu fosse encontrar para mim resolver ficar.

Ce - Bom quando eu assumi as aulas, que disseram né, que era num assentamento, eu...

assumi, mas depois de ter assumido eu já senti medo, a primeira palavra que o medo é um

fantasma desesperador na vida das pessoas né, então senti medo, disse “ai meu Deus do

céu”, e lá eu conversava às vezes, conversava “vou trabalhar lá no MST, no movimento

dos sem-terra”, “Iiiii... Che, você vai ser insultada, você vai ser jogada, você vai ser

pisoteada, se você não entrar na deles eles já vão te ignorar, você não vai ser bem aceita, os

alunos têm uma opinião própria, os alunos já sabem o que querem, se você não...” sabe...

me fizeram um bicho de sete-cabeças, eu disse “não, tudo bem”, mas como eu sou uma

pessoa que gosta de enfrentar desafios, que na minha vida sempre enfrentei desafios, eu não

tenho medo, e adoro, não gosto de monotonia e não gosto de rotina também, então eu disse

assim... então ser ter algo a mais que eu vou enfrentar e vou desafiar, e quando aqui

cheguei, cheguei bem espontaneamente, alegre, foi no dia seguinte que assumi em Caçador,

no dia seguinte eu vim prá cá já, não sabia onde ficava, cheguei em Fraiburgo bem perdida,

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perguntava onde ficava a Escola 25 de Maio tinha alguns que me diziam “não sei, não sei”,

eu disse “mas como que vocês não sabem?”, ainda eu brincava com o pessoal na rua, “se a

escola faz parte do município”, aí até que eu encontrei uma menina que estudou aqui, no

ponto de ônibus lá, que estudou aqui, e ela disse “não, eu estudei o ano passado lá”, eu

disse “ah, você vai ser meu anjo da guarda, meu guia, você me levaria até essa escola?”, ela

disse “levo, levo, se a senhora voltar”, eu disse “então vamos lá”. Cheguei e encontrei a

Diretora no refeitório, que ela estava morando ali ainda, daí eu disse “Ah, a senhora é a

diretora? Aqui está a nova professora de língua portuguesa”, rindo já, ela levou um susto

...aí eu disse “assumi as aulas ontem lá” e disse “vou trabalhar aqui com língua português”,

daí ela me recebeu bem, ela foi bem receptiva assim, senti... gostei dela já, é que a gente já

faz uma né... um...faz um... pensar assim da pessoa a primeira vista né, gostei dela, e aí

quando comecei a assumir realmente as aulas aqui eu vi que não era aquele fantasma que

fizeram pra mim, sabe? Eu imaginava, antes também, que a escola aqui fosse ...nem tivesse

prédio, que a gente tivesse que dar aula embaixo das árvores, sei lá, né, que fosse lona, na

minha cabeça tinha de tudo né, daí quando me deparei esse prédio, já tudo uma coisa bem

estruturada, assim, disse “nossa é outra realidade né”, aí quando eu assumi aqui todo o

pessoal do coletivo docente me recebeu super bem né, e aí quando comecei a trabalhar com

os alunos também eu amei mais ainda né, cada um deles, bem queridos, bem amáveis, bem

receptíveis (...)

CL – O único contato que eu tive com o MST foi através da televisão mesmo. Foi visto

alguma coisa, mas...assim, sempre de um jeito, mas não compreendendo direito essa luta

pela terra. Fui compreender mais depois que eu participei da Conferência Nacional sobre a

Educação Básica no Campo e depois fui convidado a conhecer assentamento e

acampamentos, e escolas do movimento também.

1 - e – b) Atividades que qualificam a formação dos educadores/as.

Ca – Tão entregando hoje, assim, tem uma monografia que é... a monografia que é esse

projeto que tá, por exemplo, tem que elaborar ela pra apresentar, defender, e tem outras

atividade como estágio em sala de aula com jovens adultos, estágio com ensino

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fundamental, com séries iniciais, e até sobre a ALCA que hoje está colocada pra nós que é

um projeto que nós temos que combater também pra...

Cd – É eu acho que o setor assim sempre... a gente pensa ... ampliar né ...porque... esse ano

a gente já teve curso, não lembro que mês que foi, julho, né? (pergunta ao marido que está

assistindo jogo de futebol pela tv), nós fizemos um curso de formação, conseguimos reunir

vários educadores que trabalham nos assentamentos e foi bem legal, assim, tentamos

trabalhar essa questão da proposta de temas geradores né, então foi um momento assim que

a gente pode parar, ver como que estão os assentamentos, tal, e foi um momento que a

gente viu também o quanto a gente tem que avançar né, que o setor assim ele tá meio que

engatinhando, pouca gente pra dar conta, então o nosso coletivo aqui a gente sempre tenta

trabalhar né, independente do setor ou muitas vezes a gente chama o setor né, sempre que a

gente faz reuniões assim o setor tá junto, mas é... a nível de estado assim a articulação é...

Bem... Vamos ver se funciona, em novembro vai sair mais um de formação né, mais

uma...Mais um curso com todos os educadores.

Ca – Acho que é ...foi aqui durante esses quatro anos que estudei na escola agrícola foi

muito importante porque aprendi bastante e não se diferencia muito da escola que eu estou

estudando (Iterra – Veranópolis – RS) porque as duas têm a proposta do movimento que

nós queremos, então com certeza são trabalhos trabalhados com a nossa realidade. Então

com certeza aqui na escola contribuiu mais para mim ter uma visão maior do mundo, da

sociedade, contribuiu bastante pra que continuasse em frente lutando por um objetivo.

CN – Olha eu acho que isso se deu graças ao movimento, porque antes da gente começar

não tinha clareza nenhuma. Hoje graças ao movimento que nós temos, o filho fez o

magistério pelo movimento, né, que ele já estava a par de toda a discussão do movimento

então daí ele foi encaminhado, arrumou vaga junto ao movimento e fez o magistério. E hoje

com o mesmo movimento ele tá fazendo a faculdade né, então eu acho que foi uma abertura

né, porque ele conseguiu encaixar isso, se não fosse isso ele tava até hoje, quem sabe, sem

magistério porque a gente não tinha condição na época né, e mesmo hoje você vai pagar

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uma faculdade de que jeito? se não fosse assim ele não tinha conseguido, não tava fazendo

hoje a faculdade.

1 - e - c) Alguns aspectos do currículo: estudar para ser também camponês.

Ce - (...) assim...quando falavam que eles (os estudantes) tinham suas idéias próprias

realmente eles têm e sabem o que querem e eu acho que isso é importantíssimo, em cada

ser, não andar com as pernas dos outros, como eu costumo dizer, mas sim com suas

próprias, saber onde vai e onde quer chegar e acho que aqui o movimento, o MST, eles têm

esse objetivo, tem sua opinião né, e eles sabem realmente o que eles querem, mas então pra

mim foi um ...está sendo um trabalho maravilhoso e eu acho que toda aquela, aquele

fantasma que me colocaram assim, não era isso não, né.

CZ – Eu penso assim que... eu gostaria que meus filhos ficassem no assentamento ou

fossem pra outra terra, mas tudo vai depender da vocação deles né, a gente deixa assim, faz

o possível pra que eles estudem e através do estudo eles descubram a vocação deles e, se

for a vocação deles ficarem no assentamento ou na agricultura, ótimo, é o que a gente quer,

mas se eles tiverem a vocação for pra seguir uma outra profissão e conseguirem os estudos

pra atingir esse outro objetivo a gente vai dar a maior força também né.

Ce - (...) em primeiro lugar eu procuro fazer com que o aluno goste daquilo que ele

aprende, porque fazendo com que ele goste daquilo que ele está estudando, daquilo que

você está transmitindo, com certeza resultará em bons resultados, em bons frutos, né, então

trabalho bastante a expressão solta, por exemplo, confecciono livros, eles fazem criações de

livros, escrevem estórias, fazem livros de pensamentos célebres, hã ... vou fazer também...

Confeccionar aqui na escola, um projeto, um jornal... fazer um jornal com eles, trabalhar

também ... um trabalho de música, dentro de todas essas partes de textos de música, eu

passo daí uso a gramática né, interpretando dentro dessa contextualização e... também

quero trabalhar um dicionário de gírias porque eu acho que as gírias está mais na parte dos

adolescentes que a gente vê na nossa sociedade, dos malandros, dos ...né, que usam

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bastante esse palavreado da gíria, então está no nosso cotidiano, nosso meio, então eu acho

que a gente deve trabalhar. Acho que eu já falei demais, né?

CO – que a gente vê também é a oportunidade que as crianças têm né, porque eu vejo pelo

meu filho né, que nós fomos criados assim, eu... Deus o livre, até hoje, eu tenho uma

dificuldade que se eu chegar no meio do pessoal, assim, e as vezes eles fizerem uma

pergunta, assim, que tem bastante gente, eu tenho aquela pergunta ali ó mas eu não

respondo, eu não consigo responder, aquela pergunta fica pra mim e eu não respondo, e eu

vejo no filho, assim ó, ele pode estar no meio de cinqüenta pessoas, se fizer uma pergunta

pra ele... ele já responde, por quê? Porque ele teve aquela oportunidade desde criança,

desde que ele estudou ali, ele tê feito nós né, e às vezes na cidade conforme, um outro filho

estudou na cidade, lá eles não tem muita chance de fazer uma pergunta, ou...né... uma

dúvida que eles tem né, de dizer olha eu vou levar essa dúvida, ali não, ali as criança tem

aquela oportunidade de conversar com os professores né, Deus o livre de ....

CN – O entendimento é muito bom, comunidade né, uma coisa que já vem há tempo né, o

diálogo, uma coisa muito positiva que tem né, então que a comunidade também contribui

muito né.

CO – Eu acho que não, eu acho que a gente incentiva pra eles estudar mas eles continuar

né, continuar na agricultura e pode até né, continuar que nem no colégio ajudando né,

porque eu, se depender de mim, eu tenho um que tá trabalhando lá na cidade mas eu não tô

contente, o meu prazer era que ficasse na agricultura porque a gente percebe hoje em dia

né, tu criar um filho na agricultura é a melhor saída que tem.

CN – O nosso filho que hoje tá na cidade não é por gosto dele nem nosso né, ele tá na

cidade porque ele não conseguiu uma vaga aqui pra ele encaixar né, na formação que ele

tem, porque ele é técnico agrícola, formado técnico, então imagina, ele não conseguiu e

mesmo pelo governo não ter criado essas vagas, o que eu vejo hoje né, aquele bando de

estudante que se forma e não se tem um local pra recoloca essa pessoa né, que ele consiga

desenvolver aquilo que ele é formado.

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Ce - Então comecei a trabalhar nessa escola no MST esse ano. Essa está sendo uma

experiência fantástica pra mim, o que me chama mais a atenção aqui é a união. A união, a

coletividade, coisa que em outras escola eu não ouvia falar, eu ouvia falar em unidade.

Sabe, aqui a gente ouve se falar em coletivo, trabalha-se junto, organiza-se junto, faz-se

junto né, então a vitória é conquistada em conjunto, então pra mim isso é uma experiência

que eu jamais esquecerei na vida e foi o que uma das coisas que eu sempre pensei e lutei

em outras escolas que trabalhei sempre pensando voltar o meu espírito pra esse tipo de

coletividade. Trabalhamos para a equipe toda, todos contribuem, trabalhamos junto para

que esse resultado chegasse, fosse de boa qualidade né, então aqui a gente trabalha isso,

então, o coleguismo, um ajuda o outro quando alguém está com dificuldade, eu sempre

senti um braço amigo do pessoal docente também, assim como das crianças. Aquela coisa

meiga, aquela coisa deles virem dar um abraço no professor quando ele está chegando,

quando está indo embora, sabe que em outras escolas que eu trabalhei isso não acontece. O

respeito, uma das coisas primordial, importante também que eu acho, é o respeito que eles

têm com a gente e esse movimento todo, esse movimento todo que a gente vê como uma

parte assim, que se trabalha em conjunto mesmo, trabalha assim diferenciado, então pra

mim a parte principal que eu percebi, foi que me chamou a atenção, foi o espírito de

coletividade.

2 – OUTRAS RELAÇÕES: dessas que ligam a Escola Agrícola ao mundo, ao tempo.

2 - a) Descrição do viver a relação Escola/ Assentamento e Movimento Ca - Essa foi uma experiência de ter que lutar muito em viver no assentamento e passar por

uma escola que é do assentamento - conquistada através da luta dos assentados - sou filho

de assentados que, por isso acho que me ajudou a trabalhar tendo uma visão mais clara de

estar numa escola do MST, e aqui no caso é a Escola Agrícola, é a história do movimento

porque com certeza escola e movimento os dois fazem parte do mesmo movimento. E estar

fazendo parte dessa escola é uma grande satisfação porque a gente com certeza aprendeu

muito e tá aprendendo, uma coisa que não está pronta ainda mas, assim, é um processo que

estamos construindo junto com todas as famílias que estão envolvidas aqui nesse processo.

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CL – Bom, então terei que levar pra fazer algumas considerações antes. A escola foi criada

com um objetivo e acho que nada mais justo pra gente poder...é....faz com que essa...o dia a

dia modifique ...e...satisfaça pessoalmente a todos os envolvidos. A gente compreende que

a escola foi criada com o intuito de ser um centro comunitário, primeiro, depois de uma

determinado grupo de pessoas associado, associação e posteriormente elas...ela começa a

ter um foco na questão de...é...criar uma escola agrícola, que de certa forma respeitaria os

momentos históricos que ela passou, de 1989 até hoje ela foi se modificando e continua se

modificando. Ela é dinâmica, sempre foi, e a gente tem que compreender essas mudanças

ocorridas nesse espaço de tempo pra gente estar...é...agindo da melhor maneira possível,

então com o tempo você transforma em escola mesmo, centro enquanto escola...é...com a

inclusão das disciplinas agropecuárias ..e... desde o principio, mas modificando o sistema

de produção...se começou a pensar que...que a agricultura do jeito que tava não tinha mais

como continuar, seja por poluição do ambiente, das próprias pessoas também, questão de

doenças, por envenenamento, poluição da água, do ar, a manutenção da terra conquistada,

então esses valores assim, que não são novos, começou a ..a ser melhores, a serem melhores

concebidos e entendidos pelas pessoas. E numa tentativa, assim, de estar discutindo isso

amplamente com a comunidade, a gente vem buscando transformar as ações relativas à

questão da produção e da própria organização dos estudantes também, pra que eles possam

estar cada vez mais junto com a comunidade, quando é possível, pra podermos discutir

realmente o que é melhor pra eles.

Cj – Acabou! (Pronera) Tinha uma migalha de recurso que não dava pra nada e além disso

era uma Pronera... Eu fiz uma critica séria... É... fazia convênio com universidades, com

faculdades, ai que acabava emborsando o dinheiro, reformando os prédio deles... Ó...

Houve sacanagem de todo tipo. Além disso, o Pronera vinha com uma norma, nós tinha que

fazer um calendário aqui... ce tinha um grupo pra fazer um calendário aqui e manda pra eles

lá pra eles te jeito de fiscaliza, que está fazendo tanto, se não tava fazendo tanto, tava

fiscalizando, isso é mentira. O que o agricultor fazia? Quando ele chegava do plantio, ele

tava morto de cansado, chegava a noite ele não ia pra aula, mas o calendário obrigava. As

vezes ele não ia, destabilizava. Não era uma coisa que o povo fazia, o que o povo ia, no

momento certo. Pra eles não interessa se ta morto de cansado e se ce ta numa sala de aula

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dormindo numa cadeira. Você tem que ta lá. Ele não interessava se você aprende,

interessava que tivesse lá. Era uma... uma... coisa de debate de você criar... Você criar

alternativa em final de semana... era tudo coisas assim que vinha que num trazia nada de

coisas boa de debate , de criatividade... O Pronera era uma imposição. Ele sabe que um

analfabeto, ele já tem dificuldade de entendê o processo, de quem ta encontrando

dificuldade e além disso, o cara ta trabalhando aqui o dia todo, no caso do arado. De noite,

ele vai te vontade de estudar?

2 - b) Comparando essa Escola com outras

Cb – A primeira eu acho é a própria organização deles em cooperativa, como eles têm essa

cooperativa dos estudantes e as decisões que a gente toma aqui nunca são decisões tomadas

simplesmente no coletivo dos educadores, quem define as regras, inclusive, as regras do

jogo, ou o que pode e o que não pode, são os próprios alunos nas brigadas, então isso aí não

existe, né, pode existir aquele grêmio estudantil, não sei agora mas no meu tempo tinha

grêmio também, mas que na verdade não era o fórum de decisão da escola. Aqui não, aqui

os alunos, eles que na forma das brigadas, de assembléia, eles é que definem todo o

funcionamento da escola, o que mais diferencia aqui é isso.

CQ - eu digo assim, o filho do agricultor assim, que mora na roça ou mesmo o pessoal da

cidade que queira uma coisa diferente realmente acho que tem que ir numa escola, digamos

assim, no meio rural pra ver o quê que se aprende, que eu acho que se aprende muito mais

coisa e melhor, né, que se continua adiante, você conhece os dois lados da moeda né, se

tivesse conviver na sociedade dos dois lados, e lá na cidade não ensina, é um cabresto que

tá no currículo e nunca foge daquilo né, então eu acho que é um privilégio pra quem

consegue vir estudar numa escola que nem a Escola Agrícola.

2 - c) Relação Escola – Assentamentos: difundindo tecnologia

CM – Se nós formos analisar a questão da escola em si ela tem várias funções né...

basicamente seria... uma nos... a gente tem buscado várias que além de trazer as disciplinas

normais que é o que a escola esta estipulada pra trazer. Temos a parte técnica que de forma

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geral estão liberados os dois profissionais mas que não... com toda a estruturação de

equipamento, recursos, mão-de-obra pra que possam ser desenvolvido as práticas não tem,

fica muito deficitário nessa questão mas a gente busca fazer... resgatar essa tecnologia, tipo

assim... de controle de berne ou carrapato num bovino, que é um caso tipo assim de que o

agricultor tem buscado na Loja Agropecuária e pago o recurso, a gente buscado difundir

tecnologia nessa linha na área de... de... proteção das plantas né... de prevenção de doenças,

o próprio controle de erosão ... então são tecnologias que são de fácil acesso aos

agricultores né... tecnologias sem... custo basicamente zero né... e que o aproveitamento

né... dentro da porteira, o que a gente chama de os recursos internos da propriedade. Evitar

o máximo de ir nesses casas de agropecuária buscar coisas por exemplo, de... adubos que

muitas vezes nos podemos tá aproveitando o esterco da própria vaca que defeca 12 quilos

por dia e que se a gente for acumulando ele, vamos chegar com um valor x no final do mês

que pode ser utilizado na horta né... nas culturas mais direcionadas.

2 - d) Exemplo de como as aulas práticas contribuem na produção dos lotes das famílias

assentadas

CM - As famílias de uma forma geral tem falado isso que tem algumas coisas que eles tem

experimentado. Um ex-aluno que nos desenvolvemos uma pasta de alho pra controle de

berne... e aí ele disse deixa eu levar pra casa que eu quero experimentar no boi do meu pai,

então ele pegou e levou, daí 3 dias veio falando, realmente os bernes sumiram todos do boi,

mas então você percebe que eles estão aplicando né...

2 - e) Dificuldade Escola – Assentamento

CL – Talvez a dificuldade maior é...é se tentar aliar aquilo que o movimento mesmo coloca

enquanto materiais didáticos, pedagógicos, no sentido...falando enquanto escola...de uma

transformação do meio rural, seja através da...as ecologias, nas novas relações, construção

dos novos valores que, de certa forma... não dá para dizer que a escola compreende isso e o

assentado não. Mas esta dificuldade de construir, ela existe até porque a gente compreende

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que as pessoas tem um jeito de pensar diferente e a gente tem que continuar trilhando o

caminho aí...não é tão fácil, mas também não é impossível, a gente tem que continuar

trilhando. Acho que cada dia a gente faz alguma coisa, né? Seja ele em que situação for.

Ca – Eu acho que lá têm alguns casos mas como eu falei, a maioria são do assentamento,

então já têm uma visão maior do movimento, da pedagogia do movimento, mas no começo

com certeza teve alguns educandos que tinham dificuldade em entender o processo da

proposta do movimento e com certeza aqui a escola, não sou só eu que estou estudando lá,

mas que têm cinco educandos que estudou aqui e está estudando lá, na mesma turma.

Então com certeza ajudou muito para andar no processo da escola que está funcionando

hoje, que é também um processo que não está pronto, que sempre estamos andando,

construindo junto.

CL - (...) Eu diria que, hoje é a falta, pode parecer um tanto estranha, mas eu diria que é a

falta de tempo pras pessoas se reunirem. Eu acho que a escola nesse 5 anos que estou aqui..

muitas coisas aconteceram e estão acontecendo... o envolvimento das pessoas em...em

diversos segmentos de atuação da escola... nunca esteve parada, mas neste anos, ainda

mais, há muita coisa pra fazer. Falta um pessoal lutar pra tentar se reunir mais. Claro, não

transformar em reuniões de cunho nenhum de discussão, mas... o pessoal tem tido muito

pouco tempo pra parar e discutir seus próprios problemas.

Ca – Desde o tempo que eu estava estudando aqui a escola, com certeza, está num espaço

adequado porque os educandos estão aprendendo, que uma das formas é cooperativa que os

educandos têm, isso contribui muito para que avance o processo e, uma das que está sendo

muito importante aqui na escola agrícola é a questão de trabalhar a terra que é o jeito que

está sendo funcionado, com certeza, combate o sistema capitalista, que é trabalhar através

de ... Agroecologia então isso proporciona uma visão maior para o uso do campo, da forma

que é trabalhada, então ajuda eles a ter a sua auto-organização e com certeza com isso o

ensino vai se tornar bem mais fácil, bem melhor, porque eles vão estar ajudando a construir

a escola.

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Cb – Eu vejo que a escola aqui ela sempre foi referência do movimento, até aquela própria

proposta que a gente teve de desempenhar e ... assim, como que eu vejo isso já, agora o

desafio do 2o grau também, né, muito importante, pra nós aqui é uma conquista, tanto pro

movimento como para a comunidade é uma conquista muito interessante, e a escola é um

espaço muito importante dentro do assentamento, porque aqui a gente pode estar

difundindo o pensamento, essa questão da Agroecologia, que a gente trabalha bastante,

procura desenvolver aqui com os alunos é uma forma que acho que a gente tem pra fazer

esse contato com a comunidade. Claro que eu acho que a gente não consegue fazer isso

completamente, ainda tem bastante dificuldade em conseguir fazer esse vinculo né, escola-

comunidade, falta ainda a gente sentar pra ver mais pais, e umas coisas que não tem

estrutura suficiente também se for querer trabalhar com a questão da Agroecologia e tal,

nós mesmos a gente trabalha muito a questão teórica, mas a questão prática, pra ficar mais

clara, aquela coisa tu ver pra crer, tá bem um trabalho de formiguinha ainda, tem algumas

coisas que a gente faz ... que eles possam ver, que desse trabalho para os alunos, os

biofertilizantes, o composto que agora aqui na serra tem um projeto para trabalhar com

plantas locais, tentar construir um minhocário, depois chamar os pais pra ver e tentar

conhecer mais, o que é um minhocário, pra que serve, mas acho que a gente ainda tá bem...,

tem que avançar bastante nesse sentido.

CP – É, que daqui até o fim do nosso assentamento ali, por exemplo, não tinha transporte

pra cá, se fosse o aluno vir aqui tinha que caminhar 5 km a pé, enquanto isso o ônibus

passava na porta da casa. (...) jogada do Prefeito, é.

CP – Eu não sei se haja um problema dele estudar na cidade ou como os pais também não

tão porque os pais sabem que na cidade é muito difícil, o pai tá em casa, o filho tá lá na

cidade, não sabe se tá na aula, como já aconteceu fatos aí do diretor chamar e dizer assim

“o seu filho vai reprovar por causa de falta” e daí disse “mas como ele não faltou nenhum

dia”, mas só que não ia na aula e o pai não sabia né, se fosse aqui o pai tava sabendo direito

se tava ou não tava, porque o pai não pode todo dia precisar né, menos uma vez por semana

ver se o filho tá lá não.

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Cd –O que teve agora foi em Chapecó, tá centralizando mais em Chapecó né, daí tem agora

o seminário lá né, então vem o ônibus, leva a gente pra lá, e a gente fez esse tema gerador

daí aqui nós fizemos um só do coletivo que foi mais essa proposta de Projeto de Trabalho

né, que daí veio o pessoal do Autonomia (Escola Particular de Florianópolis) pra dar uma

assessoria aqui, então acho que esse tipo de curso pra nós é muito importante né, a gente

pode tá tendo condições de tá fazendo esse tipo de curso pra tá amadurecendo porque

também não adianta a gente fingir ou dizer que tem uma proposta diferenciada e não

procura modificar, que tem muitas coisas a gente acaba caindo no tradicional e aí que a

gente vai ter que tentar estudar né, chamar pessoas pra tá contribuindo pra gente fazer...

Claro que muitas coisas já têm né, as vezes a gente acha que o grande problema nosso é

muitas vezes não registrar muita coisa que acontece, essa questão do registro é bastante

importante, e... Aquilo que não acontece a gente vai ter que fazer acontecer né, se realmente

a gente quiser ter uma escola diferente.

2 - f) Relação com a Escola da cidade

Ca – Era a Escola Gonçalves Dias. Ali a gente percebeu a diferença entre uma escola pra

outra porque ali o professor chagava na sala de aula e dizia boa noite e pegava o caderninho

e escrevia no quadro e tinha que obedecer tinha que ficar sentadinho na fileira um atrás do

outro, olhando um o pescoço do outro e deu, então só esse jeito já coloca que aqui é

diferente do objetivo do sistema burguês, podemos dizer.

Ca – Eu me senti bem, assim..., excluído, na verdade, porque eu tinha uma visão e... num

momento eu colocava a experiência do assentamento, a experiência da escola, mas nem

sempre porque os próprios alunos não tinham uma visão crítica, que pra eles, eles tinham

aquela visão do meio de comunicação, do sistema mesmo, que coloca pras pessoas, não que

ela seja culpada, mas sim a estratégia hoje do capitalismo é isso, enganar o povo, fazer com

que o povo acredite nas coisas e aqui eu fiquei assim excluído, era diferente daqui porque

aqui a gente era tudo unido, tinha uma forma diferente e lá não, lá é cada um por si e Deus

por todos. Deu pra entender um pouquinho o jeito da escola tradicional. Na verdade tinha

um. Tem uma professora, a Márcia, que era de matemática, mas mesmo assim tinha o

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método tradicional, assim ... ela já compreendia mais o movimento, acho que já andou

estudando, mas não era a mesma coisa como educadores da escola agrícola e posso citar

aqui um exemplo, foi o primeiro, com certeza ajudou muito a minha formação para que

fosse adiante, fosse em frente pra estudar mais e saber mais, com certeza a gente nunca

sabe tudo né, assim sempre está em constante a formação, constante movimento, que é o

movimento hoje.

2 - g) Conselho das Escolas

CP – Hum hum. Freqüência? A gente vem sempre quando é possível, tem reunião, alguma

coisa, é chamado, né, inclusive foi assim....ajudar a fazer o barraco eu não pude porque não

deu de vim, a freqüência é ...que eu sou da direção da APP, fazendo nossas reuniões

também junto da 12 e da Nossa Senhora Aparecida

2 - h) Mutirão

CP – Mutirão pra falar a verdade eu participei pouco, a gente só faz mutirão, por exemplo,

às vezes um vizinho ajuda o outro né, vamos plantar feijão, bater feijão, que na verdade eu

sempre me criei em forma de mutirão, quando eu trabalhava com o meu pai cada um

plantava sozinho mas na hora da colheita era todos os irmão, tudo junto né, que não adianta

um só trabalha sozinho que, trabalha e olha pra trás e não vê nada, como nóis era em sete

irmão nós pegava os irmão e em poucos dias ou em um dia terminava, se fosse só em uma

pessoa ia uma semana inteira não terminava.

CP – É, tem casos aqui, já deu uma época aqui que o mutirão deu 36 pessoas.

É ...é... sério mesmo, foi que rocemo tudo ali, nada, ficou... sem sabe o que fazer de tanta

pessoa que deu.

CP - Um conselho geral, que não adianta, vamos dizer, nóis lá decidir vamos fazer uma

festa se a gente não sabe, quem sabe aqui no outro dia, na outra semana, vai ter uma festa

aqui também.

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Ca – É no acampamento tem várias atividades, por exemplo, como essa que eu falei o

estágio que eu tô pensando em fazer lá que é uma esperança muito boa que é com certeza a

gente vai estar adquirindo lá com o povo e a sobre ALCA que a gente está torcendo e a

monografia também porque é um lugar que eu vou estar convivendo o dia-a-dia então tem

que estar estudando lá e até mesmo contribuir com o acampamento, ajudar se for possível.

3 – Formação no ITERRA: um lugar distante e tão presente. 3 - a) Conteúdo ensinado em Veranópolis - RS / Motivo de ter escola do MST

Ca - Então lá a cidade vários temas que a gente tem uma clareza maior do nosso mundo,

por exemplo a cada dia aprendendo mais, até inclusive esse sistema capitalista que está

colocado para nós, então, e onde já viu acho que nós entendermos isso o que está

acontecendo ao nosso redor, o que com certeza vai depender de cada um de nós, para que

nós possamos combater ele, o capitalismo, que é muito difícil que tá hoje, que tem uma

estratégia de dominar o povo e para isso nós precisamos também ter nossa estratégia para

saber como combater e, então, a escola proporciona isso para os educandos, porque com

certeza só estudar, no caso, história dentro da sala de aula é importante, mas com certeza

precisamos estudar mais o que está a nossa volta. Se nós ficarmos só dentro da sala de aula

e não compreendermos o que está a nossa volta a gente não vai servir para combater e nós

queremos mudança, e para isso nós temos que estar sabendo o que está acontecendo no

nosso dia-a-dia, ao nosso redor. Então a Internet com certeza proporcionaram vários

resultados, tá compreendendo o assentamento, o movimento dos sem terra, até a questão

das escolas, é uma troca de experiências mesmo, que com certeza é muita informação que

precisamos hoje estar buscando pra poder mais tarde com certeza ter algumas formas pra

mudar a sociedade, e para isso precisamos buscar conhecimento, mas não é só buscar, com

certeza, mas sim nós temos que mostrar a prática, que é bastante colocada para nós, porque

com certeza só o discurso não vai mudar, mas sim o que vai mudar vai ser a prática.

3 – b) Estudando em Veranópolis-RS

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CQ – Eu fiz até o segundo grau técnico em administração de cooperativa na escola em

Veranópolis, na escola do Movimento dos Sem-Terra. Eu comecei na primeira turma né e

terminei na segunda turma né, que se formaram lá.

Na verdade nós trabalhamos muito tempo lá de pedreiro construindo a escola, uma escola

para nós.

CQ – A escola, onde é o seu local foi doado pelos freis, né, e daí nós assim... foi adaptado

né, realmente pra que se tornasse uma escola hoje né, num nível que se tá hoje, com

indústria e tudo, onde você realmente aprende de tudo um pouco.

CQ – É foi só eu da região aqui, digamos que daqui só tem eu de gente da primeira, depois

da terceira turma e da quarta.

3 - c) Tempo Escola – tempo comunidade: característica do Iterra.

Ca – Nessa escola é estudado durante o ano é por etapas, então cada ano tem duas etapas,

cada etapa é dois meses, aproximadamente, porque se chama tempo-escola então a gente

volta durante..., vai lá dois meses, volta, que daí é a comunidade que chama, é a mesma

etapa, só que chama tempo-comunidade e aí é designado várias atividades e assim vai

durante 13 aulas.

3 - d) Escola do e no Assentamento/ Relações entre Veranópolis e Escola Agrícola

Ca – Todos que estão estudando em Veranópolis são educandos do assentamento ... que

não treinam pessoas que não são do assentamento, e com certeza todos têm uma visão

maior do que nós queremos e nós estamos sendo formados para isso e cada um de nós

temos muitos limites, muitas dificuldades, mas que lá a gente aprende até superando isso

porque com certeza tem um tempo que proporciona isso pra nós, um exemplo que é a

crítica e auto-crítica feito por etapas e nisso a gente com certeza avança porque aponta na

ferida dos limites nossos e com certeza vamos mudar o mundo a partir de nós começar a

perceber o que nós estamos fazendo pra mudar, então o primeiro passo nós temos que

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começar por nós, e isso é proporcionado, que é feito essa discussão diariamente nos núcleos

de base, tal, então é isso.

4 – Problemas e desafios da vida nos assentamentos: relatos de vida e luta, memória e busca de identidade.

4 - a) Sobre o que é ser Sem Terra...

Ca – Prá mim sem-terra é ser povo, porque ser sem-terra é ter uma clareza, ter um

objetivo, que prá nós com certeza esse tema opressor que está colocado prá nós não

serve e ser sem-terra prá nós significa-nos ter dignidade, ter a vida, porque hoje a

sociedade não propõe prá todo o ser humano hoje, então ser sem-terra é com certeza

transformação do país, é ter terra, ter saúde, ter educação, enfim, é ter o direito que as

pessoas têm e com certeza ser sem-terra é ter uma identidade que hoje é uma identidade

com objetivo e clareza onde quer chegar.

CP – A escola no assentamento é tudo, porque aqui é onde a gente discute, avalia, nossos

filhos estudam aqui e a escola aqui é onde todo mundo tem vez, voz, tanto o aluno quanto

os pais também que decidem.

Cd – Olha, eu vejo que pela proposta que se tinha do governo federal principalmente com

relação a assistência técnica, ela... fica difícil de construir um trabalho a longo prazo, que

mesmo o trabalho da assistência técnica se for avaliar ele teria que ser um trabalho bem

mais planejado, uma coisa assim que tivesse um tempo maior para ti poder desenvolver um

trabalho, trabalhar com menos pessoas, daquela forma como foi falado que um agrônomo

tem que atender 200 famílias inviabiliza um trabalho mais direto, diretamente assim, então

fica muito aquela coisa de bombeiro né, de ficar apagando o fogo, eu nesse tempo todo que

trabalhei na assistência técnica não deu pra ver, assim, que a gente conseguiu fazer grandes

mudanças ... Teve assim algumas coisas, por exemplo, essa questão mais agroecológica,

conseguiu fortalecer alguns grupos, mas o que eu percebo é assim, que com os alunos a

diferença é que tu consegue trabalhar num projeto um pouco mais amplo e tentando fazer

coisas mais concretas, que com os alunos pega eles aí desde a 5a série e quando chegar na

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8a série já conseguiu construir um monte de coisa, por mais que ainda a prática esteja meio

um pouco debilitada, que não consegue trabalhar tudo assim dentro de sala ou com os

alunos, mas eu acho que possibilita um avanço muito melhor porque eles depois vão estar

conversando em casa, passando para os pais e eles que vão um pouco desmistificar essa

coisa de como os pais aprenderam, eu vejo que para os pais pra ti tentar colocar uma

proposta diferente eles têm muito daquela coisa: ah meu pai fazia assim, meu vô fazia

assim, né, então tem a questão cultural muito forte, e os alunos não, os alunos têm aquela

idéia que os pais faziam né, só que como a escola tá mostrando um outro tipo de trabalho

que tem, como fazer diferente, eles acabam já entrando num novo sistema, então eu vejo

que é bem mais ... não digo que é mais importante, mas eu acho que é mais garantido de

conseguir uma mudança que se pegar um agricultor que tem 40, 50, 60 anos já, que se criou

numa agricultura, produzindo daquela forma, então parece que mudar a questão da matriz

tecnológica que a gente sempre discute bastante é bem mais difícil, consegue assim, pegar

alguns mais pela questão financeira, que já veja, que já sentiram, pelo menos pelo que eu vi

no trabalho que fiz, que aqueles agricultores que aderiram à proposta é porque não viam

outra alternativa e porque já não podiam mais usar veneno assim ... porque viram que o

dinheiro só ia para a agropecuária (loja) e para eles não retornava nada, né, então alguns tu

consegue mas aqueles que não acreditam muito é mais difícil.

CM - (...) ponto de vista da idade das crianças não tem muita influência na família ... nessa

questão de propriedade é o pai que tem essa resistência ... é eu quem sei...eu que tô aqui...

eu que vou fazer ... algumas coisas consegue é... desenvolver ... eu acredito que isso seja

mais importante pra vida deles ... no futuro quando eles estiverem administrando suas

propriedades podem resgatar, quer dizer ... ao mesmo tempo ajuda a construir que linha de

ação eles vão atuar no ensino médio e na universidade. Podem interferir mais a frente para

construir tecnologia ... não pode tá... acho que isso é o melhor na formação da consciência

desses adolescentes.

Cj – Então interessa o que você vai fazer com essa terra, mas é interessante uma coisa que

eu falei... É... Que nóis precisava aprender. Foi a escola que a educação não era até a oitava

serie, mas sim a necessidade de estudar... Pa todos os pais terem... aqui é interessante, o CL

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é prova, todos os professores provam, não tem ninguém fora da escola. Além da oitava

série, tão continuando. Agora tem o segundo grau aqui, mas primeiro ia pra cidade. Tem

gente fazendo faculdade no Iterra. Certo? Então foi uma coisa assim, bem que o pessoal

aprendeu. O outro lado que você tem que ter claro que o nosso projeto você não faz só com

os adolescentes e com as crianças. Se não tiver esse vínculo de educar todo mundo num

mesmo momento ai da essa contradição que eu to falando agora: que o filho fala, mas o pai

não ouve. “Hahhh... criança sabe o que?” (imita voz de reprovação ligada a essa fala)

Estudar ecologia e preservação todo dia, aprenderam na escola, mas não, ele não consegue

colocar na propriedade porque não é ouvido. “Ah é meu filho? Deix... hahahahah...ta”

(imita voz característica desse desdém) . “Ah, mãe, então não precisa... então ta bom”

(imita voz de criança). Pudesse ver umas outra coisa que agora a gente já discutiu nos

núcleos que vai levar, que é esse debate com... com os adultos, certo? Então outros tão

fazendo uma pesquisa... Pesquisa pra fazer em vez de pegar gráfico da... das empresa de

pesquisa do governo, senta o pessoal pra fazer um gráfico... Aqui ... De uma pesquisa real,

a partir do assentado. Qual foi a interpretação de muita gente? “Ah... O que que adianta

ser professor lá, se vem perguntar pra nos o que tem que fazer?” (imita voz de reprovação) .

Porque ele não tinha entendido que ele tava sujeito ao processo de fazer aquela....aquela

coisa ali lidar certo com época de plantio, e... Época de colheita. Essa gente criou toda essa

coisa de fazer uma atividade. Então ele avançou mais a criança, então ele precisa agora dá

uma equiparada no entendimento com os adulto... Que você não educa só as criança ou só

os adulto, cê tem que ter um nivo (nível). Que é nessa parte ... nessa parte é culpa nossa,

não é do professor, é culpa nossa de liderança faze com que essa coisa seje... que agora ta

fazendo... é... foi feita reunião em todos os núcleo pra discutir pra discutir escola. Nóis do

regular do núcleo discutiu.

4 - b) Antes e depois de serem Assentados: o que melhorou ?

CR – é também os outros assentados também não muda muito, como diz a nacional

organização né, trabalhando mais a questão da propriedade dele né e na organização ele

fica um pouco de lado um arrocho, a situação tá aí, coisa implantada aí que faz o cara se

espernear de todo jeito, lógico que eu acho que o assentamento muda... comparar né ... do

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jeito que a gente era antes né, enquanto hoje se você tem onde morar você tem alguma

coisa né. Então se pensar, se olhar pra trás vê que deu um salto de mil por cento né, não dá

nem pra comparar com o que você era antes.

Eu era um arrendatário sem-terra mesmo, então hoje tem onde morar, tem onde meus filhos

trabalhar, tem tudo isso né, então se o cara olhar o que conseguiu ... dentro do assentamento

o que se tem hoje né, tem muitas outro ... não dá pra dizer um grande capital mas tem

muitas coisa né que não tinha, se criou uma comunidade também que ... onde moram 24

famílias que tão aí né, coisa que não existia, era de um proprietário só, não morava

ninguém, tinha um capataz jogado aí e mais nada, não se produzia nada, hoje tem 24

famílias que vive daqui né, sobrevive daqui.

Cd – Eu acho assim que... para os assentamentos né, pro assentado a escola é uma

conquista muito grande né...pra eles, então eles vêem a escola como o espaço deles né, que

eles esperam que a escola de a formação pros filhos deles, né, então por mais que às vezes

tenha alguns problemas políticos né, ou alguma coisa assim mais de liderança, tinha alguns

problemas assim né, dificuldade na coordenação do assentamento, o próprio convívio com

o MST né, lá foi bastante complicada assim com relação aqui né, eu vejo ... sempre o

pessoal procurava bancar né, tanto que lá também quem escolhia os diretores era a

comunidade né, até um certo tempo né depois aí a coisa mudou lá se for comparar com aqui

né, se for avaliar talvez as reuniões que a gente tem feito também né, o ano passado a gente

fez uma rodada nos assentamentos né de reuniões hã eles acreditam muito e confiam muito

nesse negócio da escola e tal, claro que sempre tem algumas exceções né, tem pessoal que

manda o filho pra cidade isso aí é muitas vezes o próprio sistema que acaba colocando na

cabeça das pessoas que na cidade é melhor do que aqui, mas eu acho que a gente já

conseguiu assim, ...Conscientizar bastante isso aí, pelo menos nas reuniões que a gente faz

a gente percebe que o pessoal tem bastante...Só cobra bastante esta questão da produção né,

tem aquela idéia - não a escola agrícola tem que produzir, tem que produzir, não

conseguem entender também que não é fácil, quem que vai produzir, não tem o seu, seu ...

o Estado não banca, não ...não ...não tem, não assume a escola como agrícola né, como que

a gente vai tocar? é complicado, é complicado.

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CP – O que eu penso hoje pela política que tá aí apesar do Lula dizer que é do trabalhador,

eu tô com o pé atrás, porque se o governo não olhar um pouco, não tanto os assentados,

todo o pequeno proprietário, olha tudo vai se acabar, que não tem assistência técnica, não

tem recurso, porque hoje em dia precisa ter o mínimo de recurso, só pra turma

comprar...porque hoje a maioria dos comerciantes tão vendendo pra pagar na safra, então

tão cobrando muito mais caro e cobrando juros, então o lucro tá ficando quase tudo pros

comerciantes, se o governo tivesse uma política agrícola justa, que desse condições... Coisa

mínima, R$ 2.000,00 só pra comprar o adubo, apesar que hoje nós tem que pensar que a

gente tem os recursos naturais né, mas só que muitos ainda não estão nesse recursos

naturais, por exemplo, o ano passado eu mesmo fiz o adubo, que eu aprendi com o CL , só

que aperfeiçoei um pouco mais a tecnologia e fiz 16 sacos de adubo, inclusive colhi 103

sacos de feijão, agora eu vou colher acho que uns 170 de milho, tudo com adubo que eu

mesmo fiz.

Cd – Eu vejo que eu acho assim, eu acho que sim, pelo pouco né, eu posso tá meio que

chutando ainda isso né, mas pelo que eu percebi a cobrança maior nos assentamentos é a

questão da produção, eles acham que a escola aqui tem que produzir, tem que produzir, e

até muitos ...os pais ...tem alguns ... que claro que não é generalizar né, pra alguns e outros

ainda tem aquela - não meu filho quando vai lá tem que trabalhar né, não pode deixar na

moleza né, e outros já não, acha que o filho não pode trabalhar então, né, cria aquele ...

Cd – Muita controvérsia. Em relação a esta questão eu vejo assim que até a minha ... minha

postura né, frente a essa questão de ter vindo da assistência técnica né, pelo menos a minha

formação é agronomia e tal e daí eu tô trabalhando aqui eu assim, tô gostando muito de

trabalhar porque, justamente porque eu consigo ver né, alguma coisa mais a longo prazo e

pela forma como a gente trabalha e aquilo que a gente quer na escola é justamente formar

pessoas né, que sejam críticas, que saibam avaliar as coisas e não simplesmente reproduzir

as coisas, eu acho isso aí na formação do cidadão realmente, né, responsável e que saiba

das coisas, acho que a gente tem que ter isso né, tem que ter princípios que desenvolvam

essa criança e não simplesmente tá passando conteúdo ou querendo que ele saiba né, às

vezes 80, 90% do conteúdo pra poder passar mas que não saiba pensar né, acho que o

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fundamental é que a criança saia daqui sabendo pensar, sabendo argumentar frente aquilo

que aparecer pra ela né, e é um desafio isso, tanto pra nós educadores como pra eles

também né, porque pra gente tentar fazer uma coisa diferente, uma proposta diferente

também depende da gente tá estudando bastante, pra poder fazer esse tipo de coisa porque

é muito mais fácil pegar lá um livro didático e trabalhar com o livro didático, acho que isso

daí a gente, pelo menos que a gente percebe que todo mundo tem essa vontade de fazer isso

né, de tentar construir um... um aluno, um homem, uma mulher que tenha essa capacidade

né, de saber pensar, de saber refletir, saber argumentar o porquê das coisas, entende, é

que... é que ...se a gente for avaliar a forma como a gente aprendeu pelo menos foi assim

né, tu sabe que... que 2 mais 2 é 4 mas né, não tem...tu tem aquela coisa muito mecânica né,

não é uma coisa assim bem ... Hã...Dinâmico, que tu saiba o porquê das coisas.

4 – c ) Memória da luta

Cg – Mas, que isso...desistir...

CF – Acho que a luta nunca vai acabar, né? Nóis que tivemo aqui no movimento, nós tem

que tá contribuindo para que todos tenham seu pedaço de chão, sei que é difícil, quem tá na

cidade lá e não tem feijão pra ponha na panela, né? É importante que todos tenham o que

comer.

CF – Valeu ter lutado...

CF – Se nós não tivesse no acampamento eu não sei onde nóis tava na cidade ou... nós não

tinha terra pra... Mas agora nós temos. Dois alqueire de terra, mas nóis temo.

CH – É, porque quando nos chegamos no assentamento, né? Então não tem uma

comunidade certinho, que é a Faxinal dos Domingues, né? E ai quando saiu o

assentamento, seis meses antes do nosso, da Faxinal Um, né? Já, já ganhou o nome de

Faxinal 1, né? E ai quando surgiu o assentamento dali seis mês, o assentamento nosso, né?

Foi já Faxinal Dois por causa dessa comunidade que chama Família Domingues, que era

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grande e que morava na região, né? E ganhou o nome de Faxinal dos Domingues, o nome

da comunidade deles ali, né? E ganhou o nome de Faxinal dos Domingues, o nome da

comunidade deles ali, né? E daí o Incra trouxe esse nome, Faxinal Domingues Um, Faxinal

Domingues Dois, então é isso ai, né?

Cj – Certo. Então pra... Eu de... Assim... Entender um pouco. A gente entrou... É...

Quando entramos no assentamento nóis tava um ano e pouco no acampamento. Já tinha

comido tudo que tinha e dependia de cesta básica. Qual era angústia? Terá (terra) pra

planta, pra come e pra você, sobrá uns trocado comprá roupa e calçado. E ai a gente não

ligou na época pra essa questão da preservação e desmatar, é fazer, é fazer roça. Nós tem

que mostrá que nós é trabalhador, que nós tava depredando, que nóis não tava acabando,

não. Nós não tinha noção. A história foi fazendo a gente aprender . Não é uma coisa que

você... Alguém dita a nóis e que é tudo assim. Uma outra questão também que agora pra

responder a pergunta da descaracterização: a volta do precisa pega, não precisa pega, é

discutir menos e trabalha mais.

CH – Vários nomes por uma votação, e onde ganhou esse nome. E ai tem o Faxinal Um que

é União da Vitória, né? E faz parte de uma luta esses nome, né? Então quase todos os

assentamento nosso que nós temo que foi montado no Brasil inteiro tem um nome que fala

da coisa da luta, né? E... Então por isso, É então nós achemo esse nome, né, que é nóis

passou por uma luta, né? Ai é em linha, então linha Vitória da Conquista, que foi colocado ,

né?

Cj - (...) Em oitenta e quatro o José Fritz, que hoje é ministro, disse para nós: a própria

transformação da sociedade viria de quem não tinha nada. Isso mostrou com a prática que

não é verdade e quanto mais o pessoal é acuado e menos recurso tem e menos produção

tem, mais ele se apega ao trabalho e menos à organização e discussão. Essa estratégia o

Fernando Henrique usou com muita eficiência... Era acabar tudo que ali ele travava luta.

Em relação a recurso, o governo federal sabia claro, inclusive jogavam na imprensa um

monte de porcaria que nós cobrava pedágio, que nos cobrava quatro porcento. Quatro

porcento era uma discussão de todo mundo pra contribuí para a luta continuá. Quatro

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porcento do recurso que pegava e contribuía e a luta continuava. Nós temo exemplo claro:

nós quando viemos pra cá contribuimo com quatro porcento. Aqui dentro de Fraiburgo hoje

nós já temo ... com seis assentamento, sete assentamento. Então estes quatro porcento fez a

luta continuá. Ele vetou os recursos dos assentado. Ai uma outra coisa que o governo

percebeu que quando mais família assentava, mas o movimento ficava maior. Que ele

achava que assentada, as família, todo mundo se acomodava e nós começamos a trabalhar a

questão da consciência que a luta era... era de classe que nós tinha que continuá. Então uma

das coisa era não assenta, a outra era desistabilizar a questão do assentado que era não dar

recurso. Pra eles eles fica patinando, não podê investir. Enquanto isso não se tinha muita

produção e muita gente teve que trabalhar ate de bóia-fria, né?, em certos momento pra

trazer a subsistência da casa, né?, em algumas coisa... É remédio, alguma coisa, não

comida, né? É remédio... E então foi desestabilizando e enquanto isso ele desestabilizou a

organização enquanto nós não pegava recurso, nós não contribuía com os quatro porcento.

E o movimento ia se acaba a partir da gente não tivesse nenhum recurso pra continuar a

luta... É... Então são coisa técnica essa influência do cara, a influência do governo. Essa

sacanagem que o governo fez, ela desestabiliza. Ai o que muita gente hoje tem feito? Ele

qué trabalha, ele qué fazê uma coisa maior, ele qué faze mais porque ele precisa de mais

dinheiro e começa a pensar nele e no capital e não pensa mais no coletivo que seria todo

mundo junto na luta. Você conquista, ce conquista, e a partir daí o coletivo ir fazendo um

novo projeto. Então isso desestabiliza. Queria ou não, o governo desestabilizou com uma

coisa muito bem aperfeiçoada que até inclusive é... No início do governo Fernando

Henrique, no primeiro mandato em dois anos houve um discurso no banco estadual que

esse era um governo incompetente, e que depois a gente foi vendo que era o... Era o mais

competente que tinha... Pra fazer o lado nós... Pra nós dizer que ele era incompetente era

uma loucura e o cara tinha uma competência do cão. Usou da mídia para desfazer, usou de

todo mundo, né? Colocou o Incra, tipo assim, ao invés de ir lá no assentamento, ele ia pegar

alguém que não tava muito simpático de contribuí com a luta pra faze denuncia... Fazer

denúncia contra o movimento. Ele ia lá e além disso, ele dizia o seguinte : não contribuí

com esse quatro porcento porque isso é roubo.”O dinheiro é teu, não faça isso”. Ele

desestabilizava, o capital pra ele era desestabilizando a questão política. Então por isso que

a contribuição não é uma contribuição obrigada e nem uma contribuição que e o cara vai

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dar por... E... que acredita que vai fazer falta pra ele. As conquista vinham, mas a partir

dali, as luta de classe terminaria... É... Acabou assistência técnica, certo? Acabou, ma

acabou com tudo! Alfabetização de adulto não teve mais, ce vê, foi todas as política que

era as conquista que nóis já tinha, foi eliminando tudo. Todas, todas, todas. Ai nós fazia

novos acampamento. Ficamos tendo gente há seis anos e meio debaixo de lona. Ele não só

desfez, mas toda vez foi travando, travando. Daí quando passou dos seis anos e eles

debaixo da lona, se ia lá convida o outro pra gente continuá a luta e ele dizia, ”mas, p., isso

faz três anos e eu não vou me submeter mais... Quantos anos eu vou me submeter mais?

Quantos anos eu vou ficar mais debaixo de uma lona?”. Quer dizer, criou um medo naquele

que não tinha vindo ainda. Ficou difícil de você fazer a articulação.

CH – Não. Ué ai nos escolhemo um nome, né? Na verdade da... Da nossa comunidade que

chama Vitória da Conquista.

Importância do núcleo

Cj – nós sempre discutimo e reunimo tudo em família, tudo por proximidade, né? Porque

ele é, ce não vai fazer não mais também do que oito ou nove famílias. Tem núcleos ai que

tem até doze famílias. Depois cê acaba se ajeitando. E quando você ajunta um montão de

gente, quatro ou cinco discute e o resto fica ouvindo. Se você junta muito pouquinho...

Então tem que te um... São propostas que vão ta em discussão. Tivemos com quatro

família, tivemos com nove sem nenhum problema. Os núcleo tem uma... ma... uma coisa

interessante que... o núcleo funciona quando tem alguém que a liderança que consegue

arrepassá a proposta... Quando não tem, se tu faz um núcleo que não tiver vários

organizador e você tem que fazer pra eles dá gosto lá na reunião, mas se ele não tiver as

condições de repassar, o núcleo nunca funciona. Chegam lá e ficam assistindo um negócio

que ninguém, ninguém quer assunto maior. As vezes um questionamento não traz resposta.

(...) Não temos, temo que discuti com ele., planejar com ele que agora a gente ta fazendo

essa discussão com o núcleo, mantemo nosso núcleo sem analfabeto que nóis do

assentamento pode contribuí com quem não pode. Tem um projeto desse núcleo... Eles que

tão dizendo o horário, aonde, como e o tema.

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CL – Através de diálogos, através de muitos diálogos. Creio que assim... pode ser que

venha alguma coisa nesse sentido, mas eu tenho que ter clareza que...a escola, ela deva

funcionar, essa palavra mesmo... de acordo com o objetivo do consenso do coletivo ...é

..mas na tentativa de estar sempre dialogando, cada vez mais, e a escola não é a proposta

do CL ou de outro professor qualquer, ou de um membro da comunidade, ou da liderança, é

a proposta do MST. Isso a gente tem procurado pautar nas discussões...é... existe

divergências, não de opinião, assim...mas...de...de linhas de ação, de como é que vai fazer,

como é que vai deixar de fazer. Se vier a gente vai procurar trabalhar da melhor maneira

possível até fazendo uma retrospectiva da própria história de vida desses assentados,

história de vida da sociedade, porque não dizer...assim...de forma gera, e dizer que isso

foi..assim...um dos grandes motivos da exclusão desse povo. Acho que a gente tem que

trabalhar...é... sempre no consenso, mesmo que isso às vezes seja difícil de acontecer.

As Escolas surgem da discussão dos assentados

CO – Foi uma discussão entre os dois assentamentos né, que até foi discutido e daí feito

bem no meio dos dois assentamentos, que é aquela área ali que é boa pros assentamentos

né, foi uma discussão que... a partir dessa discussão que o pessoal começou a aprender.

CN – A discussão surgiu de uma necessidade que nóis tinha de ter essa escola né, e daí

então nóis sabendo que era longe, na cidade, né, nóis vimos que tinha a necessidade.

CN – Pra começar nós não tinha meio transporte na época, não tinha nada né, basicamente

era... Não, se fosse para ir né, no caso que tivesse que ir pra cidade, é a pé né, então ia ficar

muito ruim né, se tivesse que educar um filho, um filho teu pra ir daqui na escola, claro que

poderia ter conseguido um transporte né, mas na época ...a gente pensava em ter uma escola

nossa aqui.

CN - As duas escolinhas surgem antes.

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CO – Surgiram as escolinhas primeiro né, que no começo eles davam aula assim né, nos

barraco, tudo, daí depois com muita pressão foi conseguido as duas escolinhas né, a Vinte

e Quatro e a Nossa Senhora Aparecida, aí depois foi começado a discussão pra fazer em

conjunto que até o objetivo era depois eliminar essas escolinhas. Era eliminar e fazer tudo

lá, né. Fazer a Escola Agrícola que fosse o Centro dos dois assentamentos, só que daí por

não ter né, não tinha condições, era muita criança, daí as escolinhas continuaram.

A importância da Cooperação para combater os atravessadores

CL - Nessas três décadas as transformações ocorrem no campo de maneira significativa,

e...e com o tempo as pessoas vão notando que tem uma série de...de restrições a este

modelo, que foi imposto, não foi construído com as pessoas, foi construído pra eles, e...e a

própria história do MST...ela vem disto também, claro aliada a vários outros fatores de

significância na época.

CN – Quando nóis chegamo aqui a gente tentô trabalha bastante coletivamente, né, foi

criado um grupo onde a gente foi trabalha coletivo, mas sei lá a idéia não se fechava muito,

em comparação da minha com outro vizinho e tal e coisa, chegou num ponto da gente

rachar né, ficando meio assim individual né, mas não foi por isso que a gente parou com a

luta né, aí teve a associação e depois disso daí a cooperativa, só que não conseguiu

deslanchar também a cooperativa né, deu meio que uma parada assim, né, não houve assim

também um incentivo do governo pra que nóis conseguisse deslanchar a cooperativa uma

coisa meio que parada e agora a gente tem muita esperança com o governo Lula, do

contrário ... tipo assim sem pai sem dono né não tem quando entregar o produto, entrega

pro atravessador e... aquela luta, então cada um vende pra quem pode vender, onde achar de

vender.

CN - Sempre correndo o risco né, de não entregar sua safra e perder, aconteceu...

Teve uns malandro aí que deram cheque sem fundo.

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CO – Tem umas quatro, cinco famílias que até hoje não receberam, perderam as casa e o

sítio.

CN – Eu ainda acho que a gente tem que ter aquela esperança, uma cooperativa.

As principais dificuldades...

CP – Aqui eu até esse ano tô arrancando o resto dos pêssegos, que tinha plantado 400 pés

de pêssego, e arranquei, esse ano agora tô com esse tem dado bem só o problema é que a

gente tá numa região que as grandes firmas que dominam, aconteceu já da gente ponhar os

pêssegos na câmara fria e o comprador irem lá, os caras dizer que não tinha pêssego, foi só

pra dizer pra nós mesmo abandonar o serviço, outros casos também a gente vendeu e não

recebeu. Mas que é uma combinação que uma liga outra, não sei se é combinação mas que

uma coisa liga à outra, liga.

CQ – Eu acho que aí existe fatores bem diferentes é que lá não tem nossa agricultura e além

da agricultura você planta você não tem subsídio de nada, você não tem nenhum seguro

agrícola pra que te favoreça e você como assentado geralmente já não direito a

financiamento, não tem direito a nada no banco, então você faz por tua conta própria, se dá

uma zebra no fim da safra e não conseguiu colher bem, como deu esse ano no alho onde

70% dos agricultores não conseguiram colher nada, se quebra né, ou então se vende e não

recebe né, que esse já é outro detalhe que talvez tem a questão de organizar a

comercialização né, que é uma coisa também que tá batendo a muito tempo dentro do

sistema desde que estamos no movimento sem-terra né, então eu acho que a diferença que

está nesta questão do fumo é a história da segurança né, você vai produzir aquilo ali sabe

que a firma... , qualquer coisa não interessa que não vai pagar tem o seguro aí, então o

pessoal aposta naquele... então eu não me admiro de hoje vários assentados estarem

trabalhando digo assim como bóia-fria pode até suceder, né, eu acho que hoje o pequeno

produtor que, nós nem somos considerados agricultor a nível de Brasil; né, agricultor pra

eles é considerado aqueles fazendeiros que vão lá e pega R$ 50.000,00 por ano de

financiamento, e que devem horrores e vão lá e tem financiamento, agora o assentado se

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deve R$ 5.000,00 ou sei lá ele não tem crédito pra pegar mais dívida pra poder colher uma

safra que, com aquela safra ele podia tirar 10, 15 e pagar todo o seu financiamento, então eu

acho que há uma discriminação, isso não tem nem o que ... pros órgãos público né, a

respeito quando se trata de ... sendo um assentado, sendo um sem-terra, então eles

realmente não são bem tratados, há discriminação no financiamento, nos recursos né, eu

acho que a questão é essa né, você produz né, nós na maioria produzimos uma boa safra,

estamos com nosso alho aí assim, não sei o que vamos fazer né, se não fizer isso é vender

né, gasta uns 20 e tantos mil reais pra produzir e agora você não consegue vender uma

cabeça, até hoje não consegui vender uma cabeça e já tá na hora de começar e já estamos

plantando de novo né, tudo isso acontece na agricultura né, então por isso é que eu não me

admira que alguns tenham que trabalhar como bóia-fria né, ou de nós algum dia ter que

trabalhar um, dois dias né, por semana e trabalhar pros outros, ajudar né, senão por bóia-

fria os menino troca de serviço né, pra poder um ajudar o outro.

CP – O pequeno é. E outra coisa que eu planto é feijão, milho, alho, só esse ano plantei

alho, também tive que lavrar porque deu uma peste, lá tive um grande prejuízo e a principal

dificuldade que nós temos hoje aqui na agricultura é o atravessador, porque mesmo os que

mantém inclusive tinha um cara no núcleo ... que só do que ele comprou de feijão na região

aqui sobrou pra ele comprar um FIAT 0 Km.

(...) Só comprando feijão com outra, que era o Joel de Curitibanos pagava pra ele, ele

pagava R$1,50 por saco, que não saia nenhum centavo do bolso, quer dizer ele era só o

intermediário do outro atravessador.

CP – das grandes. É nós estamos sem cooperativa e até nós não conseguimos essa

cooperativa, como falei do começo, a gente vai manter a sobrevivência do lote através da

pouca experiência, a gente já teve aqui na escola, dos colegas vizinhos...

Trabalho, Produção, Sobrevivência: a situação nos assentamentos.

Cg – Péssimo, meu Deus, péssimo. Precisa trabaiá, meu Deus. Esse ano o nóis passamo,

esse ano... Esse ano o que nóis passamo, esse ano...

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204

CF – Num passava.

Cg – Ce vê, veio um irmão meu e eu não consegui esconde, sabe, a tristeza e a canseira que

eu tava e daí ele até pediu pra mim ter fé, trabaiá memo, eu nunca trabaiei e neste ano...

CF – Trabaiamo pra fora pra mantê , daí ta trabaiano pra fora, né? Você deixa de ta em

cima do lote. Esse ano de trabalho fora nói num produziu aqui, ano que vem da na mesma...

ta passando aperto de novo, né? Entregamo feijão na Cooperativa e fiquemo sem recebe até

hoje. (...) vai enrolando e você se obriga ir de novo trabalha pra trazer o alimento pra dentro

de casa, né? (...) É. Nós num tinha outro jeito, né? Ce num tem produção, bicho pra trata,

pra come. A gente vai... agora esse ano nóis demo é mais um pulo... agora nós tem que

caminha de novo.

O Fumo, O alho... as contradições...

CL - Mas eu diria assim, também....a tentativa de...de acabar com a reforma agrária através

da retirada da assistência técnica, os créditos de custeio, os procera, seja eles pras linhas

que fossem, fez com que as pessoas começassem a se voltar pra determinadas linhas de

produção que pudessem, de certa forma ta garantindo a sustentabilidade econômica, não só

a questão de você ter o que comer, mas eu creio que tem muita coisa pra mudar ainda, mas

o bom é que a gente ta tentando fazer.

Cg – É, a coisa que mais conta, sabe, eu... às vezes chego de noite num...não durmo

pensando...

CF – (...) agora, não tinha condição de compra uma semente, não tinha condição de compra

um adubo, e aí... Hehhh.... Ela a empresa vem e trás tudo. Agora esse ano nóis conseguimo

coiê bem, feijão, bem de feijão, conseguimo coiê bem (...) Cada um vai vender o seu... não

tem cooperativa... – (trecho inaudível) ... a única maneira que nós tinha memo de sair, né

ai vem... (...) Pois a maioria do pessoal... aqui...planta fumo. Planta um pouco de feijão pro

gasto e o resto é fumo, maioria ta ocupando a terra...com...fumo da Souza Cruz.

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Cg – Tem negocio de verdura, também, coisa mais sadia.

CF – Exatamente... O desespero da pessoa... Era porco, era frango ou vaca...aquilo era

sagrado...

(...) Nós temos tudo. Tem a cooperativa, tem as... tem o armazém, acampamento. E aí é só

ter recurso pra ponha pra funciona. Incentivo pros agricultô plantá...caminha.

dando subsidio. Dando a semente, já garantindo pelo menos o dinheiro pra plantar.

O preço justo dos produtos.

CR – Eu penso que os outros diz, os outro ... lógico que a reforma agrária que os outro,

quem tem que fazer também é ...é os beneficiados por ela né, que segundo a reforma agrária

penso assim né, nós temos que saber o quê queremos né, ... espera dos governante que a

parte deles faça né, que faça a parte deles e nós estamos aí pra discutir também, não

queremos que uma coisa vem aqui implantada de cima pra baixo sem perguntar pra nós e

como nós somos assentados e, ou sem-terra mesmo né, eu acho que ... o grande dos sem-

terra é a política agrícola que tá implementada no país né.

CZ – Numa, numa...a questão da agricultura...ela é bastante...nos últimos anos, aí, tá muito

difícil de trabalhar. Isso não é só na agricultura. Pelo menos no governo passado foi sempre

massacrada, pelo menos os pequenos agricultores, as pequenas famílias fora muito

castigadas com os planos de governo anteriores aí...é...a gente via o médio e grande

produtor, eles chega lá no banco , eles tem o recurso em mãos a hora que ele quer e para o

pequeno agricultor é mais difícil, então...é...em termos gerais, no assentamento ta difícil

para todos os assentados, acredito que não só para os assentados, mas para todos os

pequenos agricultores, né? Haja visto que...é...se não tem um...um...incentivo pra gente

produzir, é muito difícil pra gente trabalhar, né? E por outro lado, a questão do atravessador

é muito assim....é muita concorrência, então...humm....você às vezes acha que o seu

produto, é...vai ter um valor um pouquinho melhor, é...mais acaba é...se tornando

assim...é... como é que eu vou dizer...desvalorizado...assim...na...na hora de você

comercializar o teu produto porque sabe como é que é...é...o atravessador quer sempre tirar

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o dele e o agricultor, o produtor, que produz mesmo, eles não querem nem saber como é

que funciona o trabalho do produtor, né? Então essa questão é de...de...relação, de governo

e agricultura aí...a esperança é que o nosso governo agora venha a fazer alguma coisa por

nós, haja visto que foi os trabalhadores que colocaram ele lá. Então a gente precisa ter fé e

acreditar que ele vai fazer alguma coisa por nós, se bem que ta...que o homem ta meio

devagar ainda, né? Hehehehe

Sobre a liberdade

CP – Livre? Olha, eu sempre discuto assim ó livre...livre pra mim, sabe o que é livre? É

quando eu posso fazer com o vizinho, com o filho, a mulher, feliz, daí eu sou livre, ali que

eu faço, se eu não faço um vizinho feliz, minha mulher, meu filho, não sou livre.

CQ – Eu acho que ainda não é livre né, enquanto nós vivermos nesse sistema, digamos

assim, econômico, realmente o assentado não é um ser humano livre, porque você é

cercado por todos os lados, de pressão e coisarada, e realmente você produz dentro daquele

seu limite ali, aquela coisinha, e depende de tudo dos caras de fora pra tu vender, pra tu

comprar né, e a própria questão nossa política hoje, econômica, agrícola, não é determinado

por nós né, é determinada pelo FMI, pros americanos, então enquanto o Brasil estiver nesse

sistema econômico capitalista jamais um assentado vai ser livre né, ou um pequeno

agricultor, que seja, então eu acho que ... dá aquela sensação de liberdade “ah você

conseguiu, conquistou o seu pedaço de terra, tem o teu lote né” mas aí começa .... aí tu vai

perceber que sua briga é muito maior e que tem muita terra né, tu tem que mudar o sistema

que tá te impondo esse tipo de coisa, ou senão a verdade te diz você volta, vai voltar a ser

um sem-terra, porque se hoje vários pequenos agricultores tão indo embora. No governo

Fernando Henrique que foi mais de 600 mil famílias que abandonaram o campo né,

enquanto que ele não conseguiu assentar nem 20 mil, foi um desastre assim, pra agricultura,

então eu digo assim, a mesma coisa acontece, ou nós mudamos o sistema econômico né, o

jeito de se tratar o agricultor né, ou tentar resolver como se fosse um negócio né, aquela

propriedade lá é um negócio e você tem que tocar uma empresinha e tem que dar certo né,

só que não há um incentivo pra isso, há incentivo pros grandes fazendeiros, pros grandes

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né, do nosso país, então claro assim que dizer certo um assentado não é livre, conquistou

um pedacinho de terra e tem que trabalhar, tem que trabalhar normal, temos que trabalhar

né, mas na verdade essa questão que se fala a liberdade né, uma coisa, uma questão de ser

livre, é uma coisa que tem que ter uma mudança a mais pra nós dizer nós somos livres no

nosso país, nós produzimos feijão e arroz e milho porque o brasileiro precisa comer e

estamos produzindo pra acabar com a fome né, então isso não é verdade, a gente produz pra

poder sobreviver na estica, você não produz aquela ... vamos hoje produzir mil quilo de

salame né, carne, porque lá é o local que precisa pra comer né, há incentivo do governo, né,

e todo brasileiro vai comer um pedacinho de carne então, porque tá produzindo uma coisa

decente, e isso não é verdade, então hoje é ... nós não somos isso né, trabalhamos naquela

obrigação pra se sobreviver e ter o filho na roça e poder se manter né, que o sistema

capitalista o que quer é tirar nós da roça, pra que nós seja mão-de-obra barata né, em

qualquer canto do país, então por isso quando você fala assim ser livre né, nós que

entendemos um pouco da nossa história e queremos a mudança do país dentro desse

sistema opressor que tá aí, ser livre não é só conseguir um lote né, realmente tem várias

outras mudanças que temos que fazer no nosso país né, pra realmente dizer assim ó nós

temos uma nação livre aí nós teríamos assim um assentado livre, mas enquanto nossa nação

for escrava principalmente o assentado igual à sua nação é, o assentado, o agricultor

também é.

Cj – Não. Não. Ele não é livre. Não é livre porque a disposição do processo, do projeto

agrícola e na situação que leva a agricultura, que ele acaba muitas vezes funcionário da

propriedade, daí ele acaba não tendo lazer. Ele acaba não passeando mais, ele não vê muito

mais o vizinho, não tem nem mais porque. Ele tem que ficar em função daquilo ali, se não

ele não sobrevive. A situação coloca você nessa realidade. Não é que você não queira, sou

um cidadão que vou trabalha, vou trabalhar é...bem, bem planejado... E... Vou visita meus

amigo, vou debate na escola, vai me sobra tempo pra estudar. Se eles fizé isso, no final da

história, ele não paga aquele que deve. Não, porque ele não é mais um cidadão, é que é a

imposição do próprio modelo, o próprio modelo que faz... Tu tem que produzir mais e

ganha menos. Ai você se obriga a ficar em função... Claro que não dá pra comparar um

assentado com uma pessoa lá que é um funcionário de uma empresa, ele tem minutos a

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cumprir. O assentado não, não tem. Se ele tiver por opção tira duas horas, tira três horas.

Não é por isso, mas só que se ele não fizé esse trabalho de levanta de madrugada e

trabalhando até à noite, ele não consegue manter aquilo que ele já conquistou. Pra manter o

que conquistou, ele tem que ser um sujeito que ta a serviço da propriedade.

CZ – Bom...a liberdade assim...eu vejo que a liberdade, a gente...se conquista. Só que às

vezes as ferramenta, né? E no nosso causo, nos assentados, nos teríamos que ter um

subsídio no causo de um governo, né? Pra que a gente pudesse realmente se libertar e

continuar a fazer aquilo que a gente quer fazer, sem muita pressão, sem muita cobrança,

e...Prá gente conseguir produzir, pelo menos pra gente se manter na agricultura, no

assentamento.

Agradecimentos e palavras finais

Cd – Acho que aqui a gente, do ano passado pra esse ano a gente já conseguiu assim

avançar um pouco nessa questão pedagógica, porque a minha preocupação maior é nisso

né, a gente tentar fazer né, de uma forma diferente porque vem bastante visitas aqui né, e

por ser uma escola do movimento sem-terra a gente tem um compromisso muito grande,

acho que né, um desafio muito grande né, de tentar fazer uma escola diferente, senão daqui

a pouco a gente tá dizendo que é uma escola do movimento, que é diferente, mas quando

vai ver ali no dia-a-dia ou na prática né, a coisa não diferencia muito das outras escolas, eu

acho que esse é o nosso compromisso maior assim, de cada vez mais tá buscando né e esse

último curso que a gente fez aqui na escola acho que foi bastante interessante porque abriu

bastante né ... a possibilidade de estar fazendo diferente, de tá começando com algumas

idéias né, mas é importante a gente sempre ter pessoas assessorando, contribuindo ... este é

o grande desafio

Ca – Acho que agradeço, assim, por estar convidando eu, com certeza isso é muito

importante pras escolas, pro movimento sem-terra, porque pra nós quanto mais pessoas

analisando, estudando, nosso movimento pra nós saber cada vez mais está avançando, está

melhorando a forma que nós estamos organizados hoje, com certeza pra nós vai ser

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fundamental e é isso que nós precisamos, de pessoas competentes pra combater esse

sistema que está colocado para nós, então agradeço e, com certeza, vamos estar mudando

esse mundo com as nossas práticas, nossas teorias, nós vamos revolucionar o mundo.

Captando alguns sentidos

Ao separamos esse mosaico de vozes (falas, depoimentos, dizeres, diálogos) em quatro

momentos, pretendemos dar um quadro do que acontece na Escola Agrícola e nos

assentamentos adjacentes. Trata-se de mais um instrumento que realizamos com o intuito

de desvendar o território contestado e assumido pela territorialização dessas famílias em

movimento. Uma leitura compenetrada dessas falas nos possibilitam criar um quadro (ou

um mosaico) ou no nosso caso uma paisagem do significado da Escola, da escolarização e

da luta por terra de trabalho. Indo mais longe podemos fazer o que essa parte da dissertação

propõe, do campo ao campus, ou seja, estabelecer um dialogo do que eles e elas estão

dizendo e das possibilidades teóricas que nossos levantamentos bibliográficos nos

trouxeram. Desta maneira a Escola em suas relações cotidianas, contribui para que

entendamos como o currículo assumido pelos educadores/as e estudantes ocorre no dia-a-

dia e no ano letivo; outra contribuição para que o mosaico mostre a vida como se dá são as

falas da parte que destacam das entrevistas as relações entre Escola, Assentamentos e

MST, ora sabemos que esse movimento luta contra a elite e o Estado assumido por ela,

assim nessas falas os entrevistados discorreram sobre o papel do Estado, seja municipal ou

Estadual, sempre mais no sentido de como combatem a Escola e de como eles resistiram;

por falar em resistência e em possibilidades de transformação cultural, o tópico seguinte, a

saber: Formação de educadores e educadoras através do Instituto Josué de Castro criado

pelo MST para isso, em Veranópolis – RS, possibilita que jovens assentados possam galgar

uma profissão e retroalimentar a luta por Reforma Agrária, uma vez que ditam ações e

novas condições para a educação do campo. Nesta dissertação também comentamos sobre a

Escola Nacional Florestan Fernandes, localizada em Guararema-SP, que inaugurará em

janeiro de 2005 com cursos superiores e de pós graduação. Enfim Viver nos

Assentamentos fica evidente o papel de dois conceitos, territorialização do monopólio e

Monopolização do território, que é o que a indústria do fumo faz com boa parte dos

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assentados. Os resultados da luta que faz com o que podemos denominar Reforma Agrária

no Brasil esteja acontecendo.

Mas esse mosaico para nos ganha um sentido maior que somente criar espaço para

as falas adentrarem a academia, ganha um outro sentido quando dialoga com conceitos e

noções e provoca discussões.

Participar

Antes de descrevermos e analisarmos os passos e as vivências das oficinas de

diálogos realizadas com os estudantes e com as educadoras e os educadores da Escola

Agrícola 25 de Maio é importante tecer algumas ponderações sobre o que entendemos pelo

termo “participar”. Isso já vem realizando desde a primeira estratégia de pesquisa que foi a

observação, tanto que em algum momento da apresentação do que realizamos na pesquisa

concernente a isto usamos a denominação observação participante. Participar aqui neste

caso é tanto se dispor a estar atuante e disposto em cada momento das saídas de campo,

enfim o que podemos alegar como “se sentir em casa”, visto que foi assim que aquela

comunidade nos propiciou, como também anunciar o que percebemos de limites e

possibilidades nas duas estratégias de pesquisa já descritas anteriormente. Assim, observar

e entrevistar, atos de pesquisa que solicitam participação, ao passarem por um momento de

pré – sistematização servem de subsídio para serem anunciados nas oficinas de diálogo.

Tratou-se, portanto, de demonstrar um grau de compromisso com as pessoas que são os

grandes colaboradores desse estudo.

Durante nossa observação participante nas atividades cotidianas da Escola, tanto

ficamos atentos ao modo como as aulas ocorriam92, como também dialogamos com os

educadores e educadoras na sala dos professores e secretaria (as duas são a mesma sala),

com o intuito de percebermos como preparavam suas aulas, quais dificuldades possuíam.

Outro expediente utilizado antes de realizar nossas oficinas de diálogo foi apresentar uma

92 Gostaríamos de chamar a atenção que a observação em relação as aulas não ocorreu apenas com presença na sala de aula, mas também observando as aulas práticas e mesmo as aulas de sala, apenas ouvindo-as. Enquanto pesquisador na atitude de observar colocamos todos nossos sentidos a favor dessa observação.

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solicitação à diretoria da Escola, que por sua vez levou a mesma a reunião do Conselho da

Escola (ver anexos). Ali tivemos oportunidade de apresentar e defender a importância de

trabalhar com todas as séries expondo então nossos objetivos e qual o tempo necessário

para atuarmos em conjunto com as turmas. Nesta reunião agendamos a série de Oficinas

que realizaremos tanto com educandos/as como com educadores/as.

O caminho traçado foi o seguinte: um primeiro encontro com quatro Oficinas, na

qual trabalhamos com as quatro turmas, de 5.a a 8.a série. Essas tiveram caráter de ensino

aprendizagem, mas também de diagnosticar limites e possibilidades nos temas Escola e

Assentamentos. Num segundo encontro com os estudantes, retomamos o que

desenvolvemos na etapa anterior e posteriormente avançaríamos no que concerne à

organização interna da Escola: Brigadas e Valores ensinados nas atividades de ensino-

aprendizagem. Será que os estudantes iriam demonstrar através de atividades lúdicas o que

pensam e percebem da Escola? Essa é uma pergunta que fizemos à época. Após esses dois

encontros com as quatro turmas, fizemos uma Oficina de Diálogo com os educadores e

com as educadoras, o intuito dessa vivência seria discutir conceitos e possibilidades

didáticas pedagógicas pelo viés de contribuição geográfica.

As Oficinas de Diálogo

O que apresentaremos a seguir possibilita que através da descrição e análise das

vivências possamos discorrer sobre os objetivos, alguns dados, instrumentos utilizados e a

participação atuante dos educandos/as de todas as séries. O caminho que escolhemos segue

em geral aspectos de todas as oficinas, para depois especificá-las nos encontros de cada

série. Por último, apresentamos e discorremos a respeito da Oficina de Diálogo vivenciada

com os educadores e educadoras da Escola.

Concomitante a isso apontaremos assim critérios de avaliação dos instrumentos

utilizados a partir das relações descritas e analisadas. Ao descrevermos e comentarmos

sobre as oficinas realizadas com educadores e estudantes o que surge é também um diálogo

com o estado de arte do Ensino de Geografia, possibilitando algumas demandas sobre

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Alfabetização em Geografia. Desta maneira, ao analisarmos algumas contribuições de

estudantes por série; debatemos à luz de alguns conceitos importantes para a ciência

geográfica e para a geografia escolar. A Geografia da Escola do Campo e seu currículo em

ação precisam dialogar com esses conhecimentos. Promovemos em nosso entendimento um

diálogo entre Saberes: ciência, conhecimento popular (acumulado das experiências do

Movimento socioterritorial) e saber escolar. Esse último gestado numa escola construída

pelos educadores e educadoras do campo, assim como pelos estudantes, filhos e filhas dos

camponeses. Unir as discussões teóricas sobre o ensino de geografia com as oficinas que

realizamos na Escola foi um dos nossos caminhos.

Se atentarmos para o Quadro das etapas das saídas de campo (anexos)

verificaremos que as oficinas de diálogos ocorreram em três visitas: maio de 2003 e

novembro de 2003, nestas duas oportunidades trabalhamos com as quatro séries, realizando

oficinas separadas para cada série, a última saída de campo que realizamos em dezembro de

2003 foi demarcada entre outros atividades pela oficina com educadores/as.

Oficinas de diálogo na Escola Agrícola 25 de Maio

Como já reportamos anteriormente, um dos instrumentos da pesquisa foi a análise

a partir de oficinas didáticas pedagógicas com as turmas do ensino fundamental e com os

educadores/as. Esses encontros que denominamos de oficinas de diálogo (visto que a

intenção maior era estabelecer um dialogo os saberes acadêmicos e camponeses) visaram

construir e refletir sobre conceitos, bem como desenvolver habilidades ligadas à discussão

da gênese desses conhecimentos, ao mesmo tempo em que abriam caminho para que

pudéssemos entender e questionar a vida nos assentamentos e da Escola.

Nossa base conceitual teve apoio nos conceitos de Espacialização e

Territorialização (Thomas, 1995. Fernandes, 1999). Tais conceitos nos permitem entender

o papel de uma escola e auxiliar na análise dessa instituição no que concerne à vida da

comunidade assentada. Estabelecemos um diálogo, com as possibilidades e confrontos

entre o fazer científico de um lado, e do outro o saber popular que age localmente

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concatenado a um currículo em movimento, do setor de educação do MST, se

espacializando e territorializando pelos diversos locais, possuindo abrangência local e

nacional. Evidentemente que essa separação entre saberes não é tão simplista assim, apenas

chamamos a atenção aqui para as possíveis características próprias da gênese de cada um

desses saberes, como também a influência do local na dinâmica que prevalece sobre cada

um deles. Os assentamentos são lugares dinamizados por mediações que necessariamente

são fruto de dinâmicas fomentadas a partir de concepções intelectuais constituídas por

iniciativas acadêmicas e, portanto, científicas. Ou seja, nos assentamentos, apesar de serem

conquistas territoriais da luta por terra de trabalho dos camponeses organizados, temos que

perceber que ali existe uma influência do saber sistematizado através do papel dos

mediadores que representam a burocracia estatal.

Mas regressando as nossas intenções descritivas sobre as oficinas, afirmamos que

por meio de uma prática didática - pedagógica de ensino da Geografia, o que chamamos de

“oficinas de diálogo” provocaram e despontaram algumas dessas relações. Isso é o que

passaremos a descrever agora.

Estas oficinas fizeram-se necessárias ao projeto: pois urgia que tivéssemos

manifestações dos sujeitos envolvidos com a mesma, em relação a conceitos que a

Ciência Geográfica apresentava em relação ao Problema Agrário Brasileiro.

Por não ser a única atividade que realizamos em nossas idas a campo, as oficinas

serviram mais como impulsionadores para encaminhamentos futuros por parte dos/as

educadores/as. Tivemos que apostar numa intervenção de formação de educadores/as, visto

que não alcançaríamos nossos intentos com os educandos devido às atividades com que

estavam envolvidos a partir do segundo semestre.

Nas Oficinas pretendemos desenvolver instrumentos e vivências que

possibilitassem alcançar dois objetivos específicos para essa atividade:

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a) Realizar uma sondagem sobre como os educadores/as e estudantes compreendem os

seguintes conceitos:

- Questão Agrária, Reforma Agrária, Escola e escolarização,

assentamentos, territorialização, espacialização, terra de trabalho e terra

de exploração.

b) Diagnosticar e apontar materiais didáticos - pedagógicos que esse encontro sugerirá,

estabelecendo um diálogo entre o saber universitário e o escolar (Saber construído com os

princípios de uma escola do MST), para desta maneira intervir na formação dos educadores

e educadoras.

Primeira Oficina com estudantes: aspectos gerais

A primeira oficina abrangeu dois momentos: no primeiro foi exposta ao grupo de

educadores/as e ao Conselho de Escola o que pretendíamos: ouvir os estudantes, para assim

diagnosticar as possibilidades e limites do ensino/aprendizagem em Geografia. A partir

dessa discussão que foi travada sobre leitura de documento que se encontra no anexo I,

adentramos em sala de aula, nas quatro turmas. O Grupo solicitou a possibilidade de

construirmos uma maquete da Escola. Num segundo momento, já em sala de aula,

acompanhado pela educadora da área de Geografia, a idéia foi de diagnosticar:

pretendemos fazer um levantamento de como os estudantes representam o espaço vivido e

cotidiano, próximo a eles, entendíamos que a partir das representações colhidas poderíamos

perceber e discutir sobre a Alfabetização Geográfica necessária e a já alcançada. Optamos

por diferenciar nossa solicitação: na Quinta e Sexta séries pedimos para que fizessem um

desenho sobre a Escola; na Sétima e Oitava séries para que desenhassem os Assentamentos.

Essa diferenciação se devia ao que pretendíamos alcançar como objetivo solicitado na

conversa com educadores/as e participantes do Conselho: a construção de uma Maquete da

área da Escola. Pelos desenhos a escola foi representada como uma área vivida, ou seja o

local em que mais convivem cotidianamente. A parte da escola onde os estudantes vivem

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diariamente. A parte não percebida da Escola era uma zona de preservação permanente que

a maioria das representações dos estudantes desconsiderava. Nossas oficinas foram apenas

o embrião para a construção da Maquete Geral da Escola.

Entramos em sala de aula, nas quatro turmas em um único dia. Saímos com 67

desenhos realizados pelas crianças e jovens destas quatro séries e alguns deles são

apresentados e brevemente analisados ao final deste sub-capítulo.

Abaixo detalhamos o relato de como ocorreram as primeiras oficinas, seus

aspectos gerais para todas as séries, destacando alguns momentos que registramos no

contato com os estudantes:

Manhã: 7ª e 8ª séries com 27 participantes.

Tarde: 5ª e 6ª séries com 40 participantes.

Aspecto geral das primeiras oficinas com estudantes:

- Diálogo inicial (apresentação do coordenador, proposta da oficina);

- Apresentação dos estudantes (nome e lugar onde reside);

- Audição e leitura das letras das canções (as letras estão mais a frente neste texto) usadas

para sugerir o tema;

- Diálogo sobre o entendimento das canções, o que é novo, o que chamou a atenção.

- Atividade lúdica sobre importância de trabalho em grupo (quebra-cabeças coletivos para a

sexta, sétima e oitava séries); na quinta série a atividade lúdica ocorreu após as atividades

com desenhos e consistiu numa brincadeira com cadeiras, na qual as cadeiras vão se

escasseando e a turma tem que arrumar um jeito de que todos os participantes sentem.

- Desenhando a Escola (quinta e sexta séries), desenhando os Assentamentos e a Escola

(sétima e oitava séries).

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Os procedimentos trilharam os seguintes passos: apresentações pessoais e da

importância da oficina (a direção e a educadora da Geografia da turma me

acompanharam), distribuir as letras das canções, ler primeiro, anotar palavras difíceis,

ouvir, cantar juntos, comentar, tirar dúvidas sobre a mensagem ou mensagens das letras

das canções. Após esses procedimentos em relação às canções, solicitava-se aos

participantes as seguintes atividades: manifestarem-se com desenhos (representação)

sobre o tema principal da canção. O objetivo principal era que representassem o tema e

com essas ilustrações poderíamos analisar: alfabetização cartográfica, relação de

vivência da e na escola, papel do MST nas ações da Escola. Alguns desenhos revelaram

possibilidades que extrapolavam esses objetivos. Como disse o Professor Ariovaldo no

exame de qualificação, foram mais geógrafos do que quem estava lá para “educá-los”.

Solicitei que desenhassem a paisagem e representaram o lugar, com todas as suas

relações. A partir dessa constatação os desenhos se tornam peças importantes para

futuras análises da Escola do MST, iríamos utilizá-los nas próximas oficinas. De forma

implícita podemos afirmar que essas representações revelam um certo grau do que os

estudantes vivenciam na escola. Após o exame de qualificação pudemos ter mais

evidencias para intervir qualitativamente na oficina com educadores e educadoras o que

descreveremos mais adiante. Esses trabalhos dos estudantes remetem também a uma

discussão da espacialidade concernente a assentamento e escola.

Começamos por perguntar como entendiam esse lugar novo, esse núcleo de

construção da cidadania, denominado assentamento. Nesse momento tínhamos a

possibilidade de perceber se viver ali implicava em algo novo também. Cabe a

pergunta: como o velho e o novo se encontram e pode sugerir ações de ensino

aprendizagem?

O que desponta para nossa análise é a relação entre saber científico acadêmico

e saber escolar: dialogando com as sistematizações curriculares locais e nacionais do

MST, o que já praticamos nos capítulos anteriores. A aprendizagem de Geografia numa

Escola do Campo, a formação de conceitos utilizando a linguagem cartográfica para

compreensão das ações podem ser pensadas e sistematizadas enquanto proposta de

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ensino-aprendizagem a partir dessa simples contribuição, pelo menos num aspecto

inicial. Poderíamos a partir dessas ações contribuir na formação de conceitos entre os

educadores/as, ao final realizando uma avaliação crítica e sugerindo uma proposta de

ensino de alguns conceitos para reforçar a relação entre saber acadêmico e saber

escolar. Enfim, ao analisarmos como estava sendo a formação geográfica dos estudantes

e de como uma proposta de ensino (se necessária) podia auxiliar nessa formação,

descobrimos que também podemos estender essas preocupações e contribuir para a

formação dos educadores.

Após realizamos oficinas com os estudantes de todas as séries, prosseguiríamos até

realizarmos uma maquete da Escola como foi solicitado na primeira reunião. O calendário

escolar e as atividades que já estavam programadas pelos educadores fizeram com que

mudássemos de encaminhamentos, ou seja, surgiram o que entendemos como os

imprevistos de uma pesquisa. Este foi o segundo ano de Pesquisa de fim de ano daquela

comunidade escolar, mas trouxe inovações, principalmente no quesito temas e participação.

O que os educadores/as não contavam é que teriam tanto envolvimento naquele ano (2003),

pois tanto aumentou a quantidade de estudantes da sétima e oitava série como também a

Escola contava com novas educadoras, que não tiveram a experiência acumulada do ano

anterior sobre essa orientação de pesquisa. Sem contar que na metade do semestre uma

delas pediu demissão e os estudantes que a mesma orientava tiveram que ser distribuídos

para outras e outros educadores. De maneira geral, nas duas oficinas, fizemos os

levantamentos dos limites e possibilidades dos estudantes e apresentamos na oficina dos

educadores, serviram de subsídio para as discussões que travamos na oficina com os

educadores.

Sobre o material que utilizamos para desenvolver essas primeiras oficinas

apresentamos as letras das canções trabalhadas junto aos estudantes das quatro séries da

Escola Agrícola 25 de Maio nos anexos, mas gostaríamos de destacar aqui a canção de Zé

Pinto, que apresentamos na 5ª e 6a séries, chamada “PRA SOLETRAR A LIBERDADE”

que nos remete questionarmos aos educandos primeiramente se o ato educador, que a

Escola, a escolarização proporciona, possibilita a libertação. Mas libertação em relação a

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que e a quem? Outras preocupações destacadas pelos estudantes foi a temporalidade

(enquanto memória), mas também enquanto extensão de falta de direitos para a maioria do

povo. Então essa canção aponta que para melhorar só com educação decente, e mais escolas

em vários municípios do Brasil. Une educação e felicidade e uma vez unidos, aponta para

que fiquemos mão em mão para juntarmos forças. Além de ser uma questão meramente

numérica, ou seja quantidade de escolas, apresenta também o jeito de ensinar, tem que ir

além do BeaBá, para alcançar a chamada cidadania plena. Eles de certa maneira identificam

a Escola em que estudam com a que Zé destaca em sua letra. Essa escola mostra para eles

algo de alternativo. Mas ficou complicado para os estudantes da quinta série terem claro o

que é a Reforma Agrária também na educação. Talvez pela idade que têm ainda não

percebam a importância de morarem em assentamentos e acampamentos.

Letras das Canções utilizadas na Primeira Oficina com os Estudantes

5ª e 6a séries:

PRA SOLETRAR A LIBERDADE

(Zé Pinto, fez. Leci Brandão, canta)

R: Tem que estar fora de moda

Criança fora da escola, pois há tempo

Não vigora o direito de aprender

Criança e adolescente numa educação

Decente prá um novo jeito de ser

Prá soletrar a liberdade na cartilha do

ABC

Ter uma escola em cada canto do Brasil

Com um novo jeito de educar prá ser feliz

Tem tanta gente sem direito de estudar

É o que nos mostra a realidade do país.

Juntar as forças, segurar de mão em mão,

Numa corrente em prol da educação

Se o aprendizado for além do Be A Bá,

Todo menino vai poder ser cidadão.

Alternativa prá empregar conhecimento

O Movimento já mostrou para a nação

Desafiando dentro dos assentamentos

Reforma Agrária também na Educação

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7ª e 8ª séries:

ASSENTAMENTO

(Chico Buarque)

“Quando eu morrer que me enterrem

na beira do chapadão

contente com a minha terra

cansado de tanta guerra

crescido de coração

Tôo.” (apud Guimarães Rosa)

Zanza daqui

Zanza prá acolá

Fim de feira, periferia afora

A cidade não mora mais em mim

Francisco, Serafim

Vamos embora

Ver o capim

Ver o Baobá

Vamos ver a campina quando flora

A piracema, rios contravim

Binho, Bel, Bia, Quim

Vamos embora

Quando eu morrer

Cansado de Guerra

Morro de bem com a minha terra:

Cana, caqui

Inhame, abóbora

Onde só vento se semeava outrora

Amplidão, nação, sertão sem fim

Oh Manuel, Miguelim

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Primeira Oficina de diálogo com os educandos e as educandas da Escola Agrícola

25 de Maio: aspectos específicos de cada série.

Na parte anterior, descrevemos os instrumentos que utilizamos com os

estudantes para realização das oficinas de maneira geral, abaixo descrevemos aspectos

específicos das oficinas, com comentários dos croquis realizados. Essa breve análise é

feita à luz da alfabetização cartográfica, sendo consideradas entre outras, as habilidades

do estudante para analisar, sintetizar, criticar, deduzir e estabelecer relações, além de

administrar conflitos e trabalhar em equipe. Queríamos captar limites do processo de

ensino de geografia através do convite que realizávamos.

Ao apontarmos abaixo os aspectos específicos das primeiras oficinas estamos

revelando o grau de participação e apresentamos comentários sobre a relação com os

estudantes por turma.

5.a série: Alguns desenhos realizados por estudantes

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Assim, temos na turma da quinta série, com a participação de 17 estudantes,

que são ainda em sua maioria com dez ou onze anos de idade, surgiu uma dúvida sobre

o que é Reforma Agrária, devido a uma parte da canção. A diretora estava na janela

neste momento e depois veio me explicar que nas séries iniciais não é trabalhado o tema

Reforma Agrária. Resta a seguinte questão: é necessário que entendam de que maneira

esse conceito que está presente diariamente através de cartazes e comentários, ou até

nos gritos de ordem e manifestações, e também nas místicas realizadas pelos estudantes.

Quanto aos desenhos dessa turma eram bastante coloridos, em sua maioria

apontavam a escola especificamente o lugar onde estudavam, ou seja, a sala de aula.

Apenas um estudante fez um desenho mais abrangente, mesclando uma visão vertical e

oblíqua na mesma representação, colocando outros elementos da escola, como campo

de futebol, quadra de vôlei. Também percebemos muitas manifestações escritas nas

folhas, ligadas a palavras de ordem do Movimento. Essa turma se envolveu muito com a

festa de 25 de Maio, compuseram uma canção coletiva com auxílio das educadoras.

6.a série:

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Na Sexta série, participaram 23 estudantes, que se envolveram bastante com o

ato de desenhar. Já temos aqui mescladas as idades, mas uma boa parte da turma ainda

tinha a idade certa. Questionei tanto na quinta série como nessa sobre a caminhada deles

nas séries anteriores. A pergunta foi a seguinte: eu estudei em qual (ou quais) escola (s)

antes dessa? Pelas respostas apenas três não estudaram na Escola o ano anterior. Apenas

um era novo na Escola.

Quanto aos desenhos notamos que a maioria dos estudantes continuava

representando a Escola pelas salas de aulas. Quatro deles abrangiam outros elementos

da escola, como o campo de futebol, monumentos, refeitório. A maioria deles usou

régua, o que fez com que ficassem mais geométricos.

7.a série:

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A maioria da Sétima série, com apenas 14 estudantes presentes naquela manhã não

conhecia o trabalho TERRA93 feito para o MST por Sebastião Salgado, Chico Buarque

e o escritor português José Saramago. Existe um Livro das Fotos desse trabalho na

Secretaria da Escola Agrícola. Não conheciam a canção “ Assentamento”. Foi uma

surpresa agradável cantarem seguindo a letra mimeografada. Qual o motivo da Escola

não utilizar esses recursos para a aprendizagem?

As representações feitas pelos estudantes da Escola e dos Assentamentos

colocam a escola como central. Apenas dois estudantes dividiram a folha ao meio e de

um lado desenharam a escola e do outro um assentamento. Cabe lembrar que o tema foi

passado na lousa depois de escutarmos e dialogarmos sobre a canção Assentamento de

Chico Buarque.

Ainda percebemos que não existe uma projeção vertical nos desenhos

apresentados. Seria diferente se tivesse pedido para fazerem um mapa? Essa é uma

pergunta que com certeza teríamos que fazer quando voltássemos à escola para um

segundo encontro.

A seguir apresentamos algumas contribuições realizadas pelos estudantes da

sétima série.

8.a série:

Finalmente, com os 13 estudantes da Oitava Série94 tivemos uma boa

discussão após o enorme envolvimento deles na atividade do quebra – cabeças. Dois

estudantes deram depoimentos importantes sobre o trabalho em equipe e coletivo,

associaram as atividades da escola (brigadas principalmente) à vivência proporcionada

no exercício lúdico. Começamos a discutir sobre o conhecimento parcelado que impede

93 Uma parte do dinheiro arrecadado na exposição terra foi doado à Anca para compra de terreno em Guararema, Grande São Paulo, para futura Escola de Formação Nacional Florestan Fernandes. Ou seja, tal atitude dos três intelectuais serviu para apresentar o MST para vários países do mundo pois a exposição foi apresentada em vários continentes. 94 Esta turma compõe a Brigada de Cultura e Comunicação e me fizeram as seguintes perguntas para o seu jornal escolar: 1 - o que acha do Governo Lula? 2 - Qual a diferença entre dar aula aqui e em São Paulo? 3 – O que acha do nosso método de ensino? 4 – Qual o motivo de tantos pesquisadores freqüentarem essa escola?

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a visão total da realidade. Nesta turma, os estudantes partiram para uma representação

que envolve todos os assentamentos que são próximos à escola. Tiveram pouco tempo

para desenvolver um trabalho mais elaborado, mas percebemos traços de visão oblíqua

e vertical.

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Segunda Oficina de diálogo com os educandos e as educandas da Escola Agrícola

25 de Maio: aspectos gerais.

Ao encontrarmos num papelzinho escritas as seguintes palavras: igualdade,

liberdade, esperança, luta, amizade, nos reportamos àquela tarde de outubro de 2003,

quando realizamos a segunda oficina com uma das turmas. Já havíamos realizado as

oficinas com as turmas da parte da manhã. Nossa intenção maior nesta etapa era dar um

retorno do primeiro encontro e avançar no entendimento que os mesmos possuíam da

escola e do viver no assentamento, num mesmo movimento seria possível que também

remetêssemos às preocupações de ensino aprendizagem que nos conduzissem a todos a

realizarmos uma maquete da escola. Havíamos planejado isso para a terceira etapa, que

posteriormente percebemos que não seria possível realizar.

Tínhamos por objetivo proporcionar manifestações por parte dos estudantes das

quatro séries que nos relatassem sobre a vida na escola (quinta série), escola e MST

(sexta série) e nos assentamentos, com ênfase para a relação escola/MST/assentamentos

(sétima e oitava série). Essa separação respeita os temas que sugerimos desde o primeiro

encontro. Pretendíamos também que nos demonstrassem quais valores eles aprendiam

na Escola Agrícola que faziam com que essa fosse uma educação diferente. Mas cabe

novamente apontar que somente foi possível realizar as oficinas como haviam

planejados com a quinta e sexta série, visto que a sétima e oitava série estavam em

atividades de pesquisa de fim de ano. Com eles, tivemos um encontro para assistir a

filmagem referente a primeira oficina e combinarmos um encontro para o ano seguinte.

Com todas as séries debatemos os desenhos, as atividades lúdicas realizadas na etapa

anterior e realizamos uma breve avaliação oral.

Então a dinâmica com as duas primeiras séries da Escola ocorreu através de

dois momentos na mesma tarde: formação de grupos (primeiro escolheram um nome e

palavras de ordem do grupo), escolha de uma situação que fosse a mais importante da

escola, demonstração teatral silenciosa, a turma como um todo tentava dialogar e definir

o que o grupo apresentou anteriormente de modo silencioso. Faziam a mesma

apresentação na seqüência com voz e sons. Junto com os objetivos iniciais que já

apontamos, o que essa atividade revelou foi uma capacidade organizativa criativa por

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parte de todos os educandos/as.

Poderíamos ter feito entrevistas com os educandos/as para obter as informações

sobre essas relações, mas preferimos atividades lúdicas-pedagógicas, para deixar o

diálogo e a colaboração deles e delas virem por gestos e outras possibilidades. Se

fôssemos resumir numa frase a participação e os objetivos alcançados com os estudantes

naquele dia, poderíamos dizer o seguinte: Respostas que suscitam perguntas.

Em todas as séries assistimos a uma filmagem95 (gravação feita pela educadora

que ministra as aulas de geografia e que me acompanhou nas oficinas da etapa anterior),

o que causou muito envolvimento nos/as educandos/as ao se verem na televisão. Cabe

dizer que quem me acompanhou nestas oficinas da segunda etapa foi uma pesquisadora

que trabalha com Sexualidade e Gênero dos Jovens Assentados.

Ao apresentarmos um desenho aos estudantes escolhemos desenhos da sétima

série para mostrar para a oitava série e vice-versa, com a quinta e sexta série fizemos o

mesmo. Solicitamos aos estudantes que se manifestassem sobre o que estavam vendo e

a partir do que observavam, nosso objetivo foi que realizassem uma descrição inicial.

Uma vez feita a descrição, relatando vários elementos, questionamos se aquilo era parte

ou toda a escola, parte ou todo o assentamento, enfim se a representação estava dando

conta de representar a escola ou o assentamento como um todo. Assim chegaríamos a

necessidade da realização do mapa e de aprendermos essa linguagem. Nesta etapa,

ficamos apenas na diferença entre representação a partir de uma visão oblíqua e uma

visão vertical. Discutimos também que esse tipo de representação tinha bases culturais,

chamando a atenção de que alguns povos nativos da América não possuíam ou não

possuem uma visão de perspectiva, criada pela cultura européia, inclusive datada

historicamente.

95 Esse filme surgiu como imprevisto da pesquisa, não fazia parte dos planos iniciais, mas uma vez realizado e demonstrando o registro da primeira oficina, o que serviria em nosso ponto de vista para que os estudantes pudessem recordar o que viveram na outra oficina. O que esperávamos era criar um sentimento de continuidade.

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Segunda Oficina de diálogo com os educandos e as educandas da Escola Agrícola

25 de Maio: aspectos específicos de cada série.

Nesta parte dos nossos escritos somente apontaremos os títulos e os

comentários da dramatização realizada pelos estudantes naquela tarde de 27 de outubro..

As escolhas dos temas em grupos são reveladoras no sentido que apontam relações da

escola. Através das atividades de grupos podemos perceber o que mais destacam na

escola:

5.a série – 16 alunos (09 meninas e 07 meninos)

O trabalho através dos grupos ocorreu com dialogo entre os participantes, pudemos

perceber que todos os estudantes são bastante participativos, interessante que nenhum

grupo fez demonstrações de situações escolares parecidas com outros grupos.

Grupo 1 – futebol.

Grupo 2 – plantação e colheita de milho e feijão.

Grupo 3 – realizaram uma dramatização de que estavam estudando, fazendo trabalho

em grupo e depois apresentando a turma.

Grupo 4 – dramatizaram várias situações que desempenham nas “aulas práticas”.

6.a série – 22 alunos (10 meninas e 12 meninos)

Estes grupos realizaram dramatizações de situações vivenciadas na Escola e colocaram

títulos em seus grupos cujos quais demonstramos a seguir:

Grupo 1 – “Escola: um passo na vida” dramatizaram uma situação de sala de aula.

Grupo 2 – “Unidos na Luta”, dramatizaram alguns momentos da reunião das Brigadas.

Grupo 3 – “Prá soletrar a liberdade na cartilha do ABC”, dramatizaram envolvimento

com várias situações na escola (aulas práticas, místicas, futebol, festas).

Grupo 4 – “Comunicação e Cultura”, este grupo apresentou um leque de situações da

escola (vir de ônibus, assistir aulas, comer no refeitório etc)

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7.a série – 14 alunos (07 meninas e 07 meninos)

Diálogo sobre a filmagem, sobre os croquis realizados por eles e encaminhamentos

futuros que a educadora da área de geografia iria realizar com eles.

8.a série – 13 alunos (04 meninas e 10 meninos)

Diálogo sobre a filmagem, sobre os croquis realizados por eles e encaminhamentos

futuros que a educadora da área de geografia iria realizar com eles.

OFICINA COM EDUCADORES E EDUCADORAS

As entrevistas com assentados/as e educadores/as poderiam ter dado mais

elementos para que utilizássemos no planejamento e nas ações dessa oficina, porem

sua sistematização foi impossibilitada de acontecer antes da aplicação da mesma.

Com certeza estas poderiam revelar mais circunstâncias para que pudéssemos

apresentar nesta oficina que realizávamos. Mas tínhamos uma caracterização

realizada dos encontros com os estudantes nas etapas anteriores, propusemos uma

oficina aos educadores e educadoras a partir de diagnóstico que surge desses

encontros anteriores. Um dos objetivos é que o corpo discente da escola ao

representar Escola e Escola/assentamentos, possibilitasse nossa análise a partir de

três tópicos: alfabetização em geografia (com ênfase a cartográfica), relação de

vivência da e na escola (o que no cotidiano, nas ações curriculares, faz dessa uma

escola diferente e qual a importância disso para os assentamentos), papel do MST

nas ações da Escola (um movimento nacional e as ações locais num caminho de ida

e volta). Alguns desenhos revelaram possibilidades que vão além desses objetivos.

Comentamos com os participantes que os estudantes foram mais geógrafos do quem

foi aplicar a oficina: solicitei paisagem e representaram o lugar, com todas as suas

relações. Os desenhos possibilitam alguma análise da Escola do MST?

Em Dezembro de 2003, realizamos uma oficina numa manhã e tarde num total

de oito horas. Foi a última atividade escolar antes da reunião denominada conselho de

classe, na qual se define quem é aprovado ou não; findava o ano letivo.

Para intervir qualitativamente na oficina com educadores e educadoras

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utilizamos algumas das representações dos estudantes, que após analisados

permitem uma discussão da espacialidade e da territorialidade referente a

escola/assentamentos.

Os objetivos principais dessa oficina foram o de contribuir com a formação de

educadores e educadoras pelo viés das possibilidades da Alfabetização em Geografia,

destacando alguns conceitos e certas noções da Geografia, a luz do que percebemos nas

oficinas com os/as educandos/as e refletindo sobre alternativas e expectativas de que

educadoras e educadores construam propostas de ensino aprendizagem a partir do

debate efetuado neste encontro.

Descrevendo como ocorreu a oficina e quais instrumentos utilizamos.

A apresentação que se segue está dividida em duas seções: uma discorrerá

sobre os principais aspectos da oficina, ou seja, como ela ocorreu e uma outra na qual

comunicaremos algumas vivências e resultados das discussões sobre os conceitos e

noções, avaliando e sugerindo possibilidades curriculares e didáticos-pedagógicos.

I) Como ocorreu...

Apresentamos os temas que trabalharíamos naquela manhã, assim como os

objetivos e a necessidade de nosso encontro.

Denominamos “Sentidos da vida, sentidos humanos, sentidos da luta” a

sensibilização inicial de nossa oficina de diálogo com as educadoras e educadores96 da

Escola Agrícola. Começamos lançando aos participantes questionamentos sobre os

sentidos que possuímos. Remeteram ao cinco sentidos: olfato, paladar, visão, audição,

tato. Em seguida perguntarmos qual desses sentidos tem mais importância no mundo em

que vivemos, as respostas promoveram um breve debate inicial. Logo após

apresentamos um outro sentido que diz respeito ao que possuímos sobre a relação

96 A oficina de diálogo foi somente com educadores e educadoras, uma vez que não houve tempo de articular a presença de pais e mães que participam do conselho das três escolas, mas ao final de nosso encontro permaneceu a necessidade de ampliar para um dia todo os trabalhos com esses temas e que possa se transformar numa oficina de diálogo com os pais e mães assentados, atentando para algumas alterações sugeridas pelos participantes daquela manhã.

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espacial: cinestesia. Para isso apresentamos uma discussão sobre leitura do mundo97, na

qual as filósofas revelam a importância de ler, aprendendo a ler o mundo. Destacamos

três citações do tecido apresentado por essas amigas do saber que nos convidam a

refletir:

“E assim fazemos o dia todo, a vida toda. A essa atividade de atribuir significados podemos dar o nome de leitura. A leitura nesse sentido, passa a ser uma atividade bastante ampla: é efetuada toda vez que lemos um significado em algum acontecimento, alguma atitude, algum texto escrito, comportamento, quadro, mapa e até, por exemplo, nas gracinhas de um cachorro. A tudo isso podemos chamar de leitura do mundo.” p. 12

“Desse modo, precisamos estar atentos a tudo o que acontece a

nossa volta e saber que todos os nosso sentidos (o olfato, a visão, o paladar, a audição, o tato e a cinestesia, isto é, a capacidade de sentir o espaço através de nossos movimentos) estão constantemente nos fornecendo inúmeras informações a respeito do mundo. Basta que prestemos atenção a elas.” p. 12

“(...) em latim, texto significa “tecido” e é entendido como

qualquer significado articulado através de uma linguagem determinada. Por exemplo um quadro pode ser um texto, pois tem um significado articulado através das linguagem da pintura (linguagem pictórica)” p. 12

Trabalhamos com os sentidos objetivando alcançar uma reflexão sobre como

eles são culturais, socialmente construídos e ao mesmo tempo individuais.

Assistimos as imagens gravadas das crianças e jovens nas oficinas realizadas

no primeiro encontro com os educandos/as, isso contribuiria para que os educadores/as

presentes pudessem tanto saber como ocorreu nossa relação com os estudantes, como

avaliarem em quais circunstancias e quais graus de envolvimento se deu a realização

das representações. Por uma questão de ética, os estudantes foram convidados a

comparecerem, ou seja, foram devidamente comunicados. Após assistirmos esse

audiovisual comentamos a importância das etapas que estávamos realizando. Também

optamos por não discorremos explicitamente sobre os limites dos estudantes na questão

97 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. 2.a ed. rev.. São Paulo: Editora Moderna. 1998.

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cartográfica ou geográfica, pois uma avaliação nesse sentido poderia cometer injustiças

e ser entendida como uma enorme falta de respeito com o processo de escolarização e

os trâmites da escolaridade locais. Em determinados momentos estes limites percebidos,

realizados por pessoas que estão fora do processo, podem ser comunicado da maneira

mais propositiva possível, e foi essa a grande intenção dessa oficina com os educadores

e educadoras.

Abaixo apresentamos os temas que trabalhamos naquelas oito horas de uma

manhã e tarde de dezembro. Expressamos os motivos da escolha do tema em sua

associação com o projeto educativo do movimento socioterritorial. Indicamos os

procedimentos com relação a oficina, ou seja apontamos questões ou atitudes acionadas

e como essas proporcionaram o envolvimento do corpo docente da Escola Agrícola.

Os cinco sentidos (sensibilização inicial): Um dos sentidos do MST está ligado às

suas ações políticas, essas são as que mais despontam. No entanto, questiona e sugere

mudanças sociais em múltiplos sentidos, logo qualquer ação educativa numa Escola de

Assentamento que é fruto das luta por terra de trabalho deve atentar a necessidade de

incluir curricularmente todos essas possibilidades.

Temas: a) Conhecimento: o que é conhecer? Para quem serve o conhecimento?

Como o conceito permite a compreensão do mundo, sua leitura?

Como desenvolver isso com as crianças e jovens?

b) Geografia: aprender e ensinar (seis palavras chaves)

Evidenciar o espaço e o tempo como edificados social e culturalmente.

b-1) - Exercício sobre as palavras chaves: lembrar e ou pesquisar frases.

Tempo, Espaço; Trabalho, Natureza, Sociedade.

b-2) Na seqüência, realizamos a questão: como seria aqui na relação escola /

assentamento/ MST?

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b-3) O papel das Canções do movimento (possibilidades didático - pedagógicas):

Princípios filosóficos da Educação do MST: educação para a transformação social, para

o trabalho e a cooperação, voltada para as várias dimensões da pessoa humana, com

Valores humanistas e socialistas, como um processo permanente de formação/

transformação humana.

Canções ensinam valores e influenciam comportamentos?

Responder essa questão demanda outra dissertação ou vários outros encontros, mas

chamamos a atenção sobre o motivo das escolhas dessas canções localizando-as na

disputa cultural que prevalece hoje entre a indústria cultural e a cultura popular.

Desejamos apontar as situações que surgiram no trabalho com as crianças e jovens. Um

exemplo: desconhecimento do significado da Reforma agrária por parte dos estudantes

da 5.a série.

c) Questão Agrária (algumas preocupações)

O que se escreveu e o que se escreve sobre o campesinato.

É importante confrontar com o que acontece na rea lidade do campo

brasile iro.

a. Espacialização e territorialização: conceitos ligados aos movimentos

Socioterritoriais

c. Territorialização do Monopólio e Monopolização do Território

b. Reforma Agrária: apresentar três visões sugeridas por Alentejano (2001)

d) Alfabetização Geográfica e Cartográfica (breves tópicos)

A chamada Alfabetização geográfica amplia a possibilidade de discussão sobre a leitura

do mundo.

Voltamos aos seis conceitos, apresentamos Gráficos e Mapas do Trabalho do Carlos

Alberto Feliciano e mostramos fotos, gráficos e mapas no retroprojetor da escola.

Ao lermos mapas convém ficarmos atentos para as noções de Lateridade (visão vertical

e oblíqua), noções de direção, percepção espacial, localização. Então, discorremos

também sobre escala, proporcionalidade, legenda. Como não pudemos aprofundar isso

com os estudantes, proporcionamos aos educadores/as que adotem isso como

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preocupação. Discorremos sobre a necessidade de proporcionarmos aos estudantes que

se tornem capazes de serem leitores críticos de mapas e cartas e também possam ser

mapeadores conscientes (Simielli, 1992).

II) Vivências e resultados das discussões sobre os conceitos e as noções, avaliando e

sugerindo as possibilidades curriculares e as didático-pedagógicas.

Analisando alguns momentos que tivemos nesta vivência, percebemos a

importância dos temas, já que houve uma participação qualitativa dos educadores/as da

Escola Agrícola. Um exemplo dessa participação foi à questão feita em sala de um dos

educadores: quando trabalhamos com as canções do movimento, estamos

espacializando a luta?

Aproveitamos a questão levantada pelo participante para apoiarmos nos

exemplos de Martin (2002, p. 23) e chamar a atenção da diferença entre espaço e

território e entre espacialização e territorialização. No caso do processo de

espacialização cabe dizer que se inscreve no espaço como ele é (ao contrário,

territorialização é um processo que inscreve no espaço novas territorialidades). Fica

aqui a pergunta, ao escolhermos trabalhar com canções ligadas à luta pela terra, à

memória da luta, ao social com qualidade almejada, estamos fazendo isso para reforçar

a territorialização do movimento socioterritorial, possibilitar as novas gerações que

entendam o como e o motivo de estarem numa escola do MST, por viverem num

assentamento. Possibilitar que entendam o sentido de se viver ali naquele novo

território, o assentamento. E também sobre a instituição Escola que vem sendo recriada

sobre os escombros de uma educação tradicional que perdura no mínimo dois séculos.

Logo podemos dizer que nossas ações didático-pedagógicas na tentativa de fazer o novo

está em consonância com o processo de territorialização do MST, com a ação dos pais e

mães que ali habitam. Faz parte do processo de territorialização do movimento que não

acaba com a entrada na terra, em adquirir por concessão um lote de terra de trabalho.

Mas também é pertinente pensar que a utilização das canções pode ser uma

espacialização do Movimento ao mesmo tempo. Boa pergunta para que entendamos

esses dois processos: espacialização e territorialização, expusemos assim um exemplo

na lousa: Espacialização (acampamento e Escola itinerante) e Territorialização

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(assentamentos e escola agrícola). Convém sempre chamar a atenção de que território

conquistado não significa que estagnou e o que o movimento acabou, nem do

capitalismo que quer desterritorializar e nem dos assentados que tem que continuar

lutando para manter a terra de trabalho.

Antes, porém, de discutirmos esses caros conceitos para a Geografia,

expusemos a citação do educador Thomas Tadeu (2000) que nos revela o seguinte:

“O conhecimento deixa de ser um campo sujeito à interpretação e á controvérsia para ser simplesmente um campo de transmissão de habilidades e técnicas que sejam relevantes para o funcionamento do capital. O conhecimento deixa de ser uma questão cultural, ética e política para se transformar numa questão simplesmente técnica”.

Assim, após debatermos o papel do conhecimento, tanto na citação acima como

nas ponderações de Cortella (2001), que nos escreve que o conhecimento e as certezas

são relativas. O “eu sei” é sempre relacionado a algo. O conhecimento necessita ser

considerado como uma capacidade humana que não é privilégio de alguns grupos. Desta

feita o que se dá é que na Sociedade em que vivemos e com essa Cultura hegemônica,

os que possuem mais criam o padrão do que é inteligência.

Para aprender e ensinar Geografia, ou simplesmente entendê-la, visto que nem

todos os educadores/as presentes a ministram, ratificamos a necessidade de analisar o

espaço e o tempo como construção social e cultural. Isso é elemento fundante para

quem vai educar considerando esses elementos, e isso é o que entendemos como um dos

pressupostos teóricos-metodológicos necessários para a responsabilidade social do

papel que possuímos de educadores e educadoras.

Relataremos e apresentaremos o exercício sobre as palavras chave, no qual

solicitamos aos dez participantes que lembrassem de frases relacionadas a esses temas,

ou se manifestassem após breve pesquisa. Divididos em dupla os participantes

encarregaram de analisar uma das palavras. Houve uma dupla que ficou com duas

palavras. Alguns foram buscar livros na Secretaria para poderem contribuir de maneira

mais qualificada, um ato de pesquisa sendo acionado. Foi pedido também que as duplas

relacionassem esses conceitos à vida local. Abaixo apresentamos as frases apresentadas

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e algumas disposições do debate e da correlação que estabeleceram com o local em que

vivem:

Tempo:

“Quem de três milênios não é capaz de se dar conta. Vive na ignorância, na sombra, a

mercê dos dias, do tempo”. Goethe.

Lembramos dos tempos psicológico, do calendário gregoriano (existe também

o muçulmano para o qual chamamos a atenção dos participantes), e também o do

relógio. O tempo na escola é marcado pelo relógio, mas o andamento do ano letivo tem

que ser repensado de acordo com o plantio e a colheita de alguns cultivos da região.

Muitos jovens ficam um bom tempo afastados da aula na época do alho, por exemplo.

Cultura:

Com o caderno de formação do MST sobre Cultura um dos educadores leu o conceito

ali expresso: tudo o que fazemos para produzir nossa existência, pois cultura, trabalho

e existência se agregam (caderno de formação 34, p. 8).

Ou ainda

“A cultura, portanto é algo concreto que se move como uma força invisível no ambiente onde se produz a existência de um determinado grupo social e influi profundamente em seu comportamento” (p. 20).

Para colaborar, após a manifestação dos participantes sobre a palavra chave

apresentamos uma concepção de “cultura” da Antropologia: “o conjunto de modos de

ser, viver, pensar, falar de uma dada formação social” (Bosi, Dialética da

Colonização, 1996, p. 319) e a definição de Brandão (1986) como "modos de viver,

sentir, pensar e expressar a vida com uma lógica própria, cognitiva e valorativa de

significar o real". Essas concepções apresentam os modos e os jeitos dos grupos

viverem em sociedade. A diferença entre elas é que na primeira associa sociedade com a

cultura e na segunda percebemos a questão de significar mais o viver.

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É importante que não se use o termo “cultura” simplesmente como sinônimo

de atividades artísticas, ser usado como sinônimo disso. Como vimos nas definições

anteriores esse conceito é mais amplo que isso. A arte é apenas mais uma possibilidade

(com diferentes linguagens) da cultura. Encerramos esse tema discorrendo sobre

Cultura Escrita, oral e televisiva (midiáticas).

A colaboração para refletir sobre o “próximo vivido”: na região existe a mescla de

muitas culturas, mas predomina a dos imigrantes europeus sobre a dos indígenas. O

Estado de Santa Catarina tem uma diversidade cultural. Os camponeses têm cultura

própria?

Natureza

“Desconfiai do mais trivial e examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar” (Bertolt Brecht).

Ao debatermos essa palavra chave e sua importância para nossa atuação

educativa, temos que necessariamente lembrar de uma frase de Carlos Walter P.

Gonçalves que nos aponta que o conceito de natureza não é natural. Além disso o

equívoco é tratar “natural” como sinônimo de “normal” ou de “tempo longo”. De fato o

tempo da natureza ou o geológico acaba disfarçar a transformação. Não vemos uma

montanha nascer e desaparecer.

A natureza aqui pode ser pensada a partir do domínio das Araucárias e das

plantações de maçãs que dependem de muitos dias frios por ano.

Trabalho: Os participantes apresentaram os seguintes temas: “O trabalho dignifica o

homem”. “Diferenças e semelhanças entre o trabalho no campo e na cidade”. “A

diferença entre trabalho escravo e trabalho livre (embora o termo “livre” tenha sido

questionado e debatido)”. E mesmo no campo, como é trabalhar enquanto assentado e

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como empregado (se bem que muitos estão dependendo de trabalho externo que já não

é tão acessório assim).. Quando esse tema vem à tona necessariamente a questão das

classes sociais de nossa sociedade se apresentam.

Sociedade: Sobre sociedade coube a uma dupla discorrer sobre o tema. Elaboraram

perguntas e discussões sobre as respostas. Como podemos denominar a sociedade em

que vivemos? Essa questão gerou uma discussão, na qual surgiram sub-temas como

sociedade capitalista, industrial, comparação com sociedades indígenas.

Frase elaborada: Sociedade é o que queremos mudar, queremos uma nova sociedade.

Espaço: A dupla encarregada de contribuir com esse tema sugeriu que pensássemos

sobre as diversas maneiras de utilizar essa palavra: espaço sideral, como sinônimo de

lugar, surgiram novamente com a questão da cinestesia. Longe e perto, alto e baixo. O

espaço da ciência física também foi apresentado. Ao final discorremos sobre a diferença

entre o espaço geográfico e o espaço na dimensão física. Chamamos a atenção para não

cairmos no sentido de espaço como palco, mas sempre em construção.

Esse exercício feito para “aquecer” nosso encontro, pois saímos de uma

questão dos sentidos e avançamos para conceitos que ampliam nosso pensar sobre o

mundo em que vivemos em vários aspectos e dimensões.

Com o intuito de responder a questão: Como seria a relação escola /

assentamento/ MST? Para dinamizar nosso trabalho lemos o folder do 5.o Concurso

Nacional para estudantes do MST “As sementes são um patrimônio da Humanidade”.

Com esse tema a intenção do concurso que é de ligar o local ao nacional, liga também

todas as escolas do MST. Todas as escolas participam, sejam de assentamentos ou as de

acampamentos. Isso une o povo, estudantes de acampamento e assentamentos, convida

a pensar as sementes com o mundo todo, sugerir aos camponeses do mundo inteiro para

produzirem suas próprias sementes. Trata-se de um combate explicito ao agronegócio,

fortalecendo a cultura e a identidade camponesa. Esse concurso se apóia na idéia de que

as sementes são heranças de uma geração para outra. O concurso permite trabalhar com

diversas linguagens artísticas (arte-educação), possibilitando a liberdade de expressão, a

criação e ao mesmo tempo o aprender coletivo, ao mesmo tempo aproxima e sensibiliza

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para causas comuns. O objetivo é de que o MST como semente que vira planta e gera

mais sementes.

Com os educadores e educadoras, após debatermos sobre os seis conceitos-

chave para o ensino aprendizagem de Geografia, partimos para a construção de uma

definição de Geografia:

Ciência que pesquisa / analisa o espaço construído pelo trabalho de seres humanos que vivem nas diferentes sociedades (diferentes culturas), seja no tempo recente ou através dos tempos, considerando o espaço ocupado como resultado / reflexo do movimento destas sociedades em suas contradições e nas relações que estabelecem com a natureza e com o mundo (abertura para o mundo) nos diversos tempos históricos.

Esse exercício de construção da definição pelo grupo, calcada no

relacionamento de seis palavras-chave que consideramos importantes para o

ensinar/aprender Geografia: Trabalho, Sociedade, Natureza, Tempo, Espaço, Cultura.

Duas críticas com relação a essa tentativa de definição: a falta de preocupação com a

questão da escala, a ênfase maior ao tempo do que ao espaço. Urge entender o motivo

dessa tendência e descobrir qual o motivo que faz com que o tempo prevaleça sobre a

espacialidade. É pertinente lembrar Castells que aponta que a sociedade é o espaço e o

espaço é a sociedade.

Naquela manhã, discutimos a questão do conhecimento apresentando a

seguinte problematização: Como nós mesmos e os estudantes com quem trabalhamos

nos envolvemos com o conhecimento, enfim, como aprendemos? Esta pergunta é

importante para nosso encontro e para nossas atividades educativas devido a pouca

ênfase que damos ao imbricamento entre tema a ser trabalhado / estudantes e escola

que nos relacionamos / mundo em que vivemos. Precisamos refletir e nos localizarmos

como educadores, para tanto o que importa é que estejamos interados na discussão sobre

sujeitos/educação. A contribuição que trouxemos diz respeito a Vigotsky e ao Sócio–

Interacionismo, que se trata de uma concepção do psiquismo humano que explica como

o “sujeito” aprende e se desenvolve. Esse desenvolvimento da aprendizagem da criança

deve ser acionado no momento em que nos envolvemos com educação escolar. Para

destacar o Sócio-Interacionismo apresentamos as outras correntes às quais este se

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contrapõe: o Inatismo e a corrente Ambientalista. A primeira tem seus fundamentos na

correntes filosóficas Racionalista e Idealista inspiradas pelos filósofos Descartes,

Espinosa e Leibniz. Estes explicam que as capacidades básicas do ser humano, já se

encontram completas, inatas no indíviduo. Ou aguardam o amadurecimento, dando

assim ênfase aos elementos hereditários. Dessa maneira, o desenvolvimento é pré-

requisito para o aprendizado, a criança será alfabetizada quando estiver pronta, a escola

pouco pode fazer. Logo essa escolarização exclui a figura do professor mediador e

transfere a responsabilidade do insucesso nela mesma e na família. Paramos para refletir

se essa é a Escola do Movimento.

Prosseguindo nas nossas preocupações de associar Escola do Assentamento e

conhecimento, apresentamos outra corrente: a Ambientalista que relaciona a filosofia

empirista e positivista, dá grande ênfase à experiência e a formação de hábitos para

estruturação do conhecimento e do comportamento. O Ambiente Externo predomina no

sujeito. Nessa corrente o Desenvolvimento dos estudantes e a aprendizagem se

confundem e ocorrem simultaneamente. Encontramos essa tendência na pedagogia

tradicional que vê o aluno como “receptáculo vazio”. Lembramos do saber bancário,

denunciado por Paulo Freire, que mostra o papel social da escola que adota essa postura.

O papel é de transmitir a cultura de forma modeladora (não dá importância a realidade

pessoal e social do aluno). Nesse contexto, o estudante98 torna-se passivo e deve

cumprir as regras, não é fomenta do a interação de aprendizagem entre os estudantes. O

professor é tido como o adulto, que é o homem acabado, pronto e completo, modelo

perfeito para ensinar as crianças. (laissez-faire).

Enfim, chegamos ao Sócio-Interacionismo, que explica como nós aprendemos

e nos desenvolvemos, relevando aspectos culturais. Iniciada por Vigotsky na União

Soviética dos anos 10/20 e 30 do século XX, explica que o meio e o indivíduo se

influenciam mutuamente, parte do pressuposto que existe uma associação entre

dimensão biológica e social no ser humano na qual o desenvolvimento se dá por trocas

recíprocas, que se estabelecem durante toda a vida, entre indivíduo e meio, cada aspecto

98 Gostaríamos de chamar a atenção para a palavra aluno: quer dizer o “sem luz”, o que vai receber a luz. As palavras têm origens sociais e históricas, essa palavra aluno vem da idade média. Por falar em disputa de palavras o MST entende bem disso, ao disputar socialmente também algumas palavras com a Mídia e a Elite brasileira, como exemplo podemos citar ocupação e invasão.

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influindo sobre o outro. Destacamos dois conceitos importantes e complementares da

obra vigostikyana: Internalização e Funções. A internalização ocorre através da

convivência das trocas de experiências, assim a criança vai internalizando, ou seja

elabora internamente o que é exterior a ela, construindo as Funções Mentais

Psicológicas Superiores. Estes são mecanismos intencionais99, ações conscientes

controladas e se desenvolvem a partir da interação social. São Signos e instrumentos

que exercem função mediadora entre homem e meio e que mais uma vez repetimos, são

frutos da cultura. Para nós educadores essas Funções podem contribuir em nosso

trabalho, pois é possível que ao entendê-las possamos criar atividades com o ato de

comparar, analisar, classificar, realizar sínteses. Nessa discussão sobre desenvolvimento

e aprendizagem, quase sempre recorremos ao conceito de Zona de Desenvolvimento

Proximal, que Vigotsky nos sugere como sendo a distância entre Nível de

desenvolvimento real e o Nível de desenvolvimento potencial de cada ser humano em

sua relação com a aprendizagem, em sala de aula ou em qualquer atividade educativa

requer que levemos em conta os estudantes que sabem mais e os que sabem menos,

criando encontros entre eles através de trabalhos em grupos. Usamos, então, um

exemplo dos PCN’s volume 05 História e Geografia, que aponta:

“O documento de Geografia propõe um trabalho pedagógico que visa à ampliação das capacidades dos alunos, do ensino fundamental, de observar, conhecer, explicar, comparar e representar as características do lugar em que vivem e de diferentes paisagens e espaços geográficos”.

Como falamos em Signos e instrumentos, poderíamos agora entrar na questão

da Alfabetização em Geografia, com ênfase para alguns aspectos da Alfabetização

Cartográfica.

Conversamos com os participantes sobre o que fizemos no dia, no momento de

discutirmos o diagnóstico que fizemos sobre o ensinar / aprender Geografia, a

importância de saber sobre as questões da espacialidade socialmente construída.

Algumas conquistas que se revelam nas representações dos estudantes precisam ser

melhor aproveitadas enquanto possibilidades curriculares. O ensino aprendizagem das

99 Oposto dos processos psicológicos elementares que podem ser observados em animais e crianças, como exemplo podemos lembrar as ações reflexas. Comparações entre crianças com poucos meses e macacos são recorrentes nos estudos que se preocupam em comparar e encontrar paralelos entre esses processos.

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questões espaciais e territoriais precisam ganhar dimensões políticas pedagógicas, estar

no rol dessas preocupações e não ser apenas mais uma obrigatoriedade da grade de

disciplinas da escola. A discussão que vimos apresentando desde o item observação

demonstra que o contrário também é necessário ser repensado, ou seja, o político (ações

ligadas a luta: manifestações, plebiscitos, eleições, etc.) precisa ser embebido de

aspectos científicos. Uma aprendizagem que considera a leitura do mundo a partir do

local, da leitura de paisagens e inclua os dispositivos da alfabetização cartográfica pode

apontar para essa junção.

Algumas preocupações, no que tange à Questão Agrária, sobre aspectos de

territorialização e espacialização precisam ser assumidas curricularmente pelo

movimento. Foi esse dialogo que realizamos naquela tarde e que demonstra a

importância do registro que elaboramos a seguir:

“Campesinato fruto da expansão capitalista, que sempre os expulsa, mas esses sempre

querem voltar para a terra. A resposta da elite contra isso sempre foi violenta”.

Usamos trechos do texto de Alentejano (1996)100, apresentando três concepções

de Reforma Agrária que temos no Brasil de hoje. Essas três concepções já nos sugerem

a seguinte pergunta: como defendem ou implementam a escola esses três modos de

propor a RA? Expusemos essas divergentes visões: a primeira que trata a Reforma

como uma política social compensatória (compensar o que não deu certo com o advento

da modernização brasileira), a segunda como política distributiva (agricultura familiar,

garantir crescimento e garantir segurança alimentar, visa a democratização do

Capitalismo), e finalmente a que defende a Reforma Agrária como política voltada para

a transformação do modelo de desenvolvimento vigente, questionando a Modernização

(acusa a mesma de ser ecologicamente insustentável, socialmente perversa e

economicamente cara).

Para contribuir na discussão trouxemos a resposta e a conceituação de Stédile

sobre Reforma Agrária 101 que consideramos importante para comparar e equiparar com

a definição de Alentejano. Sabemos que os dois autores defendem a última visão

100 Alentejano, Paulo Roberto R. . O sentido da Reforma Agrária no Brasil dos anos 90. Cadernos do CEAL. Salvador Novembro/Dezembro 1996 no 166.

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apresentada anteriormente. Assim Stédile define Reforma Agrária a partir de três itens,

uma do Tipo Clássico, que ocasiona na confusão entre RA e política de Assentamento

(ainda que só exista essa política como resultado do confronto, da luta de classes); e um

amplo Programa de desapropriações de terra para acabar com desigualdades sociais e

eliminar pobreza. O economista continua, afirma que é preciso democratizar o capital

para existir a democratização da educação. “(...) uma luta contra três cercas. A cerca do

latifúndio, que é mais fácil de derrubar, é só ocupar. A cerca do capital, já mais difícil,

ter acesso, construir nossas agroindústrias; e a cerca da ignorância”.

Contra essa última os camponeses se perguntam qual escola queremos e qual

serve para derrubar essa cerca?

Muito do material e instrumental apresentado pareceu novidade para eles e

elas, tanto estudantes como educadores e educadoras. Para estes últimos principalmente

a questão da união entre os diversos conteúdos que apresentamos, que fica evidente

quando trabalhamos com as seis palavras – chave e conseguimos percebê-las nos

conteúdos que escolhemos para discutir com os estudantes. Devemos perceber os

conceitos acontecendo próximos e cotidianos a nós.

Discorremos aos que participavam da oficina sobre como mostramos um

desenho aos estudantes, como os estudantes se manifestaram a respeito do que estavam

vendo. Foi de certa maneira uma versão simplificada de leitura de paisagem, saindo do

observado, realizaram uma descrição inicial. Após a descrição, efetuamos

questionamentos sobre como a escola aparecia ali, como uma parte ou todo da escola e

do assentamento, representar a escola ou o assentamento como um todo. Explicamos

aos educadores/as a importância da realização de atentarmos sobre a linguagem das

cartas e mapas. Afirmamos que além da visão oblíqua e vertical, outros elementos são

necessários de serem trabalhados: escala, legenda, etc. Apresentamos divergências

culturais no que tange à representação da realidade, dando exemplo do Eurocentrismo

do Mapa - Mundi que utilizamos.

101 STEDILE, João Pedro. FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente. A Trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo.Ed. Fundação Perseu Abramo, 1999.

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Comentário final sobre as oficinas

Finalmente, é necessário apontar os últimos aspectos que trabalhamos nessa

oficina: diz respeito aos potenciais didáticos-pedagógicos percebidos a partir do

observado no cotidiano escolar e dos assentamentos e também nas atividades que

desenvolvemos. Uma vez apontados os limites, pretendemos contribuir propondo e

atuando com o cabedal da ciência geográfica que pode proporcionar a construção de

um verdadeiro entendimento das relações capitalistas no campo brasileiro e a resistência

camponesa a essas imposições.

O primeiro diz respeito à questão simbólica da bandeira. Observando os

desenhos muitas crianças efetuaram em suas representações a Bandeira do Movimento.

Estavam vivendo na época do exercício dos desenhos a euforia da festa de 25 de maio.

Mas temos que ter claro que a bandeira é constante nas atividades semanais da Mística e

pelo menos uma vez por semana se canta o Hino do Movimento e se reverencia a

Bandeira do MST.

Ao solicitar que desenhassem a Escola, muitos representaram o lugar, um

conceito central para a Geografia, mostrando o espaço vivido através de bandeiras,

jogos que desenvolvem, atividades curriculares. Em algumas representações podemos

perceber uma verdadeira síntese do local e do Nacional.

A aprendizagem de Geografia numa Escola do Campo e a formação de

conceitos utilizando a linguagem cartográfica para compreensão das ações podem ser

pensadas e sistematizadas enquanto propostas de ensino aprendizagem a partir dessa

simples contribuição, pelo menos num aspecto inicial. Poderíamos a partir dessas ações

contribuir na formação de conceitos entre os educadores/as, ao final realizando uma

avaliação crítica e sugerindo uma proposta de ensino de alguns conceitos para reforçar a

relação entre saber acadêmico e saber escolar. Enfim, ao analisarmos como está sendo a

formação geográfica dos estudantes e de como uma proposta de ensino pode auxiliar

nessa formação, descobrimos que também podemos estender essas preocupações e

contribuir para a formação dos educadores.

Sobre as canções percebemos que demonstram algumas das necessidades mais

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recentes dos camponeses organizados. Refletem no conteúdo vivo das escolas de

assentamentos. Na letra da canção Prá soletrar a liberdade de autoria de Zé Pinto,

verificamos o tom de crítica social, de resistência organizada, mas também um tom

propositivo, apontando caminhos e saídas. Uma audição atenciosa do CD Arte em

Movimento indicará que em outras canções essa proposta pode ser acionada. Isso tudo

vira arcabouço para o conhecimento e as descobertas a serem apresentados nas escolas

de assentamento. Trata-se portanto da dimensão de espacialidade do movimento no

território escolar, já discutida no início de nossa narração sobre essa oficina. Na canção

de Zé Pinto, podemos levantar questionamentos: um novo jeito de ser vem se

construindo? Qual o papel do ensino de Geografia? Qual o papel do ensino de

Geografia para essa (e outras) Escolas do Campo?

As místicas e seus temas (que já discorremos no item “observação”) criam

responsabilidades, quesito que parece bastante importante no rol de valores apregoados

e ensinados numa escola do Movimento, pois “a mística é algo que menos se fala e mais

se faz” – “Mística é um sentimento de transmissão de valores, sejam eles religiosos ou

políticos” (p. 04)102. Ou ainda “apoiada no pensamento de Leach (1996) pode-se

depreender que a mística juntamente com a música e a musicalidade são elementos

cotidianos da vida dos sem terras”. (Caneparo, 2001). Cada tema poderia ser um elo de

ligação para trabalhos interdisciplinares.

Outro aspecto importante a ser destacado é a relação de vivência da e na escola

que no dia- a -dia implanta essa criação moderna chamada cotidiano. Temos na Escola,

tanto quanto em outras os tempos tradicionais, porém mesclados com possibilidades

que alteram, no caso podemos citar as místicas.

O papel do MST nas ações da Escola, além de estimular a Memória da luta, o

ato de coragem coletiva de buscar a terra de trabalho, deve ser o de relevar a

característica da estrutura interna de organização sócio-cultural que institui os sujeitos

enquanto camponeses. Movimentos no sentido de discutirem e se perceberem enquanto

comunidade já vem sendo realizados nos assentamentos, mas o papel da Escola ainda é

menor em relação a isso. Assim, a relação íntima com a terra, ou seja, o pleno

102 Caneparo, Karin Cristina. LUTA POLÍTICA E RITUAIS: A “MÍSTICA” DO MST. / Fpolis. 2001 – Trabalho de Conclusão de Curso de CSO – UFSC/SC.

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conhecimento dos ciclos da natureza e das técnicas de produção, e o reconhecimento

desta terra como o lugar da morada, da produção de alimentos, da reprodução social e

de herança da família; a prática da ajuda mútua; o trabalho acessório que aparece

principalmente nos períodos de entressafras e nos momentos em que as condições

financeiras das famílias passam por crises; as relações de parentesco, compadrio e

vizinhanças travadas na comunidade, a amizade gerada na época de acampamento; o

direito costumeiro, no qual as relações sociais e econômicas estão baseadas na

confiança da palavra e na prática do respeito mútuo entre as pessoas da comunidade;

pelas manifestações culturais, geralmente com um forte conteúdo religioso, mas

sobretudo as festas; e principalmente a extrema capacidade de mobilização política

contra as ações dos grandes proprietários rurais ou dos governos que os prejudicam

precisam comparecer com mais força na base de um currículo vivo. Em nossas

observações podemos perceber que manifestações culturais e mobilização política

adentram a Escola e saem da Escola rumo aos assentados. Os outros quesitos ainda

estão isolados, acontecem nos assentamentos, despontam nas entrevistas, mas não são

aproveitados nem enquanto subsídios para a formação de educadores e educadoras e

nem sequer como preocupação curricular.

Para encerrar esse capítulo, com as ponderações realizadas na oficina de

diálogo com educadores e educadoras, bem como encerrar esses comentários gerais que

efetivamos no momento de escrita, cabe discorrer sobre a Alfabetização em Geografia.

Optamos por mostrar para eles e elas o Espaço, o tempo e a cultura na leitura das

paisagens e iniciamos nos reportando ao significado da palavra “Alfabetizar”, para

depois explicar o que é Alfabetizar em Geografia. Ao trabalharmos em educação com

crianças e jovens nunca é demais lembrar que o alfabeto é o corpo de signos que

articulam a linguagem escrita, tão cara para nosso projeto civilizatório, mais uma das

maneiras de fazer adentrar as novas gerações ao código escrito e à Cultura propriamente

dita. Logo alfabetizar em Geografia abrange vários aspectos, tão vasto quanto é o corpo

de preocupações dessa ciência. Ativemo-nos num aspecto: a leitura de paisagens e suas

relações com o espaço, o tempo e a cultura. Convidando as crianças a aprenderem a

perceberem e pensarem o mundo a sua volta e o mundo mais distante, para quiçá

poderem galgar em sua caminhada de educandos a cidadania plena: protagonistas e

sujeitos da história. O MST traz em suas ações várias dessas preocupações, as

atividades escolares apontam para isso, mas qual o limite?

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As possíveis conexões dos seis conceitos – chave. Esses que sozinhos ou em

conjunto abrem as portas para percebermos, analisarmos e transformarmos o mundo

para melhor. Algumas reflexões possíveis que merecem ser levadas em conta: espaço e

tempo são uma construção social e cultural, ou seja, as diversas sociedades do mundo

hodierno apresentam maneiras diferentes de relacionamento com espacialidade e

temporalidade. Como exemplo, podemos citar os muçulmanos que tem um outro

calendário No caso dos camponeses adotam a temporalidade das colheitas e plantações,

baseando-se nas estações climáticas. Sobre Sociedade cabe lembrar que vivemos em

uma hegemônica que denominamos de Capitalista e que tem por base a produção de

mercadorias através principalmente da indústria. Alguns intelectuais a chamam de

Sociedade Industrial porém no Brasil, sempre é bom lembrar que temos centenas de

povos indígenas que falam uma variedade de línguas e idiomas. São diversas as

sociedades, dentro da que podemos chamar de sociedade brasileira e podemos avançar

na questão do Trabalho e a da Natureza que possuem uma relação importante. Mas

lembremos que o trabalho assalariado é marca do Modo de Produção Capitalista e que

sem explorar os trabalhadores a sociedade capitalista não sobrevive. Sobre a palavra

Natureza as frases sugeridas de Brecht e Carlos Walter Porto Gonçalves nos convidam a

pensar sobre nossa condição de educadores e o mundo em que vivemos. O primeiro tem

uma frase que é fundamental para escaparmos de uma armadilha: “Nunca diga que algo

é natural a ponto de parecer imutável ” . Já o Geógrafo Carlo Walter aponta num de seus

inúmeros textos que o conceito de Natureza não é natural. O Ser humano é um ser social

acima de tudo e a base de nossa humanização, ou melhor, o que nos faz seres humanos é

a cultura e podemos contribuir para permanecê-la e / ou transformá-la. O senso comum

e a ideologia dominante nos convidam a confundir situações sociais com naturais, o que

nos possibilita usar a palavra natural como sinônimo de normal. Mas é evidente que o

normal nesse caso ganha uma temporalidade que remonta ao Tempo Geológico,

imutável para a percepção do tempo de vida humana: alguém vê em sua parca vida uma

montanha nascer e desaparecer? Tudo em nossas vidas passa pelo crivo do viver em

sociedade, inclusive os conceitos e o conhecimento.

Assim, ler paisagens é mais que uma simples técnica e sim um convite para a a

discussão da construção da cidadania crítica e criativa. Mais uma contribuição da

ciência geográfica para que as crianças aprendam a aprender, possam ler e saber a

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importância da espacialidade. Essa não é somente o reflexo do viver socialmente e o

espaço é a sociedade, como afirma Castells. A leitura das fotos ou representações de

paisagens possibilita que saiamos do objeto e façamos abstrações sobre suas várias

possibilidades. Outros locais ocupados de outra maneira, vários trabalhadores, outras

relações, nosso conhecimento de história do Brasil, do local, do mundo, a possibilidade

de pesquisa, tudo isso nos convida a olhar a paisagem com outros olhares, com novas

determinações. Essas determinações podem sugerir novos questionamentos e outra

caminhada em busca do conhecimento. Assim, entender e aprofundar nosso

entendimento de cultura, atividades educadoras incentiva-nos a sentir e a agir como

protagonistas da construção de um Brasil que inclua os brasileiros, almejando uma

sociedade de paz.

Finalizamos com o grande mestre de todos nós, Paulo Freire: “A escola tem

que ser local, como ponto de partida, mas tem que ser internacional e intercultural,

como ponto de chegada”. Esperamos que essa oficina realizada, assim como as que

virão fruto da defesa de mestrado, possam servir para entendermos e acionarmos essa

máxima freiriana.

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ORICURI (SEGREDO DO SERTANEJO)

João do Vale – João Cândido

Oricuri madurô, é sinal de que aracuá já fez mel.

Catinguera fulorô lá no sertão, vai cair chuva a granel

Aracuá esperando oricuri madurecê

Catingueira fulorando

Sertanejo esperando

Chuver.

Lá no sertão quase ninguém tem estudo

Um ou outro que lá aprendeu ler

Mas tem homem capaz de fazer tudo, doutor

E antecipar o que vai acontecer

Catingueira fulora faz chuve

Andorinha vuo vai te verão

Gavião se canta é estiada

Vai haver boa safra no sertão

Se o galo cantar fora de hora

É mulher dando o fora pode crer

Acauã se cantar perto de casa

É agouro é alguém que vai morrer

São segredos que o sertanejo sabe

e não teve o prazer de aprender ler.

Oricuri madurô, é sinal de que aracuá já fez mel.

Conclusões “inconclusas”

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Conclusões “inconclusas”

Os dois Joãos ao comporem a canção que aparece como epigrafe desta seção,

denunciam uma situação do nosso país, existe um saber sertanejo e o comunicam ao

doutor. Um saber diferente dos ditames da modernidade, dos pressupostos da

modernização conservadora brasileira. Um saber que se constrói na relação de

observação da natureza, com base em ditos e desditos. Esta canção se torna uma

epígrafe emblemática que revela bastante do que vimos apontando, do que nos faz

pesquisador, e das próprias conclusões a que chegamos através do desvendamento que

realizamos a partir do local estudado, das relações que lá percebemos. O que a canção

revela implicitamente é que no meio do caminho tem uma escola. Ao apontar o prazer

da leitura, e evidentemente da escrita, os autores possibilitam o entendimento da

situação que a canção expressa. Que no meio do caminho existe uma postura que se

apóia também na escolarização das novas gerações para continuar a luta de construir

uma cidadania camponesa. O segredo quando escutamos a canção remete ao Nordeste

Brasileiro, se trata de uma canção de poetas sertanejos lá do nordeste. Mas essa relação

pode ser entendida pelos camponeses do Sul do país, existe um fio condutor apesar da

grande distância temporal e espacial. Com o termo segredo sertanejo podemos aludir a

segredo camponês. Os compositores apontam um movimento interno de nosso país de

analfabetização, ou seja, o letramento não atinge a todos os brasileiros de imediato e

isso vem ocorrendo há várias décadas. Denunciam a falta de estrutura escolar e não

somente em relação e papel dentro da sociedade. Reflexo de uma postura perante o

povo, não saber ler não é devido a escolhas dos sujeitos, mas sim à falta de

oportunidade ou se essa foi dada promoveu a expulsão. E isso não é só no campo, na

cidade também. Mais uma vez reportamos ao que já escrevemos, a escola era no campo,

mas a lógica era urbana. Arroyo (2002) quando num caderno de educação do campo,

fala de expulsão que acontece nas escolas no campo, remete a essa lógica. Ou a escola e

a escolarização respeita os ritmos e os jeitos dos camponeses e dos seus filhos e filhas,

ou continuaremos a precisar ouvir essa canção como relato do presente, para isso esse

autor indica a necessidade de uma escola do campo. Porém a conclusão a que chegamos

em primeira instância após nossa pesquisa é que o movimento por luta pela terra de

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trabalho somente sobrevive e modifica algo se tiver uma construção e um movimento de

escola e escolarização. Ao seu jeito, portanto, dentro dessa luta e desejo encontramos

uma escola do campo chamada não oficialmente de Escola Agrícola 25 de Maio.

A presente investigação buscou refletir num primeiro momento sobre como as

estratégias e táticas do MST se transformam em ações didáticos-pedagógicas e

possibilitam que as crianças e jovens, assim como os educadores/as se sintam parte da

territorialização e espacialização da luta pela Reforma Agrária. Tratou-se, portanto, de

uma investigação que levou em consideração um relacionamento que necessita se apoiar

numa noção fundante da ciência geográfica: a escala. Tratamos nessa pesquisa de

estudar um lugar, que por sua vez tem caráter nacional, mas isso tudo num movimento

de ida e volta, ou seja, só é possível entender as dinâmicas e as relações do lugar –

escola dos assentamentos – se entendermos tal lugar como síntese do Nacional e do

Mundo. Síntese de um movimento que é histórico, no que diz respeito a disputa por

território no Brasil, a desterritorialização que o Capital promove, num movimento de

mundialização desse Modo de Produção. Tratamos de um Movimento Socioterritorial

que, ao lutar por um quinhão de terra de trabalho, aciona concomitantemente uma luta

pela mudança da sociedade brasileira como um todo. Isso sustenta um dos elos desse

trabalho, mas tivemos outros atrelados a isso. Muitas possibilidades surgem a partir

dessa reflexão, porém existem atividades escolares que são comuns a uma tradição

escolar, a instituição escola já vem imbuída de tempos e espacialidades e, portanto, de

relações pré - estabelecidas. Numa escola atrelada ao MST, o cotidiano se faz através do

choque, da resistência, da adequação e dos limites e das possibilidades, da criatividade e

da burocracia. A tradição escolar apresenta atitudes que divergem do que almeja o

movimento Socioterritorial. Percebemos que a partir desses entraves e possibilidades

persiste a luta pela conquista e manutenção da terra de trabalho que é bastante

significativa, pois estabelece possibilidades que podem ou não trazer novidades

curriculares e alterar substancialmente as relações didáticas pedagógicas no cotidiano e

no ano letivo escolar. Isso tudo implica na formação de educadores e educadoras e

novas possibilidades de ensino aprendizagem aos estudantes.

Foi sobre isso que estudamos, tratamos, relatamos e analisamos aqui. Nestas

conclusões, seguiremos dois caminhos: o que a realidade apresenta e o que pudemos

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revelar delas em nossos escritos. Assim, no escrever podemos perceber os limites, os

erros, mas como afirmam alguns educadores, ao tentarmos realizar uma pesquisa, tentar

revelar a realidade como se estivéssemos tentando aprisioná-lo, cometemos erros.

Muitos aprofundamentos teóricos ficam para as próximas etapas de pesquisa. Cada erro

porém gera um aprendizado. Porém estamos convencidos que acertamos pois

contribuímos para contar um pouco sobre nosso país, seja resgatando passados não

revelados ou presentes disfarçados pelas construções midiáticas. Assim, também

podemos afirmar que acertamos ao dar voz aos brotos do futuro e da esperança, uma

exeqüível saída contra a barbárie que nos assola.

Através da caracterização que realizamos ao longo desse trabalho, no qual

apontamos as possibilidades e limites de uma Escola de Assentamentos, buscando

evidenciar nossa observação do cotidiano e a fala dos próprios sujeitos envolvidos, seja

por meio de colaboração por parte deles através de entrevistas ou ainda da participação

direta nas oficinas de diálogos. As partes e o todo ao serem analisadas em seu

movimento repleto de historicidade e geograficidade contribuíram para revelar a relação

dos sujeitos e dos lugares e destes com os sujeitos, pois entendemos que um ao se

modificar, modifica o outro. A necessidade de captar o movimento do Movimento em

movimento. Quais caminhos escolherão na encruzilhada que se mostra? Nosso trabalho

ainda apenas mais constata o existir dessa encruzilhada. Agimos com a prática de

denunciar e de anunciar a superação dos problemas desvendados por nós ou pelos

sujeitos envolvidos com a situação que analisamos. Num apontamento da Pedagogia da

Indignação, Paulo Freire quando comenta sobre uma das grandes possibilidades da

pesquisa, revela a importância dessas atitudes,

“A denúncia e o anúncio. A prática de constatar, de encontrar a ou as razões de ser do constatado, a prática de denunciar a realidade constatada e de anunciar a sua superação, que fazem parte do processo de leitura do mundo, dão lugar a experiência da conjectura, da suposição, da opinião a que falta porém fundamento preciso. Com a metodização da curiosidade, a leitura do mundo pode ensejar a ultrapassagem da pura conjectura para o projeto de mundo. ” ( p. 42).

Agimos em busca de um diálogo que acreditamos ser possível. Ser curioso

com método (e com a metodologia e com o lugar) promoveu esses diálogos e resultou

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nesta dissertação. Aqui encontramos vários embates emblemáticos, entre eles da ciência

e da crença. Isso é possível uma vez que o MST promove vários debates e várias

possibilidades de diálogo no fazer da escola do campo. Um exemplo é o papel da

mística tematizada pelos/as educadores/as e organizada pelas Brigadas que compõem a

CEPRA.

Mas na Escola ainda existe o não diálogo, e nem todas as relações despertam e

apontam o novo. Há dois projetos ocupando o mesmo território: a Escola. Essa

enquanto instituição tem suas origens e seu sustento em práticas (espaciais-temporais)

que condizem com o projeto do que se denomina Moderno. O não diálogo é da tradição

elitista da modernidade e retroalimenta o Modo de Produção que vivenciamos e este por

sua vez apresenta as diferentes cisões que alimentam esse projeto civilizatório. Outro

limite constatado é de que a construção do novo cria muitas vezes uma cortina de

fumaça nessas velhas práticas, e essas acabam por educar tanto quanto a novidade que

se apregoa. Podemos propor o novo e realizá-lo de maneira tradicional, ou seja, não

bastam novos conteúdos, novas formas se outras relações também não são questionadas.

E é nisso que às vezes as práticas do Movimento Sem Terra, quando ocupam um

latifúndio, são mais avançadas que o que praticam em seus projetos de educação. A luta

contra o latifúndio consegue despontar o novo de jeito novo (ainda que pese as várias

práticas políticas relacionadas a tradição da esquerda autoritária), já na escola, vemos

chamadas sendo feitas, avaliações numa lógica já muitas vezes questionadas, mas ali

sendo aplicada e muitos educadores e educadoras ainda trabalhando com o conteúdo de

maneira bancária, sem questionar o que organiza esses conteúdos, sem perceberem que

suas lógicas está fora da escola. À guisa de conclusão, com o intuito de dar conta dos

objetivos propostos no prelúdio desta pesquisa, apontaremos esses e outros limites, mas

também todas as possibilidades que a Escola vislumbra. Concomitantemente a tudo isso

ainda relataremos as partes que compõem o que expressamos nesta dissertação. Trata-se

de mais um dos diálogos que tentamos promover.

Esta dissertação teve como um dos objetivos apresentar e analisar o papel da

Escola de Assentamento, mostrando como ocorre o ensino de Geografia. Realizamos

um diagnóstico sobre questões do ensino, e então, uma intervenção na formação dos

educadores e das educadoras da Escola Agrícola 25 de Maio. Essa instituição atende a

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cinco assentamentos da Reforma Agrária no meio oeste de Santa Catarina – um lugar

que se estabelece a partir de outros lugares e outros tempos que a ele se vinculam e por

ele são acionados. Tal lugar foi em nossas análises o ponto de partir e de chegar.

Concluímos desta feita que a Escola atua como um referencial das demandas

desses sujeitos. E neste estudo a Escola Agrícola, afirmamos que contribui para a

Territorialização e Espacialização do MST. Seus educadores e educadoras assumem

algo importante: a autonomia local. Vislumbramos isso ao perceber que acrescentam um

elemento (o agroecológico) a mais na lista dos princípios Filosóficos e Pedagógicos.

Poderíamos entrar aqui numa discussão do papel das lideranças e numa certa visão de

esquerda ou sobre Movimentos (aquela que sempre pergunta quem é o seu líder) que

acabam por entender que tem um esperto e os demais são todos obedientes asseclas. Se

assim não fosse tudo que existiria seriam somente cartilhas. Mas lá encontramos uma

biblioteca com muitos exemplares e uma videoteca extensa. Ou seja, o papel da

educação ali é construído em torno do processo de humanização (um papel que

minimamente deveria introduzir as crianças e jovens no direito a literatura mundial) e

não somente de mercado. Porém não é uma saída humanista pelo viés da Metafísica,

mas sim relacionada a interesses da luta de classes. O “vamos aprender” é em função de

algo, que é muito bem delimitado, ou melhor, foge a uma lógica universalista para

abraçar causas especificamente regidas por interesses de classe social, concomitante ao

interesse de fortalecer a visão de Reforma agrária que mude a Sociedade Brasileira,

questionando o modelo da modernização conservadora e cultivando valores que

possibilitem a construção de outra sociedade, outro modo de produção.

Os capítulos aqui escritos autenticam nossa hipótese inicial, muito avançamos

desde o exame de qualificação, as possibilidades da realidade estudada distante da

academia prevaleceram. A escola estudada é constituída de um dinamismo que

atropelou o tempo de pesquisa e o ritmo do pesquisador, mas não nossas premissas.

Saímos de um ano de escrita em que nos pautamos nessas outras conclusões,

desvendadas durante as atitudes de campo e de levantamento bibliográfico:

- Assentamento surge como espaço social novo na contemporaneidade brasileira.

- O MST possui um quesito de nacional, mas o que o diferencia é o poder do local.

- O movimento se diferencia dentro da Esquerda, porém muitas das tradições

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marxistas ainda prevalecem.

- Precisamos rever o conceito de Massa, contrapô-lo aos acontecimentos locais.

- As cisões do Moderno precisam ser incorporadas às preocupações curriculares e à

prática cotidiana da Escola.

- A escola e a Escolarização surgem como possibilidade de vida acontecendo, ocupam

e alteram o viver local, promovendo encontros com outros mediadores além dos já

tradicionais, mas precisam ganhar aspectos de sistematização e de comunicação, ou

seja, essas preocupações, essas dinâmicas precisam ser incorporadas ao currículo

escolar e alterar os caminhos didáticos-pedagógicos de cada disciplina em especifico

e das relações na Escola como um todo. .

Outra conclusão que se autentica é que a Escola Agrícola corresponde aos

anseios do Movimento, ela é o movimento, pois executa todos os aspectos fundamentais

que identificam uma escola do MST, quais sejam:

- Pedagogia da terra (pedagogia da ação e do gesto mais do que da palavra, que é

formação e não apenas ensino). Inclui Pedagogia da luta, do trabalho, da

participação, da cooperação da história. Falta porém uma discussão espacial e

territorial?

- E também de como tratam a formação de educadores e educadoras para as suas

escolas:

Coletivos pedagógicos, autoformação, participação na dinâmica do MST (e aqui cabe

mais uma vez remeter a autonomia do local – agroecologia nos princípios, pesquisa de

fim de ano, brigadas etc.), cursos específicos.

Um aspecto bastante interessante nas ações educacionais é que são

concatenadas com as quatro premissas apontadas pelo UNESCO e adotada pelos PCN’s

de 1999 para o ensino: Aprender a conhecer, a fazer, a viver, a ser.

Com isso, buscam romper com a milenar separação teoria/prática, manual/

intelectual. O MST propõe que a educação seja unilateral, múltipla, reintegrando as

várias esferas da vida humana. Desmistificam o conhecimento e a cultura como um

processo neutro e separado das relações sociais. Não é discurso abstrato de educação.

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Negam a concepção universal de conhecimento, mas ainda muitas dessas buscas ainda

estão no papel. O dia-a- dia de maneira sutil, com a burocracia e os encaminhamentos

espaço-temporais, assim como a constante investida do Capital no território dos

assentados persistem em não autorizar que esse novo nasça sem grandes entraves. Sem

contar que as possibilidades do local como ponto de partida para as ações curriculares.

Algumas iniciativas pudemos constatar nesse sentido, mas ainda são incipientes. O

capítulo 3, no tema “observação” revela algumas dessas iniciativas.

Um movimento escolar que resgate a identidade camponesa pode ser uma saída

para esses entraves. Todo um trabalho já vem sendo realizado para potencializar a noção

de campesinato, mas isso é realizado com mais ênfase na universidade. Vários autores

envolvidos com essa postura foram citados e seguimos essa trilha nesta dissertação. Mas

para que potencializar? O que isso gera? Ainda falta muito a percorrer para produzir

uma teoria da nova prática, colaboramos um pouco aqui. Essa teoria da nova prática

precisa ser gestada e sistematizada e servir de subsídios à formação de educadores/as e

educandos/as. Nosso trabalho buscou esse sentido. Será que o que se delineia a partir do

que esse estudo revela não poderia ser denominado de campesinia? Para referendar uma

afirmação à questão anterior gostaria de citar um texto de Sepúlveda (2000) em que o

autor apresenta e analisa a relação assentamento e desenvolvimento por intermédio das

relações internas e com os mediadores (Funcionários do INCRA, Universidades

conveniadas, estagiários, pesquisadores etc.), para tanto se apóia em Romano (1994)

que apresenta cinco aspectos ligados aos processos sociais interiores aos assentamentos,

quais sejam:

“… a) a significatividade das lealdades primordiais na delimitação dos grupos e na organização interna do assentamento; b) a questão do poder como problema central dos assentamentos e a abordagem destes enquanto um campo de lutas, um espaço social específico marcado pelo conflito; c) a temporalidade específica dos assentamentos, com os problemas da delimitação dos estados da trajetória do assentamento e a questão das continuidades e descontinuidades nas relações sociais; d) a relativização da oposição coletivismo - individualismo como um par fundante da forma de pensar os assentamentos; e) a complexidade das relações dos mediadores, que se expressa também no conflito de valores básicos, como é o caso de igualitarismo - hierarquia.”(ROMANO, 1994: 250)

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Nesta linha, volto às palavras de Sepúlveda (2000) , quando pondera:

“São características que se referem a um determinado universo de possibilidades para os assentados, claro está, considerando a influência dos mediadores nessas relações. Se entendermos os processos educacionais nos assentamentos como uma das relações sociais em construção e/ou reconstrução, veremos que internamente eles são tão influenciados pelo poder público como pela Proposta. Do ponto de vista do seu desenvolvimento, distinguimos dentro desse projeto duas dimensões constitutivas essenciais: a pedagógica e a política. A Proposta é o empreendimento fundamentalmente pedagógico do Movimento, mas sua viabilização no sistema de ensino oficial depende em igual medida tanto de elementos de sustentação pedagógicos como políticos. Cada uma dessas dimensões, sendo essenciais para seu desenvolvimento, constitui um único complexo de sustentação que chamaremos de sustentação político-pedagógica.”

Assim, podemos afirmar como já vimos fazendo antes, de que os

assentamentos são lugares de construção e/ou reconstrução de relações sociais e de

possibilidades de ser cidadão, camponeses e agentes de transformação da sociedade

brasileira. Campesinia seria a cidadania camponesa. As escolas do campo têm um papel

fundamental nessa construção, nesse resgate. Esses processos sociais são abordados por

Romano (1994), que apresenta cinco aspectos associados a questões e problemas em

torno dos processos sociais no interior dos assentamentos, bem como aponta pistas que

podem problematizar e autenticar a necessidade de se lutar por campesinia.

Isso pode se reforçar ainda mais quando a essas categorias de relações

incluímos também as educacionais que o assentamento estabelece consigo mesmo e

com os mediadores. Pelo menos no que se refere à educação nos assentamentos, o

conjunto dos processos sociais como um todo, externos aos assentamentos, na forma

específica desses processos na área da educação, tem influência decisiva na implantação

de um modelo de educação interno aos assentamentos. Assim podemos pensar que o

MST via escola faz isso e que nós também o fizemos ao apresentar no capítulo II desta

dissertação sobre a relação entre cultura e escola. Ali explicitamos a intenção de unir

um local, um estudo de caso em suas inter-relações com um projeto maior de mundo e

de humanização do mundo. Isso se tornou possível quando lemos o projeto pedagógico

do setor do MST e ao observarmos a escola.

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Dessa maneira, voltamos à hipótese geral desta pesquisa: ao que parece a

Escola localizada nas áreas de assentamentos de Reforma Agrária tem um papel

importante na territorialização desses assentamentos, possibilitando a efetivação e a

continuidade da luta camponesa. Para isso, esses camponeses apresentam como

preocupações a valorização da Escola - fato que não ocorria antes, devido a um

entendimento influenciado pelos valores e choques culturais proporcionados pelo

advento da modernização no Brasil. Essa opção pela Escola altera a própria organização

dentro dos assentamentos e de forma geral no MST, como um todo. Propicia e

impulsiona a transformação do território conquistado. Ou seja, promove a

territorialização do MST.

De certa maneira, sabíamos que nos depararíamos com várias contradições,

mas essas em sua grande maioria seriam frutos da resistência camponesa, advindas do

processo de luta pela terra: resignificação da Escola, da escolarização, reinvenção do

cotidiano escolar, do cotidiano de trabalho na terra. Não podemos perder de vista que os

assentamentos que circundam a Escola são frutos de um ato de coragem, as grandes

ocupações de 1985. Não podemos esquecer que quanto aos Assentamentos poucos

estudiosos têm analisado como um núcleo social de conquista da cidadania.

Evidenciamos isso na grande e disposta colaboração no momento das entrevistas, como

se engajam nas festas, na consciência orgulhosa dos educadores e das educadoras, na

predisposição gratificante do trabalho com os estudantes nas oficinas e também na

seriedade, dedicação e envolvimento dos educadores e educadoras na última oficina. A

grande expansão do Capital nos anos posteriores à década de 60 fez com que Martins

(1986) afirme que se expandissem as empresas e também a resistência: “Encheu a terra

de mistério, de enigmas e, também, de desvendamentos, de descobertas. O cotidiano dos

pobres da terra está sendo reinventado. A luta pela terra é um dos instrumentos dessa

reinvenção (...).” Uma das características da luta de resistência é a luta por escolas dos

assentamentos. Ao discorrem no mosaico de vozes sobre o que uma escola do campo

representa perante o Capital hegemônico no mundo de hoje, fica evidente qual a sua

possibilidade e contribuição à resistência. Trata-se de uma resistência propositiva,

educativa, mas também inserida pelo capital.

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Ao discorrermos no capítulo II sobre os caros conceitos de espacialização e

territorialização, relatando como ocorrem na realidade do lugar estudado, acionamos a

potencialidade teórica desses conceitos. Durante a observação participante e mais

precisamente nas oficinas de dialogo esses dois conceitos começam a adentrar no rol de

conhecimentos dos envolvidos. Temos assim possibilidade de contribuir para o cabedal

científico da Geografia de maneira a sustentar os Movimentos Socioterritoriais como

categoria necessária a ciência em questão. Ao desvendarmos o território escolhido,

ainda que de maneira incipiente, pois escolhemos apenas o aspecto educativo escolar,

esses conceitos demonstram que tem potencialidade. Mas nossas intenções não foram

somente conceituais e acadêmicas, pois num certo sentido esperamos também ter

contribuído com o desenvolvimento social dos assentamentos, por intermédio das

oficinas, das entrevistas e das observações.

Referente ao ensino aprendizagem em Geografia, deparamos com uma

educadora que revelou que detesta a Geografia. Observamos que alguns educadores /

(algumas educadoras) adotam posturas que perpassam em trabalhar como um

repositório de informações. Demonstramos na oficina final ao discutirmos o papel do

conhecimento que essa postura não condiz com o projeto da escola. Não basta criticar e

questionar toda a estrutura da vida social em nosso país, é preciso potencializar mais as

grandes oportunidades que o local oferece enquanto encruzilhada cultural.

Desta forma, nossa ida a campo demonstrou que a luta por escolas dentro dos

assentamentos revela o interesse de que os jovens e as crianças possam aprender

conteúdos e valores para continuarem a (e “na”) organização do movimento. Olhar para

o cotidiano de uma escola rural, encravada numa fração conquistada do território vem

nos revelar essa escolha. Esse olhar conjugado com outros olhares, deles mesmos e de

outros teóricos, possibilitam entendimentos dos limites e das possibilidades da luta por

escolarização no campo. Desta feita, ao analisarmos como está sendo a formação

geográfica dos estudantes e de como uma proposta de ensino pode auxiliar nessa

formação, descobrimos que também podemos estender essas preocupações e contribuir

para a formação dos educadores. Porém percebemos que enquanto hipótese, essa teve

algum de seus apontamentos negados, enquanto a Escola Agrícola, é uma escola do

MST, uma escola dos Assentados, ainda podem-se perceber limites e avanços que se

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confrontam. A própria discussão das ações agroecológicas, uma das atividades que

servem como “menina dos olhos” aos educadores, ainda encontra resistência por parte

dos assentados. Mas como se trata de um projeto em construção, essa divergência se

apresenta como “combustível” a um debate necessário.

Por tratar-se de um projeto em construção, confronto de vinte anos de projeto

de algo novo com quinhentos anos de exploração. Junta-se a isso os últimos quarenta

anos de modelo agrícola e pacote da revolução verde. Em se tratando de escola

especificamente e escola assumida pelo Estado brasileiro podemos falar em torno de

século 20, década de 30. Mas que também formulou uma visão que se impregnou

primeiramente em como seria uma escola do campo, seu papel (isso por sua vez define

por parte do poder público todas as estratégias de funcionamento da instituição

encravada na zona rural) e outra como seria uma escola para as camadas pobres da

população brasileira seja no campo ou na cidade (muito embora como já foi explicitado

no primeiro capítulo este modelo urbano vigorou sobre qualquer outro).

Na hipótese ponho que a escola contribui para a territorialização do MST,

dos assentados. Mas qual territorialização? Ela acaba? (Paralisa após conquistar o

lote? Sabemos que não). Contribuir para implantar o projeto de desenvolvimento

humano do MST nos assentamentos, que envolva a agroecologia, a discussão de

uma Reforma Agrária transformadora, a cooperação agrícola e comercial dos

produtos. Mas dependendo dos protagonistas, dos educadores que atuam, esse

papel pode pender para um lado ou para outro, o MST em sua base não é

monolítico, aliás essa é uma das características importantes do movimento,

colocar tudo à prova da discussão coletiva. Mas isso não impede por exemplo de

assumir o cargo de diretor da escola, uma pessoa que desrespeita o coletivo e faz

o que der na cabeça, fazendo regredir conquistas, como por exemplo plantar

milho híbrido no espaço em que está plantado milho crioulo. Ou, indo mais

longe, desestruturando as aulas práticas e, portanto, as brigadas dos educandos

para fortalecer o projeto de ensino médio da escola. Isso de fato é o que vem

acontecendo na Escola (ex-agrícola) de Ensino Fundamental 25 de Maio. Desta

feita o capítulo dois desta dissertação é retrato de uma época vivida na escola,

que esperamos que o bom senso e o compromisso que elas representam façam

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voltar. Fica, assim, evidente que o projeto de educação escolar do MST, com

base na autonomia local pode tanto ser de extrema importância como

desestruturador de conquistas. O que isso acarreta no projeto de territorialização

somente outra pesquisa pode revelar, mas de antemão fica evidente que o alto

grau de rotatividade dos educadores e educadoras numa escola pode colocar em

risco importantes experiências e vivências. Temos, porém, que levar em conta,

que o MST “ vai mal das pernas”, segundo várias declarações de um dos seus

lideres, ocorre nos movimentos populares um descenso das massas. De fato falta

gente, pois muitos ainda se encontram em processo de formação. Dizem ser um

preço a se pagar no momento, investir em formação de educadores e educadoras,

mesmo com tempo escola e tempo comunidade implica em alterar ritmos de

funcionamentos da escola e interferir na qualidade do processo de ensino

aprendizagem das crianças e jovens.

A realidade dos Assentamentos é de extrema rotatividade, a da escola agrícola

não poderia ser diferente, a começar pela rotatividade de educadores e educadoras.

Se algumas ações da esfera da política prevalecem e atrapalham o fator de análise

científica de adentrar – isso fruto e reflexo das cisões instaladas pela modernidade – se

acionam na vida social e ali no assentamento, portanto, nas ações escolares, não poderia

ser diferente. A partir de conversas com outros pesquisadores das áreas de

Assentamento concluímos que uma dissertação corre o risco de ser apenas uma

fotografia de momento. Mesmo uma saída de campo podemos ser surpreendidos

com alterações e mais alterações.

Embora tudo isso que apontamos aqui não fez nosso trabalho e o

desenvolvimento dele esmorecer, pois a partir das convicções que regem essa

construção dissertativa, demonstramos nosso envolvimento com a bibliografia da área

de concentração, assim como um conhecimento da bibliografia específica do tema de

pesquisa selecionado, procuramos nos envolver e aprender a capacidade de descobrir,

selecionar, discutir e criticar os dados mais importantes das bibliografias estudadas.

Assim também o que desponta é uma maior capacidade de reorganizar, de forma

coerente, os dados utilizados, com a aptidão para expor com clareza o “estado de arte”

do campo de pesquisa em que nos envolvemos. Assim essa “fotografia” em letras (ou

paisagem escrita) abordou temas da Questão Agrária brasileira, numa interface de

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demonstrar a relação entre saber acadêmico e saber escolar, na possibilidade premente

de aprendizagem de Geografia numa Escola do Campo. A formação de educadores e

educadoras ganhou mais destaque nas ações efetivadas nas saídas de campo, pois

esperamos contribuir com a formação de conceitos dos estudantes através desses rumos.

Desse modo, a Alfabetização Geográfica ganha destaque para a compreensão da ações

intrínsecas a escola e dessa com os assentamentos e com a sociedade. Dando voz e

analisando nessas ações a formação de conceitos entre os educadores, avaliação crítica e

proposta de ensino de alguns conceitos para reforçar a relação entre saber acadêmico e

saber escolar.

Resta uma questão: hoje temos a voz muda dos camponeses? Nosso trabalho

demonstra que não, que falam e, de certa maneira, tentamos demonstrar como essas

falas se espacializam e se territorializam também nas ações didáticos pedagógicas de

uma escola do assentamento.

Ao confirmarmos nossa hipótese, outras portas podem se abrir, outros

conceitos podem ser sugeridos ( o de campesinia e o de Etnogeografia por exemplo),

mas prefiro aqui somente apontá-los, pois continuaremos estudando a partir dos

horizontes que se abrem após a defesa desta dissertação. Uma Geografia das escolas do

Campo se delineia.

Tínhamos a pretensão nessa dissertação em discutir sobre uma Geografia das

Escolas do Campo, através de uma prática de ensino/ aprendizagem de geografia numa

escola do campo. Ainda estamos mais com sugestões e encaminhamentos pois o tempo

não foi ainda suficiente, tempo-pesquisa e atividades – pesquisa acabam criando uma

dinâmica que favorecerá a que realizemos um grande projeto. O tempo não para, como

diz um grande poeta de nossa geração. Não para também a territorialização e a

espacialização da esperança.

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BIBLIOGRAFIA

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ANEXOS

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ANEXOS 1 Entrevista via eletrônica com coordenadora do Setor Nacional de Educação: Heitor, tudo bem? Aproveito este momento para pensar melhor suas perguntas. Seguem as respostas ao lado da pergunta. Professora tenho uma primeira questão: como consigo saber quais Estados do Brasil, onde o MST é organizado possuem o curso Pedagogia da Terra ? Se existem esses cursos atendem regionalmente ou somente os Estados em que se localizam ? Resposta: Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Pará. Já teve também uma turma em Mato Grosso. Os educandos são da região, estados vizinhos. Há um pós-graduação: Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento - Parceria entre o ITERRA e a UnB. As etapas acontecem na Escola Florestan Fernandes em São Paulo (Guararema). 2 - Existe uma outra escola no mesmo modelo do ITERRA ? Resposta: O ITERRA é a única Escola nacional que nós temos e que funciona desta forma. 3 - Assim que a Escola Nacional estiver concluída e em plena atividade o que acontecerá com o ITERRA, no que diz respeito aos cursos de ensino superior? Últimas questão: seria possível eu obter informações sobre Escolas dos Assentamentos e Escolas nos Assentamentos espalhadas pelo Brasil ? Quais estados possuem escolas itinerantes ? Resposta:. Para você entender melhor isto, creio que você poderia bater um bom papo aí em São Paulo mesmo com Secretaria Estadual do MST. Quanto às Escolas Itinerantes: temos no Rio Grande do Sul - aprovada em novembro de 1996. Recentemente foi aprovada no Paraná. Em outubro estarei em Goiás para finalizar o Projeto Político Pedagógico e seguir a aprovação. SecretariaEstadual, mas segue o fone da Nacional: 4 - Se os estudantes que crescem no assentamento querem fazer um curso na faculdade que não seja ligado ao mundo rural ou a luta do Movimento,ou ainda querem ir morar na cidade, como o Setor e o Movimento encaram isso? Resposta: Hoje já temos muitos jovens estudando em Universidades públicas ou privadas em diversos cursos, tais como: agronomia, direito, letras, pedagogia, administração de empresas, contabilidade e outros. Temos em torno de 60 jovens cursando Medicina em Cuba na Escola Latino-americana. E dois ou três fazendo agronomia, enviados pela organização, é claro. Quanto ao ir morar na cidade, penso que a escolha é dele. Se ele tem uma profissão e puder se manter.... O Movimento não prende ninguém. Ele trabalha a inclusão, escolariza, forma, conscientiza. Aliás, hoje temos muita gente morando na cidade, todos aqueles que trabalham nas secretarias, na CONCRAB, ANCA, e nos escritórios em Brasília. Mesmo aqui em Porto Alegre, nós coletivo nacional de Educação, todos moramos na Capital. O ITERRA, está localizado geograficamente no centro de Veranópolis, isto para nós não é um problema. Não somos contra a cidade. Nós lutamos para que os camponeses possam viver bem no campo, com qualidade de vida, escola, saúde, trabalho, moradia.... ANEXO 2

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Documento apresentado em reunião aos Educadores e ao Conselho da Escola Agrícola em Maio de 2003, antecedendo a primeira OFICINA. Contribuição para o estudo do campesinato brasileiro/ Formação e territorialização de uma escola do campo no Município de Fraiburgo – SC / O Papel do Ensino de Geografia Pesquisador: Heitor Antônio Paladim Júnior Orientadora: Dra. Sônia M. V. Castellar Objetivos do Projeto de Pesquisa: De que maneira a Escola e a educação Escolar contribuem para a territorialização dos camponeses organizados através de um movimento Socioterritorial? Como as estratégias e táticas do MST se transformam em ações didáticas pedagógicas e possibilitam que as crianças e jovens, assim como os educadores, façam parte da territorialização e espacialização da luta pela Reforma Agrária ? ENTENDER COMO SE ESPACIALIZAM, TERRITORIALIZAM. COMO ELES E ELAS SE FAZEM CIDADÃOS. Observar: Escolarização e escolas dentro de outros assentamentos (mais um ou dois?) Tempo escola, tempo comunidade Estão a Criar coletivamente uma identidade camponesa e brasileira de ser (Como isso vem ocorrendo nesta escola? E em outras? Quais os avanços e limites?). Saída de Campo: “Escola Agrícola 25 de Maio” e nos Assentamentos da Reforma Agrária do Município de Fraiburgo – SC Objetivos dessa saída de campo: Informar aos sujeitos dos assentamentos e da escola sobre o andamento da pesquisa; sensibilizar através de oficina didática - pedagógica para esse e outros encontros com o pesquisador; sondagem/ diálogo sobre a compreensão de alguns conceitos/noções relacionados ao ensino de Geografia. Pretendemos atingir esses objetivos através dos seguintes meios: - OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE (Cotidiano, Atividades de ensino aprendizagem, documentos) - PRIMEIRA OFICINA (com educandos e educandas - Proposta) - ENTREVISTAS com estudantes, educadores e educadoras (professores e funcionários).

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Anexo 3

Quadro das etapas das saídas de campo: Mês e ano que ocorreu à saída

de campo

Período de permanência

Qual etapa de pesquisa prevaleceu?

Outras etapas realizadas.

Principais acontecimento

s ocorridos

Março / 2002

Sete dias

OBSERVAÇÃO Comparada com o ano

letivo de 1999.

As primeiras entrevistas (3) .

Ano letivo no início

Agosto de 2002

Seis dias

OBSERVAÇÃO Cotidiano escolar e o

envolvimento da comunidade assentada

com a escola

Mais algumas entrevistas.

Início ensino médio noturno, Plebiscito ALCA

Dezembro de 2002

Cinco dias OBSERVAÇÃO

Formatura da oitava série

Maio de 2003

Doze dias

OFICINAS DE DIÁLOGOS

Primeira oficina com educandos/as da quinta a

oitava série.

Prosseguimento das Entrevistas, nesta

etapa com visitas as casas dos

Assentados.

Festa de 25 de Maio

Novembro

de 2003

Dez dias

OFICINAS DE DIÁLOGOS

Com as quatro séries

Observação e entrevistas.

Visitamos outras escolas

Estudantes da “25 de Maio” realizavam uma pesquisa de fim de ano.

Dezembro de 2003

Quinze dias

OFICINAS DE DIÁLOGOS

Com os educadores/as.

Na Escola Agrícola reuniões

pedagógicas de encerramento do

Ano letivo.

Apresentação do Seminário de pesquisa dos estudantes. Encontro Estadual do MST. Formatura.

Anexo 4

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PUBLICAÇÕES DO MOVIMENTO SOBRE EDUCAÇÃO

PERÍODO 1991 / 2003 1 - Cadernos de Formação n. o 18 - O que queremos com as escolas dos assentamentos. 1ª ed.: 1991; 2ª ed.: 1993; 3ª ed.: 1995; edição em espanhol: 1994; 2ª edição em espanhol: 1996. n.o 19 - Calendário histórico dos trabalhadores. 1ª ed.: 1993; 2 - Cadernos de Educação 1- Como fazer a escola que queremos. 1ª ed.: 1992; 2ª ed.: 1993; 3ª ed.: 1995. 2 - Alfabetização. 1ª ed.: 1993; 2ª ed.: 1994; 3ª ed.: 1996. 3 - Alfabetização de jovens e adultos: como organizar. 1ª ed.: 1994; 2ª ed.: 1996. 4 – Alfabetização de jovens e adultos: didática da linguagem. 1ª ed.: 1994; 2ª ed.: 1996. 5 – Alfabetização de jovens e adultos: didática da matemática. 1ª ed.: 1994; 2ª ed.: 1995; 3ª ed.: 1996. 6 – Como fazer a escola que queremos: o planejamento. 1ª ed.: 1995; 2ª ed.: 1996. 7 – Jogos e brincadeiras infantis. 1996 8 – Princípios da educação no MST. 1ª ed.: 1996; 2ª ed.: 1997. 3 - Boletins da Educação 1 – Como deve ser uma escola de assentamento. 1992. 2 – Como trabalhar a mística com as crianças. 1993 3 – Como trabalhar a comunicação nos assentamentos e acampamentos. 1993. 4 – Escola, trabalho e cooperação. 1ª ed.: 1994; 2ª ed.: 1995. 5 – O trabalho e a coletividade na educação. Anton Makarenko. 1995. 6 – O desenvolvimento da educação em Cuba. 1995. 4 - Coleção “Fazendo História” 1 – A comunidade dos gatos e o dono da bola. 1995. 2 – Zumbi, comandante guerreiro. 1995. 3 – A história de uma luta de todos. 1996. 5 - Avulsos Álbum seriado: como deve ser uma escola de assentamento. 1994. Plantando cirandas. Fita e livreto de canções infantis. 1994. Ensino de 5ª a 8ª séries em áreas de assentamento: ensaiando uma proposta. 1995. O brilho de quem faz a luta. Peças teatrais. 1995. 1º Caderno de orientação para os monitores de educação de jovens e adultos - Estado do Paraná. 1996. (Fonte: CALDART, 1997; Página do MST, acessada em junho de 2003). Anexos 5

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Princípios Filosóficos da Educação do MST Educação para a transformação social. Educação de classe, massiva, orgânica ao MST, aberta para o mundo, voltada para a ação. Aberta para o novo. Educação para o trabalho e a cooperação. Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana. Educação com / para valores humanistas e socialistas. Educação como um processo permanente de formação/ transformação humana.

Princípios Pedagógicos da Educação do MST Relação entre prática e teoria. Combinação metodológica entre processos de ensino e capacitação. A realidade como base para a produção do conhecimento. Conteúdos formativos socialmente úteis. Educação para e pelo trabalho. Vínculo orgânico entre processos: - educativos e políticos - educativos e econômicos - educativos e culturais Gestão democrática. Auto organização dos/das estudantes. Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras. Atitudes e habilidades de pesquisa (investigação e internalização) / (confrontar e propor). Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais. Educação Voltada a Agroecologia (Este é específico desta Escola) (Fonte: CALDART, 1997; Página do MST, acessada em junho de 2003; documentos recolhidos na Escola Agrícola 25 de Maio).