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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS INTEGRAÇÃO E POLÍTICA AGRÍCOLA: UMA INTRODUÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMUNS NO MERCOSUL E NA UNIÃO EUROPÉIA MARINA ELENA MIGGIOLARO BARBIERI São José (SC), dezembro de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

INTEGRAÇÃO E POLÍTICA AGRÍCOLA: UMA INTRODUÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS

PÚBLICAS COMUNS NO MERCOSUL E NA UNIÃO EUROPÉIA

MARINA ELENA MIGGIOLARO BARBIERI

São José (SC), dezembro de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIAS

INTEGRAÇÃO E POLÍTICA AGRÍCOLA: UMA INTRODUÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS

PÚBLICAS COMUNS NO MERCOSUL E NA UNIÃO EUROPÉIA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Relações Internacionais na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICA: MARINA ELENA MIGGIOLARO BARBIERI

São José (SC), dezembro de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

INTEGRAÇÃO E POLÍTICA AGRÍCOLA: UMA INTRODUÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS

PÚBLICAS COMUNS NO MERCOSUL E NA UNIÃO EUROPÉIA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais, sob orientação de conteúdo e metodologia do Prof. M.Sc. Paulo Jonas Grando ACADÊMICA: MARINA ELENA MIGGIOLARO BARBIERI

São José (SC), dezembro de 2004

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SÃO JOSÉ

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE ESTÁGIOS E MONOGRAFIAS

“INTEGRAÇÃO E POLÍTICA AGRÍCOLA: UMA INTRODUÇÃO À

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMUNS NO MERCOSUL E NA UNIÃO EUROPÉIA”

MARINA ELENA MIGGIOLARO BARBIERI A presente Monografia foi aprovada como requisito para obtenção do Grau de Bacharel em Relações Internacionais no Curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

São José, 29 de novembro de 2004.

_________________________________ Prof. MSc. Roberto Di Sena Júnior Coordenador do Curso de Relações

Internacionais

______________________________

Prof. MSc. Paulo Jonas Grando Coordenador de Estágios e Monografias do

Curso de Relações Internacionais

Banca Examinadora:

___________________________________________________________________ Prof. MSc. Paulo Jonas Grando - Membro Orientador

___________________________________________________________________ Prof. MSc. André Lippi Pinto Bastos Lupi - Membro Examinador

__________________________________________________________________ Prof. Dra. Karine de Souza Silva - Membro Examinador

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Dedico este trabalho à minha família, Enori,

Márcia e Bruno, pelo amor, compreensão e

auxílio incondicional.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pelo dom da vida e aos caminhos que me abriu, permitindo a

concretização de minhas escolhas.

Aos meus pais, por acreditarem na possibilidade de realização de meus sonhos.

A Universidade do Vale do Itajaí, enquanto Instituição, por viabilizar o curso de Relações

Internacionais.

Aos Mestres, que ao longo dos anos, têm compartilhado seus conhecimentos com nós

acadêmicos.

Agradeço ao meu orientador e amigo, Paulo Jonas Grando, pela dedicação, paciência e

obstinação em nos mostrar com sabedoria o melhor caminho para expressarmos nosso

saber.

Aos meus amigos, em especial, Bia, Elisa, Izabele, Gisele e Lucio, pelos momentos

compartilhados, pelas experiências trocadas e pelas boas lembranças que levarei.

Agradeço enfim, a tudo e a todos que, direta ou indiretamente, com alegrias ou tristezas,

acreditando ou desafiando, estiveram presentes nesta jornada que, em seu final, inicio uma

nova etapa.

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Homenageio em Vossa Excelência o político que

se volta para o mundo, que sabe que do exterior provêm

impulsos criativos e inovadores para os povos,

em sua busca permanente de progresso.

Fernando Henrique Cardoso, 1995

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SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE ABREVIATURAS INTRODUÇÃO............................................................................................................. 13

1 INTEGRAÇÃO E INTERDEPENDÊNCIA: UMA ABORDAGEM TEÓRICA 16

1.1 O ASPECTO ECONÔMICO DOS MODELOS DE INTEGRAÇÃO..................... 19

1.2 OS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO PELO ÂNGULO POLÍTICO..................... 24

1.3 DAS TEORIAS DE INTEGRAÇÃO AO PARADIGMA DA

INTEDEPENDÊNCIA.............................................................................................. 37

2 ESTADO E INTEGRAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A

AGRICULTURA........................................................................................................... 43

2.1 A INTERVENSÃO ESTATAL NA DINÂMICA SÓCIO-ECONÔMICA

CONTEMPORÂNEA............................................................................................... 46

2.2 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM DEBATE INTRODUTÓRIO............. 55

2.3 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A AGRICULTURA: A NECESSIDADE DE

INTERVENÇÃO ESTATAL NO SETOR............................................................... 62

3 A SITUAÇÃO DA POLÍTICA AGRÍCOLA NO MERCOSUL........................... 69

3.1 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA

LATINA.................................................................................................................... 70

3.1.1 Antecedentes Remotos do Processo de Integração do Mercosul..................... 75

3.1.2 Antecedentes Recentes do Processo de Integração do Mercosul..................... 80

3.2 TRATADO DE ASSUNÇÃO E A CONSTRUÇÃO DO MERCOSUL.................. 83

3.3 PROTOCOLO DE OURO PRETO: ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO

MERCOSUL............................................................................................................. 87

3.4 AGRICULTURA NO MERCOSUL: SUBGRUPO DE TRABALHO Nº 8............ 91

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4 A SITUAÇÃO DA POLÍTICA AGRÍCOLA NA UNIÃO EUROPÉIA............... 97

4.1ANTECEDENTES DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO NA UNIÃO

EUROPÉIA............................................................................................................... 99

4.2 DE PARIS A NICE: A CONSTRUÇÃO DA ESTRUTURA DA UNIÃO

EUROPÉIA............................................................................................................... 103

4.2.1 O Tratado de Paris (1951)................................................................................ 104

4.2.2 O Tratado de Roma (1957).............................................................................. 107

4.2.3 O Tratado do Ato Único Europeu (1986)........................................................ 110

4.2.4 O Tratado de Maastricht (1992)....................................................................... 112

4.2.5 O Tratado de Amsterdã (1997)........................................................................ 115

4.2.6 O Tratado de Nice (2001)................................................................................ 117

4.3 A POLÍTICA AGRICOLA DA UNIÃO EUROPÉIA: UMA POLÍTICA

COMUNITÁRIA...................................................................................................... 119

4.3.1 A Reforma da PAC: Agenda 2000................................................................... 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 128 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 133 ANEXOS........................................................................................................................ 143

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RESUMO

O presente trabalho trata de um tema que vem se desenvolvendo no âmbito das

Relações Internacionais contemporâneas: os processos de integração, fenômeno esse,

significativo após a metade do século XX. O tema escolhido, Integração e Política

Agrícola: uma introdução à implementação de políticas públicas comuns no Mercosul e na

União Européia, teoriza alguns aspectos sobre este assunto através da abordagem das

teorias da integração, do paradigma da interdependência, do conceito de políticas públicas e

política agrícola com ênfase nos blocos econômicos do Mercosul e da União Européia.

Como forma de explicar os fatos e fenômenos descritos, a pesquisa foi empreendida a partir

do questionamento de que o processo de integração implica a identificação e a descrição

das forças que contribuem para a formação de comunidades políticas. É nesta realidade que

o Mercosul e a União Européia se inserem, porém com dinâmicas e estruturas distintas. Os

principais aspectos deste contexto são levantados, procurando-se alcançar o objetivo central

do trabalho que é identificar como os dois blocos estão conduzindo as suas políticas

agrícolas no sentido de implementação de políticas públicas comuns. Diante disso, a

pesquisa foi dividida em quatro partes centrais, cada qual com seus objetivos específicos, as

quais elucidam o tema proposto através dos termos chaves condutores da investigação:

Integração, Estado, Políticas Públicas, Políticas Agrícolas, Mercosul e União Européia.

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ABSTRACT

The present work deals with a subject that comes developing in the scope of the

contemporaries International Relations: the processes of integration, significant

phenomenon after the half of XX century. The chosen subject, Integration and Agricultural

Politics: an introduction to the implementation of common public politics in the Mercosul

and the European Union, gets some aspects on this subject through the boarding of the

theories of the integration, the Paradigm of the Interdependence, the concept of public

politics and agricultural politics with emphasis in the economic blocks of the Mercosul and

the European Union. As form to explain and describe the facts and phenomenon, the

research was undertaken from the questioning of that the integration process implies in the

identification and description of the forces that contribute for the formation politics’

communities. It is in this reality that the Mercosul and the European Union insert, however

with distinct dynamic and structures. The main aspects of this context are raised, looking

itself to reach the central objective of the work that is to identify as the two blocks are

leading its agricultural politics in the direction of implementation of common public

politics. Ahead of this, the research was divided in four main parts, each one with its

specific objectives, which elucidate the subject considered through the conducting terms

keys of the inquiry: Integration, State, Public Politics, Agricultural Politics, Mercosul and

European Union.

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LISTA DE ABREVIATURAS ALADI Associação Latino Americana de Integração

ALALC Associação Latino Americana de Livre Comércio

ALCA Área de Livre Comércio das Américas

ACE Acordo de Complementação Econômica

APEC Organização de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico

AUE Ato Único Europeu

BCE Banco Central Europeu

BENELUX Bélgica, Holanda e Luxemburgo

BID Bando Interamericano de Desenvolvimento

CARICON Comunidade do Caribe

CCM Comissão de Comércio do Mercosul

CE Comunidade Européia

CECA Comunidade Européia do Carvão e do Aço

CED Comunidade Européia de Defesa

CEEA Comunidade Européia de Energia Atômica

CEE Comunidade Econômica Européia

CEPAL Cooperação Econômica para América Latina

CMC Conselho Mercado Comum

CNUAH Centro das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos

CONASUR Conselho Consultivo de Cooperação Agrícola dos Países da Área Sul

CORESA Comissão Regional de Saúde Animal

COSAVE Comissão de Saúde Vegetal

CPC Comissão Parlamentar Conjunta

ECOFIN Conselho para Assuntos Econômicos e Financeiros

ECOSOC Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

EFTA Associação Européia de Livre Comércio

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EUA Estados Unidos da América

EURATON Comunidade Européia da Energia Atômica

FCES Foro Consultivo Econômico Social

FEOGA Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola

FAO Fundação das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

FMI Fundo Monetário Internacional

FNUAP Fundo de População das Nações Unidas

GATT General Agreement on Tariffs and Trade

GMC Grupo Mercado Comum

INSTRAW Instituto de Pesquisa e Treinamento para a Promoção da Mulher

MC Mercado Comum

MCCA Mercado Comum Centro Americano

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MRE Ministério das Relações Exteriores do Brasil

NAFTA North American Free Trade Agreement

OCM Organizações Comuns de Mercado

OECE Organização Européia de Cooperação Econômica

OEA Organização dos Estados Americanos

OI Organização Internacional

OIT Organização Internacional do Trabalho

OLADE Organização Latino-Americana de Energia

OMC Organização Mundial do Comércio

OMI Organização Internacional para as Migrações

OMS Organização Mundial da Saúde

ONGs Organizações Não Governamentais

OPS Organização Pan Americana para a Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

ONUDI Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial

PAC Política Agrícola Comum

PIB Produto Interno Bruto

PICE Programa de Integração e Cooperação Econômica

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PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PSE Política Sócio-Estrutural

SAN Secretaria Administrativa do Mercosul

SC Santa Catarina

SDN Sociedade das Nações

SELA Sistema Econômico Latino Americano

SGT Subgrupos de Trabalho

SNPA Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária

TCE Tratado da Comunidade Européia

TEC Tarifa Externa Comum

TM-60 Tratado de Montevidéu 1960

TM-80 Tratado de Montevidéu 1980

UA União Aduaneira

UE União Européia

UEM União Econômica e Monetária

UEO União Européia Ocidental

UNCTAD Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

ZLC Zona de Livre Comércio

ZPT Zona de Preferências Tarifárias

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INTRODUÇÃO

O século XX foi marcado pela intensificação das relações entre os Estados no que

diz respeito a possibilidades de cooperação e coordenação de interesses. A Teoria da

Interdependência, que surgiu por volta dos anos 70, possui a incumbência de explicar o

modo como operam e se processam os acontecimentos internacionais. Devido à insatisfação

intelectual estabelecida em face à incapacidade e muitas vezes frente ao fracasso das

demais teorias específicas para interpretar um fenômeno tão complexo quanto o da

integração, a Teoria da Interdependência, através dos aportes teóricos das relações

internacionais, surge como forma de contribuir para explicar o surgimento de novos atores

que, de alguma forma, abriram novas formas de contatos em âmbito internacional.

A presente pesquisa é empreendida nesta esfera de abordagem. A questão central

do processo de integração implica a identificação e a descrição das forças que contribuem

para a formação e união das comunidades políticas. Esta realidade dinâmica fica clara nos

processos integracionistas do Mercosul e da União Européia. O Mercado Comum do Sul

(Mercosul) se apresenta, na atualidade, como a forma mais avançada de se estabelecer

negociações internacionais acerca das tentativas de integração na América do Sul. E a

União Européia constitui o principal exemplo de um processo de integração econômica

especial entre Estados soberanos que vem sendo aprofundada, via ações de cooperação e

integração regional entre Estados Membros.

Especificamente, no que tange o objetivo geral desta pesquisa, busca-se identificar

a forma como estes dois blocos conduzem suas políticas agrícolas no sentido de

implementação de políticas públicas comuns: no Mercosul através de harmonização de

políticas públicas nacionais, e na União Européia, através da atuação de órgãos

supranacionais comunitários. A hipótese da pesquisa aponta para a grande diferença dos

dois blocos. Observa-se que na construção de uma esfera supranacional, todo o

desenvolvimento obtido pela União Européia se dá através de políticas públicas comuns em

decorrência de uma integração consolidada há mais tempo. Já no Mercosul, todo o processo

de implementação de políticas tem como suporte as atuações nacionais, em razão das

deficiências de atuação das instituições interestatais regionais.

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Teoricamente, a pesquisa proposta vem ao encontro de análises sobre as teorias da

integração, o conceito contemporâneo de Estado, políticas públicas e políticas agrícolas. No

decorrer do trabalho, a definição dos respectivos conceitos teve a função de auxiliar na

percepção histórica feita sobre os dois blocos mencionados, e refletir sobre os principais

objetivos propostos pela pesquisa, além de compreender alguns dos principais aspectos

sobre as respectivas políticas agrícolas.

No aspecto metodológico, partiu-se de uma abordagem geral (teorias e acordos),

em direção de uma identificação particular. Este aspecto fica claro no decorrer da

estruturação do trabalho. Inicia-se pela percepção de uma dúvida, definida pelo objetivo, e

se busca identificar a ocorrência dos fatores abrangidos, sempre a partir da discussão

teórica do problema. Aplicando esse método, procurou-se avançar do conhecimento teórico

do fato à apreensão do fenômeno num sentido mais geral.

A pesquisa foi empreendida tendo como objetivo primordial descrever e

identificar as principais características dos objetivos, trabalhando com a delimitação ou

com a análise de características de fatos que possam explorar o tema em questão. Para isso,

buscou-se mostrar os fatores que determinam todo o processo, o que implica que este seja

suficientemente descrito no decorrer do trabalho. Assim, partiu-se da preocupação em

identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos do processo

para se aprofundar no conhecimento da realidade descrita e da situação em que se

apresenta.

Como técnica usou-se a documentação indireta: basicamente documental e

bibliográfica. Esta forma de pesquisa foi escolhida, pois possui a vantagem de permitir

tratar do problema quando se requer dados muito dispersos e também porque se adequava a

disponibilidade de tempo e de recursos. Cabe salientar o tema é abordado sem uma

delimitação temporal precisa, mas enfoca o objeto a partir da sua evolução histórica e situa

a descrição até o ano de 2004. Diante desta apresentação inicial, a pesquisa está divida em

quatro partes distintas (capítulos), cada qual com o seu objetivo específico, as quais

procuram elucidar, da melhor maneira possível, o tema proposto e possibilitar a

organização da construção textual aqui proposta.

O primeiro capítulo aborda as principais teorias que tratam do processo de

integração. São propostos, diante de cada teoria, a conceituação de termo integração, os

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argumentos apresentados pelas teorias e quais as causas que estimularam a evolução do

processo. Esta análise foi feita de acordo com o ângulo econômico e político. Ainda, no

presente capítulo se introduz o assunto da pesquisa no plano teórico, observando os

principais aspectos relativos a discussão sobre integração e conclui procurando mostrar que

este aspecto implica em pensar o fenômeno pelo ângulo da interdependência.

No capítulo dois é feito um resgate dos argumentos do capítulo anterior que

destacaram o Estado com principal ator do processo de integração e se faz uma abordagem

do papel do Estado nacional como principal ator das relações internacionais, e precursor do

processo de integração. Para tal ação, se busca identificar como o Estado atua e se

posiciona como formulador de políticas públicas na área da integração, observando as

políticas públicas para a agricultura. Considera-se que a discussão teórica sobre políticas

públicas é importante para descrever como são produzidas as políticas públicas para a

agricultura no Mercosul e na União Européia, aspectos que são discutidos nos capítulos

posteriores.

O capítulo terceiro, diante das observações feitas nos capítulo iniciais, tem como

objetivo principal descrever a política agrícola no Mercosul. Porém, para tanto se fez

necessário abordar o histórico do processo de negociação entre os Estados Membros do

bloco e se conclui apresentando as principais características de como o Mercosul vem

tratando a agricultura.

No quarto e último capítulo encarrega-se de fazer, assim como no capítulo

anterior, porém tratando do caso europeu, uma retrospectiva histórica, identificando a

formação da União Européia. Buscou-se evidenciar cada etapa e princípios, suas

necessidades, suas prioridades e sua evolução. Tendo isso presente, o capítulo aborda a

política agrícola adotada pelo bloco, e também, as características implementadas pela

reforma da política agrícola comum (PAC) na Agenda 2000, assim como alguns aspectos

do problema com a inclusão de 10 novos Estados à União Européia, com a ampliação do

bloco em 2004.

Diante disso, considera-se que a abordagem enunciada é relevante para a

consecução dos objetivos propostos pelo trabalho que é fazer uma abordagem comparativa

entre a forma de implementação da política agrícola propostas pela União Européia e a

política agrícola desenvolvida pelo Mercosul.

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1 INTEGRAÇÃO E INTERDEPENDÊNCIA: UMA

ABORDAGEM TEÓRICA

A partir do Tratado de Roma de 1957, quando começou a institucionalização do

processo de integração, o sistema internacional estava configurado de maneira diferente.

Vigia o sistema bipolar, baseado principalmente no fundamento político-militar. Naquele

cenário, as duas superpotências rivais regiam a ordem internacional e ditavam o

comportamento das estruturas de poder. Os Estados Unidos da América, principal

expressão da economia capitalista, exercia sua liderança tanto no Ocidente quanto no

Oriente, tanto no Norte quanto no Sul e também do militar ao econômico. A URSS,

principal expressão socialista, exercia sua liderança na sua área de influência e procurava

expandir seus interesses para o restante do globo.

Especialmente após o fim da II Guerra Mundial e depois com a consolidação da

Comunidade Européia, o interesse quanto a processos de integração1 e cooperação

internacional2 recebeu um grande impulso. Dessa forma, em busca de interesses comuns,

observa-se a aproximação e negociações política envolvendo diferentes Estados

culminando na formação de blocos econômicos3. Entre eles se destacam a União Européia4,

o Mercosul5, o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte)6, a CARICOM

1 De um modo geral, integração significa compor, constituir, formar, fazer um todo ou conjunto com partes diversas. Neste primeiro momento procura-se definir o termo ‘integração’ somente na função de dimensão (econômica, política, militar, cultural, etc.), segundo o seu desenvolvimento em nível de produção (ideologias, teorias, instituições, etc.). 2 O termo cooperação internacional consiste em uma atividade com um objetivo determinado, que não constitui uma nova entidade e que tende a desaparecer com o alcance deste objetivo. Já o termo integração possui um significado mais amplo e completo por representar uma mudança quantitativa muito importante possuindo entidade própria. É dessa forma que integração internacional difere de cooperação internacional (SCHAPOSNIK, 1997). Para Balassa a diferença entre os dois termos não é somente qualitativa, mas também quantitativa. A cooperação inclui uma ação tendente a diminuir a discriminação, enquanto o processo de integração pressupõe medidas que conduzem à supressão de algumas formas de discriminação (BALASSA, 1961, p. 12). 3 São associações de países, em geral de uma mesma região geográfica, que estabelecem relações comerciais privilegiadas entre si e atuam e atuam de forma conjunta no mercado internacional. Um dos aspectos mais importantes na formação dos blocos econômicos é a redução ou a eliminação das alíquotas de importação, com vistas à criação de zonas de livre comércio. De uma certa forma, os blocos aumentam a interdependência das economias dos países membros (<http://www.ufpel.edu.br/mercosul/blocos.html>). 4 Sobre a União Européia será tratado no capítulo quarto desse estudo. 5 Sobre o Mercosul será tratado no capítulo terceiro desse estudo.

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(Comunidade do Caribe)7, o MCCA (Mercado Comum Centro Americano)8, a APEC

(Organização de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico)9, assim como outros. Com o fim da

Guerra Fria, assiste-se um cenário onde surgem novas e diferentes influências interagindo

no cenário internacional. Assim, observa-se uma tendência a construção desses acordos de

integração, processo que está na origem do que se costuma definir como blocos regionais.

No decorrer do processo as grandes corporações internacionais (multinacionais e

transnacionais), e as políticas externas dos Estados passaram a adotar estratégias distintas

para se inserirem neste contexto.

Os processos de integração que se apresentam no início do século XXI estão

estreitamente vinculados a movimentos muito mais amplos de reestruturação de forças que

redesenham o quadro da economia10, das relações políticas11, dos processos culturais12 e

6 Como os EUA não têm mais concorrência com a União Soviética e com o objetivo de desenvolveram suas empresas para que sobrevivam, nasceu em 1992 o NAFTA -North American Free Trade Agreement (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) reunindo EUA, Canadá e México para consolidar um comércio regional já intenso. Prevê-se, como objetivo, que daqui a quinze anos serão eliminadas todas as barreiras existentes entre estes três países fazendo, com que, dinheiro e mercadorias circulem livremente em toda esta área de acordo. Juntos eles somam cerca de 372 milhões de habitantes que compreendem consumidores de poder de compra elevado. O NAFTA não prevê acordos nos quais estão contidos a livre circulação de trabalhadores em busca de melhores condições e lugares e também uma unificação total da economias dos países pertencentes, e sim em que um acordo que se forme uma zona de livre comércio para a atuação e proliferação das empresas em um espaço protegido. Este bloco econômico está esbarrando em muitas diferenças sociais, no qual pode-se citar como maior exemplo o caso em que o México possui em relação aos outros integrantes, o que dificulta muito e causa descontentamento em alguns sindicatos dos EUA, pois ao mesmo estão preocupados com a possibilidade de algumas fábricas mudarem-se para o México deixando a mão-de-obra, em lugares dos EUA, desempregada. O NAFTA também está interessado, é claro, em proteger os produtos ali fabricados, colocando uma taxa de importação sobre alguns produtos tornando-os menos atraentes para os consumidores desses três países (<http://www.ufpel.edu.br/mercosul/blocos.html>). 7 A Comunidade do Caribe foi formada em 1973 através do Tratado de Chaguaramas, com a união de Antigua, Barbados, Belize, Dominique, Granada, Guiana, Jamaica, Monserrat, San Cristóbal-Nieves-Anguila, Santa Lúcia, São Vicente e Trinidad e Tobago. Seu principal objetivo é a criação de um mercado comum (SEITENFUS, 1997, P. 207). 8Assinado em Manágua, a 13 de dezembro de 1960, o Tratado Geral de Integração Econômica Centroamericana reúne El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. Mais tarde (1962) a Costa Rica aderiu ao Tratado. O Tratado permitiu o incremento do comércio intra-regional (SEITENFUS, 1997, P. 206). 9 Foi fundada em 1989, através do Tratado de Canberra. Ela reunia, originalmente, onze Estados localizados nas duas margens do Pacífico. Atualmente ela conta com os seguintes Estados membros: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Coréia do sul, Estados Unidos, Filipinas, Hong-Kong, Indonésia, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Papua, Tailândia e Taiwan. A APEC se caracteriza por ser um fórum de coordenação de políticas econômicas com o objetivo de harmonizar as posições entre os sócios (SEITENFUS, 1997, P. 245). 10 Como integração econômica Costa (2003, p. 127) entende a formação de mercados únicos a partir da remoção de barreiras ao comércio, tarifárias ou não. Pode chegar à livre circulação de fatores produtivos. 11 Como processo político, Costa (2003) define o termo integração como a criação de instituições capazes de mediar conflitos e aproximar a ação de Estados diversos. Utilizam-se, muitas vezes, de organizações internacionais.

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dos processos jurídicos13 nas Relações Internacionais. Segundo Costa (2003), isso vem

ocorrendo num quadro em que a regionalização14, pensada como a formação de blocos

geoeconômicos e políticos, expande-se pelo globo. Dessa forma, na medida em que se

avançam os processos de integração, surgem também, tentativas de construção de teorias

capazes de analisar e estudar todo o processo.

A esse respeito, Oliveira (1999) destaca que a vertente política tende a comandar

o processo evolutivo e a dinâmica da integração para a vertente econômica desse mesmo

processo. No momento em que a integração econômica se consolida, o processo passa para

a integração política. É por isso que os objetivos políticos dos Estados Membros comandam

os interesses e o grau de integração econômica entre eles.

Sobre este aspecto, observa-se que os processos integradores abrangentes, como foi

o caso da União Européia e, como se pretende, venha a ser o caso do Mercosul, adquirem

rapidamente uma dimensão política crescente. Esta se traduz numa ampla e cada vez mais

diversificada agenda de cooperação com vínculos diretos com a dinâmica econômico-

comercial, a qual é o motor da integração. Na medida em que o processo de integração

econômica avança, o comércio dos países envolvidos torna-se cada vez mais complexo,

exigindo, portanto, uma cooperação mais intensa em outros campos, levando em conta a

maior densidade dos contatos entre as partes.

Diante do exposto, o presente capítulo apresenta como objetivo central identificar e

descrever as principais teorias que tratam do processo de integração. Para tal, será estudado

o conceito de integração, os argumentos apresentados pelas teorias e quais as causas que

estimularam a evolução do processo. Para tanto será necessário analisá-las de acordo com

dois vieses de integração. Um deles é o viés econômico e o outro o político. Essa

abordagem se faz necessária devido ao fenômeno que será apresentado no final do capítulo:

a formação de blocos regionais através do Direito de Integração ou através do Direito

12 O fator cultural é utilizado com sendo a aproximação de tradições e padrões de comportamento, tendente à homogeneização, mesmo que mantida a diversidade (COSTA, 2003, p. 127). 13 Como processo jurídico entende-se por integração a formação de regras jurídicas válidas para vários Estados, até mesmo com aplicabilidade direta e autonomia de um ordenamento supranacional (COSTA, 2003). 14 O movimento de regionalização responde em parte à globalização econômica. A regionalização contribui para a consolidação do jogo da concorrência. A integração regional pode ser vista como uma passagem para uma nova estrutura organizacional dos Estados nacionais, na qual, novas formas de relacionamento interno e externo surgem formalizando um novo espaço comum, o espaço integrado (BARBIERO e CHALOULT, 2001).

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Comunitário. Desta forma, o presente capítulo introduzirá o assunto no plano teórico para

que nos próximos capítulos se identifique o papel do Estado como formulador de políticas

públicas, bem como formador de comunidades políticas15 (União Européia e Mercosul).

1.1 O ASPECTO ECONÔMICO DOS MODELOS DE INTEGRAÇÃO

No plano teórico16, destaca-se que o conceito de integração econômica é

recente, passando a ser utilizado em seu sentido atual após a II Guerra Mundial. Esse

conceito é usado, nesta pesquisa, para se pensar os diferentes níveis em que a União

Européia e o Mercosul estão promovendo para gerar uma maior interdependência entre

Estados, países e nações, com intuito de aprofundar as relações econômicas e políticas entre

os membros. Neste sentido, a integração pode ser pensada como um processo em que os

Estados Membros procuram se inserir no atual cenário econômico mundial, marcado por

suas correntes complementares de multilateralização das relações comerciais, políticas e

sociais com maior intensidade e dinamismo. Pensada como uma ação histórica, política e

econômica, a busca de maior integração entre os Estados é um fenômeno que avança

rapidamente, e faz com que quase todas as grandes economias mundiais encontrem-se, de

alguma forma, envolvidas em contingentes de integração econômica.

Sob o aspecto econômico, Silva (1995, p. 107), entende por integração, “o

processo político entre governos nacionais, visando à redução, parcial ou total, das barreiras

tarifárias17 e não tarifárias18, que limitam o comércio recíproco”. Esse processo pode ser

15 Segundo a abordagem desta pesquisa, será usado como significado de comunidades políticas, a junção de duas ou mais unidades estatais. 16 A multiplicidade de atores internacionais, a complexidade de suas relações, assim como os desmembramentos, culminam na formulação de modelos teóricos de reflexão interpretativa dessa realidade junto à sociedade internacional (OLIVEIRA, 2001). Neste trabalho não se diferencia as acepções paradigma e teoria como elementos diferenciados e de hierarquias explicativas inferior ou superior. Ambos têm o mesmo sentido, contribuir para o entendimento da problemática em foco. 17 Barreiras tarifárias são caracterizadas pela aplicação de um imposto de importação elevado que praticamente inviabiliza a importação de um produto. Ex: para a importação, no Brasil, de compressores herméticos para refrigeração, aplicar um imposto de importação de 45% sobre o valor da mercadoria mais o frete e o seguro (Glossário de Temas Comerciais, disponível em <http:// www.mercosul.gov.br> Acessado em 20 agosto 2004). 18 Barreiras não tarifárias, também conhecidas como restrições não-tarifárias, são aquelas medidas de caráter administrativo, financeiro, cambial, técnico e ou ambiental, mediante as quais um país impede ou dificulta a

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bilateral ou multilateral, mas seu elemento propulsor é a eliminação de fatores

discriminatórios, sendo imprescindível mudanças em nível econômico, político, e social

dos países que estão envolvidos no processo integracionista (Op. Cit. p. 108).

Dessa forma, percebe-se que os processos de integração econômica conformam

diferentes ações ou medidas de caráter econômico e comercial com o objetivo de promover

a aproximação e, eventualmente, a união entre as economias de dois ou mais países. Essas

medidas concentram-se, em um primeiro momento, na diminuição ou mesmo na eliminação

de barreiras tarifárias e não tarifárias que inibem o comércio de bens entre os países. Esse

aspecto possibilita expandir a troca de produtos e também, ao gerar maior intercâmbio,

aproximar os membros de um bloco para a discussão e negociação de outros aspectos.

Com a ampliação do processo e também com uma etapa mais adiantada da

integração será exigido algum tipo de esforço adicional, podendo envolver até a definição

de uma Tarifa Externa Comum19, ou seja, uma tarifa a ser aplicada por todos os sócios ao

comércio de bens com terceiros mercados. Adjunto a esse exercício, os Estados Membros

de um bloco ou acordo de integração necessitariam do estabelecimento de um Regime de

Origem20, mecanismo pelo qual se determina se um produto é originário da região (fazendo

jus às vantagens comerciais próprias a um esquema de integração) ou não. Avançando

ainda mais, chegamos a arranjos adiantados de integração que admitem a liberalização do

comércio de serviços e a livre circulação dos fatores de produção (capital e trabalho), os

quais exigem a coordenação de políticas macroeconômicas e até mesmo a coordenação de

políticas fiscais e cambiais. Em grau extremo, a integração econômica pode levar,

inclusive, à adoção de uma moeda única (<http://www.mercosul.com.br>).

importação. Estabelecem-se através de quotas para importação de um determinado produto (Glossário de Temas Comerciais, disponível em <http://www.mercosul.gov.br> Acessado em 20 agosto 2004). 19 Tarifa Externa Comum é empregada como instrumento e regulação das importações dos países associados em uma união aduaneira ou um mercado comum. Diferentemente do que acontece numa zona de preferências tarifárias ou numa área de livre comércio, os países participantes abrem mão da competência para fixar unilateralmente os níveis tarifários para as importações oriundas de outros países (Glossário de Temas Comerciais, disponível em <http://www.mercosul.gov.br> Acessado em 20 agosto 2004). 20 Regime de Origem são regras utilizadas para identificar o país de procedência de uma mercadoria. É especialmente importante quando o produto passa por diversas fases de processamento em diferentes países. Esta ação visa proteger relações preferenciais de comércio da prática de triangulação (Glossário de Temas Comerciais, disponível em <http://www.mercosul.gov.br> Acessado em 20 agosto 2004).

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De acordo com as principais teorias liberais do comércio internacional21,

consideram-se quatro as situações clássicas de integração econômica: Zona de Preferências

Tarifárias, Zona de Livre Comércio, União Aduaneira, Mercado Comum. Um quinto

modelo, inédito até recentemente, é constituído pela União Econômica e Monetária.

Em teoria, a Zona de Preferências Tarifárias é a etapa mais incipiente de

integração econômica. Esta consiste na adoção recíproca, entre dois ou mais países, de

níveis tarifários preferenciais, ou seja, as tarifas incidentes sobre o comércio entre os países

membros do grupo são inferiores às tarifas cobradas de países não-membros. Segundo Silva

(1995), esta etapa se caracteriza pela redução parcial das tarifas alfandegárias entre duas ou

mais nações. “Essa redução pode dar-se de maneira uniforme ou não, ou seja, pode-se

reduzir as alíquotas de forma diferenciada por produtos, sendo que a concessão não é

aplicada a todos os setores ou produtos” (Op. Cit. p. 154). Essa diferença entre as tarifas

acordadas e aquelas aplicadas ao comércio com terceiros mercados dá-se o nome de

margem de preferência22. Arranjos dessa natureza constituem, em geral, etapas preliminares

na negociação de Zonas de Livre Comércio. Exemplos significativos de Zonas de

Preferências Tarifárias são muitos dos acordos celebrados no âmbito da ALADI

(Associação Latino Americana de Integração).

A segunda etapa ou estágio de integração é a Zona de Livre Comércio, a qual

consiste na eliminação de todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias que incidem sobre o

comércio dos países do grupo. De acordo com Oliveira (1999) esta etapa prevê a completa

eliminação de obstáculos tarifários, ou de qualquer outro tipo de obstáculo ao comércio de

21 Primeiro em Adam Smith, autor que considera as trocas internacionais como decorrentes das vantagens absolutas, um país exporta se ele produz a custos mais baixos que os outros. Depois com David Ricardo, autor da teoria das vantagens comparativas na qual destaca que os países se especializam na produção do bem que podem produzir relativamente de maneira mais eficaz que outra nação. Ainda no mesmo sentido, Michael E. Porter, autor da teoria das vantagens competitivas, destaca que as raízes da produtividade estão no ambiente nacional e regional da competição. No seu trabalho, Porter aborda as informações, incentivos, pressões competitivas e o acesso a empresas, instituições, estruturas produtivas e as infra-estruturas como elementos que permitem gerar condições de competitividade capazes de fazer com que as empresas sediadas em diferentes Nações sejam capazes de competir a nível internacional. E ainda, Krugmam procurando aprofundar o desenvolvimento de uma teoria do comércio internacional aponta três falhas da teoria tradicional. O primeiro é que o comércio internacional se desenvolve mais entre as nações desenvolvidas, pois se trata de um comércio entre nações muito pouco diferentes umas das outras, o segundo ponto é a parte do comércio internacional intrassetorial, e o ultimo ponto é o surgimento e atuação significativa das empresas multinacionais e do comércio intraempresas no cenário global (RAINELLI, 1998. p. 13-40). 22 Margem de Preferência é o percentual de redução da tarifa vigente para terceiros, que beneficia um ou alguns países sem estendê-las a todos os parceiros comerciais (Glossário de Temas Comerciais, disponível em <http://www.mercosul.gov.br> Acessado em 20 agosto 2004).

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mercadorias entre os Estados participantes. Segundo as normas estabelecidas pelo General

Agreement on Tariffs and Trade (GATT), acordo sobre comércio internacional que vem

sendo negociado em rodadas sucessivas desde 1947, e que deu origem à Organização

Mundial de Comércio, um acordo neste nível é considerado Zona de Livre Comércio

quando abarca ao menos 80% dos bens comercializados entre os membros do grupo.

Como a Zona de Livre Comércio pressupõe a isenção de tarifas aos bens

comercializados entre os sócios, torna-se imperativo determinar até que ponto determinado

produto é originário de um país membro da Zona ou foi importado de um terceiro mercado

e está sendo reexportado para dentro da Zona. “Um dos grandes problemas dessa área de

livre comércio é [exatamente esse], evitar o intercâmbio comercial de bens importados de

terceiros países dentro da zona de integração, isentos de tarifas ou qualquer outro encargo

comercial” (OLIVEIRA, 1999, p. 36). A determinação da origem de um produto dá-se

através do Regime de Origem, mecanismo indispensável em qualquer acordo de livre

comércio23.

O melhor exemplo de uma Zona de Livre Comércio em funcionamento é o

NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), firmado em 1994 entre os

Estados Unidos, o Canadá e o México. A ALCA deverá resultar, uma vez concluídas as

negociações para sua conformação, na maior Zona de Livre Comércio do mundo,

estendendo-se do Alasca à Patagônia e somando uma população de cerca de 780 milhões de

pessoas e um PIB de 9,7 trilhões de dólares (<http:// www.alca-bloco.com.br>).

A União Aduaneira (UA) é a terceira etapa de um processo de integração

econômica. Este procedimento implica no pressuposto de que os países membros de uma

Zona de Livre Comércio adotarão uma mesma tarifa às importações provenientes de

mercados externos. Segundo Oliveira (Op. Cit, p. 37) é o estágio onde “os Estados-

Membros adotam um sistema de tarifas externas comuns frente a terceiros países, [ou seja,]

as importações procedentes de terceiros países sofrem uma tarifa exterior comum, sob

forma de tributação”. A essa tarifa dá-se o nome de Tarifa Externa Comum (TEC). Dessa

forma evita-se o “problema dos desvios de comércio, mas implica um mínimo de

harmonização das Políticas Fiscais, Monetárias e Cambial” (SILVA, 1995, p. 109). A

23 Para maiores detalhes sobre Zona de Livre Comércio consultar também: GINESTA, Jacques. El Mercosur y su contexto regional e internacional: una introducción. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999, p. 39-40.

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aplicação da TEC redunda na criação de um território aduaneiro comum entre os sócios de

uma UA, situação que torna necessário o estabelecimento de disciplinas comuns em

matéria alfandegária e, em última análise, a adoção de políticas comerciais comuns.

Muitos são os exemplos de União Aduaneira. A União Européia era uma até a

assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992. O Mercosul tornou-se uma a partir de 1º de

janeiro de 1995, o melhor exemplo de uma União Aduaneira Latino Americana, o qual,

continua ainda sendo o estágio atual desse bloco econômico.

Um quarto estágio do processo de integração é o chamado Mercado Comum,

que tem a União Européia como principal modelo. “Este estágio inclui uma união

aduaneira, somada a livre mobilidade dos fatores de produção” (SILVA, 1995, p. 109). Ou

seja, a União Aduaneira regula apenas a livre circulação de mercadorias, enquanto o

Mercado Comum prevê também a livre circulação de capital, bens, serviços e pessoas “com

a eliminação de toda forma de discriminação”. Ainda, muito mais do que “o afastamento

das barreiras e tributos, um mercado comum exige uma administração permanente face à

acelerada atividade dos fatores de produção, compreendendo dois elementos de

importância: trabalho e capital” (OLIVEIRA, 1999, p. 38).

Do ponto de vista dos trabalhadores, a livre circulação implica a eliminação de

todas as barreiras fundadas na nacionalidade, mas também a instituição de uma verdadeira

condição de igualdade de direitos em relação aos nacionais de um país. No que se refere ao

capital, a condição de Mercado Comum supõe a adoção de critérios regionais que evitem

restrições nos movimentos de capital em função de critérios de nacionalidade. Em tais

situações, o capital de empresas oriundas de outros países do Mercado Comum não poderá

ser tratado como estrangeiro no momento de sua entrada (investimento) ou saída

(dividendos ou remessa de lucros).

A União Econômica e Monetária (UEM) constitui a etapa ou modelo mais

avançado e complexo de um processo de integração. Para Silva (1995, p. 109) “tal estágio

seria superado apenas pela fusão política dos membros e a criação de um novo Estado”.

Ela está associada, em primeiro lugar, à existência de uma moeda única e uma política

comum em matéria monetária conduzida por um Banco Central comunitário. A grande

diferença em relação ao Mercado Comum está, além da moeda única, na existência de uma

política macroeconômica, não mais coordenada, mas sim, comum.

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O único exemplo de uma União Econômica e Monetária incompleta é a União

Européia, pois ainda se encontra em processo de construção. Em 1992, com a assinatura do

Tratado de Maastricht, foram definidos os pré-requisitos para a entrada dos Países-

Membros da CE na nova UEM. Entre eles destacam-se: déficit público máximo de 3% do

PIB; inflação baixa e controlada; dívida pública de no máximo 60% do PIB; moeda estável

dentro da banda de flutuação do Mecanismo Europeu de Câmbio e taxa de juro a longo

prazo controlada. Em janeiro de 1999 foi lançado o Euro, moeda única reconhecida por 11

dos 25 países membros da UE. A moeda foi usada apenas em transações bancárias até

2002, ano em que passou a circular nos países que a adotou, substituindo as moedas locais

para fins de transações correntes como compras e pagamentos. Dessa forma, foi criado

igualmente, um Banco Central Europeu24 (<http://www.europa.eu.int>).

Logo, como quer que se desenhem no plano econômico, os modelos de integração

baseiam-se, fundamentalmente, na vontade dos Estados de obter, através de sua adoção,

vantagens econômicas. Essa atuação possibilita um melhor aproveitamento de economias

de escala; um aumento da produtividade, através da exploração de vantagens comparativas

entre sócios de um mesmo bloco econômico e estímulo à eficiência pelo aumento da

concorrência interna. Neste processo, avanços, crises e recuos são normais, e por isso, a

cooperação25 entre os Estados Membros é a variável mais importante.

1.2 OS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO PELO ÂNGULO POLÍTICO

Os processos de integração em curso têm apresentado uma importante dimensão

política desde os primeiros momentos das negociações. Cabe lembrar que os esforços para

24 O Banco Central Europeu é responsável pelas políticas monetárias dentro da chamada zona do euro (onde circula a moeda única européia). Seu principal objetivo é manter a estabilidade do euro e proteger o seu valor. Para tanto, a instituição trabalha em conjunto com os bancos centrais das nações que adotaram o euro. Juntos, eles estabelecem taxas de juros, realizam operações cambiais, e gerenciam as reservas estrangeiras dos diversos países. O Banco Central Europeu é oficialmente independente e segue o modelo do Bundesbank, o Banco Central da Alemanha. Quando tomando decisões no tocante a políticas monetárias, nem o Banco Central Europeu nem os bancos centrais dos diversos países são autorizados a seguir instruções de instituições da União Européia ou de Estados-Membros. As reservas do BCE equivalem a cerca de 40 bilhões de euros (<http://www.europa.eu.int>). 25 Neste caso pode-se definir cooperação como uma situação de equilíbrio de poder, geradora de harmonia e vetor inibidor de conflitos bélicos, comerciais, culturais ou sociais (MEDEIROS, 2003, p. 165).

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a construção de um clima de confiança, entendimento e cooperação que sustente a

integração econômica são pontos fundamentais para êxito dos países membros. Com isso,

observa-se que ao longo dos processos de integração têm sido crescentes os compromissos

em diversas áreas que não fazem parte da agenda econômico-comercial, evidenciando a

densidade e diversidade das relações entre os países sócios, os quais podem contar também

com expressiva participação da sociedade civil.

Nesse sentido, com o propósito de ampliar e sistematizar a cooperação política

entre os países membros, examinar questões internacionais de especial interesse e

considerar assuntos de interesse político comum relacionados a terceiros países, é que

surgem formas de analisar o processo e estudar a melhor forma para obter o melhor

resultado também pelo aspecto da integração segundo o viés político.

Fernandes (1998), tenta explicar as teorias da integração por uma visão política, a

partir da conceituação que incorpora a noção de que a integração é a formação de uma

comunidade política pela junção de duas ou mais comunidades políticas, podendo situar-se

em diversos níveis. Esses níveis considerados são: o nacional com diversas comunidades

(formando uma entidade nacional); o regional aplicado a acordos entre diversas entidades

nacionais; ou ainda em nível mundial, entre todas as entidades formando a comunidade

internacional. No mesmo sentido, Oliveira (1999, p. 45) coloca que o processo de

integração política depende da “consolidação de cada etapa e da identificada atuação e

convergência dos interesses políticos na disposição de sua comum realização”. Procurando

aprofundar esta observação, Fernandes (1998, p. 149) destaca que o processo de integração

apresenta duas perspectivas. Uma delas é a perspectiva estática que “permite descrever com

certa precisão qual o estádio de integração, suas principais características e as suas diversas

formas”. O autor citado destaca também a perspectiva dinâmica que “[...] considera a

integração como um processo [capaz de permitir] investigar as causas, ou pelo menos as

variáveis que caracterizam o desbloqueamento e o desenvolvimento do processo de

integração”.

Observando as formulações de Fernandes (1998) e de Oliveira (1999 e 2001),

aponta-se as principais teorias que buscam compreender e explicar o processo de integração

pelo aspecto político. Destacam-se entre elas: o funcionalismo, o federalismo ou teoria

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institucional, o neofuncionalismo, o intergovernamentalismo, o neoinstitucionalismo, a

teoria das comunicações ou pluralista e o paradigma da interdependência.

A primeira teoria sobre o processo de integração e que marcou as primeiras

interpretações sobre os primeiros passos da Comunidade Européia é a teoria funcionalista.

“Este paradigma tem como postulado evidenciar a incapacidade do Estado [em] satisfazer

as necessidades que exigem uma resposta a nível que supere o marco estritamente

nacional” (OLIVEIRA, 1999, p. 45). Também adere o principio da paz universal entre as

nações, mas sua tese diverge de que a criação de um governo supranacional seria o meio de

atingir a sua concretização. Essa teoria assenta-se num postulado utilitarista e é orientada

essencialmente para a ação. Ainda, ela considera que o percurso mais seguro para a

integração e para a paz é o da cooperação em nível de certas tarefas funcionais de natureza

técnica e econômica e não o da criação de novas estruturas institucionais no plano político26

(FERNANDES, 1998).

O principal autor desta teoria de integração é David Mitrany, que observa que o

método funcional não se apresenta incompatível com o marco federal, mas também não

pode evitá-lo (OLIVEIRA, 1999). “O princípio dessa doutrina consiste em que as

atividades são escolhidas numa base específica e organizada separadamente, cada uma

segundo a sua natureza, em função das condições em que irão praticar e das necessidades

de momento” (MITRANY, 1943, p. 33 apud FERNANDES, 1998, p. 149).

Uma visão importante sobre essa teoria é a de Leon N. Lindberg. Este autor

considera que a integração política passa a acontecer a partir de um centro decisório, no

qual os atores políticos dirigem suas legislações e atividades políticas27

(<http://www.unibero.edu.br/nucleosuni_neriteo04.asp>). Observando o início da

concretização dos dois processos de integração, esse aspecto pode ser observado tanto em

nível de União Européia, onde a França e a Alemanha foram os vetores do processo quanto,

no Mercosul, onde o Brasil e a Argentina lideraram o processo de negociações. Assim,

quando os dois maiores países do Mercosul passaram a entabular negociações para uma

26 Dessa forma é que há divergências entre a formação de um governo supranacional, pois não prevê a criação de novas estruturas institucionais no plano político. 27 Os atores renegam seus desejos e habilidades em conduzir sua política externa independentes para delega-los a um novo centro, iniciando o processo de integração internacional, além dos benefícios e seus conseqüentes danos que devem ser divididos igualmente, os atores devem ter a noção da perda de status no Sistema Internacional, sendo que e as decisões devem ser tomadas por consenso.

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maior aproximação em direção a criação de uma Zona de Preferências Tarifárias, ocorreu a

incorporação do Paraguai e Uruguai, países de menor expressão, considerados ‘satélites’

dos dois outros, que se incorporaram com a expectativa de maximizar seus ganhos

relativos.

Outra observação de caráter funcionalista é a visão de Karl Deutsch, o qual coloca

que: se os acordos de cooperação forem de caráter militar, ou houver um crescimento das

diferenças lingüísticas e étnicas, estagnação, falha na formação de um grupo, demora

excessiva nas reformas políticas, sociais e econômicas, facilmente este acordo ou bloco será

desintegrado (<http://www.unibero.edu.br/nucleosuni_neriteo04.asp>).

Para Fernandes (1998), a doutrina funcionalista articula-se em cinco princípios

fundamentais. O primeiro deles é o da não-territorialidade, que dissocia a autoridade da

audiência territorial; o segundo princípio é o da separação entre as competências

propriamente políticas (defesa e política externa), assim como as competências técnico-

sócio-econômicas. Dessa forma as relações internacionais são vistas em termos de

necessidades comuns ou de problemas a resolver em conjunto pela cooperação

internacional. O terceiro princípio é o caráter utilitário da obediência e, assim, o seu

fracionamento possível, dessa forma, a obediência das populações se dirige para as

organizações internacionais, que poderão satisfazer melhor as suas necessidades materiais

comuns. O quarto princípio é o da ramificação ou da transferência de um domínio para

outro do hábito de cooperação intergovernamental, permitindo a passagem da cooperação

em matérias técnico-sócio-econômicas para a cooperação em matérias políticas. O quinto e

último princípio é a procura pela paz internacional. Essa estratégia consiste em tirar o

máximo proveito do potencial integrador das matérias sócio-econômicas, sendo que a paz

pode ser suscitada pela gestão comum ou internacional das necessidades técnico-sócio-

econômicas e pela crescente solidariedade internacional. Sua evolução possibilitaria a

erosão das soberanias político-territoriais.

Diante do exposto, pode-se resumir a teoria funcionalista por apresentar a não

adaptação das estruturas à gestão dos interesses sócio-econômicos comuns, assim como o

princípio da separação como fatores favoráveis à integração. Como agente da integração,

essa teoria procura estimular a lealdade popular utilitarista e segue um processo gradual

com transferências sucessivas de competências técnico-socio-econômicas para as

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organizações internacionais, o que requer a interação de organizações intergovernamentais

de competência limitada (FERNANDES, Op. Cit).

Outra formulação teórica que trata da questão de integração pelo ângulo político é

a chamada teoria federalista. Esta formulação surge mais como uma estratégia política do

que como objetivo concreto e explícito em torno de uma união federal entre os Estados

(OLIVEIRA, 1999). Para a construção da União Européia, o método federalista “concebe o

processo de unidade européia como uma construção de conjunto [...], de acordo com uma

vontade de unificação política que está presente e se afirma desde o princípio do processo

como seu objetivo final” (ERITJA CAMPINS, 1996, p. 19 apud OLIVEIRA, 1999, p. 45).

O movimento federalista surge nos séculos XVIII e XIX através de autores

clássicos como Immanuel Kant, que esboçaram, de certa forma, a tese de paz universal

(OLIVEIRA, 1999). Fernandes observa que esta teoria se destaca principalmente na obra

Political Unification, de Amatai Etzioni, onde ele diz que uma comunidade política é uma

comunidade que possui três tipos de integração. O primeiro é quando se dispõe de um

controle efetivo sobre o recurso aos meios de violência; o segundo parte do entendimento

da criação de um centro de decisão capaz de afetar significativamente a distribuição dos

recursos e dos benefícios na comunidade; e o terceiro tipo de integração constitui o

principal centro de identificação política para a grande maioria dos cidadãos politicamente

sensibilizados (ETZIONI, 1964, p. 4 apud FERNANDES, 1998).

A teoria federalista tem por objetivo a integração através da criação de um quadro

institucional, no qual as diversas comunidades políticas continuam conservando sua

autonomia. Seu contexto internacional mais favorável à integração política federal é a

pressão de uma ameaça exterior (FERNANDES, 1998, p. 152), o que explicaria a

transferência de soberania em matéria de defesa. Sua elaboração reflete em um momento de

guerra e busca responder à pergunta: como garantir a paz mundial? Oliveira (1999)

apresenta como uma das soluções ou resposta a essa pergunta a criação de um governo

mundial que controlasse os conflitos mundiais.

Uma das principais características dessa teoria de integração é o de prever a

criação de um governo central28 dispondo de poder e de coação física (FERNANDES,

28 Esse poder central, de acordo com Fernandes (1997) é competente em política externa e em matéria de defesa.

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1998). Neste mesmo sentido, abordando a estratégia necessária, Oliveira (1999, p. 47)

aponta que esta teoria “preocupa-se com a formulação de uma estratégia política que

permita chegar ao objetivo final colimado, pouco se importando com a forma ou os

instrumentos de como chegar lá”. Já Fernandes (1998), coloca ainda que a força que

sustenta essa doutrina é a elite política, sendo esta, muitas vezes, conduzida por uma

personalidade de relevo de um dos Estados promotores da integração.

Observa-se assim que a teoria federalista, introduzida por Amatai Etzioni,

apresenta como fator favorável à integração a pressão de um perigo externo, assim como a

ameaça contra a prosperidade e contra os valores partilhados em comum. Seus agentes

integracionistas são as elites políticas, personalidades de relevo, e o Estado piloto. Segue

uma revolução institucional, sendo uma etapa transitória para a confederação, a qual

objetiva a criação de um Estado territorial, assim como a paz pelo poder político

(FERNANDES, 1998).

A teoria funcionalista, já citada anteriormente, foi complementada e aprofundada

através da teoria neofuncionalista. Isso acontece porque “se constata uma tendência e

aplicação empírica dos postulados funcionalistas [ou seja, sobre a fundamentação

estrutural-teórica da integração], que levou ao reconhecimento da importância da dimensão

política em todo o processo de integração, e, por conseguinte, da ausência de uma

passagem automática da cooperação e da organização funcionais à integração política”

(FERNANDES, 1998, p. 150). Esta versão apresenta como principal base de reflexão os

estudos de casos concretos e os testes de hipóteses sobre o processo de integração política.

Por outro lado, Oliveira (1999) diz que o neofuncionalismo é uma teoria mais avançada que

o funcionalismo e o federalismo, por buscar uma resposta científica ao conceito de

integração política e também como esse fenômeno ocorre.

A teoria neofuncionalista foi desenvolvida principalmente por Ernst Haas e Leon

Lindberg. Haas desenvolveu essa teoria a partir da experiência da Comunidade Européia do

Carvão e do Aço (CECA). Para ele a integração foi definida como sendo o “processo pelo

qual os atores políticos de diferentes comunidades nacionais são levados a reorientar as

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suas lealdades, as suas aspirações e as suas atividades políticas para um novo centro29”

(HAAS, 1958, p. 16 apud FERNANDES, 1998, p. 150).

A grande diferença entre a teoria de David Mitrany e de Ernest Haas, é a

importância estratégica que esta (teoria neofuncionalista) atribui às instituições centrais no

processo de integração. Ernest Haas possui uma participação significativa nesta teoria, ao

analisar a hipótese entre custo e benefício, ou seja, quando um Estado opta por inserir-se

em um processo de integração, verifica-se se os benefícios são maiores que os custos,

mesmo que essas decisões, sobre esta finalidade, partirem das elites do governo e dos

setores produtivos e não diretamente dos Estados. Todavia, como na teoria funcionalista, os

atores percebem que, através de uma grande organização e da cooperação, seus interesses

nacionais são melhores e mais facilmente alcançados.

Leon Lindberg (1963, p. 06) citado por Fernandes (1998) define integração

política como sendo o processo no qual os Estados abdicam ao desejo e à habilidade de

conduzir independentemente, uns dos outros, a sua política externa, assim como as políticas

domésticas. Dessa forma, os Estados procuram tomar essas decisões em conjunto ao

delegar esta capacidade a um órgão central. Para ele, o processo que acontece na

Comunidade Européia, resulta da incapacidade objetiva dos Estados para resolver alguns

problemas, mas mesmo assim, os Estados nacionais continuam a ser a principal fonte de

apoio e de legitimação das instituições comunitárias.

Fernandes (1998) aponta como grande diferença entre a teoria funcionalista e a

teoria neofuncionalista é que a primeira teoria dilui as soberanias existentes dividindo-as

entre diversas organizações intergovernamentais, enquanto a segunda teoria apenas dilui as

soberanias nacionais pela existência de uma soberania em nível superior (poder central) que

ultrapassa as fronteiras do Estado e dessa forma modifica as políticas de governo. Nesta

teoria a concepção de poder político é territorial, ou seja, com o tempo recriaria-se um

“super-Estado com expressão territorial” (Op. Cit, p. 151). Para a teoria neofuncionalista,

os fatores favoráveis à integração, em uma sociedade moderna, são que ela seja industrial,

29 Esse novo centro possui instituições ou procuram possuir instituições que sejam capazes de absorver as competências que são pré-existentes dos Estados nacionais. Para Haas a integração econômica das sociedades (é o caso da Europa Ocidental) se for conduzidas por instituições centrais, conduzem automaticamente a uma comunidade política. Isso aconteceria porque integração econômica desencadeia um processo de politização gradual. (FERNANDES, 1997, p. 150).

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democrática, pluralista ou ideologicamente neutra. Seus agentes de integração são a

coalizão entre os interesses das elites sócio-econômicas. O processo surge a partir de ações

graduais, nos quais vai ocorrendo sucessiva transferência de soberania a um poder central

(engrenagem para a supranacionalidade), e objetiva alcançar a criação de um Estado

territorial de nível superior (FERNANDES, 1998).

O intergovernamentalismo “trata-se de uma tendência teórica enraizada nos

postulados da teoria do realismo político das relações internacionais” (OLIVEIRA, 1999, p.

54), tem como ponto de partida a crítica aberta ao federalismo e implícita ao

neofuncionalismo30. Como traços fundamentais do intergovernamentalismo pode-se

destacar através de Oliveira (Op. Cit) o impacto deste no ambiente político da integração,

assim como sobre os atores estatais separadamente e também na influência institucional

recíproca entre os Estados e os órgãos da comunidade. Neste caso a política comunitária é

concebida como a continuação da política doméstica somente em níveis desiguais de

competência e concorrência.

O intergovernamentalismo tomou força para interpretar processos de integração a

partir do final dos anos oitenta. A resposta inicial foi o denominado institucionalismo

intergovernamental, cujas características não abrangeriam o presente paradigma. O presente

paradigma tem a vantagem de explicar um resultado formal concreto, mas por outro lado,

possui a dificuldade de levar em conta que tanto as instituições como as políticas

comunitárias sempre influenciam o processo. Por fim, o intergovernamentalismo ficou

definido como um liberalismo, isso porque a integração só pode ser explicada por

referência às teorias gerais das relações internacionais (OLIVEIRA, Op. Cit).

Outra forma de explicar o processo de integração surge a partir do

neoinstitucionalismo. Essa tendência apóia-se em um único postulado:

[...] o comportamento dos atores não é elemento central como no intergovernamentalismo, mas está mediatizado pelas instituições onde se emoldura, tendo em vista que a instituição é algo mais que um simples órgão formal, incluindo também procedimentos operativos, normas, acordos de comportamento, fatores esses que modelam as decisões dos atores (OLIVEIRA, 1999, p. 56).

30 O intergovernamentalismo critica o federalismo e o neofuncionalismo sob o argumento de que os membros da União Européia estão empenhados em um processo de formação de uma nova instituição, uma instituição supranacional, a qual substituiria a figura do Estado nacional (OLIVEIRA, 1999, p. 54).

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Essa teoria é aprofundada por Fritz Scharpg, o qual apresenta duas características

institucionais ao processo de integração31. A primeira característica é que os governos

participam diretamente nas decisões conjuntas, e a segunda característica apresentada por

esse autor é que existe um requisito de fato para decisões unânimes (OLIVEIRA, 1999).

A teoria das comunicações, também chamada teoria pluralista, analisa o processo

de integração através de “redes de comunicações e transações” (correio, trocas comerciais,

turismo, investimentos, etc) entre as comunidades em vias de integração ou em vias de

formar uma comunidade integrada (FERNANDES, 1998). Esta teoria se ocupa com a

“questão de saber sobre o real papel e a intensidade com que as comunicações

internacionais operam entre os atores das Relações Internacionais e não exatamente com a

problemática teórico-estrutural da integração” (OLIVEIRA, 2001).

O principal autor que aprofundou seus trabalhos com o intuito de melhor explicar

a teoria das comunicações foi Karl Deutsch (1966). Deutsch procurou encontrar resposta

para a seguinte questão: como, a partir de vários Estados nacionais, se forma uma

comunidade política mais vasta? Para alcançar tal resposta foi utilizado como modelo

alguns casos de integração, como por exemplo, o da Comunidade Européia32, o do Reino

Unido e dos Estados Unidos. Depois de analisada, Deutsch verificou que existem dois tipos

de comunidades políticas. A primeira delas é a comunidade amálgama, cujos elementos

constitutivos formam um único conjunto, que se refletirá em um novo estilo de vida. Para

que isso ocorra será necessário a existência de diversas condições sociais33 e diversos

fenômenos políticos34. A outra comunidade verificada foi a comunidade pluralista, na qual

subsiste a autonomia das unidades de base. Dessa forma as condições sociais já existentes

serão somente reduzidas. A comunidade pluralista concilia a preservação da paz

internacional com o desenvolvimento do Estado nacional (FERNANDES, 1998, p. 152-

153). Dessa forma,

31 Essa tendência é utilizada como base de análise o processo de integração europeu. 32 Deutsch verificou que no caso da integração da Comunidade Européia, comprovou-se a sua visão internacional geral, onde foi anunciada uma independência crescente dos Estados nacionais, reagrupados em comunidades pluralistas (FERNANDES, 1998, p. 153). 33 Fernandes (1998, p. 152) aponta que essas condições sociais deveriam ser: as populações interessadas aderem aos mesmos valores políticos e encontram certas vantagens numa eventual união; também, as trocas de produtos e a circulação de pessoas e de idéias são densas e numerosas. 34 Fernandes (1998, p. 152) também aponta que uma vez iniciado o processo de integração, esse só obterá êxito se suscitar diversos fenômenos políticos, entre eles cita-se, a adesão a instituições governamentais comuns, a lealdade política para com essas instituições e a unidade da comunidade.

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[...] a teoria das comunicações pretende dar uma explicação diferente às Relações Internacionais, partindo da proposta que a sociedade só pode ser entendida através do estudo das mensagens e das comunicações que se produzem no seu interior, inspirando-se desse modo, nos conceitos decorrentes da cibernética, aplicando-os à política internacional (OLIVEIRA, 2001, p. 188).

Em suma, a escola pluralista desenvolvida por Karl Deutsch possui como fator

favorável à integração o modo de vida distinto dos Estados nacionais, assim como a

esperança de vantagens econômicas para todos e a mobilidade social da população. O

Estado será sempre o agente da integração. Seu processo é lento, mas com aprendizagem

social de renúncia à violência e busca de paz, apesar da pluralidade dos Estados

(FERNANDES, 1998).

Fazendo uma avaliação das teorias descritas, observa-se no contexto europeu que

as teses do federalismo, funcionalismo e neofuncionalismo foram significativas para se

pensar o processo de integração. Contudo, percebe-se que a tese federalista, a qual

objetivava a construção européia35 não conseguiu provar que o movimento europeu de

inspiração federalista obtivesse respostas a duas questões: a primeira que conduziria à

criação de um Super-Estado, absolutamente desnecessário numa fase de reconstrução dos

Estados Nacionais e a segunda que transformaria os Estados Nacionais em Estados

Regionais.

Por outro lado, as teses funcionalistas reproduzem uma síntese do modelo de

integração federal que decretaria a eliminação do estado de natureza entre as diferentes

soberanias nacionais. Neste processo, opta-se pelo gradualismo da integração num novo

centro Supra-Estatal a partir de sucessivas soberanias anteriores, fazendo a fusão entre

integração política e cooperação política.

Como resultado das crises institucionais de integração, Ernest Haas defende a tese

neofuncionalista, acrescentado um agente supranacional no processo funcionalista. Este

autor defende que a integração é um processo frágil, passível de recuos, e que as

implicações políticas das decisões econômicas são em grande medida aleatórias. Em

síntese dir-se-á que o neofuncionalismo de Haas se situa entre a fronteira do funcionalismo

35 Consubstanciadas na ultrapassagem do Estado-Nação ao nível supranacional (federação continental) e infra-regional (federação regional)

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e do federalismo. Esta teoria perdeu o seu impacto devido às crises causadas pelos choques

do petróleo e a reestruturação do Estado Nação em bases neoliberais.

Diante do que já foi explicitado no presente trabalho, mostra-se necessário

também projetar uma definição do termo integração, para que dessa forma consiga-se,

unido ao conceito de globalização, chegar à definição de bloco econômico. Para Ernest

Haas o processo de integração induz ao declínio da soberania estatal, levando à

sedimentação de um novo espaço público, de novas lealdades e de um novo imaginário

sócio-político. Dessa forma, Haas define integração como sendo “o processo através do

qual os atores políticos em diversos ajustes nacionais distintos são persuadidos a deslocar

seus laços leais, expectativas e atividades políticas para um novo centro maior, cujas posses

institucionais ou jurisdicionais da demanda estão sobre os estados nacionais pré-

existentes36” (HAAS, 1961, p. 15 apud MEDEIROS, 2003, p. 149).

Medeiros (2003), complementa o pensamento de Haas, apontando que a

integração se ergue na intenção de atenuar uma dupla defasagem. A primeira ocorre através

da constituição de um poder soberano supranacional capaz de impor limites à lógica global,

mercantil e financeira do livre mercado. Para esse autor, essa lógica se fixa entre o espectro

econômico e o político. A segunda intenção é a defasagem entre, de um lado o econômico-

político e de outro o social, ao criar um habitat apto e capaz de organizar as novas práticas,

atitudes e anseios do homem do terceiro milênio. Dessa forma, a integração tenta

racionalizar as relações entre o Estado e a sociedade, otimizando os modos de coordenação

entre a concepção e a implementação da ação pública.

Karl W. Deutsch construiu uma definição de integração sobre uma base

inovadora. Para ele, integração surge a partir de uma comunidade37 e da seguridade entre

um grupo de pessoas. Dessa forma ele define integração como sendo o “alcance, dentro do

território, de um ‘sentido de comunidade’ e de instituições e de práticas o suficientemente

forte e estendidas como para assegurar na população, durante um maior tempo, expectativas

36 Tradução do original: “the process whereby political actors in several distinct national settings are persuaded to shift their loyal ties, expectations and political activities towards a new larger center, whose intuitions posses or demand jurisdiction over the pre-existing national states”. 37 Karl Deutsch define como comunidade os indivíduos de um grupo que crêem terem chegado a um acordo ao menos sobre este ponto: que os problemas sociais comuns podem e devem ser resultados de processos de mudanças pacíficas (DEUTSCH, 1967 apud SCHAPOSNIK, 1997).

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firmes de uma ‘mudança pacífica’38” (DEUTSCH, 1967 apud SCHAPONISK, 1997, p.

190).

Oliveira (2001, p. 171) caracteriza integração pela existência de “condições que

possibilitam avançar no caminho sem o recurso de guerras, superando as diferenças,

tensões e conflitos entre as diversas unidades políticas”. A mesma autora define integração

como um ato de unificação cooperativa e não coercitiva. No mesmo sentido, Ginesta (1999,

p. 29) coloca que o termo integração “também se utiliza com muita freqüência para

descrever o processo integrativo mediante o qual se atinge uma unidade entre as partes, ou

seja, a integração. Isto é, a palavra integração se utiliza tanto para designar o processo como

o resultado final39”. Oliveira também se manifesta no mesmo sentido. Ela destaca que

“como processo, a integração é analisada em suas causas e variáveis que caracterizam o

desenvolvimento do processo. Como resultado, a integração é vista como processo de

etapas concluídas” (OLIVEIRA, 2001, p. 171).

As observações de Ginesta são corroboradas por outros estudiosos do assunto.

Entre eles se destacam Fernandes (1998), para quem a integração se apresenta como dois

momentos, um estático (permite descrever os estádios) e o outro dinâmico, o qual

possibilita a compreensão do processo em si. Na mesma direção, também aponta Bela

Balassa (1961). Para este autor, a integração pode ser definida como um processo e uma

situação40. Dessa forma, a análise de integração pode ser examinada segundo suas

possibilidades e características.

Após a consulta dos diferentes especialistas sobre o assunto e diante do exposto,

pode-se definir que integração além de um processo é o resultado do esforço do Estado

nacional para se proteger do processo de globalização. As sociedades nacionais procuram

reduzir o impacto do fenômeno de globalização através do reforço dos espaços integrados,

que devem assumir, doravante, um papel reivindicado outrora pelos Estados nacionais,

38 Deutsch define como mudanças pacíficas a solução dos problemas sociais, normalmente por procedimentos institucionalizados, sem recorrer a coerção física em grande escala (DEUTSCH, 1967 apud SCHAPOSNIK, 1997). 39 Tradução do original: “también se utiliza muy a menudo para describir el proceso integrativo mediante el cual se alcanza la unidad entre las partes, o sea la integración39. Es decir que la palabra integración se utiliza tanto para designar el proceso como el resultado final”. 40 Bela Balassa (1961, p. 12) considera a integração como um processo por implicar medidas destinadas à abolição de discriminações entre unidades econômicas de diferentes Estados. O autor considera como situação por corresponder à ausência de várias formas de discriminação entre economias nacionais.

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estes se encontrando, na realidade, ultrapassados por uma conjuntura econômica que vai

além de suas fronteiras. Sobre isso Hee Moon Jo completa que

a união de forças entre os Estados para enfrentar a concorrência internacional é a razão principal pela qual estes se interessam pela integração regional. Dependendo da característica da concorrência que os Estados enfrentam, a integração poderia enfocar mais a área econômica ou ir além desta. A necessidade da região que sofre esse processo de integração define a forma de integração (JO, 2000, p. 268).

O caminho para se alcançar o nível da integração41 depende dos interesses dos

Estados nacionais, mas, na maioria das vezes, há complementaridade nesses interesses,

podendo vir a formar blocos econômicos. Os blocos econômicos têm como finalidade “a

livre circulação de fatores de produção, apresentando uma perspectiva maior de integração

entre seus membros” (SILVA, 1999, p. 32). O Mercosul e a União Européia inserem-se

nessa classificação, devido aos fundamentos de suas formações.

O fenômeno da integração lembra, indiretamente, a configuração do território em

blocos de poder cuja ótica, nas relações internacionais prega suas bases nas diferentes

versões teóricas da integração, sejam elas funcionalista, federalista, neofuncionalista,

intergovernamentalista, institucionalista, ou também na teoria das comunicações. O

processo de integração de Estados soberanos formando blocos regionais funda-se em quatro

bases que se inter-relacionam: “a base econômica, a base política, a base social e a base

jurídica. Assim pode-se afirmar que o processo de integração busca a maximização regional

de todos os fatores econômicos” (SILVA, 1999, p. 43). Contudo, em decorrência dos

fatores que surgiram no final dos anos sessenta, juntamente com as mudanças aceleradas

que o mundo vem enfrentando e do clima de distensão produzido após a Segunda Guerra

Mundial e o fim da guerra fria, surge o paradigma da Interdependência, assunto abordado

em seguida.

41 O nível de integração segundo Bobbio, pode ser mensurado de acordo com três parâmetros: uma organização é tanto mais integrada quanto mais consegue controlar os instrumentos coercitivos e impor a observância das normas e dos procedimentos dela emanados; é tanto mais integrada quanto mais controla as decisões relativas à distribuição dos recursos; e, por ultimo, é tanto mais integrada quanto mais constitui o centro de referencia e de identificação dominante para os membros da própria organização (BOBBIO, p.632).

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1.3 DAS TEORIAS DE INTEGRAÇÃO AO PARADIGMA DA

INTERDEPENDÊNCIA

O paradigma da interdependência surge devido à insatisfação intelectual

estabelecida em face da incapacidade das demais teorias para interpretar um fenômeno tão

complexo quanto o da integração. Entretanto, a teoria da interdependência surge para

“explicar o modo como operam e se processam os acontecimentos internacionais” (TIUJO,

2003, p. 215).

Para melhor entendimento do cenário em que o paradigma42 da interdependência

se apresenta, serão necessárias algumas considerações sobre o termo globalização. Para

Olsson (2003) a primeira questão a ser superada é que a globalização é um fator unilateral,

e a segunda é que é um fator unidisciplinar. Deve-se considerar, acima de tudo, que a

globalização é multidimensional, pois não podemos simplesmente abordá-la com base em

uma perspectiva puramente econômica ou puramente política, por exemplo. Isso ofuscaria

os demais ângulos da problemática. Dessa forma, a globalização:

[...] vem se realizando [também] por intermédio da formação de blocos regionais de Estados, até como mecanismo de defesa contra esse processo, a exemplo da União Européia [...] e do Mercosul [...], cujo interior, sobretudo no âmbito da primeira, passou a desenvolver-se um novo tipo de Direito, o Direito Comunitário, que se coloca entre o Direito Interno e o Direito Internacional, ao promover a interação entre os parceiros [...].43 (SILVA, 1999, p. 29).

Diante do exposto por Silva, observa-se que o processo de integração para a

formação de blocos regionais se dá “na base da redefinição do papel do Estado na

sociedade nacional e internacional, por meio da delegação de soberania por parte de seus

Estados-membros e da constituição de um sistema internacional supranacional44” (SILVA,

42 A expressão paradigma é definida como um modelo ou sistema teórico que permite orientar uma investigação científica dentro de determinados parâmetros definidos por um corpo de conhecimentos. Ou seja, em linguagem simplificada, um paradigma é um conjunto de suposições (teorias) com que o especialista de uma dada área se municia para enfrentar a investigação e análise de um fenômeno a fim de conhecê-lo, explicar suas principais características e, na medida do possível fazer previsões de como se comportará. 43 Isso ocorre porque a formação de blocos regionais começa no momento em que o multilateralismo sofre um enfraquecimento, mas isso não significa o fim do fenômeno da globalização, representa apenas a reação de Estados nacionais e Estados membros aos efeitos que sofrem (SILVA, 1999). 44 Sobre soberania e supranacionalidade ver STELZER, Joana: União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade? Curitiba: Juruá, 2000.

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1999, p. 33). Neste contexto, a globalização exige uma nova forma de atuação dos Estados,

seja para se proteger do acirramento da competição seja para planejar a melhor forma de se

inserir no mundo globalizado.

Globalização é um “processo social, econômico, cultural e demográfico que se

instala no coração das nações e as transcende ao mesmo tempo, de tal forma que a atenção

limitada aos processos locais, às identidades locais, às unidades de análise locais, torna

incompleta a compreensão do local” (ARNAUD, 1999, p. 16 apud OLSSON, 2003, p.

542). Com isso em mente, observa-se que, o paradigma da interdependência pressupõe a

transição da bipolaridade para a unipolaridade ou multipolaridade, assim como a ampliação

da agenda dos atores e dos papéis internacionais, assumindo a complexidade da sociedade

internacional contemporânea (OLSSON, 2003). É através da teoria da interdependência que

se “busca compreender tanto as raízes políticas do processo de globalização quanto a forma

como as suas complexas variáveis interagem entre si” (DI SENA JÚNIOR, 2003, p. 180).

A esse respeito, Oliveira (1999, p. 53) coloca que “o fracasso das teorias

específicas sobre a integração conduziu [os] estudos aos paradigmas e esquemas teóricos

das relações internacionais, as relações de poder entre os Estados do ponto de vista da

interdependência e do intergovernamentalismo”. A mesma autora citada aponta que:

[...] o conceito de integração não era mais apropriado [para] descrever os processos e as conseqüências políticas registradas dentro do âmbito regional da União Européia, e dessa forma, levou à tentativa de projetar a problemática da integração dentro de uma teoria geral, no caso da interdependência, onde a integração passaria a ser entendida como um processo institucionalizado, desenhado pelos governos para adaptar às condições de interdependência, porém, sem considerar a integração progressiva de políticas como uma conseqüência necessária (OLIVEIRA, Op. Cit, p. 53).

Pode-se obviamente conceituar que uma relação de interdependência é uma

relação na qual existem atores mutuamente dependentes. Como Oliveira (2001, p. 129)

coloca, “interdependência, em sua definição mais simples, significa dependência mútua”,

ou seja, “a possibilidade de ser afetado por forças externas e, ao mesmo tempo, ser capaz de

afetar tais agentes” (TIUJO, 2003, p. 215). Di Sena Júnior (2003, p. 188) ainda

complementa o conceito dizendo que, além de implicar na dependência recíproca,

evidencia a idéia de “teia de interesses que se interpenetram e, de alguma forma, se

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completam”. Isso não quer dizer que os benefícios e constrangimentos dessa relação sejam

simétricos. Na verdade, geralmente as relações são assimétricas e é nesse caso que é

possível projetar poder, na medida em que os “participantes não gozam do mesmo grau de

desenvolvimento socioeconômico e não controlam os mesmo recursos naturais,

geográficos, financeiros e militares” (DI SENA JÚNIOR, 2003, p. 188).

Em termos teóricos, os autores mais relevantes sobre o paradigma da

interdependência são Robert O. Keohane e Joseph S. Nye. Estes autores evidenciaram que

o Estado nacional estava perdendo sua posição de poder unitário e absoluto nas relações

internacionais em favor de outros atores não estatais (Oliveira, 2001). Com isso, alguns

teóricos começaram a observar que os assuntos internacionais poderiam ter outras

interpretações além daquelas fornecidas pela Teoria Realista45. Ou seja, para estes autores

era importante ir além das relações interestatais.

Segundo Robert O. Keohane e Joseph S. Nye “um começo útil na análise política

da interdependência internacional pode ser a consideração das interdependências

assimétricas como fontes de poder entre os atores46” (KEOHANE & NYE, 1988, p. 32). A

diferença, porém, é que agora o poder não é exclusivamente pautado pelo ‘poder bruto’,

mas sim pela habilidade dos atores em articular os diversos temas em questão para atingir

seus objetivos. Trata-se de negociar e de barganhar trazendo à mesa a sua capacidade de

abalar a teia internacional.

45 A Teoria Realista surge com Nicolau Maquiavel (1532) com sua obra O Príncipe e com Thomas Hobbes (1651) com O Leviatã. Maquiavel se concentra na teoria do poder político e das relações dos poderes entre os Estados, com base na observação do comportamento humano. Uma das principais características desta teoria, está no pressuposto de que separa a conduta do Estado e de seus governantes de todo e qualquer principio moral, tanto no campo interno como externo. Já Thomas Hobbes, conduz sua tese através do chamado estado de natureza, anárquico, não-integrado, conflitual, onde o homem vive sem regras e sem leis, sem igualdade e sem justiça, onde somente o mais forte tem possibilidade de sobrevivência. Diante disso, a concepção do realismo consolida-se na afirmação do Estado como forma de organização política e social, soberana e suprema, única e ímpar, e na teoria e experiência do sistema de Estados europeus e, posteriormente, na vivência crítica dos anos trinta e no inicio da Guerra Fria a partir de 1947, impondo nesses anos, o conceito de poder político à égide das Relações Internacionais. Como ator internacional permanece somente o Estado. O poder e o uso da força constituem o traço forte do paradigma realista. A política interna e a política internacional são consideradas duas áreas distintas e independentes entre si. Em suma, para os realistas o Estado é dominante, a cooperação problemática, a ordem uma imposição hegemônica ou concertada entre as grandes potências, e a distribuição e o equilíbrio do poder são fundamentais. Não apreciam a multiplicidade de agentes e a emergência de novas potências que venham a perturbar a ordem estabelecida (Oliveira, 2001, p. 80-86). Complementa-se nesse sentido, o equilíbrio de poder, ou a sua busca, o qual é o primeiro organizador das ações dos Estados do Sistema internacional. 46 Tradução do original: “un útil comienzo em el análisis político de la interdependencia internacional puede ser la consideración de las interdependencias asimétricas como fuentes de poder entre los actores”.

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Com o fim do conflito entre as duas ideologias (capitalismo e socialismo),

fenômenos que já estavam latentes na sociedade internacional se manifestaram com mais

intensidade. Após a Guerra Fria, a sociedade internacional adotou, além do tema

interestatal, um sistema econômico internacional, com movimentos transnacionais e a

implementação das sociedades através de instituições supranacionais. Isso só foi possível

porque até então as preocupações referentes à segurança eram baseadas na estratégica

militar. Estes atravessam fronteiras e escapam inteiramente à autoridade ou controle dos

Estados. Pode-se notar isso através da concorrência econômico-tecnológica, dos

desequilíbrios ambientais, da explosão populacional, das migrações internacionais, do

narcotráfico, da aceleração dos fluxos47 financeiros, demográficos, de bens, serviços e de

informações 48.

Di Sena Júnior (2003, p. 190-195) aponta como principais características do

paradigma da interdependência:

a) os Estados não são os únicos e mais importantes atores da cena internacional: atores transnacionais que atuam além das fronteiras geográficas dos países adquirem notável importância; b) a força não é mais o instrumento político de maior importância: a manipulação econômica e o uso das organizações internacionais passaram a ter significativa preponderância sobre o antigo mecanismo da violência; c) a segurança deixa de ser o objetivo principal da política internacional, o qual passa a ser projetado em termos de bem-estar social e desenvolvimento sustentável [...]; d) existência de múltiplos canais de comunicação e influência: pois permitem privilegiar as instituições internacionais como elementos importantes em temos de barganha política; e) ausência de hierarquia temática: pois mudaram-se os objetivos e a política volta-se mais às questões sociais e econômicas do que propriamente às militares; f) mitigação no uso da força: o poderio militar ainda desempenha seu papel na política internacional, porém o seu alto custo tem levado os Estados a serem mais cautelosos em sua utilização.

Com isso, observa-se que o surgimento de outras formas de atores estatais e não

estatais traz para a agenda internacional elementos transnacionais que são compostos de

diversos temas, entre eles a economia e o bem estar social, que são tão ou até mais 47 Os atores que operam esses fluxos são extremamente variados. Pode-se citar, as organizações intergovernamentais, multinacionais, organizações não governamentais, sociedade civil, dentre outros; os quais ganham espaço nas decisões e discussões internacionais e o Estado deixa de ter o único papel relevante nas relações internacionais, embora ainda proeminente. 48 Lembrando que esses foram favorecidos devido à globalização (fácil acesso aos meios de transporte e a informação).

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importantes que a segurança dos Estados. Ademais, a interdependência favorece a

cooperação, tornando possível jogos de soma positiva e a estabilização do Sistema

Internacional via instituições internacionais e padrões de conduta que se formam ao longo

do tempo.

Por essas razões, num cenário de interdependência, onde há a possibilidade de

jogos de soma positiva49 para a maioria os atores envolvidos, a redução da incerteza é

necessária para que os negócios possam se desenvolver com o máximo de eficiência. É aí

que está a importância das organizações internacionais. Essas organizações, como a ONU,

a OMC, seja a União Européia ou o Mercosul, funcionam como um canal no qual os

diversos atores (de acordo com o propósito da organização) podem dialogar e harmonizar

suas ações para que os impactos advindos de determinadas ações sejam os menores

possíveis. Desse modo, a normatização e a formação de padrões de conduta nessas

organizações, e mesmo em relações bilaterais, podem constituir éticas internacionais

redutoras de incertezas.

Com o avanço do processo de integração, os governos necessitam de respaldo

interno, ou seja, de seu Direito Interno, assim como do apoio de seus nacionais. Somente

depois de efetivada a vontade interna é que se partirá para um novo Direito, o chamado

Direito Comunitário50, com base supranacional51. Desta forma, aponta-se para a

necessidade da atuação objetiva e direcionada dos Estados, a fim de que o controle do

processo seja feito de acordo com os interesses nacionais.

Diante do exposto, verifica-se que a interdependência é caracterizada pelo

aumento de interconexões e fluxos internacionais, operados por diversos atores, estatais ou

não. Esses fluxos e interconexões relacionam-se a diversos temas da agenda internacional,

49 Como Di Sena Júnior (2003, p. 189) coloca: “deixe-se bem claro que interdependência não implica, necessariamente, em ‘soma positiva’, hipótese na qual só há beneficiados. Entrementes, mais complicado do que saber quem ganha, é saber como esses benefícios são distribuídos, pois até mesmo em situações de ganho recíproco pode haver conflitos entre os envolvidos para saber quem se beneficia mais”. 50 Direito Comunitário, segundo Silva (1999) se faz presente somente no processo de integração acompanhado da delegação de soberania por parte do Estado nacional e da formação de uma esfera política jurídica supranacional. 51 É importante neste momento, dizer que Direito de Integração difere de Direito Comunitário. Segundo Silva (1999), Direito de Integração é um desdobramento do Direito Internacional Público clássico, ou seja, ele decorre somente de tratados internacionais entre Estados soberanos que, por diversas razões criam zonas econômicas para trocas. Geralmente esse Direito é encontrado nas primeiras fases dos processos de integração regional. Outro ponto importante a ser esclarecido é que o único exemplo de Direito Comunitário existente é o da União Européia. No caso do Mercosul, o processo ainda se encontra alicerçado no Direito de Integração.

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como a economia, o meio ambiente, direitos humanos e a segurança. A interação de

diversos temas e atores leva a criação de uma teia interdependente, na qual um abalo numa

de suas pontas pode por em risco toda a teia e, portanto, o interesse de outros atores. Nesse

sentido, a maneira de se projetar poder é articulando os variados temas nos quais o seu

interlocutor é sensível ou vulnerável, fazendo a teia balançar de acordo com seus interesses.

Contudo, ações bruscas (guerras ou embargos, por exemplo) podem por em risco todo o

sistema. Por isso, a interdependência favorece a criação de padrões de conduta e de

organizações internacionais para facilitar o diálogo e a cooperação, reduzindo incertezas

para que os fluxos e interconexões possam se desenvolver com mais eficiência.

Logo, o que foi mostrado nesta parte do trabalho é que a questão central do

processo de integração implica na identificação e análise das forças que contribuem para a

formação das comunidades políticas. Nesta ação, o aumento de interdependências mútuas

entre os diferentes atores se amplia. Assim, seja qual for a forma de integração em que se

encontra a figura do Estado nacional, é importante estabelecer que os objetivos da somente

são conquistados no momento em que há uma forte convergência e uma firme vontade

política entre os governos nacionais. Mediante as considerações apontadas, o processo de

integração é capaz de somar potencialidades e propor outras maneiras para se atingir o

desenvolvimento dos Estados envolvidos, seja em âmbito econômico, comercial, político

ou social. Para que isso ocorra da melhor maneira, faz-se necessário o apoio de políticas

governamentais capazes de planificar o processo de integração52.

É nesse contexto que o aumento da interdependência no âmbito da política, da

economia, da área jurídica e até em outros contextos, se estabelece entre os Estados. O

conjunto de ações necessárias, compreendidas na forma de processos dinâmicos, atua como

alicerce e estímulo sendo capaz, também, de formular decisões para orientar o

desenvolvimento. Este seria visto e requerido por todos Estados Membros como uma

perspectiva coletiva, cujo resultado dependeria do avanço nos processos de integração.

Nesta ação, formular e implementar políticas públicas, a nível nacional ou por parte dos

blocos econômicos é de fundamental importância para o sucesso dos processos de

integração, assunto que é discutido no capítulo dois, a seguir.

52 As teorias políticas da integração partem, sem dúvida, dos Estados nacionais como base das regiões a serem integradas. Já as teorias econômicas da integração, o Estado não é fundamental, a não ser como artífice da retirada de barreiras por ele mesmo colocadas (COSTA, 2003, p. 128).

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2 ESTADO E INTEGRAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA

AGRICULTURA

Os processos de integração podem ser pensados como uma alternativa

estrategicamente planejada para recuperar a dinâmica da acumulação capitalista que desde

os anos 70 vinha apresentando baixas taxas de crescimento econômico. Naquele contexto,

com a estagnação do processo de acumulação, os países centrais passaram a necessitar de

novos mercados e promoveram, com maior ênfase, ações para internacionalizar a produção

e os lucros. Na busca por novos mercados, uma das estratégias buscava diminuir as

fronteiras econômicas entre os Estados nacionais, flexibilizando-os, e tornando-os muitas

vezes (principalmente os países menos desenvolvidos), em consumidores de produtos

industriais, excedentes no centro do sistema. Tal estratégia foi facilitada pela queda do

Muro de Berlim em 1989, fator que refreou o perigo da Guerra Fria e possibilitou o

surgimento de novas estratégias no âmbito dos países, das grandes empresas e das

organizações internacionais.

Nos países subdesenvolvidos, em virtude das negociações com os países ricos

para análise das pesadas dívidas externas, os governos foram pressionados a agirem sob

forte influência de organismos internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional53

(FMI), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento54 (BIRD), também

conhecido como Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio55 (OMC), os quais

53 O Fundo Monetário Internacional (FMI) foi criado em 1944 através dos Acordos de Bretton Woods. O FMI presta ajuda monetária e também desempenha papel de conselheiro sobre políticas públicas. O auxilio financeiro que o Fundo presta é de curto prazo e visa resolver questões da balança de pagamentos ou da falta reservas em divisas dos países tomadores, com o escopo de fornecer estabilidade ao sistema monetário, condição indispensável ao funcionamento do comércio internacional. Dessa forma, desestimulava a prática de se lançar mão de restrições ao comércio sempre que surgiam desequilíbrios na balança de pagamentos (SEITENFUS, 1997). 54 O Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) também foi criado em 1944 através dos Acordos de Bretton Woods e teria por função fornecer os capitais necessários à reconstrução dos países atingidos pela guerra, atuando como agência de fomento ao desenvolvimento. O Banco foi criado exclusivamente para auxiliar financeiramente os Estados Membros. Essa ajuda financeira que o Banco presta, tem como objetivo o financiamento de projetos que gerem retorno a médio ou longo prazo (SEITENFUS, Op. Cit.). 55 A Organização Mundial do Comércio (OMC) veio permitir o funcionamento de um sistema comercial internacional integrado, sólido e eficaz, e concretizar, finalmente, a criação de uma Organização Internacional para regular o comércio internacional. A criação da OMC pela Rodada do Uruguai (GATT 1994) veio a

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pregam a liberalização do comércio e dos mercados internos. Com o avanço deste

procedimento, a economia mundial foi ampliando sua internacionalização. Assim, os

principais traços desta nova economia mundial são: a expansão do sistema financeiro via

fluxos de investimentos em escala global; o estabelecimento de novos processos de

produção mais flexível, com etapas do processo manufatureiro sendo localizados em

diferentes locais devido ao diferencial de custos ou escalas de produção mais viáveis

economicamente. Decorrente desta situação estrutural, o processo depende, assim como

resulta, na revolução das tecnologias de informação e de comunicação, na

desregulamentação das economias nacionais e na subordinação estatal às agências

financeiras multilaterais nos momentos de crises financeiras internacionais.

Desta forma, as economias nacionais são forçadas a se abrirem ao mercado

mundial fazendo com que os preços domésticos se adaptem aos preços internacionais.

Neste processo, Fagundes (2003) ainda cita que deve ser dada prioridade à economia de

exportação a fim de resolver os problemas da balança de pagamentos, aspecto

relativamente crônico nos países subdesenvolvidos. Com isso, as políticas monetárias e

fiscais devem ser orientadas para a redução da inflação e da dívida pública interna. No

mesmo sentido, se observa que o setor empresarial do Estado acaba sendo privatizado; a

tomada de decisão privada precisa ser apoiada por preços estáveis, a competição

internacional deve ditar os padrões nacionais de especialização produtiva; a mobilidade de

recursos, de investimentos e de lucros passa a ser regulada pela lógica do mercado e a

regulação estatal dos mercados deve ser mínima.

Decorrente deste processo, alguns autores como Giddens (2000), Souza (1995) e

também Fagundes (2003) acham que a figura do Estado-nação parece ter perdido a sua

centralidade tradicional enquanto unidade privilegiada de iniciativa econômica, social e

política (apud FAGUNDES, 2003). Com isso, os Estados nacionais, que por quase todo o

século passado tinham como um dos seus principais objetivos a promoção do bem estar

social e econômico da nação e eram um instrumento de defesa desta, foram se

completar a estrutura do tripé planejado em Bretton Woods (BIRD, FMI e OMC). A OMC foi criada em Abril de 1994 através do Acordo de Marrakesh, entrando em vigor em 18 de janeiro de 1995, cujo período de adaptação e implementação encerrou-se em janeiro de 2001. A sede da OMC situa-se em Genebra (Suíça). Sua criação engloba as regras estabelecidas durante a vigência do GATT, principalmente aquelas decorrentes da última rodada, não havendo extinção ou superação de suas normas, mas sim, completa e integral incorporação das mesmas (Di Sena Júnior, 2003).

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enfraquecendo na medida que avançava o processo de globalização ou de

transnacionalização, reduzindo a proteção externa de suas economias, adaptando-as

segundo as necessidades da economia mundial e diminuindo a sua capacidade de controlar

os fluxos de pessoas, bens e capitais. Sobre este aspecto, Bauman diz que o antigo "tripé da

soberania56”, foi quebrado sem esperança de conserto, pois os Estados buscaram alianças e

entregaram voluntariamente pedaços cada vez maiores da sua soberania57 (1999 apud

FAGUNDES, 2003). Assim, principalmente nos países que não têm o status de grande

potência, a auto-suficiência militar, econômica e cultural do Estado deixou de ser uma

perspectiva viável para preservar a capacidade estatal de policiar a lei e a ordem, pois a

economia dos países vem se subordinando ao processo de globalização58 em curso.

Em contraponto às observações precedentes, Magnoli (1997) considera que a

figura do Estado nacional está viva, justamente por revitalizar as necessidades postas por

uma economia cada vez mais global. Para este autor “o importante consiste em

compreender que o Estado nacional representa a única instância capaz de conduzir o

próprio processo de globalização, por meio de decisões políticas cujas conseqüências

definem os ritmos e as formas de integração internacional dos mercados” (Op. Cit, p. 11).

Para o autor citado é importante observar que ainda não foi inventado qualquer substituto

para o Estado nacional na produção de identidades coletivas capazes de manter unidas as

sociedades, pois somente o Estado nacional forneceu esse extraordinário poder de coesão

que legitima os governos (nacionalismo) mediante consentimento dos governos.

Resgatando os argumentos do capítulo anterior que destacaram o Estado com

principal ator do processo de integração e observando o exposto acima, esta parte do

trabalho busca descrever o papel do Estado nacional como principal ator das relações

internacionais, e precursor do processo de integração. Para tal ação, se busca identificar

56 A auto-suficiência militar, econômica e cultural do Estado, deixou de ser uma perspectiva viável, e isto, segundo este autor, para preservar sua capacidade de policiar a lei e a ordem, os Estados buscaram alianças e entregaram voluntariamente pedaços cada vez maiores da sua soberania (FAGUNDES, 2003). 57 A soberania é questionada porque a autoridade política dos Estados é substituída e comprometida por sistemas regionais e globais de poder, políticos, econômicos e culturais o que implica em maior interdependência regional e global. Com isso, os Estados não conseguem oferecer os benefícios fundamentais a seus cidadãos sem que haja uma cooperação internacional, sendo até mesmo essa cooperação insuficiente diante dos problemas globais da atualidade. 58 A globalização não está eliminando os Estados, apenas está redefinindo as suas hierarquias e seus espaços e grau de autoridade no exercício de suas soberanias. O surgimento de instituições intergovernamentais com papéis mais ativos na política regional e mundial é uma característica marcante na reformulação do quadro institucional internacional Pós-Guerra Fria.

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como o Estado atua e se posiciona como formulador de políticas públicas, observando as

políticas públicas para a agricultura. Considera-se que esta discussão é importante para

descrever como são produzidas as políticas públicas para a agricultura no Mercosul e na

União Européia, aspectos a serem discutidos nos capítulos posteriores.

2.1 A INTERVENÇÃO ESTATAL NA DINÂMICA SÓCIO-ECONÔMICA

CONTEMPORÂNEA

Com as transformações que a economia global vem apresentando, o Estado

(principalmente dos países periféricos) já não é mais o único sustentáculo dos sistemas

econômicos. Este se encontra em um elevado grau de exposição e vulnerabilidade,

submetido a tensões de diferentes lógicas de funcionamento que movem os mercados

globais. Diante deste cenário, após passar por várias mudanças políticas, econômicas,

culturais, entre outras, observa-se que foi necessário repensar algumas alternativas que

possibilitassem reverter o clássico papel do Estado para simplesmente construir um

orçamento equilibrado, sem sofrer a punição dos mercados mundiais, que em fração de

segundos podem penalizar pessoas, empresas e nações em qualquer parte do mundo59.

A abertura externa e a situação de um mercado mundial cada vez mais

competitivo não podem ser diretamente associadas à necessidade de redução do papel do

Estado. É verdade que a participação do Estado como produtor direto já não é necessária e

desejável em diversos setores, mas isto não significa sua alienação do processo econômico.

Ao contrário, a presença do Estado como articulador e regulador implica em ganhos de

qualidade em sua ação, cuja importância é ainda muito maior para a estabilização das

expectativas e a criação das condições para o crescimento. A experiência dos países

asiáticos, especialmente os de maiores dimensões, demonstra isso de forma incontestável.

As transformações na estrutura do poder mundial têm produzido diferentes

concepções sobre a natureza do Estado. Este possui um papel chave frente aos processos de

59 Este trabalho não será analisado de acordo com os autores clássicos e precursores do pensamento contratualista de definição e estudo da instituição chamada Estado. Platão, Locke, Rousseau, Kant, Hobbes, e outros pensadores. Será feita somente uma abordagem conceitual e introdutória para o próximo ponto a ser tratado que é o pensamento a ser desenvolvido no restante do trabalho.

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integração e que está produzindo novas situações nos campos político, econômico, cultural

e jurídico, assim como, implica no surgimento de outros atores transnacionais que podem

limitar a ação dos Estados e distenderam a sua soberania60. Essas questões, que redefinem o

Estado e a estrutura de poder global, criam um contexto de instabilidade e valorização da

dimensão política do espaço e do território. Neste momento, considera-se o Estado como

ator principal do processo de integração, assim como criador de políticas públicas eficazes

e passíveis de harmonização. É nesta situação específica que se define os Estados como um

dos principais atores internacionais, o que pressupõe compreendê-los como “entes

destinatários das normas jurídicas internacionais [que] têm atuação e competência

delimitada por estas” (HUSEK, 2003, p. 37).

No contexto em que está sendo tratado neste trabalho, o Estado é uma forma de

organização da sociedade, emergindo de “maneira espontânea, no momento histórico em

que o poder de um governante tornou-se exclusivo sobre um território, passando as pessoas

e as coisas a serem submetidas a seu poder jurisdicional” (SOARES, 2004, p. 143).

Portanto, o surgimento dos Estados ditos modernos está ligado a uma série de processo

históricos, e resultantes de um longo processo de integração, que

[...] reflete, na sua estrutura, forças independentes que congrega e comanda. É um ângulo de convergência de todas as forças sociais propulsoras, sob sua disciplina, da felicidade e da ordem, no seio da comunhão. Ausculta as tendências, as influências dos fenômenos da natureza, imprimindo-lhes rumo e ritmo dirigidos à sua finalidade (SMEND apud MALUF, 1995, p. 20).

A realidade jurídica e política que é o Estado, segundo Soares (2004, p. 143)

“teria posterior desenvolvimento na história das instituições e fatos sociais, em direção a

uma despersonificação do poder, ao mesmo tempo em que se estabeleciam limites à

abrangência territorial e pessoal de suas competências”.

Aprofundando essa definição, Bastos (1986, p. 6-11) descreve o Estado como

sendo a mais complexa das organizações criada pelo homem. Para ele, esta forma de

organização social e política seria o mais alto estágio alcançado pela civilização.

60 Este é o caso que se apresenta na União Européia, que com o acordo de Maastricht, principalmente no aspecto econômico, a utilização de políticas comuns permite uma certa ampliação da soberania econômica de cada país, embora observando as regras impostas pelo Banco Central Europeu.

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Decorrente disto existem duas vertentes que podem conceituar o Estado61. Uma delas vê o

Estado como um agrupamento humano que se organiza politicamente sobre um dado

território. A outra vertente, além de considerar os elementos população e território,

acrescenta que o Estado é uma organização normativa. O que todos confirmam é que o

Estado é simultaneamente um fato social, objeto de estudo da sociologia; como também é

um fenômeno normativo, objeto de estudo do Direito. Ainda, o mesmo autor aponta que o

Estado é a

[...] organização política sob a qual vive o homem moderno. Ela caracteriza-se por ser resultante de um povo vivendo sobre um território delimitado e governado por leis que se fundam num poder não sobrepujado por nenhum outro externamente e supremo internamente (BASTOS, 1986, p. 10).

A importância da caracterização que Bastos fez do Estado, é a questão da

soberania. Sobre esse aspecto Pinho e Nascimento complementam a definição dizendo que

o Estado é como uma Nação independente, isto ocorre porque existe o preceito de

soberania. O Estado “realiza suas funções cuja grande finalidade é a ordem e a

prosperidade do grupo social respectivo em um ambiente peculiar, regularizado por suas

leis, defendido por sua força, compreendido em sua jurisdição” (PINHO &

NASCIMENTO, 2000, p. 90).

O que deve se apontar ainda é a diferença entre Estado e Nação. Segundo Maluf

(1995), Estado e Nação são duas realidades distintas e inconfundíveis. A Nação é uma

realidade sociológica; o Estado, uma realidade jurídica. O conceito de Nação é

essencialmente de ordem subjetiva, enquanto o conceito de Estado é necessariamente

objetivo. Neste sentido, Maluf conceitua Nação como sendo uma entidade de direito natural

e histórico ou ainda um conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos

permanentes, de sangue, idioma, religião, cultura e ideais. “Nação é anterior a Estado,

[podendo ser definida como a] substância humana do Estado. A Nação pode perfeitamente

existir sem Estado” (MALUF, 1995, p. 16).

61 Bastos (1986) ainda complementa a sua definição de Estado dizendo que se pode identificar a figura do Estado pela existência de organização em seus poderes: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Para maior definição do papel do Estado no processo de globalização consultar: CRUZ, Sebastião C. Velasco e. Globalização, Neoliberalismo e o Papel do Estado. Políticas e Ciências Sociais. Disponível em: <http://www.politica.pro.br/texto/art_cruz.rtf> Acessado em 02 out 2004

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Complementando a caracterização do Estado deve-se incorporar sua estrutura, a

qual é composta por elementos reconhecidos pelo Direito Internacional como sendo os

elementos constituintes do Estado. São três os elementos: população permanente62,

território determinado63 e governo64 soberano65. A ausência de qualquer desses elementos

62 Maluf (1995) define população como sendo o primeiro elemento formador do Estado, independendo da justificação. É a expressão que envolve um conceito aritmético, quantitativo, demográfico, pois designa a massa total dos indivíduos que vivem dentro das fronteiras e sob o império das leis de um determinado país. Sem essa substancia humana não há que cogitar a formação ou existência do Estado. Como requisito em relação à população coexiste a homogeneidade. A base humana do Estado há de ser, em regra, uma unidade étnico-social que, embora integrada por tipos raciais diversos, vai se formando como unidade política através de um lento processo de estratificação, fusão dos elementos no cadinho da convivência social. Bastos (1986) considera população o conjunto de pessoas que fazem parte de um Estado. Se o território é o elemento material do Estado, o povo é o seu substrato humano. Cada Estado dita individualmente a legislação por força da qual se confere a alguém a condição de nacional. Marcelo Caetano (apud BASTOS, 1985, p. 18) define o termo população de acordo com uma visão econômica, que corresponde ao sentido vulgar, e que abrange o conjunto de pessoas residentes num território, quer se trate de nacionais, quer ser trate de estrangeiros. Ora, o elemento humano do Estado é constituído unicamente pelos que a ele estão ligados pelo vinculo jurídico que hoje chamamos de nacionalidade. He Moon Jo (2000) acrescenta dizendo que a população é a base pessoal do Estado, sendo que ela deve ser permanente. A permanência indica a vontade própria de certo grupo humano de ser instalar em determinado local. 63 Bastos (1986, p. 12-17) define território como sendo a base geográfica do Estado, ou seja, é aquela parcela do globo que se encontra sob sua jurisdição. Em seu território, só vige a sua ordem jurídica. Esse território que se fala é na verdade, um volume de espaço ostentado além da extensão a altura e a profundidade. Maluf (1995, p. 25-27) conceitua território como sendo a base física, o âmbito geográfico da nação, onde ocorre a validade de sua ordem jurídica. Este elemento físico, assim como outros elementos, é indispensável à configuração do Estado. O território é patrimônio sagrado e inalienável do povo. É o espaço certo e delimitado onde se exerce o poder do governo sobre os indivíduos. Patrimônio do povo, e não do Estado como instituição, isso porque, o poder diretivo se exerce sobre as pessoas, não sobre o território. Esse território, sobre o qual se estende esse poder de jurisdição, representa-se como uma grandeza de três dimensões, abrangendo o supra-solo, o subsolo, e o mar territorial. He Moon Jo (2000) define território como sendo o elemento espacial do Estado, pois é o espaço onde o Estado exerce efetivamente o poder exclusivo para o cumprimento da sua tarefa, sendo esse o elemento mais importante que liga o Estado ao povo, pois é a população que escolhe fixar-se ou criar raízes num território. 64 Para Maluf (1995), o terceiro elemento – governo – é uma delegação de soberania nacional. É a própria soberania posta em ação. É o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública. A conceituação de governo depende dos pontos de vista doutrinário, mas exprime sempre o exercício do poder soberano. Segundo Duguit (apud MALUF, 1995, p. 27), a palavra governo possui dois sentidos. O primeiro é o sentido coletivo, como conjunto de órgãos que presidem a vida política do Estado. O segundo é a singularidade, como poder executivo. Isso porque é o órgão que exerce a função mais ativa na direção dos negócios públicos. He Moon Jo (2000) considera o governo como sendo um órgão que representa a pessoa jurídica do Estado, justamente porque ele não é pessoa física. É definido como o sistema orgânico do Estado que manifesta sua vontade, intermedeia o exercício do seu poder soberano e executa a sua função. Ou seja, o governo é a manifestação do poder político do qual emana a soberania. Um governo deve ser capaz de manter o controle efetivo do seu território e de se encarregar das relações internacionais com os outros Estados. 65 A teoria da soberania do Estado, desenvolvida por Jellinek, parte do princípio de que a soberania é a capacidade de autodeterminação do Estado por direito próprio e exclusivo. A soberania é um poder jurídico, um poder de direito, e, assim como todo e qualquer direito, ela tem a sua fonte e a sua justificativa na vontade do próprio Estado (MALUF, 1995, p. 33-34).

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retira da organização sócio-política a plena qualidade de Estado66. Diante do exposto,

destacam-se alguns tipos de Estado que se apresentam à realidade empírica: o Estado

Liberal, o Estado Marxista e o Estado Keynesiano. O Estado Liberal é visto como conceito

de direito natural, humanitário e resultante das teses do igualitarismo político. Esta forma

de Estado surge com a Revolução Francesa quando houve “a transmissão do poder político

da antiga nobreza feudal à burguesia industrial e comercial” (BONAVIDES, 1995, p. 52).

Observa-se também que o Estado do tipo Liberal principia a sua construção a partir,

também, da Revolução Gloriosa na Inglaterra e do processo de independência dos Estados

Unidos da América.

O Estado Liberal era considerado por muitos estudiosos como um Estado de

referência utópica, justamente por fazer da vontade geral a vontade do Estado67. O Estado

Liberal não deve ser confundido com Estado Democrático, isso porque este visa estabelecer

a liberdade dos cidadãos enfatizando dois valores principais, a participação e o governo da

maioria. O modelo de Estado Liberal, segundo Bastos (1986) vai procurar com a maior

eficiência até hoje conhecida, garantir a liberdade no sentido do não-constrangimento

pessoal. “Seu pressuposto fundamental é que o máximo de bem-estar comum é atingido em

todos os campos com a menor presença possível do Estado68” (BASTOS, 1986, p. 68).

Segundo Bonavides (1995), este novo regime, possuía a característica de um Estado

limitado, um Estado constitucional, um Estado de direito, aquele que tinha por artigo de

doutrina não intervir na sociedade e existir para o individuo como meio, nunca como fim.

66 A Convenção sobre Direito e Deveres dos Estados – 7º Conferência Internacional Americana celebrada em Montevidéu, em 26 de dezembro de 1933. O art. 1 diz: “ O Estado como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos: população permanente, território determinado, governo e capacidade de entrar em relações com os demais Estados” (JO, 2000, p. 199). 67 O socialismo utópico é num primeiro momento um grito de guerra, uma palavra de protesto contra a sociedade que já foi, contra a sociedade que é e, portanto, um programa da sociedade ideal, a sociedade que deveria ser. É caracterizado pela condenação da sociedade que foi e, sobretudo pela sociedade que é, ou seja, da sociedade não existente no mundo ocidental (BONAVIDES, 1995, p. 55). 68 O fundamental do Estado Liberal é que o individuo seja livre para agir e realizar as suas opções fundamentais. Do Estado se espera muito pouco, basicamente que ele organize um exército para defender a sociedade contra o inimigo externo, que ele assegure a boa convivência internamente, mediante a polícia e o Judiciário incumbidos de aplicar as leis civis e as leis penais. A experiência histórica confirmou que a presença do Estado se fez necessária para suprir omissões, e coibir abusos, assim como para empreender objetivos não atingíveis pela livre iniciativa. Mas dois pontos devem ser salientados: o primeiro é que o liberalismo econômico foi responsável por um surto de desenvolvimento material sem precedentes na História; e o segundo é que o liberalismo é uma ideologia viva até hoje sob as vestes de uma mensagem atualizada e própria para enfrentar os desafios do século XX (BASTOS, 1986, p. 69).

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Os liberais não condenam um tipo de governo em particular, mas sim todas as

formas de governos. Neste momento surge o seguinte questionamento: que funções

deveriam exercer os governos segundo a concepção dos liberais? Adam Smith, citado no

primeiro capítulo desta pesquisa como precursor da Teoria Econômica Liberal, enumerou

três funções. A primeira função é proteger o país contra invasores externos, assim como

abarcar também a proteção, ou mesmo a ampliação dos mercados externos e se for

necessário através da coerção militar. A segunda função é a de proteger a propriedade

privada, sobretudo a propriedade de fábricas e equipamentos, e garantir o cumprimento dos

contratos para preservar a ordem interna. E por fim a terceira função é criar e manter

instituições que fomentassem a produção e as operações comerciais. Neste momento era

incluída a função de garantir a circulação de uma moeda estável e uniforme, assim como a

função de padronização dos presos e medidas e a criação dos meios físicos necessários à

condução dos negócios como estradas, canais, ferrovias, serviços postais e outros meios de

comunicação (HUNT E SHERMAN, 2001, p. 65-69).

Contraposto a forma de Estado Liberal, nasce a proposta do chamado socialismo

cientifico, a partir da Revolução Industrial. O socialismo científico surgiu com Marx e

Engels ao procurarem compreender a sociedade capitalista. Segundo Bonavides (1995, p.

55) “louvam esta sociedade pelo seu aspecto altamente positivo: o haver logrado uma

técnica de produção com força e capacidade e possibilidade de promover vasto progresso

tecnológico e considerável aumento dos níveis de produção”. O socialismo cientifico

pretende reconhecer na sociedade capitalista as forças que, dentro desta sociedade, se

movem para a mudança e que apuram o desenvolvimento necessário desta sociedade69.

69 Segundo Dagnino, no texto Metodologia de Análise de Políticas Publicas (Unicamp – Gapi), a visão Marxista aponta a influência dos interesses econômicos na ação política e vê o Estado como um importante meio para a manutenção do predomínio de uma classe social particular. Entre as suas subdivisões é importante destacar: 1) Instrumentalista: Entende o Estado liberal como um instrumento diretamente controlado “de fora” pela classe capitalista e compelido a agir de acordo com seus interesses (ela rege, mas não governa). Capitalistas burocratas do Estado e líderes políticos formam um grupo coeso em função de sua origem de classe comum, estilos de vida e valores semelhantes, estão em afinidade com a visão Elitista (Miliband); 2) Estado como árbitro: Quando existe relativo equilíbrio entre forças sociais, a burocracia estatal e líderes político-militares podem intervir para impor políticas estabilizadoras que, embora não sejam controladas pela classe capitalista, servem aos seus interesses. Em situações normais (que não as de crise) o Estado atua como árbitro entre frações da classe dominante. A burocracia estatal é vista, diferentemente da corrente funcionalista, como um segmento independente/distinto da classe dominante, embora a serviço de seus interesses de longo prazo (Poulantzas). 3) Funcionalista: A organização do Estado e a policy making é condicionada pelo imperativo da manutenção da acumulação capitalista. Funções: preservação da ordem, promoção da acumulação de capital, e criação de condições para a legitimação. Os gastos governamentais

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Karl Marx, intenta a reconstrução da teoria do Estado em bases nitidamente

políticas e econômicas. O Estado é em Marx “instrumento de poder, arma temível e

poderosa em mãos de determinada classe, utilizada, segundo ele, não a favor da sociedade,

mas das classes fortes e privilegiadas, contra as classes fracas e oprimidas” (BONAVIDES,

1995, p. 58). Para Marx e Engels há apenas um reconhecimento: a opressão de uma classe

pela outra. Para Engels o Estado é

[...] produto da sociedade ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento; é a confissão de que esta sociedade se há enredado consigo mesma uma contradição insolúvel, se há dividido em antagonismos irreconciliáveis, perante os quais se mostra impotente para conjurar. E a fim de que estes antagonismos, estas classes com interesses econômicos em combate, não se devorem mutuamente bem como a sociedade numa luta estéril, para isso se fez mister um Poder, colocado aparentemente acima da sociedade, com a missão de amortecer o conflito e mantê-lo dentro dos limites da ordem. Este Poder, que brotou da sociedade, mas que se colocou por sobre ela e da qual cada vez mais se divorcia, é o Estado (ENGELS apud BONAVIDES, 1995, p. 59-60).

Observando as formulações de Engels, na prática aponta-se que o Estado do tipo

Marxista implicou na criação de um poder centralizado, forte o bastante para compensar o

fracasso dos trabalhadores em conseguir estruturarem uma harmonia para a ação do auto-

governo. “A tarefa imediata que a vanguarda, dotada de consciência de classe, do

movimento operário internacional, isto é, partidos, grupos de tendências comunistas, têm

diante de si é ser capaz de liderar as grandes massas (ora, de modo geral entorpecidas,

apáticas, inconscientes, inertes e adormecidas) para a sua nova posição”. (LENIN, 1934, p

73 apud WALTZ, 2004, p. 175). Diante disso, observa-se que o Estado Socialista que

existiu na antiga URSS, por exemplo, além de exercer o controle da propriedade “social” e

para manter essas funções são: “gastos sociais”, “investimento social” (para reduzir custos de produção), e “consumo social”. Enfatiza os processos macro e não, por exemplo, a questão do caráter da burocracia ou das elites (O’Connor); 4) Estruturalista: O Estado é visto como um fator de coesão social, com a função de organizar a classe dominante e desorganizar as classes subordinadas através do uso de aparatos repressivos ou ideológicos (Althusser); 5) Escola da “lógica do capital”: Deduz a necessidade funcional do Estado da análise do modo de produção capitalista. O Estado é entendido como um “capitalista coletivo ideal”. Ele prevê as condições materiais gerais para a produção; estabelece as relações legais genéricas; regula e suprime os conflitos entre capital e trabalho; e protege o capital nacional no mercado mundial (Altvater); 6) Escola “de Frankfurt”: O Estado é entendido como uma “forma institucionalizada de poder político que procura implementar e garantir o interesse coletivo de todos os membros de uma sociedade de classes dominada pelo capital”. Combina as visões funcional e organizacional (Offe).

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definir a planificação da economia, também apresenta-se, na sua origem, como uma

estrutura forte e centralizada o bastante para impor a utopia socialista às massas.

As duas últimas guerras mundiais trouxeram grandes transformações na figura do

Estado nacional. Ele saiu de sua posição relativamente estática, coerente com os

pressupostos liberais, para atuar com participação ativa na dinâmica social, vinculado às

condições de tempo e espaço dadas por cada sociedade. Isso decorre principalmente da

incorporação da prática do planejamento público como maneira de solucionar problemas

que a população enfrentava. Tal situação decorreu do receituário Keynesiano baseado nas

políticas de pleno emprego para reativar a demanda e o processo de acumulação que havia

estagnado nas crises da década de 1930. Segundo Troster e Morcillo (1999, p. 212), “a

intensidade da intervenção do Estado na economia tem variado, alternando-se épocas de

liberalismo com outras de maior intervenção”.

A intervenção estatal na economia foi justificada teoricamente por Keynes. Este

autor propunha uma atitude ativa por parte dos governos diante das crises econômicas,

defendendo o aumento de gastos, e em particular do gasto público, como forma de

combater a depressão econômica. Recomendava ainda a intervenção do Estado mediante as

políticas monetária e fiscal, especialmente esta ultima com o objetivo de estabilizar a

economia (TROSTER & MORCILLO, 1999).

Segundo a política keynesiana, a economia pode entrar em equilíbrio mesmo com

desemprego e capacidade produtiva ociosa, devido a falta de demanda. Sua contribuição

teórica aponta que, uma economia em depressão, pode ser elevada a crescer mediante

elevação da demanda, que poderia ser obtida redistribuindo-se a renda entre a população. O

Estado pode ajudar elevando gastos de consumo, ou fazendo investimentos públicos. Para

isso, Keynes propôs uma maneira de o Estado conseguir dinheiro para essa elevação dos

gastos públicos: o governo deveria gastar mais do que arrecada em tributos, produzindo

deliberadamente déficits em seu orçamento. Isto geraria o aumento da demanda e num

primeiro momento causaria inflação, sem alterar o nível de produção. Essa inflação

decorrente das práticas keynesianas era pequena e estável, servindo para estimular os gastos

do consumidor, segundo a lógica de que os preços sobem não espere para comprar. Ainda,

a inflação forçaria a diminuição do excesso de poupança acumulada e o seu investimento,

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em função da elevação de demanda ou para reduzir as perdas dos poupadores, que

estimularia novamente a produção (SINGER, 1987).

Para Singer (Op. Cit.), a longa prosperidade do pós-guerra (1945-1970) foi gerada

em parte, pela adesão governamental aos pressupostos da política keynesiana, não somente

nos países desenvolvidos, mas também nos países em fase de desenvolvimento. Com a

maior intervenção do Estado na vida econômica nacional com políticas efetivas de

redistribuição da renda nacional, gerou-se aumento da produção, mais empregos, maiores

salários e maior arrecadação de impostos.

Diante do exposto sobre a atuação do Estado, observa-se que a crise dos anos 30

sepulta o dogma liberal do Estado mínimo. O Estado socialista, representado pelo exemplo

empírico da antiga URSS permitiu pensar um modelo de intervenção econômica também

no ocidente, só que viabilizando a solução keynesiana, a qual entrou em crise em meados

dos anos de 1960. Com isso, a ideologia neoliberal70, caracterizada pela ampla

desregulamentação e liberalização das regras de comércio; a livre alocação de capitais

internacionais; a quebra de barreiras comerciais; a livre circulação de bens, de trabalho e de

capital; a abertura das bolsas e de todos os setores da economia às multinacionais

(RIBEIRO, 2000), têm como principal projeto à reestruturação do Estado, atribuindo-lhe o

papel de promotor de condições positivas à competitividade individual e aos contratos

privados, chamando a atenção para os riscos decorrentes da intervenção estatal nas esferas

da vida em sociedade71.

Todavia, diante da crítica neoliberal, a receita keynesiana ainda continua viva e o

Estado continua intervindo na dinâmica sócio-econômica. Áreas como a da saúde humana e

na educação básica, profissionalizante e superior, de muitos países continua a ser, em

grande parte, dominadas pela atuação direta dos Estados. Nas áreas de infraestrutura e

novas tecnologias isso também se faz presente. Na agricultura, a intervenção dos governos

também é significativa. Com isso, se observa que o Estado continua, a ser um ator bastante 70O neoliberalismo vem sendo aplicado desde os anos 70 e com maior intensidade a partir do início dos anos 80. Como alternativa política ao keynesianismo, foi aplicada na Inglaterra e nos Estados Unidos, inicialmente. Foi uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista de bem-estar, entendido este como a institucionalização dos direitos sociais. Na concepção do modelo neoliberal esse Estado passa a ser visto como uma ameaça à liberdade econômica e política. Seu objetivo principal era combater a era Keynesiana, através de novas políticas para preparar as bases de um novo capitalismo. 71Só há duas maneiras de coordenar as atividades de milhões. Uma é a direção central, utilizando a coerção, a técnica do Exército e do Estado totalitário moderno. A outra é a cooperação voluntária dos indivíduos, a chamada técnica de mercado (FRIEDMAN, 1977 apud HOFLING, 2004).

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presente no cotidiano das pessoas, executando algumas tarefas que vão além daquelas

propostas pelos liberais clássicos.

Em síntese o que se observa, e neste aspecto os ensinamentos de Magnoli (1997)

são importantes, é que o Estado não tem como delegar ao mercado todas as decisões de

regular e estimular a melhoria das condições de existência de sua população. Para isso, o

Estado é chamado a produzir políticas públicas que regulem, estimulem ou viabilizem

determinados aspectos das dinâmicas sociais e econômicas nacionais e, na atualidade até

em processos de integração essa ação está sendo produzida. Este é o ponto que se trata em

seguida: a atuação do Estado na produção de políticas públicas para compreender sua

atuação no campo da agricultura.

2.2 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM DEBATE INTRODUTÓRIO

Neste ponto trata-se da concepção de Estado como implementador de políticas

públicas para uma determinada sociedade e a um setor específico, a agricultura. A atuação

estatal neste setor decorre do fato de que na agricultura não é possível ter condições de

produtividade semelhantes àquelas conseguidas pela indústria. Mesmo com a utilização da

mais avançada tecnologia para produção, ainda assim as condições, medidas pelo critério

de eficiência dos investimentos financeiros, não se assemelham aos conseguidos pela

indústria. Tal situação decorre do fato de que nem todos os fatores de produção são

controláveis pelos produtores rurais. O comportamento do clima pode comprometer a

colheita, a resistência das pragas, o ambiente da comercialização em que muitos vendedores

se sujeitam a poucos compradores fazendo com que o setor da agricultura seja menos

eficiente em produzir resultados financeiros positivos. Devido ao fato de que os riscos se

tornam bastante elevados é que, na maioria dos países, o Estado é chamado a intervir a fim

de garantir a rentabilidade e a manutenção desta atividade, importante para todas as

sociedades.

Decorrente destes aspectos optou-se por aprofundar a discussão teórica sobre a

necessidade, acima apontada, da intervenção estatal via políticas públicas para agricultura.

Para tanto, buscou-se, inicialmente, abordar algumas concepções no âmbito das políticas

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públicas e sobre a análise destas políticas segundo teóricos que militam neste campo do

conhecimento. Para isso, a decisão estatal de intervir na agricultura é considerada pelo

ângulo da política. E na discussão, o Estado é pensado como o conjunto de instituições

permanentes72, que possibilitam a ação do governo73.

A discussão sobre políticas públicas coloca que o termo política é determinante.

Easton (1953 apud Dagnino et alli, 2002) considera política uma teia de decisões que

alocam valor. Já Jenkins (1972 apud Dagnino et alli, 2002) vê política como um “conjunto

de decisões inter-relacionadas, concernindo a seleção de metas e aos meios para alcançá-

las, dentro de uma situação especificada”. Diante disso, procedeu-se um resgate teórico

destes pressupostos.

Como forma de resumir as características do conceito de política é necessário

entender que há distinção entre política e decisão, ou seja, a política é gerada por uma série

de interações entre decisões mais ou menos conscientes de diversos atores sociais - não

somente dos tomadores de decisão. Outro ponto a ser exposto é a distinção entre política e

administração. E ainda, deve-se levar em conta, que política envolve tanto intenções quanto

comportamentos; tanto ação como não-ação. A ação política pode determinar impactos não

esperados; os propósitos podem ser definidos ex post por racionalização; ela é um processo

que se estabelece ao longo do tempo; é estabelecida no âmbito governamental mas envolve

múltiplos atores; também é definida subjetivamente segundo as visões conceituais adotadas

por diferentes atores (DAGNINO et alli, 2002).

O termo política pode ser empregado segundo Dagnino (et alli, Op. Cit.) de

diversas maneiras. Por exemplo, como campo de atividade ou envolvimento governamental

(social, econômico), embora com limites nem sempre definidos; como objetivo ou situação

desejada (estabilidade econômica); como propósito específico (inflação zero) em geral

relacionado a outros de menor ou maior ordem; decisões do governo frente a situações

emergenciais; como autorização formal (diploma legal), ainda que sem viabilidade de

implementação; programa (pacote envolvendo leis, organizações, recursos); como resultado

(o que é obtido na realidade e não os propósitos anunciados ou legalmente autorizados);

72 Órgãos Legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente. 73 Governo será tratado como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) que os propõe para esta mesma sociedade como um todo, configurando-se na orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período.

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como impacto (diferente de resultado esperado); como teoria ou modelo que busca explicar

a relação entre ações e resultados; e como processo (enfoque processual).

Ao trabalhar com o termo conceitual de política, deve-se também considerar o

termo Análise de Políticas, o qual podemos avaliar como sendo “um conjunto de

conhecimentos proporcionados por diversas disciplinas das ciências humanas utilizadas

para buscar resolver ou analisar problemas concretos em política pública” (BARDACH,

1998 apud DAGNINO et alli, 2002). Sua finalidade é a de “interpretar as causas e

conseqüências da ação do governo, em particular, ao voltar sua atenção ao processo de

formulação de política” (WILDAVSKY, 1979 apud Op. Cit.). Para fazer análise de

políticas é preciso “descobrir o que os governos fazem, porque fazem e que diferença isso

faz. Assim, a análise da política é a descrição e explicação das causas e conseqüências da

ação do governo” (DYE, 1979 apud Op. Cit.).

O escopo da Análise de Política vai muito além dos estudos e decisões dos

analistas. Isso acontece porque uma política pública pode influenciar a vida de todos os

afetados por problemas da esfera pública e política, dado que os processos e resultados de

políticas sempre envolvem vários grupos sociais. As políticas públicas se constituem em

objeto específico e qualificado de disputa entre os diferentes agrupamentos políticos com

algum grau de interesse pelas questões que têm no aparelho de Estado.

A Análise de Política engloba um grande espectro de atividades, todas elas

envolvidas de uma maneira ou de outra com o exame das causas e conseqüências da ação

governamental. Assim, uma definição correntemente aceita sugere que a Análise de Política

tem como objeto os problemas com que se defrontam os fazedores de política e como

objetivo auxiliar o seu equacionamento através do emprego de criatividade, imaginação e

habilidade (DAGNINO et alli, 2002).

Após definir política assim como Análise de Política, conclui-se, dessa forma,

que políticas públicas são aqui entendidas como “Estado em ação” (GOBERT, 1987 apud

HOFLING, 2004). Ou seja, é o Estado implementando projetos de governo, através de

programas, e ações voltadas para setores específicos da comunidade e da sociedade74. Essas

políticas públicas são entendidas como as de responsabilidade do Estado, seja quanto à

74 Para aprofundar a conceituação sobre políticas públicas consultar: FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Revista Planejamento e Políticas Públicas. n. 2, jun de 2000.

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implementação e manutenção a partir de processos de tomada de decisões, seja envolvendo

órgãos públicos, diferentes organismos e os agentes da sociedade, relacionados à política

implementada (HOFLING, 2004).

Segundo Célio (apud Silva75) política pública é todo tipo de ação que tem efeito

social e que envolve recursos públicos, sob responsabilidade social. Já a professora Maria

das Graças Rua, (apud Silva76), define políticas públicas como sendo o

[...] conjunto de decisões e ações destinadas à resolução de problemas políticos. Essas decisões e ações envolvem a atividade política, compreendida como conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica de conflitos quanto a bens públicos. Assim, as políticas públicas são respostas, que expressam o processamento do sistema político.

As políticas públicas têm a sua origem em alguma demanda ou necessidade

apresentada pelos atores políticos ou sociais77, direta ou indiretamente interessados, que

transitam e interagem no ambiente social e no sistema político. Num primeiro momento se

destinam a solucionar problemas políticos, que são as demandas incluídas na agenda

governamental78.

Ainda, Segundo Frey (2000) o termo ‘policy analysis’ é levado em conta

segundo o interesse e o conhecimento próprio deste termo, que é, a saber, empírico e se

reporta à prática da política. Para se entender políticas públicas, Frey (2000) considera

importante apresentar alguns conceitos de ‘policy analysis’, termo citado anteriormente.

São eles: polity, politics, policy, policy network, policy arena, e policy cycle. O primeiro

75 SILVA, Lourival Rodrigues da. Políticas Públicas. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Disponível em < http://www.cnbb.org.br/setores/juventude/ecmj8txtpoliticapublica.doc> Acessado em 18 out 2004. 76 SILVA, Lourival Rodrigues da. Políticas Públicas. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Disponível em < http://www.cnbb.org.br/setores/juventude/ecmj8txtpoliticapublica.doc> Acessado em 18 out 2004. 77 Atores são aqueles (as) que têm alguma coisa em jogo no tocante a uma questão e que possuem algum tipo de recurso e poder, ou seja, atores são os que podem vir a ganhar ou perder. Podem ser afetados pelas decisões e ações. São capazes de afetar as decisões. Têm capacidade de ação organizada ou simplesmente reagem através do voto, afetiva ou potencialmente. Eles se materializam através das comunidades; das igrejas; das fundações que fazem atuação social e fiscalização social; dos grupos que têm convênios com a organização pública e privada; dos tribunais de conta; das instituições espontâneas do tipo comunitárias; das organizações não governamentais ligadas à cidadania, às questões ambientais, às que tem vínculos com os direitos humanos, com crianças, adolescentes e jovens, mulher, etnias, etc. 78 Para maiores detalhes sobre o conceito de políticas públicas consultar: RUA, Maria das Graças; Jovens Acontecendo na Trilha das Políticas Públicas; 2 Vol: CNPD – Comissão Nacional de População e Desenvolvimento; 1998.

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deles se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e a estrutura

institucional do sistema político-administrativo79. Politics, para o autor citado, se refere ao

processo político em si, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à

imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição de poder e resultados

da política em si. Quanto ao conceito de policy, refere-se aos conteúdos concretos, ou seja,

à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das

decisões políticas. Policy network, é entendida segundo Heclo (1978, p. 102 apud Frey,

2000, p. 221) como as “interações das diferentes instituições e grupos tanto do executivo,

do legislativo como da sociedade na gênese e na implementação de uma determinada

‘policy’”. A concepção de policy arena refere-se aos processos de conflito e de consenso

dentro das diversas áreas de política, as quais podem ser distinguidas de acordo com seu

caráter distributivo80, redistributivo81, regulatório82 ou constitutivo83. O ultimo termo a ser

definido é policy cycle. O policy cycle surge porque as redes e as arenas das políticas

setoriais podem sofrer modificações no decorrer dos processos de elaboração e

implementação das políticas.

Para a elaboração de políticas públicas, também chamadas por Frey como policy

cycle, parece conveniente apresentar as três fases sucessivas que conformam um ciclo que

se realimenta do processo84: formulação, implementação e avaliação (DAGNINO et alli,

79 As instituições servem não apenas para a satisfação de necessidades humanas e para a estruturação de interações sociais, mas ao mesmo tempo “determinam posições de poder, eliminam possibilidades de ação, abrem chances sociais de liberdade e erguem barreiras para a liberdade individual” (WASCHKUHN, 1994, p. 188 apud FREY, 2000, p. 231). A institucionalização implica, portanto, custos graves, porque ela não representa somente a exclusão de muitas vozes, mas também o pesadelo da burocratização e das contrariedades que essa acarreta consigo (O’DONNELL, 1991, p. 30 apud FREY, 2000, p. 231). Instituições políticas são padrões regularizados e aceitos pelos atores sociais, mesmo que não necessariamente por eles aprovados. Dessa forma, são produtos de processos políticos de negociações antecedentes, refletem as relações de poder existentes e podem ser efeitos decisivos para o processo político e seus resultados materiais (PRITTWITZ, 1994, p. 239 apud FREY, 2000, p. 231-232). 80 Políticas distributivas são caracterizadas por um baixo grau de conflito dos processos políticos, por decisões tomadas em consenso e indiferença amigável entre os grupos (FREY, 2000, p. 223-224). 81 Políticas redistributivas são contrárias às políticas distributivas. São orientadas para o conflito, cujo objetivo é o desvio e o deslocamento consciente de recursos financeiros, direitos ou outros valores entre camadas sociais e grupos da sociedade (FREY, 2000, p. 223). 82 Políticas regulatórias trabalham com ordens e proibições, decretos e portarias. Os custos e benefícios desta política podem ser distribuídos de forma igual e equilibrados entre os grupos e setores da sociedade, do mesmo modo como as políticas podem atender a interesses particulares e restritos (FREY, 2000, p. 223). 83 Políticas constitutivas são determinadas como políticas modificadoras de regras, onde determinam as regras do jogo estruturando os processos e conflitos políticos, isto é, as condições gerais sob as quais vêm sendo negociadas as políticas distributivas, redistributivas e regulatórias (FREY, 2000, p. 223). 84 São chamados por Frey como sendo as tradicionais divisões do ciclo político nas várias propostas.

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2002). A política pública é, primeiramente, formulada, ou seja, é concebida no âmbito de

um processo decisório pelos tomadores de decisão85que pode ser democrático e

participativo ou autoritário e ‘de gabinete’; de ‘baixo para cima’ ou de ‘cima para baixo’;

do tipo racional e planejado ou incremental e mediante o ajuste mútuo entre os atores

intervenientes. Pode ser com ou sem manipulação e controle da agenda dos atores com

maior poder; detalhadamente definida ou deixada propositadamente incompleta para ver se

acontece e como é que fica na prática. Essa fase depende principalmente do grau de

racionalidade do processo decisório, pois pode contemplar etapas como pesquisa do

assunto, filtragem do assunto, prospectiva, explicitação de valores e objetivos globais

(DAGNINO, 2002).

Formular políticas públicas significa estabelecer o que será feito em relação ao

assunto. Quando, como, com quanto e com que. Significa planejar ações em longo prazo –

antecipar necessidades, atingindo as causas dos problemas e estabelecendo soluções.

Significa avaliar os resultados das ações desenvolvidas e reformular o percurso.

Depois de formulada, inicia-se a implementação da política, mediante a atuação

de mecanismos existentes ou órgãos especialmente criados pelos burocratas. Essa fase

depende, sobretudo do grau de definição da política e do grau de poder discricionário

(variável, principalmente, segundo o nível hierárquico), que os burocratas exercem ao

adaptar a política formulada à realidade da relação Estado-sociedade e às regras de

formação do poder econômico e político impostas entre os atores sociais (DAGNINO et

alli, Op. Cit.). Segundo Frey (2000, p. 228), esta fase se refere particularmente ao fato de

que, “muitas vezes, os resultados e impactos reais de certas políticas não correspondem aos

impactos projetados na fase de sua formulação”.

Finalmente, como último passo do processo, ocorre a avaliação de uma

determinada política pública. Quanto aos resultados, entendidos como produtos, metas

definidas e esperadas num âmbito mais restrito, e aos impactos (entendidos como produtos

sobre um contexto mais amplo e muitas vezes não esperados ou desejados decorrentes do

processo de sua implementação), estes são comparados com o planejado anteriormente.

85 Dagnino (2002) se refere a tomadores de decisões os agentes e dirigentes públicos capazes de formular políticas para benefício da sociedade, neste sentido pode ser utilizado também o termo burocratas. Maiores detalhes sobre o assunto em: DAGNINO, Renato. Metodologia de Análise de Políticas Públicas. Organización de Estado Iberoamericanos. GAPI – UNICAMP, 2002. Disponível em <http://www.campus-oei.org/salactsi/rdagnino1.htm#1a> Acessado em 08 agosto 2004.

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Nesta fase é feita também a avaliação quando, no limite, a formulação se dá de forma

totalmente incremental, aprovado através de um critério de satisfação dos interesses dos

atores envolvidos (DAGNINO et alli, Op. Cit.). Nesta fase, trata-se de indagar os déficits

de impacto e os efeitos colaterais indesejados para poder deduzir conseqüências para ações

e programas futuros (FREY, 2000). Ainda segundo o autor citado,

[..] a avaliação ou controle de impacto pode, no caso de os objetivos do programa terem sido alcançados, levar ou à suspensão ou ao fim do ciclo político [policy cycle], ou, caso contrário, à iniciação de um novo ciclo, ou seja, a uma nova fase de percepção e definição e à elaboração de um novo programa político ou à modificação do programa anterior. Com isso, a fase da avaliação é imprescindível para o desenvolvimento e a adaptação contínua das formas e instrumentos de ação pública (FREY, 2000, p. 228).

É o grau de racionalidade da fase de formulação e o estilo de implementação das

políticas públicas que define como irá ocorrer a avaliação. É a avaliação que aponta as

direções de mudança e as ações a serem implementadas num momento seguinte. Após a

implementação dessas, e a avaliação dos resultados alcançados é que, iterativamente, serão

apontadas novas propostas de ações que levarão o sistema a aproximar-se do cenário

desejado.

Assim observa-se que o aporte teórico e conceitual, assim como as limitações de

uma policy analysis, se abstêm a uma análise dos conteúdos das políticas (policy). Para

isso, procurou-se também, evidenciar a importância da consideração tanto da dimensão

institucional (polity) como da dimensão processual (politics) para a análise de políticas

públicas. Logo, conclui-se dizendo que, numa área de política pública em que o ambiente

político, deve-se considerar que o poder é assimétrico ou se encontra concentrado, assim

como a presença de mecanismos de manipulação de interesses (segunda e terceira faces do

poder86) faculta um efetivo controle da agenda de decisão. Isso acontece porque o Estado é

86 Dagnino (2002) considera a segunda face do poder como sendo uma contravenção entre a visão elitista e a visão pluralista. Para o autor, a visão elitista é a elite dominante ser beneficiada pelas decisões e pelos resultados das políticas públicas para a sociedade. A visão pluralista, conclui que há desigualdades de recursos de poder, assim como na tomada de decisões e no padrão de liderança. Nesta visão, o poder estaria fragmentado em diversos atores, embora somente algumas pessoas teriam influência sobre questões chaves. A terceira face do poder é a visão dos conflitos abertos (entre atores de assuntos-chaves), conflitos encobertos (quando ocorre a supressão das reclamações impedindo que cheguem a ser incluídas na agenda de decisão – não tomada de decisão) e conflitos latentes (quando o exercício do poder se dá conformado às preferências da

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o ator que concentra a maior parcela de poder e é dele que a sociedade ou atores específicos

esperam a decisão ou a implementação de ações, normas ou programas de atuação. Este é o

caso da atuação estatal na formulação e implementação de políticas públicas para a

agricultura, assunto tratado a seguir.

2.3 POLÍTICAS PÚBLICAS AGRÍCOLAS: A NECESSIDADE DA

INTERVENÇÃO ESTATAL NO SETOR

A área de Políticas Agrícolas é o segmento da política pública que cuida da

produção agrícola e da atividade ligada à distribuição dos produtos agrícolas. Nesta

definição, pode-se incluir a reforma agrária, que é a ação do governo no momento em que

se deseja combater a concentração de terras, aspecto socialmente injusto e que permite que

mais pessoas tenham acesso à terra (Enciclopédia Mirador Internacional, 1994, p. 9064).

Para Diniz (1998, p. 628), política agrícola

[...] é a política que orienta, no interesse da economia rural, a atividade agropecuária, traçando planos, com a finalidade de harmonizá-la com o processo de industrialização do país e de melhorar a utilização da terra, implementando a produção, o aproveitamento da mão-de-obra rural e a colonização oficial e particular, atualizando a legislação de adaptando-a aos planos e programas de ação governamental, e, ainda, elevando o nível de vida do rurícola. É [também], a ação própria do poder público [a qual] consiste na escolha de meios adequados para influir na estrutura e na atividade agrária, a fim de obter um ordenamento satisfatório da conduta das pessoas que delas participam ou a elas se vinculam, com o escopo de conseguir o desenvolvimento do bem-estar da comunidade.

Além do que Diniz observa, são importantes também os aspectos apontados por

Nóbrega (1985). Para este autor, a política agrícola pode ser instrumento de ocupação de

espaços vazios, de contenção de fluxos migratórios indesejáveis e de garantia de um

mínimo de abastecimento, por questões de segurança nacional.

população, de maneira a prevenir que nem conflitos abertos, nem conflitos encobertos venham a se manifestar).

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O setor agropecuário cumpre algumas funções importantes, exercendo fortes

estímulos e efeitos de encadeamento no restante da economia87. A esse respeito Souza

(1999, p. 267) afirma que “existe correlação positiva entre o crescimento agrícola e o

crescimento dos demais setores. Essa correlação existe, não apenas, porque a agricultura

apresenta grande participação no produto real, mas também por suas interligações

intersetoriais, principalmente com a indústria”. Assim, pode-se dizer que a modernização

industrial encontraria suas origens na contribuição da agricultura no desenvolvimento

econômico.

A proteção da agricultura pelos governos nacionais em todo o mundo, através da

ampla intervenção estatal, tem sido justificada pela importância social deste setor para o

desenvolvimento econômico e pela garantia de alimentos baratos e suficientes para a

população. É dessa maneira que se justifica a intervenção do governo no setor, pois

possibilita expandir as condições de desenvolvimento dos países. Segundo Timmer (1992)

essa intervenção se justificaria, pela existência de funções adicionais e complementares da

agricultura no processo de desenvolvimento. Para que isso seja efetivado, o Estado

assumiria as seguintes funções:

1) influir positivamente nas decisões de investimentos dos setores agrícolas, por meio da estabilidade dos preços dos alimentos; 2) aumentar a produtividade do capital e do trabalho do resto da economia e, assim, a taxa de crescimento global, ao gerar excedentes exportáveis e ao reduzir a inflação; 3) contribuir com o efeito aprendizagem do governo, gerador de economias externas; 4) contribuir para reduzir a pobreza, mediante a reforma agrária e a elevação da produtividade da terra e do trabalho; e 5) proteger o meio ambiente, tal como o espaço verde e a concentração de gases na atmosfera, o chamado efeito estufa88 (TIMNER, 1992, p. 22 apud SOUZA, 1999, p. 269).

Diante das observações citadas acima, observa-se que a intervenção

governamental deve, também, conferir crescente segurança no suprimento de produtos

agrícolas, preços estáveis e relativamente baixos. Há também, segundo Nóbrega (1985, p.

87 Cabe ao Estado a manutenção da renda agrícola. Isso porque, segundo Abramovay (1992, p. 246) a intervenção estatal na agricultura não pode ser interpretada à luz da defesa dos interesses de certos segmentos da classe capitalista: não é apenas a agroindústria, mas o conjunto da sociedade que acaba por beneficiar-se de políticas estatais que resultam na estabilização dos preços alimentares, através do controle da renda agrícola. 88 Segundo Souza (1999) as duas primeiras funções apontadas por Timmer constituem um desdobramento da função clássica de produzir alimentos, mas a ênfase nessas funções, assim como na terceira, justifica-se porque elas são contribuições extra-mercado da agricultura, demandando, por essa razão, maior grau de intervenção do governo.

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19) “que se proteger o agricultor contra variações indesejáveis de sua renda, provocadas por

queda ou excessos de produção, através de intervenções do governo para regular os fluxos

de oferta e os níveis de preços”. Não fora somente por estas razões, ainda há os grandes

riscos associados aos fenômenos climáticos adversos, as pragas, as doenças89, as incertezas

quanto aos preços e a impossibilidade de adaptar a produção rural, no curto prazo, às

variações ditadas pelo mercado90 (Op. Cit. p. 20-21)

Em síntese, os objetivos da política agrícola possibilitam o desenvolvimento do

setor com aumento da produção e a expansão dos ganhos de produtividade, assim como

promove econômica e socialmente91 todos aqueles que se vinculem às atividades rurais,

especialmente os trabalhadores e os produtores de baixa renda. Destacam-se também as

funções de gerar poupança, constituir mercado para produtos industriais, produzir alimentos

para o mercado interno, gerar divisas com a exportação, assim como reduzir a pobreza no

meio rural (NÓBREGA, 1985).

No campo estritamente econômico92, Nóbrega (1985) destaca que, pelo exame

das políticas agrícolas nos países que conseguiram modernizar e desenvolver rapidamente a

agricultura93, as ações do governo podem ser agrupadas em três grandes campos: ações para

89 Segundo Abramovay (1992, p. 236), a agricultura submete-se a forças naturais e ao fato de lidar com elementos vivos. Esse setor também enfrenta obstáculos insuperáveis no processo de divisão do trabalho: é impossível plantar e colher ao mesmo tempo e no mesmo espaço. Por mais que se reduza o tempo de germinação de uma cultura ou de gestação de um animal, o ritmo natural continua a decidir a ordem das operações produtivas. Operando com base em elementos vivos, a agricultura opõe obstáculos intransponíveis ao avanço da divisão do trabalho e por aí impede que o setor trilhe o rumo de outros segmentos econômicos no mundo contemporâneo. Enquanto depender de sua base biológica, a agricultura jamais será uma indústria. 90 Se tais riscos e incertezas não forem reduzidos por uma eficaz intervenção governamental, podem acarretar desestímulo ao investimento, inibindo o desenvolvimento da propriedade rural e os ganhos de produtividade (NÓBREGA, 1985). 91 Segundo Abramovay, o Estado responde pela reprodução social da agricultura familiar talvez mais que por qualquer outro segmento produtivo da sociedade. Isso porque, segundo Servolin (1989 apud Abramovay, 1992, p. 179) o Estado é “senhor daquilo que produz, do patamar técnico em que opera, de sua própria base fundiária, dos mercados de que depende e até da sua própria renda”. 92 Nos Estados Unidos, na Europa, na França e na Suíça, o Estado interfere diretamente na organização dos mercados, no patamar tecnológico em que os produtores operam e também na própria estrutura fundiária. Para os agricultores dinamarqueses, as relações comerciais passaram a ser assumidas por organismos de Estado (também conhecidas como sindicatos agrícolas ou representações profissionais), isso porque a exportação faz da agricultura um negócio nacional, um negócio do Estado. Segundo Abramovay (1992), a capacidade de planejamento dos organismos nacionais europeus compostos pelo Estado e pelas representações profissionais está muito longe de evitar freqüentes e crescentes problemas de excedentes na oferta e tampouco os conflitos entre agricultores de diferentes países na implementação das políticas. A proteção dos produtores nacionais, freqüentemente se choca com as necessidades de levar adiante a teoria das vantagens comparativas nas trocas intercomunitárias (ABROMONVAY, 1992, p. 179-198). 93 Segundo Oury (1959, p. 07 apud ABRAMOVAY, 1992, p. 202), o papel do Estado na Comunidade Econômica Européia é “garantir o menor preço a produção de gêneros alimentares e agrícolas; garantir um

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reduzir custos de produção94; ações para estabilizar a renda do produtor95 e ações para

assegurar crédito rural96. No mesmo sentido, Abramovay (1992. pg. 210) destaca que as

políticas agrícolas permitem administrar “o êxodo rural, políticas de ocupação do território

nível de vida suficiente à população agrícola, nomeadamente pelo aumento da renda individual dos que trabalham na agricultura”. Essa garantia dado pelo Estado europeu é a chamada política de estruturas, a qual, através dela pôde-se estipular claramente na Europa ocidental uma política de rendas para a agricultura e de preços agrícolas para o consumidor. Essa política de estrutura tem por função básica, permitir a regulação estatal sobre o nível da oferta agrícola em condições de relativa homogeneidade das rendas no setor. Criou também, a padronização dos modelos produtivos, o estabelecimento claro do tipo de exploração a ser estimulado e apoiado pelos poderes públicos, permitiu que a determinação da renda agrícola se dê em condições que não pressionem excessivamente os preços dos alimentos e das fibras (ABRAMOVAY, 1992, p. 202). Segundo o mesmo autor, nos países europeus, a agricultura não é encarada pela sociedade e pelos próprios agricultores na qualidade de empreendimento do qual se pode esperar a obtenção de lucros, como em qualquer outra atividade comercial. Nestes países, o Estado é ao mesmo tempo responsável e guardião da renda agrícola, pois ele estipula seu nível e arca com as despesas a ela correspondentes. Mas em contrapartida, o Estado exige dos agricultores que se contentem com retirar do solo o correspondente à renda das outras categorias de trabalhadores da sociedade (ABRAMOVAY, 1992, p. 203). Pode-se dessa forma, concluir que, há uma relativa pulverização econômica por um lado, e um rigoroso planejamento estatal de outro. Isso decorre devido a um conjunto de políticas de organização do setor. 94 Nesta área, Nóbrega (1985, p. 23-24) inclui os esforços tendentes ao aumento de produtividade e à geração de economias externas para a produção rural, principalmente através de investimentos públicos em pesquisa e extensão rural, bem como em infra-estrutura econômica, e em promoção social e econômica do produtor, mediante dispêndios em educação e saúde. Outras formas de alcançar esse objetivo são as representadas pela concessão de incentivos fiscais para a realização de investimentos que acarretem aumento de produtividade, ou a outorga de subsídios ao crédito para inversões fixas e semifixas. Para o autor, fica claro que a atuação do governo não é suficiente para acarretar o aumento da produtividade, mas é a condição indispensável à maior eficácia da produção rural. 95 Os programas de estabilização de renda na agricultura, segundo Nóbrega (1985, p. 24-28), partem da premissa básica de que esse tipo de proteção é indispensável para estimular o produtor a permanecer na atividade rural ou para evitar sub ou superprodução. Isso ocorre porque o agricultor está sujeito a fortes variações em sua renda, às quais se ajustariam mediante redução na oferta de seus bens, seja voluntariamente ou involuntariamente. Neste esquema existem algumas vantagens: 1) encorajar a realização de investimentos destinados a aumentar a produtividade; 2) favorecem o incremento da produção e o desenvolvimento das atividades rurais; 3) beneficiam o consumidor, seja pela regularidade do abastecimento, seja pela redução de custos decorrente dos ganhos de produtividade; 4) evitam problemas sociais e políticos inerentes às flutuações acentuadas dos preços e de abastecimento de alimentos e; 5) aumentam a confiança dos financiadores quanto à capacidade de pagamento do produtor. Porém, há críticas também: 1) afetam a adequada alocação dos recursos, por interferir no seu movimento entre setores agrícolas e não agrícolas; 2) obscurecem os sinais de mercado, que deveria guiar e banalizar o curso da produção agrícola; 3) no caso de produtos exportáveis, podem torná-los gravosos, exigindo subsídios para manter a competitividade e; 4) afetam negativamente as tendências de longo prazo da economia rural. A idéia geralmente aceita é a de que alguma forma de intervenção governamental é indispensável para estabilizar a renda do produtor rural, diante da justificativa de que o mercado não aloca eficientemente os fatores de produção e os recursos produtivos do setor, e de que o mercado não aloca eficientemente os fatores de produção quanto o risco é muito elevado, como é o caso da agricultura. 96 Nóbrega (1985, p. 28-36) caracteriza essa ação como forma de apoio governamental que leva em conta, de um modo geral, a maior ou menor parcela dos produtores rurais que não conseguem ter acesso às operações de crédito do sistema financeiro privado, seja pela baixa capilaridade da rede de agências, seja pelo maior risco associado às operações de financiamento à agricultura em determinadas regiões ou em certos tipos de atividades. Além disso, o sistema bancário privado dificilmente se engajaria na assistência creditícia de prazo mais longo ao produtor rural, nem seria capaz de beneficiar o agricultor de baixa renda. Para que isso ocorra o esforço governamental é de criar e manter sistemas específicos de crédito à agricultura, através de agências oficiais, privadas ou mistas.

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e da formação profissional [...] e responder pela própria formação da renda do setor”.

Ainda, segundo Souza (1999, p. 269) os governos dos países desenvolvidos têm interferido

intensamente na agricultura, tanto pelo forte lobby dos agricultores, como para obter a

estabilização dos preços de alimentos básicos, atingir a auto-suficiência na produção

doméstica de algum bem e implantar infra-estrutura no meio rural, para aumentar a

produção.

A fim de coordenar os diversos setores e maximizar os benefícios e reduzir os

conflitos, torna-se necessária a participação do Estado na formulação de políticas agrícolas,

industriais e de desenvolvimento regional. Tais políticas precisam apresentar-se

coordenadas entre os diferentes órgãos do Estado, ser bem definidas, coerentes e apresentar

continuidade, sobrevivendo aos governos que se sucedem. Segundo Souza (1999, p. 294)

“as políticas agrícolas não podem sofrer descontinuidade, para não reduzir o nível de oferta,

o que se refletiria negativamente no conjunto da economia, dadas as interdependências

existentes”.

Segundo Inocêncio97, nos países subdesenvolvidos a agricultura foi transformada

em instrumento de desenvolvimento, de apoio ao processo de industrialização, e de

substituição às importações. Para exemplificar os aspectos destacados pela a autora sobre a

atuação do Estado no campo das políticas públicas para agricultura, ilustra-se com

exemplos do caso brasileiro. No Brasil, as políticas adotadas para influir nesse processo

apoiaram-se no reforço e expansão da infra-estrutura, principalmente na construção de

estradas, na ampliação da capacidade de armazenagem, na criação e aumento de serviços de

extensão rural, na melhora do sistema de crédito e, subsídios à importação de insumos e

equipamentos. Para isso, o Estado brasileiro adotou uma séria de ações que visaram

modernizar a estrutura produtiva a fim de que esta fosse capaz de garantir a produção de

alimentos e matérias primas necessárias ao processo de expansão da economia nacional.

Por exemplo, na produção de políticas públicas para agricultura, a atuação do

Estado brasileiro construiu instituições de pesquisa como a Empresa Brasileira de Pesquisa

97 INOCÊNCIO, Maria Erlan. As Políticas Públicas para a Agricultura e a Incorporação do Cerrado – o Prodecer. Cibergeo. Disponível em <http://www.cibergeo.org/agbnacional/VICBG-2004/Eixo1/e1%20421.htm > .Acessado em: 20 out 2004.

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Agropecuária (EMBRAPA98), referência internacional na área e financiada em sua quase

totalidade por recursos públicos. A criação de cursos técnicos e superiores em agricultura é

outro exemplo significativo. As políticas de preço mínimo para os produtos agrícolas, o

financiamento estatal para que os agricultores possam efetuar o plantio das safras agrícolas,

os subsídios para a compra de equipamentos e adoção de tecnologias, os programas de

apoio, fiscalização e controle da sanidade vegetal e animal via laboratórios instalados em

todos os estados da federação constituem em exemplos da intervenção estatal no setor.

Ainda, o Estado atua no treinamento de agricultores, programas de reforma agrária

financiadas com recursos públicos, apoio a industrialização e modernização do setor de

agroindústrias, ações de negociação internacional para colocar produtos agropecuários no

mercado externo e tantos outros exemplos.

Para concluir esta parte do trabalho, observa-se que o Estado foi ampliando sua

intervenção na economia ao implementar ações, principalmente, via políticas públicas. Nos

países desenvolvidos, uma das razões para a intervenção do setor público na economia se

assenta sobre a crise que abalou o mundo em 1929. A descrença nas teses liberais de ajuste

98 A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foi criada em 26 de abril de 1973. Sua missão é viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável do espaço rural, com foco no agronegócio, por meio da geração, adaptação e transferência de conhecimentos e tecnologias, em benefício dos diversos segmentos da sociedade brasileira. A Embrapa atua por intermédio de 37 Centros de Pesquisa, três Serviços e 11 Unidades Centrais, estando presente em quase todos os Estados da Federação, nas mais diferentes condições ecológicas. Para chegar a ser uma das maiores instituições de pesquisa do mundo tropical, a Empresa investiu, sobretudo, no treinamento de recursos humanos, possuindo, hoje, 8.619 empregados, dos quais 2.221 são pesquisadores, 45% com mestrado e 53% com doutorado, operando um orçamento da ordem de R$ 660 milhões anuais. Está sob a sua coordenação o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária - SNPA, constituído por instituições públicas federais, estaduais, universidades, empresas privadas e fundações, que, de forma cooperada, executam pesquisas nas diferentes áreas geográficas e campos do conhecimento científico. Tecnologias geradas pelo SNPA mudaram a agricultura brasileira. Um conjunto de tecnologias para incorporação dos cerrados no sistema produtivo tornou a região responsável por 40% da produção brasileira de grãos, uma das maiores fronteiras agrícolas do mundo. A soja foi adaptada às condições brasileiras e hoje o País é o segundo produtor mundial. A oferta de carne bovina e suína foi multiplicada por 3 vezes enquanto que a de frango aumentou 10 vezes. A produção de leite aumentou de 7,9 bilhões em 1975 para 21 bilhões de litros, em 2002 e a produção brasileira de hortaliças, elevou-se de 9 milhões de toneladas, em uma área de 700 mil hectares, em 1980, para 15,7 milhões de toneladas, em 806,8 mil hectares, em 2002. Além disso, programas de pesquisa específicos conseguiram organizar tecnologias e sistemas de produção para aumentar a eficiência da agricultura familiar e incorporar pequenos produtores no agronegócio, garantindo melhoria na sua renda e bem-estar. Na área de cooperação internacional, a Empresa mantém 275 acordos de cooperação técnica com 56 países e 155 instituições de pesquisa internacionais, envolvendo principalmente a pesquisa em parceria. Para ajudar neste esforço, a Embrapa instalou nos Estados Unidos e na França, com apoio do Banco Mundial, laboratórios para o desenvolvimento de pesquisa em tecnologia de ponta. Esses laboratórios contam com as bases físicas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, em Washington, e da Agrópolis, na Universidade de Montpellier, na França, permitindo o acesso dos pesquisadores à mais alta tecnologia em áreas como recursos naturais, biotecnologia, informática e agricultura de precisão (<http:// www.embrapa.br>).

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automático dos mercados levou muitos economistas, tendo em Keynes seu maior expoente,

a repensarem o papel político e econômico do Estado. Já no contexto dos países

subdesenvolvidos observa-se a necessidade de viabilizar um processo de industrialização

que, mesmo baseado na substituição das importações, levou o Estado a direcionar para a

agricultura boa parcela dos investimentos para que este setor conseguisse contribuir com o

financiamento do processo de industrialização, produzindo bens para o mercado interno e

externo e com isto garantir divisas para financiar a importação dos bens industriais

necessários, além de liberar mão-de-obra para a indústria.

Tal situação é explicada pela extrema importância da agricultura nos primeiros

estágios do desenvolvimento das nações, momento em que se torna essencial aumentar as

taxas de crescimento da produção agrícola. Isso é necessário, pois em decorrência de

avanços do desenvolvimento, passa a existir um sensível crescimento demográfico que

resulta numa maior demanda de alimentos, exigindo a expansão da produção agrícola.

Dessa forma, se o setor agrícola não se expandir no mesmo ritmo da demanda, poderão

ocorrer aumentos de preços, o que vai gerar pressão sobre os salários e descontentamento

social. Este efeito inflacionário é totalmente prejudicial para os países que estão no estágio

inicial de desenvolvimento, pois neste estágio o custo de alimentação é dominante no

orçamento dos consumidores (NEGROMONTE, 2004).

Portanto, o capítulo apresentado, destacou os aspectos sobre a atuação do Estado

na criação, formulação e implementação de políticas públicas para a agricultura. Decorrente

das argumentações apresentadas, o Estado vem constantemente revendo o seu papel

enquanto gestor da economia e produzindo ações direcionadas segundo determinados

interesses sociais. Na atualidade, esta questão está assumindo um novo estágio de

complexidade em função dos processos de globalização e de integração. Decorrentes destes

aspectos, novas competências são suscitadas aos Estados. Ao mesmo tempo em que são

instados a produzir políticas públicas de estímulo e sua harmonização a nível interno, a

complexa dinâmica externa se instala e passa a exigir novas atribuições dos entes públicos

nacionais. Estes aspectos são observados em seguida ao tratar-se das políticas públicas para

agricultura no âmbito da integração tanto no Mercosul como na União Européia.

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3 A SITUAÇÃO DA POLÍTICA AGRÍCOLA NO MERCOSUL

No quadro atual em que se encontra a estrutura e a figura estatal no âmbito

internacional, é importante salientar novamente que o Estado, como ator político

internacional, continua tendo seu papel principal como negociador e interlocutor de

políticas públicas e como condutor dos processos de integração. Segundo Magnoli (1997, p.

11) a figura do Estado nacional está viva, justamente por revitalizar as necessidades postas

por uma economia cada vez mais global. Tal argumento assume que somente o Estado

nacional gera a coesão popular que legitima os governos o que pode ser caracterizado como

uma das variantes do nacionalismo99.

Assim, no contexto deste trabalho, em que se procura identificar como os órgãos

responsáveis do Mercosul e da União Européia conduzem suas respectivas políticas

agrícolas, o conceito de integração, bloco sócio econômico100, organizações

internacionais101, Estado, políticas públicas e políticas agrícolas tornam-se importantes.

Dessa forma, resgata-se que, ao mesmo tempo em que a atuação dos Estados continua

sendo importante, outros atores internacionais102 vêm assumindo algumas competências

específicas nas relações internacionais. Com isso, os blocos econômicos, através das

instâncias competentes, vêm assumindo o encargo de negociar com outros atores da

comunidade internacional uma série de acordos de interesses dos Estados Membros dos

blocos. É o que se observa nas negociações entre o Mercosul e a União Européia no que

tange ao Acordo Quadro Inter-Regional de Cooperação.

99 “O Estado-Nação é o lugar onde as pessoas se sentem ligadas por um vínculo natural, como a língua ou a religião compartilhadas, ou alguma outra coisa forte o suficiente para mantê-las unidas e sentindo-se diferentes e outros povos [...]. O Estado-Nação é a política na primeira pessoa do plural. O seu governo pode falar pelo povo [...]. Ele procede da nação” (The Economist, 23.12.1995 apud MAGNOLI, 1997, p. 11). O nacionalismo é justamente esse poder coesivo e legitimador. 100 São constituídos, em geral, de países vizinhos, que estabelecem relações comerciais privilegiadas entre si e atuam de forma conjunta no mercado internacional. À dimensão geográfica se somam as empresas e bancos multinacionais que também agem acima dos interesses de um único país. 101 São associações voluntárias entre Estados, constituída através de um tratado que prevê um aparelhamento institucional permanente e uma personalidade jurídica distinta dos Estados que a compõem, com o objetivo de buscar interesses comuns, através da cooperação entre seus membros (Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados, art 2 apud SEITENFUS, 1997, p. 27). 102 São considerados atores internacionais: Estados, organismos internacionais governamentais e não-governamentais, empresas, etc.

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Feitas as observações iniciais, o objetivo principal desse capítulo é descrever a

política agrícola no Mercosul, para que no capítulo seguinte possa ser abordada a política

agrícola desenvolvida pela União Européia. Para tanto será necessário fazer uma

abordagem histórica do processo de integração do bloco, assim como do papel das políticas

públicas e políticas comuns no que tange a esse setor da atividade econômica.

Nota-se de início o que Ferri (2003, p. 10) observa. Esta autora diz que a

diferenciação fundamental entre a Comunidade Européia e a América do Sul, mais

propriamente no caso do Mercosul, se dá justamente na atuação dos Estados no processo de

desenvolvimento. Assim, enquanto na Europa grande parte das ações em direção à busca de

um maior desenvolvimento dos Estados Membros se dá na esfera supranacional, através de

políticas públicas comuns (decorrência de uma integração consolidada), na América do Sul

todo esse processo de desenvolvimento tem como principal suporte as atuações nacionais,

em razão das deficiências na atuação de instituições interestatais. Decorrente da

argumentação da autora citada observa-se, inicialmente, a evolução da política agrícola no

Mercosul preferencialmente nos marcos de atuação dos Estados nacionais.

3.1 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO NA AMÉRICA

LATINA

Diante do contexto mencionado, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) se

apresenta, na atualidade, como a forma mais avançada de se estabelecer negociações

internacionais acerca das tentativas de integração na América do Sul. Nesse sentido, busca-

se compreender o surgimento do Mercosul pelo exame do processo de integração a partir

do resgate histórico das relações entre os países da região no período anterior à composição

do bloco. Aborda-se ainda a formação do bloco pelo exame dos tratados constituintes. No

mesmo sentido, descreve-se o funcionamento e a organização do Mercosul a partir das

instituições que foram sendo criadas pelos Estados Membros para viabilizar o bloco no

sentido jurídico, político e econômico.

Após a descrição e caracterização do Mercosul as discussões deste ponto do

capítulo incorporam a dimensão da atuação do bloco no campo de políticas agrícolas. Para

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isso é necessário esclarecer que no caso do Mercosul os Estados-Membros podem ser

considerados os principais organizadores da esfera internacional dentro da área de

abrangência na América do Sul, sendo assim, serão considerados os atores orientadores das

políticas públicas tanto a nível nacional como nos processos de integração.

O Mercosul, apesar de jovem, é o resultado de um lento processo de

amadurecimento histórico que, ao longo do tempo, levou seus países membros a substituir

o conceito de conflito pelo ideal de integração. A primeira tentativa de integração latino-

americana, ainda na primeira metade do século XIX, se deve ao esforço de Simón Bolívar,

personagem histórico que pensava uma América Latina unida e livre. Entretanto a

diversidade de situações e o jogo de interesses retalharam-na em vários países. Tal aspecto

pode ser observado pelo levantamento de uma situação histórica:

Quando Bolívar convocou o Congresso do Panamá, em 1826, já se preocupava com a profunda influência estrangeira, sobretudo da Inglaterra e dos Estados Unidos, na vida continental. Dificultado ou mesmo impedido pelas principais nações americanas, Bolívar assistiu decepcionado esvaziarem-se seu projeto e seu prestígio. Nas décadas seguintes, ocorreram movimentos infrutíferos, isto é, que não deram resultados. As fronteiras passaram a mover-se não no sentido da integração, mas no dos interesses de dominação dos países mais poderosos. Inúmeras guerras, patrocinadas por interesses longínquos, provocaram distanciamentos maiores entre os países103 (ADAS, 1999).

A idéia de uma América Latina unida, proposta por Simon Bolívar, não foi

adiante. O que se teve, contudo, foram tentativas isoladas de algumas formas de integração

como as representadas pela ALALC e ALADI104 conduzidas por uma proposta voluntarista

e romântica dos Estados latino americanos que, mesmo implementando as instituições

necessárias para levar o processo adiante, não avançaram o suficiente. Com isso, pode-se

apontar que o Mercosul é uma das primeiras iniciativas razoavelmente bem sucedidas de

integração na América do Sul.

103 A cronologia do período é marcada pelo acúmulo de episódios envolvendo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A Guerra Cisplatina, a independência da República Oriental do Uruguai, Grande Guerra Uruguaia, a Revolução Farroupilha, a disputa entre unitários e federalistas na Argentina, a Guerra do Paraguai: alianças, intervenções e conflitos que forjaram o contexto histórico de formação dos Estados nacionais platinos (<http://www.mercosul.gov.br>). 104 Sobre a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e a Associação Latino-Americana de Integração e Desenvolvimento (ALADI), estas serão tratadas com mais detalhes no decorrer deste capítulo.

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A formação do Mercosul passa a acontecer com a maior aproximação entre o

Brasil e Argentina em meados dos anos oitenta. Naquele contexto, os dois países buscavam

superar a rivalidade e a desconfiança histórica, bastante tumultuada que teve início ainda

durante o período colonial, passando pelo Império e república105 motivadas pela disputa do

título de potência hegemônica na América do Sul. Na base desta relação destacavam-se os

conflitos pela região da Bacia do Prata106 decorrente das ações para demarcação dos

territórios nacionais e áreas de influência (MAGNOLI,1999).

Já no século XX, em plena Segunda Guerra Mundial, Brasil e Argentina

ensaiaram pela primeira vez (1941) medidas concretas visando à criação de uma União

Aduaneira entre suas economias. O projeto não avançou em virtude de “diferenças [e

dificuldades] políticas e diplomáticas que se manifestam entre os dois países depois do

ataque japonês a Pearl Harbor, e de tomadas de posição distintas no que se referem à

atitude em relação às potências do Eixo” (ALMEIDA, 1993 apud PABST, 1997, p. 08).

Segundo Barbosa (1991), podemos dividir em duas etapas distintas a integração

da América do Sul. A primeira, chamada de fase romântica, inicia-se em fins dos anos 50,

atravessa os anos 60 e 70, terminando em meados dos anos 80. A segunda fase, chamada de

pragmática, começou a partir de 1985 e continua até os dias atuais. Com base nas idéias do 105 Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Júnior), professor, político, jornalista, diplomata, historiador, biógrafo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 20 de abril de 1845, e faleceu na mesma cidade, em 10 de fevereiro de 1912. Era filho de José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, figura ímpar de estadista, que elevou o nome do Brasil no seu tempo. Em 1893, Floriano Peixoto escolheu Rio Branco para substituir o Barão Aguiar de Andrade, falecido no desempenho da missão encarregada de defender os direitos do Brasil sobre o território das Missões. Em 1898, Rio Branco foi encarregado de resolver outro importante assunto diplomático: a questão do Amapá. Em 31 de dezembro de 1900 foi nomeado ministro plenipotenciário em Berlim. Em 1902 foi convidado pelo presidente Rodrigues Alves a assumir a pasta das Relações Exteriores, na qual permaneceu até a morte, em 1912. Logo no início de sua gestão, defrontou-se com a questão do Acre, território fronteiriço que a Bolívia pretendia ocupar, solucionando-a pelo Tratado de Petrópolis. A seguir, encetou negociações com outros países limítrofes cujas fronteiras com o Brasil suscitavam questões litigiosas. Em 1901, a questão da Guiana Inglesa foi resolvida. Veio, depois, uma série de tratados memoráveis: em 1904, com o Equador; em 1906, com a Guiana Holandesa; em 1907, com a Colômbia; em 1904 e 1909, com o Peru; em 1910, com a Argentina. Ficavam definidos, de um modo geral, os contornos do território brasileiro, assim como, com pequenas alterações, ainda hoje subsistem. Além da solução dos problemas de fronteira, Rio Branco lançou as bases de uma nova política internacional, adaptada às necessidades do Brasil moderno. Foi, nesse sentido, um devotado pan-americanista, preparando o terreno para uma aproximação mais estreita com as repúblicas hispano-americanas e acentuando a tradição de amizade e cooperação com os Estados Unidos. Ao se fundar a Academia, em 1897, Rio Branco se encontrava ausente do país. Talvez por essa razão não foi ele um dos fundadores da casa. Seu nome esteve, entretanto, desde logo lembrado para uma das vagas que ocorressem. Em 1898, ocorria o falecimento de Pereira da Silva. Rio Branco foi eleito para essa vaga. Foi o segundo acadêmico eleito (o primeiro foi João Ribeiro), mas não chegou a tomar posse (<http://www.academia.org.br>). 106 A Bacia do Prata é a segunda maior bacia da América do Sul. Foi alvo de disputas pelos países da América Latina pelo seu potencial hidrelétrico, além de fornecer trechos importantes para a navegação.

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autor citado, destacam-se os principais aspectos de cada uma das duas etapas no que tange

aos elementos que podem contribuir para explicar a evolução do processo de integração.

Na fase romântica, as ações e políticas estatais relacionadas à integração, segundo

Barbosa (1991) visavam alcançar o estágio de um mercado comum latino-americano.

Contudo, as ações iniciais estavam baseadas num voluntarismo generalizado. Tal situação

se explica pelas características do passado colonial e da estrutura econômica produzida

pelas relações dos países sul-americanos com o ambiente internacional. Este período foi

caracterizado por políticas de desenvolvimento baseadas tanto no mercado interno, como

por aberturas comerciais.

A fase pragmática surge em condições estruturais completamente diferentes das

existentes na fase romântica. Barbosa (1991, p. 65-66), explica que

[...] com a crise da balança de pagamentos e o esgotamento do modelo de substituição de importações, as políticas de importação da América Latina passaram por uma liberalização progressiva [...]. A quase totalidade dos países latino-americanos iniciou uma abertura setorial ao exterior que respondia ao imperativo de premiar a eficiência e a competitividade como o melhor caminho para o aprimoramento tecnológico e para o desenvolvimento. A própria noção de nacionalismo passou a aceitar, gradualmente, uma acepção renovada: em lugar de favorecer as tendências autonomistas do Estado, a defesa dos interesses nacionais passou a privilegiar a criação de condições de competição, de educação, capacitação tecnológica e científica e controle das práticas que distorcem ou anulam a competitividade.

Pela citação de Barbosa, observa-se que os Estados da região tiveram que se

adaptar às mudanças. Por exemplo, as diferenças quanto do período dos regimes

autoritários foram sendo reduzidas quando governos democráticos passaram serem a

maioria no continente. Com isso, as atitudes defensivas e de desconfiança passaram a ser

suplantadas por atitudes de aproximação e cooperação. Neste momento (1985-1986)

inaugura-se uma nova fase, que segundo Barbosa (1991) é de intensos contatos de alto

nível. Ou seja, interrompe-se uma linha tradicional de relacionamentos formais,

estimulados pelos contatos pessoais da chamada diplomacia presidencial.

Na chamada fase romântica, a integração Latina Americana só adquire força com

a criação da Comissão das Nações Unidas para a América Latina (CEPAL), em 1948 pelo

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Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC)107. A CEPAL estabeleceu

como objeto de deliberação a criação de uma união aduaneira latino-americana. Durante a

década de 1950, esse organismo e seu diretor, o economista argentino Raúl Prebisch108,

tornam-se os maiores defensores de um processo de união econômica e comercial entre os

países latino-americanos, preconizando a forma ideal para se atingir o pleno

desenvolvimento regional dentro do modelo de substituição de importações então

prevalecente.

No final da década de 50, a América Latina passava por um período de desalento

e de redução da taxa de desenvolvimento. Passou também por grandes dificuldades para

equilibrar a sua balança de pagamentos, assim como sua balança comercial. Os ganhos com

as exportações reduziram-se de forma significativa com a deterioração dos preços das

matérias-primas (BARBOSA, 1991). Assim, no final da referida década, representantes da

Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, abordaram estudos em curso sobre a criação de um

Mercado Comum Latino-Americano e preconizaram a adoção, pelos quatro países, de uma

política de liberação progressiva de seu comércio recíproco

(<http://www.eclac.cl/brasil>109).

Ainda, num primeiro momento, a CEPAL110 foi criada para coordenar as políticas

direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico latino-americano. As ações que

107 A CEPAL é uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU). No exercício de suas atividades, a Comissão coopera com os governos dos países-membros da ONU e organismos especializados das Nações Unidas, tais como a FAO, a OPS/OMS, a OIT, a OMI, a UNESCO, a ONUDI, a UNCTAD, o UNICEF, o PNUD, o FNUAP, o PNUMA, o CNUAH (Habitat) o INSTRAW, o FMI e o Banco Mundial. Mantém uma estreita colaboração e coordenação com organizações regionais, tais como o BID, a OEA, a FLACSO, o SELA e a OLADE. Colabora também com universidades, instituições acadêmicas e organismos não governamentais da região e de fora dela, assim como, mantém um diálogo freqüente com organizações sindicais e empresariais (<http://www.eclac.cl/brasil>). 108 Raúl Prebisch foi um dos mais importantes economistas argentinos do século 20, entrou para a história como autor da teoria da dependência - que lançou a idéia de países centrais, que eram abastecidos com matérias-primas por países periféricos (Homenagem a Raúl Prebisch por Celso Furtado, Jornal do Brasil, 1986). Foi o primeiro secretário-geral da CEPAL e primeiro secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). 109 <http://www.eclac.cl/brasil> é o site oficial da Comissão das Nações Unidas para a América Latina chileno. 110 Todos os países da América Latina e do Caribe são membros da CEPAL, junto com algumas nações desenvolvidas, tanto da América do Norte como da Europa, que mantêm fortes vínculos históricos, econômicos e culturais com a região. No total, os Estados membros da Comissão são 41, e 7 membros associados, condição jurídica acordada para alguns territórios não-independentes do Caribe. Os Estados Membros são: Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica, Equador, El Salvador, Espanha, Estados Unidos da América, França, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Itália, Jamaica, México, Nicarágua, Países Baixos, Panamá, Paraguai, Peru,

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foram encaminhadas para sua promoção e reforçar as relações econômicas entre os países

da área, e com as demais nações do mundo. Atualmente, a comissão é encarregada de

colaborar com seus Estados Membros na análise dos processos de desenvolvimento,

incluindo a formulação, avaliação de políticas públicas e na prestação de serviços

operacionais nos campos da informação especializada, assessoramento, capacitação e apoio

à cooperação e coordenação regional e internacional111 (<http:// www.eclac.cl/brasil>).

Esther Bueno Soares (1997, p. 19) diz que Brasil, Argentina, Chile e Uruguai,

apoiados pela CEPAL, estudaram estabelecer uma Zona de Livre Comércio112 (ZLC) no

que chamariam de Cone Sul. Foi nessa ocasião que projetaram um Tratado para a formação

de um Mercado Comum para a América Latina. Esse Tratado constitui bases para o

posterior Tratado de Montevidéu de 1960.

3.1.1 Antecedentes Remotos do Processo de Integração do Mercosul

Como resultado dessa nova disposição regional foi criada pelo Tratado de

Montevidéu (TM-60), em 1960, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio

(ALALC). O TM-60 foi assinado por Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai.

Mais tarde juntaram-se Colômbia e Equador (1961), Venezuela (1966) e Bolívia (1967)

(KUNZLER, 2001, P. 88). Esta organização configura-se como um instrumento de

multilateralização do comércio regional. Através de rodadas periódicas de negociação

baseadas na reciprocidade de concessões definidas com base em listas nacionais de ofertas,

a ALALC previa a liberalização do comércio de bens na região num prazo de 12 anos, após

a implantação de uma zona de livre comércio (SOARES, 1997). Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Dominicana, Santa Lúcia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Os Estados Membros associados são: Anguila, Antilhas Holandesas, Aruba, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgens dos Estados Unidos, Montserrat e Porto Rico (<http://www.eclac.cl/brasil>). 111 Nos anos recentes, a CEPAL tem se dedicado particularmente ao estudo dos desafios que propõem a necessidade de retomar o caminho do crescimento sustentado, assim como a consolidação de sociedades plurais e democráticas. No marco da proposta geral, conhecida como transformação produtiva com eqüidade, foram consideradas questões tais como o papel da política social; o tratamento dos aspectos ambientais e os demográficos e a estratégia educativa; a necessidade do progresso técnico para inserir-se de maneira competitiva no âmbito global, consolidar a estabilidade das economias da região e dinamizar seu processo de expansão (<http://www.eclac.cl/brasil>). 112 O conceito de Zona de Livre Comércio foi comentado no capítulo primeiro deste estudo (p. 22).

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Kunzler (2001, p. 88-89) aponta como principais objetivos da ALALC a “criação

de um mercado comum latino-americano; o estabelecimento de uma zona de livre

comércio; a promoção do desenvolvimento econômico e social; a coordenação de políticas

em finanças, o comércio exterior, a agricultura113 e questões monetárias; a expansão do

intercâmbio e complementação econômica e o tratamento favorável aos países de menos

desenvolvimento econômico relativo [...]”. A idéia principal de criação de um mercado

comum regional teve seu prazo prorrogado para 20 anos, através do Protocolo de Caracas

(Kunzler, 2001, p. 89). Dessa forma, a ALALC objetivava eliminar até 1980, o maior

número possível de restrições comerciais (não tarifárias) existentes entre os países

membros e a ampliação dos mercados com a liberalização do intercâmbio.

Ainda com base em Kunzler (2001), o autor coloca como principal frustração e

causa de possíveis conflitos no funcionamento da ALALC a pouca flexibilidade do seu

Tratado, assim como a falta de adesão do setor privado e o autoritarismo político dos

regimes emergentes114. Outra dificuldade seria a falta de dinamismo por parte de seus

113 Capítulo VII do Tratado de Montevidéu (TM-60) coloca como disposições especiais sobre agricultura: Artigo 27: As Partes Contratantes procurarão coordenar suas políticas de desenvolvimento agrícola e de intercâmbio de produtos agropecuários com o objetivo de alcançar o melhor aproveitamento de seus recursos naturais, elevar o nível de vida da população rural e garantir o abastecimento normal em benefício dos consumidores sem desarticular as produções habituais de cada Parte Contratante. Artigo 28: Dentro do período a que se refere o Artigo 2, qualquer Parte Contratante poderá aplicar, em forma não discriminatória, ao comércio de produtos agropecuários de considerável importância para sua economia, incorporados ao programa de liberação, e sempre que não signifiquem diminuição de seu consumo habitual, nem incremento de produções anti-econômicas, medidas adequadas destinadas a: a) limitar as importações ao necessário para cobrir os déficits de produção interna; e b) nivelar os preços do produto importado aos do produto nacional. A Parte Contratante que decida adotar tais medidas deverá levá-las ao conhecimento das outras Partes Contratantes, antes de sua aplicação. Artigo 29: Durante o período fixado no Artigo 2, procurar-se-á alcançar a expansão do comércio de produtos agropecuários da Zona, entre outros meios, por acordos entre as Partes Contratantes destinados a cobrir os déficits das produções nacionais. Para esse fim, as Partes Contratantes darão prioridade aos produtos originários dos territórios de outras Partes Contratantes, em condições normais de concorrência tomando sempre em consideração as correntes tradicionais do comércio intrazonal. Quando esses acordos se realizarem entre duas ou mais Partes Contratantes as demais Partes Contratantes deverão ser informadas antes da entrada em vigor desses acordos. Artigo 30: As medidas previstas neste Capítulo não deverão ser utilizadas para obter a incorporação de recursos à produção agropecuária que signifiquem uma diminuição do nível médio de produtividade preexistente, na data da entrada em vigor do presente Tratado. Artigo 31: No caso em que uma Parte Contratante se considere prejudicada pela diminuição de suas exportações, como conseqüência da redução do consumo habitual do país importador resultante das medidas indicadas no Artigo 28 e/ou do incremento antieconômico das produções a que se refere o artigo anterior, poderá recorrer aos órgãos competentes da Associação, a fim de que estes examinem a situação apresentada e, se for o caso, formulem as recomendações para que se adotem as medidas adequadas, as quais serão aplicadas de acordo com o disposto no Artigo 12. 114 Vários fatores impediram a ALALC de cumprir sua meta ambiciosa. Destacam-se alguns: a existência de uma cláusula de nação mais favorecida regional no TM-60, que forçava um país a estender a todos os países da ALALC preferências concedidas a um país-membro da associação; a essência paradoxal da proposta: políticas nacionais de desenvolvimento autárquico e integração regional; a rigidez dos mecanismos

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membros e as diferenças estruturais entre eles. No mesmo sentido também Barbosa (1991,

p. 60) acrescenta que houveram dificuldades práticas vinculadas à natureza multilateral das

negociações, pois muitos dos objetivos estabelecidos no Tratado eram ambiciosos demais,

isso tudo aliado à oposição do setor privado e a problemas de natureza política115. Os

ambiciosos objetivos da ALALC, realçados pela vastidão dos espaços geográficos que

recobria, chocaram-se com as desigualdades econômicas internas de cada nação116.

Em meados da década de 1970, verificou-se o esgotamento do sistema

preconizado pela ALALC, fazendo com que o ideal integracionista ganhasse nova força.

Assim, foi criado em 1975 o Sistema Econômico Latino-Americano117 (SELA), entidade

integrada por todos os países latino-americanos, inclusive Cuba. No âmbito do SELA

voltam a deliberar os 11 sócios fundadores da ALALC, juntamente com outros países118, a

respeito dos rumos da integração regional. Naquela ocasião decidiram adotar nova

sistemática que se consubstanciaria no Tratado de Montevidéu de 1980 (TM-80119),

assinado em agosto daquele ano.

estabelecidos para a liberalização comercial (chegar ao mercado comum passando por uma zona de livre comércio); a prática da política de substituição de importações pelos países da região mediante a aplicação de tarifas elevadas e; instabilidade política na região (preocupações de ordem estratégico-militar e clima de permanente "desconfiança" entre países fronteiriços) (<http://www.mercosul.gov.br>). 115 Os problemas eram percebidos pelos países de desenvolvimento intermediário e de menor desenvolvimento relativo. Para países como Brasil, Argentina e México, o Tratado era visto como um mecanismo de liberalização de comércio, sendo um instrumento para complementar suas economias (BARBOSA, 1991, p. 60). 116 As divergências entre os três países de grande influência (Brasil, Argentina e México) e os outros integrantes, sabotaram as metas de integração. Ao mesmo tempo, a própria ênfase generalizada dos países latino-americanos nos mercados internos e nas políticas das substituições de importações limitou o potencial de crescimento do comércio na área da ALALC. 117 Segundo Seitenfus (1997, p. 205) o Sistema Econômico latino-americano (SELA) foi criado através do Tratado do Panamá firmado em 17 de outubro de 1975. Deste sistema faziam parte vinte e cinco países da América Latina. Seu objetivo era promover a cooperação buscando um desenvolvimento autosustentado e autônomo da região. Com sede em Caracas, o SELA promove reuniões e divulga informações objetivando ajustar as posições econômicas entre os países membros no âmbito das organizações internacionais, como as Nações Unidas. O SELA pode ser definido como uma clássica organização de coordenação, dotada de escassa estrutura institucional. Seu órgão é o Conselho Latino Americano, no qual cada Estado Membro é representado e suas decisões possuem um caráter de simples aconselhamento. Possui também uma Secretaria, encarregada de organizar as reuniões do Conselho e de fornecer o suporte administrativo à instituição. Ela é secundada por Comitês de Ação que foram criados para aprofundar estudos e acompanhar as iniciativas em campos distintos aos estritamente econômicos. 118 São os seguintes países membros da SELA: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Trinidad y Tobago, Uruguai e Venezuela. 119 O TM-80 preservou marcada ênfase comercialista, mantendo como instrumento de geração e desvio de comércio a negociação de margens de preferências e a eliminação de restrições não tarifárias que demonstraram ser claramente insuficientes, ao longo de vinte anos, para estimular o comercio intra-regional (BARBOSA, 1991, p. 64).

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Neste contexto, em 12 de agosto de 1980, foi criada pelo Tratado de Montevidéu,

a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), sucessora da ALALC. A

Associação tem “[...] como objetivo de longo prazo o estabelecimento, em forma gradual e

progressiva, de um mercado comum latino-americano” (artigo 1º do TM-80), mediante a

concessão de preferências tarifárias dos acordos regionais de alcance parcial. Seitenfus

(1997) diz que “a nova organização recolhe os ensinamentos da anterior e propõe uma

pauta modesta, porém objetiva e pragmática120”. Segundo Barbosa (1991, p. 63), “esta

Associação herdou um patrimônio histórico de negociações comerciais, bem como muitas

inibições que não puderam ser superadas nos últimos dez anos121”. Sua finalidade é o

comércio intra-regional, a promoção e regulamentação do comércio recíproco, através de

acordos bilaterais, a complementação econômica e o estabelecimento de modo gradual e

progressivo de um mercado comum latino-americano.

O novo Tratado repousa, segundo seu artigo 3º, nos seguintes princípios:

pluralismo em matéria política e econômica, convergência progressiva de ações parciais

para a criação de um mercado comum latino-americano, flexibilidade, tratamentos

diferenciais com base no nível de desenvolvimento dos países-membros e multiplicidade

nas formas de ajustes de instrumentos comerciais122. Ainda sobre este aspecto, Magnoli e

Araújo (1996, p. 25) colocam que

120 A ALADI segundo Seitenfus (1997) será tão somente uma associação de Estados soberanos e não mais uma área que pretende transformar-se em zona de livre comércio. 121 Segundo dados do site oficial da ALADI (www.aladi.org), a Associação congrega uma população com mais de 430 milhões de habitantes representando, em conjunto, 20 milhões de quilômetros quadrados, formando um PIB de US$ 1,66 trilhão, gerando exportações no valor de US$ 235 bilhões e importações que alcançam os US$ 225 bilhões 122 O artigo terceiro do TM-80 dispõe que: na aplicação do presente Tratado e na evolução para seu objetivo final, os países-membros levarão em conta os seguintes princípios: a) o pluralismo, sustentado na vontade dos países-membros para sua integração, acima da diversidade que em matéria política e econômica possa existir na região; b) a convergência, que se traduz na multilateralização progressiva dos acordos de alcance parcial através de negociações periódicas entre os países-membros, em função do estabelecimento do mercado comum latino-americano; c) a flexibilidade, caracterizada pela capacidade para permitir a celebração de acordos de alcance parcial, regulada de forma compatível com a consecução progressiva de sua convergência e pelo fortalecimento dos vínculos de integração; d) tratamentos diferenciais, estabelecidos na forma que em cada caso se determine, tanto nos mecanismos de alcance regional como nos de alcance parcial, com base em três categorias de países que se integrarão levando em conta suas características econômico-estruturais. Esses tratamentos serão aplicados em determinada magnitude aos países de desenvolvimento médio e de maneira mais favorável aos países de menor desenvolvimento econômico relativo e; e) múltiplo, para possibilitar distintas formas de ajustes entre os países-membros, em harmonia com os objetivos e funções do processo de integração, utilizando todos os instrumentos capazes de dinamizar e ampliar os mercados a nível regional.

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[...] o novo tratado tem metas menos pretensiosas e mais flexíveis. Mesmo conservando o princípio multilateralista de criação de um mercado comum, não estabelecem prazos ou cronogramas para a realização dessa meta. Por outro lado, estimula a concretização de acordos comerciais limitados e uniões aduaneiras entre países-membros. Dessa forma, o tratado da ALADI baseia-se firmemente na noção de autonomia de decisões dos Estados associados e reconhecem a prioridade dos mercados dos países desenvolvidos no comércio exterior latino-americano123.

Pelo exposto até o momento pode-se apontar ainda que a ALADI promove a

criação de uma área de preferências econômicas na região, objetivando um mercado

comum latino-americano, através de três mecanismos: uma preferência tarifária regional,

aplicada a produtos originários dos países-membros frente às tarifas em vigor para terceiros

países; acordos de alcance regional (comuns a todos os países-membros); e acordos de

alcance parcial, com a participação de dois ou mais países da área124. Observa-se assim que

a criação da ALADI gerou algumas das condições necessárias à promoção, em bases mais

realistas, do aprofundamento do processo de integração latino-americana. Para isso foi

importante a extinção da "cláusula de nação mais favorecida regional". Adotada pela

ALALC, esta cláusula permitiu a outorga de preferências tarifárias entre dois ou mais

países da ALADI, sem a extensão automática das mesmas a todos os membros da

Associação, o que viabilizou o surgimento de esquemas sub-regionais de integração, como

o Mercosul125.

123 Barbosa (1991, p. 63) coloca que “a exemplo do que ocorreu em 1960 com a ALALC, como pano de fundo, persistiram fortes tendências protecionistas [...]. Não sem razão, portanto, o TM-80 coloca a visão comunitária regional em nítido segundo plano e reforça a supremacia dos interesses individuais dos Estados Membros. Limitam-se os compromissos multilaterais a fim de que os países possam conservar seu poder de decisão para continuar a privilegiar as relações com os países desenvolvidos”. 124 São países originários da ALADI, signatários do TM-80: Argentina, Bolívia, a Brasil, a República do Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, a República do Peru, Uruguai e Venezuela. Posteriormente, em 6 de novembro de 1998, Cuba foi aceita como Estado Membro na Décima Reunião do Conselho de Ministros, passando a ser membro pleno da ALADI em 26 de agosto de 1999, depois de cumpridas as formalidades pertinentes. Ainda, podem fazer parte da ALADI aqueles países latino-americanos que o solicitem e sejam aceitos, prévia negociação com os países-membros, conforme o procedimento estabelecido pela Resolução 239do Comitê de Representantes. Corresponde ao Conselho de Ministros aceitar a adesão de um país como membro da ALADI, decisão tomada pelo voto afirmativo de dois terços dos países-membros e sem voto negativo (<http:// www.aladi.org>). Este tratado permanece inalterado até hoje unindo todos os países exceto Cuba que terminou por retirar-se. 125 Na estrutura jurídica da ALADI cabem os mais vigorosos acordos sub-regionais, plurilaterais e bilaterais de integração, que surgem, cada vez mais, no Continente (Comunidade Andina das Nações, Grupo dos Três, Mercosul, etc.). Por conseguinte, cabe a Associação, como âmbito ou "guarda-chuvas" institucional e normativo da integração regional, apoiar e fomentar estes esforços a fim de que confluam progressivamente para a criação de um espaço econômico comum (<http://www.aladi.org>).

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A fase romântica, segundo Barbosa (1991, p. 65), se encerra da mesma forma

como começou. Ou seja, “com retumbantes declarações retóricas; ambiciosos projetos de

estabelecimento de preferência multilateral e de eliminação das barreiras ao comércio intra-

regional (com o GATT) e de substituição de importações de terceiros países por produtos

da região”. Enquanto isso germinavam as sementes para a nova fase, a fase pragmática, que

seria “o verdadeiro divisor de águas” (BARBOSA, 1991, p. 68) no processo de integração

da América Latina.

3.1.2 Antecedentes Recentes do Processo de Integração do Mercosul

O grande impulso que a América Latina precisava veio com a integração Brasil-

Argentina, antecedente imediato do Mercosul. É neste contexto que se inicia a chamada

fase pragmática que Barbosa (1991) menciona, fase essa, já explicada anteriormente.

Enquanto a ALADI e a integração multilateral prosseguiam, sem muito êxito, ganhava

corpo a convicção de que somente a partir de esforços parciais, por grupo de países, poder-

se-ia avançar concretamente no processo negociador regional.

Superadas todas as décadas de receios, rivalidades e desconfianças mútuas entre

Brasil e Argentina, a partir de 1985, os Presidentes dos dois países (José Sarney do Brasil e

Raul Alfonsín da Argentina), “expressaram a firme vontade de acelerar o processo de

integração bilateral” (PABST, 1997, p. 12-13), iniciando dessa forma negociações que

visassem uma gradual conformação de um mercado comum (BARBOSA, 1991). Essa

proposta acarretaria uma maior estabilidade política na região.

Este processo de aproximação entre os dois países ainda começou nos tempos do

regime militar, mas foi, no entanto, com a recuperação do crescimento econômico em

ambos países, que a cooperação e a integração começaram efetivamente a fazer parte de

nova política estabelecida e concretizada pelos Presidentes democraticamente eleitos. A

integração foi impulsionada por três fatores principais: a) a superação das divergências

geopolíticas bilaterais; b) o retorno à plenitude do regime democrático nos dois países; e c)

a crise do sistema econômico internacional (<http://www.mercosul.gov.br>).

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Primeiro de uma série de acordos bilaterais que precederiam o Mercosul, a

"Declaração de Iguaçu", firmada pelos Presidentes Sarney e Alfonsín em 30 de novembro

de 1985, buscava acelerar a integração dos dois países em diversas áreas (técnica,

econômica, financeira, comercial, etc.) e estabelecia as bases para a cooperação no campo

do uso pacífico da energia nuclear (<http://www.mercosul.gov.br>). No ano seguinte (20

de julho de 1986) foi assinada a Ata de Integração Brasil-Argentina. Essa Ata estabeleceu

os princípios fundamentais do Programa de Integração e Cooperação Econômica - PICE. O

objetivo do PICE foi o de propiciar a formação de um espaço econômico comum por meio

da abertura seletiva dos mercados brasileiro e argentino de forma gradual, flexível e

equilibrada (PABST, 1997).

O processo de integração entre as duas maiores potências da América do Sul

evoluiu. No ano de 1988, ocorreu a assinatura do Tratado de Integração, Cooperação e

Desenvolvimento. Este documento possui como objetivo primordial constituir126, no prazo

máximo de dez anos, um espaço econômico comum por meio da liberalização integral do

comércio recíproco (<http://www.mercosul.gov.br>) e a harmonização das políticas

aduaneira, comercial, agrícola, industrial, de transportes e comunicações, assim como “a

coordenação de políticas monetárias, fiscal e cambiária127” (PABST, 1997, p. 13).

Diante de um panorama de crescente desaceleração política, econômica e

estratégica, causada, sobretudo, pelas mudanças na estrutura e no funcionamento do sistema

econômico mundial, Brasil e Argentina viram-se diante da necessidade de redefinirem sua

126 Foram estabelecidas como metas principais do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento as seguintes matérias: bens de capital; comércio; empresas binacionais; assuntos financeiros; fundos de investimento; energia; estudos econômicos; cooperação aeronáutica; indústria siderúrgica; transporte terrestre e marítimo; comunicações; cooperação nuclear; cooperação cultural; administração pública; instrumentos monetários; cooperação industrial (alimentícia e automobilística); questões fronteiriças; planejamento econômico e social. 127 Nesse contexto, circunstâncias de natureza política, econômica, comercial e tecnológica, decorrentes das grandes transformações da ordem econômica internacional, exerceram papel relevante no aprofundamento ainda maior da integração Brasil-Argentina: o fenômeno da globalização da economia, com o surgimento de uma nova estrutura de produção e o advento de um novo padrão industrial e tecnológico; a formação dos mega-blocos econômicos e a tendência à regionalização do comércio, com influência no direcionamento dos fluxos de capital, bens e serviços; os impasses do multilateralismo econômico, prevalecentes em certas fases do processo de negociação da Rodada Uruguai do GATT; o protecionismo e o quadro recessivo em muitas economias desenvolvidas, responsáveis pela absorção de cerca de 65% das exportações latino-americanas; o esgotamento do modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações; a tomada de consciência da necessidade de aprofundar o processo de integração como forma de aproveitar o entorno geográfico; a convergência na adoção de novas políticas econômicas que privilegiavam a abertura do mercado interno, a busca de competitividade, a maximização das vantagens comparativas e a reforma do papel do Estado - mais democrático e menos intervencionista (<http://www.mercosul.gov.br>).

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inserção internacional e regional. Dentro dessa nova estratégia, a integração passou a ter

um papel importante na evolução do comércio, na obtenção de maior eficiência com vistas

à competição no mercado internacional e na própria transformação dos sistemas produtivos

nacionais. Com isso, a elaboração de negociações bilaterais entre os dois países se deu

também em face de uma evidente perda de espaço comercial, da redução dos fluxos de

investimentos assim como das dificuldades de acesso a tecnologias de ponta dos países

desenvolvidos.

Em 06 de julho de 1990, Brasil e Argentina firmaram a Ata de Buenos Aires128,

adiantando em cinco anos a instauração do mercado comum bilateral. Mediante esta

proposta, fixaram a data de 31 de dezembro de 1994129 para a conformação definitiva de

um acordo entre os dois países. Assim, já em setembro de 1990 ocorria a primeira reunião

do Grupo do Mercado Comum Binacional instituído pela Ata de Buenos Aires. Naquele

encontro foram

[...] criados vários subgrupos técnicos que se encarregariam de coordenar e harmonizar as políticas macroeconômicas dos respectivos países sobre as políticas comerciais, aduaneiras, fiscais e monetárias, industriais, agrícolas, energética, normas técnicas e transportes terrestres e marítimos (KUNZLER, 2001, p. 96).

A Ata de Buenos Aires, assinada pelos Presidentes Collor e Menem, em 6 de

julho de 1990 é o principal documento que antecede o Mercosul. Nesse documento se

definem as bases do futuro mercado comum, ainda em âmbito bilateral, dando partida a

entendimentos que permeariam todos os aspectos da atividade reguladora dos Estados130.

Todavia, alguns acordos importantes antecederam e prepararam a celebração dos acordos

do Mercosul. Entre eles, merecem destaque os Acordos sobre o aproveitamento dos

recursos compartidos do rio Paraná (viabilizaram a construção das hidrelétricas de Itaipu e

128 Para maior clareza sobre a Ata de Buenos Aires: com as mudanças introduzidas nos programas econômicos dos governos brasileiro e argentino, firmou-se a Ata de Buenos Aires, que fixou o prazo de 31 de dezembro de 1994 para a formação definitiva do mercado comum entre o Brasil e a Argentina. Em agosto do mesmo ano, Paraguai e Uruguai aderiram ao processo em curso, o que culminou na assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, para a Constituição do Mercado Comum do Sul - Mercosul, ratificado em 17 de dezembro de 1994 pelo Protocolo de Ouro Preto. 129 Neste período o Brasil tinha como Presidente Fernando Collor e a Argentina Carlos Menem. 130 Todas essas iniciativas, no seu conjunto, traçam uma continuação nas relações entre os dois países e possibilitam a substituição da dinâmica de competição por um quadro de cooperação e convergências, inclusive em foros regionais e internacionais. Estes aspectos são estimulados pela consolidação de regimes democráticos em ambos os países e na sub-região.

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Corpus); o convênio de cooperação nuclear entre Brasil e Argentina de 1980; o apoio

diplomático do Brasil em 1982, às reivindicações de soberania Argentina sobre as

Malvinas; a Ata de Iguaçu, marcada em fins de 1985; e o Tratado de Integração,

Cooperação e Desenvolvimento, de 1988 (ratificado em agosto do ano seguinte).

O período que compreende da Assinatura do Tratado de Assunção (26 de março

de 1991) e a entrada em vigor do mesmo em 31 de dezembro de 1994 pode-se definir como

Período de Transição I131. Durante esse Período foi assinado o Acordo de Complementação

Econômica132 (20 de dezembro de 1990) no âmbito da ALADI, o qual regulava as relações

econômico-comerciais entre os Brasil e Argentina133 (BARBOSA, 1991) e foi registrado

como de número 14, por isso chamado de ACE-14. Ainda em agosto de 1990, Paraguai e

Uruguai são convidados a incorporar-se ao processo integracionista, tendo em vista a

densidade dos laços econômicos e políticos que os unem ao Brasil e Argentina. Naquele

momento, pode-se dizer que nascia o Mercosul.

3.2 TRATADO DE ASSUNÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DO MERCOSUL

A evolução do processo de integração, que culminou na assinatura do Tratado de

Assunção, foi produzida a partir do eixo Brasília - Buenos Aires, tendo na sua origem, um 131 As principais características do Período de Transição, no que se refere à execução dos compromissos do Tratado, foram: 1) a colocação em marcha do programa automático de liberalização comercial, ou de "desgravação tarifária", que correspondia à redução semestral de 7% em todas as tarifas incidentes sobre produtos comercializados entre os quatro países, em um processo que já partiria de uma redução inicial linear de 47%; 2) a aprovação do Protocolo de Brasília, assinado em dezembro de 1991, que estabelece o sistema de solução e controvérsias do Mercosul; 3) a aprovação e cumprimento parcial do chamado "Cronograma de Las Leñas" (nome da cidade Argentina onde foi negociado), instrumento que sistematizava todas as tarefas que deveriam ser cumpridas para a plena realização dos objetivos do Tratado, e; 4) a definição, sobretudo a partir de 1993, da Tarifa Externa Comum para a grande maioria dos bens produzidos na região (<http://www.mercosul.go.br>). 132 O Acordo de Complementação Econômica, firmado entre Brasil e Argentina abarca e amplia todos os acordos de alcance parcial, de complementação econômica e comerciais que tinham sido negociados historicamente na ALALC e depois na ALADI e bilateralmente no período recente. Fica previsto neste Acordo a possibilidade de serem incorporados anexos adicionais, com vistas a incluir novos acordos setoriais de complementação, em especial em ramos industriais selecionados (BARBOSA, 1991). 133 Os resultados segundo Barbosa (1991) foram satisfatórios, em especial do ponto de vista do intercâmbio bilateral. Tendo experimentado um declínio constante durante toda a primeira metade dos anos 80, o comércio Brasil-Argentina aumentou progressivamente desde então, passando a crescer de 12% ao ano, até a atingir a quantia de US$ 1,8 bilhões em 1989 e de US$ 2,0 bilhões em 1990. [...] A temida especialização agrária de suas exportações, com base em vantagens comparativas concentradas, sobretudo no setor primário, tampouco se confirmou: cerca de 50% das exportações está hoje constituída por manufaturados industriais.

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viés claramente político, apesar de suas marcantes implicações econômicas e comerciais.

Assinado em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção para Constituição do Mercado

Comum do Sul, tendo como países signatários Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai,

marca o início formal do Mercosul. Antes disso e até a assinatura do Tratado de Assunção,

realizaram-se mais duas reuniões do Grupo Mercado Comum Binacional (grupo esse que é

antecedente imediato do Grupo Mercado Comum), já com a participação do Paraguai e

Uruguai (KUNZLER, 2001).

Segundo Vaz (2002, p. 98) a premissa é que

[...] o Mercosul, como instância de cooperação internacional, resultou não somente do elevado grau de convergência de interesses entre os quatro países-membros, mais particularmente entre o Brasil e a Argentina, no sentido do estreitamento de laços políticos e econômicos e como resposta adaptativa às transformações observadas domesticamente e no âmbito da economia política internacional ocorridas a partir da segunda metade dos anos 80 e intensificadas no primeiro lustro da década de 1990.

Desta forma, pode-se dizer que o Mercosul é o resultado de um longo processo de

negociações de natureza fundamentalmente integrativa, envolvendo países com interesses

convergentes, mas diferenciados. Contudo, os objetivos de política externa que os Estados

Membros perseguem não são necessariamente coincidentes e apresentam assimetrias

quanto às capacidades políticas e econômicas, assim como em influência nas negociações.

Em suma, o Mercosul tem como principal objetivo criar um mercado comum com livre

circulação de bens, serviços e fatores produtivos134. Complementando esse objetivo maior

busca-se a adoção de uma política externa comum, a coordenação de posições conjuntas em

foros internacionais, a formulação conjunta de políticas macroeconômicas e setoriais, e, por

fim, a harmonização das legislações nacionais, com vistas a uma maior integração.

A assinatura do Tratado de Assunção que criou o Mercado Comum do Sul

(Mercosul), finalizou uma etapa do processo de negociações iniciado em agosto de 1990

134 O Mercosul possui: 11,9 milhões de quilômetros quadrados; 210 milhões de habitantes; 1.1 trilhão de dólares de PIB somado; Exportações que excedem os 80 bilhões de dólares; Importações em torno de 95 bilhões de dólares (<http://www.mercosul.gov.br>).

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entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai135. O Tratado materializa a antiga aspiração de

seus povos, refletindo, os crescentes entendimentos políticos em âmbito regional, a

densidade dos vínculos econômicos e comerciais assim como as facilidades de

comunicações propiciadas pela infraestrutura de transporte dos quatro países. Este

documento constitui, juntamente com o Protocolo de Brasília (1991), o Protocolo de Ouro

Preto (1994) e o Protocolo de Olivos (2001) os principais instrumentos jurídicos do

processo de integração.

A estrutura do Tratado de Assunção, segundo Rezek (1994, p. 47 apud PABST,

1997, p. 95), “contem um preâmbulo, seguido de uma parte dispositiva, formando o texto

principal. Ao lado do texto principal, há cinco anexos, que integram o Tratado e têm o

mesmo valor daquele”. Assim, o texto principal é formado pelo preâmbulo e pela parte

dispositiva contendo seis capítulos e cinco anexos. O Capítulo I cuida dos propósitos,

princípios e instrumentos; o capítulo II da estrutura orgânica; o capítulo III da vigência; o

capitulo IV da adesão, e capitulo V da denúncia e o capítulo VI das disposições gerais. Os

cincos anexos são: anexo I, programa de Liberalização Comercial136; anexo II, Regime

Geral de Origem137; anexo III, Solução de Controvérsias138, anexo IV, Cláusula de

Salvaguarda139 e anexo V, Subgrupos de Trabalho do Grupo Mercado Comum140 (PABST,

1997).

O Tratado de Assunção constitui, na realidade, um Acordo-Quadro, na medida em

que não se esgota em si mesmo, mas é continuamente complementado por instrumentos

135 O Mercado Comum do Sul – Mercosul é formado por quatro países membros, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e dois associados, Bolívia (Tratado assinado em 28/02/1997) e Chile (Tratado assinado em 25/06/1996). 136 O Programa de Liberalização Comercial, em que os Estados Membros acordam em eliminar, no mais tardar até 31 de dezembro de 1994, os agravantes e demais restrições aplicadas ao seu comércio recíproco, através de um rígido cronograma de desgravação progressivo, linear e automático, sistema esse que, cumprido o cronograma, fui substituído pelos atuais regimes de adequação e convergência (PABST, 1997). 137 O Regime Geral de Origem, que tinha por objetivo fixar os critérios de qualificação de origem dos produtos dentro do espaço econômico do integrado, substituído posteriormente por Decisões do órgão competente do Mercosul (PABST, 1997). 138 Sobre Solução de Controvérsias, anexo terceiro do Tratado de Assunção, Pabst (1997) diz que ele indica a forma e as alternativas para compor situações conflitantes, que podem surgir entre os Estados Membros. Atualmente, substituído pelo Protocolo de Brasília (1991) e pelo de Olivos (2001). 139 O anexo quarto, sobre a Cláusula de Salvaguarda, é vinculado ao cronograma de desgravação e que estabelecia a forma pela qual cada Estado Membro podia aplicar cláusulas de salvaguarda à importação de produtos beneficiados por aquele programa, com vigência limitada à do anexo primeiro (PABST, 1997). 140 O anexo quinto, sobre Subgrupos de Trabalho do Grupo Mercado Comum, determinou a criação de vários Subgrupos de Trabalho. Foi alterado pelo Protocolo de Outro Preto que reestruturou os subgrupos (PABST, 1997).

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adicionais, negociados pelos quatro Estados Membros em função do avanço da integração.

Além disso, estabelece, fundamentalmente, as condições para se alcançar, até 31 de

dezembro de 1994 uma União Aduaneira, etapa essa, anterior ao Mercado Comum

(conforme seu artigo 1º141).

Como mencionado anteriormente, o Tratado de Assunção estabelece também uma

estrutura institucional transitória (Período de Transição I) para o Mercosul, que

permaneceria inalterada até dezembro de 1994, quando o Protocolo de Ouro Preto passaria

a definir sua estrutura institucional definitiva. Esse Tratado internacional tem características

que o diferenciam dos anteriores. Kunzler (2001, p. 101) coloca que ele “estabelece as

condições para o surgimento de um projeto de integração, definindo, claramente, o seu

objetivo à criação de um mercado comum [...]”.

O Tratado de Assunção contém, de forma explicita, princípios, que, segundo Silva

(1999), dão fundamento ao seu conteúdo filosófico. São eles: gradualidade, flexibilidade,

equilíbrio142, consenso143, adesão144, compromisso145, reciprocidade e equidade146 que são

141 O Tratado de Assunção dispõe no seu Artigo 1º o seguinte: os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará Mercado Comum do Sul (Mercosul).Este Mercado Comum implica: a livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômicos comerciais regionais e internacionais; a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes e; o compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração (<http://www. mercosul.gov.br>). 142 A gradualidade, a flexibilidade e o equilíbrio segundo Silva (1999) são os princípios norteadores do Tratado de Assunção. Sem os quais não há como alcançar seu objetivo principal, que é a formação do Mercado Comum e o desenvolvimento econômico da região com sustentação na justiça social. 143 O consenso propõe que nenhuma decisão no âmbito do Tratado de Assunção será tomada sem consenso, mesmo porque não haverá reuniões sem a presença necessária de representantes dos quatro países (SILVA, 1999). 144 A adesão ocorre com os países pertencentes à ALADI, após cinco anos de vigência to Tratado, com exceção daqueles países que não fazem parte do sistema de integração sub-regional (SILVA, 1999). 145 O compromisso segundo Silva (1999) é o desenvolvimento de todo o texto to Tratado ter respaldo nos compromissos entre os Estados Membros e, dente aqueles, pode-se destacar: a harmonização das legislações e a coordenação de suas posições políticas nas negociações comerciais externas. Para alcançar os compromissos assumidos entre os Estados Membros, os seus representantes deverão evitar afetar os interesses comerciais dos outros integrantes, os objetivos do Mercosul e os acordos celebrados com outros países integrantes da ALADI. 146 A reciprocidade dá-se nos direitos e obrigações existentes entre os Estados Membros e a equidade segundo Silva (1999) verifica-se na finalização das negociações comerciais que são realizadas com o intuito de eliminar as assimetrias.

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os meios pelos quais os países membros obterão o resultado de um Mercado Comum. Além

disso, o Tratado “abriga mecanismos que visam ao aproveitamento dos recursos disponíveis

de cada país para a preservação do meio ambiente, para o desenvolvimento científico e

tecnológico e para a ampliação da oferta e melhoria da qualidade de bens e serviços”

(SILVA, 1999, p. 28).

3.3 PROTOCOLO DE OURO PRETO - ESTRUTURA INSTITUCIONAL

DO MERCOSUL

O Protocolo de Ouro Preto ou Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre

a Estrutura Institucional do Mercosul encerra o chamado período de transição do bloco. O

Protocolo de Ouro Preto (1994) ofereceu ao processo de integração o perfil de uma União

Aduaneira. A partir de sua assinatura, durante a Cúpula de Ouro Preto (dezembro de 1994),

o Mercosul passou a contar com uma estrutura institucional definitiva para a negociação do

aprofundamento da integração em direção ao ambicionado Mercado Comum

(<http://www.mercosul.org.uy>). Além disso, o Protocolo de Ouro Preto estabeleceu a

personalidade jurídica do Mercosul, que, a partir de então, pode negociar acordos

internacionais como bloco.

O Protocolo de Outro Preto compõe-se de 53 artigos e um Anexo, cujas partes

principais, referentes à estrutura organizacional, são: Conselho Mercado Comum147 (CMC);

Grupo Mercado Comum148 (GMC); Comissão de Comércio do Mercosul149 (CCM);

147 Conselho do Mercado Comum (CMC): é o órgão máximo do Mercosul, ao qual cabe a condução política do processo de integração. O CMC é formado pelos ministros das Relações Exteriores e da Economia dos países membros (<http:// www.mre.gov.br>). 148 O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercosul, que tem entre suas funções: velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos assinados no seu âmbito; fixar programas de trabalho que assegurem avanço para o estabelecimento do mercado comum; negociar, com a participação de representantes de todos os Estados Membros, por delegação expressa do Conselho do Mercado Comum, acordos em nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O Grupo Mercado Comum pronuncia-se mediante Resoluções que são obrigatórias para os Estados Partes. Está integrado por quatro membros titulares e quatro membros alternados por país, designados pelos respectivos Governos, entre os quais devem constar obrigatoriamente representantes dos Ministérios de Relações Exteriores, dos Ministérios de Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais (<http://www.mercosur.org.uy>). O Grupo Mercado Comum é assessorado em suas atividades por Subgrupos de Trabalho, Reuniões Especializadas e Grupos Ad Hoc, entre outros. Cada um desses foros auxiliares que trata de temas específicos, são chamados de Subgrupos de Trabalho (SGT): SGT 01- Comunicações; SGT 02-

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Comissão Parlamentar Conjunta150 (CPC); Foro Consultivo Econômico-Social151 (FCES) e;

Secretaria Administrativa do Mercosul152 (SAM). Silva (1999, p. 37) coloca que “de acordo

com o disposto no Protocolo de Outro Preto, poderão ser criados tantos órgãos auxiliares

quantos forem necessários para o êxito dos objetivos do processo de integralização”.

Os principais aspectos institucionais apontados pelo Protocolo de Ouro Preto e

definidos pelo site oficial do bloco no Brasil (<http://www.mercosul.gov.br>), são: 1)

natureza jurídica dos órgãos do Mercosul e sistema de tomada de decisões; 2) Órgãos do

Mercosul, são criados alguns órgãos novos e mantida a maioria dos órgãos transitórios

Mineração; SGT 03- Regulamentos Técnicos; SGT 04- Assuntos Financeiros; SGT 05- Transportes e Infra-Estrutura; SGT 06- Meio Ambiente; SGT 07- Indústria; SGT 08- Agricultura; SGT 09- Energia; SGT 10- Assuntos Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social; SGT 11- Saúde; SGT 12- Investimentos. Ocorrem também Reuniões Especializadas: em Ciência e Tecnologia, Turismo, Comunicação Social, assuntos da Mulher e Drogas, Prevenção e Reabilitação de Dependentes; Grupos Ad-Hoc: Aspectos Institucionais, Açúcar, Relações Externas, Compras Governamentais, Comitê de Cooperação Técnica, Grupo de Serviços, Comissão Sócio-Laboral (<http://www.mre.gov.br>). 149 Comissão de Comércio do Mercosul (CCM): é o órgão encarregado de assistir ao Grupo Mercado Comum na aplicação dos instrumentos de política comercial comum; Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul: é o órgão representativo dos Parlamentos dos Países do Mercosul (<http://www.mre.gov.br>). 150 Inicialmente instalada em 6 de dezembro de 1991, em Montevidéu, República Oriental do Uruguai, a Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul encontra-se fundamentada juridicamente no artigo 24 do Tratado de Assunção que determinava: "Com o objetivo de facilitar a implementação do Mercado Comum, estabelecer-se-á Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul. Os Poderes Executivos dos Estados-Partes manterão seus respectivos Poderes Legislativos informados sobre a evolução do Mercado Comum objeto do presente Tratado". A criação da Comissão Parlamentar Conjunta foi ratificada, posteriormente, pelo Protocolo de Ouro Preto, firmado em 17 de dezembro de 1994 (artigos 22 e 27). A Comissão Parlamentar Conjunta é o órgão representativo dos Parlamentos dos Estados-Partes no âmbito do Mercosul. Compete-lhe, em obediência ao processo legislativo de cada Estado Membro, incorporar ao Direito Positivo interno, normas emanadas dos órgãos do Mercosul. A Comissão tem caráter consultivo e deliberativo, podendo, ainda, formular propostas. Suas atribuições são, dentre outras: acompanhar o processo de integração e manter os Congressos Nacionais informados; tomar as medidas necessárias à futura instalação do Parlamento do Mercosul; constituir subcomissões para análise dos temas relacionados ao processo de integração; emitir recomendações ao Conselho do Mercado Comum e ao Grupo Mercado Comum sobre a condução do processo de integração e a formação do Mercosul; realizar os estudos necessários à harmonização das legislações dos Estados-Partes e submetê-los aos Congressos Nacionais; estabelecer relações com entidades privadas de cada um dos Estados-Partes, e com entidades e organismos internacionais de modo a obter informações e assessoramento especializado nos assuntos de seu interesse; estabelecer relações de cooperação com os Parlamentos de outros Estados e com entidades envolvidas com assuntos pertinentes à integração regional; subscrever acordos de cooperação e assistência técnica com organismos públicos e/ou privados, de caráter nacional, supranacional e internacional e; deliberar sobre seu orçamento e fazer gestões junto aos Estados-Partes para a obtenção de outros financiamentos. A Comissão será composta por até 64 parlamentares (16 por país), em efetivo exercício de seus mandatos, designados pelo Congresso Nacional do qual sejam membros, com um mandato de dois anos, no mínimo. Terão seus trabalhos coordenados por uma Mesa Diretiva, integrada de quatro Presidentes (<http://www.mercosul.gov.br>). 151 Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul: é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais. Tem função consultiva elevando recomendações ao GMC (<http:// www.mre.gov.br>). 152 Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM): é o órgão de apoio operativo, responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do Mercosul. Tem sua sede permanente na cidade de Montevidéu (<http://www.mre.gov.br>).

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criados pelo Tratado de Assunção; 3) aplicação interna das normas emanadas do Mercosul,

porque uma vez que as normas do Mercosul não têm aplicação direta em seus países

membros, os Estados devem comprometer-se em adotar medidas para sua plena

incorporação ao ordenamento jurídico nacional; 4) personalidade jurídica do Mercosul, ou

seja, é reconhecida a personalidade jurídica de direito internacional do bloco; 5) Fontes

jurídicas do Mercosul: o Protocolo reconhece o Tratado de Assunção, seus Protocolos e

instrumentos adicionais, bem como os demais acordos celebrados no âmbito do Tratado

como fontes jurídicas do Mercosul; 6) Os idiomas oficiais do Mercosul são o português e o

espanhol e os documentos de trabalho deverão ser elaborados no idioma do país sede das

reuniões e; 7) sobre solução de controvérsias, o anexo único do Protocolo aperfeiçoa esse

mecanismo, inaugurado com a aprovação do Protocolo de Brasília e estabelece os

procedimentos gerais para reclamações perante a Comissão de Comércio do Mercosul.

Portanto, o Protocolo de Ouro Preto, propicia o reconhecimento da personalidade

jurídica de direito internacional do Mercosul, assim como acabou por atribuir ao bloco

econômico, competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países,

grupos de países e organismos internacionais.

No âmbito do sistema de soluções de controvérsias no Mercosul muito se tem

evoluído, passando de um procedimento arbitral (Ad Hoc), instituído pelo Protocolo de

Brasília (1991), para um procedimento permanente, institucionalizado e com regras

processuais mais claras, efetivado com a assinatura do Protocolo de Olivos (2002).

Tal Protocolo demonstra a vontade política de os Estados Membros continuarem

no processo de integração e na disponibilidade de passarem por novas transformações. É,

na verdade, a maturidade política dos parceiros em avançar no processo integrativo e em

buscar novas alternativas frente à globalização.

O recente Protocolo de Olivos traz em seu corpo algumas modificações do

sistema original estabelecido pelo Protocolo de Brasília. Este Protocolo representa um

avanço em relação ao Protocolo de Brasília, sendo, na verdade, a solução encontrada para

as diferenças entre os que advogavam pela necessidade de um tribunal permanente e

supranacional e aqueles que entendem ser suficiente o modelo de tribunais arbitrais,

chamados de tribunais Ad Hoc. Representa, desta forma, o possível para o momento

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(LOUREIRO153). Desta forma, este novo sistema de solução de controvérsias apresenta

avanços significativos em relação ao anterior, dentre os quais destaca-se: a criação de

Tribunal Permanente de Revisão, isto é, uma nova figura que aparece como instância de

revisão perante os laudos arbitrais emanados pelos Tribunais Ad Hoc criados pelo Protocolo

de Brasília (LAWAND154);

[...] normas procedimentais também foram criadas, e também inspiradas no modelo da OMC, como as que determinam que o objeto da controvérsia seja limitado na reclamação e resposta apresentadas ao tribunal Ad Hoc; a possibilidade de elaboração de opiniões consultivas, como forma de garantir interpretação uniforme ao direito de integração; e a intervenção do Grupo Mercado Comum, procedimento, agora, opcional, dependendo de acordo entre as partes, com o intuito de agilizar os procedimentos de solução dos litígios (LOUREIRO155).

É importante lembrar que as normas do Protocolo produzem efeitos tanto no que

toca ao aumento da delegação de competências quanto no que diz respeito à maior precisão

das normas; efeitos que se fazem sentir tanto nas relações internas do bloco, quanto nas

relações que o procedimento de solução de controvérsias mantém no contexto externo em

que se insere. Como citado anteriormente o Protocolo de Ouro Preto em seu anexo V

dispõe que o Grupo Mercado Comum está assessorado por Subgrupos de Trabalhos cujas

funções variam de acordo com o tema.

O próximo ponto a ser analisado nesta pesquisa será o Subgrupo de Trabalho nº 8,

o qual fica encarregado das atribuições ligadas à agricultura. Portanto, diante do potencial

de crescimento do comércio entre os países-membros do Mercosul, não apenas na área

tradicional do intercâmbio de produtos, mas crescente nas áreas de serviços, tecnologia,

investimentos, recursos humanos e também na de tecnologia de ponta, a agricultura possui

um papel primordial nas relações de troca. A construção do Mercosul, dessa forma,

ultrapassa o campo comercial ou econômico envolvendo toda a sociedade e as comunidades

153 LOUREIRO, Patrícia. Duplicidade de Foro no Direito Internacional: a OMC e o MERCOSUL. Instituto de Relações Internacionais. Disponível em: <http://www.iribr.com/cancun/patricia_loureiro.asp>. Acessado em: 05 nov 2004. 154 LAWAND, Arthur Miguel Ferreira. Novo Protocolo de Olivos. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 04 out 2004. 155 LOUREIRO, Patrícia. Duplicidade de Foro no Direito Internacional: a OMC e o MERCOSUL. Instituto de Relações Internacionais. Disponível em: <http://www.iribr.com/cancun/patricia_loureiro.asp>. Acessado em: 05 nov 2004

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nacionais num único processo de desenvolvimento integrado, representando um processo

muito mais complexo que mera integração econômica ou comercial entre quatro países

irmãos. No que respeita às políticas agro-industriais deverá atender a certas vantagens

comparativas, mas a livre circulação de produtos agropecuários obrigará a uniformização

das especificações técnicas e sanitárias dos produtos agrícolas e manufaturados dos países

membros, assim como a melhoria dos critérios para determinar a origem dos produtos, pois

os anexos do tratado apresentam algumas falhas.

3.4 A AGRICULTURA NO MERCOSUL: O SUBGRUPO DE TRABALHO

Nº 8

A agricultura é um dos temas mais importantes no processo de integração do

Mercosul e também um dos mais complexos. Além de ser a atividade econômica principal

na área de impacto imediato do Mercosul (Sul do Brasil, Pampa Argentino, Paraguai e

Uruguai), esta atividade econômica responde por cerca de 50% do comércio intra-sub-

regional. Trata-se de um setor que absorve um grande contingente de trabalhadores, e que

tem um efeito multiplicador sobre outras atividades (agroindústria, transportes, comércio)

(FERRACIOLI, 2001). Há que ressaltar ainda, a vocação essencialmente agro-exportadora

dos parceiros do Brasil no Mercosul. Mesmo no caso do Brasil, que logrou diversificar suas

exportações, o peso da agricultura e da agroindústria na geração de divisas ainda é

considerável. Segundo Silva (1999, p. 72) o Mercosul

[...] possui quase 6% das terras cultiváveis do mundo. A superfície dedicada à agricultura alcança 600 milhões de hectares [...]. Como se verifica, o Mercosul é uma grande potência em produtos de agricultura subtropical, tais como trigo, soja, algodão, milho, sorgo e mate. Devido às suas condições climáticas, tem destaque na produção de produtos tropicais como café, frutas e cana-de-açúcar [...]. Existem, também, alguns produtos que não possuem uma área de grande cultivo, mas que se destacam pela sua importância nas economias regionais. São eles: a maçã, no sul da Argentina; a uva, no sul do Brasil e oeste do Uruguai; a erva-mate e o chá, no Paraguai.

A complexidade do tema é evidente, principalmente pelo fato desta atividade ser

estreitamente dependente de fatores naturais e dos ciclos anuais, que dificultam a rápida

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adaptação do setor à liberalização do comércio. Além disso, a agricultura, sobretudo na

região da Bacia do Prata, está na base do sustento de um tecido social constituído de

pequenos e médios produtores, muitas vezes descapitalizados, que poderiam, com a

integração ver-se forçados a mudar de atividade. Assim, a política agrícola do Mercosul

tem presente este importante condicionante social e que precisa ser, sempre, levado em

consideração no processo da integração.

Com a assinatura do Tratado de Assunção, os quatro países percebem, cada vez

mais, que o Mercosul é uma alavanca para transformações profundas que mais cedo ou

mais tarde a região teria de enfrentar. No caso da agricultura, o Mercosul não está criando

problemas novos, mas sim colocando em evidência dificuldades que a agricultura dos

quatro países já vinha enfrentando desde os anos 80, com o esgotamento do modelo

econômico por eles seguido. “O Tratado de Assunção, através do seu artigo 1º, inclui a

agricultura entre as políticas macroeconômicas e setoriais que devem ser coordenadas”

(BARBAGALO, 1998, p. 205), com vistas a assegurar condições adequadas de

concorrência entre os Estados Membros.

É nesse cenário positivo que se desenvolvem, no quadro dos mecanismos de

negociação e harmonização do Mercosul, os trabalhos de integração no campo da

agricultura. Diante disso, o anexo V do Tratado de Assunção determinou ao Grupo

Mercado Comum (GMC), a constituição dos Subgrupos de Trabalho (SGT)156.

O SGT 8 (Subgrupo de Trabalho nº 8), determinado pelo GMC, recebeu a

incumbência de cuidar da política agrícola do Mercado Comum, e as tarefas vão da

harmonização157 de políticas de reconversão158 e de reestruturação até a negociação de um

registro único para defensivos agrícolas.

156 O Anexo V do Tratado de Assunção dispõe: “Subgrupo de Trabajo Del Grupo Mercado Común: El Grupo Mercado Común, a los efectos de la coordinación de las políticas macroeconómicas y sectoriales constituirá, dentro de los 30 días de su instalación, los siguientes Subgrupos de Trabajo: Subgrupo 1: Asuntos Comerciales; Subgrupo 2: Asuntos Aduaneros; Subgrupo 3: Normas Técnicas; Subgrupo 4: Políticas Fiscal y Monetaria Relacionada con el Comercio; Subgrupo 5: Transporte Terrestre; Subgrupo 6: Transporte Marítimo; Subgrupo 7: Política Industrial y Tecnológica; Subgrupo 8: Política Agrícola; Subgrupo 9: Política Energética; Subgrupo 10: Coordinación de Políticas Macroeconómicas” (Texto original em Espanhol). 157 Para Farias (1997) o termo harmonização tem por objeto suprimir ou atenuar as disparidades entre as disposições de direito interno, na medida em que exija o funcionamento do mercado comum. Desse modo, a harmonização importa a alteração dos respectivos conteúdos. 158 O termo reconversão é definido por Barbagalo (1998, p. 214) como sendo “as modificações e redirecionamentos induzidos ou conseqüentes das mudanças estruturais do mercado. A reconversão consiste

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Durante a distribuição das atividades organizadas pelo GMC, o SGT 8 assumiu a

responsabilidade de negociar a integração pelas atividades agropecuárias e agroindustriais.

Segundo Barbagalo (1998, p. 206) a seguinte pauta de trabalho foi determinada:

1) análise das assimetrias e convergências por produtos, cadeias de produção e complexos agroindustriais; 2) definição de padrões para um regime fito-zoo-sanitário e um regime de qualidade adequado aos níveis internacionais; 3) diagnóstico das situações dos principais produtos primários do setor agropecuário, de suas cadeias de produção e de seus complexos agroindustriais, com vistas à análise de competitividade entre os países do Mercosul e no mercado internacional, à harmonização de políticas e à negociação de acordos; 4) coordenação de posições nas reuniões do Conselho Consultivo de Cooperação Agrícola dos Países da Área Sul (CONASUR), da Comissão de Saúde Vegetal (COSAVE) e da Comissão Regional de Saúde Animal (CORESA) e; 5) colaboração com os demais Subgrupos na definição de mecanismos que impeçam práticas desleais no comércio de produtos agrícolas159.

Para um melhor entendimento do trabalho desenvolvido por este SGT é

interessante conhecer a metodologia que o tem pautado, assim como as medidas que foram

adotadas. Num primeiro momento o SGT 8 deveria avaliar a real sensibilidade das

em um processo cujo objetivo é a reestruturação do sistema produtivo para a complementação e adaptação a mercados mais competitivos, tanto no âmbito do Mercosul, quanto no de terceiros mercados. Pode ser definida como um processo de reestruturação competitiva de uma economia ou de um setor específico, embasada em políticas que promovam a articulação dos agentes envolvidos, sob a ótica de uma base produtiva integrada e eficiente, sustentada por relações de cooperação entre os setores que integram a atividade econômica. Para atingir os seus objetivos, a conversão deve embasar seu processo no sentido de reorientação de atividades produtivas e da modernização competitiva de cadeias produtivas”. 159 Tais disposições estão disponíveis na ata da I Reunião do Grupo Mercado Comum, realizada no Rio de Janeiro nos dias 18 e 19 de março do ano de 1991. Segue o texto original: “Prioridades para 1991: As reuniões do Grupo Mercado Comum e dos Subgrupos Técnicos serão realizadas trimestralmente, de forma alternada em cada um dos países membros. O Grupo Mercado Comum reuniu-se em 18 e 19 de abril, no Rio de Janeiro, com vistas a encaminhar medidas no contexto da implementação dos objetivos do Tratado. Subgrupo 8 - Política Agrícola: análise de assimetrias e convergências por produtos, cadeias de produção e complexos agroindustriais; definição de padrões, de um regime fito e zoo-sanitário e de controles de qualidade adequados aos níveis internacionais prevalecentes; diagnóstico das situações dos principais produtos primários do setor agropecuário, de suas cadeias de produção e de seus complexos agroindustriais, com vistas à análise prospectiva da competitividade entre os países do MERCOSUL e no mercado internacional, à harmonização de políticas e à negociação de acordos. Na III Reunião do Grupo Mercado Comum, corrida em Assunção nos dias 21 à 23 de outubro do mesmo ano houve uma avaliação dos avanços dos subgrupos técnicos. E o Subgrupo Técnico 8 (Política Agrícola) declarou o seguinte: com relação à Proposta Conjunta do Sistema Comum de Informações o tema foi examinado e determinou-se que o mesmo deverá ser considerado no marco da cooperação técnica solicitada ao BID e conjuntamente com demandas similares de outros subgrupos técnicos; solicitou-se ao Subgrupo o exame do sub-setor agroindustrial em coordenação com SGT 7 e com o SGT 3 quando necessário e o Grupo Mercado Comum acordou que os representantes dos países do MERCOSUL coordenem posições antes da reunião do CONASUL, COSAVE, CORESA e outros foros multilaterais e prestem informações ao GMC a respeito” (<http://www.mercosur.org.uy>).

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atividades agropecuárias a partir da Assinatura do Tratado de Assunção160. Depois, já se

conhecendo os problemas e o contexto necessário ao processo de integração, visou-se

trabalhar com um ‘espaço de negociação’, de forma que as particularidades de cada país

pudessem ser harmonizadas num referencial comum161. Um terceiro passo seria

desenvolvido a partir da mobilização da sociedade para criar uma consciência

integracionista, ou seja, possibilitar que todos os segmentos interessados, público ou

privados, pudessem participar do processo de integração162. E como última medida, deveria

ser considerado o espaço regional na formulação da política agrícola163 (MARTINEZ,

1994, p. 149-155 apud BARBAGALO, 1998, p. 207-208).

A formação de um Mercado Comum abre possibilidade que segundo Barbagalo

(1998) pode gerar um maior desenvolvimento de setores agropecuários e agroindustriais,

principalmente em relação ao comércio com terceiros países. A fim de efetivar esse

desenvolvimento, seria necessário saber quais setores seriam prejudicados pelo processo de

integração. Para se confirmar essa indagação foi necessário serem levantados pelo SGT 8 as

assimetrias existentes nas políticas agrícolas de cada um dos países membros do bloco, para

posteriormente ser feita uma equiparação das mesmas164.

O Tratado de Assunção, no seu artigo 5º, alínea ‘d’ prevê a adoção de acordos

setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção e

alcançar escalas operativas eficientes. Segundo Barbagalo (1998) esses acordos setoriais no

Mercosul constituíram um instrumento para acelerar a integração e diminuir os custos de

160 Sob a análise de vários aspectos, chegou-se a conclusão que os problemas existentes não foram gerados pelo processo de integração, mas sim que eram conseqüências do esgotamento do modelo agrícola anterior. Estes problemas afetavam a possibilidade de colocar os produtos agropecuários no mercado a preços competitivos (BARBAGALO, 1998). 161 No decorrer das negociações, foram elaborados documentos que serviram de acordos base para a harmonização das políticas e legislações dos países membros (BARBAGALO, 1998). 162 A fim de evidenciar a posição da sociedade com a integração foram realizados Seminários Quadripartides do Setor Privado, realizados por cadeias produtivas. Esses seminários, além de buscar a integração das políticas por cadeia produtiva, também tinham como escopo envidar um relacionamento formal entre os empresários dos quatro países. Ocorreram também Foros Permanentes de Consulta, que funcionavam como termômetros da adesão da sociedade ao processo de integração (BARBAGALO, 1998). 163 Isso se justifica pela necessidade de incutir-se nos órgãos que participam da formulação da política agrícola o reconhecimento do processo de integração, levando em consideração o novo espaço regional se tratando da implementação de medidas agrícolas (BARBAGALO, 1998). 164 Dessa forma foram definidas que as seguintes políticas específicas deveriam sofrer ‘harmonização’: seguro agrícola, risco, insumos e equipamentos agrícolas, crédito rural, pagamento e compensações, armazenamento, programa social, formação profissional e educação rural, preços mínimos e garantias das atividades agropecuárias, eletrificação rural, crédito para o acesso a terra, crédito cooperativo, produtividade e qualidade, e sistemas de comercialização da produção agrícola.

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reconversão dos setores produtivos dos Estados Membros, de modo a promover a

racionalização dos investimentos e aumentar a competitividade interna e externa. Através

da Decisão 03/91165, o Conselho Mercado Comum estabeleceu o marco normativo para os

Acordos Setoriais, fornecendo parâmetros que deveriam orientá-los166.

No que tange ao SGT 8, foram finalizadas cinco propostas de Acordos Setoriais,

quais sejam: arroz, açúcar e álcool, carne bovina, leite e recursos florestais

(BARBAGALO, 1998). A autora ainda coloca que

[...] ademais, especificamente na área agrícola, os acordos setoriais não se traduzem como instrumentos hábeis a propiciar a união aduaneira, pois sempre houve muita dificuldade em se conseguir um consenso em cada setor. Não obstante, ainda se vislumbra utilidade para os referidos acordos, principalmente em face das extensas listas de exceções que ainda existem, bem como pelas dificuldades de harmonização das políticas tributárias e agrícolas (BARBAGALO, 1998, p. 220).

Ainda no âmbito do trabalho do subgrupo, as discussões deverão conduzir a

propostas concretas para cada uma das tarefas previstas, o que exigirá não somente um

esforço negociador muito grande dos quatro países, mas também uma maior disposição

para assumir compromissos que fortaleçam a convergência das políticas agrícolas. Esse

esforço deverá recair não só nos órgãos governamentais de alguma forma envolvidos no

processo, mas também nos setores privados ligados à atividade agropecuária ou

agroindustrial.

Diante do exposto, pode-se concluir que o que prevalece hoje no Mercosul é a

posição de ainda se trabalhar na harmonização das políticas167 agrícolas, em contraposto à

posição defendida por alguns países de privilegiar a integração em nível de produtos ou 165 Tal decisão se encontra em anexo a essa pesquisa. 166 Os Acordos setoriais são celebrados pelos Estados Membros a partir das propostas elaboradas por setores privados, desde que observados os objetivos propostos pelo Tratado de Assunção e as diretrizes da referida decisão, supramencionada. Depois disso, a proposta do setor privado é analisada pelo Grupo Mercado Comum, que antes de pronunciar-se, deve encaminhá-la ao Subgrupo de Trabalho correspondente para sua consideração. 167 Diante da definição dada anteriormente o termo harmonização, ressalta-se que o artigo 1º do Tratado de Assunção exprime o compromisso dos Estados Membros de harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. A disposição do presente artigo requer uma discussão também do que são áreas pertinentes. Neste caso são aquelas que os acordos e tratados não regulam e constituem ou pode constituir embaraço ao estabelecimento do Mercosul ou à integração econômica dos Países Membros. Já no que tange as legislações, por sua vez, são conjuntos de normas votadas pelos Congressos Nacionais (FARIAS, 1998). Com efeito, são partes diretas no processo de harmonização legislativa: os Subgrupos de Trabalho, os Grupo Mercado Comum e o Conselho do Mercado Comum. Também participa a Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul (SIMIONATO, 1998).

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setores comerciais específicos. O papel do SGT 8 é trabalhar para que o processo de

harmonização avance e consiga diminuir e eliminar o uso de subsídios agrícolas e do

protecionismo estatal. No mesmo sentido, aponta-se que é necessário ampliar a cooperação

tecnológica e científica que possa alcançar maior estabilidade socioeconômica através de

estratégias de reconversão produtiva.

Mas, também diante do exposto, ressalta-se que esta pesquisa, sobre a política

agrícola, em desenvolvimento pelo Mercosul, não teve o intuito de dizer que a metodologia

adotada pelo bloco seja equivocada, mas sim mostrar que a estrutura institucional do

Mercosul é adversa à estrutura institucional desenvolvida pela União Européia. E é

exatamente isso que o próximo capítulo abordará: seu processo histórico e as principais

características adotadas pela política agrícola comum do bloco europeu.

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4 A SITUAÇÃO DA POLÍTICA AGRÍCOLA NA UNIÃO

EUROPÉIA

A União Européia (UE) constitui o principal exemplo de um processo de

integração econômica especial entre Estados soberanos168 e vem sendo aprofundada, via

ações de cooperação e integração regional entre Estados Membros. O bloco europeu é visto

como uma (ou ‘a’) obra-prima da política internacional, concretizada no século XX. E

tornou-se um projeto de construção política, visto por outros países como um caminho

possível para a prosperidade, a paz e a segurança comum169.

A construção deste bloco geoeconômico está baseada, inicialmente, na

transferência de parcelas de soberania dos Estados Membros para as Instituições

Comunitárias170. Este fato se torna importante porque caracteriza a existência de traços de

supranacionalidade em sua estrutura171, a qual vai sendo aprofundada conforme a

168 Segundo Jean Bodin (apud Stelzer, 2000, p. 76) a soberania apresenta a característica elementar de existência do Estado, verdadeiro elemento ontológico de sua estrutura. Soldatos (apud Oliveira, 1999, p. 64) define o termo soberania como sendo a “posse plena da plenitude de competência e do poder público e de seu exercício no interior de um território, de forma total, exclusiva e isenta de qualquer intervenção exterior e superior a propósitos destas mesmas competências”. Esclarecimentos adicionais também foram feitos no capítulo 2 juntamente com o conceito de Estado. 169 A União Européia é hoje o exemplo mais consagrado de um modelo possível de “confederação”, de combinar, com sucesso, uma ordem política comum com a participação de diversas nações soberanas que pretendem guardar a sua identidade nacional e especificidades culturais, não obstante a partilha de soberania com os demais parceiros. O nível de desenvolvimento e consolidação institucional da UE é bastante elevado, conforme se pode depreender da existência de diversos órgãos supranacionais. 170 Segundo Oliveira (1999, p. 65) o Estado Membro continua a exercer as competência soberana, tanto de seu poder coercitivo e execução interna como de seu poder externo de manifestação. Segundo a autora essa é a corrente da teoria da divisibilidade do instituto soberano. Eritja (apud Oliveira, 1999, p. 65) complementa esse conceito, dizendo que “os Estados-Membros renunciam a gestionar de uma forma plena certos setores da atividade estatal e transferem este poder a uma organização no interior da qual decidem regulamentar suas relações através de determinados mecanismos. Evidentemente, que isso implica em certo grau de limitação dos direitos soberanos dos Estados-Membros”. Dessa forma, o Estado Membro conserva sua soberania mesmo tendo transferido parte de suas atribuições a uma organização internacional comunitária supranacional, a qual, apesar de ser revestida de competências amplas, não consubstancia a concretização de um conceito absoluto e supremo de soberania. Por outro lado, o Estado Membro, mantém também seu poder de jurisdição interna, doméstica e de garantia da continuidade de sua atuação como titular de poder político (OLIVEIRA, 1999). 171 Segundo Oliveira (1999, p. 65) observa-se uma nítida relação entre o instituto da soberania e o da supranacionalidade. Joana Stelzer (2000, p. 67-68) conceitua o termo com sendo um poder superior aos Estados, “resultado da transferência de soberania operada pelas unidades estatais em beneficio da organização comunitária, permitindo-lhe a orientação e a regulação de certas matérias, sempre tendo em vistas os anseios integracionistas”. Segundo este conceito, são três os pilares da supranacionalidade: transferência de soberania

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integração avança. Além disso, a União Européia vem se consolidando como parâmetro,

inspiração ou modelo para os novos processos de integração que estão em andamento nas

diversas partes do mundo, como é o caso do Mercosul, cuja experiência foi espelhada no

processo de integração europeu e abordada no capítulo anterior.

Dessa forma, o bloco europeu acabou por inovar o cenário jurídico internacional

ao implementar, de certa forma, o conceito de soberania baseado na idéia de

supranacionalidade. Instituiu também o direito comunitário172 estabelecendo um quadro

jurídico único, onde o ordenamento jurídico comunitário é constituído por normas que

ultrapassam o direito nacional configurando a primazia do direito comunitário sobre o

nacional, sem extinção do ordenamento interno ou nacional.

Diante disso, uma retrospectiva histórica é necessária para identificar a formação

da União Européia, evidenciando em cada etapa seus princípios, suas necessidades, suas

prioridades e evolução. Tendo isso presente, este capítulo aborda o processo de integração

da União Européia, para em seguida examinar a política agrícola adotada pelo bloco. Entre

as políticas comuns da União Européia, a agrícola sempre ocupou um lugar de destaque,

exatamente porque é muito importante no orçamento comunitário. Num último momento

apresenta-se, também, as características implementadas pela reforma da política agrícola

comum (PAC) na Agenda 2000, assim como os problemas enfrentados pela inclusão de 10

novos Estados à União Européia, com a ampliação do bloco em 2004. Com isso, considera-

se que a abordagem dos pontos enunciados são relevantes para a consecução dos objetivos

propostos pelo trabalho: a comparação entre a política agrícola proposta pela União

Européia e a política agrícola desenvolvida pelo Mercosul.

dos Estados para a organização comunitária, em caráter definitivo; poder normativo do direito comunitário em relação aos direitos pátrios; (com o sacrifício de estes colidirem com os interesses da UE) e dimensão teleológica de integração (a supranacionalidade como condição ontológica para alcançar os fins integracionistas). 172 A expressão jurídica da globalização é o direito comunitário. O Direito Comunitário pode ser definido como o ramo do direito cujo objeto é o estudo dos tratados comunitários, a evolução jurídica resultante de sua regulamentação e a interpretação jurisprudencial das cláusulas estabelecidas nos referidos tratados. Umberto Forte (apud MARTINS & LUPATELLI JR) define o direito comunitário “de um lado como conjunto de normas vinculantes para as instituições comunitárias e para os Estados-membros, sancionadas principalmente pelos Tratados, e, de outro, como o conjunto de normas contidas em alguns atos qualificados das instituições comunitárias. Considerando, portanto, em sua totalidade, o direito comunitário mostra-se como um corpus harmônico, ainda que em seu âmbito possa operar-se uma hierarquia de fontes (MARTINS & LUPATELLI JR).

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4.1 ANTECEDENTES DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DA UNIÃO

EUROPÉIA

A origem da integração européia é anterior ao dos Tratados fundadores e

constituintes das Comunidades Européias173. A evolução progressiva do processo de

integração da Europa registra outros importantes instrumentos de alteração, adaptação e

ampliação dos Tratados marcos, pois desde séculos anteriores à constituição da União

Européia, pensadores, políticos e filósofos vinham pregando esta alternativa como premissa

da paz universal174 (OLIVEIRA, 1999). Por isso, pode-ser considerar que há muito tempo,

o velho Continente já possuía um espírito de unidade que, na união de Estados, visava uma

convivência harmoniosa e duradoura (STELZER, 2000). Neste sentido, para Soder (1995,

p. 14)

[...] devem-se buscar as raízes da União Européia nos filósofos do Iluminismo e nas idéias da Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX. Kant, em sua obra Paz eterna, de 1795, escreve que paz duradoura só pode ser conseguida por uma confederação de Estados livres. Semelhantemente se pronunciou Alexander Hamilton, um dos fundadores dos Estados Unidos da América. Em 1776, o famoso economista inglês Adam Smith postulava, em sua obra principal Natureza e origem da propriedade, um mercado mundial livre. Na Alemanha, Friedrich List luta, em 1841, pela abolição das tarifas alfandegárias, em sua obra Sistema nacional de economia política. A realização desse postulado levou à união de muitos reinos e principados da Alemanha, podendo Bismarck fundar o Império Alemão, em 1871. Esse fato serviu, em boa parte, de modelo para derribaras barreiras alfandegárias entre os países da [então União Européia].

Diante do exposto pelo autor citado, percebe que o ideal de constituir uma

unidade política entre as nações da Europa, sempre foi um marco importante na história do

continente. Todavia, nenhum ideal proposto foi capaz de impedir o acontecimento dos dois

maiores conflitos do século XX: as duas grandes guerras mundiais.

173 A expressão Comunidades Européias, quando utilizada nesta pesquisa, será feita no plural como forma para designar o conjunto das três Comunidades: a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (CEEA). 174 Entre esses grandes pensadores podem ser citados Platão, o Rei da Boêmia, Georges Podiebrad (1464), Erasmo (1517), Duque Sully (1641), Saint-Pierre (1713), Jeremias Bentham (1843), Pierre André Gargaz (1779), James Lorimer (1877), Alberto Torres (1909), entre outros (OLIVEIRA. 1999).

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Logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) surgiram novas formas de

unificação. O movimento da União Pan-européia175 em 1924, liderado por Richard

Coudenhove Kalergi, destacava uma Europa federalista, anunciada por um sistema

bicameral, ou seja, constituída por um Conselho Federal e uma Assembléia. Durante a crise

de 1929, a França introduziu uma proposta à Sociedade das Nações (SDN), cujo parecer era

a criação de uma federação, denominada de União Européia. Devido à crise e os alarmes

sobre a ascensão dos nacionalismos, tal proposta não despertou resposta favorável a essa

concretização (OLIVEIRA, 1999, p. 84-87).

Porém, diante de inúmeras tentativas, durante a Segunda Guerra Mundial (2º

GM), surgiram novos projetos de unificação, os quais renovaram o espírito de união, paz e

segurança, assim como o da criação de uma organização capaz de fornecer à Europa uma

estrutura federalista, capaz de evitar o domínio externo. O Império de Carlos Magno176, a

Europa de Napoleão e a Europa de Hitler177 foram tentativas de se implantar a unidade pela

força e sob o domínio de uma única nação (THORSTENSEN, 1992a).

Mas, somente com o fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa fez renascer a

idéia de integração como alternativa à reconstrução. A Europa estava arrasada nos aspecto

social, como no político, e ainda dividida em Europa Ocidental e Europa Oriental178. Ainda,

a idéia de um possível novo conflito era temida por todos.

175 O movimento da União Pan-européia foi introduzido a partir do livro Manifesto Paneuropa de Richard Coudenhove Kalergi, em 1923 (OLIVEIRA, 1999, p. 86). 176 Segundo Cavanna (apud CASELLA, 1994, p. 85) a formação primeira de um contexto político-cultural, capaz de gerar movimentos intelectuais e correntes ideais de proporções européias, bem como a história de direito que se possa denominar europeu, parte de dado histórico preciso, de múltiplas conseqüências: a coroação imperial de Carlos Magno, na noite de Natal do ano 800. 177 A concepção européia surgida no período de Carlos Magno (também chamado de período carolíngeo) seria o parâmetro e ideal inspirador de todas as tentativas futuras de unificação, seja através do poderio militar, de Napoleão a Hitler, ou após a experiência da Segunda Guerra Mundial, no âmbito de tentativas supranacionais como a Comunidade Européia (CASELLA, 1994, p. 85). 178 Para ajudar a Europa após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos criaram o Plano Marshall, o qual foi parte integrante da "Doutrina Truman", anunciada em março de 1947 pelo presidente dos Estados Unidos, Harry Truman. Tratou-se de um projeto de recuperação econômica dos países envolvidos na Segunda Guerra Mundial. Anunciado também no ano de 1947, em 5 de junho, em Harvard. Este plano deve seu nome ao seu criador, o General George Catlett Marshall, secretário-de-estado do governo Truman. Por ele, os Estados Unidos decidem abandonar a colaboração com a URSS e investir maciçamente na Europa ocidental, a fim barrar a expansão comunista e assegurar sua própria hegemonia política na região. Washington fornece matérias-primas, produtos e capital, na forma de créditos e doações. Em contrapartida, o mercado europeu evita impor qualquer restrição à atividade das empresas norte-americanas. A distribuição dos fundos foi realizada por meio da Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), fundada em Paris, em 1948. Entre 1948 e 1952, o Plano Marshall forneceu US$ 14 bilhões para a reconstrução européia. Enquanto os europeus ocidentais (ingleses, franceses, belgas, holandeses, italianos e alemães) aderiram ao plano com

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Outro aspecto importante é que após a Segunda Guerra Mundial, a Europa se viu

relegada a posição secundária no âmbito mundial. Devido a emergência de novas

superpotências179, finalmente “a Europa passa do ideal para a realidade a linguagem da

integração européia” (CASELLA, 1994, p. 66). Borchardt (apud STELZER, 2000, p. 19)

aponta que somente a paz seria o caminho para a União Européia e que somente assim

(com o surgimento das duas potências) ela iria conseguir reerguer-se novamente. “Nenhum

motivo foi mais poderoso para a unificação européia do que sede de paz”, diz ele. Portanto,

foi na busca pela paz que a Europa encontrou suas mais profundas raízes para a criação de

condições possíveis de convivência pacífica e harmônica.

Finalmente em 1946, Winston Churchill, primeiro ministro da Inglaterra, em

famoso discurso pronunciado na Universidade de Zurique, destacou a necessidade de

reorganizar o Continente Europeu com base no princípio federal mediante a criação de algo

similar ao vigente nos Estados Unidos. Para ele, isso aconteceria com a criação de um

Conselho da Europa compatível com a ONU (OLIVEIRA, 1999). Churchill era precursor

do movimento federalista que surgiu na Europa após a Segunda Guerra Mundial180.

No final da década de quarenta, ocorreram outros acontecimentos que ajudariam a

dinâmica da integração do continente. Em 1948, realizou-se o Congresso de Haia, na

Holanda, para criar, num primeiro passo, um Conselho da Europa e uma Carta dos Direitos

entusiasmo, Stalin (líder soviético) não só rejeitou-o como proibiu aos países da sua órbita (Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Romênia e Bulgária) que o aceitassem. A doutrina e o plano fizeram ainda mais por separar o mundo em duas esferas de influência. Mesmo assim, em virtude da ajuda na reconstrução da Europa no pós-guerra, o Plano Marshall rendeu a seu idealizador, nascido em 31 de Dezembro de 1880, o Prêmio Nobel da Paz de 1953. Marshall morreu em 16 de outubro de 1959. Segundo Oliveira (1999, p. 88) o Plano Marshall constituía na verdade, uma grande fortaleza à economia americana, que desconhecia os efeitos de destruição das guerras. A outra grande razão da ajuda norte americana veio devido à formação de um valioso mercado pelos países europeus dos produtos americanos. 179 Segundo Oliveira (2001) o termo superpotências é usado para designar os novos tipos de hegemonia e dominação então exercidos por alguns Estados, uma vez que suas características não mais correspondiam àquela registrada em períodos históricos anteriores. Suas características principais são: a) extensão territorial de dimensões continentais; b) importantes recursos demográficos; c) domínio ou controle de significativos recursos econômicos e tecnológicos; d) coesão e estabilidade político-ideológica interior; e) acumulação de um potencial nuclear tanto estratégico como tático e convencional que permita exercer efeito de dissuasão a qualquer Estado e inclusive a outra superpotência (CALDUCH, 1991, p. 158-160 apud OLIVEIRA, 2001, p. 148). 180 Tal movimento, segundo Oliveira (1999, p. 90), assentava a base na corrente do pensamento político compartilhado na cooperação, autonomia, subsidiariedade, poder central, instituições com competências adequadas a diversos âmbitos, cuja proposta fundamental revestia-se na razão de ser da cultura européia, preservação de sua identidade, originalidade do modo de vida e sentir dos seus povos e no pensamento europeu sobre o ser humano, valores esses diferentes de outras civilizações.

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Humanos. Simultaneamente foi criado o Movimento Europeu, oficialmente fundado em 25

de outubro de 1948 (SODER, 1995).

O Congresso de Haia teve um eco favorável, tanto que em 1949, através do

Tratado de Londres criou-se o Conselho da Europa181, no qual os Estados reafirmavam seus

princípios sobre a democracia liberal e, notadamente, o respeito a três princípios que

constituíam os seus objetivos: a liberdade individual, a liberdade política e a proeminência

do direito182 (STELZER, 2000).

Alguns fatos marcantes da história do processo integracionista europeu são

sempre ressaltados. Entre os antecedentes do período imediato que antecedeu à formação

da primeira das três Comunidades, estão indelevelmente ligados os nomes de personagens

ilustres como de Churchill, Schuman e Monnet. Churchill pronunciou o seu desejo em

1946. Por sua vez, em 10 de maio de 1950, Robert Schuman, então Ministro de Assuntos

Exteriores da França apresentava uma proposta para integrar a República Federal da

Alemanha à França183. A Declaração Schuman teve grande repercussão, sendo que, para

desenvolver o projeto, recorreu-se a um homem de grande experiência em assuntos

internacionais, Jean Monnet, comissário do Plano Francês de modernização. A execução

desse projeto só seria possível com a criação de uma Alta Autoridade, que seria

independente dos governos184 (OLIVEIRA, 1999, p. 92).

181 Segundo Hornero (apud OLIVEIRA, 1999, p. 91) o Conselho da Europa surgiu como resultado de um acordo prévio entre França, Bélgica, Grã-Bretanha, Luxemburgo e Holanda, e também com a participação, em conferência aberta, de outros países europeus (Irlanda, Itália, Dinamarca, Noruega e Suécia). A Conferência se realizou em Londres, em 28 de março de 1949, para elaborar os Estatutos da nova organização que pretendia agrupar os países europeus em torno do objetivo da paz, liberdade e concórdia. Não foi reconhecida nenhuma autoridade federal ao Conselho da Europa, devido, em parte, a oposição tradicional britânica da perda da soberania nacional em favor de uma autoridade supranacional. 182 Segundo Stelzer (2000, p. 22) para além de uma união mais estreita, os Estados também voltavam a insistir no favorecimento do progresso econômico e social. Os meios de ação para alcançar tais objetivos, no entanto, continuavam estabelecidos pela simples cooperação intergovernamental. Os resultados finais da ação do Conselho, como organismo de cooperação, foram consideráveis, porém modestos. 183 A questão entre a França e a Alemanha, constituiu um dos pontos estratégicos fundamentais da unificação européia. Para a França, em particular, o conflito estava ligado a disputa continua com a Alemanha sobre os recursos minerais existentes no Vale Rhur. Por esse motivo, a estratégia francesa enunciada pela Declaração Schuman e desenhada pelo comissário do plano francês, Jean Monnet, constituía em colocar em comum, essa produção do carvão e do aço (OLIVEIRA, 1999, P. 93). 184 A Declaração ou Plano Schuman, segundo Oliveira (1999, p. 93), buscava, na realidade, sob o mecanismo da Alta Autoridade, colocar em comum a produção siderúrgica dos países interessados, direcionando-se especificamente a resolver, dessa forma e, em definitivo, a polêmica questão franco-alemã a fim de não voltar a se repetirem os conflitos armados do passado. Traduzia-se num plano político de paz, de garantia pacificadora ao futuro, fundamentando-se, porem, em argumentos de caráter estritamente econômico.

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Ainda de acordo com Oliveira (1999, p. 91-92), a vontade política em torno da

unificação pacifista do velho Continente europeu

[...] existia desde os tempos mais antigos, em sua longa evolução apenas conseguiu concretizar-se em projeto de integração econômica, assim definido no final da Segunda Guerra Mundial. Uma soma de vários fatores contribuíram [para o] êxito dessa realização. Seria um equívoco atribuí-lo somente ao Movimento Europeísta e a velha idéia de federalizar a Europa. O Conselho da Europa [...], a princípio, contava com o objetivo político ambicioso, não conseguiu avançar além de mais uma nova e tradicional organização internacional, [porém] participa [em sua forma] no processo de integração.

É importante ressaltar segundo Soder (1995, p. 18), os reais motivos da criação de

um espaço unificado na Europa. O primeiro deles seria a abolição total da guerra como

instrumento de política internacional. Para isso, seria necessária a criação de instituições

comunitárias permanentes. O segundo motivo seria garantir o direito, os direitos humanos,

a democracia, através de mecanismos de proteção supranacionais. O terceiro motivo está

relacionado ao aspecto econômico a fim de que se ampliasse o desenvolvimento florescente

para a Europa. Isso poderia ser conseguido através da união de vários países. Outro motivo

seria a proteção do meio ambiente e por último a necessidade de ajudar os países menos

desenvolvidos, com a exigência de um planejamento e cooperação por parte das instituições

permanentes.

Feito este levantamento histórico prévio sobre os antecedentes da integração

européia, aborda-se a seguir a sua institucionalização, sendo realizado a partir dos tratados

constituintes das Comunidades Européias, para mais tarde tratar-se da União Européia e da

sua política agrícola comum.

4.2 DE PARIS À NICE: A CONSTRUÇÃO DA ESTRUTURA DA UNIÃO

EUROPÉIA

Os processo de integração raramente sofrem um desenvolvimento linear e sem

complicações. No caso da União Européia não foi diferente. Crises a conflitos ocorreram

durante os mais de cinqüenta anos em que o processo está em construção. Felizmente

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sempre houve o desejo de unificação e complementariendade entre os Estados Membros.

Assim, a União Européia constitui, na atualidade, indubitavelmente, a experiência mais

avançada em termos de processo e de direito da integração. Os Estados europeus, ao

começarem a empreitada rumo à integração econômica, optaram por um caminho mais

longínquo e difícil. Esse caminho tem como base a integração jurídica, elemento inovador

em relação às tentativas precedentes de unificação do continente europeu. Logo, este

aspecto pode ser considerado uma explicação razoável para as razões de seu sucesso e

longevidade.

Com o caminhar e o desenvolvimento dos diversos tratados que se desenrolaram

para alcançar o nível atual, o bloco europeu tende a ser considerado o projeto mais

importante e de maior sucesso na história das organizações internacionais. A União

Européia consolidou a paz, a segurança e a estabilidade entre seus participantes, trazendo

prosperidade, crescimento e emprego aos povos envolvidos nesse longo processo; abordado

a seguir segundo os principais Tratados e Acordos que de forma cronológica, constituíram e

consolidaram a integração européia.

4.2.1 O Tratado de Paris (1951)

Assinado em 18 de abril de 1951, o Tratado de Paris, instituiu a primeira das três

Comunidades Européias, a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA). O Tratado

foi assinado por seis países signatários (República Federal da Alemanha (Ocidental),

França, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Holanda185), os quais colocaram em prática uma

forma de cooperação internacional inteiramente nova e pioneira186 (STELZER, 2000).

185 Os três países: Bélgica, Holanda e Luxemburgo firmaram em 1943 e 1945 acordos monetários e aduaneiros, estabelecendo a Convenção BENELUX, firmada em Londres, em 05 de setembro de 1944 e completada pelo Protocolo de Haia, em 14 de março de 1947, entrando em vigor em 1º de janeiro de 1948 (OLIVEIRA, 1999, p. 85). 186 O Reino Unido foi convidado a se integrar ao Tratado de Paris, porém, declinou a proposta de parceria comunitária, frente aos seus interesses econômicos na exploração de suas colônias. Outro motivo para a não participação do Reino Unido foi justamente a proposta de constituição de uma federação européia. Diante disso, os britânicos lideraram a criação de uma nova organização internacional, a Associação Européia de Livre Comércio (EFTA), constituída em 1959, entre a Dinamarca, Portugal, Reino Unido, Suécia, Noruega, Áustria e Suíça, aderindo mais tarde em 1961 Finlândia e em 1970 Irlanda. Essa Associação possui sede em Genebra, onde mantém um conselho de ministros e uma secretaria permanente, apresentando o objetivo de

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Entrando em vigor em 23 de julho de 1952, esse trabalho foi idealizado para durar por

cinqüenta anos, justamente por ser “politicamente, a mais ambiciosa” (OLIVEIRA, 1999, p.

93). Portanto deixou de existir em 2002.

Os principais articuladores da CECA foram Jean Monet (Ministro de

Planejamento do Governo francês) e Robert Schuman (Ministro das Relações Exteriores da

França). Num primeiro momento a idéia era colocar sob controle de uma autoridade

comum, o conjunto da produção francesa e alemã187. Para isso, o Tratado criava uma União

Aduaneira referente ao setor do carvão e o aço, que de acordo com Oliveira (1999, p. 94)

possuía quatro objetivos fundamentais:

a) criação de um mercado comum ao setor do carvão e do aço; b) livre circulação de fatores no âmbito setorial; c) aspiração política de contribuir com o desenvolvimento da África como forma de recuperação dessa antiga potência colonial e; d) estabelecimento de uma federação européia.

A escolha do setor siderúrgico para esse primeiro passo de integração, segundo

Thorstensen (1992a), foi porque a indústria do carvão e do aço era de grande importância

para a economia da França e Alemanha, cuja rivalidade havia originado duas guerras

mundiais. Além disso, o setor é vital para a indústria de armamentos, o que exigia que a

CECA fosse controlada por um poder acima dos dois Estados rivais, ou seja, por um

conjunto mais amplo de Estados.

Esta União foi instalada e implicava na supressão dos direitos de aduana e das

restrições quantitativas à livre circulação de produtos. Outros pontos fundamentais

fomentar intercâmbios comerciais, sem outras implicações em nível de integração mais profundas (OLIVEIRA, 1999, p. 63-64). 187 Pode-se observar que o Tratado que instituiu a CECA foi fruto de minuciosas discussões e estudos realizados no âmbito de uma conferência de especialistas presidida por Jean Monnet, e consagra não só as soluções como o próprio espírito da Declaração Schuman. Completa-se ainda dizendo que os aspectos característicos de uma organização federalista estão, com efeito, claramente marcados no Tratado, com as transferências de determinadas competências estatais para uma Alta Autoridade Comunitária dotada de amplos poderes para agir, tanto sobre os Estados Membros como sobre as empresas nacionais dos setores do carvão e do aço. Percebe-se também que a produção legislativa é autônoma e conseqüentemente uma sobreposição de ordens jurídicas; há possibilidades abertas às instituições comunitárias de procederem elas próprias as revisões do Tratado; os Estados Membros são submissos à legislação de origem comunitária e ao rigoroso controle jurisdicional do exato cumprimento das obrigações por ele assumidas no âmbito da CECA. Considere-se ainda, que a par disso, o Tratado, retomando no seu preâmbulo as fórmulas essenciais da Declaração Schuman, proclamava o seu objetivo último de criar mediante a instauração de uma comunidade econômica, os primeiros fundamentos de uma comunidade mais larga e mais profunda, assim como lançar as bases de instituições capazes de orientar um destino doravante partilhado (Soder, 1995).

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implicaram a proibição de medidas discriminatórias e de subvenções; assim como as ajudas

acordadas pelos Estados e as práticas restritivas tendentes à exploração dos mercados

deveriam ser evitadas (Artigo 4º do Tratado de Paris – CECA). Com o Tratado, o mercado

do carvão e do aço passou do domínio do princípio da livre concorrência, para a existência

de um controle sobre o abastecimento e fixação dos preços pela Comunidade.

A realização do mercado comum seria feita de forma progressiva. Primeiramente,

ter-se-ia um período preparatório para a criação das instituições, seguido de um período de

transição para que as indústrias nacionais se adaptassem às novas condições do mercado.

Para isso, o Tratado CECA, instituiu quatro instituições dotadas de poderes efetivos,

imediatos e supranacionais: um Conselho de Ministros188, uma Alta Autoridade

(Comissão), uma Assembléia Parlamentar189 (Parlamento Europeu) e um Tribunal de

Justiça190 (OLIVEIRA, 1999). O poder supranacional foi confiado a um órgão denominado

de Alta Autoridade (atualmente denominada de comissão), órgão executivo colegiado,

independente dos governos nacionais. Esta Alta Autoridade era a verdadeira instância

supranacional dotada de poder de decisão191.

Após a experiência da integração pelo setor siderúrgico, surgiu uma nova idéia de

integrar também o setor de defesa europeu. Através do Plano Pleven (Presidente do

Conselho de Ministros da França), propôs-se a criação de um exército europeu para defesa

comum, sujeito às instituições políticas de uma Europa Unida. Então em 1952, através do

Tratado de Paris, foi criada a Comunidade Européia de Defesa (CED). Tal organismo não

vingou devido ao seu desfavorecimento por parte da França e Reino Unido

(THORSTENSEN, 1992a).

188 O Conselho de Ministros representava os governos na coordenação da política da Alta Autoridade. Sua concordância era coordenar a ação dos Estados Membros com a ação da CECA (OLIVEIRA, 1999, p. 95). 189 A Assembléia Parlamentar dispunha de limitada competência de controle político por encontrar-se representada por parlamentos nacionais, ou seja, não passava de uma representação de segundo grau (OLIVEIRA, 1999). 190 O Tribunal de Justiça, composto por sete juizes independentes, compunha os litígios, bem como dispunha de poderes para anular decisões. Era responsável pela proteção jurisdicional da Comunidade e de particulares mediante acesso direito, pela legalidade dos atos da Alta Autoridade e divisão da competência entre a CECA e os Estados Membros. 191 Tinha por missão assegurar, nos prazos, a modernização da produção e o melhoramento de sua qualidade; o fornecimento do carvão e do aço em condições idênticas às dos mercados internos; o desenvolvimento da exportação comum para outros países; o melhoramento das condições de trabalho nessas indústrias. Segundo Oliveira (1999) a Alta Autoridade era formada por seis membros nomeados de comum acordo pelos seis Estados comunitários, era independente destes e assistida por um comitê consultivo sócio-econômico, responsável politicamente frente a Assembléia.

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Com o fracasso da CED, e pressionados pelos EUA, os países da CECA mais o

Reino Unido criaram a União Européia Ocidental (UEO). Esta organização seria

encarregada, de acordo com Thorstensen (1992a, p. 36) “de garantir a segurança da Europa

e de controlar os armamentos europeus”.

É essa ‘supra-estrutura’ político-institucional que se revestiu de revolucionária

originalidade, e que revelou o esboço e embrião da futura e não distante experiência de

implantação de um verdadeiro mercado comum, estágio mais avançado no processo de

integração europeu que culminou em 1957 com a assinatura de dois outros Tratados, como

se verá em seguida192.

4.2.2 Os Tratados de Roma (1957)

Apesar da crise originada com a rejeição da CED, a opinião pública sempre foi

favorável à unidade européia. Com a liderança de Paul Spaak (Ministro das Relações

Exteriores da Bélgica), foi formado um comitê em 1955 para examinar a união econômica e

a possível união do setor da energia nuclear (THORSTENSEN, 1992a). Tal projeto foi

denominado relatório Spaak, o qual direcionava as negociações em dois sentidos: “criação

de uma comunidade de energia atômica e outra de cunho econômico” (OLIVEIRA, 1999,

p. 96). Assim, em 25 de março de 1957, Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e

Holanda assinaram o Tratado de Roma na capital italiana. Tal Tratado instituía a

Comunidade Econômica Européia (CEE) e, a Comunidade Européia da Energia Atômica

(CEEA) também conhecida como EURATOM.

A CEEA girava em torno do estabelecimento das condições necessárias à

formação e crescimento rápido das indústrias nucleares e tinha por objetivo “o

desenvolvimento da indústria nuclear. Inclui a pesquisa e difusão de conhecimento, o

investimento e a criação de empresas comuns, a produção de material nuclear, a segurança

192 Segundo Casella (1994, p. 70) “com a assinatura, e entrada em vigor do Tratado CECA, mais do que acordo técnico, representando o resultado da negociação diplomática clássica, ocorreu a criação de novo sistema jurídico-político, por meio da associação de signatários à nova entidade supranacional encarregada, inicialmente, da gestão comum da produção de carvão e de aço daqueles países, mas também, em contexto mais amplo, representando a efetivação do primeiro passo concreto para futura federação européia, bem como para a superação definitiva do perigo de guerra entre as potências regionais”.

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e o estabelecimento de um mercado de material nuclear193” (THORSTENSEN, 1992a, p.

37).

O Tratado de Roma relativo a CEE dilatou o campo de cooperação supranacional

e relançou, assim, a construção européia. O domínio econômico, menos sujeito a

resistências nacionais, parecia um campo propício para a iniciativa. Segundo Soder (1995,

p. 39) o Tratado da CEE

[...] visa integrar, em primeiro lugar, economia dos países da Europa, iniciada pela CECA, para ser continuada através de uma União Aduaneira e o estabelecimento de um mercado comum. O programa seria conseguir em 12 a 15 anos a queda de todas as barreiras aduaneiras internas, e a formação de uma alfândega exterior comum, além de libertar o comércio de todos os empecilhos, seguido, em muitos setores, uma economia geral com a equiparação das respectivas normas jurídicas.

Dessa forma, com a criação de um mercado comum através da união aduaneira

entre os Estados Membros ocorreu, gradualmente, o estabelecimento de uma política

comercial e de uma tarifa aduaneira comum em relação aos Estados não participantes194.

Outrossim, além da livre circulação de mercadorias, o mercado único previu igualmente a

abolição, entre os Estados membros, de obstáculos à livre circulação de pessoas, serviços e

de capital. Para isso, o Tratado de Roma estabeleceu instituições e mecanismos que

permitiram a expressão dos interesses nacionais e comunitários, porém independentes entre

a CEE e CEEA: cada uma possuía sua própria Comissão e Conselho, tendo em comum

apenas a Assembléia e o Tribunal de Justiça.

193 Oliveira (1999, p. 97) acrescenta e aprofunda esses objetivos. A CEEA se comprometeu em “desenvolver a investigação e difusão dos conhecimentos técnicos; fixar normas de segurança, proteção sanitária da população e dos trabalhadores; facilitar os investimentos; velar para o abastecimento regular; garantir a utilização pacífica dos materiais nucleares; criar um mercado comum com garantias à livre circulação dos trabalhadores, materiais e equipamentos e capitais para os investimentos nucleares”. 194 No preâmbulo do Tratado CE, os Estados membros: “Declaram-se determinados a estabelecer os fundamentos de uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus; Declaram-se decididos a assegurar, mediante uma ação comum, o progresso econômico e social de seus povos, eliminando as barreiras que dividem a Europa; Têm por objetivo essencial a melhoria constante das condições de vida e de trabalho de seus povos; Reconhecem que a eliminação dos obstáculos existentes demanda uma ação organizada com vistas a garantir a estabilidade na expansão, o equilíbrio nas trocas e a lealdade na concorrência; Interessam-se a reforçar a unidade de suas economias e a assegurar o desenvolvimento harmonioso, reduzindo as desigualdades entre as diferentes regiões e o atraso das menos favorecidas; Desejam contribuir, graças a uma política comercial comum, com a supressão progressiva das restrições ao comércio internacional; Declaram-se resolutos a afirmar a paz e a liberdade, e apelam aos outros povos da Europa para que compartilhem de seus ideais e que se associem a seus esforços [...]”.

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Os efeitos trazidos pelos dois novos tratados implicaram em alterações na política

aduaneira e na supressão das restrições quantitativas das trocas durante o período de

transição (1958-1970). Seus resultados foram espetaculares e tanto o comércio

intracomunitário quanto às trocas com terceiros países foram ampliadas.

Para concluir e iniciar a exposição sobre o próximo tratado é importante deixar

claro que as Comunidades Européias eram três organizações internacionais distintas:

CECA, CEE e CEEA, cada uma com seu Tratado de criação e suas instituições. Porém, em

1965, o Tratado de Fusão, assinado em Bruxelas, unificou o sistema institucional das

Comunidades, assim como sua designação, a qual ficou denominada Comunidade

Européia195.

O processo de adesão à União Européia aconteceu no decorrer de quase 15 anos.

Em 22 de janeiro de 1972, foi assinado em Bruxelas, o Tratado de Adesão da Noruega,

Grã-Bretanha, Dinamarca e Irlanda, que passaria a formar a comunidade dos nove, pois, a

Noruega não ratificou o Tratado. O segundo alargamento ocorreu com a entrada da Grécia,

em 28 de maio de 1979 em Atenas, em 1981 torna-se o décimo Estado Membro das

Comunidades. A terceira expansão foi com o ingresso de Portugal e Espanha em 12 de

junho de 1985, respectivamente em Lisboa e Madrid. A Europa dos doze entrou em vigor a

partir de janeiro de 1986. Finalmente, após a Assinatura do Tratado em Carfu, a 24 e 25 de

junho, e em janeiro de 1995, os Estados da Áustria, Finlândia e Suécia incorporaram-se à

UE, que passou a ter 15 Estados Membros (STELZER, 2000).

Na década de oitenta, o processo de integração, com seis novos membros até

então, demonstrava sinais de que uma reforma deveria tomar corpo, o que, de fato, veio a

ocorrer em 1986, com a assinatura do Ato Único Europeu. A experiência comunitária

continuou a evoluir, e no decorrer dos anos, diversos tratados foram assinados,

regulamentando inúmeros setores e áreas importantes.

195 Stelzer (2000, p. 33) explica melhor ‘a fusão dos executivos’ das Comunidades Européias. “A simultânea entrada em vigor dos tratados CEE e CEEA (1957), além do tratado CECA (1951), fiz com que sobre o mesmo território dos seis países integrantes, estivesse operando três distintas Comunidades. (...) O Tratado de 1965, instituiu um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Européias. É importante compreender que a fusão dos executivos não era acompanhada de uma unificação das suas funções. (...) A partir de 1965, as Comunidades Européias já contavam com suas quatro instituições básicas: Parlamento, Corte de Justiça, Conselho e Comissão”.

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4.2.3 O Tratado do Ato Único Europeu (1986)

O Ato Único Europeu196 (AUE) foi assinado em Luxemburgo e foi ratificado

pelos parlamentos nacionais em 1986. Entrou em vigor um ano depois com o escopo de

dinamizar a construção européia e atingir o mercado comum interno em 1º de janeiro de

1993. O AUE revelou-se extremamente importante. De uma parte porque emendou diversas

disposições dos Tratados de Roma, e de outra porque introduziu uma nova forma de

cooperação em matéria de política estrangeira. Porém, de certa forma, o Ato Único

Europeu, foi uma revisão (modificando e complementando) os Tratados de Paris (1951) e

os Tratados de Roma (1957).

Os princípios básicos que nortearam a adoção do Ato Único Europeu foram assim

enumerados na sua de motivos:

a) dar prosseguimento ao esforço de construção da União Européia; b) promover a implementação dessa União graças às três Comunidades, e a cooperação dos Estados em matéria de política exterior; c) promover a democracia; d) valorizar o papel do Parlamento Europeu; e) agir com coesão e solidariedade; f) promover a melhoria da situação econômica e social e; g) realizar progressivamente a União econômica e monetária, [discutida] em 1972 (CASELLA, 1994, p. 179).

Com a assinatura do AUE os Estados membros delegaram uma parte de seu poder

de decisão às instituições européias em novos setores. A competência comunitária foi,

assim, estabelecida no domínio da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico, do meio-

ambiente e da política social. O tratado codificou a cooperação em matéria de política

econômica e monetária e previu reformas institucionais, com vistas ao cumprimento de

novos objetivos. Nesse sentido, Oliveira (1999, p. 116), aponta os principais objetivos197 do

196 Segundo Casella (1994, p. 178) o Tratado do Ato Único Europeu, possui essa terminologia devido a dois aspectos fundamentais: a) o fato de reunir, em um único documento, dispositivos que alteram três diferentes Tratados, e b) o fato de reunir, sempre em um único documento, dispositivos que reformam instituições, ampliam competências comunitárias, criam novas políticas e estabelecem as bases de cooperação européia em matéria de política exterior. 197 Também Stelzer (2000) aponta esses objetivos. Entre eles estão: a) Extensão do voto por maioria qualificada no seio do Conselho no que tange aos domínios estratégicos para conclusão do mercado interno: tarifa aduaneira externa, livre prestação de serviços, livre circulação de capitais, transportes marítimos e aéreos, harmonização das legislações. b) Reforço dos poderes do Parlamento Europeu. Suas competências foram prolongadas. De uma parte, o parecer favorável do Parlamento Europeu tornou-se necessário antes da adoção de atos de ampliação da Comunidade e de acordos de associação com terceiros países. Por outro lado, o novo procedimento, dito de cooperação, conferiu um poder crescente ao Parlamento. c) Institucionalização

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Tratado Único Europeu: “estabelecimento de um grande mercado sem fronteiras, como

meta maior; adoção das políticas estruturais e de apoio às regiões mais atrasadas;

cooperação monetária e de investigação e tecnologia; dimensão social e; proteção ao meio

ambiente”.

O Ato Único reafirma o propósito de criar a União Política. Porém inova

implantando e promovendo o livre comércio entre os países membros, retirando as

restrições e barreiras comerciais como tarifas, alfândega e checagens na fronteira, entre

outras, contribuindo para estabelecer uma união econômica mais forte, providenciando o

que era necessário para a melhoria do comércio interno. Todas as modificações e

implementações do Ato Único Europeu contribuíram significativamente para a evolução o

processo de integração. Segundo Oliveira (1999, p. 117)

[...] o Tratado do Ato Único Europeu, a mais importante reforma da Comunidade até então, converteu-se em um verdadeiro ato constitucional, ampliador dos objetivos fundadores, fixando as bases legais da consecução do mercado único e a data de 31 de dezembro de 1992 para sua concretização, tornando-se antecedente do Tratado de Maastricht que, somado ao Tratado de Amsterdã, representam as etapas essenciais do processo de construção do Continente Europeu.

Dessa forma, percebe-se que o AUE contribuiu para o alcance da integração

econômica e monetária da União Européia. No entanto, no que diz respeito ao respaldo

político da Comunidade, o vazio torna-se cada vez mais insuportável. É exatamente esse

ponto que o próximo Tratado irá abordar, a dimensão política da integração econômica e de

como ela pode ser reorganizada em termos democráticos e institucionais.

do Conselho Europeu. Fixou sua composição: chefes de Estado e de governos dos Estados membros, Presidente da Comissão Européia assistidos pelos ministros de assuntos estrangeiros e um membro da Comissão. d) Criação do Tribunal de Primeira Instância. Um Tribunal de primeira instância veio assistir o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias para as ações de anulação, carência ou reparação, interpostas por pessoas físicas ou jurídicas; recursos contra a Comissão Européia, interpostos por empresas; litígios entre a União Européia e seus funcionários e agentes. Todos as lides podiam ser transferidas a esse Tribunal, com exceção das questões prejudiciais.

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4.2.4 O Tratado de Maastricht (1992)

O Tratado de Maastricht, também conhecido como Tratado da União Européia,

constitui o mais importante instrumento de reformas dos Tratados fundadores da

Comunidade. Foi firmado em 07 de fevereiro de 1992 em Maastricht, Holanda, mas

somente entrou em vigor em 1º de novembro de 1993, após longo processo de ratificação198

(OLIVEIRA, 1999). Este Tratado instituiu a União Européia dos doze Estados Membros

que se transformaram em quinze em 1995 e ultrapassou o objetivo econômico inicial da

Comunidade conferindo-lhe uma vocação política, marcada uma nova e decisiva etapa no

processo de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa.

De acordo com Soder (1995), o Tratado de Maastricht representa tudo o que

precedeu o movimento de integração européia e o passo decisivo para criação da União

Política. Ainda segundo o mesmo autor, Maastricht alterou profundamente tudo quanto o

que já existia na Comunidade Econômica Européia, fazendo das três comunidades

existentes, uma só. Em seu artigo 1º, Maastricht institui a denominação União Européia,

fundada nas Comunidades Européias originais e, ao fazer isso, o Tratado criou um novo

ramo do direito, o Direito Comunitário199.

As Comunidades instauradas pelos Tratados de Paris e Roma continuam

existindo, apenas ocorreu a redefinição de sua estrutura. Contudo, com a instituição da UE

o caráter social e político da comunidade foi instituído a partir da sedimentação de três

objetivos, definidos também como os três pilares da união. No Primeiro Pilar200 fazem parte

as duas comunidades201 cuja característica fundamental é a integração, supranacionalidade

e cessão de soberania. O Segundo Pilar202 é encarregado da Política Exterior e de

198 O Tratado foi o resultado de um ano de negociações, em duas conferências de Governos – uma sobre a união econômica e monetária, a outra sobre a união política (SODER, 1995, p. 27). 199 Sobre Direito Comunitário, observa o primeiro capítulo desta pesquisa. 200 Segundo Oliveira (1999) o Primeiro Pilar trata de finalidade ampla, relativa ao progresso econômico e social equilibrado e sustentável, que se relaciona com a criação de um espaço sem fronteiras e a livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais fixados no Tratado de Roma (1957) e completada no Tratado do Ato Único Europeu (1986), somando-se aos objetivos de fortalecimento do Tratado de Maastricht (1992). 201 A CECA foi extinta em 2002. 202 Oliveira (1999), explica que o Segundo Pilar prende-se ao marco da identidade da União Européia junto ao cenário internacional, no que diz respeito à concretização da PESC européia, a qual poderá conduzir, em momento propício, a uma defesa comum.

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Segurança Comum (PESC), e o Terceiro Pilar203, da Cooperação nos Âmbitos da Justiça e

Assuntos de Interior, ambos com características de cooperação intergovernamental204

(OLIVEIRA, 1999). Observa-se assim, que a existência destes três pilares resulta da

necessidade de estabelecer métodos diferenciados de tomada de decisão, correspondendo à

variada natureza das matérias tratadas pala UE.

Para complementar o caráter supranacional, o Tratado de 1992 cria órgãos

comuns: o Conselho Europeu205, o Conselho de Ministros206, a Comissão207, o Tribunal de

Justiça208, o Parlamento209, e acrescentando o Tribunal de Contas210 (SODER, 1995).

203 No que diz respeito ao Terceiro Pilar, Oliveira (1999) coloca que este está ligado à criação da cidadania da União Européia, com a finalidade de proteger direitos e interesses de seus nacionais. 204 À maior sensibilidade política nas questões envolvidas nos segundo e terceiro pilares. Corresponde uma especial proteção dos pontos de vista de cada um dos Estados-membros. A unidade e articulação de todo o sistema mantêm-se, porque são comuns aos três pilares as Instituições a quem cabe a tomada de decisão. 205 O Conselho Europeu reúne os Chefes de Estado e de Governo e funciona como instância de orientação geral para todas as áreas da União Européia. Tem responsabilidades diretas na fixação das grandes orientações, quer da política macroeconômica da Comunidade, quer da sua Política Externa e de Segurança Comum, que assim resultam de um consenso solenemente estabelecido ao mais alto nível político(<http://europa.eu.int>). 206 O Conselho de Ministros é o órgão central de decisão e reúne representantes dos doze Estados, ao nível de membros dos governos. Assim, e, por exemplo, os Ministros dos Negócios Estrangeiros, reunidos através do Conselho Assuntos Gerais, asseguram a coordenação global da vida comunitária e tomam decisões de caráter marcadamente político; aos Ministros da Agricultura, reunidos através do Conselho Agricultura cabem as decisões relativas à Política Agrícola Comum; os Ministros das Finanças, reunidos através do Conselho ECOFIN, tomam decisões relativas à harmonização fiscal e ao orçamento comunitário (<http://europa.eu.int>). 207 A Comissão é a guardiã dos Tratados comunitários, detentora do direito exclusivo de fazer propostas. Chama-se a isso o direito de iniciativa. Sem essa ação da Comissão nenhum processo de decisão, em nível de Conselho de Ministros, pode ser desencadeado. A Comissão é também a instância executiva das políticas comuns, ainda que em articulação com as administrações nacionais. A grande inovação do Tratado da União Européia relativamente à Comissão traduz-se no fato de passar a ser necessário o voto de aprovação do Parlamento Europeu para sua nomeação. O mandato da Comissão passa a ser de cinco anos, para coincidir com a duração do mandato dos deputados ao Parlamento Europeu(<http://europa.eu.int>). 208 O Tribunal de Justiça mantém a esfera de atuação que detinha no Tratado anterior, continuando a assegurar o respeito e unidade de interpretação do Direito Comunitário. Constituem significativa inovação, porém, as disposições que realçam o caráter vinculativo das decisões do Tribunal, ao preverem sanções para os Estados Membros que não as acatem num prazo razoável. Verdadeiro motor da construção européia, a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem um papel importante a desempenhar na consolidação e interpretação dos novos conceitos do Tratado da União (<http://europa.eu.int>). 209 O Parlamento Europeu reúne os deputados europeus eleitos diretamente nos vários Estados-membros, os quais representam os diversos povos da Europa. O Parlamento Europeu funciona, essencialmente, como instância de controlo político em todas as áreas de ação da União. Ao nível das matérias contidas no 1 º pilar, o Parlamento Europeu detém ainda poderes de intervenção no processo legislativo que saem reforçados no novo Tratado pela instituição de um processo de co-decisão. A co-decisão dá ao Parlamento Europeu a possibilidade de repartir com o Conselho de Ministros o poder de decisão. O processo de co-decisão aplica-se, por exemplo, em áreas como a livre circulação de trabalhadores, o mercado interno, e meio ambiente. No âmbito do novo Tratado é reconhecida também ao Parlamento Europeu a possibilidade de constituir uma comissão de inquérito temporário para analisar alegações de infração ou de má administração, na aplicação do direito comunitário. É ainda reconhecido aos cidadãos da União, bem como a qualquer outra pessoa singular,

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Diante disso, o Tratado de Maastricht representou, segundo Stelzer (2000, p. 38),

basicamente, o seguinte:

a) uma moeda única em vigor, o mais tardar, em 1999211; b) novos direitos para os cidadãos europeus, que passarão a contar com uma verdadeira cidadania européia212; c) introdução de uma política externa comum; d) alargamento das responsabilidades da UE, haja vista que novos domínios foram alcançados, tais como: política industrial, política social, educação, cultura, infra-estrutura dos transportes, entre outro e; e) mais poderes ao Parlamento Europeu.

Apoiando-se sobre o mecanismo de cooperação política instituída pelo AUE, o

Tratado de Maastricht instaurou uma política estrangeira e de segurança comum que

permitiu implementar ações comuns. O Tratado de Maastricht previu uma revisão dos

tratados afim de, notadamente, assegurar a melhor eficácia das instituições comunitárias em

face de futuras adesões. Apesar de todas as dificuldades que o Tratado teve para integrar os

Estados Membros na esfera política, ele proporcionou um grande impacto na integração

econômica e monetária, assim como a eliminação de etapas ao processo, pois não só

instituiu a União Européia, como criou a visão de um cidadão da Europa.

ou coletiva, com residência num Estado membro, um direito de petição direta ao Parlamento Europeu. Também em matéria orçamental, o Parlamento viu seus poderes de controle reforçados no âmbito do novo Tratado (<http://europa.eu.int>). 210 O Tribunal de Contas adquire, no novo Tratado, o estatuto de Instituição comunitária e, embora a sua composição, funcionamento e principais funções se mantenham inalteradas, assume uma maior importância na assistência ao Parlamento Europeu e ao Conselho no exercício das respectivas funções de controle da execução do orçamento comunitário. O reforço das suas funções responde a exigência de rigor na aplicação dos recursos financeiros da União(<http://europa.eu.int>). 211 A decisão de criar uma moeda única em 1 de janeiro de 1999 sob a égide de um Banco Central Europeu (BCE), consubstanciou a real integração econômica e monetária no seio do mercado único. 212 A cidadania européia foi, então, condicionada pela cidadania nacional, conferindo novos direitos, e entre eles está o direito de circular e de residir livremente nos países da Comunidade; proteção no exterior por parte das embaixadas e consulados de quaisquer dos Estados membros; direito de votar e ser eleito no Estado onde reside para as eleições européias e municipais (sob certas condições); assim como o direito de petição perante o Parlamento Europeu.

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4.2.5 O Tratado de Amsterdã (1997)

Em 02 de outubro de 1997 foi assinado o Tratado de Amsterdã, o qual entraria em

vigor em 1º de maio de 1999213. A assinatura desse Tratado consolidou os grandes pilares

sobre os quais a União Européia se assentava, desde a entrada em vigor do Tratado de

Maastricht (1993). Stelzer (2000, p. 39) aponta os quatro grandes objetivos para a

formulação do Tratado de Amsterdã:

a) fazer do emprego e dos direitos do cidadão o ponto crucial da União; b) suprimir os últimos entraves à livre circulação e reforçar a segurança; c) permitir que a Europa faça ouvir melhor a sua voz no mundo e; d) tornar mais eficaz a arquitetura institucional da União, tendo em vista o próximo alargamento.

Em outras palavras, o Tratado acabou por afirmar os princípios da liberdade, da

democracia e do respeito aos direitos humanos. Propôs organizar um espaço de liberdade,

segurança e de justiça. Fez, ademais, entrar no campo de incidência comunitária, diversos

novos domínios. Assim, estabeleceu o princípio de cooperação reforçada para permitir aos

países que assim desejam, avançar mais rapidamente em determinados setores. O tratado

estipulou como objetivo da União Européia “um elevado nível de emprego” e, para tanto,

previu melhor e maior coordenação entre as políticas nacionais de luta contra o

desemprego.

Neste sentido, o Tratado também buscou resguardar melhores condições relativas

à legislação social (STELZER, 2000). Com isso, a política social transformou-se em

política comunitária e todos os Estados membros deviam aplicá-la. O tratado, ainda,

reforçou a proteção dos direitos fundamentais, proibiu toda forma de discriminação e

reconheceu o direito à informação assim como a defesa dos consumidores.

Ainda segundo Stelzer (2000) a livre circulação214 e o desejo de viver em

segurança também constituem novos direitos contemplados pelo Tratado. É instaurado o

controle de imigração, os vistos, o direito de asilo, a cooperação judiciária em matéria civil

213 O Tratado de Amsterdã só entraria em vigor com a ratificação dos quinze membros, ou seja, somente no momento em que ele fosse aprovado definitivamente por todos. Ele só entrou em vigor em 1º de maio de 1999, porque foi quando, o último Estado Membro, a França, o ratificou. 214 A Convenção de Schengen (1990), que permite atualmente a livre circulação de pessoas sem controle nas fronteiras e organiza a cooperação policial entre dez países, foi integrada ao novo Tratado e se aplica a todos países da União Européia (OLIVEIRA, 1999).

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entre outros direitos que surgiram através de decisões comunitárias. Os países reforçaram,

numa ação intergovernamental, as ações de luta contra o terrorismo, o crime organizado, a

pedofilia, o comércio de drogas e armas, a fraude e a corrupção. Outro ponto salientado

pela autora citada refere-se ao fortalecimento da imagem da Europa no mundo. Isso porque,

de agora em diante, os Estados Membros passam a negociar através da comunidade, e não

mais individualmente. O ultimo ponto marcante do Tratado é sobre o sistema institucional,

que se tornou mais eficaz215(STELZER, 2000)

Oliveira (1999) tenta sintetizar o Tratado de Amsterdã dizendo que “internamente

volta-se à questão social e democrática da Europa e a livre circulação de seus cidadãos. No

âmbito externo ao fortalecimento da política exterior da União Européia e a luta eficaz

contra a delinqüência organizada”. O Tratado de Amsterdã deu à União Européia uma

dimensão política, cujo peso corresponde a uma reestruturação ao projeto de integração.

Este novo espaço para a construção de uma comunidade européia se abriu no tempo devido,

pois sem ele cinqüenta anos de construção da paz e do desenvolvimento da Europa

poderiam estar perdendo seu horizonte de forma irremediável (Op cit, 1999, p. 120).

O resultado do Tratado, segundo Guerot (2001), cujo objetivo era fechar as

lacunas políticas e institucionais do Tratado de Maastricht, foi extremamente

decepcionante. Para o autor citado:

Embora o Tratado de Amsterdã tenha trazido algumas melhorias para o Parlamento [...], além da implementação da cidadania da União e, finalmente, a introdução de uma ‘clausula de flexibilidade’, [...] nas questões realmente centrais [...] o Tratado de Amsterdã não trouxe nenhuma mudança que tivesse implicado uma reforma básica das instituições européias. As resoluções de Amsterdã não só revelaram-se totalmente insuficientes para restituir a capacidade de ação da UE, [como ainda] ressaltaram mais a necessidade política de realização da reforma institucional adiada ate este momento (Op. Cit, 2001, p. 16-17).

Em que pese as observações apontadas por Guerot, pode-se destacar que o Tratado

de Amsterdã se insere no processo de avanços continuados. Embora isso não represente que

215 O sistema de decisões foi parcialmente revisto. O tratado reforçou consideravelmente a participação do Parlamento Europeu no procedimento legislativo da União Européia, pela generalização e simplificação do procedimento de co-decisão. O Parlamento e o Conselho de Ministros da União Européia, em conjunto, dão nascimento à maioria dos textos normativos e, sobretudo, aqueles que concernem o cidadão, tais como emprego, saúde, livre circulação, pesquisa, meio ambiente, igualdade de remuneração. No âmbito do Conselho, a unanimidade não se faz mais indispensável para as questões constitucionais e assuntos importantes tais como a tributação, e, durante cinco anos, para a regulamentação da imigração e de vistos.

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estes sejam sempre positivos. Por exemplo, buscar avanços em questões como direitos do

cidadão, a supressão de entraves à livre circulação, a segurança comum, a atuação da

Europa como uma unidade e mais eficácia para a arquitetura institucional da União são

pontos bastante complexos. O longo tempo que a UE discute estes assuntos mostra que as

decisões sempre são difíceis. Nesse sentido, o Tratado de Nice pode ser considerado mais

uma tentativa de se avançar no processo de consolidação da UE.

4.2.6 O Tratado de Nice (2001)

O Tratado de Nice veio no lastro da necessária revisão da União Européia (dos

tratados anteriores) frente às novas adesões que se faziam inevitáveis. Mostrou-se

imperativo, então, uma mudança profunda no que concerne ao sistema político e também

jurisdicional da UE. Assinado em 26 de fevereiro de 2001, o tratado de Nice já foi

ratificado pelos Estados Membros. O Tratado, de acordo com Vizentini216

[...] formalizou a proposta de adesão de 12 novos Estados da Europa centro-oriental, a estruturação de uma força de defesa européia independente da OTAN e lançou o debate sobre o aprofundamento da integração, da criação de novas instituições e da adoção de uma política externa e de defesa comuns. A ratificação de tal tratado foi rejeitada em plebiscito na Irlanda, criando enorme desconforto na Europa217.

O Tratado consta de quatro partes, das quais a primeira define os objetivos,

concorrências e instituições da União, enquanto a segunda inclui integralmente a Carta de

direitos fundamentais proclamada em Nice. A terceira descreve as políticas comuns e a

quarta contém as disposições gerais e finais. Diante disso, pode-se notar que o Tratado de

216 VIZENTINI, Paulo Fagundes. A União Européia na Encruzilhada. Relações Internacionais. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_36.htm>. Acessado em: 12 nov 2004. 217 As razões do não irlandês são várias. A Irlanda pratica uma espécie de dumping fiscal, cobrando baixos impostos de companhias transnacionais, especialmente norte-americanas que se instalam em seu território e exportam para o mercado europeu sem pagar tarifas alfandegárias. Cedendo mais poderes a Bruxelas, certamente o país teria de eliminar este tipo de concessão fiscal unilateral, ameaçando seu quase pleno-emprego. Por outro lado, a adesão de novos membros da Europa oriental desviaria para outros países grande parte dos fundos comunitários destinados a elevar o nível das regiões pobres, reduzindo a quota irlandesa. Pior ainda, em 2006 a Irlanda terá de começar a contribuir para estes fundos comunitários, depois de receber ajuda durante três décadas. In: VIZENTINI, Paulo Fagundes. A União Européia na Encruzilhada. Relações Internacionais. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_36.htm>. Acessado em: 12 nov 2004.

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Nice (2001) visou justamente adequar a "constituição comunitária" ao alargamento,

sobretudo no que diz respeito à composição dos órgãos e ao seu modo de funcionamento.

Os pontos centrais das negociações em Nice foram, segundo Guerot (2001, p. 18)

“o número dos comissários218, a ponderação dos votos do Conselho219 e as decisões por

maioria qualificada220”.

Diante disso, nota-se que o Tratado de Nice, tornou possível o processo de

alargamento da União Européia. Em 2004, entrou em vigor o último e mais ambicioso dos

alargamentos da União Européia. Foram 10 novos membros, aos já 15 existentes. Entre os

novos membros estão: Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Hungria, Polônia, República

Tcheca, Eslovênia e as Ilhas de Chipre e Malta.

O Tratado de Nice deixou muitas perguntas sem respostas, mas com o ingresso

de novos países, faz-se necessário substituir os mecanismos decisórios da União, que não

apenas são limitados para responder à realidade atual, como poderão se tornar anacrônicos

com um número maior de membros. Os processos de tomada de decisão, já comprometidos

diante da busca de um salto qualitativo requerido para a formulação de uma política externa

e de segurança comuns, por exemplo, entrariam numa situação de paralisia em face de

questões como a rediscussão da política agrícola comum, inevitável com o ingresso de

países do leste europeu, os quais têm na agricultura um ponto forte na competição com os

218 O autor explica, segundo o número de comissários: “se a UE ampliada em mais 12 países, ela chegará a 27 membros. Uma comissão com 27 comissários não é apenas incapaz de operar como também não existem pastas suficientes na comissão para adjudicar áreas próprias de atuação a 32 comissários (os países grandes tinham até então dois comissários). A proposta formulada em Nice foi a de reduzir o número de comissários para 20. Porém nenhum país mostrou-se disposto em Nice a renunciar a seu “próprio” comissário. Apenas os países “grandes” abriram mão do segundo comissário” (GUEROT, 2001, p. 18). 219 No que diz respeito a ponderação de votos do Conselho, “em Nice, portanto, os países grandes desejavam aumentar seu peso proporcional no Conselho, conforme sua participação demográfica. Isso ocorria diante do fato de que a maioria dos países candidatos à adesão são países menores”. Sendo assim, ficou definido em Nice, que “qualquer decisão do Conselho Europeu, precisará cumprir três requisitos: deverá contar com a maioria dos países, a maioria da população e a maioria dos votos ponderados no Conselho. Como conseqüência, os processos decisórios na UE se tornariam mais complicados e difíceis, sem por isso ganhar transparência e eficiência” (GUEROT, p. 19-20). 220 Guerot (2001, p. 20-21) coloca que a decisão de votação por maioria qualificada seria utilizada para todos os assuntos referentes ao Primeiro Pilar, o pilar comunitário. Porém, também neste caso, não foram atingidos avanços significativos. “O objetivo inicial em Nice foi o de conseguir que todos os âmbitos da política fossem sujeitos a votação por maioria qualificada, com exceção de alguns setores que seria enumerados e excluídos; em outras palavras: um procedimento de “regras-exceção”, no qual as decisões majoritárias seriam a regra e as posições de veto a exceção”.

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países da Europa Ocidental, basicamente industriais e representativos no setor de serviços

(VIZENTINI221).

Como se viu, a União Européia, vem, ao longo do século desenvolvendo e

aprofundando os seus laços de integração. Nesse sentido, Nice constitui um marco bastante

importante na sua história. Porém, cada Tratado agregou grandes perspectivas de melhoras,

cada qual no seu devido tempo.

Assim, diante do que foi exposto por todos os tratados já citados, conclui-se que,

após a Segunda Guerra Mundial, o velho Continente, em busca da paz duradoura,

desenvolve a maioria dos seus interesses através do processo de integração. O primeiro

passo concreto iniciou-se em 1951 com o Tratado de Paris, o qual instaurou a Comunidade

Econômica do Carvão e do Aço. Em 1957, os Tratados de Roma criou a Comunidade

Econômica Européia e a Comunidade Européia de Energia Atômica. Em 1986, ocorreu o

Ato Único Europeu, o qual instituiu o mercado interior único e em 1992, o Tratado de

Maastricht consolidou o desejo antigo a de uma união econômica monetária e com o espaço

para a livre circulação. Finalmente, em 1997, com o Tratado de Amsterdã, garantiu-se os

direitos dos cidadãos comunitários e em Nice no ano de 2001 anunciou-se o alargamento e

a ampliação para 25 países. Foi meio século de avanços para a EU conseguir chegar à

estrutura que se apresenta hoje. Com isto, aborda-se, em seguida, a Política Agrícola

Comum buscando identificar sua importância para os países Europeus e sua fundamentação

como uma das principais políticas comunitárias.

4.3 A POLITICA AGRÍCOLA DA UNIÃO EUROPÉIA: UMA POLÍTICA

COMUNITÁRIA

A justificativa para a criação da União Européia e de uma Política Agrícola

Comum (PAC) remonta à própria história da Europa, repleta de conflitos internos, guerras

intermináveis e ansiosa por paz, progresso e desenvolvimento. Somente no século XX, a

Europa foi palco de dois sangrentos conflitos mundiais, em que não houve ganhadores, mas

221 VIZENTINI, Paulo Fagundes. A União Européia na Encruzilhada. Relações Internacionais. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/vizentini/artigos/artigo_36.htm>. Acessado em: 12 nov 2004.

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perdas de milhões de vidas humanas, desmantelamento de famílias e destruição em todos os

setores da economia e países. Seguiram-se anos difíceis de fome, miséria e muito trabalho

para a reconstrução222.

Para resolver o problema de abastecimento de alimentos, concebeu-se a PAC, com

o objetivo de aumentar a produção e reduzir a dependência de importações. Para atingir

esses objetivos, aplicaram-se mecanismos de administração de preços no interior da

Comunidade, proteção tarifária sobre as importações, preferências a produtos da

Comunidade, e apoio ao desenvolvimento tecnológico do setor. A implantação da PAC

buscava elevar a produção e a produtividade dos principais produtos a fim de que o

continente pudesse construir uma agricultura forte o suficiente para reduzir a dependência

do mercado internacional e garantir oferta abundante a preços compatíveis.

(ABRAMOVAY, 1992).

O presente tópico do trabalho, objetiva conhecer melhor o significado da

agricultura para a União Européia e refletir sobre os objetivos e características da política

agrícola européia, assim como a recente reforma da PAC (Agenda 2000, implantada em

2003), a qual foi uma etapa importante para maior liberalização do comércio agrícola

mundial223.

A atividade agrícola teve um papel essencial na criação da Europa dos seis, na sua

construção em sete e depois na dos nove, mais tarde em doze, depois em quinze e agora

com 25 países membros. Muitos autores acreditam ser a Política Agrícola Comum, um

importante marco, assim como o cimento para a integração européia. Nesse sentido

Thorstensen (1992b, p.89), complementa essa discussão colocando que a Política Agrícola

Comum é

222 Como visto anteriormente um dos motivos para uma união mais estreita entre países europeus foi a ameaça do comunismo que rondava a Europa, liderado pela União Soviética, e o outro, o surgimento do novo gigante econômico e político-militar: os Estados Unidos. 223 Uma política agrícola representa um conjunto de medidas que orientam a tomada de decisões por parte dos agentes econômicos de um determinado setor, ou seja, suas decisões vinculam-se às medidas determinadas em tal política. Geralmente, as políticas agrícolas refletem a visão que o país ou a sociedade tem da agricultura, qual a importância dada ao setor, qual o papel da agricultura num dado momento da historia. Por isso as políticas agrícolas são fortemente influenciadas por fatores culturais, históricos, sociais, econômicos, etc. Já uma política agrícola comum possibilita o alargamento do mercado, a estabilidade da oferta e a otimização da exportação das vantagens de produção regional num grande espaço econômico (DEPONTI, 2000, p. 66-67).

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[...] a mais antiga e a mais estruturada das Políticas Comunitárias. Apesar de toda a discussão, o papel da PAC na vida comunitária é muito importante. Logo após a Segunda Guerra Mundial, a principal tarefa dos governos foi gerir a escassez de alimentos. Admite-se que foi a PAC o cimento que uniu os países em torno dos mesmos interesses. Daí deriva a sua importância na vida comunitária.

O Tratado de Roma, que passou a vigorar em 1958 e assentou os alicerces da

Comunidade Européia, preconizava a adoção de uma Política Agrícola Comum como uma

das medidas necessárias para estabelecer um mercado comum entre os Estados Membros.

Segundo Roger (1994), isso ocorreu devido à diversidade e heterogeneidade das políticas

agroalimentares, sobretudo em relação a comportamentos frente às importações dos países

signatários do Tratado de 1957. Os Estados Membros pretendiam assim, assegurar o

desenvolvimento da agricultura para garantir a segurança alimentar; caminhar para a auto-

suficiência a um custo suportável para o consumidor e à economia, “ao mesmo tempo

possibilitar rendas decentes aos produtores rurais que exploravam estabelecimentos

agrícolas, predominantemente de tipo familiar224” (ROGER, 1994, p. 181-182). Deponti

(2000, p. 68) complementa as colocações de Roger enfatizando que a PAC buscava ainda,

“enfrentar as debilidades estruturais da agricultura européia, assim como proporcionar

condições idênticas de desenvolvimento a todas a economias nacionais independentes de

sua base agrícola ou industrial225”.

Desde a sua introdução no final da década de 1950, a PAC tem sido

constantemente ajustada a realidades e desafios que a agricultura européia enfrenta. De

acordo com a Delegação da Comissão Européia no Brasil, o alcance e a intensidade desses

ajustes

[...] ultrapassam limites meramente econômicos. Abrangem prioridades de ordem social e ambiental voltadas para a promoção de uma agricultura européia competitiva e multifuncional em um contexto de desenvolvimento rural integrado, caracterizado por comunidades rurais capazes de gerar oportunidades de emprego e de atuar diretamente em

224 Iniciada há 50 anos, numa altura em que os Estados Membros fundadores da Comunidade acabavam de sair de mais de uma década de restrições alimentares, a Política Agrícola Comum (PAC) começou por subvencionar a produção de produtos alimentares de base, de forma a assegurar a auto suficiência (<http://europa.eu.int>). 225 Segundo Deponti (2000, p. 68), quando foi criada a Comunidade Européia, “os seis agrupavam-se em dois blocos distintos: o bloco agrícola, liderado pela França e pela Itália, e o bloco industrial, à frente do qual se encontravam a República Federal Alemã e a Holanda”.

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prol da preservação dos recursos naturais (UNIÃO EUROPÉIA, 2000, p. 21).

De acordo com o site oficial da União Européia (<http://europa.eu.int>), o

objetivo geral da PAC consiste em “proporcionar aos agricultores um nível de vida

razoável e fornecer aos consumidores alimentos de qualidade a preços adequados”. O modo

de realizar este objetivo evoluiu ao longo dos anos. Na atualidade, os conceitos de base

continuam sendo os mesmos: segurança alimentar, preservação do ambiente rural e boa

relação qualidade-preço. Porém a atual PAC orienta-se progressivamente para “pagamentos

diretos a favor dos agricultores, considerados a melhor forma de garantir os rendimentos

agrícolas, a segurança e qualidade dos alimentos, bem como a produção sustentável do

ponto de vista ambiental” (<http://europa.eu.int>).

Casella (1994, p. 392-393) aponta como objetivos fundamentais da PAC:

incrementar a produtividade da agricultura, fomentando o progresso técnico, assegurando o

desenvolvimento racional da produção agrícola e a otimização da utilização dos fatores de

produção, principalmente a mão-de-obra; assegurar nível de vida eqüitativo à população

agrícola, especificamente pelo aumento do rendimento individual dos operadores agrícolas;

estabilizar os mercados; assegurar o abastecimento; e assegurar a razoabilidade dos preços

de oferta ao consumidor final226.

Em conformidade com o Tratado de Roma, as reformas que se sucederam desde a

origem da Política Agrícola Comum tiveram sempre por objetivo “assegurar um nível de

vida eqüitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento do rendimento

individual dos que trabalham na agricultura” (GAROT, 2003). Diante disso, é necessário

apontar as formas como a PAC se instrumenta, ou seja, as suas linhas de atuação, que

segundo Thorstensen (1992b) são três: a política de preços227; as organizações comuns de

mercado228 e a política sócio-estrutural229.

226 Ries (1982, p. 81-85 apud DEPONTI, 2000, p. 69) divide os objetivos da PAC em primordiais, principias, e derivados. O objetivo primordial seria, desde o início, a criação de um mercado comum agrícola, ou seja, um mercado com livre circulação de produtos, sem nenhum obstáculo. Já os objetivos principais encontram-se no artigo 39 – I do Tratado de Roma. E os objetivos derivados podem ser resumidos em três: a proteção do meio ambiente, a defesa do consumidor e o desenvolvimento acelerado das regiões mais atrasadas. 227 A política de preços é encarregada da unicidade de mercado, das preferências comunitárias, da solidariedade financeira, da estabilidade do mercado através de retiradas provisórias ou definitivas de produtos, assegurar o nível de renda dos agricultores, direitos aduaneiros e taxas compensatórias para produtos sensíveis, direitos niveladores (taxas móveis impostas a produto importado quando o seu preço de

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Em décadas recentes, acelera-se o processo de globalização econômica, com o

aumento de intercâmbio de bens e serviços. As exigências de consumidores e a eficiência

econômica demandam maior liberalização dos mercados, incluindo menor proteção à

agricultura230. A pressão da sociedade européia, de países exportadores agrícolas e em

desenvolvimento, e a necessidade por disciplina orçamentária impulsionaram reformas na

política agrícola da UE. Assim, em meio a reivindicações generalizadas, a UE reformou sua

PAC em 1988, 1991 e 2000.

4.3.1 A Reforma da PAC: Agenda 2000

A Política Agrícola Comum sofreu diversas crises no decorrer de seu

desenvolvimento, e uma delas é a política de preços e de mercado, o que cria consideráveis

excedentes agrícolas. Thorstensen (1992b, p. 95) aponta outras causas para as crises:

sobrecarga orçamental, disparidades dos rendimentos agrícolas entre setores e entre

Estados, concentração dos benefícios nas grandes explorações em detrimento das pequenas,

agravamento dos desequilíbrios regionais, assim como distorções no comércio

internacional. É dessa forma que em 1988 ocorre a primeira reforma que introduziu uma

nova disciplina orçamentária e limitou as ajudas às áreas agrícolas, além de impor medidas

de mercado para vários produtos (THORSTENSEN, 1992b). Dentro da Reforma Agrícola

de 1988 a Comunidade aprovou em 1989 o Programa de Desenvolvimento Rural através de

44 Quadros de Suporte Comunitário para as regiões elegíveis.

venda é menor que dos produtos comunitárias), certificado de importação e exportação e contingentes ou restrições quantitativas (THORSTENSEN, 1992b). 228 O que diz respeito a Organizações Comuns de Mercados (OCM), Thorstensen (1992b) as conceitua como sendo o conjunto de regras que ordena o tratamento da PAC a cada um dos produtos agrícolas, incluindo: medidas de regulamentação de preços, subsídios à produção e comercialização, livre circulação dentro do mercado comum e regime de tocas com países terceiros. 229 A política sócio-estrutural (PSE) surgiu para administrar a existência de excedentes agrícolas, para reestruturar a PAC e para diminuir as disparidades sociais de agricultores das regiões prósperas dos das regiões menos produtivas. O problema da política sócio-estrutural é o seu baixo grau de integração comunitário, pois o principio da PSE é o da complementaridade e não o da solidariedade da política de preços (THORSTENSEN, 1992b). 230 A exemplo do que ocorreu no setor industrial, as negociações multilaterais da Rodada Uruguai (1986-94) impõem regras básicas de comercialização de produtos agrícolas as novas negociações, para diminuir o protecionismo agrícola, são agora coordenadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

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A Reforma de 1991 deu-se devido aos impasses nas negociações do GATT,

causados pela incapacidade política da Comunidade Européia de oferecer uma proposta

estável na área agrícola, mas também pela insatisfação interna com os gastos da

Comunidade no setor. De acordo com Thorstensen (1992b, p. 99) os objetivos para a

Reforma de 1991 foram:

[...] manter os agricultores na terra através de uma política ativa de desenvolvimento rural; o agricultor deve desempenhar dois papéis, um na produção e outro na proteção ao meio ambiente; a meta da política agrícola é o equilíbrio do mercado e o instrumento preço tem importante função a cumprir; a Comunidade reconhece sua responsabilidade internacional como primeiro importador e segundo exportador de produtos agrícolas; e os princípios básicos da PAC se mantêm: unidade de mercado, preferência comunitária e solidariedade financeira.

Estas reformas constituem as alterações mais radicais efetuadas na PAC desde a

sua criação em 1958. As subvenções à produção foram fortemente reduzidas a favor dos

pagamentos diretos aos agricultores; além disso, a elegibilidade para estes pagamentos foi

sujeita ao cumprimento de normas ambientais, de bem estar animal, normas sanitárias e

normas no domínio da preservação das paisagens (<http://europa.eu.int>). Porém a

principal reforma para aplicação dos princípios foi a Reforma ocorrida em 2000, também

conhecida como Agenda 2000.

No contexto da Agenda 2000 da União Européia, o desenvolvimento rural tornou-

se oficialmente o segundo pilar da política agrícola da União, juntamente com a agricultura.

Embora os Estados Membros permaneçam responsáveis pela política florestal, a Comissão

Européia procura garantir que as políticas agrícola e rural sejam estruturadas conforme os

interesses individuais de cada membro do bloco.

Em 1999 o Conselho Europeu de Berlim aprovou a reforma “Agenda 2000” da

Política Agrícola Comum, como uma nova etapa importante do processo de reforma

agrícola. A Agenda 2000 dá forma concreta, para os próximos anos, a um modelo europeu

de agricultura que visa preservar a diversidade dos sistemas agrícolas existentes na Europa,

incluídas as regiões com problemas específicos. Os seus objetivos são uma maior

orientação de mercado e uma competitividade acrescida, a segurança e qualidade dos

alimentos, a estabilização do rendimento agrícola, a integração de preocupações ambientais

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na política agrícola, a revitalização das zonas rurais, a simplificação e uma maior

descentralização.

Observa-se ainda que as reformas têm, também, por objetivo harmonizar as

normas da UE com as normas da Organização Mundial do Comércio sobre o comércio

eqüitativo de produtos agrícolas. Segundo o site oficial da União Européia, a reforma do

financiamento da agricultura comunitária permite também responder às acusações de que a

PAC determina distorções ao comércio mundial231, nomeadamente através das subvenções

à exportação de excedentes de produtos alimentares232.

A partir da adesão, os novos Estados Membros passam a ter acesso a um pacote

de financiamento especial de 5,8 mil milhões de euros adaptados às necessidades dos seus

agricultores233 (<http://europa.eu.int>). Este pacote de três anos concede apoio financeiro

especial à reforma antecipada de agricultores, às zonas desfavorecidas, à proteção do

ambiente, à reflorestação, às explorações de semi subsistência, aos grupos de produtores e

ao cumprimento das normas da UE nos domínios alimentar, de higiene e do bem estar

231Silva (1995) assegura que a PAC, para realização de seus objetivos, recorre a uma vasta gama de mecanismos protecionistas. Entre eles podemos citar: direitos aduaneiros, contingentes pautais, restrições quantitativas, direito nivelador, subvenções, suspensão de importações, restrições às exportações, auxilio alimentar, direitos niveladores e suspensão das exportações, prefixação do direito nivelador ou da restituição, certificados de importação ou exportação, adjudicação, entre outros. 232 Segundo Silva (1995, p. 198-199), esse financiamento da agricultura comunitária se dá para “evitar que o mercado agrícola comunitário seja invadido por importações mais baratas de terceiros países, em detrimento dos agricultores europeus. Dessa forma é aplicada a estes produtos, na altura da sua importação, uma sobretaxa, os chamados direitos niveladores, provocando uma subida artificial dos preços até ao nível do preço limiar. Os direitos niveladores representam uma parte das receitas da própria União e entram no seu orçamento. O lado inverso dos direitos niveladores constitui a restituição paga pela UE ao exportador de produtos primários, que, na realidade, é um subsídio de exportação para equilibrar a diferença entre o preço do mercado mundial e do mercado interno e que permite aos produtores comunitários vender os seus produtos agrícolas também no mercado mundial, apesar do seu preço quase sempre mais elevado”. Ainda, esse financiamento para a Política Agrícola Comum se faz por maio do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA). Dentro desta organização existem duas formas de ajuda. Uma delas é a forma de garantia, que se encarrega de financiamentos às despesas relativas à organização comum dos mercados. E, a outra forma é a orientação, que contribui para as reformas estruturais na agricultura e desenvolvimento das áreas rurais. Ela faz parte dos fundos estruturais utilizados na política regional (D’ARCD, 2002). 233 Hoje, é possível fazer a seguinte constatação: o objetivo da competitividade inscrito em todas as reformas desde 1992, reduzindo o impacto da política dos preços e de mercados, revela sua incapacidade para garantir uma remuneração satisfatória e estável para a produção agrícola. O apoio da ajuda direta tornou-se indispensável, apesar de ter mudado o discurso quanto à sua justificação. Já não se fala em compensações provisórias de baixa de preços, mas em remuneração por fundos públicos dos serviços não comerciais. Paralelamente, a política agrícola comum nunca conseguiu reduzir as desigualdades de rendimento agrícola. Os próximos alargamentos deverão mesmo aumentá-las. In: GAROT, Georges. Documento de Trabalho sobre a evolução do rendimento agrícola na União Européia. Parlamento Europeu: Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural. 28 de outubro de 2003. Disponível em: <http://www.europarl.eu.int/meetdocs/committees/agri/20031104/492192PT.pdf>. Acessado em 13 nov 2004.

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animal. Alguns aspectos da reforma da PAC foram especialmente adaptados de modo a

satisfazer as necessidades dos novos aderentes. Por exemplo, na ausência de um histórico,

na forma de dados, que possa constituir uma base para a concessão de pagamentos diretos

aos agricultores, será instituído um pagamento por hectare. Os principais elementos da nova

PAC reformada resumem-se em poucas palavras:

[...] um pagamento único por exploração para os agricultores da União Européia, independente da produção; podem ser mantidos elementos não-dissociados limitados para evitar o abandono da produção; esse pagamento estará sujeito ao respeito das normas no domínio do ambiente, da segurança dos gêneros alimentícios, da sanidade animal, da fitossanidade e do bem-estar dos animais, bem como à exigência de manter todas as superfícies agrícolas em boas condições agronômicas e ambientais ("condicionalidade"); uma política de desenvolvimento rural reforçada, dotada de mais recursos financeiros comunitários, e sujeita a novas medidas a favor do ambiente, da qualidade e do bem-estar dos animais, que auxiliará os agricultores a cumprir as normas de produção da UE a partir de 2005; a redução dos pagamentos diretos ("modulação") no caso das explorações de maiores dimensões, para financiar a nova política de desenvolvimento rural; um mecanismo de disciplina financeira que assegure o respeito do orçamento agrícola fixado até 2013; e a revisão da política de mercado da PAC, que consistiria nas reduções assimétricas de preços no sector dos produtos lácteos: o preço de intervenção para a manteiga será reduzido de 25% ao longo de quatro anos, o que representa uma redução adicional de 10% em comparação com o estabelecido na Agenda 2000; para o leite em pó desnatado é mantida uma redução de 15% ao longo de três anos, conforme acordado na Agenda 2000; no sector dos cereais, redução para metade dos incrementos mensais, sendo mantido o atual preço de intervenção; reformas nos sectores do arroz, do trigo duro, das frutas de casca rija, da batata para fécula e das forragens secas (<Http://europa.eu.int/comm/agriculture/publi/capleaflet/cap_en.htm>).

As reformas na PAC prepararam a UE para o próximo ciclo de liberalização do

comércio internacional. As últimas reformas destinaram-se também a dotar a PAC de meios

que lhe permitissem enfrentar o desafio do alargamento em maio de 2004, quando a UE

passou de 15 para 25 Estados Membros, o que implica um aumento no número de

agricultores de mais de 70%. Uma grande parte dos trabalhos de preparação dos

agricultores dos novos Estados Membros para a vida no contexto da UE foi realizada antes

da adesão, através da concessão de montantes consideráveis de recursos com o objetivo de

modernizar as explorações, bem como as estruturas de transformação e comercialização dos

produtos alimentares, e incentivar a agricultura ecológica (<http://europa.eu.int>).

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Em suma, a Política Agrícola Comum possui três fatores para a sua constante

reforma. O primeiro deles é o custo elevado e crescente da PAC, o segundo fator é a

incompatibilidade da mesma com os acordos internacionais no âmbito do GATT e agora da

OMC, e o terceiro fator é o alargamento da União (D’ARCY, 2002). Contudo, observa-se

que a União Européia dá uma importância muito grande ao “mundo rural”, pois este é visto

como um aspecto ligado à segurança do bloco, tanto no aspecto econômico, como social.

Desta forma, as alterações na PAC tendem a causar uma série de pressões de Estados

agrícolas, como também dos agricultores que, bastante organizados, solicitam à

organizações supranacional, formas de protegê-los contra a concorrência externa.

Por fim, observa-se que a PAC, constitui-se numa ação direta do órgão

comunitário sobre um setor da economia que é considerado essencial para a UE. Sua

necessidade, já apontada, implica em garantir a estabilidade social no campo, produzir

alimentos baratos e de qualidade aos consumidores e a proteção ambiental entre outros.

Como fator indesejado, a exportação subsidiada dos excedentes agrícolas europeus,

resultado da política de rendas, deprecia os preços internacionais e afetam as exportações

agrícolas de países concorrentes, principalmente os subdesenvolvidos. No mesmo sentido, a

cobrança dos chamados direitos niveladores e de outras práticas protecionistas dificultam as

exportações para Europa daqueles países que dependem do setor primário exportador, como

os do Mercosul, por exemplo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir, opta-se por apontar algumas impressões iniciais sobre a

pesquisa ora realizada. Na tentativa de responder a indagação proposta na introdução

desta pesquisa, novos questionamentos surgiram. Ao se investigar a contribuição das

teorias de integração para o Mercosul e para a União Européia, assim como o papel do

Estado como ator central dos processos de integração, verificou-se que o

desenvolvimento do processo é mais complexo do que a formulação teórica apresenta.

Contudo, ao observar este aspecto, a reflexão teórica se mostrou importante para a

compreensão do problema. Por outro lado, as questões sobre a estrutura econômica e

política dos blocos ficaram sem respostas objetivas diante da imensa massa de dados e

informações que tiveram de ser tratados. Porém, no que tange ao trabalho sobre as

políticas agrícolas o fascínio com a pesquisa aumentou. O objetivo proposto, de certa

forma foi alcançado. Porém, a vontade de desbravar o conhecimento nesta área

continua. É dessa forma, que a presente pesquisa foi somente uma introdução ao tema, e

não a busca da auto-suficiência no conhecimento do assunto.

Durante a pesquisa foi observado que a comunidade internacional vivencia

hoje um período de transformações nos mais diversos setores, especialmente na área

econômico-jurídica. Nesse campo, uma nova ordem mundial, já sem o ônus da chamada

Guerra Fria, experimenta um crescimento sem precedentes do comércio internacional e

dos fluxos de investimentos. Isso acontece devido à globalização da economia, impondo

às nações uma maior interdependência, seja em âmbito mundial, por meio da

intervenção da Organização Mundial do Comércio, seja em âmbito regional, por

intermédio dos processos de integração econômica. Com isso, o Estado moderno e o

seu conceito irmão de soberania têm sofrido grandes mudanças diante dessas novas

experiências de associação.

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O exemplo da União Européia, construído há mais de 50 anos, mostrou um

caminho para uma união política diferenciada das experiências tradicionais de

cooperação entre os Estados. Isso pode ser observado com o êxito da união monetária e

serve para auxiliar o estudo do modelo institucional adotado pelo Mercosul. O modelo

de integração do Mercosul gera constatações, inspirando críticas, mas também mostra

os frutos de sua experiência precursora para moldar os instrumentos e as normas sobre o

futuro deste bloco que os países membros vêm instituindo.

Na atualidade o Mercosul possui um papel significativo para se constituir

num mercado potencial para a troca de produtos entre seus membros, seja entre eles ou

como bloco econômico. No contexto internacional, os países membros deste bloco são

fortes produtores de produtos primários e assim expressivos concorrentes mundiais na

área do agronegócio.

A estrutura orgânica do Mercosul possui características originais, que a

diferenciam de outros modelos de integração, como o da União Européia. Em primeiro

lugar, ela é intergovernamental, o que significa que são sempre os governos que

negociam entre si, não existindo órgãos supranacionais. Ou seja, os órgãos do Mercosul

definem as ações e cabe aos Estados nacionais implementá-las.

Essas características têm significados e conseqüências importantes para a

instituição do Mercosul. Elas definem, por um lado, a natureza flexível e gradual do

processo, que não se encontra preso à rigidez de estruturas decisórias alheias à vontade

ou à capacidade de compromisso dos governos envolvidos. Uma decisão adotada pelo

Mercosul, na medida em que é consensual, reflete a disposição dos governos dos quatro

sócios em sua plena aplicação. No plano jurídico, essa sistemática cria, por outro lado, a

necessidade de adotar procedimentos nacionais para incorporação da norma acordada

ao ordenamento jurídico nacional de cada Estado Membro.

Embora o Mercosul tenha sido construído sob o manto do instituto da

intergovernabilidade, há países que viram na supranacionalidade o alicerce que

precisavam para se desenvolver e se inserir no mundo globalizado. Traçando-se um

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breve balanço comparativo dos processos de integração da União Européia e do

Mercosul, pode-se observar que, quanto aos objetivos perseguidos, salienta-se que a

integração latino-americana sempre se pautou em objetivos exclusivamente

econômicos, sujeitando-se às freqüentes oscilações conjunturais da região, justamente

pela ausência de convicção política em favor da construção do bloco. O contrário

acontece na União Européia. Lá constata-se a solidez da vontade política de integração

que alicerça todo o processo, não obstante as freqüentes dificuldades nas negociações

econômicas entre os Estados Membros, especialmente em matéria de política agrícola.

Registre-se que a estratégia de integração adotada pela Europa, pertinente à

harmonização prioritária de setores com maior efeito disseminador, a exemplo da

agricultura, tornaram o processo de integração no seu aspecto econômico progressivo e

irreversível. No que tange à tecnologia jurídica empregada, constata-se que a ordem

jurídica supranacional torna efetivamente viável a harmonização das legislações

nacionais européias. No Mercosul é o contrário. O bloco segue a lógica da

harmonização tradicional, mediante os mecanismos da intergovernabilidade: seja pela

negociação entre os membros, seja por meio dos instrumentos típicos do Direito

Internacional Público ou Direito da Integração como, por exemplo, na atuação do órgão

de solução de controvérsias.

Por outro lado, filho de uma outra época e respondendo a demandas culturais e

de desenvolvimento político distintas daquelas que selam o destino da União Européia,

o Mercosul tenta, à sua maneira, não somente fornecer uma alternativa concreta aos

desafios de reforma de seus Estados Membros, como também criar uma opção realista

no que concerne às suas respectivas inserções internacionais. Dessa forma, o

surgimento de diversas teorias que explicam o processo de integração permite aos

estudiosos efetuar uma análise melhor sobre sua evolução. Para isso, é possível abordar

a dinâmica da integração em diferentes aspectos e em distintos períodos do seu processo

evolutivo.

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A questão da teoria da interdependência é caracterizada pelo aumento de

interconexões e fluxos internacionais, operados por diversos atores, estatais ou não.

Assim, seja qual for a forma de integração em que se encontra a figura do Estado

nacional, é importante estabelecer que os objetivos da integração somente são

conquistados no momento em que há uma forte convergência e uma firme vontade

política entre os governos nacionais. Nesta ação, formular e implementar políticas

públicas, a nível nacional (como é o caso do Mercosul, onde o pressuposto da

intergovernabilidade opera) ou por parte dos blocos econômicos (como na União

Européia) é de fundamental importância para o sucesso dos processos de integração.

A pesquisa observou que o Estado vem, constantemente, revendo o seu papel

enquanto precursor dos processos de integração e como gestor público. Mesmo assim,

este ator continua a ser importante nos processos de integração e vem produzindo ações

direcionadas segundo determinados interesses sociais, políticos e econômicos, sejam

eles internos ou externos. Decorrentes destes aspectos, novas competências são

destinadas aos Estados, ao mesmo tempo em que este ator é instado a produzir políticas

públicas de estímulo e sua harmonização a nível interno. Desta forma, a complexa

dinâmica interna e externa se instala e passa a exigir novas atribuições dos entes

públicos nacionais, para que dessa forma, as legislações comuns (entre os Membros dos

Blocos), possam ser unificadas, correspondendo aos interesses de todos.

Conclui-se, portanto, que a pesquisa obteve o mérito, conforme os objetivos

iniciais, de identificar e descrever como os órgãos institucionais competentes no

Mercosul e na União Européia desenvolvem as respectivas políticas agrícolas. Diante

disso, a reflexão sobre as teorias da integração, Estado, políticas públicas, e políticas

agrícolas, serviram como alicerce para o desenvolvimento deste trabalho. Nesse sentido,

uma comparação entre as duas políticas agrícolas mostrou que para a União Européia, a

PAC tem como principal objetivo uma ação direta do órgão comunitário sobre um setor

da economia que é considerado essencial para a UE. Sua necessidade implica garantir a

estabilidade social no campo, produzindo alimentos baratos e de qualidade aos

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consumidores. Porém, como fator indesejado, a exportação subsidiada dos excedentes

agrícolas europeus, acaba por depreciar os preços internacionais afetando as

exportações agrícolas de países concorrentes, principalmente os subdesenvolvidos (caso

do Mercosul). No Mercosul o foco que prevalece é a posição de ainda se trabalhar na

harmonização das políticas agrícolas, em contraposto à posição defendida por alguns

países de privilegiar a integração em nível de produtos ou setores comerciais

específicos. O papel do Subgrupo de Trabalho 8 é trabalhar para que o processo de

harmonização avance e consiga diminuir e eliminar o uso de subsídios agrícolas assim

como do protecionismo estatal.

Para o caso do Mercosul, o resultado desses esforços não será, evidentemente,

estabelecer uma Política Agrícola Comum - como a existente na UE, mas sim delimitar

um marco dentro do qual cada país poderá adotar uma política agrícola adequada à sua

realidade sem prejudicar os demais. Ademais, é importante lembrar que a situação

histórica em que o Mercosul foi formulado e estruturado se diferencia daquela em que a

União Européia foi concebida. Dessa forma, ressalta-se que esta pesquisa, sobre a

política agrícola, em desenvolvimento pelo Mercosul, e pela União Européia, não teve o

intuito de dizer que a metodologia adotada por um ou outro bloco seja equivocada,

apenas mostrar que a estrutura institucional do Mercosul é diferente à estrutura

institucional desenvolvida pela União Européia.

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ANEXOS

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MERCOSUL/CMC/DEC Nº 03/91

TERMOS DE REFERÊNCIA PARA ACORDOS SETORIAIS

TENDO EM VISTA: O estabelecido no Tratado de Assunção no segundo e sexto parágrafos da introdução e no artigo 5º, letra "d", e CONSIDERANDO: Que é atribuição do Conselho do Mercado Comum definir normas que facilitem a instrumentação do Tratado de Assunção; Que os Acordos Setoriais são um dos instrumentos a serem utilizados na constituição do Mercado Comum, devendo estar em harmonia com os objetivos definidos pelo Tratado de Assunção e com as políticas governamentais dos Estados Partes; Que cabe fornecer aos setores produtivos um marco normativo para servir como ponto de referência para a formulação dos aludidos Acordos Setoriais; Que é faculdade soberana dos Estados Partes subscrever Acordos Setoriais; Que para esse efeito devem ser definidos os objetivos e alcances dos Acordos Setoriais; Que o objetivo principal dos Acordos Setoriais é acelerar a integração e favorecer a racionalidade na especialização intra-setorial, baseada nas respectivas vantagens comparativas, na complementação intra-mercados e na associação para competir eficazmente em terceiros mercados, facilitando a otimização no uso dos fatores de produção e possibilitando melhores condições em termos de economia de escala; Que os Acordos Setoriais deverão considerar o intercâmbio de bens e serviços, o fluxo de capitais, o desenvolvimento e a incorporação de tecnologia; Que os Acordos Setoriais devem preservar a transparência das regras de mercado, respeitar as práticas leais de comércio e não prejudicar a oferta, em termos de quantidade, qualidade e preços, em relação aos usuários e consumidores; Que os Acordos Setoriais refletirão a convergência dos interesses dos segmentos produtivos correspondentes dos Estados Partes;

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O CONSELHO DO MERCADO COMUM DECIDE:

Art. 1 - Os Acordos Setoriais devem orientar-se a: a) otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção, de forma a alcançar escalas de produção mais eficientes e maior competitividade para o conjunto dos países integrantes do MERCOSUL; b) acelerar a integração e harmonizar os processos de reconversão dos distintos setores produtivos abrangidos; c) promover a racionalização dos investimentos e o aumento da competitividade, a nível interno e externo; d) incrementar a qualidade dos bens e serviços produzidos no conjunto dos países integrantes do MERCOSUL e o aumento da produtividade em todo o ambiente econômico comunitário; e) fomentar a complementação entre empresas do MERCOSUL, visando tanto o Mercado Comum como terceiros mercados; f) facilitar a circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os quatro países, como forma de otimizar a transição para o regime de livre circulação que deverá vigorar com a implantação efetiva do Mercado Comum; g) contribuir para o processo de harmonização metrológica e de normas técnicas, com base em padrões internacionalmente reconhecidos; h) sugerir critérios específicos de origem que levem em conta as peculiaridades de cada setor, considerando fatores de natureza econômica e tecnológica; i) definir as características exatas dos produtos diferenciando-os para efeito de comercialização, de modo a evitar que as diferenças de critérios se constituam em restrições ao comércio. Art. 2 - Os Acordos Setoriais devem contemplar a preservação e melhoramento do meio ambiente, a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de produtos e processos, aumento da competitividade externa, bem como programas de capacitação de recursos humanos e fomento da educação. Art. 3 - Os Acordos Setoriais devem explicitar o universo de bens e/ou serviços por eles abrangidos. Art. 4 - Os Acordos Setoriais deverão ser concebidos de maneira a não se constituírem em entraves ao livre comércio de bens e serviços entre os países do MERCOSUL e a não

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favorecerem práticas desleais de comércio tais como a formação de cartéis, trusts e outros, e nem deverão incluir limitações quantitativas (cotas) e outras barreiras não tarifárias. Art. 5 - Não devem ser interpretadas como restrições quantitativas aquelas cláusulas incorporadas aos Acordos Setoriais que estejam diretamente vinculadas a um aprofundamento tarifário do Programa de Liberação Comercial estabelecido no Anexo I do Tratado de Assunção. Essas cláusulas, na medida em que estão relacionadas a um aprofundamento do Programa de Liberação Comercial, caducarão no momento em que os produtos a que se referem alcancem os níveis tarifários estabelecidos no Programa de Liberação Comercial. Essas cláusulas também caducarão quando os produtos abrangidos sejam retirados das listas de exceção pelos Estados Partes e não esteja previsto no Acordo Setorial um aprofundamento tarifário que exceda os níveis previstos no Programa de Liberação Comercial. No caso em que esteja previsto um aprofundamento tarifário, aplica-se o parágrafo anterior. Os Acordos Setoriais não eximem os produtos abrangidos da exclusão da lista de exceção, de acordo com o disposto no art. 7º.do Anexo I do Tratado de Assunção, tendo em vista que esta decisão é prerrogativa exclusiva dos Estados Partes. Art. 6 - Os Acordos Setoriais poderão ser propostos pelos setores produtivos dos Estados Partes e deverão ser submetidos à apreciação do Grupo Mercado Comum que poderá ou não aprová-los. O Grupo Mercado Comum antes de se pronunciar deverá encaminhar as propostas de Acordos Setoriais aos subgrupos de trabalho correspondentes para sua consideração. Art. 7 - O Acordos Setoriais não serão necessariamente propostos pelos setores produtivos da totalidade dos Estados Partes. No entanto, a possibilidade de incorporação dos setores respectivos dos Estados Partes não incluídos inicialmente, deverá estar sempre contemplada. Os Acordos Setoriais poderão ou não serem aprovados pelo Grupo Mercado Comum, ainda quando em algum Estado Parte não haja atividade produtiva no setor. Art. 8 - Os Acordos Setoriais serão assinados pelos plenipotenciários dos Estados Partes e quando corresponder serão registrados na ALADI.

I CMC, Brasília 17/XII/1991