INTEGRAÇÃO ENTRE PRODUÇÃO E SEGURANÇA NA CONSTRUÇÃO CIVIL...

15
INTEGRAÇÃO ENTRE PRODUÇÃO E SEGURANÇA NA CONSTRUÇÃO CIVIL: CRIANDO SITUAÇÕES DE TRABALHO SEGURAS PELA ANTECIPAÇÃO DE CONFLITOS DE PROJETO Eduardo Diniz Fonseca (FUNDACENTRO) [email protected] Francisco de Paula Antunes Lima (UFMG) [email protected] Francisco Jose de Castro Moura Duarte (UFRJ) [email protected] Apesar da difusão de programas e ações de segurança, os canteiros de obras da construção civil ainda são considerados locais perigosos e com pouca qualidade de vida para os trabalhadores. A persistência de taxas elevadas de acidentes parecee colocar em questão não a falta de ações de prevenção, mas sim a adequação das ações propostas à realidade da construção civil. Os resultados deste artigo são frutos de uma pesquisa que está sendo desenvolvida na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que gerará tese de doutorado, sobre projeto para segurança na construção civil, subsetor de edificações no Brasil. Duas são as construtoras pesquisadas, denominadas de construtoras A e B. Tendo como fundamento os relatos e/ou narrativas dos “eventos” marcantes na vida do canteiro, durante a pesquisa de campo foi possível categorizar e destacar 23 casos com implicações para o processo de produção do empreendimento. Os casos foram selecionados com base na importância que se verificou ter o evento (os casos) para os gestores do canteiro (engenheiro de obras, mestre-de- obras, encarregados, técnico de segurança etc.) e/ou atores da execução (trabalhadores), quando da nossa participação como observador participante, durante o processo de produção das edificações. Os resultados demonstram que a integração entre produção e segurança é possível por meio de antecipações que ocorrem em diversos níveis, da elaboração dos projetos (em especial nos momentos de compatibilização) à definição de procedimentos de execução e de instalação de apoio no canteiro de obras. a experiência do coletivo de trabalho no canteiro (em especial, o engenheiro de obras, o encarregado e o mestre de obras) permite antecipar problemas nesses três níveis e propor soluções que são realizadas em situações de trabalho seguras. Quando, por alguma razão, problemas de execução não são antecipados ou soluções vindas do canteiro não são acolhidas, geram-se consequências negativas para a produção e para a segurança (retrabalho, riscos de acidentes, riscos à saúde, XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

Transcript of INTEGRAÇÃO ENTRE PRODUÇÃO E SEGURANÇA NA CONSTRUÇÃO CIVIL...

INTEGRAÇÃO ENTRE PRODUÇÃO E

SEGURANÇA NA CONSTRUÇÃO CIVIL:

CRIANDO SITUAÇÕES DE TRABALHO

SEGURAS PELA ANTECIPAÇÃO DE

CONFLITOS DE PROJETO

Eduardo Diniz Fonseca (FUNDACENTRO)

[email protected]

Francisco de Paula Antunes Lima (UFMG)

[email protected]

Francisco Jose de Castro Moura Duarte (UFRJ)

[email protected]

Apesar da difusão de programas e ações de segurança, os canteiros de

obras da construção civil ainda são considerados locais perigosos e

com pouca qualidade de vida para os trabalhadores. A persistência de

taxas elevadas de acidentes parecee colocar em questão não a falta de

ações de prevenção, mas sim a adequação das ações propostas à

realidade da construção civil. Os resultados deste artigo são frutos de

uma pesquisa que está sendo desenvolvida na UFRJ (Universidade

Federal do Rio de Janeiro), que gerará tese de doutorado, sobre

projeto para segurança na construção civil, subsetor de edificações no

Brasil. Duas são as construtoras pesquisadas, denominadas de

construtoras A e B. Tendo como fundamento os relatos e/ou narrativas

dos “eventos” marcantes na vida do canteiro, durante a pesquisa de

campo foi possível categorizar e destacar 23 casos com implicações

para o processo de produção do empreendimento. Os casos foram

selecionados com base na importância que se verificou ter o evento (os

casos) para os gestores do canteiro (engenheiro de obras, mestre-de-

obras, encarregados, técnico de segurança etc.) e/ou atores da

execução (trabalhadores), quando da nossa participação como

observador participante, durante o processo de produção das

edificações. Os resultados demonstram que a integração entre

produção e segurança é possível por meio de antecipações que

ocorrem em diversos níveis, da elaboração dos projetos (em especial

nos momentos de compatibilização) à definição de procedimentos de

execução e de instalação de apoio no canteiro de obras. a experiência

do coletivo de trabalho no canteiro (em especial, o engenheiro de

obras, o encarregado e o mestre de obras) permite antecipar

problemas nesses três níveis e propor soluções que são realizadas em

situações de trabalho seguras. Quando, por alguma razão, problemas

de execução não são antecipados ou soluções vindas do canteiro não

são acolhidas, geram-se consequências negativas para a produção e

para a segurança (retrabalho, riscos de acidentes, riscos à saúde,

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

2

atrasos na produção, dificuldades de execução do serviço etc.) que

explicam, em parte, a elevada taxa de acidentes e agravos à saúde na

construção civil.

Palavras-chaves: Gestão de projeto, compatibilização de projetos,

projeto para segurança, segurança no canteiro, construção civil.

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

3

1. Introdução

Apesar da difusão de programas e ações de segurança, os canteiros de obras da construção

civil ainda são considerados locais perigosos e com pouca qualidade de vida para os

trabalhadores. Dada a persistência de elevadas taxas de acidentes neste setor, o projeto para a

segurança, isto é, a integração da segurança à produção por meio do projeto de situações de

trabalho seguras é uma exigência ainda atual, que não consegue se efetivar. Para reverter esse

quadro, o entendimento predominante é de que muitos dos acidentes podem ser evitados com

a devida obediência às normas, especificamente com a implantação de programas de

prevenção, entre os quais se destacam, no Brasil, o Programa de Condições e Meio Ambiente

do Trabalho na Indústria da Construção (PCMAT), exigido pela NR18, e na Europa, o Plano

de Segurança e Saúde na Construção.

Recentemente surgiu a Norma Occupational Health and Safety Assessment Services (OHSAS,

publicada oficialmente pela British Standards Institution, em vigor desde 15/04/1999) 18001,

desenvolvida para ser compatível com as normas de sistema de gestão ISO 9001 (Qualidade)

e com a ISO 14001 (Ambiental), a fim de servir de ferramenta para a integração dos Sistemas

de Gestão da Qualidade, Ambiental e da Saúde e Segurança Ocupacional (SSO). Dessa forma,

a busca pela integração entre produção e segurança passa a ser o mais novo discurso nos

canteiros de obras para a melhoria do gerenciamento da segurança e saúde no trabalho, a

exemplo dos sistemas de segurança já implementados em outros setores, especialmente na

indústria de processos contínuos. Nesse sentido, verifica-se que os modelos de prevenção nos

canteiros se baseiam em treinamentos, EPI’s e EPC’s, normas (NR-18, PCMAT), análises de

riscos, DDS (Diálogos Diários de Segurança) etc., procedimentos e ações que são comuns em

setores industriais em que as ações de prevenção estão mais avançadas.

Entretanto, como explicar a persistência das elevadas taxas de acidentes no setor, embora

esses fatores (treinamentos, EPI’s, EPC’s, PCMAT etc.) estejam, geralmente, presentes na

maioria dos canteiros de obras, alguns, inclusive, por exigência de leis ou normas? Falta ainda

na construção civil a implementação de técnicas ou programas de prevenção mais

aperfeiçoados? A construção civil estaria relativamente atrasada em relação à indústria? Ou,

dada a especificidade desse setor, que ainda permanece semiartesanal, a prevenção seria

limitada e os perigos e riscos seriam inerentes a esse tipo de produção?

A persistência de taxas elevadas de acidentes parece colocar em questão não a falta de ações

de prevenção, mas sim a adequação das ações propostas à realidade da construção civil. A

segurança parece ser ainda externa, como se não existisse, de fato, uma integração entre

segurança e produção. Apesar de existirem procedimentos e sistemas de prevenção tão

diversificados quanto no setor industrial, as situações de trabalho na construção civil se

diferenciam profundamente das de outros setores. Por “situação de trabalho” compreende-se

um conjunto de condições materiais e imateriais que vão além da noção tradicional de “posto

de trabalho”: aspectos materiais (ambientes, instrumentos, organização do espaço, materiais e

produtos etc.); aspectos organizacionais (planejamento, cronograma, controle, equipe,

organização do trabalho); e aspectos intersubjetivos e subjetivos (poder e hierarquia,

avaliação do risco/percepção/estratégias, competências individuais e coletivas, experiência

etc.). Na construção civil, a organização da produção não incorpora de modo imanente a

segurança: não se projetam situações de trabalho integrando produção, saúde e segurança.

Demonstraremos, neste artigo, que a integração entre produção e segurança é possível por

meio de antecipações que ocorrem em diversos níveis, da elaboração dos projetos (em

especial nos momentos de compatibilização) à definição de procedimentos de execução e de

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

4

instalação de apoio no canteiro de obras. A contribuição teórica e prática desse estudo pode

ser representada em um modelo dos três níveis de antecipação de problemas existentes

durante o processo de produção de uma edificação (Esquema 1):

1º nível (projeto): corresponde à fase na qual o empreendimento está sendo desenvolvido,

quando a direção, o projetista e o engenheiro de obras (em alguns casos) se confrontam na

análise dos projetos executivos em detalhamento;

2º nível (canteiro): é aquele em que o engenheiro de obras e o quadro de gestão do canteiro

(mestre-de-obras e/ou encarregados) se confrontam na análise dos projetos, podendo ou

não detectar o problema. Se detectado, pode ocorrer, também, de ser ou não solucionado;

3º nível (execução): é a fase na qual o quadro de gestão do canteiro (mestre-de-obras e/ou

encarregados) recebe o projeto do engenheiro de obras, para início da execução dos

serviços. É o nível no qual o quadro de gestão e os atores da execução se confrontam na

análise dos projetos, podendo ou não o quadro de gestão participar do projeto da situação

de trabalho. Esquema 1 – Níveis de antecipação

Esses níveis de antecipação existem para, de forma top down, procurar garantir que os

projetos sejam executados conforme concebidos. Entretanto, as singularidades do processo de

projeto na construção civil (processo de produção semiartesanal, processo de produção por

projeto, alta variabilidade) contribuem para que as dificuldades para detecção dos problemas a

priori sejam mais elevadas do que nos demais setores industriais.

Nesse contexto, a nossa hipótese é que a experiência do coletivo de trabalho no canteiro (em

especial, o engenheiro de obras, o encarregado e o mestre de obras) permite antecipar

problemas nesses três níveis e propor soluções que são realizadas em situações de trabalho

seguras. Quando, por alguma razão, problemas de execução não são antecipados ou soluções

vindas do canteiro não são acolhidas, geram-se consequências negativas para a produção e

para a segurança (retrabalho, riscos de acidentes, riscos à saúde, atrasos na produção,

dificuldades de execução do serviço etc.) que explicam, em parte, a elevada taxa de acidentes

e agravos à saúde na construção civil.

Dessa forma, espera-se contribuir para a discussão sobre prevenção por meio do projeto,

ampliando as escolhas dos modelos de gestão mais próximos das práticas efetivas, portanto

também mais efetivos quanto à segurança. Nesse sentido, o modelo de antecipação em três

níveis (Esquema 1) foi elaborado a partir da realidade do canteiro de obras, considerando a

atividade real do engenheiro de obras. Esse é também o limite do modelo, cujas respostas aos

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

5

problemas detectados não alcançam o ponto de vista da hierarquia superior ao engenheiro de

obras. Para tratar este tema, apresentamos a proposta de projeto para segurança com base no

conceito de construtibilidade desenvolvida por autores da área de gestão de projetos (item 2).

No item 3, são apresentados os conceitos de prevenção por meio de projeto, cujo princípio de

base é a consideração da segurança do trabalhador desde a fase de projeto da edificação. A

partir de um estudo de caso que evidenciou diversas situações de risco (item 4), mostramos os

limites dessas abordagens descendentes e demonstramos a pertinência do modelo de

antecipação em três níveis (item 5).

2. Gestão de projeto: formalização dos projetos e improvisação no canteiro

A atividade construtiva, desde a Antiguidade, apresenta certa complexidade. Desde a época já

havia separação entre concepção e execução, e era grande a concentração de pessoas na tarefa

de edificar e algumas poucas na atividade de projetar; portanto, prematuramente já se

apresentava a separação entre concepção e execução (VARGAS, 1979). Essa divisão técnica

do trabalho, para o autor, possibilitou uma aplicação rápida dos conhecimentos científicos no

setor, acentuada a partir do século XVII, com o surgimento das leis da estática. Para Vargas

(1979), esse avanço científico da atividade projetual não foi seguido, com a mesma

intensidade, pela produção. Não existindo uma íntima união entre a atividade intelectual e a

manual, o trabalho encontra-se bastante desqualificado e parcelado, restando ao trabalhador

somente o conhecimento de uma pequena parte da obra (VARGAS, 1979).

Com efeito, no setor da construção civil imagina-se que as competências necessárias se

limitam à simples aplicação técnica de como fazer uma fôrma, enquanto, na realidade, elas se

desenvolverão inseridas em um contexto de imposições feitas ao trabalhador no

desenvolvimento de sua tarefa. Nos canteiros de obra, a transmissão de conhecimento durante

a labuta é ainda a forma predominante de aprendizagem: “A carreira começa pelo posto de

servente, passando depois para ajudante e oficial” (VARGAS, 1979, p. 87). A formação

profissional é o resultado de experiências acumuladas diretamente no processo produtivo,

portanto, consequência da sua participação em outras obras e na obra em questão (MORAES,

1986).

Em tempos mais recentes, com o advento do movimento da qualidade na construção civil,

Melhado (1994) propõe e discute a implementação de uma nova metodologia para o

desenvolvimento de projeto de edifícios. Em sua proposta, cita que o projeto deve ser capaz

de subsidiar as atividades de produção em canteiros de obras com informações que

possibilitem elaborar um planejamento e uma programação eficiente. Sendo ele um elemento

essencial para a gestão de um canteiro de obras, é necessário ser visto sob a ótica da atividade

de construir: “A atividade de projeto não cessa quando da entrega do projeto à obra.”

(MELHADO, 1994, p. 177).

Com o objetivo de harmonizar as necessidades de concepção do produto e do processo,

durante o processo de construção de uma edificação, a construtibilidade incita a pensar o

modo de executar o empreendimento com uma mentalidade industrial (MELHADO, 1994).

Para Melhado (1994, p. 118), construtibilidade pode ser definida em termos gerais como uma

qualidade de algo fácil de ser construído, característica esta, segundo o autor, que deve ser

alcançada com o emprego de soluções simples e eficazes, procurando-se maior definição e

controle sobre as operações de execução. Assim, para se atingir níveis elevados de exigência

quanto à qualidade e à produtividade em um canteiro de obras, é necessário um projeto

direcionado à etapa de execução, que forneça diretrizes para as etapas de realização dos

trabalhos na fase de execução do produto final, um projeto para a produção, definido como

um:

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

6

Conjunto de elementos de projeto elaborados de forma simultânea ao detalhamento do projeto executivo,

para utilização no âmbito das atividades de produção em obra, contendo as definições de: disposição e

sequência das atividades de obra e frentes de serviço; uso de equipamentos; arranjo e evolução do

canteiro; entre outros itens vinculados às características e recursos próprios da empresa construtora (Melhado, 1994, p. 196-197).

Os estudos sobre gestão de projetos, ao apontarem a necessidade de se garantir o fluxo de

informação entre projeto e execução, de estudar o projeto sob um ponto de vista de

construtor, têm como pano de fundo em suas propostas a busca por “antecipar no papel o ato

de construir” (MELHADO, 1994, p. 4). A realidade do canteiro é considerada, mas, aqui,

ainda sob a racionalidade formal do projeto que tem a pretensão de antecipar as atividades

futuras e determinar procedimentos fáceis de execução. Até que ponto essa proposta é factível

veremos com as análises empíricas do estudo de caso. A prevenção por meio do projeto

avança em relação à noção de construtibilidade ao focar exclusivamente a segurança dos

trabalhadores.

3. Prevenção por meio do projeto

A fim de melhorar a segurança nos locais de construção e que vem ganhando suporte na

indústria da construção, é o conceito de projetar para a segurança dos trabalhadores na fase de

projeto (GAMBATESE et al., 2005). Tradicionalmente, profissionais de projeto procuram

projetar edifícios e outras instalações visando garantir a segurança dos ocupantes, procurando

atender às necessidades funcionais, a níveis da qualidade esperada (TOOLE and

GAMBATESE, 2008). A prevenção na construção por meio do projeto consiste num processo

no qual os projetistas (engenheiros e arquitetos), explicitamente, consideram a segurança do

trabalhador da construção durante a fase de projeto (TOOLE and GAMBATESE, 2008). Os

trabalhadores da construção civil são os primeiros inquilinos do novo projeto, mas somente

irão ocupá-lo até que a obra seja concluída; assim, sendo sua presença no edifício temporária,

a segurança do trabalhador da construção é muitas vezes deixada para os executantes

(SZYMBERSKI, 1997).

Consequentemente, pensar na prevenção por meio do projeto é pensar o projeto com outro

aspecto de construtibilidade, é garantir que a obra possa ser construída com segurança, bem

como atender aos custos, cronograma e metas de qualidade (TOOLE and GAMBATESE,

2008). Para esses autores, adicionam-se os novos critérios de projetos para arquitetos e

engenheiros; os projetos passariam a alertar os construtores sobre os riscos inevitáveis.

Revisando estudos sobre prevenção por meio do projeto, que se propõem a extrair lições a

serem aprendidas por projetistas e suprir lacunas existentes nos conhecimentos sobre o

processo de projeto e sua contribuição para a segurança, HALE et al. (2007) sublinham que a

maioria dos estudos partem do ponto de vista do especialista em segurança e de fatores

humanos. Apenas alguns poucos são escritos a partir do ponto de vista do projetista ou da

equipe de projeto – as pessoas que, enfim, realizam a difícil tarefa de alcançar essa melhoria.

Mesmo assim, embora se expressem positivos incentivos para se dar atenção à segurança no

processo de projeto, é necessário, também, que sejam reconhecidas suas limitações, pois

existem situações que não podem ser prognosticadas na fase de projeto (Hale et al. (2007).

Segundo os mesmos autores, a incapacidade de prever a variedade de influências no ambiente

de uso é a causa de um número significativo de problemas de segurança que não poderiam ser

resolvidos na fase de projetos.

Portanto, para projetar para a segurança dos trabalhadores não basta ampliar o projeto da obra,

incluindo critérios de construtibilidade ou especificamente de segurança; é necessário focar as

análises, também, nas experiências dos atores da execução, na realidade do trabalho durante o

processo de produção de uma edificação. “Elas necessitam ser registradas e, se necessário,

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

7

atualizadas com base no retorno dos usuários com as experiências de acidentes” (HALE et al.,

2007, p. 316). Ao final do seu estudo, HALE et al. (2007) sublinham que são necessários

métodos de análises de risco que sejam melhores do que os apresentados até hoje, que apoiem

os projetistas com a classificação de questões sob o ponto de vista físico e comportamental e,

assim, mudem as suposições e escolhas do modelos tradicionais de projeto.

4. Metodologia

Para alcançar o objetivo proposto, este artigo se baseia nos resultados de uma pesquisa sobre

projeto para segurança na construção civil, subsetor de edificações. Duas são as construtoras

pesquisadas, denominadas de construtoras A e B. As duas construtoras possuem algumas

características semelhantes, são empresas familiares, de porte médio para grande, que atuam

na área de incorporação e construção de obras de edificações de alto padrão de acabamento.

Na construtora A, foram analisadas duas obras: AI (16 unidades habitacionais unifamiliares,

com 4.316,93m2 de área construída) e AII (36 unidades habitacionais unifamiliares, com

8.650,95m2 de área construída). Na construtora B, apenas a obra BI, de 37.596,24 m

2 de área

construída e 18.348,09 m2 de área de lote, com 9 pavimentos de salas comerciais,

O foco dessa pesquisa é a experiência individual e coletiva dos engenheiros, encarregados e

mestres de obras, acumulada com a vivência das situações de trabalho nos canteiros. Para

evidenciar a dimensão coletiva dessa experiência, recorreu-se à análise da atividade dos atores

do quadro de gestão do canteiro, principalmente do engenheiro de obras, o gerente

intermediário: “A partir da análise da atividade de trabalho do chefe da oficina, busca-se

compreender o modos operatórios, as estratégias de regulação colocadas em prática para a

condução do processo de produção” (MASCIA, 1994). A análise da atividade de trabalho

permite conhecer o contexto onde o trabalho é realizado (GUÉRIN, F. et al., 2001).

Esta pesquisa iniciou-se em março de 2009, no canteiro da obra da construtora A, obra AI. As

observações foram feitas, sistematicamente, nos três primeiros meses de observação, durante

três vezes na semana. Posteriormente, após verificar-se que na jornada da manhã aconteciam a

resolução dos problemas, as observações concentraram-se nesse período. As visitas também

não eram mais sistemáticas, variavam de uma a três vezes por semana. E, dependendo do

contexto das atividades do dia, se fazia a observação de uma jornada inteira das atividades no

canteiro.

Tendo como fundamento os relatos e/ou narrativas dos “eventos1” marcantes na vida do

canteiro, durante a pesquisa de campo foi possível categorizar e destacar 23 casos

significantes para o processo de produção do empreendimento (Tabela 1). Os casos foram

selecionados com base na importância que se verificou ter o evento (os casos) para o quadro

de gestão do processo de produção e/ou atores da execução, quando da nossa participação

como observador, durante o processo de produção das edificações.

1 Um evento é, então, alguma coisa que sobrevém de maneira parcialmente imprevista, não programada, mas de

importância para o sucesso da atividade produtiva (ZARIFIAN, 2001, p. 41).

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

8

TABELA 1 - OS CASOS

Os casos CONSTRUTORA OBRA

O caso da caixa de incêndio

A I

O caso do excesso no pilar do WC da obra

O caso do pilar no vão de um dos elevadores

O caso do marco da porta principal de entrada dos apartamentos

O detalhamento do encontro entre materiais diferentes na fachada

O caso da churrasqueira nas coberturas

O caso dos serviços do forro de gesso

O caso da cerâmica das cozinhas

O caso da paginação do granito da fachada

O caso do vão da porta de entrada dos apartamentos

O caso da concretagem das lajes e vigas

O caso do andaime fachadeira e o assentamento de granito na fachada

O caso do andaime fachadeira e outros serviços de revestimento externo

O caso da execução da modificação do pilar do WC

O caso da instalação e manutenção dos ar-condicionado

O caso da locação da obra

A II

O caso dos projetos executivos

O caso da programação dos serviços para execução da 1ª laje da

garagem

O caso do projeto não-formal para escavação dos grandes blocos

O caso da gravata dos pilares

O caso do projeto não formal para assentar esquadrias montadas

O caso do varal de segurança

O caso do andaime fachadeira

O caso da rampa da garagem da obra

B I O caso do muro de contenções

O caso das escavações dos blocos

O caso do movimento de terra

Com base no estudo de casos, busca-se explicar a situação a partir da prática, pois a ampla

utilização de estudos de casos nas organizações favorece o entendimento e a compreensão,

profunda e ampla, da realidade das organizações, contribuindo para as soluções de problemas

práticos (GODOY, 2005).

Embora tenha sido realizado apenas estudo de caso, nota-se que a dimensão coletiva e

interativa das situações pode ser generalizada. Verifica-se que, por exemplo, no caso do

excesso no pilar do WC da obra AI (contrutora A, obra I), o problema tem origem na fase de

projetos e é gerador de todas as consequências encontradas para a performance, nos demais

casos. Dessa forma, se as dimensões coletivas e interativas desse caso podem ser

generalizadas, neste estudo, a análise da problemática será feita com base nesse caso geral e

apoiada em alguns dos casos acima destacados.

5. Resultados

5.1. O engenheiro de obras: ator central dos problemas no canteiro

Variabilidades sempre acontecem nos canteiros de obras e a atuação do engenheiro no

processo de produção é ativa. A ele se dirigem os encarregados, os empreiteiros, o mestre-de-

obras etc., quando determinados tipos de problemas surgem e as soluções fogem às

competências desses atores. Não obstante, o grau de liberdade das decisões tomadas pelo

engenheiro de obras é relativo e não se identificou um critério único para a caracterização dos

problemas sobre os quais ele teria autonomia na tomada de decisões. Qualquer que seja a

decisão tomada para a solução de um problema, ela também poderá ser questionada e/ou

alterada pela direção da construtora.

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

9

Contraditoriamente, a competência que lhe é requerida é a de não ter que levar problemas

para a direção, mas solucioná-los no canteiro de obras. Em uma das conversações

desenvolvidas no canteiro de obras sobre os problemas que surgiam, narrou o engenheiro de

obras A como funcionava o poder hierárquico no processo de construção: “Se a gente vai para

uma reunião, já existe no escalão acima da gente [...] Acham que a gente está indo com

argumento de desculpa [...] Ah, vocês tinham que ter resolvido o problema, vocês vieram foi

com desculpa [...] Aí, não adianta dialogar”.

Assim, o primeiro passo no canteiro de obras é procurar detectar os problemas para que estes

não se tornem problemas “eternos”, como ressalta o engenheiro de obras A: “Quando aparece

um problema na obra, primeiro passo: detectar o problema. Tem hora que o pessoal não

detecta o problema e conclui a obra com aquele problema. Aí, vira um problema eterno”.

Pelo exposto, depara-se com o seguinte questionamento: Quais são os momentos e as

estratégias para detecção dos problemas durante o processo de produção de uma edificação?

5.2 Momentos e estratégias para detecção dos problemas

5.2.1 Projeto (nivel 1)

Para o engenheiro de obras A, o primeiro momento em que se pode detectar problemas é

quando se analisam os projetos executivos. Quando, antes ou durante a execução do

empreendimento, se recebem e analisam os projetos executivos, na tentativa de constatar

neles possíveis problemas (incompatibilidades, falta de detalhamentos, erros de dimensões

etc.). Por experiências em obras anteriores, por repetição de erros, diz ele: “A gente já sabe

onde estão os erros”. Como, por exemplo, no caso dos projetos executivos da obra AII.

Nesse caso, quando a construtora A concretizou as negociações da compra do terreno para a

construção da obra AII, a engenheira de obras envolveu-se na coordenação dos projetos e nas

providências das necessidades básicas legais que seriam aprovadas para início da construção.

O primeiro projeto elaborado foi o projeto arquitetônico – que já havia sido aprovado na

Prefeitura –, projeto este que atende somente às necessidades básicas (legais) dos órgãos

municipais para que possam aprovar a construção. O engenheiro da obra participava das

reuniões na fase de elaboração dos projetos complementares fazendo uma análise crítica com

base em sua prática de obras.

Assim, quando analisava os projetos da obra AII e mostrava alguns problemas no projeto

arquitetônico, que foram repassados ao arquiteto para correções (como, por exemplo, o

referente ao duto de ventilação, que passava por dentro da caixa do elevador), o engenheiro de

obras A falou ao engenheiro J (engenheiro Junior) que o auxiliava: “Verifica aí, no projeto de

incêndio, os locais das caixas e confronta com os outros projetos. De repente a gente pode até

encontrar uma dessas caixas em um pilar de garagem [...]”.

Como se vê, ele demonstra como é “saber onde estão os erros”. A experiência adquirida com

os problemas das caixas de incêndio na obra anterior (a obra AI) é que o leva a buscar nos

projetos da obra AII a existência ou não de compatibilização entre os projetos, com referência

à localização das caixas de incêndio. O caso da caixa de incêndio na obra AI teve sua origem

na incompatibilidade entre projetos: a locação da caixa do hidrante ficaria exatamente no

mesmo local onde o projeto arquitetônico previa a locação da esquadria da entrada inferior do

duto de ventilação (Fig. 2).

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

10

Figura 2 – Caixa de incêndio

Quando os problemas não são detectados nesse nível, o segundo momento é quando, no

canteiro, antes da execução dos serviços, após receber os projetos, engenheiro de obras e o

quadro de gestão (mestre-de-obras e/ou encarregados) analisam os projetos.

5.2.2. Canteiro (nível 2)

O caso da programação dos serviços para execução da 1ª laje da obra AII ilustra como o

engenheiro de obras A detecta problemas de incompatibilidade de projetos no momento em

que analisa os projetos executivos e programa os serviços a serem executados juntamente com

o mestre-de-obras. Antes de dar partida nos serviços, no momento em que passa as diretrizes

dos serviços a serem executados para o mestre-de-obras, quando está analisando e discutindo

os projetos inter-relacionados com a execução desses serviços (no caso, elétrico, telefônico,

incêndio e drenagem), ele detecta o problema de incompatibilidade na locação: “A gente

acabou de discutir isso aqui, na hora que pegou... hum..., certinho. [...] Isso aí o projetista que

tinha que ver isso”.

Nesse caso, os projetos executivos (de instalações elétricas, hidráulicas, sanitárias, pluviais e

de incêndio) chegaram ao canteiro dois dias antes desse diálogo, quando a obra já estava em

fase de concretagem dos pilares da 2ª laje da garagem. Essa simultaneidade acontece porque a

execução da obra se inicia com a instalação do canteiro, quando o projeto arquitetônico é

aprovado na Prefeitura; e, à medida que os outros projetos vão chegando ao canteiro, os

demais serviços vão sendo executados – como foi, por exemplo, no caso da locação, cujos

serviços se iniciaram assim que se receberam os projetos de locação dos pilares.

Outro caso que também ilustra como os problemas são detectados no canteiro é o caso do

muro de contenções da obra BI. Durante as observações, quando se percorreu o canteiro de

obras com a técnica de segurança, verificou-se que alguns trabalhadores quebravam o

concreto das fundações do muro.

O engenheiro de obras B, questionado sobre essa situação, relatou que o problema ocorrera

pelo fato de os projetos de fôrma e armação das lajes terem sido executados simultaneamente

ao início da execução da obra, pois foram entregues após a conclusão de alguns dos serviços

dos muros de contenção. Segundo o engenheiro, o problema somente foi detectado antes de

ele receber o projeto estrutural, para ele, “uma coisa básica”. Ao analisar o projeto executivo

de arquitetura, foi possível detectar que as sapatas dos muros de contenções, que estavam em

execução, poderiam interferir na execução das fundações da edificação, que ainda estavam

sendo projetadas. Imediatamente comunicou sua suspeita ao projetista, que afirmou que não

haveria problema. Entretanto, verificou-se que essa afirmativa não era efetiva, e o problema

se confirmou quando o engenheiro recebeu os projetos das fundações e iniciou os serviços:

“Antes de começar a fazer o projeto estrutural. Isso é uma coisa bem básica [...] Se você tem

uma obra com uma determinada contenção, que ela ocupa um bom espaço da área útil da

obra, você sabe que os afastamentos vão cair em cima daquela contenção. Estava na cara que

isso ia acontecer”.

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

11

Por conseguinte, alguns trabalhadores estavam cortando a parede de concreto sentados em

materiais que encontravam no canteiro (Fig. 3).

Figura 3 – Assentos improvisados para

trabalhos com o martelete

Além disso, para romper o concreto das sapatas com os marteletes, os trabalhadores, além de

usarem máscaras e protetores auriculares devido aos riscos à saúde que o trabalho oferecia,

estavam também sujeitos às vibrações, sem nenhuma análise ou gestão desse tipo de

exposição2, pois não se verificou nenhum tipo de acompanhamento ou elaboração de

procedimentos ou articulação com os trabalhadores, por parte da segurança, para controle dos

riscos provenientes da vibração do martelete durante a execução da tarefa (Fig. 4).

Figura 4– Quebra de concreto das sapatas

Quando não se detecta os problemas até o nível de canteiro o próximo nível é o de execução

dos serviços, no início ou durante a execução do serviço.

5.2.3. Execução (nível)

No caso do excesso no pilar da obra AI, no projeto estrutural não foram observados os limites

das dimensões entre paredes em um dos WC dos apartamentos tipo. Dito de outra forma, o

projetista da estrutura não observou que a espessura do pilar não poderia ultrapassar a

espessura da parede acabada. Esse problema não foi detectado no nível de projeto, nem no

nível de canteiro, ele só foi detectado, pelo engenheiro de obras A, após ser dada a partida da

execução dos serviços de alvenaria. No momento em que acompanhava o início dos serviços,

o engenheiro de obras A verificou, in loco, que o pilar excedia em 15 cm a largura da parede

(Fig. 5), pois passava a impressão de um WC de tamanho muito reduzido, levando-o a

questionar o excesso: “O ideal é que se tivesse compatibilizado isso na época do projeto [...]

O pilar estava obstruindo o banheiro”.

2 A exposição à vibração pode causar danos físicos ou distúrbios no sistema nervoso.

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

12

Figura 5 – Vista de dentro do WC, do excesso

A direção da construtora, por entender que isso não estaria em conformidade com o padrão de

acabamento do prédio, não aceitou o excesso no pilar. Iniciou-se, então, a busca pela solução

do problema. Duas foram as possibilidade discutidas:

a) a direção de construtora apresentaria a proposta de demolição do excesso, o que implicaria

novo dimensionamento do pilar e retrabalho para a modificação desde as fundações, conforme

se verifica no desenho feito pelo engenheiro supervisor (Fig. 6).

Figura 6 – Novo dimensionamento do pilar

b) o engenheiro de obras A, juntamente com o quadro de gestão do canteiro, apresentaria a

proposta de iniciar a alvenaria faceando o pilar, conforme preferiam os atores da execução.

Nesse caso, conforme se verifica na figura abaixo (Fig. 7), durante a locação dos serviços de

alvenaria, o eixo seria deslocado 5 cm, iniciando-se no primeiro banho (onde se apresenta o

problema do excesso) e prosseguindo até à parede do closet, o que resultaria na redução de 5

cm no closet.

Figura 7 – Deslocamento do eixo da parede

A segunda opção não foi aceita pela direção, e a primeira proposta foi, assim, imposta aos

atores diretamente envolvidos na execução dos serviços: “Quem está na produção sempre

procura uma solução exequível. Quem não está na produção, não pensa na execução”

(engenheiro de obras A). Dessa forma, alterado o projeto e iniciados os retrabalhos no

canteiro de obras, o engenheiro de obras passou para o mestre-de-obras as diretrizes dos

serviços a serem executados (projeto informa para a produção). O mestre-de-obras, no curso

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

13

da ação, com a utilização dos materiais e das ferramentas disponíveis, orientou a execução

dos serviços. Por conseguinte, outros problemas surgiram durante a execução do serviço.

Ao percorrer o canteiro de obras, deparou-se com uma situação de trabalho inusitada para a

execução dos serviços de reforço e posterior retirada do excesso nos pilares do WC das suítes.

Para a demolição do concreto das vigas, onde passaria a ferragem do pilar em ampliação, os

trabalhadores tinham que executar a tarefa sobre o andaime fachadeira. Ocorre que, devido

aos escoramentos existentes internamente, eles não dispunham de espaço para trabalhar nem

de altura suficiente para uso dos marteletes nas vigas, já que a plataforma de trabalho do

andaime fachadeira ficava no nível da laje. Dessa forma, eles colocavam duas pedras pré-

fabricadas (usadas para fazer o piso falso do pilotis) uma sobre a outra, na plataforma de

trabalho do andaime fachadeira, e conseguiam altura para trabalhar (Fig. 8 e 9).

Figura 8 – Escoramento dentro do WC Figura 9 – Pedras sobre a plataforma do andaime

Menos inusitada, mas também de bastante risco à saúde e de elevado desgaste físico, era a

situação de trabalho para a demolição da parte em excesso dos pilares: dois serventes se

revezam na execução da tarefa. Quando um trabalhador cansava, o outro assumia a execução

da tarefa para que o companheiro descansasse. Além do ruído excessivo do martelete, a

demolição do excesso do pilar gerava uma imensa quantidade de poeira no apartamento onde

era executada a tarefa (Fig. 10 e 11).

Figuras 10 e 11 – Retirada do excesso nos pilares do WC

6. Discussão e conclusão

Verifica-se que, no caso do excesso no pilar do WC da obra AI, o problema só foi detectado

durante a execução dos serviços. Portanto, embora houvesse um arquiteto responsável pela

compatibilização, o problema não foi detectado na fase de concepção do projeto. Também não

foi detectado pelo engenheiro de obras nos dois primeiros níveis de antecipação: projeto e

canteiro. Consequentemente, não foi possível solucionar o problema antes da execução da

estrutura do edifício. Detectado o problema na fase de execução, duas foram as possibilidades

discutidas para sua solução: uma apresentada pela direção, com o aval do calculista, e a outra

pelo canteiro. Prevalecendo a da direção, iniciaram-se os retrabalhos do que foi reprojetado.

Entretanto, isso não significa que todos os problemas sejam solucionados nos três níveis de

antecipação. Quando os problemas referentes à situação de trabalho não são considerados e/ou

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

14

solucionados no nível de projeto, canteiro ou execução tem-se a gestão do trabalho como

última instância de regulação de falhas do sistema de produção, já evidenciada pela

ergonomia em várias situações (ver HUBAULT, 2004). O caso do excesso do pilar do WC da

obra AI, de forma privilegiada, serve para evidenciar que a não consideração da situação de

trabalho, nos três níveis de antecipação, pode ser um fator determinante para o surgimento de

problemas no canteiro, especificamente com relação à segurança e saúde dos trabalhadores.

Com base nos resultados conclui-se que, na prática, as especificidades do setor da construção

civil ampliam-se as incertezas dos elementos prescritivos e os problemas são solucionados no

“fogo da ação”. Nesse contexto, a integração, nos diversos níveis de antecipação (projeto,

canteiro e execução), é que possibilitará a elaboração do projeto de situações de trabalho

seguras, por meio do retorno das experiências dos atores da execução. Quando, por algum

motivo, os problemas não são detectados em um desses três níveis ou soluções vindas do

canteiro não são acolhidas, como no caso do excesso do pilar do WC da obra AI, tem-se

efeitos negativos para a produção e para segurança.

7. Referências

ABDEL-AAL, R. E; AL-GARNI, Z. Forecasting monthly electric energy consumption in Eastern Saudi Arabia

using univariate time-series analysis. Energy, v. 22, n. 11, p.1059-1069, 1997.

ABRAHAM, B; LEDOLTER, J. Statistical methods for forecasting. New York: John Wiley & Sons, 1983.

GAMBATESE, J; BEHM, M; HINZE, J. Viability of designing for construction worker safety. Journal of

Construction Engineering and Management, ASCE 131, v. 9, p. 1029–1036, 2005.

GODOY, Arilda Schmidt. Estudo de caso qualitativo. In: GODOI, Christiane Kleinübing; BANDEIRA DE

MELLO, Rodrigo; SILVA, Alieson Barbosa da. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais:

paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2005. Cap. 4. p. 115-146.

GUÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São Paulo: Edgard

Blucher, 2001.

HUBAULT, F. Do que a ergonomia pode fazer análise?. In: Daniellou, F.(org.) A ergonomia em busca de seus

princípios. São Paulo: Edgar Blücher, 2004. p. 105-140.

HALE, Andrew; KIRWAN, Barry; KJELLEN, Urban. Safe by design: where are we now? Safety Science, v. 45,

p. 305–327, 2007.

LIM, C; McALEER, M. Time series forecasts of international travel demand for Australia. Tourism

Management. Artigo aceito em 2001 para publicação, aguarda impressão.

MAKRIDAKIS, S; WHEELWRIGHT, S; HYNDMAN, R. J. Forecasting methods and applications. 3. ed. New

York: John Wiley & Sons, 1998.

MASCIA, Fausto Leopoldo. La gestion de la produciton: une approche ergonomique du travail du chef d’atelier.

Paris: Laboratoire d’Ergonomie Physiologique et Cognitive, École Pratique des Hautes Études, 1994. Mémorie

de D.E.A.

MELHADO, S. B. Qualidade do projeto na construção de edifícios: aplicação ao caso das empresas de

incorporação e construção. 1994. 294 f. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São

Paulo, 1994.

MORAES, Maria T. R. Indústria da construção no Brasil: a utilização da força de trabalho no processo de

produção. 1986. Dissertação (Mestrado em Economia) – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional,

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1986.

PELLEGRINI, F. R; FOGLIATTO, F. Estudo comparativo entre modelos de Winters e de Box-Jenkins para a

previsão de demanda sazonal. Revista Produto & Produção, v. 4, número especial, p.72-85, 2000.

SZYMBERSKI, Roman. Construction project safety planning. Tappi Journal, v. 80, n. 11, 1997.

TOOLE, T. M; GAMBATESE, J. The trajectories of prevention trough design in construction. Journal of Safety

Research, v. 39, p. 225-230, 2008.

XXXI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual: Desafios da Engenharia de Produção na Consolidação do Brasil no

Cenário Econômico Mundial Belo Horizonte, MG, Brasil, 04 a 07 de outubro de 2011.

15

VARGAS, N. Organização do trabalho e capital: um estudo da construção habitacional. 1979. Dissertação

(Mestrado) – COPPE – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1979.