Integrao e identidade - RUN: Página principal · especial da Sociologia e da Psicologia Social e...

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Nº de aluno: 23294 Dinâmicas de expressão da identidade de cidadãos Alemães residentes na região de Lisboa: O papel das Instituições ELIZABET BREHM ___________________________________________________ Dissertação de Mestrado em Migrações Inter-etnicidades e Transnacionalismo SETEMBRO, 2010

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N de aluno: 23294

Dinmicas de expresso da identidade de cidados

Alemes residentes na regio de Lisboa: O papel das Instituies

ELIZABET BREHM

___________________________________________________ Dissertao de Mestrado em Migraes Inter-etnicidades e Transnacionalismo

SETEMBRO, 2010

Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau

de Mestre em Migraes, Inter-etnicidades e Transnacionalismo, realizada sob a

orientao cientfica da Professora Doutora Dulce Pimentel e do co-orientador Professor

Doutor Jos Gabriel Pereira Bastos

II

Declaraes

Declaro que esta dissertao o resultado da minha investigao pessoal e

independente. O seu contedo original e todas as fontes consultadas esto devidamente

mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

____________________

Lisboa, 28 de Setembro de 2010.

Declaro que esta Dissertao se encontra em condies de ser apresentada a

provas pblicas.

A orientadora,

-------------------------------------------

Co-orientador,

----------------------------------------------------

Lisboa, 28 de Setembro de 2010.

III

Dissertao

Dinmicas de expresso da identidade de cidados Alemes residentes na regio de Lisboa:

O papel das Instituies

Autor

Elizabet Brehm

Resumo

Esta investigao tem como proposta o estudo da presena de cidados alemes em

Lisboa atravs da anlise de instituies alems com destaque para a Associao de So

Bartolomeu dos Alemes em Lisboa. Para isso partiu-se de teorias sociais prticas, em

especial da Sociologia e da Psicologia Social e do conceito de identidade como

categoria central de anlise, no contexto da mobilidade transnacional de quadros

qualificados.

Palavras-Chave

Alemes em Lisboa; Associao de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa;

Identidade; Mobilidade de Quadros Qualificados

IV

Dissertation

Dynamics of expression of citizens identity

Germans resident in Lisboa:

The role of the institutions

Author

Elizabet Brehm

Synopsis

This investigation purposes the study of the presence of German citizens in Lisboa through the analysis of German institutions particularly the St. Bartholomew Association of the Germans in Lisboa. To accomplish the endeavor departed from practical social theories, in particular the Social Sociology and Psychology and the concept of identity as a central category of the analysis, in the context of the transnational mobility of qualified personnel

Key words

Germans in Lisboa; St Bartholomews Association of the Germans in Lisboa; Identity;

Mobility; Qualified personnel.

V

Agradecimentos

A produo desta dissertao resulta de um percurso exigente e solitrio; introspeco e

isolamento foram necessrios para dar corpo ao que aqui se apresenta. No entanto, os

objectivos no seriam alcanados sem a participao fundamental de pessoas. A estas

quero expressar a minha gratido.

O meu sincero agradecimento professora Doutora Dulce Pimentel por me ter dedicado

sua confiana aceitando ser orientadora neste trabalho e a prontido que sempre revelou

ao longo de todo esse tempo. Pela orientao cientfica e o rigor acadmico com que me

guiou. Enquanto orientadora soube compreender os tempos difceis, incentivar o

amadurecimento de ideias e esperar o prazo necessrio para que elas se apresentassem.

Agradeo a sua ajuda na escolha do tema e reorganizao dos objectivos quando o

projecto inicial exigiu readaptaes, sobretudo por ter me ajudado a acreditar na

concretizao do trabalho. O tempo dispensado com leituras prvias, as correces

feitas com desprendimento e a boa disposio que soube despender foram elementos

facilitadores e determinantes para produzir resultados e concluir o processo com xito.

Agradeo ao professor Doutor Jos Gabriel Pereira Bastos que me auxiliou na

compreenso da complexidade da temtica das identidades e me incentivou a perseguir

o fio condutor da investigao, e pelo estmulo que me transmitia nos momentos de

discusso, sendo a sua orientao importante no universo do conhecimento desde a

escolha do tema at concluso do trabalho. Agradeo por ter me incentivado a ir mais

longe.

Para o cumprimento desta investigao foi determinante a boa vontade de vrias pessoas

nas respectivas instituies alems ou luso-alems, a quem agradeo o tempo

dispensado, as visitas guiadas e o material didctico ou histrico alcanado.

A minha gratido dirigida em especial s pessoas entrevistadas. Aceitando reflectir

sobre as suas experincias, estas pessoas permitiram que conhecesse as suas trajectrias

de vida, as suas histrias pessoais e elaboraes identitrias, boa parte delas tornando-se

parceiras de outros dilogos, agradeo toda a ateno e tempo dispensado.

Dedico este trabalho ao Edgar, esposo e amigo: por todo alento dado ao longo do

trabalho e da vida. Sem a sua incansvel ajuda este projecto no teria sido possvel.

VI

ndice

1- INTRODUO 1 2- METODOLOGIA E INSTRUMENTOS DE ANLISE 3 2.1 Justificao 3 2.2 Definio do problema 4 2.3 Hiptese 5 2.4 Objectivos 6 2.5 Objecto de estudo 7 2.6 Consideraes metodolgicas 9 2.7 Fases da pesquisa 11 2.8 Caracterizao da populao alvo 16 2.9 O grupo de estudo 20 3- ALEMES NAMOBILIDADE DE QUADROS QUALIFICADOS 24 3.1 Migraes e mobilidade de quadros qualificados 24 3.2 Transnacionalismo e transmigrantes 26 3.3 Tipologias para quadros de alemes qualificados 29 3.4 A colnia alem e o incio da transferncia de alemes qualificados para Portugal 33 3.5 Em torno dos conceitos de organizao e instituio 38 3.6 A Associao de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa: Instituio particular de auxlio material e moral 39

3.6.1 Exterioridade 40 3.6.2 Objectividade 43 3.6.3 Coercitividade 45 3.6.4 Autoridade moral 46 3.6.5 Historicidade 50

4- PROCESSOS IDENTITRIOS 51 4.1 Identidade e processos de socializao 51 4.2 Representaes sociais e identidades sociais 54 4.3 Identidade social e categorizao social 57 4.4 Representaes identitrias: Dissemelhanas de alemes e portugueses 58 4.5 Identidade nacional 66 4.6 Retorno ao pas de referncia ou permanncia no pas de pertena 71 4.7 Caractersticas das pertenas e das organizaes 76

4.7.1Clube Alemo; Parquia Catlica de Lngua Alem em Lisboa Congregao da Igreja Evanglica Alem em Lisboa.

82 4.7.2 Escolas Alems de Lisboa e do Estoril 84

4.7.3 Associao de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa Lar para Idosos de So Bartolomeu dos Alemes no Estoril

86

VII

Associao Alem de Auxlio 4.7.4 Cemitrio Alemo de Lisboa 93

4.7.5 Instituto Goethe de Lisboa; Embaixada da Alemanha em Lisboa 94 4.7.6 ABLA Associao de Beneficncia Luso-Alem 96 4.7.7 CCILA Cmara do Comrcio e Indstria Luso-Alem Volkswagen /Autoeuropa 99 4.8 Processos e estratgias de integrao 102 4.9 Representaes e identidade de gnero 113 4.10 Identidade de elite 1185- A RELEVNCIA DAEMOO NAS RELAES SOCIAIS IDENTITRIAS 129 5.1 A dimenso social da emoo 129 5.2 O grupo de professores 134 5.3 Processos emocionais em relao s organizaes 140 5.4 A amizade: Categoria para a integrao social 1446- CONCLUSO 147 Bibliografia 151 Lista de Quadros e Grfico 162 Anexo n 1 163 Anexo n 2 165

VIII

1. INTRODUO

Na definio do objecto de estudo desta dissertao, houve o cuidado de optar por algo

que fosse do nosso interesse e que ao mesmo tempo pretendssemos entender melhor e

mais profundamente. A delimitao do problema resultou do contacto com cidados de

nacionalidade alem residentes em Lisboa e de visitas realizadas Livraria Buchholz1.

Procuramos traar os objectivos desejando compreender melhor a presena e actuao

de cidados alemes estabelecidos em Lisboa ocupando espaos privilegiados e

gozando de prestgio social na sociedade portuguesa.

O interesse inicial recaiu sobre a Associao de So Bartolomeu dos Alemes em

Lisboa; progressivamente outras organizaes juntaram-se ao objecto de estudo. A

Associao de So Bartolomeu entendida como uma organizao social cujos

membros esto envolvidos em actividades transnacionais. Segundo Castles (2002: p.

111ss) as comunidades transnacionais tornam-se sustentveis em razo de uma rede

complexa de relaes que as sustentam. As partes que compem essa rede so

simultaneamente autnomas e dependentes das relaes estabelecidas. A pesquisa

deseja compreender a formao e manuteno desta rede de relaes e sustentaes.

As entrevistas realizadas a cidados alemes atravs do estudo de caso revelaram

constante mobilidade entre os dois pases, Portugal e Alemanha, e uma deslocao da

prpria existncia destes indivduos. H tambm uma multiplicao ou uma acumulao

de pertenas sobre as quais se elabora a identidade. O ponto de partida da anlise foi a

observao da forma como os elementos constitutivos das identidades se tornam

visveis, identificando as redes de relaes em que os sujeitos se integram.

Partimos da hiptese de que existe uma relao entre as estratgias identitrias dos

sujeitos e sua actuao nas organizaes. Tal factor levou a que na pesquisa se

observasse as instncias organizacionais enquanto espaos onde convivem mundos

sociais pautados por interaces e mundos de histrias de vida num terreno de

complexidade. A questo elaborada interroga a respeito da influncia das instituies na

construo das estratgias de identidade. A aproximao s organizaes tem o

objectivo de perceber se nelas se reconhece o locus social e cultural onde ocorre a 1 A Livraria Buchholz em Lisboa foi fundada em 1943 pelo livreiro alemo Karl Buchholz, que deixou Berlim depois da sua galeria de arte e livraria terem sido destrudas pelos bombardeamentos durante a II Guerra Mundial.

formao ou a transformao identitria dos sujeitos, e a influncia das instncias

organizacionais sobre os comportamentos individuais e relacionais. Concebemos as

identidades enquanto processos socialmente construdos, multidimensionais,

comparativos e conectados em contextos diversos. A pesquisa que realizmos tem como

um dos focos de anlise os processos de construo das diferenas entre alemes e

portugueses, a partir da perspectiva de cidados alemes residentes em Lisboa.

A elaborao e o desenvolvimento da pesquisa esto marcados pela

interdisciplinaridade consequente da diversidade conceptual e do interesse que o termo

identidade desperta nos mais variados campos do conhecimento humano.

O trabalho encontra-se organizado da seguinte forma:

No captulo 2 so apresentadas as escolhas metodolgicas, os critrios para a seleco

do grupo de estudo e sua caracterizao. So ainda delineados os objectivos da

investigao procurando apresentar a lgica condutora de todo o trabalho.

No captulo 3 so apresentadas teorias explicativas da mobilidade de quadros

qualificados com nfase para o contexto portugus. Apresentamos aspectos da histria

da colnia alem em Lisboa e da Associao de So Bartolomeu dos Alemes em

Lisboa.

No captulo 4 so apresentados os dados obtidos nas entrevistas e analisados os

resultados fazendo referncia s questes tericas consideradas no estudo. O captulo

est ilustrado por excertos das entrevistas por se considerar que so, eles prprios,

exemplificativos das vrias situaes que se apresentam.

No captulo 5 evidenciam-se os professores de entre o grupo de estudo. Atravs da

especificidade deste grupo procura-se dar conta da elaborao e manuteno de

processos emocionais nas situaes relacionais. Ao observar a dimenso psicolgica das

relaes sociais reconhecemos processos emocionais construdos e as suas implicaes

para a experincia social e individual dos sujeitos.

Este trabalho de investigao tem como base uma amostra pequena, no representativa,

de cidados alemes residentes em Portugal, tendo desta forma um carcter

exploratrio. As generalizaes so portanto relativizadas. Contudo, a investigao

permite evidenciar o interesse que pode haver em estudar diferentes vises e

representaes de sujeitos com caractersticas culturais e sociais distintas, articulados

numa competio identitria.

- 2 -

2 - METODOLOGIA E INSTRUMENTOS DE ANLISE

2. 1 Justificao

A escolha do tema e o desenvolvimento do problema de pesquisa ocorrem na sequncia

de uma investigao semelhante realizada no Brasil em 2002. Os cidados alemes e

seus descendentes constituem cerca de 5,0 % da populao brasileira e a sua presena

no Brasil remonta a vrios sculos.2 Alemes so citados entre os tripulantes da

caravela de Pedro lvares Cabral por ocasio da chegada ao Brasil em 1500.3 Desde

ento as comunidades germnicas integram um dos grupos de comunidades de

estrangeiros significativas para a histria brasileira. Algumas definies aproximam-se

nos dois contextos, brasileiro e portugus, como por exemplo o uso da expresso

colnia alem, empregada para referir o grupo social onde se preservam tradies

culturais e a lngua alem. O termo colnia4 usado com significado semelhante entre

os alemes de Portugal e do Brasil. Mas, o que na compreenso portuguesa soa como

colonialismo e referncia de um perodo anterior emancipao poltica, para os

alemes serve como definio tnica e cultural. No caso do Brasil, indica uma noo

saudosista de vida na colnia.

A razo da escolha do tema est tambm relacionada com uma exposio bibliogrfica

alem sobre Portugal editada em catlogo pela livraria Buchholz em 1997, onde se

oferece ao leitor portugus e alemo a percepo da curiosidade que este canto mais

ocidental da Europa suscitou no espao cultural da lngua alem. Nesta exposio

denominada O olhar alemo5 (sobre Portugal), h referncias a respeito da Irmandade

de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa citada como um marco da presena alem

em Portugal desde 1290. Esta Irmandade passou a constituir, na fase inicial, o objecto

2 Dados IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica): www.ibge.gov.br/2008.pdf 3O primeiro alemo a chegar ao Brasil foi o astrnomo e cosmgrafo Meister Johann, exercendo a funo de nutico de Pedro lvares Cabral. Natural de Emmerich, actual Alemanha, por ocasio da descoberta, emitiu o certificado de nascimento do Brasil. Consta tambm que o cozinheiro de Pedro lvares Cabral seria originrio de uma regio onde hoje se localiza a Alemanha: www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1158846 page 2,00html 4Em razo da compreenso diferenciada do termo no contexto portugus, optou-se por destacar a expresso em itlico, todas as vezes que for utilizada. 5 No original Deutsche sehen Portugal (O olhar alemo) s/p.

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http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1158846http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1158846

desta pesquisa. Com efeito, o projecto de preparao para esta dissertao foi elaborado

tendo a Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa no centro da

investigao. No entanto, foram surgindo restries no acesso aos arquivos e a membros

da organizao que tornaram necessrio redireccionar a pesquisa e seguir uma

metodologia diferente, ainda que mantendo parte dos objectivos.

No foram encontrados trabalhos de investigao em cincias sociais comparativos

com o objecto de estudo. Partilhamos da dificuldade referida pela investigadora Bessa

Gonalves (2002: p.21) ao dedicar-se ao conhecimento da Comunidade Britnica no

Porto. A autora refere falta de trabalho de investigao relativo ao tema das migraes

de cidados estrangeiros denominados comunitrios, provenientes de pases ricos da UE

e instalados em Portugal. Segundo a autora, a falta de bibliografia referente a estas

comunidades ocorre pelo facto de a comunidade britnica, tal como a alem ou a

francesa, ser constituda por cidados oriundos de pases mais desenvolvidos, e que por

isso no se enquadram no esteretipo do imigrante pobre, com poucas qualificaes e

com problemas de adaptao.

2.2 Definio do problema

Um grupo humano pode ser observado por diferentes aspectos, e, na maior parte das

comunidades, o que salta aos olhos de qualquer observador o aspecto das relaes que

os sujeitos estabelecem entre si atravs de tradies prprias de cada grupo. As

comunidades migrantes esto inseridas num conjunto de relaes sociais a partir das

quais se elabora uma imagem que passa a caracterizar este grupo no contexto da

sociedade de destino. Os alemes em Portugal aparentam gozar de uma imagem

simblica positiva determinada por relaes de poder.

A questo especfica para o estudo aqui apresentado diz respeito construo da

identidade nesse contexto. Segundo Castells (1997: p.73) as pessoas tendem a agrupar-

se em organizaes comunitrias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de

pertena e uma identidade cultural. Essas organizaes passam a oferecer um novo

significado ao grupo. Os alemes estabelecidos em Portugal criaram organizaes

- 4 -

prprias sendo a mais antiga a Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa

fundada em 1290.

O problema para este estudo centra-se nas dinmicas de expresso da identidade de

sujeitos alemes interagindo em uma ou mais organizaes no contexto portugus e o

discurso que estes elaboram sobre si prprios, sobre a organizao e sobre os

portugueses como representantes da sociedade de destino. O problema est direccionado

para duas linhas de observao: por um lado o papel das organizaes na elaborao e

na manuteno da identidade pessoal e social de sujeitos; e por outro lado, a questo das

estratgias de identidade pessoal e social daqueles que se retiram do convvio em

organizaes alems no contexto portugus.

2.3 Hiptese

A hiptese aqui elaborada a de que as 13 organizaes, referidas no estudo de caso,

constituem espaos de construo, orientao e reproduo de identidades e so formas

de manuteno de redes sociais possibilitando a estruturao de estratgias identitrias.6

As organizaes alems propiciam a composio de representaes das dissemelhanas

entre alemes e portugueses e neste sentido prope-se a hiptese de que quanto maior a

coeso de grupo, maior a influncia sobre os seus membros, por meio de processos de

influncia social. A articulao desta hiptese levou a estudar os processos de

integrao de cidados alemes, ou descendentes, no contexto portugus. Interessou-nos

investigar tambm a identidade de indivduos que, sendo alemes ou descendentes,

elaboram discursos de no pertena em relao s instituies. No decorrer da pesquisa

procura-se compreender em que redes sociais estes sujeitos esto inseridos.

A reflexo a respeito do contacto com portugueses leva a que indivduos alemes

elaborem a sua auto-definio identitria. Alguns dos entrevistados afirmam j se ter 6 Entre as organizaes ou grupos de actividades alems ou luso-alems aqui referidas, encontram-se: Clube Alemo em Lisboa; Parquia Catlica de Lngua Alem em Lisboa; Congregao da Igreja Evanglica Alem em Lisboa; Escola Alem de Lisboa e do Estoril; Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa; Lar para Idosos de So Bartolomeu dos Alemes no Estoril; Associao Alem de Auxlio; Cemitrio Alemo de Lisboa; Instituto Goethe de Lisboa; Embaixada da Alemanha em Lisboa; ABLA Associao de Beneficncia Luso-Alem, CCILA Cmara do Comrcio e Indstria Luso-Alem; Volkswagen/ Autoeuropa.

- 5 -

confrontado a si prprios com o tema da auto-identidade e das diferenas culturais entre

portugueses e alemes. A entrada de um indivduo num grupo social e num contexto

diverso pode conduzir ao fortalecimento da auto-identidade: Em Portugal eu

experimentei algo que eu no sabia na Alemanha. Eu notei como eu sou alem. Na

Alemanha pensava que era tudo menos alem, porque eu sou espontnea, sou popular,

eu no sou pontual, sou uma pessoa realmente diferente de uma alem normal. Quando

cheguei aqui eu pensei: ah! Este o meu pas. E s com o tempo eu notei que no, no

bem assim! [M14 p.6]

2.4 Objectivos

Para estudar as dinmicas de expresso da identidade alem e sua insero na sociedade

portuguesa, no mbito das cincias sociais, rememoramos a afirmao de Santos

Boaventura (1995: p. 22): A cincia social uma cincia subjectiva. necessrio usar

mtodos qualitativos com vista obteno de um conhecimento intersubjectivo,

descritivo e compreensivo. Neste sentido o interesse da pesquisa concentra-se menos

nos resultados finais e mais na descrio dos processos interactivos dos sujeitos em

estudo. Categorizamos o estudo no mbito das migraes qualificadas e altamente

qualificadas, que em Portugal, segundo Gis e Marques (2007:p.125) possuem boa

aceitao social, sem conflitos ou atritos com as populaes locais. Sendo que este tipo

de imigrantes goza geralmente de invisibilidade social. No decorrer da pesquisa

objectivamos testar esta afirmao em relao aos alemes enquanto agentes de

actividades transnacionais legitimamente instalados em Portugal.

Os indicadores com os quais essa pesquisa se ocupa referem-se actuao nas

instituies alems ou luso-alems, aos vnculos afectivos que os sujeitos estabelecem

no local, aos elos mantidos com a sociedade de origem, ao tempo de residncia em

Portugal, aos espaos profissionais ocupados pelos sujeitos, aos locais de convvio e de

moradia, ao conhecimento da lngua portuguesa, etc.

Assim, delimitamos dez objectivos que visam auxiliar na verificao da hiptese da

investigao:

- 6 -

* Analisar as dinmicas de expresso da manuteno identitria de cidados alemes

actuando em instituies na regio de Lisboa.

* Compreender o significado simblico e o papel que exercem instituies,

organizaes e/ou empresas alems ou de cariz alemo.

* Apresentar aspectos da Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa

referindo pocas da sua visibilidade e /ou invisibilidade social.

* Nomear diferenas socioculturais significativas entre alemes e portugueses no

contexto lisboeta e o processo de construo de representaes de elite.

* Conhecer os processos de integrao cultural atravs dos discursos dos sujeitos

entrevistados; o que falam de si e do outro.

* Estudar as representaes identitrias de sujeitos alemes indirectamente envolvidos

ou com algum conhecimento a respeito das instituies alems e o discurso que estes

elaboram sobre si, sobre outros alemes e a respeito dos portugueses.

* Mapear actividades transnacionais a partir das instituies de cariz alemo.

* Contribuir para a produo de conhecimento que facilite a prtica da integrao

cultural no mbito do transnacionalismo.

* Contribuir para a produo de conhecimento a respeito das migraes internacionais e

das dinmicas territoriais dos quadros qualificados e altamente qualificados.

* Identificar os papis sociais de gnero no contexto alemo e portugus a partir dos

relatos de mulheres alems.

2.5 Objecto de estudo

Na definio do objecto de estudo prevaleceu o interesse pelas interaces de cidados

alemes residentes em Portugal atravs de organizaes de carcter alemo sediadas na

regio de Lisboa. Entre as organizaes refere-se a Irmandade So Bartolomeu dos

Alemes, presente em Portugal desde o sculo XIII. O estudo da interaco social

constitui uma rea de investigao actual no mbito das cincias sociais. Os mltiplos

- 7 -

encontros de indivduos resultam numa estruturao que a partir de Simmel foi chamada

de interaco; a sociedade, em sentido amplo, existe quando vrios indivduos entram

em interaco, formando instituies atravs das quais a vida se organiza

quotidianamente.7 A elaborao do conceito de interaco social descreve a maneira

como os indivduos reagem face a situaes na vida quotidiana, tambm no contexto

das organizaes. Atravs dos sculos, organizaes alems orientaram a sua presena e

histria na sociedade portuguesa criando interaces prprias. Ao longo do tempo, cada

instituio elaborou representaes de contedo cultural identitrio.

O contexto da investigao refere-se ao estudo das migraes internacionais, dos

processos de globalizao e do transnacionalismo enquanto fenmeno impulsionador de

comunidades transnacionais. O constante crescimento do nmero de pessoas que vivem

fora do pas de origem, actualmente rondando os 160 milhes de pessoas, resulta no

encontro de culturas, projectos de vida e mentalidades.8 O contexto especfico da

pesquisa a mobilidade de quadros qualificados e altamente qualificados, os alemes

como um dos grupos no quadro de comunidades de estrangeiros residentes em Portugal.

O objecto de estudo abrange a identidade de cidados alemes em contexto portugus e

em organizaes de cariz alemo. Sendo um foco de observao o processo de

construo das representaes das diferenas entre alemes e portugueses, a pesquisa

visa perceber os processos de formao de identidade nas organizaes alems e a

interaco no contexto portugus. Conforme Tajfel (1981:p.53), ocupamo-nos do estudo

do comportamento colectivo e dos efeitos directos da localizao dos indivduos em

vrios lugares do sistema social sobre uma grande variedade de relaes face-a-face. A

fundamentao terica interdisciplinar, desde a Psicologia Social, a Antropologia, a

Sociologia das Migraes e a Geografia, alm da abordagem histrica que permite um

panorama geral dos factores que originaram as inter-relaes das duas comunidades.

7 Segundo Claude Javeau: Lies de Sociologia, 1998, p. 147 8 Segundo dados da ONU, o nmero de pessoas que actualmente vivem fora do seu pas de origem de 160 milhes. www.bbc.co.uk/migrantes

- 8 -

2.6 Consideraes metodolgicas

A metodologia de investigao foi sendo construda medida que se agregavam

conhecimentos e contactos. Uma combinao de mtodos foi a opo adequada aos

objectivos que se pretende alcanar. Os mtodos utilizados visam, conforme afirma

Firmino da Costa (1986:p.142), auxiliar na busca pelos significados, motivos,

aspiraes, valores e atitudes dos sujeitos em relao ao grupo no qual esto inseridos e

ao grupo social do pas de destino. Para a recolha de dados, concebeu-se como tcnica

principal a entrevista e na anlise de contedo procurou-se, conforme Laurence Bardin

(1986: p.44), reconhecer o que est por trs das palavras sobre as quais nos debruamos.

A entrevista como modalidade do mtodo de pesquisa qualitativa permite conhecer o

universo conceptual do sujeito entrevistado e fazer isso com relativa proximidade e

interactividade. Segundo Rocha Trindade (1995: p.118), a entrevista exploratria , no

mbito da metodologia qualitativa uma tcnica que exige ateno especial por parte do

entrevistador, com o objectivo de fornecer ideias e pistas de reflexo e de abordagem

sobre o estudo que se pretende realizar. A vantagem deste tipo de tcnica a

possibilidade de aprofundamento da informao qualitativa possvel numa entrevista

semidirectiva. A entrevista um processo de interaco social entre duas pessoas, em

que uma procura obter informaes sobre a outra, da a necessidade de observar que as

motivaes pessoais do entrevistador no influenciem as reaces do entrevistado.

Judith Bell (1997: p.137) alerta para esse cuidado especial na elaborao do guio da

entrevista.9 Ao optar por esta modalidade de recolha de informaes, o resultado um

discurso de um sujeito sobre a observao que este faz a respeito do seu prprio

comportamento e da sua realidade, o procedimento que permite perceber o ponto de

vista dos actores sociais sujeitos da pesquisa. Uma das vantagens da entrevista a

possibilidade de aprofundar temas, determinar razes, motivos e atitudes. No entanto, o

discurso que resulta da entrevista no tem necessariamente de coincidir com o que o

entrevistado realmente pensa, ou como age no dia a dia. H, na maioria das vezes,

descoincidncia entre a prtica e o discurso. Pode haver, inclusive, uma contradio

entre o que dito e o que feito. Ainda assim, segundo Firmino da Costa (1986: p. 137-

142), a entrevista permite receber em primeira-mo o discurso sobre como os sujeitos

9 Um modelo do guio de entrevista encontra-se em anexo n 2.

- 9 -

acham que a vida social deveria ser, sobre como esperam que ela seja e sobre como a

vem efectivamente ser. As entrevistas permitiram aos entrevistados reflectir sobre

questes que nunca, ou pouco, haviam pensado, dito e estruturado, uma forma de

discorrer sobre as temticas propostas e sobre si prprios. Desta forma manteve-se,

quando necessrio, uma postura provocativa atravs da qual se propunha ao entrevistado

a anlise pessoal dos temas da pesquisa, deixando-lhe tempo e espao para reflectir

sobre as questes do guio de entrevista.

Com consentimento prvio dos entrevistados, as entrevistas foram gravadas. O idioma

utilizado foi acordado entre entrevistadora e entrevistados deixando sempre a estes a

escolha. Num total de 43 entrevistas, em 32, o idioma utilizado foi o alemo e nas

restantes 11, o portugus.

Posteriormente, cada entrevista foi ouvida, transcrita e traduzida quando necessrio. 10

As gravaes foram conservadas para a necessidade de informao paralingustica. Nos

casos em que as entrevistas foram realizadas nas casas dos entrevistados, houve em trs

situaes a presena de uma terceira pessoa. Em dois casos: filha e esposa; numa outra

situao tratava-se de um auxiliar de geriatria que acompanhava a senhora entrevistada

e que por sua vez tambm j havia sido entrevistado. Estas pessoas actuaram

paralelamente durante a entrevista interagindo com o entrevistado e interferindo

algumas vezes.

O estudo de caso , segundo Bogdan e Biklen (1994), uma abordagem metodolgica de

investigao adequada para conhecer em profundidade uma situao em estudo,

utilizando para isso uma variedade de instrumentos e estratgias de recolha de dados.

Trata-se de uma metodologia de investigao que incide sobre uma situao especfica e

que, no caso desta investigao, segue uma perspectiva interpretativa, ou seja, que

procura compreender como o mundo do ponto de vista dos participantes.

O estudo de caso um mtodo de investigao relevante e, no que diz respeito

validade, conclui-se, na pesquisa em questo, que a generalizao dos resultados no faz

sentido devido especificidade do estudo. Segundo Bogdan e Biklen (1994: p. 47-62),

os investigadores tendem a analisar os seus dados de forma indutiva e as abstraces

so construdas medida que os dados particulares vo se agrupando So as

10 Trs dos entrevistados solicitaram posteriormente uma cpia da gravao para arquivo pessoal, o que foi feito.

- 10 -

realidades mltiplas e no uma realidade nica que interessam ao investigador

qualitativo.

2.7 Fases da pesquisa

A investigao obedeceu organizao de diferentes fases de recolha de material e

registo de dados:

- Pesquisa bibliogrfica: as literaturas consultadas em bibliotecas presenciais e virtuais

so suporte terico e contextualizador da pesquisa. Tambm foram utilizados

dicionrios temticos de sociologia, alm dos textos de autores da Psicologia Social

para a compreenso dos conceitos de identidade, representao e estratgias

identitrias.

- Pesquisa documental: como suporte da informao obtida atravs das entrevistas e das

demais tcnicas de investigao, a pesquisa documental foi realizada em organizaes

alems: na Associao de Beneficncia Luso-Alem com sede na Parede/ Cascais, nas

Parquias Evanglica Alem e Catlica Alem de Lisboa, no Clube Alemo em Lisboa,

no Instituto Goethe em Lisboa, na Irmandade e Lar para Idosos de So Bartolomeu dos

Alemes no Estoril, na Escola Alem de Lisboa e arquivos ou registos de bibliotecas

particulares.

- Pesquisa estatstica: Foram consultados dados estatsticos divulgados pelo Instituto

Nacional de Estatstica e Servio de Estrangeiros e Fronteiras. Ainda que estes dados

sejam escassos e imprecisos servem para caracterizar tanto quanto possvel o universo

do grupo em estudo.

- Pesquisa etnogrfica / observao directa: para alcanar um grau maior de

aproximao das representaes criadas, foi significativa a alternativa de trabalho

etnogrfico. Uma entrevista no mostra a representao real e da a importncia do

trabalho etnogrfico que permite observar a prtica, pois no basta apenas reter um

conhecimento exterior dos hbitos ou das actividades do grupo em estudo. A

observao participante permite ao observador cientfico captar dados, smbolos e

particularidades que no o seriam numa observao apenas bibliogrfica ou em forma

- 11 -

de entrevista. A observao uma actividade natural, mas simultaneamente fcil e

difcil quando utilizada para fins de investigao. O ser humano tende a ver o que deseja

ver, da o cuidado com enviesamentos e ideias pr-concebidas. A observao

necessariamente subjectiva e torna-se eficaz medida que mantm critrios bem

definidos. Segundo Bell (1997: p.137), o investigador, na tentativa de perceber a

realidade, interpreta-a a partir de diferentes perspectivas e da sua prpria realidade.

Portanto, cabe ao investigador manter a percepo do perigo da parcialidade, tratando-

se, segundo a autora de uma tcnica altamente subjectiva. Todo o investigador est

inserido num meio social concreto a partir do qual elabora pressupostos e orienta

consciente ou inconscientemente a interpretao de dados.

Na pesquisa etnogrfica, ou seja, no trabalho de terreno, acontece uma aproximao aos

processos culturais e sociais que elaboram as identidades e tambm os sistemas

simblicos. Nesta perspectiva, no transcorrer dos meses em que foram sendo realizadas

as demais tcnicas, houve observao etnogrfica participante e no participante, sendo

as vrias situaes citadas em seguida. Destas observaes e participao em diversas

actividades resultou, entre outros aspectos, a possibilidade de encontrar mais de uma

vez alguns dos sujeitos entrevistados, ou seja, foi possvel acompanh-los em

actividades sociais alm do contacto da entrevista.

Quadro 1. Aces desenvolvidas no terreno

Data Aco desenvolvida

04 Maio 2008 Participao em Assembleia anual da Parquia Evanglica Alem em Lisboa.

27 Maio 2008 Visita guiada ao Cemitrio Alemo em Campo de Ourique/ Lisboa

25 Setembro 2008 Visita ao bairro Buraca onde uma cidad alem da Parquia Catlica Alem

realiza actividades sociais com crianas no Centro Paroquial So Geraldo, para o

qual so enviados donativos financeiros por parte de membros da Parquia

Catlica Alem.

14 Outubro2008 Dilogo com Presidente da Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes no

Estoril.

17 Outubro 2008 Dilogo com Presidente da Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes no

Estoril.

- 12 -

17 Outubro 2008 Visita e observao de actividades realizadas por uma alem da Parquia

Evanglica Alem ao Centro Paroquial So Vicente de Paula / bairro Serafina,

onde esta realiza a entrega de refeio semanal a idosos. O Centro Paroquial

recebe donativos financeiros por parte da Parquia Evanglica Alem.

17 Outubro 2008 Dilogo com jovem alemo que realiza um ano de Servio Militar Alternativo no

Centro Social So Vicente de Paula, hospedado em casa de um dos entrevistados.

22 Outubro 2008 Almoo e dilogo com a responsvel pela Fundao Marion Ehrhard em Sintra.

23 Novembro 2008 e

15 Novembro 2009

Cerimnia oficial no Cemitrio Alemo realizada pela Embaixada Alem em

Lisboa, com a presena do Embaixador, o Adido Militar e de outras

representaes militares alems do Exrcito, Marinha e Fora Area. Cerimnia

presidida pelo embaixador alemo, com participao dos lderes espirituais das

Parquias Catlica e Evanglica Alem de Lisboa e encerrada com culto

ecumnico na sede da Igreja Catlica Alem de Lisboa.

30 Novembro 2008 e

29 Novembro 2009

Participao em Bazar de Advento e Natal organizado pelas Parquias

Evanglica Alem e Catlica Alem nas instalaes da Escola Salesiana de

Lisboa.

29 Maio 2009 Visita guiada Associao de Beneficncia Luso-Alem ABLA. Dilogo com a

directora da instituio.

11 Setembro 2009 Caf com idosos no Lar para Idosos de So Bartolomeu dos Alemes no Estoril;

visita guiada s instalaes do Lar de So Bartolomeu dos Alemes no Estoril.

21Setembro 2009 Visita guiada s instalaes da Autoeuropa Lisboa.

24 a 27 Setembro

2009

4 Noites de Festa da Cerveja Alem em Lisboa / Campo dos Mrtires da Ptria.

07 Outubro 2009 Participao em Concerto de Beneficncia com a Banda da Fora Area Alem

de Munster / Westfalen nas instalaes da Escola Alem de Lisboa.

26 Novembro 2009 e

14 Dezembro 2009

Participao em Ciclo de Conferncias na Universidade Nova de Lisboa: No

meio da Europa a Alemanha Contempornea, Aspectos da Cultura Alem no

Plano Internacional e A Lngua alem na Europa de Hoje.

Participao em actividades culturais oferecidas pelo Instituto Goethe de Lisboa durante os anos de 2008

e 2009, incluindo concertos, exposies, conferncias, workshop e consultas biblioteca.

Visita ao interior de 9 residncias de alemes entrevistados, incluindo a Vila Geralda no Monte Estoril,

- 13 -

antiga residncia de veraneio do Rei de Espanha.

(2008 e 2009) Participao em cultos na Parquia Evanglica Alem de Lisboa, algumas vezes seguidos

de caf com bolo ou almoo comunitrio e entrevistas com membros

(2008 e 2009) Participao em missas da Parquia Catlica Alem de Lisboa, algumas vezes seguidas de

entrevistas previamente marcadas, alm de caf ou almoo comunitrio.

As entrevistas foram realizadas entre Maio de 2009 e Dezembro de 2009.

Fonte: dirio de terreno da autora

- Entrevista: foram realizadas 43 entrevistas semi-estruturadas. A partir de um conjunto

de questes foi elaborado um guio que serviu de apoio para manter uma sequncia e

permanecer nos objectivos da pesquisa. Quatro contactos privilegiados com cidados

alemes contriburam para a elaborao do guio de entrevista. Tratou-se de conversas

informais no gravadas que contriburam directamente para a definio das questes

norteadoras do guio, sendo que cada uma destas pessoas participa activamente em

alguma organizao alem em contexto portugus. Estes contactos privilegiados foram:

o Presidente da Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa (no cargo at o

ano de 2008), que vive h 27 anos em Lisboa e Cascais; o lder religioso da Parquia

Evanglica Alem em Lisboa h 6 anos em Lisboa; o secretrio da Irmandade de So

Bartolomeu dos Alemes que na ocasio do encontro se dedicava elaborao de uma

obra a respeito da histria da Irmandade e que vive h 12 anos em Lisboa; a directora da

Fundao Marion Ehrhard, que vive h 22 anos em Sintra e autora de obras referente

Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa. A partir da definiram-se as

temticas do guio e os critrios para a seleco dos contactos.

Quadro 2. Zona de residncia dos entrevistados

Lisboa 25

Cascais 17

Torres Vedras 1

Total 43

Fonte: dirio de terreno da autora

- 14 -

Quadro 3. Locais de realizao das entrevistas

Gabinete do Instituto Goethe em Lisboa 01

Escritrio do Lar para Idosos de So Bartolomeu no Estoril 01

Caf no Hotel Sherton em Lisboa 01

Caf na Embaixada da Alemanha em Lisboa 01

Escritrio Bancrio / Lisboa 01

Instalao Comercial em Lisboa 01

Jardim da Estrela em Lisboa 01

Caf na Escola Alem de Lisboa 02

Escritrio da Autoeuropa em Palmela/Lisboa 02

Gabinetes da Univ. Nova em Lisboa e do Instituto Superior Tcnico 03

Sede da Instituio ABLA na Parede 03

Secretaria das Parquias Catlica e Evanglica Alem de Lisboa 03

Caf da Faculdade de Letras, da U NL e da Faculdade de Psicologia de Lisboa 06

Residncias em Lisboa, no Estoril, na Parede e em Cascais 08

Caf e restaurante em Cascais, no Estoril e em Alfragide 09

Fonte: dirio de terreno da autora

O contacto com os potenciais entrevistados foi estabelecido atravs de uma carta de

auto-apresentao enviada via correio electrnico, quando possvel. Na impossibilidade

de comunicao virtual, foi feito contacto via telefone.

O objectivo da pesquisa foi apresentado resumidamente no momento inicial da

entrevista. O facto de a entrevistadora viver tambm a experincia de estrangeira em

Portugal foi referido por alguns sujeitos entrevistados. Muitos deles, no final da

entrevista, solicitaram que a entrevistadora descrevesse a sua prpria experincia

enquanto cidad estrangeira em Portugal. No entanto, mantivemos sempre a conscincia

da afirmao de Burgess (1997: p.116), de que os investigadores que conduzem

- 15 -

entrevistas no terreno devem ponderar em que medida que as suas caractersticas

pessoais iro influenciar a prtica da entrevista.

2.8 Caracterizao da populao-alvo

O trabalho que aqui se apresenta resulta de um estudo a respeito das interaces de

indivduos alemes em organizaes no contexto portugus, com especial enfoque na

regio de Lisboa. Foram realizadas entrevistas a indivduos de nacionalidade alem,

com dupla nacionalidade alem e portuguesa ou de nacionalidade portuguesa com

descendncia alem em segunda e terceira gerao residentes na rea da Grande Lisboa.

A rea geogrfica foi delimitada tendo em conta a referncia estatstica da presena

proporcionalmente elevada de indivduos alemes no distrito de Lisboa em relao ao

restante do pas.

A recolha de dados quantitativos a respeito dos alemes como uma das comunidades de

estrangeiros residentes em Portugal no constitui tarefa fcil dada a escassez de

informaes estatsticas. O recurso a fontes como os recenseamentos da populao e as

estatsticas demogrficas publicadas pelo Instituto Nacional de Estatstica (INE)

apresentam limitaes resultantes da condio de livre circulao de cidados de

Estados membros da Unio Europeia (UE).

O estudo refere-se aos alemes enquanto um grupo numericamente minoritrio em

Portugal, em relao a outros grupos de comunidades estrangeiras residentes no pas.

Rocha-Trindade (1993:p.425) afirma que O termo minoria no pode ser definido

apenas como o antnimo de maioria. A autora define minoria como o conjunto de

indivduos que apresenta as caractersticas, a composio e a estrutura de uma

comunidade (designadamente, possuindo um sentimento de pertena comum baseado

numa herana cultural prpria) com dimenso obviamente menor do que a sociedade

(maioritria) em que se insere.

Segundo dados do Servio de Estrangeiros e Fronteiras, a populao provisria de

estrangeiros em Portugal em 2008 era de 440277 pessoas e destas 53892 so cidados

da Unio Europeia e entre os quais 8187 so cidados alemes. Em Lisboa residiam no

- 16 -

ano de 2008, 1522 cidados alemes, ou seja cerca de 20% do total de residentes em

Portugal. Estes dados em relao aos alemes permanecem parciais, uma vez que a

mobilidade de cidados da Unio Europeia livre e o registo nos consulados

facultativo.

A Unio Europeia permite a livre circulao tanto para passeio como para trabalho; a

Embaixada s notificada no caso de haver algum problema. Sabemos que h na

regio de Lisboa muitos alemes trabalhando em firmas tradicionais alems:

Autoeuropa, Volkswagen, Merkc, Indstria Farmacutica, Siemens, onde em regra o

grupo director alemo. H uma grande populao no Algarve, que no entanto na

maior parte reformada. H tambm um grupo que veio para Portugal antes, durante ou

depois da guerra e aqui ficou at hoje, j estando na segunda ou terceira gerao. E

ainda h um grupo menor de alemes residentes no norte de Portugal actuando em

indstrias txteis, qumica, artefactos. Assim, os alemes esto em todo pas com

diferentes nfases. Mas no h como atestar numericamente quantos so os alemes

nestas diferentes reas de presena em Portugal pelo facto de que no h

obrigatoriedade de registo. H possibilidade de todo o cidado alemo se registar para

solicitar informao, para solicitar um novo passaporte, registar o nascimento de

crianas ou um falecimento. E quem no faz isso no entra nas estatsticas. [H16 p.3].

Com uma presena antiga e regular em Portugal,11 dados recentes do Servio de

Estrangeiros e Fronteiras (SEF) atestam um considervel decrscimo do nmero de

cidados alemes em Portugal e no distrito de Lisboa entre os anos de 2007 e 2008,

informao que mereceria um estudo e uma anlise mais pormenorizados visando

perceber as motivaes desta alterao. Mencionamos duas das causas possveis

apontadas pela revista peridica Impakt, da Cmara de Comrcio e Indstria Luso-

Alem: uma das causas resulta do abrandamento verificado nos ltimos anos, da

procura de Portugal para destino de investimento das empresas alems em consequncia

de que, de forma generalizada, o investimento alemo no estrangeiro esteja a abrandar

Desde 2004 que os industriais alemes no criam novas empresas em Portugal, de

acordo com um inqurito realizado no final de 2006 pela Cmara de Comrcio e

Indstria Luso-Alem.12 Outro facto apontado como causa da quebra da presena

11 J no sculo XIV existia, estabelecida na cidade de Lisboa, uma colnia alem relativamente numerosa. In: Oliveira Marques, Hansa e Portugal na Idade Mdia.1959, p. 100 12 Deutsche Investitionen, ein eckpfeiler der Portugiesischen Wirtschaft. Revista Impakt , AHK Deutsch-Portugiesische Industrie- und Handelskammer , 2009: p.17

- 17 -

alem em Portugal a alterao demogrfica da estrutura populacional a que se assistiu

na Alemanha nos ltimos anos A populao alem envelhece e diminui h j muitos

anos, na sequncia da diminuio dramtica das taxas de nascimento desde 1970.13

Um dos entrevistados define a reduo da presena de alemes em Portugal desta

forma: De maneira geral tem diminudo o nmero alemes em Portugal em razo de

que muitas firmas no enviam mais funcionrios ao exterior ou porque Portugal tem

internamente assumido esses espaos de trabalho. Tambm se destaca que a crise

econmica percebida com mais fora em Portugal que na Alemanha. [H12 p.2] 14

Quadro 4. Alemes residentes em Portugal 1990 2008

Ano Total Estrangeiros Alemes % do total

1990 107.767 4.894 4,54

1991 113.978 5.137 4,50

1992 123.612 5.411 4,37

1993 136.932 6.150 4,49

1994 157.073 6.773 4,31

1995 168.316 7.426 4,41

1996 172.912 7.887 4,56

1997 175.283 8.343 4,75

1998 178.137 8.810 4,94

1999 191.143 9.605 5,02

2000 207.587 10.385 5,00

2001 223.927 11.167 4,98

2002 238.929 11.878 4,97

13 Destination Portugal image und Angebot des Portugiesischen Tourismus . Revista Impakt, AHK Deutsch-Portugiesische Industrie und Handelskammer, 2010: p. 15 14 No transcorrer do trabalho as referncias grafadas em itlico reportam-se, salvo indicao em contrrio, a citaes retiradas das entrevistas, mencionadas como H (homens) e M (mulheres).

- 18 -

2003 249.995 12.539 5,01

2004 263.322 13.097 4,97

2005 274.631 13.622 4,96

2006 332.137 13.870 4,17

2007 401.612 15.498 3,85

2008 436.020 8.187 1,87

Fonte: Anurio Estatstico de Portugal edio 2009, (INE 2010)

Tradicionalmente, os alemes concentraram-se em maior nmero nos distritos de Lisboa

e Faro e com menor representao no distrito do Porto. Dessa repartio geogrfica nos

do tambm conta os dados relativos ao perodo entre 2000 e 2008 (quadro 5). Em

conjunto, Lisboa e Faro detm sempre mais de 60% da populao alem residente em

Portugal, cabendo a cada um dos distritos cerca de 30% do total. Contudo, no ltimo

ano para que dispomos de dados, 2008, em que o nmero de residentes alemes sofreu

uma reduo para quase metade do registado no ano anterior, o distrito de Faro reforou

a sua importncia relativa (cerca de 42% do total) e Lisboa concentrava menos de 20%

do total. Sendo que os alemes residentes no distrito de Faro caracterizam-se, em sua

maioria, por cidados reformados que preferem as zonas costeiras como local para fixar

residncia temporria ou definitiva, enquanto na regio de Lisboa esto concentrados os

profissionais em diversas reas de actividade e com maior mobilidade de acordo com

ofertas de transferncia e mobilidade das empresas. O grupo de alemes residente no

Porto manteve, na ltima dcada, um peso relativo em torno de 8 a 10%.

Quadro 5. Alemes residentes nos distritos de Lisboa, Faro e Porto 2000 2008

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Lisboa 3348 3500 3660 3817 3951 4044 4066 4393 1522

Faro 3140 3474 3719 3927 4124 4323 4423 5029 3392

Porto 1030 1079 1113 1139 1143 1178 1187 1313 680

Fonte: Servio de Estrangeiros e Fronteiras; Censos, INE

- 19 -

Grfico 1. Alemes residentes em Portugal e nos distritos de Lisboa, Faro e Porto

02.0004.0006.0008.000

10.00012.00014.00016.00018.000

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Total de AlemesLisboaFaroPorto

Fonte: Servio de Estrangeiros e Fronteiras

2.9 O Grupo de Estudo

Num estudo de caso, a escolha do grupo adquire um sentido muito particular. A

seleco fundamental, pois constitui o cerne da investigao e estabelece um fio

condutor que guiar todo o processo de recolha de dados. Procurou-se, como afirma

Bertraux (1987:p.124), garantir a diversificao e a extensividade dos casos

exemplares e das problemticas constantes no guio. A expectativa inicial foi a de

encontrar um grupo possuidor de uma capacidade de reflexo, o qual se deixasse

motivar pelo tema da investigao.

A constituio do grupo perspectiva compreender o caso em si. O critrio da actuao

em alguma organizao foi necessrio para a diversificao dos resultados, alm do

critrio da delimitao da rea geogrfica da Grande Lisboa. No entanto, o estudo no

conta com a representao de todas as organizaes alems presentes em Lisboa, h

certamente organizaes no referidas. Em todos os casos, primordial olhar e definir

de que grupo est a falar porque h a fortes diferenas. H tambm alemes que no

esto organizados aqui porque no vivem na rea de Lisboa onde esto as instituies

alems. H aqueles que vieram para Portugal por quaisquer outros motivos e que no

querem de forma alguma contacto com outros alemes. [H10 p.3]

- 20 -

Para a confrontao da hiptese, foi tambm perspectivado o critrio de contacto com

indivduos sem participao em organizaes ou que delas se tenham afastado, no

entanto esses so a menor representao do estudo. Trata-se de indivduos de ambos os

sexos com idade superior a 18 anos. A definio de gnero no , a priori, critrio

delimitador da pesquisa. Ainda assim, houve um equilbrio razovel na proporo de

homens e mulheres: num total de 43 pessoas, 18 homens e 25 mulheres. Pela faixa

etria o grupo est assim distribudo:

Quadro 6. Faixa etria do grupo de estudo

Idade (anos) N

18-24 1

25-34 2

35/44 7

45/54 18

55/64 6

65/74 4

75/84 4

85/94 1

Total 43

Fonte: Dirio de terreno da autora

- 21 -

Quanto nacionalidade o grupo est representado por 29 cidados de nacionalidade

alem e uma cidad austraca.

Quadro 7. Distribuio do grupo quanto nacionalidade

Alem

Austraca15

28

1

Dupla nacionalidade alem e portuguesa (nascidos em Portugal ou que receberam a nacionalidade

alem ou portuguesa atravs do casamento)

11

Portuguesa (segunda gerao) 3

Fonte: Entrevistas realizadas entre 2009 e 2010

No houve definio prvia quanto ao nmero total de entrevistas a realizar, havendo

ainda um amplo leque de indivduos que poderiam ser contactados. A cessao em 43

entrevistas resultou da compreenso da capacidade de anlise de contedo, havendo

informaes suficientes para medir variveis e quando se percebeu uma razovel

saturao dos temas propostos. Os entrevistadores so informadores qualificados,

altamente qualificados ou informadores privilegiados.

Os entrevistados esto distribudos em 4 grupos, a partir da observao da rea

socioprofissional onde actuam:

* Escola Alem de Lisboa; do Instituto Goethe de Lisboa; Universidade Nova de

Lisboa; Faculdade de Letras de Lisboa; do Instituto Superior Tcnico de Lisboa;

Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao de Lisboa; Estudantes Erasmus

da Universidade Nova de Lisboa.

* Empresas alems transnacionais ou empresas privadas (loja comercial,

empreendimento imobilirio, escritrio de publicidade, fbrica de velas).

15 A incluso desta cidad de nacionalidade austraca justifica-se em razo de sua interaco em contexto portugus se dar no grupo de cidados alemes. A sua vinda para Lisboa deu-se atravs de contrato com a Escola Alem no Estoril, os filhos estudaram na Escola Alem. A entrevistada esteve hospedada no Lar para Idosos de So Bartolomeu dos Alemes no Estoril, realiza visitas e/ou participa de cafs semanais no Lar do Estoril e acompanhada por um auxiliar geritrico de nacionalidade alem.

- 22 -

* Embaixada da Alemanha em Lisboa e da Cmara de Comrcio e Indstria Luso-

Alem.

* Organizao Social ABLA; da Irmandade de So Bartolomeu dos Alemes em

Lisboa; Clube Alemo de Lisboa; Associao Alem de Auxlio; Parquias

Evanglica Alem e Catlica Alem.

A Qualificao acadmica ajuda a caracterizar a actuao dos sujeitos nas diferentes

organizaes. O quadro refere a diversificao nas reas cientficas ou cursos de

formao.

Quadro 8. Diversificao da qualificao acadmica 16

Cincias Sociais e Humanas 6 H 9 M

Cincias Exactas 7 H e 3 M

Lnguas 3 H e 10 M

Direito, Jornalismo, Fotografia 1 H e 2 M

Fonte: Entrevistas realizadas entre 2009 e 2010

Eu suma, o grupo de estudo formado por 43 sujeitos, cidados alemes ou

descendentes, residentes em Lisboa ou arredores e com disponibilidade para expor a

originalidade de sua experincia individual e de grupo. Segundo Velho (2004:p.13)

coloca-se como problema a relao entre projectos individuais e os crculos sociais em

que o agente se inclui ou participa. Reconhece-se no haver um projecto individual

puro sem referncia ao outro ou ao social.

O que procuramos fazer nos prximos captulos privilegiar a experincia dos sujeitos

para compreender a identidade que, sendo construda, resulta de uma combinao de

factores tanto socioculturais, como histricos e psicolgicos.

16 Dois dos entrevistados permanecem fora desta classificao por no possurem formao acadmica universitria: H8 concluiu estudos at aos 18 anos na Alemanha, iniciando em Portugal uma empresa de importao de mquinas grficas; M3 concluiu estudos na Escola Alem de Lisboa.

- 23 -

3 ALEMES NA MOBILIDADE DE QUADROS QUALIFICADOS

3.1 Migraes e mobilidade de quadros qualificados

A mobilidade humana actualmente um tema que desperta interesse de vrias

disciplinas das cincias sociais e humanas. Este interesse teve incio no final do sculo

XIX quando se tornou indispensvel a colaborao internacional e as migraes

passaram a ser interpretadas de forma global pela necessidade de controlo dos

contingentes de trabalhadores, essenciais aos processos de globalizao. As migraes

deste sculo assumiram em definitivo um carcter global, pois nesta poca que os

fluxos migratrios se tornam mais volumosos, mais rpidos e complexos. No plano

poltico e econmico a problemtica das migraes ganhou importncia tal qual a

atribuda a outros desafios mundiais. E no sculo XXI que o assunto ganha destaque.

Hoje, estudiosos como Stephen Castles (2002: p.44) concluem que as migraes

internacionais so uma das principais foras de transformao social em todas as regies

do mundo. Gradativamente o estudo das migraes tem vindo a se afirmar como um

campo de investigao autnomo no mbito da sociologia com a formulao de teorias

explicativas das migraes. Peixoto (2004: p.3), afirma que a migrao um assunto

demogrfico, econmico e poltico, que envolve a psicologia social, constituindo

tambm um problema sociolgico.

Estudos convergem no que diz respeito s causas da mobilidade e desmistificao do

sedentarismo como condio natural do ser humano. Para Castles (2002), as migraes

internacionais actuais caracterizam o fenmeno da globalizao, no entanto, as pessoas

migraram desde sempre por vrias razes. A contribuio dada por Jackson (1991)

complementar ao desenvolver o princpio de que o ser humano sempre esteve associado

ao movimento, explicando ainda que as sociedades humanas no so estticas. O autor

questiona o pressuposto que tem prevalecido no estudo das migraes: o mito da

sociedade esttica. Esta lgica de pensamento perpetua a suposio de que a condio

natural do ser humano o sedentarismo A sociedade de fixao no existe nem

nunca ter existido, tratando-se apenas de um conceito errado, que simplesmente teve

como consequncia infeliz a adopo da representao do migrante como um estranho

- 24 -

ou uma pessoa marginal. (Jackson: 1991: p.4) Com esta perspectiva, o autor classifica

a mobilidade e as migraes como tema central e no marginal no estudo das cincias

sociais. As migraes resultam da condio natural de mobilidade humana e da

capacidade de integrao.

A disciplina que tem dado maior ateno ao tema provavelmente a Geografia.

Segundo Peixoto (2004: p.4), o autor clssico deste tema Ravenstein, gegrafo e

cartgrafo ingls, que publicou em 1885 e 1889 dois textos sobre as leis das

migraes. Ravenstein reconheceu o motivo econmico como a principal causa

desencadeadora dos fluxos migratrios e concluiu que existem factores repulsivos e

atractivos a actuar neste fenmeno O modelo de Ravenstein, sob forma modificada,

constitui ainda hoje a contribuio terica mais significativa dentro das teorias baseadas

no modelo de atraco repulso. Assume um conjunto de factores associados rea de

origem e um outro conjunto de factores associados rea de destino, a que se vo juntar

as variveis intervenientes que afectam, num dado momento, o equilbrio desses

interesses. (Jackson: 1991: p. 21)

Estudos sobre as migraes internacionais concentram-se habitualmente na mobilidade

de massas formada desde os anos 60, sobretudo pelos fluxos de profissionais no

qualificados. O interesse pela mobilidade dos quadros qualificados toma lugar em poca

posterior, quando o fenmeno j se tinha consolidado. Inicialmente a ateno foi dada

deslocao dos crebros, brain drain, dos pases menos desenvolvidos para os mais

desenvolvidos.

Portugal recebe profissionais altamente qualificados principalmente da Unio Europeia,

sendo o grupo de estudo desta investigao caracterizado nesta modalidade de quadros

qualificados e altamente qualificados. Segundo dados recolhidos, pases como Reino

Unido, Espanha e Alemanha so os pases da Unio Europeia com maior representao

populacional em Portugal. Constitui uma migrao transnacional peridica e estes

cidados estrangeiros pertencentes a pases membros tm os mesmos direitos

empresariais, econmicos, laborais e sociais que os nacionais. Esta imigrao est

ligada ao desenvolvimento de investimentos estrangeiros, implantao de empresas

multinacionais e a fluxos de reformados. Os trabalhadores europeus concentram-se nas

profisses cientficas, e nos empregos de servios e muitos so trabalhadores

independentes. Segundo Falco (2002: p.4), prev-se que continuem a estabelecer-se em

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Portugal muitos profissionais altamente qualificados, provenientes de pases da Unio

Europeia.

A mobilidade sobre a qual este trabalho se debrua refere-se ao mbito de cidados

comunitrios, estrangeiros e no imigrantes. Como afirma Rocha-Trindade (1995: p.

43), o estatuto socioeconmico relativamente alto deste tipo de residentes estrangeiros

leva-os a procurar no serem integrados numa categoria ampla de imigrantes de

motivao econmica. Segundo Gis e Marques (2007), aps a integrao de Portugal na

Unio Europeia, os cidados comunitrios aqui residentes deixaram de ser considerados

imigrantes e constituem o segundo maior fluxo de estrangeiros para Portugal, sendo em

mdia mo-de-obra qualificada ou altamente qualificada e reformados. Alemes so

cidados oriundos de um pas mais desenvolvido, que desde cedo se estabeleceram em

Portugal motivados por questes pessoais, climticas ou profissionais. Como j citado

anteriormente, em boa parte so despertados pela curiosidade pelo pas mais ocidental

da Europa. Em Portugal o nmero de estrangeiros legalizados de um crescimento

contnuo desde 1980; representam actualmente cerca de 5% da populao residente.

Numa das entrevistas elabora-se uma definio do termo estrangeiro a partir da

concepo econmica: O estrangeiro considerado aquele que trs dinheiro para

Portugal. O Algarve por exemplo, muito mais estrangeiro do que portugus. [M3 p.4]

3.2 Transnacionalismo e transmigrantes

O aumento da mobilidade, o crescimento das migraes temporrias, cclicas e

recorrentes, as viagens baratas e simples, a constante comunicao proporcionada pelas

novas tecnologias de informao so factores que propiciam a formao de

comunidades transnacionais, grupos cujo desenvolvimento da identidade se caracteriza

pela expresso de transmigrantes envolvidos em actividades transnacionais. As

comunidades transnacionais so grupos cuja identidade no assenta primordialmente na

ligao a um territrio especfico. Para Scott (1998), aspectos relevantes desta nova

estrutura so o elevado nmero de empresas transnacionais com os seus

estabelecimentos distribudos por diversos pases e o deslocamento de empregados que

estas empresas promovem.

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Importa aqui referir a definio no que diz respeito ao fenmeno chamado

transnacionalismo. Para Castles (2002), trata-se da palavra-chave da 1 dcada do novo

sculo, enquanto outros autores so da opinio de que o entusiasmo inicialmente

associado descoberta deste fenmeno tenha levado a que se exagerasse o seu mbito.

Facto que o transnacionalismo se tornou, nos ltimos anos, um conceito-chave de

anlise nas cincias sociais. Refere-se aqui as obras de trs autores para esta reflexo:

Stephen Castles (2002), Alejandro Portes (2004) e Steven Vertrovec (2009). A

importncia do transnacionalismo para o tema de pesquisa deste trabalho surge no

sentido de servir como instrumento terico para esclarecer as actividades de instituies

alems em Portugal e o seu significado para os agentes que as praticam.

Portes (2004: p.73-93) argumenta que o transnacionalismo representa uma perspectiva

nova, mas no um fenmeno novo. A mesma compreenso partilhada por Foner

(2001:p.58-86) quando diz que o transnacionalismo no de modo algum um fenmeno

novo mas o transnacionalismo actual diferente do velho transnacionalismo. Para

Portes (2004) no passado existiram actividades transnacionais que como tal no foram

reconhecidas devido escassez dos meios ao seu dispor, em comparao com aqueles

de que hoje em dia dispem os imigrantes. O autor contribui com a reflexo de que nem

todos os imigrantes so transnacionais, mas s uma minoria destes se caracteriza por um

envolvimento regular em actividades transnacionais. Constata assim um paradoxo

social: o transnacionalismo, enquanto aspecto terico novo no campo da imigrao,

orienta-se em actividades de apenas uma minoria dos membros da populao em causa.

Uma pesquisa realizada com imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos da

Amrica em 1998, conclui que os imigrantes que se dedicam a actividades

transnacionais so os melhor estabelecidos e com maior estabilidade.

Segundo Vertrovec (2009), transnacionalismo refere-se genericamente a uma

multiplicidade de laos e de interaces que ligam pessoas a instituies atravs das

fronteiras dos Estados-nao. Os membros de comunidades transnacionais tm parte da

sua existncia social radicada simultaneamente em dois ou mais pases e organizam as

suas vidas tendo como referncia sociedades nacionais distintas, levando a que se

desenvolvam comunidades e conscincias transnacionais. Atravs das redes

transnacionais um nmero crescente de pessoas capaz de viver simultaneamente em

duas ou mais culturas. Para o autor, migrao no constitui a expresso mais fiel para

referir o fenmeno da mobilidade de trabalhadores qualificados e altamente

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qualificados. Isto pelo facto de que a imigrao tem conotaes de permanncia ou de

residncia, considerando que o movimento de muitas pessoas altamente qualificadas

tende hoje a ser de curto prazo. Atravs das redes transnacionais tende-se a mudar o

discurso e as expresses para noes como globalizao de capital humano e vias de

circulao de trabalhadores qualificados.

Castles (2002: p.119) identificou o termo transmigrantes para referir pessoas cuja

existncia moldada atravs da participao em comunidades transnacionais e que se

caracterizam por uma diversificao de sentidos Os transmigrantes so por vezes

retratados como cosmopolitas capazes de ignorar barreiras culturais e de construir

identidades mltiplas. Noutros contextos, a conscincia da identidade transnacional

pode significar uma revalorizao da identidade tnica, segundo a qual os

transmigrantes se sentem solidrios com os seus co-tnicos. Os indivduos podem ser

considerados membros de uma comunidade transnacional se as actividades

transnacionais dos seus grupos sociais constiturem o contexto primordial das suas

vidas, mesmo no caso de estes no estarem directamente envolvidos em actividades

transnacionais.

No h concordncia entre o reconhecimento das implicaes do fenmeno

transnacional e as formas como o transnacionalismo se pode assumir nos diferentes

pases. Os alemes, enquanto grupo nacional deste estudo, no recebem a denominao

de sujeitos imigrantes. No entanto, as suas actividades comerciais, cientficas e

profissionais so aqui enquadradas enquanto fenmenos transnacionais, e as redes de

relaes da elaboradas so compreendidas como interaces de agentes transmigrantes.

As actividades das comunidades transnacionais mais estudadas so as de cunho

econmico, que estabelecem exclusivamente transaces financeiras entre pases. No

entanto, h pesquisas que demonstram que, alm do plano econmico, h outros laos

transnacionais de grande significado. A sociloga Levitt dedica-se a estudar o papel da

religio e de prticas religiosas transnacionais. Segundo Levitt (2003), estudos sobre a

religio trazem luz formas em que a religio cria ligaes internacionais e elabora

identidades transnacionais. A globalizao permite uma diversidade religiosa atravs da

qual os indivduos constroem identidades. A autora analisa a proximidade de termos

como global, dispora e transnacional, sugerindo a possibilidade de uso

intercambivel dos termos por uma ntima conexo de sentidos.

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Motivos religiosos tambm justificam a permanncia de alemes em Portugal. Uma

Irmandade fundada por comerciantes hanseticos da colnia alem servia para a

manuteno do culto alm da proteco e defesa dos interesses mtuos. Neste captulo

relatamos factos histricos que exemplificam o enquadramento do grupo alemo no

quadro de estrangeiros qualificados e simultaneamente o papel da Irmandade de So

Bartolomeu dos Alemes enquanto organizao alem que mantm desde o de sculo

XIV a caracterstica de uma organizao de preservao dos laos de um

transnacionalismo econmico e religioso.

3.3 Tipologias para quadros de alemes qualificados

A seguir apresentamos tipologias para quadros qualificados definidas actualmente para

o panorama portugus por investigadores portugueses, nomeadamente: Joo Peixoto

(1999), Pedro Gis e Jos Marques (2007); Catarina Reis de Oliveira (2005). Tipologias

so processos para a reduo da complexidade de determinados fenmenos, elaborados

no intuito de gerar uma compreenso sobre a realidade social complexa. Uma tipologia

consiste numa classificao de actores, de acordo com as suas caractersticas comuns,

assim como visa facilitar a compreenso, comparao ou anlise de dados. Para atingir

este objectivo necessrio, de acordo com Durkheim (1898), escolher as caractersticas

particularmente significativas de um fenmeno social. 17 Na compreenso de Gis e

Marques (2007:p.116) e tambm na nossa, as tipologias so processos para a reduo

da complexidade, que permitem construir um sentido nas mltiplas formas que a

realidade social assume.

O tema da mobilidade internacional dos quadros em Portugal foi ainda pouco

pesquisado e, na maioria dos estudos, a perspectiva acompanha a evoluo da realidade

das imigraes. Portugal atrai imigrantes qualificados, tanto para o quadro das empresas

nacionais, como tambm das multinacionais que investem no pas. Segundo Gis e

Marques (2007:p.19), os fluxos destes quadros evoluem paralelamente evoluo da

economia portuguesa e abertura do capital estrangeiro. Os trabalhos de investigao

que analisamos apresentam tipologias utilizveis para referir o tipo de imigrantes 17 Citado por Gis e Marques, 2007, p. 115.

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qualificados activos no mercado portugus. Para o interesse desta pesquisa,

apresentaremos as tipologias que se enquadram no tema proposto, ou seja, a deslocao

de quadros qualificados em Portugal. Grande parte da bibliografia desenvolvida para

este tema refere-se aos fluxos de profissionais dos pases menos desenvolvidos para os

mais desenvolvidos, o que se convencionou chamar de brain drain. Esta referncia,

exclui a mobilidade do estudo de caso aqui apresentado, no qual se desenvolve o

processo de profissionais de um pas mais desenvolvido, a Alemanha, para Portugal,

no se tratando, neste caso, de um fenmeno de fuga de crebros, mas sim de

deslocao de quadros qualificados, deslocao de alto nvel ou ainda globalizao de

capital humano.

O que se pretende aplicar ao estudo de caso caractersticas associadas s teorias sobre

transnacionalismo migratrio na dimenso da insero laboral de quadros qualificados,

observando os locais de actuao profissional, a formao acadmica e o seu significado

no quadro de estrangeiros qualificados em Portugal. Com o relato histrico da

Associao de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa esclarecemos o mesmo que

Gis e Marques (2007:p.118), ou seja, a compreenso de que, em termos histricos,

Portugal atrai imigrantes altamente qualificados desde h muitas dcadas (ou mesmo

sculos), sendo conhecidas na histria portuguesa vrias figuras de origem estrangeira

que aqui exerceram profisses altamente qualificadas. Segundo Joo Peixoto (1999:

p.41), houve nas ltimas dcadas uma diminuio dos fluxos permanentes ou definitivos

e o aumento dos fluxos temporrios. As novas tecnologias de comunicao e de

transportes permitem fluxos frequentes e multidimensionais de pessoas, bens e ideias.

Para o autor, o incentivo para o estudo da mobilidade dos quadros altamente

qualificados em Portugal decorre do aumento gradual destes agentes na estrutura social.

No seu trabalho de pesquisa Peixoto realiza uma avaliao quantitativa dos fluxos de

agentes altamente qualificados. E constata que os imigrantes de topo foram mais

numerosos em Portugal do que os emigrantes detentores de posies sociais elevadas ou

de habilitaes escolares de nvel superior As entradas provenientes de pases

desenvolvidos apresentaram muitas vezes uma proporo elevada de quadros numa

noo ampla de elites econmicas. O autor refere o actual fluxo de deslocaes geradas

por empresas multilocalizadas, mecanismo frequentemente ligado a um recrutamento no

pas sede da organizao, para o qual a maioria dos profissionais mveis nacional do

pas de origem.

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Um nmero considervel de alemes com qualificao especfica chega actualmente a

Portugal atrados por ofertas profissionais em institutos acadmicos de universidades.

Os departamentos de estudos de lngua oferecem modalidades de intercmbio para

actuao nos institutos universitrios; essa modalidade pode ser definida como

espontnea e com motivao induzida. Segundo a definio de Gis e Marques (2007:

p.24), as transferncias de quadros qualificados ocorrem de forma independente ou

institucional. Os indivduos que adquirem uma formao superior em Portugal, e aqui

laboram aps a obteno da formao, so os agentes internamente qualificados. Entre o

grupo deste estudo h tambm o caso de uma cidad alem residindo em Lisboa desde

1966 e que 15 anos depois realiza formao na Alemanha, deslocando-se mensalmente.

Com esta formao reconhecida na congregao evanglica alem em Lisboa Eu

realizei uma formao teolgica na Alemanha. H quinze anos atrs, meus filhos

estavam crescidos e saram de casa, ento pensei que era tempo de realizar meu sonho

de ter essa formao teolgica. Durante dois anos eu voei uma vez ao ms para

Alemanha para realizar esse curso teolgico.(...) agora uma vez por ms eu coordeno o

culto na igreja alem. [M24 p.1]

Muitos dos profissionais que hoje actuam no quadro de empresas multinacionais,

podem ser referidos na tipologia de transmigrantes, j supracitada, caracterizados assim

por percorrerem vrios pases ao longo da sua carreira profissional.18 No estudo de

caso, h trs casos exemplares de sujeitos que nasceram em Portugal e realizaram

estudos de qualificao profissional na Alemanha para depois actuar profissionalmente

em Portugal. H tambm representantes na modalidade de qualificao interna,

indivduos alemes que adquirem uma formao acadmica superior em Portugal e que

permanecem no pas aps a obteno desta formao.

Um aspecto a destacar a forma como a sociedade e o Estado Portugus asseguram o

processo de entrada de determinados quadros no mercado de trabalho, assim como a

integrao no quadro profissional da nova realidade. O que se caracteriza enquanto

quadros qualificados privilegiados. Um dos relatos exemplifica esta tipologia pela

auto-percepo de privilgios e o sentimento de estar includo num quadro profissional

diferenciado. Na chegada a Portugal, o sujeito recebe acompanhamento institucional

para facilitar a sua integrao, o que torna confortvel a entrada em ambiente 18 Nas 43 entrevistas realizadas para o estudo de caso, os profissionais da empresa multinacional Autoeuropa e tambm do Instituto Goethe e da Embaixada da Alemanha referem projectar um prximo pas onde actuar aps o tempo de contrato em Portugal.

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profissional e social Acho que a integrao tem muito a ver com a nossa situao em

termos de trabalho por exemplo. E quando se chega a um pas tal como eu, em

condies muito favorveis, e j com um contrato de trabalho na faculdade, isso no se

pode comparar por exemplo a um trabalhador que chega como imigrante a um pas. As

pessoas foram sempre muito simpticas comigo desde o incio. Eu cheguei l ao Porto e

no primeiro dia o director do departamento quase me pegou na mo e fizemos uma

volta pelos prdios, tratamos de todos os documentos e pronto. Quer dizer, uma

situao muito tranquila e de facto muito privilegiada para uma pessoa que muda de

pas. [H3 p.2]

H, no entanto, uma descontinuidade conceptual para o fenmeno da mobilidade de

quadros qualificados, tanto na Sociologia, como nas demais disciplinas sociais. So

referidos termos como circulao geogrfica de elites ou desprendimento territorial dos

quadros, mobilidade de competncias ou migrao de capital humano. Conforme

Peixoto (1999: p.12), o estudo mais antigo dedicado mobilidade internacional das

elites e dos crebros o de Frank Musgrove (1963: p.1), descrevendo aspectos do

caso britnico no final de sculo XIX. Musgrove considerou a existncia de uma

crescente mobilidade territorial das elites como consequncia da formalizao dos

processos educativos e profissionais, assim como o aumento generalizado da

necessidade de qualificaes de ambos os tipos. Alguns exemplos ilustrativos dados

pelo autor so as viagens de lazer realizadas pelas elites britnicas e as deslocaes de

intelectuais: As pessoas destas ilhas so mais mveis do que as de outras naes, e um

grande nmero delas esto sempre no estrangeiro, por vezes em viagens longnquas, por

vezes nos Alpes, por vezes nos desertos de frica, ou nos lugares mais estranhos; mas

em geral, em navios no mar, nos grandes entrepostos comerciais, nas capitais da

Europa, nas nossas colnias, ou nos Estados da Amrica. No caso dos alemes, a

chegada dos mercadores hanseticos o incio de uma mobilidade de elites com

interesses comerciais especficos.

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3.4 A colnia alem e o incio da transferncia de alemes qualificados

para Portugal

As relaes luso-alems so antigas, alcanando oito sculos de interaco. H

consenso entre historiadores no que respeita ao ano de 1147 como o primeiro contacto,

tempo em que os cruzados germnicos auxiliaram a coroa portuguesa na conquista dos

territrios ocupados pelos mouros.19 Conforme Vasconcelos (1921:p.35),

Aproveitando-se da passagem nas costas de Portugal, de armadas de Cruzados que iam

para o Oriente, reuniu D. Afonso Henriques, para a sua tentativa de adquirir as terras do

Sul, ocupadas por Mouros, muitos guerreiros de vrias nacionalidades, como Alemes,

Flamengos, Frgios, Ingleses, Normandos e Franceses. Muitos destes cruzados

acabaram por ficar nas terras ento recuperadas, vislumbraram a possibilidade de fazer

negcios e de se fixar definidamente em Portugal. Estes acontecimentos do incio

vinda de mercadores e comerciantes do Norte da Europa para Portugal.

Historiadores como Hinsch (1890: p. 3ss) referem o selar de um contrato entre o assim

conhecido membro fundador da colnia alem e o rei, D. Dinis Sabe-se que um

comerciante de nome Michael Overstadt possua nas margens do Tejo um armazm ou

depsito de madeira. Cercou o local de muros e fez construir uma capela

provavelmente tambm de madeira que dedicou a S. Bartolomeu. O rei D. Dinis,

cobiando o terreno ocupado, cuja situao achara excelente, pretendeu edificar uma

igreja no mesmo, sob a invocao de S. Julio. Assim, faz um contrato com Overstadt,

trocando o seu primitivo terreno por outro em stio desconhecido, mas que,

provavelmente, seria tambm nas margens do Tejo mas doando-lhe o direito de

propriedade sobre uma capela dedicada a S. Bartolomeu, a construir no novo templo. A

edificao ficou concluda em 1290.

19 Cames imortalizou estes combatentes germanos aludindo lenda da palmeira milagreira nascida da sepultura de um deles: No vs um ajuntamento, de estrangeiro Trajo, sair da grande armada nova Que ajuda a combater o Rei primeiro Lisboa, de si dando prova? Olha Henrique, famoso cavaleiro, A palma que lhe nasce junto cova. Por eles mostra Deus milagre visto; Germanos so os Mrtires de Cristo. (Lusadas VIII, 18)

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A inaugurao da Capela de So Bartolomeu dos Alemes em Lisboa ocorre em 1291

passando a ser a referncia da colnia alem e o local de encontro da Irmandade. A

criao desta Irmandade resulta da necessidade de proteco e de defesa dos interesses

mtuos de comerciantes alemes que se instalam em terras lusas. Ehrhardt (1989)

descreve os primrdios das relaes luso-alems referindo os mercadores e

comerciantes que se transferem para Portugal procura de novas oportunidades ou para

alargar os seus negcios. Na sua pesquisa, a historiadora nomeia uma sequncia de

nomes de alemes com diferentes qualificaes profissionais, que, em nmero

progressivo, chegam a Portugal para oferecer os seus servios. Oliveira Marques (1993:

p.101) refere que j em 1397 atestada a presena de um alemo armeiro que parece ter

vindo residir para Portugal a convite do rei D. Fernando, destacando assim a inteno

de, j naquela poca, atrair profissionais qualificados.

O mesmo autor, Oliveira Marques (1988-92: p. 106), em outra obra, menciona que em

1433, no reinado de D. Joo I, os alemes se encontram em actividades comerciais e no

desempenho de ofcios, de tal forma que julgam necessrio a instituio de uma feitoria

e de um feitor que os pudesse representar junto das autoridades portuguesas. Feitoria foi

o termo usado para referir os entrepostos comerciais europeus em territrios

estrangeiros. A feitoria hansetica em Lisboa, no primeiro tero do sculo XV, refere a

existncia de uma colnia de residentes alemes, em nmero de algumas dezenas,

interessados num tipo de comrcio idntico, unidos na defesa de privilgios

oficialmente concedidos pelas autoridades portuguesas.

Atravs destas descries pode-se referir o incio e a periodicidade da presena de

alemes enquanto profissionais com qualificaes apropriadas para o contexto

portugus. As diversas possibilidades de empreendedorismo incipiente em Portugal

tiveram fortes repercusses nos meios comerciais germnicos. Strassen e Gandara

(1944: p. 226) referem uma poca posterior, em especial aps o terramoto de 1755,

quando houve grande movimentao de alemes enquanto tcnicos de indstrias,

negociantes ou mestres de ofcio Em 1796, havia aproximadamente em Lisboa mil

alemes notveis , Tendo como consequncia um maior afluxo de pessoas que

esperavam fazer fortuna ao exercer a sua profisso num pas to promissor como

Portugal. Segundo Ehrhardt (1989: p.11): Eram sobretudo artfices que aqui

estabeleceram residncia, nomeadamente ferreiros, serralheiros, sapateiros, tanoeiros,

vidreiros, ourives, escrives, encadernadores e impressores. O mesmo refere

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Vasconcellos (1921: p.366): Cartas rgias e alvars do sculo XIV ao XVIII,

processos de Inquisio, e documentos de vrias