Inteligencia Emocional e Psicologia Positiva Por Fabio Appolinario

4
Emo~ao emoclona E PSICOLOGIA POSITIVA Como a inteligencia emocional afeta nossavivencia das emo<;6espositivas e nossa busca pela felicidade esmo antes de 0 cientista com- portamental Francis Galton ter seinteressado em testarcientifi- camente a inteligencia, ainda no seculo passado, muito ji se indagou acerca desse complexo tema (hi relatos acerca do uso de tes- tes para a sele<;:aodefuncionirios civis na China, ji em 3.000 a.c.). Mesmo atualmente, se inda- garmos a diversos psicologos acerca do proprio conceito de inteligencia, certamentecolheremos uma grande quantidade de posi<;:oes. Resumi- damente, poderiamos dizer que hi aqueles que propoem ser a inteligencia essencialmente uma capacidade geral e unica e aqueles que argumen- tamafavor da tese de que a inteligencia depen- de de muitas capacidades separadas. o primeiro a criar uma medida pritica da in- teligencia foi 0 erninente psicologo frances Al- fred Binet (1857-1911), cujos estudos visavam a identifica<;:aode crian<;:as"retardadas" e a sua coloca<;:aonas chamadas salas especiais. 0 ter- mo "Q!" entretanto, vai surgir somente em 1916, quando 0 psicologo norte-americano Lewis Ter- man (1877-1956) verte e adapta para 0 ingles 0 teste originalmente desenvolvido por Binet. o Q! (ou Q.!Jociente de Inteligencia) diz res- peito a rela<;:aoexistente entre 0 nivel mental e a idade cronologica, sendo sua formula conhecida como: Q! = 100 x (NM I IC). Este tipo espe- cifico de medida popularizou-se em fun<;:aodos famosos testes Army-Alfa e Army-Beta, utili- zados com 0 inicio da Primeira Guerra Mun- dial, naqual foram empregados pelo exercito norte-americano para a sele<;:ao de soldados. Mais recentemente, ji na decada de 80,no- vas formula<;:oes teoricas come<;:arama chamar aaten<;:ao para 0 crescente descontentamento com as testagens psicologicas tradicionais. Pro- posi<;:oes heterodoxas como a Teoria da Inteli- genciaFluidae Cristalizada de Horn (1986), a Teoria das InteligenciasMUltiplas de Gardner (1995), a Teoria Triirquica daInteligencia de Sternberg (1997),ea polemica Teoria da Inteli- gencia Emocional de John Mayere Peter Salo- vey (1990), posteriormente popularizada pelos livros de sucesso de Daniel Goleman (1995) vem aquecendo 0 debate acerca do tema. o primeiroa prop or uma teoria operaciona- lizada defendendo a existencia de urn espectro amplo de capacidades humanas foi Howard .Gardner, psicologo daUniversidade de Har- vard. Para ele, devemos nos remeter aos diver- sos aspectos biologicos, sociaise psiquicos que irao contribuirpara demonstrar a imensa gama de capacidades humanas existentes hi seculos e que tern sido simplesmente relegadas a urn segundo plano nesses anosde pesquisa sobre a inteligencia. Gardnerdefine entao sete moda- lidades de inteligencia que poderiam ser consi- deradas capacidades humanas distintas:

Transcript of Inteligencia Emocional e Psicologia Positiva Por Fabio Appolinario

Page 1: Inteligencia Emocional e Psicologia Positiva Por Fabio Appolinario

Emo~ao

emoclonaE PSICOLOGIA POSITIVA

Como a inteligencia emocional afeta nossa vivencia dasemo<;6espositivas e nossa busca pela felicidade

esmo antes de 0 cientista com-portamental Francis Galton terse interessado em testar cientifi-camente a inteligencia, ainda no

seculo passado, muito ji se indagou acerca dessecomplexo tema (hi relatos acerca do uso de tes-tes para a sele<;:aode funcionirios civis na China,ji em 3.000 a.c.). Mesmo atualmente, se inda-garmos a diversos psicologos acerca do proprioconceito de inteligencia, certamente colheremosuma grande quantidade de posi<;:oes.Resumi-damente, poderiamos dizer que hi aqueles quepropoem ser a inteligencia essencialmente umacapacidade geral e unica e aqueles que argumen-tam a favor da tese de que a inteligencia depen-de de muitas capacidades separadas.o primeiro a criar uma medida pritica da in-

teligencia foi 0 erninente psicologo frances Al-fred Binet (1857-1911), cujos estudos visavama identifica<;:aode crian<;:as"retardadas" e a suacoloca<;:aonas chamadas salas especiais. 0 ter-mo "Q!" entretanto, vai surgir somente em 1916,quando 0 psicologo norte-americano Lewis Ter-man (1877-1956) verte e adapta para 0 ingles 0teste originalmente desenvolvido por Binet.o Q! (ou Q.!Jocientede Inteligencia) diz res-

peito a rela<;:aoexistente entre 0 nivel mental e aidade cronologica, sendo sua formula conhecidacomo: Q! = 100 x (NM I IC). Este tipo espe-cifico de medida popularizou-se em fun<;:aodos

famosos testes Army-Alfa e Army-Beta, utili-zados com 0 inicio da Primeira Guerra Mun-dial, na qual foram empregados pelo exercitonorte-americano para a sele<;:aode soldados.Mais recentemente, ji na decada de 80, no-

vas formula<;:oesteoricas come<;:arama chamara aten<;:aopara 0 crescente descontentamentocom as testagens psicologicas tradicionais. Pro-posi<;:oesheterodoxas como a Teoria da Inteli-gencia Fluida e Cristalizada de Horn (1986), aTeoria das Inteligencias MUltiplas de Gardner(1995), a Teoria Triirquica da Inteligencia deSternberg (1997), e a polemica Teoria da Inteli-gencia Emocional de John Mayer e Peter Salo-vey (1990), posteriormente popularizada peloslivros de sucesso de Daniel Goleman (1995)vem aquecendo 0 debate acerca do tema.o primeiro a prop or uma teoria operaciona-

lizada defendendo a existencia de urn espectroamplo de capacidades humanas foi Howard.Gardner, psicologo da Universidade de Har-vard. Para ele, devemos nos remeter aos diver-sos aspectos biologicos, sociais e psiquicos queirao contribuir para demonstrar a imensa gamade capacidades humanas existentes hi seculose que tern sido simplesmente relegadas a urnsegundo plano nesses anos de pesquisa sobre ainteligencia. Gardner define entao sete moda-lidades de inteligencia que poderiam ser consi-deradas capacidades humanas distintas:

Page 2: Inteligencia Emocional e Psicologia Positiva Por Fabio Appolinario

• Inteligencia Lingiiistica: capacidade quepermitiria utilizar todos os recursos da lin-guagem escrita ou oral com eficiencia.• Inteligencia Logico-Matematica: capaci-dade de aprender, perceber e utilizar os con-ceitos e os simbolos matematicos. Habilidadede raciocinar logicamente.• Inteligencia Espacial: capacidade de for-mar, manobrar e operar urn modelo do mun-do no espa<;o.• Musical: capacidade de ouvir e distinguirsons e ritmos, de cantar e tocar instrumen-tos musicais.• Inte1igencia Corporal-Cinestesica: ca-pacidade de resolver problemas ou e1aborarform as de comunica<;ao utilizando 0 pro-prio corpo.• Inteligencia Intrapessoal: capacidade paraacessar e discriminar sentimentos e emo<;6es,utilizando este conhecimento para entender.eorientar 0 proprio comportamento.• Inteligencia Interpessoal: capacidade deobservar e fazer distin<;6esentre os individuose, em particular, entre seus estados de humor,. temperamentos, motiva<;6ese inten<;6es.

Posteriormente, Gardner desenvolveu ou-tras modalidades de inte1igencia (como a in-te1igencia naturalistica), mas que nao forambem aceitas pela comunidade cientifica. Dequalquer forma, dentre as sete inte1igenciasapontadas por e1e, as duas Ultimas (inte1i-gencia intra e interpessoal) guardam re1a<;6escom algumas das principais habilidades inte-grantes da inte1igencia emocional.

A inte1igencia emocional tern em suaformula<;ao teorica uma forte influencia dasrecentes pesquisas no campo da neurofisio-logia, por isso, fazem-se necessarias algu-mas breves observa<;6essobre 0 assunto. Deuma forma geral, poderiamos dizer que 0cerebro humano - maior orgao do sistemanervoso central- e composto de tres partes:o cortex cerebral, area mais desenvolvida docerebra onde sao processados 0 pensamentoe a linguagem; 0 subcortex ou sistema lim-

Page 3: Inteligencia Emocional e Psicologia Positiva Por Fabio Appolinario

Emo~ao

bico, responsivel pelo desencade-amento das reac;6escorporais en-volvidas nas emoc;6es e 0 troncocerebral, cuja func;aoe a regulac;aobiologica do organismo (respira-c;ao,frequencia cardiaca etc.)Uma das estruturas mais im-

portantes do sistema limbico sanas amigdalas (nao confundir asamigdalas cerebrais com as amig-dalas da faringe), responsivel pordar significado emocional aos es-timulos provenientes do tilamoe do cortex sensorial. Ate muitorecentemente, acreditava-se queas respostas emocionais emiti-

das pelos seres humanos ocorressem comomera consequencia de deliberac;6es do cor-tex. Assim, mediante um estimulo (ameac;a-dor, por exemplo), a informac;ao seria cap-tada pelos orgaos dos sentidos, enviada aotilamo e deste para 0 cortex sensorial, queprocessava a informac;ao e a enviava a amig-dala, no sistema limbico, para um "parecer"emocional acerca do estimulo. A amigdalaentao desencadearia uma serie de reac;6escorporais compativeis com a natureza doestimulo (fugir ou atacar, por exemplo).

Ocorre que, segundo 0 neuro-cientista Joseph LeDoux, existeuma "via de processamentoripido", ligando 0 tilamodiretamente a amigda-la - sem passar pelocortex. 0 resultadodesta ligac;ao e que,em certos momen-tos de perigo, porexemplo, 0 sistemalimbico acaba as-sumindo 0 contro-Ie da situac;ao antesque 0 cortex possa sepronunciar a respeito.

. A·este fenomeno deu-se.~~om~rde "sequestro emo-

donal". Durante os sequestrosemocionais, somos tomados por

COP.r:tribui~aq ..'i111p()rta~teililneurofisiologiarefere--se a

emo~6esesentimentos

Emoc;6esseriam alterac;6esiniciadas nosistema limbico. 0sentimento seria 0"acompanhamentocognitivo delas"

uma "urgencia" que no impele a comporta-mentos bisicos de sobreyi encia (atacar oufugir) - fen6meno muito Util na era Pleisto-cenica mas um tanto problemitico em nos-sa realidade pos-modema.Outra contribuic;ao importante da neu-

rofisiologia refere-se a di tinc;ao entre emo-c;6ese sentimentos. Antonio Damisio, neu-robiologo portugues, defende a ideia de queas emoc;6es seriam di ididas em dois tipos:as primirias e as secundirias. As primeirasreferem -se as alterac;6es corporais/ emo-cionais que san iniciada exclusivamentepelo sistema limbico enquanto as segundastem sua genese em processamentos cogni-tivos de natureza cortical. Os sentimentosseriam, por sua vez, 0 "acompanhamentocognitivo" alterac;6es corporais - verdadei-ras interpretac;6es acerca das emoc;6es. Ossentimentos san mais estiveis e de durac;aomaior, enquanto as emoc;6es san instiveis ede durac;aomenor.

As primeiras ideias acerca da inteligenciaemocional apareceram nos Estados Unidosem 1990, quando dois pesquisadores, Salo-veye Mayer, propuseram-se a delinear umconceito de inteligencia tendo como eixocentral as emoc;6es. Tal proposic;ao surgecomo forma de expandir 0 conceito de in-teligencia "fator g" (historicamente estag-nado nas habilidades linguisticas e logico-matemiticas dos individuos).Define-se atualmente inteligencia emo-

cional como a capacidade de perceber comprecisao, de avaliar e de expressar emoc;6es;acapacidade de perceber e gerar sentimentosquando eles facilitam 0 pensamento; a capa-cidade de compreender a emoc;aoe 0 conheci-mento emocional e a capacidade de controlaremoc;6espara promover 0 crescimento emo-cional e intelectual. Em seu todo, portanto, ainteligencia emocional comp6e-se de quatrocapacidades que fortaleceriam as estruturasinternas do individuo e que promoveriam asua competencia como ser social. (ver quadro)

Page 4: Inteligencia Emocional e Psicologia Positiva Por Fabio Appolinario

COMPETENCIA

PERCEBER,AVALIAR EEXPRESSAREMOCOES

Identificar emoGoes em si mesmo e em outras pessoas;avaliar a autenticidade de uma expressao emocional,detectando sua veracidade ou tentativa de manipu!aGao;capacidade para expressar genuinamente as emoGoes

USARAS EMOCOESPARAFACILITAR 0 PENSAMENTO

o que estou sentindo?o que a outra pessoa esta sentindo?

Uso da emoGaocomo um sistema de orientaGao quedirige a atenGao e 0 pensamento para as informaGoesmais importantes

Esta emoGao e util?Esta funcionando para me motivar ou para dificultarminha visao dos fatos?

Nomear as emoGoes e identificar nuances entre elas (p.ex: gostar e amar), compreender a ambivalencia de senti-mentos complexos (amar e odiar uma mesma pessoa etc)

Por que eu me sinto assim?Por que a outra pessoa sente-se assim?o que esta gerando essas emoGoes?

Capacidade para tolerar emoGoesagradaveis ou desagra-daveis compreende-Ias sem exagero ou diminuiGao desua importancia e expressa-Ias no momenta apropriado

Ao tomar decisoes estou levando em conta minha per-cepGaoemocional assim como a razao?Estoucom uma reaGaoemocional proporcional ao contexto?

Embora haja ainda outras formula<;:oeste-oricas acerca da inteligencia emocional, semduvida 0 modelo de quatro competencias vis-to acima e 0 mais bem estudado e aceito pelbspesquisadores da area. E nesse modelo, toma-se clara a importancia da IE para a PsicologiaPositiva: essas capacidades saD sobremaneiraimportantes para a percep<;:aoe desenvolvi-mento de uma vivencia efetiva das emo<;:oespositivas - bem como para 0 uso inteligentedas emo<;:oesnegativas. Essa ideia, que de ini-cio pode parecer urn pouco estranha, pode serexplicada quando compreendemos a fun<;:aoespecifica de cada tipo de emo<;:ao.De urn ponto de vista evolucionista, emo-

<;:oesnegativas (como 0 medo, a raiva, e a tris-teza, por exemplo) tiveram e tern uma impor-tancia fundamental para a nossa sobrevivencia.o medo nos impede de ter comportamentosnegligentes como atravessar a rua sem olharpara os lados ou colocar a mao no fogo. Araiva pode ser extremamente Util numa situ-a<;:aoem que nossa integridade fisica encon-tra ~se amea<;:adae a tristeza pode nos ajudara aprender sobre nossa condi<;:aohumana, porexemplo. As emo<;:oesnegativas, de uma formageral, podem facilitar e focar nossa percep<;:aoe nosso pensamento critico, auxiliando-nos adetectar 0 que ha de errado e como podemoscorrigir ou eliminar 0 problema.As emo<;:oespositivas, por outro lado, alar-

gam nossa percep<;:aofazendo com que fique-

mos mais conscientes de nosso ambiente e docontexto social maior. Preparam-nos para no-vas ideias e nos oferecern a oportunidade dedesenvolver novos relacionamentos, sermosmais produtivos e criativos.o uso dos sentimentos e das emo<;:oes

como informa<;:aopara guiar nossos compor-tamentos e pensamentos, portanto, nos confe-re uma enorme vantagem. evolutiva. Esse usa,contudo, encontra-se restringido pelo grau dedesenvolvimento geral de nossa inteligenciaemocional - particularmente da primeira ca-pacidade (perceber, avaliar e expressar emo-<;:oes).Todos nos possuimos essas competen-cias desenvolvidas em diferentes niveis, mas 0mais importante e que podemos sempre tra-balhar para aperfei<;:oarnossa IE com 0 intuitode compreendermos melhor nossas propriasemo<;:oes(e ados outros) e assim desenvolverrecursos intemos que nos permitam vivenciarplenamente nossa voca<;:aopara a felicidade.

Carr, A. Positive psychology: the science of hapiness andhuman strenghts. London: Routledge, 2004.

Gardner, H. Inteligencias multiplas: A teoria na pratica. PortoAlegre: Artes Medicas, 1995.

LeDoux, J. 0 cerebro emocional: Os misteriosos alicerces davida emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.

Mayer, J. D. & Salovey, P.What is emotional intelligence? In P.Salovey & D. J. Sluyter (Orgs). Emotional development andemotional intelligence. New York: Basic Books, 1997.