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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS DISCIPLINA DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO, CIF 5106 ORIENTADORA: MIRIAM DE BARCELLOS FALKENBERG INTERAÇÃO DE MEDICAMENTOS COM O ÁLCOOL Florianópolis 2011

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Monografia de conclusão de curso de farmácia, sobre os efeitos da mistura de bebidas alcoólicas e medicamentos.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS

DISCIPLINA DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO, CIF 5106

ORIENTADORA: MIRIAM DE BARCELLOS FALKENBERG

INTERAÇÃO DE MEDICAMENTOS COM O ÁLCOOL

Florianópolis

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS

DISCIPLINA DE FARMACOGNOSIA, CIF 5101

ORIENTADORA: MIRIAM DE BARCELLOS FALKENBERG

INTERAÇÃO DE MEDICAMENTOS COM O ÁLCOOL

por

Guilherme Vieira Pereira

Acadêmico do Curso de Graduação em Farmácia

Florianópolis

2011

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Agradeço aos meus pais, irmãos e

principalmente a minha namorada Francine, pela

paciência da ausência nos momentos de estudos,

a professora Miriam, por ter me passado um

pouco de sua experiência e ter me ajudado em

vários momentos.

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Sumário

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA .................................. 2

1. Introdução ................................................................................................ 5

2. Interações que causam reação tipo dissulfiram ..................................... 10

3. Interações que causam aumento da hipoglicemia ................................. 12

4. Interações que causam hepatotoxicidade ............................................. 14

5. Interações que causam comprometimento do SNC.................................15

6. Interações que alteram a pressão arterial................................................18

7. Interações com fitoterápicos.....................................................................19

8. Interação do álcool com anticoagulantes.................................................21

9. Aumento na biodisponibilidade de álcool..................................................23

10. Conclusão..................................................................................................25

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................26

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1. Introdução

A história da humanidade tem mostrado o conhecimento e apreciação de

bebidas alcólicas em inúmeras culturas, em várias épocas, pelo seu efeito tônico e

euforizante, para aliviar a angústia a liberar tensões (Correia, 1997).

Também há inúmeros registros históricos evidenciando o uso de drogas no

cotidiano. Na antiguidade, as drogas já eram utilizadas em cerimônias e rituais para

se. Os egípcios usavam o vinho e a cerveja para o tratamento de uma série de

doenças, como meio para amenizar a dor e como abortivo (Senad, 2010).

Os gregos e romanos usavam o álcool em festividades sociais e religiosas.

Ainda hoje, o vinho é utilizado em cerimônias católicas e protestantes, bem como no

judaísmo, no candomblé e em outras práticas espirituais (Rang e Dale, 2008).

A fermentação produz bebidas com concentrações de álcool de até 10%(valor

total de álcool). São obtidas concentrações maiores por meio de destilação. Em

doses baixas, é utilizado, sobretudo, por causa de sua ação euforizante e da

capacidade de diminuir as inibições, o que facilita a interação social (Senad, 2010).

Há uma relação entre os efeitos do álcool e seus níveis no

sangue, que variam em razão do tipo de bebida utilizada, da velocidade do

consumo, da presença de alimentos no estômago e de possíveis alterações no

metabolismo da droga por diversas situações , por exemplo, na insuficiência

hepática, em que a degradação da substância é mais lenta (Senad, 2010).

Em níveis baixos, a pessoa pode manifestar hilariedade e labilidade afetiva (a

pessoa ri ou chora por motivos pouco significativos), falta de coordenação motora;

em níveis medianos, a pessoa tem principalmente um aumento da sonolência, com

prejuízo das capacidades de raciocínio e concentração; já em níveis elevados de

álcool no sangue, há a acentuação da ataxia e da sonolência (até o coma) e pode

ocorrer hipotermia e morte por parada respiratória (Senad, 2010). O consumo de

bebidas alcoólicas, quando excessivo, pode provocar disfunções como violência,

suicídio e acidentes de trânsito, causar dependência química e outros problemas de

saúde como cirrose, pancreatite, demência, polineuropatia, miocardite, desnutrição,

hipertensão arterial, infarto e certos tipos de câncer (United States, 2000).

O consumo do álcool, tabaco e outras drogas agravam problemas sociais,

traz sofrimento para indivíduos e famílias e tem conseqüências econômicas

importantes. Um estudo publicado em 2007 pela SENAD em parceria com a UNIAD

– UNIFESP, investigou os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira.

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O estudo foi realizado em 143 municípios do País e detectou que 52% dos

brasileiros acima de 18 anos fazem uso de bebida alcoólica pelo menos uma vez ao

ano. Do conjunto dos homens adultos, 11% bebem todos os dias e 28 % de 1 a 4

vezes por semana (Senad, 2010).

O conteúdo de etanol varia de 2,5% (cervejas com baixa graduação alcoólica)

a cerca de 55% (bebidas fortes, como o rum)e a medida normal contém cerca de 8-

12 g (0,17-0,26 mol) de etanol. Sua baixa potência farmacológica se reflete na gama

de concentrações plasmáticas necessárias para produzir os efeitos farmacológicos:

efeitos mínimos ocorrem em cerca de 10 mmol / L (46 mg/100 mL). O consumo

médio per capita de etanol nos países europeus é de cerca de 10 litros / ano

(expresso em etanol puro), uma situação que pouco mudou ao longo dos últimos 20

anos, a principal mudança é um crescente consumo de vinho em relação à cerveja.

O consumo de etanol é freqüentemente expresso em termos de unidades. Uma

unidade é igual a 8 g (10 ml) de etanol, e é a quantidade contida em 250 mL de

cerveja, ou uma taça pequena de vinho. A recomendação oficial atual é de no

máximo de 21 unidades / semana para homens e 14 unidades / semana para

mulheres, de acordo com Rang e Dale.

Os níveis máximos de álcool no sangue geralmente ocorrem após meia hora

do consumo, mas podem variar de pessoa a pessoa. O organismo metaboliza e

excreta, aproximadamente, uma dose por hora, ou seja, se o indivíduo beber 4

doses de bebidas alcoólicas, necessitará 4 horas para que todo o álcool seja

metabolizado antes de estar em plenas condições de dirigir, por exemplo. Vale

lembrar que café preto, refrigerante ou banho gelado não são medidas que resolvem

esse tipo de situação e nem são capazes de acelerar a metabolização do álcool e

diminuição da embriaguez . O etanol é rapidamente absorvido e distribuído para a

maioria dos órgãos e sistemas. O etanol é absorvido pela boca, esôfago (em

pequenas quantidades), estômago,intestino grosso (em quantidades moderadas), e

intestino delgado, local principal de sua absorção e também onde as vitaminas do

complexo B são totalmente absorvidas. A taxa de absorção é aumentada quando o

estômago está vazio, ou seja, beber quando com o estômago vazio aumenta muito a

absorção do álcool , fazendo com que o indivíduo fique embriagado mais

rapidamente. Somente 10% do etanol são excretados diretamente pelos pulmões,

urina ou suor, e a maior parte é metabolizada no fígado. Apesar do álcool fornecer

calorias (uma dose de bebida alcoólica contém aproximadamente 70 a 100 Kcal),

estas são desprovidas de nutrientes tais como minerais, proteínas e vitaminas(Rang

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e Dale, 2008). O álcool, por ser uma substância energética, promove a sensação de

saciedade, provocando a falta de apetite, e em associação a distúrbios

gastrointestinais, acarretam a má absorção de nutrientes, resultando uma perda de

peso (Lieber, 1991).

Estima-se que no Reino Unido, cerca de 33% dos homens e 13% das

mulheres excedem os níveis normais de consumo de álcool. A receita fiscal anual

dos montantes de bebidas chega a cerca de 7 bilhões de libras, enquanto o custo de

saúde é estimada em 3 bilhões de libras, e o custo social, sem dúvida, maior. Os

governos, na maioria dos países desenvolvidos estão tentando reduzir o consumo

de álcool ( Senad, 2010).

Os principais efeitos do etanol são sobre o SNC, onde suas ações

depressoras assemelham-se às dos anestésicos voláteis. O etanol potencializa a

ação do GABA, agindo sobre os receptores GABAA de maneira semelhante aos

benzodiazepínicos. Seu efeito é, no entanto, menores e menos consistentes do que

os benzodiazepínicos, e nenhum efeito sobre a transmissão sináptica inibitória no

sistema nervoso central tem sido demonstrada para o etanol. O etanol inibe a

liberação de transmissor em resposta a despolarização do nervo terminal abrindo a

inibição dos canais de cálcio sensíveis à voltagem nos neurônios. Efeitos

excitatórios do glutamato são inibidos pelo etanol em concentrações que produzem

efeitos depressores do SNC in vivo. A ativação do receptor NMDA é inibida em

baixas concentrações de etanol do que as necessárias para afetar os receptores

AMPA (Rang e Dale, 2008).

A administração crônica também causa efeitos neurológicos irreversíveis. Isto

pode ser devido ao etanol em si, ou metabólitos, tais como acetaldeído ou ésteres

de ácidos graxos. A degeneração do cerebelo e de outras regiões específicas do

cérebro também pode ocorrer, assim como a neuropatia periférica. Algumas dessas

mudanças não são devidas ao etanol em si, mas a deficiência de tiamina, que é

comum em alcoolistas (Rang e Dale, 2008).

Juntamente com danos cerebrais, o danos ao fígado é a conseqüência mais

grave a longo prazo do consumo de álcool excessivo. Na seqüência dos efeitos, o

aumento do acúmulo de gordura (esteatose hepática ) evolui para hepatite

(inflamação do fígado) e, eventualmente, necrose hepática e fibrose irreversível. O

desvio do fluxo portal em torno do fígado fibrótico muitas vezes provoca o

desenvolvimento de varizes do esôfago, que podem sangrar de repente e

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catastroficamente. O maior acúmulo de gordura no fígado ocorre, em ratos e nos

seres humanos, depois de uma única grande dose de etanol (Rang e Dale, 2008).

O uso de álcool excessivo e prolongado causa uma multiplicidade de

anormalidades clínicas, bioquímicas e fisiológicas. Quanto aos órgãos do trato

gastrointestinal os efeitos do álcool manifestam-se de modo evidente, talvez por este

ser o primeiro segmento corpóreo a receber elevadas concentrações de etanol; essa

substância difunde-se através da mucosa do trato gastrointestinal, afetando inclusive

as glândulas salivares (Banderas, et al, 1992).

O álcool induz a tolerância (necessidade de quantidades progressivamente

maiores da substância para se produzir o mesmo efeito desejado ou intoxicação) e a

síndrome de abstinência (sintomas desagradáveis que ocorrem com a redução ou

com a interrupção do consumo da substância) (Senad, 2010).

A tolerância aos efeitos do etanol podem ser demonstradas tanto em

humanos quanto em animais de experimentação, para a extensão de uma redução

de duas a três vezes na potência que ocorrem durante 1-3 semanas de

administração contínua de etanol. Um pequeno componente disto é devido à

eliminação mais rápida de etanol. O mecanismo desta tolerância não se sabe ao

certo. A tolerância ao etanol está associada com a tolerância a muitos agentes

anestésicos, e os alcoolistas são muitas vezes difíceis de anestesiar com drogas

como o halotano (Rang e Dale, 2008).

A síndrome de abstinência física nos seres humanos, de forma severa,

desenvolve-se após cerca de 8 horas. Na primeira fase, os principais sintomas são

tremores, náuseas, sudorese, febre e, às vezes alucinações. Estes últimos por cerca

de 24 horas (Rang e Dale, 2008).Os sinais e sintomas mais comuns são: agitação,

ansiedade, alterações de humor (irritabilidade, disforia), tremores, náuseas, vômitos,

taquicardia, hipertensão arterial, entre outros. Ocorrem complicações como:

alucinações, o Delirium Tremens (DT) e convulsões ( Laranjeira et al, 2000).

A dependência do álcool ("alcoolismo") é comum (4 a 5% da população) e,

como o cigarro, é difícil de tratar com eficácia. As principais abordagens

farmacológicas são o uso de benzodiazepínicos, para aliviar a síndrome de

abstinência aguda durante a 'seca'; dissulfiram, para não tornar o uso de álcool

agradável e acamprosato, para diminuir o desejo pelo álcool (Rang e Dale, 2008).

Sobre as interações medicamentosas com álcool, é interessante saber se o

uso de álcool é ocasional ou é crônico e sistemático. No primeiro caso, somente a

sobrecarga aguda tem um maior potencial de interação adversa. No segundo caso,

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alterações na farmacocinética de outros medicamentos ocorrem mais

freqüentemente. A maioria dos estudos sobre interações com álcool considera

pacientes que fazem uso crônico e abusivo de bebidas alcoólicas (Wannmacher L.,

2007).

Um “mito” entre os leigos e profissionais da área da saúde é de que não se

deve usar qualquer quantidade de bebida alcoólica durante o tratamento com

antimicrobianos, porque o álcool poderia prejudicar a eficácia desses. Mas

geralmente, não há interferência com a eficácia de antimicrobianos, assim, não é

proibitivo o uso social de álcool, porém, o uso abusivo é totalmente desaconselhado

(Wannmacher L., 2007).

Para compreender as interações de medicamentos e álcool existentes e

comprovadas, é preciso observar sua classificação pelo modo de atuação:

Farmacocinéticas – em que o álcool acelera o esvaziamento gástrico, altera a

biotransformação de fármacos (exemplo: interação de álcool com

metronidazol , efeito tipo dissulfiram) ou sua excreção;

Farmacodinâmicas – em que o álcool interfere em sítio de ação dos fármacos,

por meio de modificação em receptores, neurotransmissores ou efetores;

Interações de efeito – quando o álcool reforça ou inibe os efeitos de outros

fármacos, atuando em sítios diferentes e por mecanismos diversos (exemplo:

sinergia dos efeitos de depressores do sistema nervoso central, como

sedativos, opióides, anestésicos gerais etc.) (Wannmacher L., 2007).

Nesse trabalho, discutiremos as interações de medicamentos com o álcool de

acordo com o tipo de reação/efeito da interação.

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2. Interações que causam reação tipo dissulfiram

Essa interação é caracterizada por rubefação, cefaléia, náuseas, vômitos, e

taquicardia (reação Antabuse). O dissulfiram tem sido usado no manejo de pacientes

com dependência alcoólica. Ele interfere no metabolismo do álcool por meio da

inibição irreversível da enzima acetaldeído desidrogenase, levando ao aumento de

acetaldeído, responsável pelos sintomas desagradáveis, já citados (Wannmacher L.,

2007).

Os efeitos da intolerância do etanol ao dissufiram ocorrem dentro de 30

minutos após a exposição do etanol. A reação dura de minutos a horas (Lacouture et

al, 1983; Haddock e Wilkin, 1982; Ellis et al, 1979; Talbott & Gander, 1973).

A isotretinoína, em interação com o álcool, resulta em uma reação tipo

dissulfiram. Rubor, mal-estar, dor de cabeça são desenvolvidos após a ingestão de

bebida alcoólica. O consumo de etanol deve ser evitada durante o tratamento com a

isotretinoína (Bigby & Stern, 1988).

Há também um relato de caso clínico, em que um paciente usando

cetoconazol 200 mg por dia sofreu uma reação tipo dissulfiram após a ingestão de

etanol. A ingestão de álcool deve ser evitada por pelo menos 48 horas após a última

dose de cetoconazol (Magnasco e Magnasco, 1986). O mecanismo desta interação

é desconhecido.

O consumo de etanol em qualquer forma (por exemplo, bebidas alcoólicas e

preparações que contenham álcool ou propilenoglicol) é contra-indicado durante o

tratamento com metronidazol e durante pelo menos três dias após a interrupção

deste. O uso de álcool e metronidazol oral tem sido associado a uma reação tipo

dissulfiram (cólicas abdominais, náuseas, vómitos, dores de cabeça e

flushing)(Micromedex, 2011). Essa interação tem sido relatada com várias formas

farmacêuticas e dosagens deste fármaco (Penick et al, 1969; Tunguy-Desmarais,

1983; Alper et al, 1985; Plosker, 1987). Houve um relato de caso clínico de morte

súbita devido a uma interação entre metronidazol e etanol (Cina et al, 1996). Uma

mulher de 31 anos de idade, sofreu morte súbita atribuída a uma interação entre o

etanol e o metronidazol. A análise toxicológica do sangue do coração revelou uma

alta concentração de etanol no soro (162 mg / dL), da concentração de acetaldeído

(46 mg / L) e de metronidazol (0,42 mg / L). A ingestão de álcool pode resultar em

níveis de acetaldeído variando de 0,9 a 1,3 mg / L, e em alcoolistas crônicos esses

níveis podem atingir níveis de 1,7 a 2,5 mg / L. Após a administração concomitante

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de um inibidor do metabolismo de acetaldeído, como dissulfiram, os níveis de

acetaldeído no sangue podem atingir até dez vezes os níveis basais. A morte súbita

pode ocorrer em concentrações séricas de acetaldeído superior a 35 mg / L. A morte

dessa paciente ocorreu devido a uma disritmia cardíaca, causada pela toxicidade do

excesso de acetaldeído, originada pela interação entre o etanol e metronidazol

(Cina et al, 1996).

Outra interação importante, com gravidade severa e de imediata reação,

como no caso dos outros fármacos já citados, é da trimetoprima. Pacientes

recebendo sulfametoxazol + trimetoprima devem ser advertidos de que uma reação

do tipo dissulfiram pode ocorrer se o etanol é ingerido. Embora o mecanismo exato

desta interação não seja conhecido, é possível que o sulfametoxazol + trimetoprima

pode inibir a aldeído desidrogenase ou pode inibir a eliminação de acetaldeído

através da via do citocromo P450 hepático (Heelon & White, 1998).

Dois profissionais da saúde fizeram uso sulfametoxazol + trimetoprima, duas

vezes ao dia por três dias como profilaxia da coqueluche. Eles tiveram uma reação

tipo dissulfiram após a ingestão de etanol. Ambos ingeriram 680 g de cerveja

(aproximadamente 30 g de álcool) e em 10 a 20 minutos ocorreram os sintomas de

rubor, palpitações cardíacas, dispnéia, náuseas, dores de cabeça.Eles

apresentaram sonolência e acordaram na manhã seguinte sem nenhum sintoma.

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3. Interações que causam aumento da hipoglicemia Boa parte dos hipoglicemiantes orais tem algum tipo de interação com o

álcool, causando principalmente um aumento da hipoglicemia.

Os hipoglicemiantes orais glibenclamida, gliclazida e glipizida têm

semelhantes reações de interação com o álcool. Essa interação é severa e o início

das reações adversas é imediato. As informações da literatura são baseadas na

clorpropamida, que também faz parte da família das sulfoniluréias. A severidade da

reação é dependente da dose, fatores genéticos, e dos níveis plasmáticos

clorpropamida. O início da interação ocorre logo nos primeiros 30 minutos, com

duração de 1 a 2 horas (Capretti et al, 1981; Johnston et al, 1984). A reação do tipo

dissulfiram foi documentada. Houve algumas reações isoladas a outras sulfoniluréias

(glibenclamida, glipizida, tolazamida), portanto, é aconselhável evitar o álcool com

qualquer sulfoniluréia (Stockley, 1983). Rubor facial, palpitações e cefaléia foram

relatadas em 33% dos pacientes em tratamento com a clorpropamida, ingerindo

pequenas quantidades de álcool (Leslie & Pyke, 1978).

O aumento do efeito hipoglicemiante com o etanol em pacientes recebendo

sulfoniluréias de primeira ou segunda geração tem sido atribuído ao efeito

depressivo do álcool sobre a gliconeogênese. A hipoglicemia pode ocorrer nestes

pacientes mesmo com pequenas concentrações de álcool no sangue. A ingestão

crônica de álcool pode resultar na indução das enzimas hepáticas e no aumento do

metabolismo da tolazamida. A ingestão aguda de álcool pode diminuir o

metabolismo da tolbutamida, aumentando a meia-vida em 40%, e o uso crônico

pode reduzir os níveis de tolbutamida em 50% devido à indução das enzimas

hepáticas. Este aumento do metabolismo pode resultar em hiperglicemia, no

entanto, este efeito é normalmente neutralizado pela hipoglicemia induzida pelo

etanol (Nikkila & Taskinen, 1975; Welling, 1984; Hilson & Hockaday, 1984).

A metformina, único hipoglicemiante do tipo biguanida, interage com o álcool,

podendo ter potencializados seus efeitos sobre o metabolismo de lactato. A acidose

lática é uma complicação metabólica rara, mas grave, que pode ocorrer devido à

acumulação de metformina no organismo. Portanto, pacientes em uso de

metformina devem evitar a ingestão excessiva de etanol, tanto aguda como crônica.

Pacientes diabéticos recebendo terapia com insulina também devem ser

aconselhados a evitar o consumo de etanol em excesso, pois o etanol tem efeitos

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inibitórios sobre a gliconeogênese hepática, podendo causar hipoglicemia em

diabéticos tratados com insulina (Paterson et al, 1983).

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4. Interações que causam hepatotoxicidade

Uma das conseqüências mais graves do uso abusivo e/ou crônico do álcool é

o dano hepático, como por exemplo, na cirrose. Alguns medicamentos podem

agravar e aumentar este risco.

O paracetamol, usado como antitérmico e analgésico, apresenta uma

importante interação com o álcool. O etanol induz a isoenzima CYP2E1, envolvida

na formação da imidoquinona que é o metabólito hepatotóxico de paracetamol (Jang

et al, 2007). Por isso, no decorrer de anos, associou-se dano hepático a uso de

paracetamol em pacientes alcoolistas.

Hepatotoxicidade grave pode ocorrer em pacientes alcoolistas após a

ingestão de menos de 4 g de paracetamol em 24 horas. Pacientes alcoolistas que

usam paracetamol têm um prognóstico pior do que os não-alcoólicas que ingerem

mais de 4 gramas ao dia de paracetamol. A mortalidade geral desta interação atinge

até cerca de 19%, e em 75% dos casos, se desenvolve insuficiência hepática aguda

(Draganov et al, 2000).

Ensaios randomizados e controlados por placebo mostraram que a ingestão

repetida de dose terapêutica de paracetamol durante 48 horas por pacientes com

alcoolismo grave não produziu aumento em aminotransferases hepáticas, tempo de

protrombina e outros parâmetros bioquímicos, nem manifestações clínicas adversas

em comparação ao placebo. Em vários estudos, dose única de 1-2 gramas de

paracetamol, administrada a pacientes alcoólicos para estudar metabolismo, não

causou dano hepático. Assim, o uso terapêutico de paracetamol em alcoolistas é

razoável (Wannmacher L., 2007).

O metotrexato também pode causar danos hepáticos, e pacientes que

utilizam este medicamento devem evitar o uso de álcool (Tobias & Auerbach, 1973).

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5. Interações que causam comprometimento do Sistema Nervoso

Central

Depressores do sistema nervoso central, como anestésicos gerais,

analgésicos opióides, antipsicóticos, anticonvulsivantes, anti-histamínicos, hipno-

sedativos e antidepressivos e outros psicotrópicos, podem apresentar interações

sinérgicas com álcool, aprofundando a depressão central (Wannmacher L., 2007).

Grande parte dos medicamentos que atuam no sistema nervoso central, como

os antidepressivos, por exemplo, tem interações importantes com o álcool, podendo

causar comprometimento do SNC e sedação excessiva ao paciente.

O antidepressivo tricíclico amitriptilina interage com o álcool causando

depressão do SNC e maior comprometimento das habilidades motoras (Seppala,

1977). Estudos indicam que a interação de amitriptilina e outros antidepressivos com

o etanol é imprevisível. O efeito mais significativo relatado é maior depressão do

SNC, no entanto, há relatos de que os antidepressivos tricíclicos podem realmente

antagonizar os efeitos sedativos do etanol (Milner & Landauer, 1973).

A imipramina e amitriptilina são os melhores exemplos documentados de

interações de antidepressivos com o álcool. Casos de "apagões" tem sido relatados,

e também efeitos extrapiramidais (Shen, 1984).

Em um estudo para analisar os efeitos do etanol sobre a farmacocinética e

farmacodinâmica da amitriptilina em adultos saudáveis, dose única de amitriptilina

25 mg foi administrada com e sem álcool. A dose de etanol foi ajustada para manter

um nível de 800 a 1000 mg / L no sangue. Os níveis médios da amitriptilina livre no

plasma aumentaram em 204%, 186% e 127% a, respectivamente, em intervalos de

1,5 h, 2 h, e 2,5 h após a administração, juntamente com o etanol. A área sob a

curva de concentração plasmática da amitriptilina foi aumentada em 48% pelo

etanol. Além disso, o etanol aumentou a oscilação postural de 2% para 92% e a

diminuição da memória de curto prazo, de 37% para 71%, em comparação com a

ingestão de amitriptilina sem o consumo de álcool (Dorian et al, 1983).

Outros antidepressivos, como o citalopram, nortriptilina, sertralina, mitarzapina

etc causam os mesmos efeitos.

O etanol também aumenta os efeitos adversos psicomotores e diminui a capacidade

de fazer tarefas que exigem atenção quando combinado com os antidepressivos,

como o alprazolam. O etanol pode inibir o metabolismo do alprazolam,

provavelmente pela redução do clearance hepático deste (Dorian et al, 1985).

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A administração concomitante de etanol com o diazepam, resulta em níveis

mais elevados de diazepam no plasma provavelmente por aumentar a absorção

(Laisi et al, 1979). O uso do etanol com o diazepam também pode diminuir o

clerance do diazepam em até 50% (Welling, 1984; Lojas et al, 1980; Palva &

Linnoila, 1978). Esta interação resulta em um aumento da sedação e e dos efeitos

sinérgicos na diminuição das habilidades de condução e desempenho psicomotor.

Apesar do efeito deletério do diazepam combinado ao etanol sobre o SNC ser

bem documentado (Linnoila & Mattila, 1973; MacLeod et al, 1977), alterações nos

parâmetros farmacocinéticos do diazepam não foram comprovadas. Em um estudo

controlado com placebo, a ingestão de álcool não aumentou significativamente a

absorção diazepam em 24 homens saudáveis (Erwin et al, 1986).

Em um estudo duplo-cego cruzado, para avaliar a interação entre o

flunitrazepam e o álcool, 12 homens saudáveis receberam uma dose de etanol de

0,8 g / Kg de peso corporal em um volume de 4 dL entre as 19:30h e 21:00 h, e uma

dose única de 2 mg de flunitrazepam às 21:30 horas. O desempenho psicomotor foi

avaliado usando uma bateria de testes complexos. A perda de desempenho

psicomotor associada com o flunitrazepam aumentou com a adição de etanol. Um

prejuízo significativamente maior no desempenho psicomotor ocorreu na manhã

seguinte, às 7 horas (Linnoila et al, 1981).

Barbitúricos como o fenobarbital, também tem grande potencial de interações com o

álcool: quantidades pequenas de etanol com a ingestão de um barbitúrico

pode causar a morte em comparação com os montantes que são fatais quando um

barbitúrico é ingerido sozinho (Gupta & Kofoed, 1966).

A interação entre o etanol e a fenitoína diminui as concentrações séricas da

fenitoína, aumenta as chances do paciente ter crise convulsiva e efeitos depressores

do SNC. Alcoolistas metabolizam a fenitoína mais rapidamente. Alcoolismo crônico

(200 g de etanol por dia, durante 2 a 3 semanas) resulta em uma menor (30%) meia-

vida da fenitoína, resultando em perda no controle de crises convulsivas. Isto é

atribuído à indução enzimática inespecífica no fígado pelo etanol, aumentando o

metabolismo da fenitoína (Kater, 1969).

Apesar desta interação diminuir as concentrações séricas da fenitoína, não há

evidências de que a administração aguda de etanol por não-alcoolistas inibiria as

enzimas que metabolizam a fenitoína. Pequenas quantidades de etanol (uso agudo)

não provocam uma alteração significativa no metabolismo da fenitoína (Schmidt,

1975).

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A metoclopramida, fármaco bastante utilizado em medicamentos

antieméticos, também interage com o álcool, causando aumento da sedação. Essa

interação é relevante, pois algumas pessoas fazem uso deste fármaco na tentativa

de aliviar os sintomas da ressaca.

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6. Interações que alteram a pressão arterial

Alguns medicamentos que influenciam na pressão arterial podem sofrer

interações com o álcool, originando tanto quadros de hipotensão quanto de

hipertensão.

Alguns medicamentos comumente usados para a disfunção erétil apresentam

um aumento no risco de hipotensão ortostática em caso de ingestão simultânea com

álcool. Esse risco foi constatado com a ingestão de tadalafila, simultaneamente com

a ingestão de 0,7g de álcool/Kg de peso corporal (Micromedex, 2010).

Outro medicamento para o tratamento de disfunção erétil, que interage com o

álcool é a ioimbina. Esta interação pode causar um aumento da ansiedade e da

pressão arterial. Os pacientes devem evitar tomar ioimbina juntamente com a

ingestão de álcool. A ingestão de álcool aumenta a noradrenalina central, mediada

por um aumento de seu metabólito, o glicol 3-metoxi-4-hidroxifeniletileno (MHPG).

Níveis de noradrenalina podem estar relacionadas à intoxicação, ansiedade e

pressão arterial (McDougle et al, 1995).

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7. Interações com fitoterápicos

Frequentemente leigos acreditam que não há restrições e contra-indicações

para o uso de fitoterápicos, por esses serem “naturais”, mas há importantes

interações desses insumos farmacêuticos com o álcool.

A goma guar é uma galactomanana isolada das sementes de duas plantas

leguminosas, Cyamopsis tetragonolobus e C. psoroliodes. Ela é comumente

utilizada na indústria alimentícia como agente espessante, em iogurtes, por exemplo

e encontrando também aplicações como excipiente farmacêutico em formas sólidas

orais (Gliko-Kabir, 2000). Também é encontrada em forma de insumo fitoterápico,

indicado nos regimes de emagrecimento, como moderador natural do apetite e

também é encontrada como principal composição de medicamentos à base de

fibras(Martindale, 2011) O uso de álcool juntamente com a goma guar aumenta

significativamente os níveis de álcool no sangue, entre 4 e 5 horas após a ingestão

(Tredger et al, 1979).

Indivíduos consumiram 50 gramas de etanol em 110 mililitros de água tônica

com um lanche, juntamente com 14,5 gramas de goma guar. O teor de etanol de

sangue aumentou de 36,2 miligramas / decilitro (mg / dL) para 43,8 mg / dL em 4

horas; de 28,7 mg / dL para 36,7 mg / dL em 4,5 horas; e de 20,2 mg / dL para 27

mg / dL em 5 horas. Apesar desses estudos, o mecanismo desta interação não foi

especificado. Esse tipo de interação tem gravidade moderada (Tredger et al, 1979).

A ingestão de kava-kava (Piper methysticum) com o álcool pode aumentar o

risco de efeitos adversos hepáticos e sedação excessiva. O aumento da atividade

hipnótica e toxicidade foi observado em animais, quando administrados etanol e

kava (Jamieson e Duffield, 1990). Relatos de casos de toxicidade hepática grave,

incluindo hepatite, cirrose e insuficiência hepática, requerendo transplante de fígado,

foram relatados em associação ao uso de produtos fitoterápicos à base de kava

(Escher et al, 2001; Kraft et al, 2001).

Pesquisadores observam que o efeito da interação do álcool com a kava é

análogo ao observado com o etanol quando combinado com benzodiazepínicos e

barbitúricos (Jamieson e Duffield, 1990).

A valeriana (Valeriana officinalis) pode ter interações com o álcool, causando

sedação excessiva, mas não é uma interação tão importante quanto a de

benzodiazepínicos e álcool, por exemplo. Há poucos estudos controlados sobre

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essa interação, mas deve-se evitar o uso de valeriana com o álcool (Hölzl & Godau,

1989).

Há também interação entre confrei e álcool. A Food and Drug Administration

(FDA) solicitou que todos os produtos contendo confrei fossem retirados do

mercado. Se for tomado com álcool, o paciente pode ter um risco aumentado de

lesão hepática. Da mesma forma, confrei não deve ser combinado com outras ervas

com o potencial de causar hepatotoxicidade (Winship, 1991).

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8.Interação do álcool com anticoagulantes

O ácido acetilsalicílico (AAS) é utilizado como analgésico, antipirético e

antiagregante plaquetário, sendo um fármaco utilizado isoladamente ou em

associações, a exemplos de antigripais, relaxantes musculares e medicamentos

para diminuir os efeitos da ressaca devido ao uso de álcool. Essa última associação

chama a atenção devido à interação que ocorre entre o álcool e o ácido

acetilsalicílico.

O etanol pode aumentar a perda de sangue gastrintestinal devido à irritação

desta mucosa pelo AAS. O etanol também potencializa o aumento do tempo de

sangramento induzido pelo ácido acetilsalicílico, o que contribui para a perda de

sangue gastrintestinal (Deykin et al, 1982; Needham et al, 1971). A gravidade desta

interação é moderada, e seu início de ação é rápido.

A ingestão concomitante de AAS e álcool pode potencializar o prolongamento

do tempo de hemorragia induzida pelo ácido acetilsalicílico. A magnitude desta

interação varia entre indivíduos. A combinação de AAS e etanol pode provocar

sangramentos espontâneos. Esta interação é provavelmente mais significativa com

a administração de doses elevadas de AAS, e a combinação pode ser

especialmente perigosa em pacientes com úlcera péptica (Deykin et al, 1982;

Goulston & Cooke, 1968; Dobbing, 1969; Leonards & Levy, 1969).

O efeito do etanol sobre o aumento do tempo de sangramento pela interação

com o AAS foi avaliado em 12 indivíduos saudáveis. Todos os pacientes

previamente à avaliação apresentaram resultados normais nos testes de coagulação

normal, contagem de plaquetas, testes de agregação plaquetária, tempo de

sangramento, e hematócrito. Os pacientes receberam doses únicas de 325 mg de

AAS, com a ingestão de 50 g de etanol 12 horas antes; simultaneamente; 12 horas

depois e 36 horas depois. Quando o etanol foi tomado antes do ácido acetilsalicílico,

não houve potencialização do tempo de hemorragia; quando administrado

concomitantemente ou após ingestão de AAS, houve potenciação significativa pelo

etanol (Deykin et al, 1982).O ácido acetilsalicílico inibe a enzima álcool

desidrogenase gástrica, permitindo o aumento da absorção de etanol a partir do

intestino delgado. O efeito de doses menores ou a administração de AAS sem

alimento é desconhecida. É recomendado evitar a ingestão de etanol dentro de 12

horas após a ingestão de ácido acetilsalicílico (Deykin et al, 1982). Esta

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recomendação não está descrita na bula de medicamentos “antiressacas”, sendo

esses com grande comercialização no Brasil.

Outro anticoagulante com interação ao álcool é a varfarina. O efeito do

consumo deste fármaco com uma grande quantidade de etanol é desconhecido. É

uma interação com gravidade moderada e de início tardio de manifestação os

pacientes que usam etanol durante a terapia com varfarina devem ser

cuidadosamente monitorizados (Cropp & Bussey, 1997).

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9. Aumento na biodisponibilidade de álcool

Cimetidina e a ranitidina são fármacos destinados ao tratamento da úlcera

péptica, esofagite de refluxo, gastrite e duodenite, e apresentam interações com o

álcool. A gravidade desta interação é moderada e o início da manifestação dos

efeitos é rápido.

A cimetidina e ranitidina aumentam a disponibilidade de álcool, provavelmente

devido a inibição da enzima álcool desidrogenase no estômago (Silva et al, 1995).

O pico de concentração de álcool no sangue (CAS) e a área sob a curva AUC

de álcool aumentou 37% quando administrado concomitantemente com a cimetidina

oral, em um ensaio aberto, cruzado, num estudo de farmacocinética (n = 11), com

pessoas saudáveis do sexo masculino (idade 21-44 anos), que bebem socialmente

(1-4 drinques por semana). Foram administrados 400 mg de cimetidina no café da

manhã e 600 mg no jantar, por oito dias. Antes e depois da ingestão de cimetidina,

foi administrado 0,3 g de álcool / Kg durante 20 minutos, uma hora após uma

refeição padrão (Silva et al, 1995).

Em seis pacientes que receberam cimetidina oral 300 mg quatro vezes ao dia

por sete dias, uma única dose oral de etanol 0,8 g / kg produziu um pequeno

aumento nos dois níveis de etanol no pico de plasma (146-163 mg / dL) e a área sob

a curva de concentração plasmática/tempo (717-771 mg / dL / h). Em uma avaliação

subjetiva, os pacientes se classificaram estando mais alcoolizados enquanto

recebendo cimetidina (Feely & Wood, 1982).

Também foram feitos testes semelhantes para a ranitidina, chegando as

mesmas conclusões. Os pesquisadores suspeitam que o efeito sobre o metabolismo

de primeira passagem pela ranitidina foi devido ao tempo de exposição reduzida do

álcool por isoenzimas álcool desidrogenase no estômago e também devido à

diminuição do tempo de esvaziamento gástrico (Amir et al, 1996).

A interação do álcool com o verapamil, um fármaco do grupo dos

antiarrítmicos da classe IV, pode produzir elevadas concentrações séricas de etanol,

resultando em efeitos prolongados de intoxicação do álcool. A elevação dos níveis

de álcool no sangue deve-se à eliminação reduzida de etanol na presença de

verapamil (Bauer et al, 1992).

Em uma investigação farmacocinética do verapamil com etanol, a área sob a

curva de concentração versus tempo do etanol, foi aumentada em 30%

(Micromedex, 2011)

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A administração concomitante de verapamil 80 mg, três vezes ao dia durante

seis dias, e uma dose única de etanol 0,8 g / kg, aumentou em 17% a concentração

de etanol e sua AUC em 30%. O mecanismo de interação envolve a inibição da

eliminação do etanol (Bauer et al, 1992).

Os pacientes em terapia com verapamil não devem ingerir álcool, ou pelo

menos devem ter cautela e limitar a sua ingestão de etanol. Os pacientes também

devem ser advertidos de que o verapamil pode aumentar os efeitos sedativos e

depressivos do etanol.

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10.Conclusão

Esse tipo de interação, etanol/medicamento ainda é desconhecida e pouco

estudada, por isso a falta de informações nas farmácias e consultórios médicos

(Wannmacher L., 2007). As interações de medicamentos com o etanol são cheias de

mitos, que precisam ser analisados corretamente. Apesar de poucos estudos sobre

esse assunto, esse trabalho tenta mostrar o que há de verdade nesse tipo de

interação, estudando as várias classes de medicamentos, e observando o tipo de

reação da interação que realmente acontece e sua gravidade.

Potenciais interações com AINES não foram citadas na base consultada, mas

tal interação aumenta significativamente os efeitos adversos especialmente no TGI.

Este trabalho mostra que se deve ter cautela no uso de medicamentos

concomitantemente com o etanol, pela falta de estudos deste tipo de interação,

sendo a precaução o melhor “remédio”.

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