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ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1451 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DE ANTICONCEPCIONAIS COM ANTIMICROBIANOS E ÁLCOOL RELACIONANDO À PRÁTICA DE AUTOMEDICAÇÃO Letícia Ravazzi Amado 1 , Talita Zancanaro Carniel 1 , Carolina Baraldi Araújo Restini 2 1.Graduandas do Curso de Nutrição da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP - [email protected] 2.Professora Doutora do Curso de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP - Av. Costábile Romano, 2201 (Ribeirânia), CEP: 14096-900, Ribeirão Preto, SP – Brasil Data de recebimento: 07/10/2011 - Data de aprovação: 14/11/2011 RESUMO Automedicação é definida como o uso de medicamentos sem prescrição médica, na qual o próprio paciente decide qual medicamento utilizar. Os efeitos de um medicamento, quando administrado concomitantemente a outros, podem ser diferentes dos efeitos esperados se o medicamento fosse empregado isoladamente. Os anticoncepcionais hormonais orais são esteróides utilizados isoladamente ou em associação com a finalidade básica de impedir a concepção. Desde a introdução destes, em 1961, houve tendência em reduzir as concentrações de estrogênios nas formulações a fim de minimizar seus efeitos colaterais, por outro lado, essa redução pode diminuir a eficácia contraceptiva quando usado concomitante com alguns antibióticos. Uma importante interação envolve o uso concomitante de antimicrobianos e contraceptivos orais, podendo resultar em perda da eficácia contraceptiva e gravidez inesperada. Outra importante interação dos anticoncepcionais orais é com o álcool, sendo que este, em altas concentrações pode alterar a farmacocinética dos anticoncepcionais, diminuindo assim sua eficácia contraceptiva, e podendo levar a uma gravidez indesejada. Uma vez que os contraceptivos orais são largamente utilizados pelas mulheres e, muitas vezes sem prescrição médica, é importante que os médicos e a população conheçam os potenciais riscos de seu uso e interações medicamentosas. Neste sentido, o presente trabalho traz uma revisão bibliográfica sobre as interações medicamentosas de anticoncepcionais com antimicrobianos e álcool relacionados à prática de automedicação. PALAVRAS-CHAVE: Automedicação; contraceptivo oral; interação medicamentosa INTERACTIONS OF CONTRACEPTIVE WITH ANTIMICROBIAL AND ALCOHOL RELATED TO THE PRACTICE OF SELF MEDICATION ABSTRACT Self-medication is defined as the use of non-prescription drugs, in which the patient decides which drug to use. The effects of a drug, when administered concomitantly with other materials, may be different from the expected effects if this drug was used alone. The oral contraceptives steroids are used alone or in combination with the basic purpose of preventing conception. Since the introduction of these in 1961, and

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INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DE ANTICONCEPCIONAIS COM ANTIMICROBIANOS E ÁLCOOL RELACIONANDO À PRÁTICA DE

AUTOMEDICAÇÃO

Letícia Ravazzi Amado1, Talita Zancanaro Carniel1, Carolina Baraldi Araújo Restini2

1.Graduandas do Curso de Nutrição da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP -

[email protected] 2.Professora Doutora do Curso de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP - Av. Costábile Romano, 2201 (Ribeirânia), CEP: 14096-900, Ribeirão

Preto, SP – Brasil Data de recebimento: 07/10/2011 - Data de aprovação : 14/11/2011

RESUMO Automedicação é definida como o uso de medicamentos sem prescrição médica, na qual o próprio paciente decide qual medicamento utilizar. Os efeitos de um medicamento, quando administrado concomitantemente a outros, podem ser diferentes dos efeitos esperados se o medicamento fosse empregado isoladamente. Os anticoncepcionais hormonais orais são esteróides utilizados isoladamente ou em associação com a finalidade básica de impedir a concepção. Desde a introdução destes, em 1961, houve tendência em reduzir as concentrações de estrogênios nas formulações a fim de minimizar seus efeitos colaterais, por outro lado, essa redução pode diminuir a eficácia contraceptiva quando usado concomitante com alguns antibióticos. Uma importante interação envolve o uso concomitante de antimicrobianos e contraceptivos orais, podendo resultar em perda da eficácia contraceptiva e gravidez inesperada. Outra importante interação dos anticoncepcionais orais é com o álcool, sendo que este, em altas concentrações pode alterar a farmacocinética dos anticoncepcionais, diminuindo assim sua eficácia contraceptiva, e podendo levar a uma gravidez indesejada. Uma vez que os contraceptivos orais são largamente utilizados pelas mulheres e, muitas vezes sem prescrição médica, é importante que os médicos e a população conheçam os potenciais riscos de seu uso e interações medicamentosas. Neste sentido, o presente trabalho traz uma revisão bibliográfica sobre as interações medicamentosas de anticoncepcionais com antimicrobianos e álcool relacionados à prática de automedicação.

PALAVRAS-CHAVE : Automedicação; contraceptivo oral; interação medicamentosa

INTERACTIONS OF CONTRACEPTIVE WITH ANTIMICROBIAL AN D ALCOHOL

RELATED TO THE PRACTICE OF SELF MEDICATION

ABSTRACT Self-medication is defined as the use of non-prescription drugs, in which the patient decides which drug to use. The effects of a drug, when administered concomitantly with other materials, may be different from the expected effects if this drug was used alone. The oral contraceptives steroids are used alone or in combination with the basic purpose of preventing conception. Since the introduction of these in 1961, and

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tended to reduce the concentrations of estrogens in formulations to minimize side effects. This reduction may decrease the contraceptive effectiveness when the concurrent use of antibiotics. An important interaction involves the concurrent use of antibiotics and oral contraceptives may result in loss of contraceptive efficacy and unexpected pregnancy. Another important interaction of oral contraceptives is with alcohol, and this, in high concentrations may alter the pharmacokinetics of oral contraceptives, thus reducing its contraceptive efficacy, and may lead to an unwanted pregnancy. Once that oral contraceptives are widely used by women and, often without prescription, becomes important that physicians and the people to know the potential risks of their use and drug interactions. Thus, through literature review, this paper presents interaction of contraceptive with antimicrobial and alcohol related to the practice of self medication. KEYWORDS: Self-medication; oral contraceptives; drug interactions.

INTRODUÇÃO

O restabelecimento da saúde de um paciente está baseado tanto no diagnóstico correto como numa terapêutica adequada. O conhecimento das propriedades básicas das substâncias utilizadas para este fim, bem como de sua ação farmacológica, é fundamental para a prática da medicina. Também é natural de se pensar que no caso da administração com fins terapêuticos, ou não, de mais de uma substância, estas possam interagir entre si no organismo. Os efeitos de um medicamento, quando administrado concomitantemente com outros, podem ser diferentes dos efeitos esperados se este medicamento fosse empregado isoladamente (FONSECA, 1991).

A prescrição de vários medicamentos para o tratamento de uma patologia é uma prática muito comum. Nos hospitais, a maioria dos pacientes pode receber várias drogas simultaneamente. Nos serviços clínicos, o número médio de drogas administradas a pacientes durante uma hospitalização pode variar de 10 a 13, sendo que muitos podem receber até muito mais (OGA; BASILE, 2002). Além dessa prática, de acordo com a Revista da Associação Médica Brasileira (2001), a prática de automedicação é bastante difundida não apenas no Brasil, mas também em outros países. Em alguns países, com sistema de saúde pouco estruturado, a ida à farmácia representa a primeira opção para resolver problemas de saúde, sendo que a maior parte dos medicamentos consumidos pela população é vendida sem receita médica. A mídia televisiva e outros meios de comunicação e propaganda, como o rádio ou "outdoors", insistem com apelos que estimulam a adotar tal postura, inserindo no final da propaganda a sua tradicional frase "persistindo os sintomas um médico deve ser consultado", como se isso os isentasse de toda e qualquer responsabilidade (AMB, 2001). Ainda a própria Associação Médica Brasileira ressalta que, no Brasil, embora haja regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a venda e propaganda de medicamentos que possam ser adquiridos sem prescrição médica, não há regulamentação nem orientação para aqueles que os utilizam.

As razões pelas quais as pessoas se automedicam são inúmeras. A propaganda desenfreada e massiva de determinados medicamentos contrasta com as tímidas campanhas que tentam esclarecer os perigos da automedicação. A

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dificuldade e o custo de se conseguir uma opinião médica, a limitação do poder prescritivo, restrito a poucos profissionais de saúde, o desespero e a angústia desencadeados por sintomas ou pela possibilidade de se adquirir uma doença, informações sobre medicamentos obtidos na internet ou em outros meios de comunicação, a falta de regulamentação e fiscalização daqueles que vendem e a falta de programas educativos sobre os efeitos muitas vezes irreparáveis da automedicação, são alguns dos motivos que levam as pessoas a utilizarem medicamento sem prescrição médica (CHIAROTI; REBELLO; RESTINI, 2010).

Os anticoncepcionais ou contraceptivos orais são fármacos que previnem a gravidez e podem ser utilizados em circunstâncias específicas como na prevenção de uma gravidez de risco, no planejamento familiar, controle do crescimento populacional, entre outras. Apresentam também outros benefícios tais como: a regularização do ciclo menstrual, redução da tensão pré-menstrual, redução da incidência de cistos ovarianos, de câncer ovariano e endometrial e de doenças benignas das mamas (WILLIAMS; STANCEL, 1996).

Os contraceptivos orais são constituídos por uma associação de estrógenos e progesterona sintéticos, os quais inibem a ovulação, pela supressão dos hormônios folículo-estimulante e luteinizante. Também aumentam a viscosidade do muco cervical, dificultando a penetração dos espermatozóides e causam atrofia endometrial, reduzindo a probabilidade de implantação. A eficiência dos contraceptivos orais depende da manutenção de níveis plasmáticos regulares de estrógeno e progesterona (WILLIAMS; STANCEL, 1996).

A maioria dos contraceptivos orais contem 21 comprimidos que devem ser tomados diariamente a partir do primeiro ao quinto dia do ciclo menstrual, com pausa de sete dias e início de uma nova cartela após cada pausa. Este esquema imita um ciclo menstrual de 28 dias, semelhante à média da população (WILLIAMS; STANCEL, 1996).

O Brasil está entre os 10 maiores consumidores de medicamentos do mundo. A automedicação não é nada mais do que o uso de medicamentos sem a orientação de um médico, sendo que esse uso indiscriminado dos medicamentos pode trazer sérios riscos à saúde da população (CASAGRANDE et al., 2010). MACHADO (2008) contrapõe esse uso indiscriminado de medicamentos explicando que é necessário observar vários aspectos da paciente para fazer a escolha ideal do contraceptivo, como coagulação sanguínea, padrão menstrual, massa corporal, taxa de colesterol e oleosidade da pele. Ele lembra ainda que os contraceptivos orais sejam contra-indicados para fumantes com mais de 35 anos e pacientes com câncer. É indispensável a consulta ao ginecologista, pois os hormônios podem interferir nos hábitos e condições de saúde das mulheres. Logo, devido à grande variedade de tipos e dosagens de hormônios disponíveis no mercado, para cada mulher, deve-se indicar uma pílula específica, afirma MACHADO (2008).

OBJETIVO Avaliar, por meio de revisão bibliográfica, as possíveis interações entre ACO

com outras substâncias como etanol ou fármacos comumente utilizados na prática da automedicação ou freqüentemente prescrito por médicos, bem como avaliar possíveis efeitos deletérios dessas interações sobre a eficácia terapêutica desses medicamentos.

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METODOLOGIA O trabalho de revisão bibliográfica foi desenvolvido por meio de busca de

material cientifico publicado em revistas indexadas em bases de dados tais como: pubmed, bireme, portal capes. Além disso, foram utilizados livros texto acadêmico-científicos, site de diretrizes, organizações governamentais e institucionais.

DISCUSSÃO O termo interação medicamentosa refere-se a uma alteração na magnitude ou

duração da resposta farmacológica a uma droga devido à presença de outra droga e/ou alimento. De acordo com OGA & BASILE (2002) as interações de fármacos quanto a etapa farmacocinética de biotransformação compreendem dois mecanismos básicos: a indução enzimática ou inibição enzimática. A indução causada por um fármaco pode afetar a velocidade de biotransformação de outros fármacos e conseqüentemente a biodisponibilidade e a eficácia terapêutica. Dentre diversas enzimas existentes no organismo de mamíferos, é de particular importância o sistema oxidase de função mista conhecido como sistema citocromo P-450 (CYP), situado junto às membranas do retículo endoplasmático predominantemente da porção lisa e ligado às membranas do retículo endoplasmático.

As interações farmacêuticas são eventos físico-químicos que resultam na perda de atividade de um ou de ambos os fármacos, já as interações farmacocinéticas envolvem os efeitos de um medicamento sobre a absorção, distribuição, biotransformação ou eliminação (metabolismo ou excreção), de outro medicamento. Estas interações frequentemente provocam alterações importantes nas concentrações plasmáticas, área sob a curva, início de ação e meia-vida do fármaco, conseqüentemente interfere com a resposta clínica (TIERNEY; McPHEE; PAPADAKIS, 2002). Tais interações medicamentosas podem ser classificadas como interações desejáveis e indesejáveis. As interações desejáveis ou benéficas têm por objetivo tratar doenças concomitantes, reduzir efeitos adversos, prolongar a duração do efeito, aumentar a adesão ao tratamento, incrementar a eficácia ou permitir a redução da dose, já as interações indesejáveis são aquelas que determinam redução do efeito ou resultado contrário ao esperado, aumento na incidência e na gama de efeitos adversos e no custo da terapia sem incremento no benefício terapêutico (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

Quanto à diminuição da eficácia dos contraceptivos orais, a principal ocorrência se deve a competição entre os fármacos durante a(s) fase(s) de metabolização (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

No caso de interações envolvendo o metabolismo, pode-se citar como exemplo: a indução de metabolização dos hormônios anticoncepcionais etinilestradiol e levonogestrel por fenitoína ou carbamazepina, podendo resultar em perda de efeito contraceptivo em mulheres que utilizam os medicamentos concomitantemente (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

Diversos estudos demonstraram possível interação entre os antimicrobianos ou o álcool com os anticoncepcionais orais, resultando na perda da eficácia desse método contraceptivo, ou seja, uma interação indesejável (SÀNDOR; UFFEN, 1987; GOLDFIEN, 1998; SKEGG, 2000; SHOUPE, KJOS, 2006; SIMONIN, 2008).

As pílulas contraceptivas são utilizadas nos Estados Unidos da América por mais de 40 anos. Dados recentes indicam que os contraceptivos orais são os mais usados anualmente por cerca de 60 a 70 milhões de mulheres no mundo inteiro. Ao contrário de outras drogas utilizadas, contraceptivos orais são ingeridos por

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mulheres saudáveis por um longo período de tempo, portanto, é importante que as mulheres conheçam as informações sobre os efeitos colaterais e o risco porcentual além dos benefícios da ingestão dos contraceptivos orais (BRODY et al., 1997).

São utilizados dois tipos de preparações para contracepção oral: (1) combinações de estrogênio e progesterona e (2) somente à base de progesterona. As combinações de estrogênio e progesterona exercem seu efeito contraceptivo, em grande parte por meio da inibição seletiva da função hipotálamo hipofisária, resultando em inibição da ovulação. As minipílulas são contraceptivos orais de uso regular à base de 25-70% de progesterona em sua formulação (DETTLING et al., 2008).

Pílulas combinadas são as mais utilizadas porque tem taxas de falha baixas (menos de 1%), o que significa que apresentam efetividade de 99%. Mas nos países subdesenvolvidos as taxas de insucesso variam de 3-12%. Essas taxas de insucesso podem ser explicadas pelo uso incorreto. Segundo PEDRO (2003), o uso correto e consistente é essencial para a eficácia. No entanto, no período de amamentação, as minipílulas alcançam quase 100% de efetividade, não alteram as propriedades do leite e não há necessidade de pausa em sua utilização. Em relação às desvantagens das minipílulas pode-se citar: aumento do risco de cistos ovarianos e de gravidez ectópica.

Os contraceptivos hormonais orais têm influência na ação de outros medicamentos e estes também alteram a eficácia dos contraceptivos e sua ação terapêutica (TIERNEY; McPHEE; PAPADAKIS, 2002). O efeito biológico dos anticoncepcionais hormonais orais, não depende somente da sua composição ou dose e via de administração, devendo ser considerado também a ingestão de outras drogas, a idade, a farmacocinética individual, os hábitos dietéticos, a massa corporal, a presença de certas condições neuroendócrinas anormais e a atividade exercida pela mulher. A interação farmacocinética entre outros medicamentos e contraceptivos pode ocorrer durante a absorção no trato gastrointestinal, durante o metabolismo hepático, na reabsorção pela circulação êntero-hepática, ou caso o fármaco interfira nas proteínas séricas carreadoras dos esteróides durante o transporte na circulação. Os fármacos que elevam os níveis das proteínas carreadoras, como a rifampicina, diminuem a fração hormonal bioativa, reduzindo sua função (TIERNEY; McPHEE; PAPADAKIS, 2002).

O primeiro relato de falha contraceptiva associada ao uso de antimicrobianos ocorreu em 1971, quando REIMERS & JEZEK observaram elevada incidência de sangramento intermenstrual em mulheres que utilizavam contraceptivos orais e, ao mesmo tempo, estavam fazendo tratamento com rifampicina, um antimicrobiano para tratamento de tuberculose. De acordo com SANDOR & UFFEN (1987), o sangramento intermenstrual é considerado um sinal clínico de perda da eficácia contraceptiva, caso não tenha ocorrido antes, em um dado paciente, com a mesma preparação contraceptiva. Em estudo posterior, REIMERS (1974) havia apontado que em um grupo de 88 mulheres que utilizaram, simultaneamente, contraceptivos orais e rifampicina, 62 tiveram distúrbios no ciclo menstrual e cinco engravidaram. Isto excede, em muito, a expectativa de 1% de fracasso contraceptivo, em mulheres que tomam contraceptivos orais de forma regular e confiável (ZACHARIASEN, 1991). É importante ressaltar que se espera o mínimo fracasso quanto aos efeitos de contraceptivos orais, uma vez que estes constituem a mais eficiente forma de contracepção reversível, sendo utilizados por cerca de 70 milhões de mulheres em todo o mundo. Relatos posteriores foram publicados, envolvendo outros

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antimicrobianos mais comumente usados, como ampicilina, tetraciclina (BACON; SHENFIELD, 1980), metronidazol e outros. Em 1986, o British Committee of Safety of Medicines relatou 63 casos de falhas de contracepção em mulheres que foram tratadas com antimicrobianos e tomavam contraceptivos orais. Os antimicrobianos mais freqüentemente citados neste documento foram as penicilinas, principalmente a ampicilina e as tetraciclinas. Segundo BACK & ORME (1990), a eritromicina, as cefalosporinas, a griseofulvina, as sulfonamidas e o cotrimoxazol também estão envolvidos nesta interação.

Existem fatores que diminuem a eficácia contraceptiva: • Uso incorreto – esquecer de tomar a "pílula" e as variações em seu horário

de ingestão podem determinar quedas dos níveis plasmáticos de estrógeno e progesterona.

• Vômitos e diarréia - podem diminuir o tempo de permanência do medicamento no tubo gastrintestinal, diminuindo sua absorção.

• Interação com outras drogas - alguns medicamentos, como anticonvulsivantes e antimicrobianos, interferem com a metabolização dos contraceptivos orais, reduzindo os níveis plasmáticos hormonais. Diversos antimicrobianos largamente usados participam desta interação (CORRÊA; ANDRADE; RANALI, 1998).

Quando os contraceptivos orais são ingeridos, o estrógeno e a progesterona

são prontamente absorvidos do trato gastrintestinal para a corrente circulatória, sendo conduzidos até o fígado, onde são metabolizados. Cerca de 40% a 58% do estrógeno são transformados em conjugados sulfatados e glucuronídeos, os quais não têm atividade contraceptiva. Estes metabólitos estrogênicos são excretados na bile, a qual se esvazia no trato gastrintestinal. Uma parte destes metabólitos é hidrolisada pelas enzimas das bactérias intestinais, liberando estrógeno ativo, sendo o remanescente excretado nas fezes. O estrógeno liberado pode então ser reabsorvido, estabelecendo-se o ciclo êntero-hepático, que aumenta o nível plasmático de estrógeno circulante (CORRÊA; ANDRADE; RANALI, 1998).

O uso de antimicrobianos destrói as bactérias da flora intestinal (principalmente, clostridia sp.), responsáveis pela hidrólise dos conjugados estrogênicos. Desse modo, o ciclo êntero-hepático do estrógeno é diminuído, com uma conseqüente redução dos níveis plasmáticos de estrógeno ativo. Este mecanismo não explica os fracassos relatados com contraceptivos que possuem apenas progesterona, quando em uso concomitante com antimicrobianos, pois os metabólitos inativos de progesterona não são excretados na bile de forma a serem hidrolisados em progesterona ativa. Sendo assim, as falhas com tais preparações podem não estar relacionadas com o uso de antimicrobianos (CORRÊA; ANDRADE; RANALI, 1998).

Outro mecanismo pelo qual os antimicrobianos parecem reduzir os níveis plasmáticos hormonais é a indução das enzimas microssomais citocromo P-450 no fígado, acelerando o metabolismo dos contraceptivos orais. Desse modo, a reciclagem diminuída de estrógeno, juntamente com o metabolismo hepático aumentado, favorece a queda das concentrações hormonais. Existem, porém, dados conflitantes na literatura e ainda não há uma explicação definitiva para o processo (CORRÊA; ANDRADE; RANALI, 1998).

Estudos em animais mostraram claramente a importância da recirculação êntero-hepática e demonstraram que diversos antimicrobianos causam uma queda

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significativa nas concentrações plasmáticas estrogênicas. Estudos em humanos, porém, foram menos conclusivos (CORRÊA; ANDRADE; RANALI, 1998). WILLMAN; PULKKINEN (1971) demonstraram uma diminuição das concentrações plasmáticas e urinárias de estriol, durante uma terapia com ampicilina. SWENSON (1980) verificaram um aumento da excreção e uma redução da meia-vida plasmática do etinilestradiol em cinco mulheres que tomavam contraceptivos orais, sendo que quatro estavam em tratamento com tetraciclina e uma com ampicilina. Por outro lado, BACK et al. (1990) observaram 13 mulheres usuárias de contraceptivos orais que estavam tomando ampicilina e não encontraram alterações nas concentrações plasmáticas hormonais, em comparação com os ciclos previamente controlados.

A explicação para os resultados conflitantes pode estar relacionada às variações individuais no metabolismo dos contraceptivos orais. A maioria dos autores sugere que tal interação não ocorre em todas as mulheres, mas apenas naquelas mais suscetíveis. Porém, até o momento, não há meios para saber quais mulheres são mais sensíveis a esta interação medicamentosa (CORRÊA; ANDRADE; RANALI, 1998).

Algumas das ações entre os principais antimicrobianos citados acima que podem interferir com o metabolismo dos contraceptivos orais são:

• Rifampicina: indução do sistema microssomal hepático, intensificando o metabolismo dos contraceptivos orais.

• Penicilinas (ampicilina, amoxicilina), cefalosporinas e metronidazol: alteração da flora intestinal, diminuindo a recirculação êntero-hepática dos estrógenos.

• Tetraciclinas e eritromicina: indução das enzimas do sistema microssomal hepático e alteração da flora intestinal bacteriana (CORRÊA; ANDRADE; RANALI, 1998).

Outros relatos clínicos sobre a interação dos contraceptivos orais e antimicrobianos observaram que a rifampicina e a griseofulvina são os medicamentos mais freqüentemente implicados nos casos de gravidez acidental em usuárias de contraceptivos orais (COTTET,1996). REIMERS (1974) relatou que cinco de 88 mulheres que usaram contraceptivos orais e a rifampicina ficaram grávidas. A redução na eficácia contraceptiva foi rapidamente elucidada.

A rifampicina diminui os níveis de etinilestradiol (EE) e noretindrona (NT) pelo aumento potencial da atividade enzimática do fígado, que aumenta a taxa do metabolismo de ambos os componentes hormonais dos contraceptivos orais combinados (BARDITCH-CROVO et al.,1999).

SWENSON (1980) verificaram aumento da excreção e redução da meia-vida plasmática do etinilestradiol em cinco mulheres que tomavam contraceptivos orais, estando quatro em tratamento com tetraciclina e uma com ampicilina.

BACK et al. (1988) relataram reações adversas de medicamentos para a agência regulatória entre 1968 e 1984 como meio indireto de taxar a gravidez contraceptivos oral - antimicrobiano induzida. Nesse trabalho foram identificadas 63 gestações relacionadas a essa interação. O maior número foi associado com penicilinas, seguidas de tetraciclina, tendo sido também os mais prescritos naquele período no Reino Unido.

Segundo BACK & ORME (1990) a eritromicina, as cefalosporinas, a griseofulvina, as sulfonamidas e o cotrimoxazol também estavam envolvidos nessa interação.

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SPARROW (1987) relatou 163 casos de falhas dos contraceptivos orais quando associado a antimicrobianos. Pelo fato dos antimicrobianos serem um dos medicamentos mais prescritos poderia parecer que tal associação com contraceptivos orais e a diminuição da eficácia contraceptiva fosse coincidência, especialmente por que 36% das falhas contraceptivas não tiveram quaisquer fatores de predisposição (SZOKA; EDGREN, 1988).

De modo geral, esses dois grandes estudos citados acima foram considerados inválidos pela escassez de grupo-controle. O número de mulheres que ficaram grávidas tomando contraceptivos orais e antimicrobianos não pôde ser comparado com o número de mulheres tomando contraceptivos orais e antimicrobianos que não ficaram grávidas ou com o número de mulheres utilizando somente contraceptivos orais que ficaram grávidas (SZOKA; EDGREN, 1988).

Em 1985, uma compilação dos relatos de casos mostrou que a rifampicina, fármaco tuberculostático, foi o único antimicrobiano com mecanismo comprovado de interferência no metabolismo dos contraceptivos orais (SZOKA; EDGREN, 1988).

Uma hipótese para interação entre contraceptivos orais e antimicrobianos nesses relatos de casos foi que o percentual de gravidez simplesmente refletiu a taxa normal que ocorre com o uso de contraceptivos orais (SZOKA; EDGREN, 1988).

De acordo com as pesquisas farmacocinéticas, a rifampicina induz a atividade enzimática hepática, diminuindo a eficácia contraceptiva. Embora estudos farmacocinéticos com outros antimicrobianos não tenham apoiado a perda da eficácia, alguns autores postularam a existência de um subgrupo de mulheres com risco mais elevado de falha contraceptiva; por não ser possível identificá-las e pelas sérias conseqüências de uma gravidez indesejada, uma advertência para o uso de outro método contraceptivo é aconselhada (SANTOS et al.,2006).

Em relação a interação do contraceptivos orais com o álcool foi observado que partindo do ponto de vista biológico, as mulheres são metabolicamente menos tolerantes ao álcool do que os homens. Se for administrada para dois indivíduos de sexos opostos a mesma dose ajustada de acordo com o peso corpóreo, a mulher apresentará níveis alcoólicos mais elevados no sangue. Seu peso e a menor quantidade de água corporal, em detrimento da maior quantidade de gordura, associado a menor quantidade da enzima desidrogenase alcoólica que é crucial para o metabolismo do álcool. Por essas razões, as mulheres ficam embriagadas com menores doses de bebidas alcoólicas (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI JR, 2009).

Mais de 90% do álcool consumido é oxidado no fígado; o restante é excretado pelos pulmões e pela urina (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

A principal e mais usual via de metabolização do álcool é aquela que envolve a enzima álcool desidrogenase (ADH), cuja função é a oxidação do etanol em acetaldeído. Essa via utiliza o NAD (dinucleotídeo de nicotinamida-adenina) como aceptor de hidrogênio, que é reduzido a NADH (reação está associada com um alto fornecimento energético proveniente do NADH na formação de 16 ATP/mol de etanol). Essa via é mais utilizada por bebedores sociais, já a via utilizada pelos etilistas é a SMOE (Sistema Mitocondrial de Oxidação do Etanol), presente no retículo endoplasmático liso dos hepatócitos, que utiliza o citocromo P-450, a NADPH citocromoredutase e os fosfolipídios, tendo como aceptor de hidrogênio o NADP. Essa via tem maior importância em indivíduos que consomem o álcool cronicamente, porém à custa de gasto de energia na forma de ATP1. Um adulto

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típico pode metabolizar 7-10 g (0,15-0,22 mol) de álcool por hora. Acredita-se que pessoas com alta ingestão de álcool não são capazes de aproveitar toda caloria, uma vez que a via de metabolização utilizada nesses casos seria a SMOE (Sistema Mitocondrial de Oxidação do Etanol). Essa via tem ainda a capacidade de aumentar o potencial termogênico dos alimentos aumentado assim à taxa de metabolismo basal dos etilistas. O álcool também pode atuar como um indutor enzimático (KACHANI, 2008 apud OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009, p.368).

Uma interação importante associada aos contraceptivos está relacionada com a interferência desses com a eliminação do álcool. A farmacocinética da eliminação do álcool é alterada pela presença de altos níveis de progesterona, o que aumenta a taxa de excreção do álcool, podendo induzir o indivíduo a um consumo maior de álcool (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009). OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr. (2009) desenvolveram avaliação quantitativa sobre aspectos importantes no uso de contraceptivos orais entre as alunas dos cursos da área de saúde (Nutrição, Farmácia- Bioquímica, Biomedicina, Enfermagem e Fisioterapia) e levantaram informações como: faixa etária predominante; média de consumo de bebidas alcoólicas, classificando esse consumo em: diariamente, semanalmente, mensalmente ou anualmente; tipo de bebida alcoólica preferida: fermentadas ou destiladas; a quantidade média de copos consumidos e o principal tipo de contraceptivo hormonal oral utilizado. O estudo foi realizado com um grupo de 123 estudantes mulheres, na faixa etária entre 18 a 36 anos. A amostragem foi realizada por meio da entrega do questionário para alunas dos cursos de saúde (Nutrição, Farmácia-Bioquímica, Biomedicina, Enfermagem e Fisioterapia) da UNIP, campus Jundiaí – SP. O trabalho mostrou que a ingestão de álcool ultrapassou o limite de dosagem (0,3 g/Kg) que pode levar a interações com os contraceptivos orais. Além disso, evidenciou o grau de conhecimento das estudantes em relação às possíveis interações existentes entre os contraceptivos orais e a ingestão de bebidas alcoólicas.

A dosagem considerada limite de álcool no organismo para interações com contraceptivos foi 0,3 g/Kg de acordo com estudo desenvolvido por HADDAD; MIKE; ZAPATA (1998).

No cálculo para a conversão do número de copos ingeridos em grau alcoólicos foram considerados os seguintes parâmetros: densidade do álcool = 0,7894g/L, teor alcoólico do destilado 50 °GL e bebida fermentada ( cerveja = 7 °GL). O cálculo utilizado na conversão dedo pela fórmula: conversão = quantidade de bebida em um copo (250 mL) x grau alcoólico da bebida x densidade/peso corporal.

No estudo de OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr. (2009), dentre as estudantes universitárias entrevistadas que utilizavam contraceptivos cerca de 70% consumiam bebidas alcoólicas e apenas 24% utilizavam contraceptivos, mas não ingeriam nenhum tipo de bebida alcoólica. Em relação ao conhecimento sobre o efeito da interação entre álcool e contraceptivos 53% afirmaram que conheciam esse tipo de interação. Entre todos os contraceptivos orais citados 58 % são de alta dosagem hormonal e 41% de baixa dosagem, sendo que os mais citados foram: Diane 35® (alta dosagem) e o Yasmin® (baixa dosagem) (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

Cerca de 70% das alunas entrevistadas preferiam as bebidas fermentadas (cerveja). Em relação à quantidade de bebida ingerida as estudantes usuárias de contraceptivos de alta dosagem ingeriam em média dois copos por dia, já as usuárias de contraceptivos de baixa dosagem ingeriam mais de três copos, isto faz

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com que elas estejam mais susceptíveis a interação entre fármaco e álcool. Em relação às alunas que ingeriam bebidas semanalmente pôde-se observar que elas representavam 50 % da população em estudo, sendo que preferiam as bebidas fermentadas (cerveja) quando comparadas com as bebidas destiladas. Em relação à quantidade de bebida alcoólica ingerida, as estudantes que utilizavam contraceptivos de alta dosagem ingeriam em média três copos por dia e as que usavam os de baixa dosagem ingeriam mais de quatro copos, portanto, esse último grupo corre maior risco de diminuição da eficácia do fármaco por interação medicamentosa (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

As estudantes que consumiam bebidas mensalmente equivaliam a 27% da população analisada, essas preferiam bebida fermentada e o consumo médio são dois copos de bebida (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

Aproximadamente 6,5 % das alunas participantes do estudo ingeriam bebidas alcoólicas anualmente e a bebida fermentada era a preferida, sendo a quantidade ingerida de um copo para os grupos de alta e baixa dose hormonal no contraceptivo (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

Considerando todas as alunas que participaram da pesquisa e que consumiam bebidas alcoólicas, pôde-se analisar que 77% das estudantes estavam com o consumo de álcool acima da dose considerada segura (acima de 0,3 g/kg). Observou-se que 74% das estudantes que faziam uso de contraceptivos de baixa dosagem estavam consumindo uma quantidade de álcool que podia induzir interação farmacocinética, no entanto, no grupo que fazia uso de contraceptivos de alta dosagem, observou-se que 79% das entrevistadas estavam ingerindo quantidade acima do considerado seguro, entretanto, esse grupo é menos susceptível a interação entre álcool e fármaco (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

Assim, este estudo concluiu que uma das condutas que pode representar falhas no método contraceptivo oral é a ingestão concomitante de bebidas alcoólicas e os anticoncepcionais hormonais orais, o que pode acarretar em uma interação medicamentosa desfavorável.

O etanol é bem absorvido no trato gastrointestinal, entretanto, o consumo do álcool pode modificar de forma importante o efeito dos fármacos. O metabolismo dos fármacos se altera de forma distinta quando o consumo de bebidas alcoólicas é agudo ou crônico. Em pacientes com consumo de álcool crônico, o álcool gera uma indução nas enzimas hepáticas que leva a um aumento na biotransformação metabólica e uma diminuição da atividade dos fármacos levando a maior tolerância a esses medicamentos e necessitam de doses mais altas dos fármacos para conseguir um efeito terapêutico desejado. Já o consumo agudo de álcool ou consumo ocasional pode produzir uma inibição na produção das enzimas hepáticas e observa-se um aumento na biotransformação metabólica e aumento na concentração de alguns fármacos, podendo prolongar a atividade farmacológica assim como uma maior incidência de efeitos adversos (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

A alcoolemia apresenta dois picos característicos: o primeiro (menor), correspondente à absorção gástrica e o segundo (maior), correspondente à absorção intestinal. O etanol estimula a secreção gástrica ácida e retarda o esvaziamento gástrico, interferindo na cinética de absorção de fármacos como os anticoncepcionais que apresentam absorção intestinal. O etilistas desenvolvem tolerância ao etanol e a outros fármacos (tolerância cruzada), isso ocorre devido à

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adaptação do sistema nervoso central (tolerância farmacodinâmica) e à indução enzimática (tolerância farmacocinética) (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

O consumo agudo de etanol inibe temporariamente a biotransformação de fármacos pelo sistema oxidase de função mista (CYP) do fígado, podendo elevar perigosamente os níveis plasmáticos desses fármacos, isto faz com que as estudantes com ingestão de contraceptivos de baixa dosagem corram maior risco, uma vez que, a taxa de hormônio nesse contraceptivo possui uma dosagem mínima, mais sujeita a falhas (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

Os contraceptivos orais são metabolizados pelas enzimas citrocromo P-450 hepáticas. Dado que a dose efetiva mínima de estrógeno é a usada (de certa forma para evitar o risco excessivo de tromboembolia), qualquer aumento de sua depuração pode resultar em falha do contraceptivo e, ainda, fármacos que induzem enzimas podem ter este efeito não apenas sobre os contraceptivos combinados, mas também para as pílulas com progesterona apenas (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI JR, 2009).

Os contraceptivos orais estão entre os compostos mais usados no mundo, são extremamente eficazes e têm, na maior parte das mulheres, baixa incidência dos efeitos adversos. O reconhecimento de que os efeitos colaterais eram dependentes da dose usada levaram à redução das doses e ao desenvolvimento dos contraceptivos de baixa dose ou de segunda geração. No entanto, a utilização de baixas dosagens diminui a margem de segurança em relação às possíveis interações entre os contraceptivos e o álcool (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

Devido ao mecanismo farmacocinético de indução de CYP pelo etanol, com diminuição de efeitos terapêuticos dos contraceptivos orais há possibilidade de gravidez indesejada em decorrência dessa associação, no entanto, os dados obtidos a partir dos questionários revelaram que a quantidade de etanol consumida por 25% das alunas não ultrapassavam um copo, semanalmente. Essa quantidade de álcool ingerida está inserida em uma margem de segurança em relação à eficácia do contraceptivo, motivo pelo qual não foram observados casos de gravidez indesejada pela associação etanol e contraceptivo oral (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

O estudo demonstrou que 40% das alunas da área de saúde, não reconheciam como possível a interação do álcool com os contraceptivos. Esse perfil pode acarretar na diminuição da eficácia das pílulas e com isso uma gravidez indesejada (OLIVEIRA; SOARES; BENASSI Jr, 2009).

CONCLUSÃO

Os contraceptivos orais foram inicialmente formulados com altas dosagens hormonais (estrogênio e progesterona) com o intuito de evitar a gravidez por meio da inibição da ovulação, no entanto, estas altas dosagens submetiam a mulher a uma série de efeitos colaterais. Com o avanço cientifico foi possível obter pílulas de menor dosagem hormonal, as quais possuem equivalente efeito contraceptivo, porém menores efeitos colaterais. No entanto, a pílulas com menores dosagens hormonais se tornaram mais sujeitas a interações com antimicrobianos promovendo a perda da eficácia contraceptiva.

Os antibióticos destroem as bactérias intestinais e, conseqüentemente, não mais ocorrem àquelas reações enzimáticas que liberam estrogênio ativo, cujo nível

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diminui no sangue. Essa seria uma explicação para o fracasso dos contraceptivos orais quando tomados junto com antibióticos. A aceleração do metabolismo hepático é outro mecanismo pelo qual os antibióticos podem reduzir as concentrações hormonais e, portanto, levar ao fracasso das pílulas anticoncepcionais.

A rifampicina e a griseofulvina são os medicamentos mais freqüentemente implicados nos casos de gravidez acidental em usuárias de contraceptivo oral. De acordo com as pesquisas farmacocinéticas, a rifampicina induz a atividade enzimática hepática, diminuindo a eficácia contraceptiva.

Penicilinas (ampicilina, amoxicilina), cefalosporinas e metronidazol também estão implicadas nas interações com anticoncepcionais e agem por produzirem alteração da flora intestinal, diminuindo a recirculação êntero-hepática dos estrógenos. Ainda há as tetraciclinas e eritromicina as quais agem por indução das enzimas do sistema microssomal hepático e alteração da flora intestinal bacteriana.

Embora diversos sejam os estudos relacionados com as possíveis interações entre anticoncepcionais com álcool e antimicrobianos alguns dados ainda são conflitantes, e alguns estudos que evidenciam essas interações possuem confiabilidade questionável por outros autores.

A explicação para os resultados conflitantes pode estar relacionada às variações individuais no metabolismo dos contraceptivos orais. A maioria dos autores sugere que tal interação não ocorre em todas as mulheres, mas apenas naquelas mais suscetíveis. Porém, até o momento, não há meios para saber quais mulheres são mais sensíveis a esta interação medicamentosa.

Embora o mecanismo de interação entre antimicrobianos e contraceptivos orais não esteja ainda comprovado, existem evidências suficientes que demonstram que a interação existe, podendo resultar em perda da eficácia contraceptiva

Quanto ao álcool, o metabolismo dos fármacos se altera de forma distinta quando o consumo de bebidas alcoólicas é agudo ou crônico. Em pacientes com consumo de álcool crônico, o álcool gera uma indução nas enzimas hepáticas que leva a um aumento na biotransformação metabólica e uma diminuição da atividade dos fármacos levando a maior tolerância a esses medicamentos e necessitam de doses mais altas dos fármacos para conseguir um efeito terapêutico desejado. Já o consumo agudo de álcool ou consumo ocasional pode produzir uma inibição na produção das enzimas hepáticas e observa-se um aumento na biotransformação metabólica e aumento na concentração de alguns fármacos, podendo prolongar a atividade farmacológica assim como uma maior incidência de efeitos adversos.

A informação é indispensável para assegurar às usuárias de contraceptivos orais a maior eficácia dos medicamentos, uma vez que os anticoncepcionais são fármacos sujeitos a sofrer e a exercer influência sempre que associadas a outros medicamentos ou substâncias.

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