Interceptacao Telefonica Na Seara Extra Penal e Recente Posicao Do Stj
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8/3/2019 Interceptacao Telefonica Na Seara Extra Penal e Recente Posicao Do Stj
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INTERCEPTAO TELEFNICA NA SEARA EXTRAPENALE RECENTE POSIO DO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIA (STJ)
ALEX PACHECO MAGALHESAdvogado. Especialista em Direito do Estado
(JusPodivm/Faculdade Baiana de Direito).
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RESUMO: A possibilidade da interceptao telefnica na seara extrapenal foi tratada
de forma indita. Os aspectos legais, doutrinrios, jurisprudenciais, alm da transcrioe explicao da recente posio do Superior Tribunal de Justia sobre o assunto foram
devidamente abordados, levando-se em considerao a aplicao dos princpios e
balizas constitucionais.
PALAVRAS-CHAVE: Interceptao telefnica. Seara extrapenal. Recente posio do
Superior Tribunal de Justia. Princpios. Balizas constitucionais.
ABSTRACT: The possibility of interception on the likes extrapenal was treated in an
unprecedented way. The legal, doctrinal, jurisprudential, and transcription and
explanation of the recent position of the Superior Court of Justice on the subject were
addressed, taking into account the application of constitutional principles and goals.
KEYWORDS: Interception. Seara extrapenal. Latest position of Superior Court.
Principles. Beacons constitutional.
SUMRIO: 1. Introduo. 2. Interceptao telefnica na seara extrapenal e recente
posio do Superior Tribunal de Justia (STJ). 3. Anlise do caso julgado luz dos
princpios e balizas constitucionais. 4. Consideraes finais. Referncias.
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1. INTRODUO
Em breve sntese introdutria, sabemos que o art. 5, inciso XII, da Constituio
Federal da Repblica, estabelece ser inviolvel o sigilo da correspondncia e das
comunicaes telegrficas, de dados e das comunicaes telefnicas, salvo, no ltimo
caso, por ordem judicial, nas hipteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigao criminal ou instruo processual penal.
A Lei n 9.296/96 admite a interceptao telefnica, tambm chamada de escuta
telefnica, atravs de ordem judicial, por provocao do Ministrio Pblico ou da
autoridade policial, estabelecendo critrios e requisitos para a sua concesso.
Basicamente, vislumbram-se dois distintos elementos exigidos para a admisso da
interceptao telefnica: a imprescindibilidade da interceptao como nico meio eficaz
para a realizao da prova e a gravidade da infrao penal apurada, afastada a sua
possibilidade quando a prova tiver como ser produzida atravs de outro meio.
Nestes termos, a possibilidade de quebra do sigilo das comunicaes telefnicas fica,
em tese, restrita s hipteses de investigao criminal ou instruo processual penal.
Essa sempre foi a opinio de parte considervel da doutrina e dos tribunais.
2. INTERCEPTAO TELEFNICA NA SEARA EXTRAPENAL E RECENTE
POSIO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA (STJ)
Ocorre que, em um caso julgado recentemente, em 2011, o Superior Tribunal de
Justia admitiu a possibilidade de interceptao telefnica na seara extrapenal.
Considerou-se possvel a intercepo telefnica no mbito civil em situao de extrema
excepcionalidade, quando no houver outra medida que resguarde direitos ameaados
e o caso envolver indcios de conduta considerada criminosa.
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A deciso da Terceira Turma do Tribunal da Cidadania (STJ), ao julgar habeas
corpus preventivo em que o responsvel pela execuo da quebra de sigilo em uma
empresa telefnica se recusou a cumprir determinao judicial para apurar incidente de
natureza civil.
No caso, determinou-se a medida extrema em processo cvel, que tramita perante a 4
Vara de Famlia da Comarca de Campo Grande. Ficou constatado que o ato
impugnado retrata hiptese excepcional, em que se cogitou, at mesmo, a
possibilidade de desaparecimento de menor (criana), havendo demais provas nos
autos que atestaram a tentativa do paciente em se furtar da justia, sem respeito ao
Poder Judicirio.
O Tribunal de Justia de Mato Grosso do Sul (TJ/MS) julgou correta a deciso do Juzo
de direito da mencionada vara de famlia, que expediu ofcio para investigar o paradeiro
de criana levada por um familiar contra determinao judicial. O gerente se negou a
cumprir a ordem porque a Constituio, regulamentada neste ponto pela Lei n
9.296/96, permite apenas a interceptao para investigao criminal ou instruo
processual penal.
O TJ/MS considerou, assim, que possvel a interceptao na esfera civil quando
nenhuma outra diligncia puder ser adotada, como no caso julgado, em que foram
expedidas, sem xito, diversas cartas precatrias para busca e apreenso da criana.
O rgo assinalou que o caso pe em confronto, de um lado, o direito intimidade de
quem ter o sigilo quebrado e, de outro, vrios direitos fundamentais do menor, como
educao, alimentao, lazer, dignidade e convivncia familiar.
Para o tribunal local, as consequncias do cumprimento da deciso judicial em questo
so infinitamente menos graves do que as que ocorreriam caso o Estado
permanecesse inerte.
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Segundo o Tribunal de origem (Tribunal de Justia do Estado de Mato Grosso do Sul),
apesar da ordem emanar de Juzo Cvel, h a possibilidade de se averiguar o possvel
cometimento do delito disposto no art. 237 do ECA (Subtrair criana ou adolescente ao
poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de
colocao em lar substituto: Pena - recluso de dois a seis anos, e multa).
Urge reproduzirmos os termos do julgado:
EMENTA: HABEAS CORPUS PREVENTIVO INTERCEPTAOTELEFNICA VARA DE FAMLIA TENTATIVA DE LOCALIZAO DEGENITOR QUE RAPTOU O PRPRIO FILHO RECUSA NOCUMPRIMENTO DE ORDEM EMANADA DE VARA CVEL ALEGAO DEQUE A MEDIDA VEDADA NA SEARA EXTRAPENAL AFASTADA SITUAO EXCEPCIONAL COMETIMENTO DE DELITO A SER
AVERIGUADO FUNDAMENTAO CONCRETA E VINCULADA PRAZOPARA AS ESCUTAS READEQUADAO DISPOSTO NA LEI 9.296/96 -ORDEM DENEGADA - LIMINAR CASSADA.Conforme cedio e expresso na Lei n. 9.296/96, a realizao da interceptaotelefnica vedada na seara extrapenal. Entretanto, tal princpio no absoluto. No mbito cvel e em situao extremamente excepcional, admitido este artifcio quando nenhuma outra diligncia puder seradotada, mormente quando h possibilidade de se averiguar o possvelcometimento do delito disposto no art. 237, do ECA.Se, de um lado prevalece o direito intimidade daqueles que tero seus sigilosquebrados, de outro h a necessidade de se resguardar, com extremaurgncia, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e
comunitria do menor. No confronto dos direitos individuais subordinados ao princpio maior (dignidade da pessoa humana), as consequncias documprimento do ato em questo so infinitamente menores do que as que
ocorreriam caso o Estado permanecesse inerte (TJ/MS) (GRIFFOSNOSSO).
Levado o caso ao Superior Tribunal de Justia, atravs do HABEAS CORPUS N
203.405 - MS (2011/0082331-3), TERCEIRA TURMA, a impetrante informou que o
Juzo de Direito da 4 Vara de Famlia da Comarca de Campo Grande expediu ofcio no
qual determinava ao paciente que tomasse as medidas necessrias para a quebra de
sigilo telefnico da parte r em processo que tramitava naquela Vara. Alm disso,
sustentou ser invivel o cumprimento da deciso, objetivando garantir que no
sobreviesse nenhuma consequncia de natureza penal ao paciente. Por fim, alegou
que, no Acrdo proferido pelo Tribunal de origem acerca de habeas corpus l
impetrado, em que, embora deferida a liminar, o mrito do pedido foi indeferido, no
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foram observados os requisitos que autorizariam a medida extrema de interceptao
telefnica previstos na Lei n 9.296/96. Isso porque a medida s seria cabvel em
investigao criminal ou em instruo processual penal. Afirmou que o paciente
comunicou ao Juzo que no cumpriria a ordem, dado o regramento constitucional e
infraconstitucional sobre a hiptese, bem como da jurisprudncia a respeito.
Ao julgar o caso, a Terceira Turma do STJ admitiu a possibilidade de interceptao
telefnica no mbito civil, considerando a situao tratada de extrema
excepcionalidade.
de fundamental importncia transcrever as razes do voto do julgado emitido pelo
Relator e Ministro Sidnei Beneti. Vejamos:
[...] A situao, portanto, inspira mais cuidado do que, primeira vista,pareceria ser o caso de aplicao pura e simples do preceitoConstitucional que estipula a garantia do sigilo das comunicaes. Hque se proceder ponderao dos interesses constitucionais em conflito,sem que se possa estabelecer, a priori, que a garantia do sigilo deva terpreponderncia.
So bem oportunas as observaes feitas no parecer do Ministrio PblicoFederal, do qual se transcreve o seguinte trecho (e-STJ fl. 174, os destaquesso do original):
Portanto, trata o caso da necessidade de se ponderar valoresexpressamenteprevistos na Constituio Federal. So eles: a proteo intimidade, nostermos do art. 5, X, da Constituio Federal, e a necessidade de seresguardar os direitos fundamentais do menor. A soluo passa sem dvida,
pela leitura do texto do art. 227 da Constituio Federal. Conforme visto, apreviso constitucional visa a proteo dos DireitosFundamentais da Criana edo adolescente pelo Estado comabsoluta prioridade.No haveria outro motivo para o acrscimo da expresso "absoluta prioridade"se no fosse para garantir criana e ao adolescente a proteo integral deseus direitos fundamentais de modo absoluto, inclusive quando o resguardodesses direitos estiver em aparente confronto com outros direitos assegurados
pela Constituio Federal.Assim, infere-se da Constituio Federal que, em uma anlise de ponderaode valores, deve prevalecer a garantia dos direitos fundamentais da criana edo adolescente.
Sem adiantar o mrito da questo, que ser resolvido pelas instnciasordinrias, tem-se que no se deve acolher as razes da impetrante apartir, to-s, do fundamento de que a interceptao telefnica s cabvel em processo penal.
Ou seja, no h inconstitucionalidade ou ilegalidade desde j evidenciada.
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Ademais, do contexto destes autos no se pode inferir a iminncia da priso dopaciente. A impetrante cogita acerca da possibilidade da instaurao deprocesso penal contra ele, por desobedincia de ordem judicial, mas nomostra concretamente o perigo de limitao em sua liberdade de ir e vir. Nemmesmo h informao sobre o incio do processo, nem sobre ordem de prisocautelar, alm de que de priso em flagrante no se trata.
O sigilo telefnico que se visa a resguardar, ademais, da parte naqueleprocesso em que se discute a guarda do menor, no do paciente. Arecusa ao atendimento da ordem judicial est fundada em alegaes quevisam a resguardar direitos de terceiros. No toca ao paciente, emborainspirado por razes nobres, discutir a ordem judicial alegando direitofundamental que no seu, mas da parte.
Possibilitar que o destinatrio da ordem judicial exponha razes para nocumpri-la inviabilizar a prpria atividade jurisdicional, com prejuzo parao Estado Democrtico de Direito.
Portanto, a ameaa de priso, que, repita-se, no se concretizou, no seria
ilegal nesse contexto.
Ante o exposto, inexistentes razes para o fundado receio de priso iminente,no se conhece do pedido de habeas corpus [...] (GRIFFOS NOSSO).
3. ANLISE DO CASO JULGADO LUZ DOS PRINCPIOS E BALIZAS
CONSTITUCIONAIS
Como visto, se partirmos de uma anlise a priori, fica fcil concluirmos pela
inaplicabilidade da interceptao telefnica em sede extrapenal. Todavia, no se podedeixar de lembrar que, em determinados casos, a soluo encontrada apenas a partir
da aplicao da tcnica de ponderao dos interesses em colidncia. Vale dizer, o
caso concreto que vai apontar o caminho. Afinal, no esqueamos ser majoritrio o
entendimento de que no h direitos e princpios absolutos.
Frisa-se que o Princpio Constitucional da Proporcionalidade apresenta duas facetas:
a) ora visto como princpio de interpretao conhecido tambm como razoabilidade ;e b) ora visto como tcnica de soluo de conflitos conhecida tambm como
ponderaes de interesses. Contudo, embora existam diversas correntes
estabelecendo as diferenas entre os princpios da proporcionalidade e da
razoabilidade por conta de suas origens histricas, o prprio Supremo Tribunal Federal
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vem tratando ambos de maneira conjunta, sem distines, considerando ambos,
inclusive, como sinnimos do devido processo legal substancial.
bem verdade a assertiva de que os direitos inviolabilidade da intimidade (art. 5, X,
CF) e das comunicaes telefnicas (art. 5, XII, CF) esto tutelados
constitucionalmente. Mas no menos certa a afirmao de que outros direitos de
igual estrutura e dimenso merecero proteo em idntica sede (art. 5, CF), como as
garantias de liberdade, igualdade, solidariedade e, principalmente, a afirmao da
dignidade humana, que se apresenta como valor mximo da ordem jurdica. Como no
possvel haver incompatibilidade entre preceitos de ndole constitucional,
necessrio compatibilizar os princpios e valores, ponderando-os no caso concreto para
descobrir qual merece proteo no caso especfico, conforme visto alhures (FARIAS;ROSENVALD, 2007, p. 628-629).
Destaque-se que o prprio relator do STJ, o ministro Sidnei Beneti, ressaltou que, no
caso em apreo, no se trata pura e simplesmente de discusso de aplicao do
preceito constitucional que garante o sigilo, tendo em vista que a situao em anlise
excepcional e inspira cuidado luz da tcnica de ponderao de interesses.
Ademais, saliente-se que assim como a jurisprudncia admite a utilizao da prova
emprestada e da prova ilcita na esfera extrapenal em determinadas situaes
excepcionais, levando-se em considerao a aplicao do princpio da
proporcionalidade como tcnica de ponderao de interesses, no h sentido em no
se admitir o uso da interceptao telefnica em alguns casos.
Numa srie de exemplos, possvel invocar a interceptao telefnica na esfera
extrapenal (cvel, trabalhista, infncia e juventude etc.) em casos de investigao de
paternidade, interdio, destituio do poder familiar, dentre outras hipteses,
percebendo nelas que o valor salvaguardado de maior peso que a intimidade ou
privacidade sacrificada.
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Para Geraldo Prado, o dever de subordinao Constituio implica dever de
conformao da atividade administrativa e jurisdicional pelos preceitos
constitucionais, denotando a imperiosa necessidade de compreender a interceptao
telefnica pelo vis constitucional (Limite s interceptaes telefnicas e a
jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,
p. 23).
4. CONSIDERAES FINAIS
preciso que a Justia corrija uma situao prtica para a qual no h previso legal
(ausncia de lei que disponha sobre a interceptao de comunicaes telefnicas na
seara extrapenal), como bem o fez o Ministro do STJ no julgado supracitado. Comoanalisado, o caso em apreo trouxe uma situao de descompasso em que o direito
no foi capaz de acompanhar e se adequar aos anseios sociais. Assim, cabe ao
Congresso Nacional legislar sobre o assunto e enfrentar essa questo ainda no
regulada. Por fim, infere-se que a norma constitucional em nenhum momento excluiu a
possibilidade da interceptao de comunicaes telefnicas na esfera extrapenal.
lgico que a norma estabelecida pelo legislador constituinte no contm palavras
inteis, mas ela simplesmente deve ser interpretada teleologicamente,
sistematicamente, progressivamente e extensivamente. Afinal, no possvel que o
legislador preveja em dado momento todas as condutas possveis para a satisfao
dos anseios da sociedade, visto que o direito evolui com o tempo, de acordo com as
transformaes sociais. Assim, no resta alternativa ao operador e ao intrprete do
direito seno recorrer antes de tudo ao fenmeno da mutao constitucional.
Destarte, conclui-se que no se pode interpretar a Constituio de maneira reducionista
ou contra seus princpios. Por isso, pondera-se para uma interpretao conforme a
Constituio da Lei n 9.296/96, a qual trata da interceptao de comunicaes
telefnicas, considerando inconstitucional o artigo da lei que usa os termos para prova
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em investigao criminal e em instruo processual penal, uma vez que o texto de tal
legislao no tem a mesma complexidade que da Carta Fundamental.
Com efeito, em no se entendendo possvel a aplicao da tcnica da interpretao
conforme, na mesma linha de inteleco de Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald, em sede hermenutica, vale afirmar a possibilidade da interceptao
telefnica tambm para fins extrapenais, declarada, incidentalmente, a
inconstitucionalidade da norma regulamentadora, que no pode isolar o valor
constitucional liberdade de outros valores igualmente relevantes, como o prprio direito
vida digna (Direito Civil Parte Geral. 6 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.
629) (GRIFFO NOSSO).
Data venia, respeitamos opinies em sentido diverso, mas essa parece ser a mais
consentnea e razovel interpretao constitucional.
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