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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste Salto - SP 17 a 19/06/2016 1 As origens do programa de auditório na televisão 1 Renan Feitosa de OLIVEIRA 2 Dirceu Lemos da SILVA 3 Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, São Paulo, SP RESUMO O objetivo deste artigo é analisar as influências históricas e culturais que favoreceram a formação e consolidação do gênero programa de auditório na televisão aberta com abrangência nacional. Quais características históricas e culturais a TV se apropriou para a consolidação do gênero? O método adotado para o desenvolvimento deste trabalho partiu de uma pesquisa bibliográfica em livros, textos jornalísticos e acadêmicos (Comunicação e Sociologia) que abordam conceitos de produção televisiva para massa e influências culturais, entrevistas com fontes primárias: um pesquisador, uma produtora e um diretor. Obteve-se como resultado a constatação de que o gênero sofreu influências dos antigos teatros gregos e romanos, do teatro revista, do circo e, principalmente, do rádio. PALAVRAS-CHAVE: televisão; programa de auditório; influência cultural. INTRODUÇÃO Este artigo pretende investigar como a televisão assimilou a ideia de formação de encontros sociais presente nas civilizações para a implementação e a criação dos programas de auditório na televisão aberta com abrangência nacional. O questionamento que move essa pesquisa é: quais características o gênero se apropriou para a sua consolidação na TV? O programa de auditório surgiu no rádio durante a Era de Ouro, de 1940 ao final dos anos de 1950. Quando as primeiras emissoras de televisão se formaram no Brasil, logo o gênero migrou para a programação televisiva levando a antiga ideia de empatia, presente no veículo radiofônico, ao aproximar a produção do público. (PRIOLLI, 1985, p. 23). A televisão foi inaugurada em 18 de setembro de 1950, em São Paulo, por meio da TV Tupi, canal 3, marcada pela fase de aprendizagem, tanto técnica quanto artística. A 1 Trabalho apresentado no IJ 5 Rdio, TV e Internet do XXI Congresso de Ciências da Comunicaç a ̃ o na Regio Sudeste, realizado de 17 a 19 de junho de 2016. 2 Bacharel em Comunicação Social Radialismo pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2015), e- mail: [email protected]. 3 Orientador do trabalho. Professor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016

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As origens do programa de auditório na televisão1

Renan Feitosa de OLIVEIRA

2

Dirceu Lemos da SILVA3

Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, São Paulo, SP

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar as influências históricas e culturais que favoreceram a

formação e consolidação do gênero programa de auditório na televisão aberta com

abrangência nacional. Quais características históricas e culturais a TV se apropriou para a

consolidação do gênero? O método adotado para o desenvolvimento deste trabalho partiu

de uma pesquisa bibliográfica em livros, textos jornalísticos e acadêmicos (Comunicação e

Sociologia) que abordam conceitos de produção televisiva para massa e influências

culturais, entrevistas com fontes primárias: um pesquisador, uma produtora e um diretor.

Obteve-se como resultado a constatação de que o gênero sofreu influências dos antigos

teatros gregos e romanos, do teatro revista, do circo e, principalmente, do rádio.

PALAVRAS-CHAVE: televisão; programa de auditório; influência cultural.

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende investigar como a televisão assimilou a ideia de formação de

encontros sociais presente nas civilizações para a implementação e a criação dos programas

de auditório na televisão aberta com abrangência nacional.

O questionamento que move essa pesquisa é: quais características o gênero se

apropriou para a sua consolidação na TV?

O programa de auditório surgiu no rádio durante a Era de Ouro, de 1940 ao final dos

anos de 1950. Quando as primeiras emissoras de televisão se formaram no Brasil, logo o

gênero migrou para a programação televisiva levando a antiga ideia de empatia, presente no

veículo radiofônico, ao aproximar a produção do público. (PRIOLLI, 1985, p. 23).

A televisão foi inaugurada em 18 de setembro de 1950, em São Paulo, por meio da

TV Tupi, canal 3, marcada pela fase de aprendizagem, tanto técnica quanto artística. A

1 Trabalho apresentado no IJ 5 – Radio, TV e Internet do XXI Congresso de Ciencias da Comunicacao na Regiao Sudeste,

realizado de 17 a 19 de junho de 2016.

2Bacharel em Comunicação Social – Radialismo pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2015), e- mail:

[email protected].

3 Orientador do trabalho. Professor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

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programação era bastante diferenciada, com dramaturgia, musical, humorismo, jornalismo,

programas infantis, esportes e variedades. (ALVES, 2008, p.17).

Na década de 1960 algumas mudanças colaboraram no modo de se fazer televisão.

Novidades tecnológicas permitiram maior agilidade e alcance da informação – condições

necessárias para que a televisão se consolidasse como o mais importante veículo de

comunicação. O desenvolvimento do videoteipe favoreceu a organização do fluxo

televisivo com sua grade de programação e anunciantes. Em termos de linguagem,

favoreceu a edição de imagens e aprimoramento de recursos gráficos. Dois gêneros

contribuíram para que a televisão se tornasse fenômeno de comunicação de massa no país: a

telenovela e o programa de auditório. (PRIOLLI, 2000, p. 16).

A união das pessoas em plateia nos estúdios cria um clima de festa centralizada no

condutor, o apresentador. Os cenários fazem menção a uma sala de estar, um teatro ou até

mesmo um picadeiro de circo.

O programa de auditório se desenvolveu antes da formação das redes de televisão

com abrangência no território nacional e com o financiamento da indústria da publicidade.

Este trabalho realizou uma pesquisa bibliográfica em livros, textos acadêmicos e

jornalísticos de comunicação e sociologia que abordam conceitos de produção televisiva

para massa e influências culturais. Por causa da ausência de referências específicas sobre

programa de auditório, foi necessário que este pesquisador realizasse entrevistas com fontes

primárias: com um pesquisador, uma produtora e um diretor de programa. Este trabalho é

uma pequena contribuição deste pesquisador à área de conhecimento, visto a importância

econômica do gênero para as emissoras de TV. Não pretendo, evidentemente, esgotar o

assunto, que em si parece ser inesgotável.

1 DE ONDE VEM O PROGRAMA DE AUDITÓRIO NA TELEVISÃO?

1.2 INFLUÊNCIA DAS SOCIEDADES ANTIGAS

Se reunir em auditório para a apresentação de algo não é um fenômeno exclusivo da

televisão, muito pelo contrário, ela utilizou da mesma estratégia das antigas civilizações.

O auditório era um elemento arquitetônico dos teatros gregos e romanos, geralmente

destinado a reuniões, palestras ou encenações em céu aberto que não exigia elementos

como coxia, camarim, cortina, profundidade de palco, urdimento e outros.

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Figura 1 – Teatro grego:

Fonte: EDUCA TERRA (2015) e PRÓXIMOS DESTINOS (2011).

A Figura 1 ilustra a estrutura de uma Ágora, que era instalada na praça principal na

constituição da pólis. Nesse local, o cidadão grego se reunia para discussões políticas e

assembléias populares, concursos e festivais que faziam parte do culto cívico, cultural e

religioso. Nota-se que o antigo teatro grego era construído em forma circular devido ao

“simbologismo magico” da perfeiçao da circunferência, compunha-se de três grandes

partes: a orquestra, em geral uma espaço circular bem em frente à plateia de onde o chefe

do coro (koriaphaios), dirigia-se aos presentes explicando o que iriam assistir; o proscênio

(em frente à cena), onde os atores (hypocrates) faziam a sua encenação (divida em três

entradas), onde os cenários se alteravam; e o auditório (kolia) em forma semicircular que

envolvia a orquestra e o proscênio, que era dividido em dois setores (diazoma), sendo que o

que estava mais próximo do espetáculo era chamado de proedria, reservado às autoridades e

aos convidados mais eminentes, e onde se sentava o mais honorável dos espectadores, o

elefthereos dionyssos, o sumo sacerdote de Dionísio.

Já no teatro romano, a área do auditório era também conhecida como cavera, uma

série de assentos em escalas de fileiras horizontais cuja ocupação também era relacionada

ao papel das pessoas na sociedade. Sua forma semicircular e a cobertura permitiam que os

espectadores mais afastados escutassem os atores.

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Figura 2 – Anfiteatro romano:

Legenda:1. Palco e atores; 2. Cenário (muro); 3. Atores se apresentando na orchestra; 4.

Cobertura; 5. Vestiários e camarins; 6. Rampa; 7. Escadarias; 8. Arcos; 9. Galeria; 10. Velarium:

tenda para proteção do sol e da chuva; 11. Cordas de tensão.

Fonte: BORDE, 2001 apud SOUZA, 2006, p.18.

Na idade média os auditórios estavam sujeitos à autoridade exercida pela Igreja por

meio do teatro. Utilizando-se da arte cênica para ensinar e desenvolver temas religiosos,

orientando as pessoas a seguirem normas de moralidade. Havia também apresentações nas

ruas denominadas pageant, que aconteciam de forma ambulante, montadas sobre carroças.

Sem dúvida, o teatro medieval contribuiu muito para o enriquecimento da

arte cênica em seus aspectos principais. Os detalhes ganharam uma

importância maior, como a iluminação, por exemplo, que passou a ser

encarada como parte da concepção do cenário, e o figurino, que ficou mais

luxuoso. O público ganhou camarotes na plateia com locais reservados

para pessoas importantes, o que ainda não havia sido utilizado, e para os

atores, camarins, que os ajudavam a constituir os personagens fazendo uso

de maquiagem, sem a necessidade de uma máscara. (SOUZA, 2006, p.26).

Figura 3 – Teatro medieval apresentado na rua:

Fonte: ESTUDO PRÁTICO (2015).

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O Renascimento foi marcado por uma explosão de criações artísticas literárias e

científicas inspiradas na Antiguidade Clássica greco-romana. Assim, o teatro renascentista

europeu imitava os modelos arquitetônicos greco-romanos e misturava tradições medievais,

a plateia, portanto, ficava em declive, em frente ao palco. O palco era retangular e recuado.

Os cenários trouxeram as paisagens em perspectiva, dando a ilusão de profundidade e

amplitude na cena.

Figura 4 – Teatro olímpico de Vicenza:

Fonte: ESSAS E OUTAS. (2015).

A atividade predominante agrícola e artesã passaram por transformações na medida

em que o mercado se expandia nas cidades (séculos XV – XVII), com a circulação de

mercadorias e comercialização no espaço urbano. Assim se desenvolveram as indústrias nas

cidades modernas e surgiram novas práticas sociais e comunicativas. A separação do local

de trabalho e moradia, delimitação de zonas residenciais de proprietários dos meios de

produção e as dos trabalhadores assalariados, centralização do poder urbano e divisão em

classe.

O desenvolvimento dos meios de comunicação - telefone, telegrafia sem

fio, imprensa ilustrada, rádio, cinema e indústria fonográfica -, participam

ativamente desse processo de modernização urbana e consequentemente

da relação do indivíduo com a metrópole. A possibilidade de transmitir

informações a distancia, sem que fosse necessária a presença, no mesmo

espaço, dos corpos envolvidos no processo, abriria novas perspectivas

comunicativas. [...] Ao homem moderno foi dada a oportunidade de uma

experiência privada de escuta, distante dos ruídos oriundos das maquinas

que possibilitam as realizações dos tempos modernos e deslocamentos das

multidões. (SILVA, 2014, p.31).

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Portanto, o espaço urbano influenciou no desenvolvimento dos veículos de

comunicação. No caso das metrópoles brasileiras, nos primeiros 50 anos do século XX a

imprensa ilustrada e o rádio criam novas possibilidades de interação com a cidade.

O rádio brasileiro, que inicia oficialmente suas atividades em 1922 com as

festividades do Centenário da Independência no Rio de Janeiro, e se

consolida como importante meio de comunicação eletrônico de massa nas

décadas de 1930, 40, 50 e 60, atua como forma decisiva para a propagação

de valores de vida nas cidades modernas. (SILVA, 2014, p.32).

A necessidade de encontrar uma estética adequada fez o rádio experimentar formas

estéticas vindos de outras áreas como o impresso, teatro, circo, cinema e a literatura.

1.3 INFLUÊNCIAS DO RÁDIO, CIRCO E TEATRO-REVISTA

Com o rádio comercial houve a popularização do veículo que implicou a criação de

um elo entre o indivíduo e a coletividade, mostrando-se capaz não apenas de vender

produtos e ditar “modas”, como também de mobilizar as massas, levando-as a uma

participação ativa nos programas com a adoção de uma série de modificações na própria

estrutura das emissoras, visando uma aproximação maior com os ouvintes.

As novidades dessa mudança seriam representadas, principalmente, pela

variedade de programação, através do encurtamento dos horários[...]; pela

radiodifusão de histórias[...]; pela maior participação de artistas populares

em programas de estúdio[...]; pela nacionalização do chamado cartaz4 do

rádio; e, finalmente, pela presença de figuras do próprio povo diante dos

microfones[...]. (TINHORÃO, 2014, p.59).

Dentre os gêneros, um influenciou fortemente o programa de auditório na televisão:

o próprio programa de auditório do rádio, que teve seu auge durante a Era de Ouro, de 1940

a 1950. As características de concretização do gênero no veículo radiofônico foram

transportadas para a televisão.

O programa de auditório na televisão trouxe principalmente a transmissão

da imagem à distância. Essa foi a grande novidade. Assim, houve aquele

calor que existia na época do rádio, e isso permitiu que o programa tivesse

uma força ainda maior tendo como apoio o audiovisual. Então,

4 Cartaz eram cantores famosos que participavam dos programas.

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transformou programas que eram de charadas, perguntas e respostas,

calouros, dando a referência de quem estava falando. (FRANCFORT,

2015).

Ao levar em conta sua experiência profissional, a produtora do programa Hora do

Faro, Sara Elaine Feliciano, compara a relação da interatividade do público no rádio com o

de programa de auditório:

É engraçado que mesmo os programas sendo gravados, tenho o mesmo

contato que tinha com o público do rádio, aquele contato mais íntimo,

chegar e conversar com o seu público a respeito do que ele mais gosta de

ver no programa, isso é muito gostoso. [...]É diferente de um programa

que você faz no rádio (que você já recebe a ligação do seu ouvinte e ele já

fala o que gosta e o que não gosta). Mas a gente tem com a plateia, tem a

senhorinhas que vêm sempre e elas dão isso para gente. Elas dizem o que

gostaram e o que lembram que o apresentador fez. Essa proximidade que

tem uma comparação com o rádio, na questão do público. (FELICIANO,

2015).

No rádio, o gênero teve início com as apresentações de calouros. Eram transmitidos

diretamente de teatros, obrigando as emissoras a transformarem seus próprios estúdios em

pontos de atraçao. “No estúdio ou nas ruas, a pedra de toque é a participaçao popular. O

teatro vira festa. Como o circo vai ao encontro do seu público.” (MIRA, 1995, p.125).

Nessa relação entre o palco e o público há um compartilhamento de espaço que misturava

circo, festa popular e teatro.

Os grandes programas de auditório do rádio nasceram dos programas de

calouros. Seu enorme sucesso levou o cronista Caribé da Rocha a lançar a

ideia dos “teatros nos radios”. Em 1938, na Radio Nacional, seria entao

escrito e animado por Almirante “o primeiro programa montado do radio

brasileiro”: “Curiosidades Musicais”. No mesmo ano, Almirante criava

também “Caixa de Perguntas”, em que dialogava com o público presente e

oferecia prêmio aos acertadores do auditório. Para tanto precisava descer

do palco e circular no meio do público de modos a colher respostas ao

microfone. (MIRA, 1995, p.124-125).

José Ramos Tinhorão complementa ao afirmar que foi Almirante o pioneiro e o

responsável por revelar o mistério do rádio para as pessoas por meio do programa de

auditório.

Segundo conta Almirante, além de dirigir perguntas valendo prêmios às

pessoas da plateia, ele descia do palco circulando entre as cadeiras do

auditório para colher as respostas de microfone de punho, o que

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desmistificava de uma vez por todas o ritual das transmissões

radiofônicas, ainda sujeitas a um certo mistério para o grande público.

(TINHORÃO, 2014, p. 90-91).

O programa de auditório no rádio se concretizou como espetáculo de variedades e

de música (girando em torno de grandes ídolos musicais). O locutor-apresentador que antes

ocupava o papel de amigo, ao se dirigir diretamente aos ouvintes, precisava saber lidar com

algo novo: interagir com as pessoas da plateia. Ao mesmo tempo em que o apresentador

descia do palco, a plateia tinha a oportunidade de participar das atrações como concursos,

sorteios ou se apresentar como calouro. (MIRA, 1995, p.125).

Figura 5 – Exemplo de programa de auditório no rádio:

Emilinha Borba ao lado de Heber de Bôscoli, na parte mais elevada da figura, apresentava o

programa 'A Felicidade Bate à Sua Porta'.

Fonte: BRAZILIAN POP (2015).

Saber dialogar com plateia é, então, uma qualidade fundamental do gênero, tanto no

rádio como na televisão, que o faz ser reconhecido pelo público. O apresentador se

aproxima das pessoas ao propor algum assunto, ao mesmo tempo em que delimita o tempo

da duração da interação.

Para evitar que os programas esfriassem, os animadores – e esse nome não

tinha sido criado sem razão – valiam-se [...] de tudo que pudesse provocar

gritos e palmas do seu público, construídos na maioria por moças e

rapazes que vindos dos subúrbios ou de bairros da Zona Sul exatamente a

procura de uma oportunidade de participação, que não conseguiam

encontrar em qualquer das outras formas de lazer postas ao seu alcance.

Essa participação começava logo na abertura dos programas, quando todos

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artistas e o público, cantavam em coro os hinos compostos especialmente

para os vários animadores. (TINHORÃO, 2014, p.100).

Cabe então ao animador saber manter o clima inicial de euforia, anunciando em tom

de voz animado a sucessão de números musicais e atrações, com toques de surpresa e

suspense.

O programa de auditório no rádio exercia grande fascínio entre os ouvintes, que se

aglomeravam nos auditórios das emissoras, ou nos teatros e cinemas, para conhecer o dono

da voz que invadia o imaginário particular e, ainda, ter a chance de participar

presencialmente e concorrer aos brindes dos patrocinadores. “Para possibilitar esse

relacionamento direto entre o público e os artistas, iam cair, agora definitivamente, os

antigos vidros dos „aquarios‟, surgindo em seu lugar os palcos-auditórios.” (TINHORÃO,

2014, p.91).

O rádio criou a própria estética para o gênero, com quadros que contavam com a

participação popular: como enquetes, apresentação de piadas, paródias musicais, jingles

engraçados e shows de calouros, aliados às apresentações de cantores de sucesso, conjuntos

regionais, humoristas, mágicos e números de exotismo. Funcionava como uma importante

estratégia comercial (divulgação de músicas e artistas) e, sobretudo, como um espaço de

aproximação e interação entre ouvintes, artistas e apresentadores. Na década de 1930, como

ainda nao existia pesquisa de audiência, o auditório era o único “Ibope” capaz de medir a

popularidade dos programas e dos artistas. Tinhorão fornece a dimensão da produção:

Mistura de programa radiofônico, show musical, espetáculo de teatro de

variedades, circo e festa de adro (o que não faltavam eram sorteios), esses

programas chegaram a alcançar uma dinâmica de apresentação que

conseguia manter o público dos auditórios em estado de excitação

contínua durante três, quatro e até mais horas. Para isso os animadores dos

programas contavam não apenas com a presença de cartazes de sucesso

garantido junto ao público, mas ainda com a colaboração de grandes

orquestras, conjuntos regionais, músicos solistas, conjuntos vocais,

humoristas e mágicos, aos quais se juntavam números de exotismo,

concursos à base de sorteios e distribuição de amostras de produtos entre o

público. (TINHORÃO, 2014, p. 99).

O programa de auditório aquecia a programação e gerava adesão do público, ou seja,

as audiências aumentavam e, consequentemente, as verbas publicitárias. Um espaço de

encontros e sociabilidade da massa, onde elementos das festas populares se faziam

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presentes. Os sorteios, por exemplo, são uma tradição das festas de largo5 (competições,

sorteios e brincadeiras coletivas), que passaram a ser feitos como propaganda do

patrocinador do programa. (MIRA, 1995, p.126).

[...] a ideia de distribuição de prêmios para a fórmula dos concursos, o que

passaria a conferir às plateias das emissoras de rádio um animado espirito

de festa popular, com música e sorteios, em tudo semelhante ao clima dos

arraias das igrejas do interior em dias de quermesse. (TINHORÃO, 2014,

p. 91).

Ainda, segundo Tinhorão (2014, p.104), o fascínio exercido pelos programas de

auditório no rádio não estavam apenas em suas apresentações artísticas, mas na força que o

grande centro urbano exercia sobre pessoas em processo de ascensão social nas áreas menos

desenvolvidas do Brasil. “Para o ouvinte pobre o radio, representado pela oportunidade de

comparecer aos programas de auditório, constituía muitas vezes a única oportunidade de

diversao participante [...].” (p.119).

Assimilando elementos da vivacidade e diversidade do circo e do humor sarcástico

do teatro de revista, o programa de auditório no rádio se tornou uma nova modalidade de

espetáculo de palco.

Fisicamente, o circo é composto: lugar circular coberto por lona, picadeiro com

serragem rodeado de arquibancadas. O público acompanha de perto cada um dos números,

observa, ouve e sente o espetáculo.

O espaço físico com proximidade entre arquibancada e picadeiro no circo

proporciona um sentimento marcante: a emoção. No picadeiro, vários artistas se

apresentam: acrobatas, malabaristas, trapezistas, domadores, palhaços, dançarinos,

mímicos, mágicos, equilibristas, instrumentistas, cantores e muitos outros. Artistas que

colocavam em risco o seu corpo para provar a força emocional do número. O desafio é

posto a todo o momento diante de um público. O artista teme o erro, mas o público precisa

temer junto. Sem risco o show não acontece. A tensão da emoção é o que prende a atenção

do público.

No programa de auditório na televisão a proximidade entre a plateia e as atrações

não é diferente. A estrutura de alguns programas até lembra um picadeiro, com a plateia

próxima e interagindo com emoção.

5 As Festas de Largo é o período de festas que começa no dia 4 de Dezembro, com continuidade até o Carnaval.

Antigamente, em Salvador as praças serviam como ponto de encontro em dias de santos e orixas. O nome “festa de largo”

deve-se a esse costume, retrato da cultura local. São ligadas ao folclore brasileiro, com o objetivo de confraternização

entre os participantes, regado a bebidas e comidas típicas da região. (MUNDI, 2015).

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[...] porque você faz olhando para a câmera, estão você está com eu e a

câmera, mas quando você tem o auditório você tem eu, a câmera, o povo

que está por trás da câmera assistindo e junto com isso o auditório. Então

é o calor. [...] a plateia se ela não está gostando, ela reage. No primeiro

impulso tudo acontece. E saber lidar com ela é um grande desafio.

(FRANCFORT, 2015).

Nos quadros de calouros, os anônimos temem desafinar ou esquecer a letra da

música perante o público, os jurados e o apresentador. Vive-se um momento de tensão, de

desafio, com o público no auditório e em casa.

No circo, a música e os efeitos especiais, como o canhão de luz, o "rufar dos

tambores" e o estrondo do gongo ilustram o momento quando os artistas se apresentam, nas

aberturas, momentos de clímax e finais triunfantes marcados por batidas nos tambores,

pratos da bateria e no gongo. No programa de auditório a sonoplastia também exerce a

mesma função de ritmo, ou pode até forjar aplausos e vaias, mas alguns sons ligados à

identidade da produção se tornam elementos essenciais à construção das marcas de cada

programa. Por exemplo, as músicas de abertura e vinhetas de passagem associadas aos

nomes dos programas.

Ao apresentador no circo cabe a missão de conduzir o caos, ao mesmo tempo em

que arranca aplausos da plateia com sua desenvoltura. Apresenta-se com uma voz potente

ao entoar frases gritantes da cultura circense, como a mais conhecida: “Respeitavel

público!”. Muitos circos também têm como condutor dos seus espetáculos os palhaços.

As peculiaridades de um programa de auditório pedem que o apresentador tenha a

facilidade para lidar com improvisações para não deixar o ritmo de o programa cair. A

presença de espírito (agir espontaneamente) e de palco (carisma), bom humor e facilidade

de diálogo são ferramentas importantes para segurar o ritmo e transformar o espaço, em um

verdadeiro circo eletrônico. Nas emissoras, essa figura, ainda, tem a missão de saber

dialogar com alguém que olha por meio de câmeras. A figura de amigo é transmitida por

meio das lentes tanto com interpretações com a voz e gestos corporais.

Dois outros elementos da estética do circo que o aproximam de alguns programas no

gênero na televisão são: o excesso de cores e elementos visuais.

Já o teatro de revista, que fez sucesso no Brasil entre 1920 e 1930, também exerceu

influência no gênero. Era uma mistura do teatro popular e do teatro musical, com apelo à

sensualidade e críticas sociais e políticas de forma cômica. As cenas eram fantasiosas e com

personagens anacrônicos, cenários e figurinos espalhafatosos. Utilizava-se de um tema e

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uma figura central no palco para conduzir as apresentações: o compère, ou compadre, aqui

no Brasil. Este personagem é semelhante ao cabaretier dos cafés e cabarés franceses do

século XIX, figura importante que anunciava as atrações e espetáculos e geralmente era o

dono do estabelecimento.

No Brasil, esse modelo se baseava na musicalidade, na sensualidade, no colorido

tropical e no deboche, com a figura das vedetes em destaque, ocupando um lugar especial.

Eram populares cantoras ou comediantes, ou sensuais dançarinas com figurino revelador e

exuberantes. Era uma estratégia de apelo comercial que se utilizava da sensualidade das

mulheres. Assemelham-se com as dançarinas e assistentes de palco de programas de

auditório.

Figura 6 – Cena da companhia de teatro Tro-lo-ló na década de 1920:

Fonte: UOL EDUCAÇÃO (2006).

Os fatores culturais que uniam plateia a algum evento contribuíram para a

consolidação do gênero na televisão: linguajar simples e alegre, plateia participativa, roteiro

ágil e redundante, abordagem de assuntos atuais, cenários e figurinos marcantes (do brega

ao cult e misturados), apresentador (geralmente do sexo masculino) carismático, presença

de atrações artísticas diversificadas, uso de jargões diversos, disposição física definida entre

o palco e arquibancada.

Um fato absolutamente notável é que quanto mais voltamos na história

dos programas de auditório mais nos aproximamos do universo da cultura

popular. Passando pelas histórias das primeiras emissoras de TV e das

manifestações culturais que constituíram suas fontes mais diretas (o rádio,

a „chanchada‟ e o teatro de revista), acabamos por descobrir sua ligaçao

profunda com o circo e a festa popular. (MIRA, 1995, p.128).

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O gênero ganhou contornos próprios na televisão com tom popular de divertimento.

Em entrevista para esta pesquisa, o diretor Ignácio Coqueiro, do programa Hora do Faro,

afirma que o programa de auditório utiliza-se da união entre jornalismo e dramaturgia para

a sua concretizaçao: “Ele tem uma linha, é trabalhado em cima de esquetes, dois tons a

cima do programa de dramaturgia, um tom diferente do jornalismo, tudo com inflexão, às

vezes com o tom, ou com volume de voz.” (2015).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo fato do desconhecimento sobre linguagem televisiva, a TV brasileira assimilou

em seu inicio vários modelos de programas do rádio, o programa de auditório foi um deles.

É notório que o veiculo radiofônico foi o maior influenciador do gênero na televisão, porém

se concretiza da mistura do rádio, do teatro-revista e do circo que ajudam a formar os

quadros comandados pelo personagem mais beneficiado pelo produto: o apresentador.

Tanto que muitos programas carregam o nome de seu líder, por exemplo, o Programa

Silvio Santos, Domingão do Faustão e Caldeirão do Huck.

O programa de auditório é o gênero televisivo que mais se aproxima das festas

populares. A união das pessoas presentes no estúdio é a representação simbólica da massa

que recebe o conteúdo e declara como as mensagens serão recebidas pelos telespectadores.

Quanto mais o público presente no estúdio se sente animado e sensibilizado com o que se

vê, maiores podem ser as chances de sucesso de um programa.

A fórmula tradicional para esse gênero impera com: um apresentador carismático,

interação com a platéia, candidatos que aspiram à fama em algum concurso e diversas

atrações. Nota-se, ainda, que muitos dos programas não oferecem ao público quadros

diferenciados, muitos copiam uns aos outros, por exemplo, as matérias externas que buscam

auxiliar algum telespectador, ou ainda, as conhecidas “pegadinhas”.

Espera-se que este artigo contribua para o entendimento da formação histórica e

cultural do gênero na televisão e pesquisas sobre a temática.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016

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