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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste Mossoró - RN 12 a 14/06/2013 1 O Papel Do Ciberativismo Nos Movimentos Sociais Contemporâneos: Uma Análise Do Movimento “Occupy Wall Street1 Paula Camilla FELIPE 2 Instituto de Educação Superior da Paraíba, João Pessoa, PB RESUMO O desenvolvimento do ciberespaço, como plataforma de reconfiguração da sociedade contemporânea e das trocas sociais existentes, trouxe mudanças aos processos de mobilização social e ativismo, que passam a ser praticados na web através do ciberativismo. O trabalho tem como objeto de estudo analisar o movimento ativista de mobilização social Occupy Wall Street, e a presença da web 2.0 e suas ferramentas interativas na construção e disseminação da causa. PALAVRAS-CHAVE: ciberativismo; mobilização; web; Occupy Wall Street. Introdução Os meios de comunicação digital, também conhecidos como novas mídias, causaram nas pessoas o interesse em explorar novas formas de comunicação e um novo ambiente midiático. É a rede, ou ciberespaço, que surge com a interconexão mundial dos computadores, e que cria e desenvolve a cibercultura, que é o resultado da mistura de distintos grupos e culturas, do social, em torno das novas tecnologias. Com a ascensão dessas novas formas de comunicação um novo comportamento nas pessoas foi possibilitado. Elas passaram de meros espectadores das mídias tradicionais de massa, a produtores de conteúdo e informação na cultura digital. A web possibilita ao internauta exercer o papel de “veículo de comunicação” que pode transformar a mensagem, e não ser apenas o espectador condicionado a receber a mensagem como ocorria com as mídias de massa. A comunicação deixa de ser de um para todos para ser de todos para todos. Esse novo papel que o internauta passa a ter é resultado de uma das principais características da cibercultura: a interatividade. E desde seu surgimento a web vem passando por transformações, presenciamos a evolução da web 1.0 a algo mais novo e apropriado aos novos tempos, a 1 Trabalho apresentado no Intercom Júnior 05 Rádio, Tv e Internet do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 12 a 14 de junho de 2013. 2 Bacharel do Curso de Comunicação Social Habilitação em Publicidade e Propaganda do Instituto de Educação Superior da Paraíba IESP, email: [email protected].

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O Papel Do Ciberativismo Nos Movimentos Sociais Contemporâneos: Uma Análise

Do Movimento “Occupy Wall Street”1

Paula Camilla FELIPE2

Instituto de Educação Superior da Paraíba, João Pessoa, PB

RESUMO

O desenvolvimento do ciberespaço, como plataforma de reconfiguração da sociedade

contemporânea e das trocas sociais existentes, trouxe mudanças aos processos de

mobilização social e ativismo, que passam a ser praticados na web através do

ciberativismo. O trabalho tem como objeto de estudo analisar o movimento ativista de

mobilização social Occupy Wall Street, e a presença da web 2.0 e suas ferramentas

interativas na construção e disseminação da causa.

PALAVRAS-CHAVE: ciberativismo; mobilização; web; Occupy Wall Street.

Introdução

Os meios de comunicação digital, também conhecidos como novas mídias,

causaram nas pessoas o interesse em explorar novas formas de comunicação e um novo

ambiente midiático. É a rede, ou ciberespaço, que surge com a interconexão mundial

dos computadores, e que cria e desenvolve a cibercultura, que é o resultado da mistura

de distintos grupos e culturas, do social, em torno das novas tecnologias.

Com a ascensão dessas novas formas de comunicação um novo

comportamento nas pessoas foi possibilitado. Elas passaram de meros espectadores das

mídias tradicionais de massa, a produtores de conteúdo e informação na cultura digital.

A web possibilita ao internauta exercer o papel de “veículo de comunicação” que pode

transformar a mensagem, e não ser apenas o espectador condicionado a receber a

mensagem como ocorria com as mídias de massa. A comunicação deixa de ser de um

para todos para ser de todos para todos. Esse novo papel que o internauta passa a ter é

resultado de uma das principais características da cibercultura: a interatividade.

E desde seu surgimento a web vem passando por transformações,

presenciamos a evolução da web 1.0 a algo mais novo e apropriado aos novos tempos, a

1 Trabalho apresentado no Intercom Júnior 05 – Rádio, Tv e Internet do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 12 a 14 de junho de 2013.

2 Bacharel do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda do Instituto de Educação Superior da Paraíba – IESP, email: [email protected].

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web 2.0, que possibilita o compartilhamento de conteúdo, a liberação do polo de

emissão, a sociabilidade e conversação, a participação, a reconfiguração das mídias

sociais interativas.

E para possibilitar esse uso mais interativo que a web 2.0 propõe surgem

diversas ferramentas e plataformas a serem utilizadas pelos usuários. Elas permitem a

interação, a troca de experiências, ideias e opiniões, formando uma inteligência coletiva,

que através da participação de todos na construção do conteúdo formam a web 2.0. E

entre as mais conhecidas e utilizadas ferramentas estão as plataformas de blogging

(Wordpress, Blogger, Tumblr), os sites de redes sociais (como Orkut, Facebook,

Google+, LinkedIn, Twitter), as wikis (como a Wikipedia), os sites de compartilhamento

de arquivos (Dropbox e 4shared), os sites de compartilhamento de vídeos (como

Youtube, Vimeo, Livestream) e os de fotos (como Flickr, Pinterest, Picasa).

E com todas essas mudanças no cenário midiático, as relações sociais entre

as pessoas também mudaram. A sociedade agora possui uma ferramenta importante de

compartilhamento, que auxilia o povo na busca de seus direitos, lhes dando voz e

espaço de reinvidicação, maior poder de interação, conversação e também a

possibilidade de produzir conteúdo. A internet reconfigura também as relações de poder

e representação, dando mais força aos movimentos mobilizadores e as ações coletivas.

Nesse contexto surge o ciberativismo, como sendo a prática de protestar em

favor de alguma causa, seja ela de cunho político, social, ambiental ou cultural, através

do ambiente digital, da internet, e seria uma forma de ativismo reconfigurada, onde se

soma o ativismo web ao praticado efetivamente nas ruas.

E o tema deste trabalho refere-se justamente ao ciberativismo presente na

sociedade atual e ao uso que foi feito da internet e das ferramentas da web 2.0 nas

mobilizações sociais mais recentes da nossa história, que tinham o objetivo de mudar a

realidade, como ocorreu no movimento Occupy Wall Street, e a importância da web

para o sucesso das causas.

Oriundo de uma pesquisa maior, realizada para elaboração de Trabalho de

Conclusão de Curso, o presente artigo tem como objetivo principal realizar um estudo

que nos auxilie a perceber o potencial das ferramentas da web 2.0 na concepção,

disseminação e continuidade dessas mobilizações sociais. Ressalta-se, então, que,

devido à limitação do espaço, alguns aspectos da teoria e do objeto de análise não serão

abordados no artigo, que se limitará a trazer os conceitos mais relevantes para atender

ao objetivo proposto.

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Ciberativismo

Buscando uma definição exata dos termos, o dicionário Aurélio da Língua

Portuguesa define ativismo como sendo uma “doutrina ou prática que preconiza ação

política vigorosa e direta”, e o termo ativista como sendo “relativo ao, ou que é

partidário do ativismo”.

Já a enciclopédia online Wikipédia3 (2012) traz a seguinte definição para o

termo ativismo:

Ativismo pode ser entendido como militância ou ação continuada com

vistas a uma mudança social ou política, privilegiando a ação direta, através de meios pacíficos ou violentos, que incluem tanto a defesa,

propagação e manifestação pública de ideias até a afronta aberta à lei,

chegando inclusive à prática de terrorismo.

Jordan (2002) caracteriza o ativismo político como sendo ações coletivas

que geram transgressão e solidariedade. Seguindo a sua ideologia, a transgressão é

essencial ao ativismo, pois a mesma significaria o protesto a alguma situação social

visando sua transformação, já a solidariedade é essencial ao ativismo, pois garante a

coletividade agindo conjuntamente em busca da transgressão.

Assis (2006), dentro desse contexto, traz ainda a noção de ação direta e

indireta. Para o mesmo, uma ação indireta seria o processo eleitoral, por exemplo,

enquanto que a ação direta “é a manifestação na rua, a greve, o boicote, a sabotagem –

qualquer ação positiva (fazer algo) que tenha implicações concretas, e geralmente

imediatas, sobre seus alvos.” (ASSIS, 2006, p. 14). Mas e o que busca um ativista

político?

O ativista político é um “radical” envolvido em ações políticas diretas

e indiretas sempre fora do âmbito institucional. É “mais” que um

militante – participa de um grupo, segue seus ideais, mas também vai às ruas e cria situações de confronto com seus alvos – e “menos” que

um revolucionário – suas ações não buscam remodelar o sistema de

poder vigente de forma impositiva. O ativista é um agente engajado, movido por sua ideologia a práticas concretas – de força física ou

criativa – que visam desafiar mentalidades e práticas do sistema sócio-

3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipédia:Página_principal

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político-econômico, construindo uma revolução a passos pequenos.

(ASSIS, 2006, p. 14).

Desta forma, o ativismo, como sendo as ações realizadas coletivamente em

busca da transformação de uma dada realidade social ou política, podendo ter um

caráter de protesto, manifestação, deve atuar em favor de causas que garantam os

direitos da sociedade, atendendo no âmbito social, trabalhista, ambientalista, para ajudar

os animais, por autonomia, por respeito às diversidades de gênero e raça, para monitorar

a política do lugar em que você vive.

O ciberativismo, portanto, é uma forma de protestar em favor de alguma

causa, seja ela de cunho político, social, ambiental ou cultural, através do ambiente

digital ou da internet. Como define Rigitano (2003, p. 3) “entende-se por ciberativismo

a utilização da internet por movimentos politicamente motivados pelo intuito de

alcançar certas metas ou lutar contra injustiças que ocorrem na própria rede”.

O ciberativismo seria uma forma de ativismo reconfigurada, onde se soma o

ativismo web ao ativismo praticado nas ruas. É importante enfatizar isso, um não anula

o outro, eles apenas passam a se complementar, como um ato público que passa a ser

organizado a partir de um evento no facebook, por exemplo. A diferença é que com o

ativismo praticado pela internet, promover uma mobilização e conseguir a participação

ficou mais fácil, rápido e com custo mais baixo. Percebe-se nesta atuação um vislumbre

do modo como as ferramentas de comunicação e, em particular, as intituladas novas

mídias atuam para transformar os processos de mobilização e participação fazendo do

ativista no ciberespaço um verdadeiro disseminador da democracia.

O movimento Occupy Wall Street

O movimento Occupy Wall Street pode ser considerado o evento político

mais importante que aconteceu nos Estados Unidos nas últimas décadas

(WALLERESTEIN, 2011), e outro exemplo sólido da importante contribuição da

Internet para o sucesso da causa. Mais uma vez os protestos das ruas ganhando força

devido à mobilização na web.

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Inspirados pelas mobilizações que já vinham acontecendo em diversos

países do mundo desde o início de 2011, como os protestos da primavera árabe, o

Occupy Wall Street começou com a disseminação da ideia na internet em Julho do

mesmo ano pela revista canadense Adbuster, que critica a publicidade. A proposta da

publicação era ocupar o distrito financeiro de Wall Street no dia 17 de Setembro, dia da

Constituição americana, para protestar contra a influência que as grandes corporações

financeiras têm sobre o governo, principalmente os bancos (a quem eles atribuem a

culpa pela crise econômica que assolou os EUA em 2008), a ganância empresarial que

visa sempre o lucro, o sistema capitalista como um todo, e também contra a crescente

desigualdade social e da distribuição das riquezas do país. O Slogan da campanha era

“We are the 99 percent” (“nós somos os 99%”, em português), que elucida a situação da

maioria da população americana que não detém a maior parte das riquezas, contra o 1%

mais rico do país.

A ocupação, que foi organizada praticamente toda na rede, conseguiu levar

de início cerca de mil manifestantes a acampar no Zuccotti Park, nas imediações de

Wall Street em Nova York, no dia 17 de Setembro. A total falta de interesse por parte da

mídia tradicional tratou o caso parecia levar o movimento ao insucesso, entretanto, a

internet mais uma vez mostrou sua força e cumpriu seu papel de disseminar o que

estava acontecendo. Tudo porque a polícia resolveu censurar e agir com brutalidade

contra os manifestantes, na tentativa de dispersar o movimento, tudo foi filmado e

posteriormente disponibilizado no Youtube, o que contribuiu para revoltar as pessoas e

convocar novos manifestantes. O Anonymous4 foi fundamental nessa primeira fase de

divulgação dos protestos, através de muitos vídeos postados e mensagens enviadas.

Figura 4: Manifestantes do anonymous nos protestos do Occupy Wall Street

4 Anonymous é um grupo hacktivista internacional, formado por membros anônimos, como o próprio nome indica em inglês. O grupo atua em diversas frentes, geralmente "defendendo causas em prol da sociedade". Como forma de protesto, o Anonymous invade páginas na Internet e derruba sites, dentre outras ações.

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Uma manifestante que participou efetivamente do movimento exalta a

importância das mídias digitais no Occupy Wall Street quando, em entrevista ao site

estadão, diz:

Uma coisa importante de perceber é que, apesar de termos recursos

limitados, nós temos um centro de mídia gigante aqui no parque. É um

grupo de pessoas que está subindo fotos no Facebook, no Twitter, espalhando tudo pela web. Assim que temos algum vídeo, fazemos o

possível para disseminá-lo o mais rapidamente. O que é bem diferente

do que se esse mesmo tipo de protesto acontecesse há cinco anos, quando era muito mais difícil disseminar informação. Também

organizamos a ascensão de hashtags no Twitter justamente para

chegar à principal lista do site e fazer que as pessoas descubram do que estamos falando. Isso também não existia a cinco anos.

Para sustentar o movimento, que com a adesão de mais pessoas necessitava

de uma estrutura física mínima, de alimentação para os manifestantes, de acesso à rede

etc. a organização contou com mais de US$ 300.000 dólares arrecadados também

através da internet, o que mostra o apoio e o respaldo popular aos protestos. Foi criado

pela Avaaz um abaixo-assinado em prol da campanha e que contabilizou mais de 540

mil assinaturas, que eram divulgadas em tempo real a cada nova assinatura em um

contador instalado pela instituição no centro de Nova York, além da divulgação no site.

Ações como essas mostram como a população americana se envolveu de fato com a

causa.

Figura 5: contador de assinaturas arrecadadas pelo Avaaz no centro de Nova York.

Após algumas semanas de ocupação em Nova York o movimento se

espalhou por todo o país, nas cidades, bairros e ruas, e alguns espaços urbanos dessas

localidades também foram ocupados. Os protestos se espalharam por cidades como

Boston, Chicago, Los Angeles, Washington, Tampa e Portland. E o que começou com

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um pequeno grupo de insatisfeitos, conseguiu sensibilizar uma população capitalista por

natureza a protestar contra as desigualdades que esse sistema econômico os impõe.

Ás vésperas de completar um mês de ocupação, e com adesão de cidadãos

de várias partes do mundo, foi organizada, por meio de redes sociais e páginas na

internet – principalmente pelo Facebook - uma grande mobilização em diversas cidades

do mundo no dia 15 de Outubro. De fato, foram “ocupadas” mais de 1000 outras

cidades espalhadas por 80 países. No Brasil, houve “filiais” do movimento em São

Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Natal e Campinas.

O movimento em São Paulo ficou conhecido como Acampa Sampa, e os

manifestantes adequaram os protestos à realidade brasileira, pedindo o fim da

representação política dos partidos, sendo a favor da autogestão, transporte público

gratuito, mais igualdade social, a descriminalização do aborto. Primeiro houve uma

passeata no centro da cidade, que os levou ao local da ocupação, no Anhangabaú.

E para divulgar a causa o grupo fez uso de diversas ferramentas da web 2.0

como: Facebook, Twitter, blogs, Livestream, Flickr e Youtube. No Facebook, onde a

ocupação foi organizada, mais de 2.000 pessoas confirmaram presença na página do

evento. Já no Youtube, foram disponibilizados pelo grupo mais de 50 vídeos no canal do

Acampa Sampa.

Figura 6: ocupação do #AcampaSampa no centro de São Paulo.

Os números deste movimento no Brasil podem ser considerados tímidos,

entretanto, é bom levar em conta o fato de que o país não possui tradição de grandes

manifestações populares.

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E assim como aconteceu nos EUA, ativistas em Londres e em Madri

também marcaram seus protestos e ocupação. Em Londres, os manifestantes também se

organizaram através das redes sociais para protestar em frente à Bolsa de Valores da

cidade, chamando a atenção para as injustiças que as economias tinham causado no

mundo. Em Madri os protestos aconteceram na Plaza Del Sol, no centro da capital,

contra os altos índices de desemprego no país.

Os Estados Unidos, por ser um país desenvolvido, conta com um serviço de

internet rápida e com ampla cobertura, que chega a quase todos os lares, além de estar

disponível de graça em muitos ambientes públicos. Segundo dados, os americanos

correspondem a 23,3% dos usuários de todo o mundo. A facilidade do acesso, então, foi

inegavelmente um dos fatores que levaram a grande mobilização que se formou no

ambiente virtual durante os protestos do Occupy Wall Street.

A internet funcionou principalmente no recrutamento de novas adesões ao

movimento e também na disseminação do que acontecia nos locais ocupados em tempo

real. Entretanto, houve alguns casos que ganharam maior visibilidade, como o do

sargento dos Marines, Shamar Thomas, ex-combatente no Afeganistão, que em meio

aos protestos acontecendo viu a polícia agredindo manifestantes e discursa ali mesmo na

rua condenando a atitude da polícia, dizendo que os agentes estavam ferindo os ideais

do país ao agredir os cidadãos de bem. O episódio foi filmado e o vídeo publicado no

Youtube, onde recebeu em menos de dois dias meio milhão de acessos.

Figura 7: Trecho do vídeo do sargento Shamar Thomas que circulou pela internet.

E a repressão com que a polícia agia durante os protestos foi um capítulo a

parte, centenas de vídeos foram publicados, gerando revolta nas pessoas. E um em

especial foi mais repercutido, nele um policial aparecia jogando spray de pimenta nos

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manifestantes, e um Tumblr5 satirizando o policial virou mania na internet, com

montagens do policial jogando spray de pimenta em bonecos de lego, em biscoitos

caseiros, em jogos de vídeo game, e muitos outros exemplos.

Figura 8: Tumblr Pepper Spraying Cop

Outro caso que repercutiu bastante foi o da estudante Molly Katchpole de 22

anos em Washington, que publicou um vídeo onde protestava contra a nova medida do

Bank of America, e que seria adotada por outros bancos, de cobrar US$ 5 dólares dos

clientes a cada vez que utilizassem seus cartões de débito, o desabafo de Molly teve

mais de 300.000 acessos, e com a repercussão que gerou os bancos acabaram

cancelando a medida. Mais uma vitória dos internautas.

E fora esses casos de maior repercussão, a mobilização também conseguiu

movimentar de fato as ações através de algumas mídias sociais. No Facebook, eventos

foram criados (onde as pessoas confirmavam sua presença nos protestos), vídeos, fotos

e testemunhos foram postados. A página oficial do movimento hoje na rede social é

curtida por 412.000 mil pessoas e tem um fluxo de conteúdo disponibilizado bastante

significativo e atual, pois o grupo ainda não acabou. Na época possuía 22.000 mil

curtidas, e fora essa página oficial, foram criadas páginas dos movimentos de Boston,

Los Angeles, Filadélfia, Knoxville, da Espanha, dentre outras.

Figura 9: Perfil do movimento Occupy Wall Street em Dezembro de 2012.

5 http://peppersprayingcop.tumblr.com/

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Figura 10: Atualizações do perfil do movimento no Facebook em Dezembro de 2012.

O Twitter foi um canal de divulgação simultâneo ao que acontecia no

momento nos locais de ocupação, através de várias hashtags como #Occupy,

#OccupyLA, #OccupySpain, e muitas outras, a organização dos protestos conseguia

repercutir os fatos e convocar novos manifestantes a participarem. Na época o perfil

oficial @OccupyWallSt possuía quase 39.000 mil seguidores, hoje conta com quase

200.000 mil seguidores.

Figura 11: Perfil do movimento no Twitter em Dezembro de 2012.

Figura 12: Cartaz durante protestos que mostrava a hashtag do movimento.

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Nas plataformas de compartilhamento de vídeos, a audiência também foi

grande. Em seu canal no Livestream o grupo contava com quase 4.000 mil espectadores,

que estava ali para acompanhar ao vivo e em vídeo o que estava acontecendo. O

Youtube também era bombardeado com vídeos a respeito das manifestações, e hoje

apresenta 239.000 mil resultados a busca por “occupy wall street”, que vão desde

documentários, a matérias que foram exibidas em TVs, e vídeos filmados pelos

manifestantes.

Os blogs também tiveram um papel importante nessa jornada, pois foi a

partir deles que vários textos que noticiavam o que vinha acontecendo, assim como

declarações públicas de apoio ao movimento por parte de pessoas influentes como

artistas e intelectuais, foram publicados. Como fez o polêmico cineasta americano

Michael Moore, que visitou os acampados de Wall Street e chamou a população para

participar das manifestações através de um vídeo postado em seu blog mais ou menos

um mês após o início da ocupação. O Tumblr também foi uma ferramenta importante, o

perfil “Nós somos os 99%”6 gerou grande impacto, pois possuía um apelo mais

sentimental, onde as pessoas contavam suas histórias de como foram afetadas com a

crise financeira através de cartas escritas a mão e postadas em fotos. O site hoje possui

quase 3.000 mil relatos.

Figura 13: Perfil do Tumblr “We are 99 percent”.

6 www.wearethe99percent.tumblr.com

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Figura 14: Vídeo publicado no dia 21 de outubro de 2011 no blog do cineasta americana

Michael Moore.

O site oficial do movimento7 também pode ser considerado uma fonte de

divulgação do grupo, é por lá que as pessoas podem fazer suas doações, que elas têm

acesso a notícias mais recentes do grupo, podem participar de fóruns e chats de

discussão, ficam por dentro de seus projetos e tem acesso aos perfis oficiais do grupo

nas redes sociais. Um outro meio que os interessados tem para se comunicar.

Apesar de todos os esforços e tentativas frustradas dos manifestantes em

manterem a ocupação no Zuccotti Park em Nova York, eles foram expulsos pela polícia

americana em 15 de novembro de 2011, quase dois meses depois do início da ocupação.

Porém o movimento não acabou e os manifestantes passaram a organizar ocupações em

bancos e sedes de empresas. Hoje o grupo que faz o movimento Occupy Wall Street,

embora sem grande visibilidade, como a que alcançou em 2011, continua se envolvendo

em protestos e organizando novos projetos que visam transformar a realidade social.

Não só no Occupy Wall Street, como nos demais movimentos com as

mesmas características, é importante percebermos o quanto a web 2.0 e suas ferramentas

interativas passam a ser o principal canal de comunicação e divulgação dessas causas. A

cada post publicado, a cada tweet lançado, a cada vídeo postado, mais e mais pessoas

descobrem a causa, e após essa descoberta passam a se engajar no movimento,

produzindo novos posts, novos tweets, novos vídeos, em um círculo virtuoso que pode

ser explorado por qualquer tipo de movimento, ou por qualquer tipo de causa.

7 http://occupywallst.org/

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Considerações Finais

Através deste trabalho podemos compreender como a partir do

desenvolvimento da web e da cibercultura as relações e trocas sociais mudaram a

sociedade contemporânea. Vivemos em uma sociedade em rede, com uma nova

estrutura social, de poder e cultura. E com a internet as pessoas passaram de

espectadores, como ocorria com as mídias tradicionais de massa, a produtores de

conteúdo, pois houve a liberação do polo de emissão, permitindo aos usuários que os

mesmos produzam e distribuam informação no ambiente virtual, criando um movimento

de compartilhamento e troca de saberes e conhecimentos que acaba levando a uma

Inteligência Coletiva.

De fato o Occupy Wall Street foi, além de protestos e ocupações nas ruas,

vídeos postados no Youtube, fotos no Tumblr e Flickr, textos em blogs, hashtags no

Twitter, páginas e fóruns de discussão no Facebook, eventos no livestream, e que juntos

transformaram a agenda política e econômica dos EUA e trouxeram a tona a questão da

disparidade na distribuição de renda no país. Foi um movimento social que seguiu as

tendências dos novos tempos, onde a informação é feita por todos e para todos, e o

compartilhamento de conteúdo é global. Entretanto, é importante ressaltar que a

revolução na web é um complemento à revolução nas ruas, e vice e versa. A internet

auxiliou o protesto em si ao quebrar o silêncio imposto pelas mídias tradicionais, deu

visibilidade. Porém, pode-se dizer que o impacto não teria sido tão grande se eles

tivessem ficado apenas na web, sem ganhar as ruas.

Isso faz com que verifiquemos que, cada vez mais, o prefixo “ciber” deixará

de ser necessário para pontuar o ativismo que as pessoas analisadas neste trabalho se

propuseram a fazer. Tais ferramentas fazem parte de nosso dia-a-dia, sem distinção

entre real e virtual. A sua relação com o mundo “real” tende a ser a cada dia mais

indissociável. Se um protesto começa em uma praça ou em uma rede social pouco

importa, o interessante é que tais indivíduos estão usando essas “armas” para mudar o

seu mundo.

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